TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS LIBERTADORES

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teoria; no mundo contemporâneo, os libertadores também não acreditam na desumanização do trabalhador escravo, pois ele está escravizado, mas é ―gente como a gente‖, tão humano quanto qualquer indivíduo fora do contexto do trabalho escravo no mundo contemporâneo. Para o libertador de trabalhadores escravos no Brasil contemporâneo, humanizar existe enquanto um ato de enfrentamento à força opressora que separa a ―gente‖ em pessoas libertas e pessoas escravizadas. Gente é um conceito monotômico: só pode haver um tipo de gente, e ele é composto por pessoas livres. Quando se reflete acerca da prática cotidiana do trabalho do libertador, constata-se aí uma dificuldade do trabalhador em se dissociar da figura do escravizado. Essa extrema proximidade subjetiva, não necessariamente laboral ou de ocupação do mesmo espaço, é fortemente indicada pela linguagem identificada na ramificação ―Dinâmica do trabalho‖, a qual aborda termos como ―eles‖, ―gente‖, ―caras‖, ―trechos‖, ―gatos‖, que não estão utilizadas, conforme constatado na análise de conteúdo, de modo ―comum‖, mas, isso sim, referidas à linguagem dos próprios escravizados. Essa identificação extrema com os oprimidos pode resultar em que dificilmente os libertadores consigam evoluir de sua prática cotidiana para uma práxis transformadora, constituída não apenas do trabalho de conhecer os escravizados, de os acompanhar e os libertar, e de encontrar novas condições de trabalho para os libertos, essa práxis transformadora se constituiria enquanto a capacidade de articular ações junto aos opressores para superação da relação exploratória que eles mantém com os trabalhadores; tal articulação demanda um certo distanciamento do processo que envolve o escravizado, para que o(a) libertador(a) possa negociar, com o opressor, espaços novos para os grupos oprimidos, que assim poderão ativamente construir caminhos para uma restauração real da igualdade entre os grupos. Ademais, quando se considera a tarefa definidora no eixo técnico — a de encontrar melhores condições de trabalho para o sujeito liberto no próprio meio rural — em relação à idéia encontrada na Pesquisa 1 quanto à identificação da pessoa escravizada enquanto alguém

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