TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS LIBERTADORES

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essas pessoas — libertar é uma forma de adequar o mundo real ao mundo ideal —, e sofrem no mínimo dois dilemas relacionados à questão de que libertar é depender da pessoa escravizada para que se efetue o trabalho de libertar: em primeiro lugar, o libertador de escravos depende do escravo para que se defina enquanto tal; e, em segundo lugar, o trabalho do libertador de escravos é sempre in progress, pois quando não houver mais pessoas a se libertar, não haverá também libertadores. Os libertadores, tal como as demais categorias e classes trabalhadores, constantemente lidam com a necessidade de equilibrar o controle sobre o trabalho e a demanda do trabalho, com a finalidade de manter a própria saúde mental, conforme Karasek (1979). Os libertadores, mesmo não sendo explorados diretamente, têm plena ciência da exploração sofrida pelos escravizados, e participam com eles do movimento de mudança nos rumos desse sistema que há muito tempo explora, mas muda, conforme eles próprios constatam, e essa possibilidade de mudança é que abre espaços para que seu poder de influenciar se efetive, contra a violência representada pela usurpação de poder dos trabalhadores escravos sobre o seu trabalho e sobre si mesmos, contra a violência que os obrigam a ser para outros, condição de exploração no trabalho, ao invés de estarem com outros, condição de cooperação, de liberdade no trabalho: para os libertadores, o trabalho escravo é uma violência contra o poder dos trabalhadores de exercer livremente seu trabalho, tal interdição é um crime, a seu ver, contra um princípio central na definição do que é ser humano, e portanto é um crime contra todas as pessoas. Libertar trabalhadores escravos se torna libertar a si mesmos porque significa libertar outros indivíduos em uma sociedade de configuração democrática. O trabalho escravo apresenta conteúdos com forte impacto em vários âmbitos representacionais, um desses é o relacionado à questão da alteridade: o libertador se identifica com esse outro, porém se percebe a si mesmo com mais clareza nessa relação.

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