inVISIBILIDADES #6 - Julho de 2014

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REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | Bianual | ISSN 1647-0508

#6 JULHO 2014

Na urgência de uma educação artística com uma postura radical perante as ofensivas do poder En la urgencia de una educación artística con una postura radical ante las ofensivas del poder


FICHA TÉCNICA PRODUÇÃO EDITORIAL Rede Ibero-Americana de Educação Artística http://educacionartistica.org/riaea/

Juan Carlos Araño, Universidad de Sevilla, España Leonardo Charréu, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Lia Raquel Oliveira, Universidade do Minho, Portugal Lorena Sancho Querol, Universidade de Coimbra, Portugal Lucia Gouvêa Pimentel, Universidade Federal de Minas Geris, Brasil Luciana Gruppelli Loponte, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

COMITÉ EDITORIAL

Lucília Valente, Universidade de Évora, Portugal

Aldo Passarinho | Instituto Politécnico de Beja / Lab:ACM, Portugal

Manuelina Duarte, Universidade Federal de Goiás, Brasil

Ana Velhinho | Instituto Politécnico de Beja / Lab:ACM, Portugal

Maria Céu Melo, Universidade do Minho, Portugal

Jurema Sampaio | Universidade de São Paulo, Brasil

María Dolores Callejón Chinchilla, Universidad de Jaén, España

Olga Olaya Parra | AMBAR Corporación, Colombia

Maria Eduarda Ferreira Coquet, Universidade do Minho, Portugal

Ricardo Reis | Universidade de Barcelona/ i2ADS, Portugal

Maria Helena Leal Vieira, Universidade do Minho, Portugal

EDITORES #6 José Carlos de Paiva Catarina Silva Martins Ricardo Reis EDIÇÃO APECV – Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual

Maria Jesus Agra Pardiñas, Universidade de Santiago de Compostela, España María Reyes González Vida, Universidad de Granada, España Marilda Oliveira, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Mônica Medeiros Ribeiro, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Paula Cristina Pina, Instituto Piaget, Portugal Raimundo Martins, Universidade Federal de Goiás, Brasil Ricard Huerta, Universidad de Valéncia, España

Rua Padre António Vieira, 76.

Ricardo Marín Viadel, Universidad de Granada, España

4300-030 Porto, Portugal

Roberta Puccetti, Universidade Estadual de Londrina, Brasil

Email: invisibilidades@apecv.pt

Teresa Torres Eça, APECV/I2ADS, Portugal Teresinha Sueli Franz, Centro de Artes da UDESC, Brasil

ENDEREÇOS ELETRÓNICOS Submissão de artigos: http://invisibilidades.apecv.pt

DESIGN E PAGINAÇÃO

Visualizar e descarregar os números publicados: http://issuu.com/invisibilidades

Ana Velhinho LAB.ACM - Laboratório de Arte e Comunicação Multimédia do Instituto Politécnico de Beja | www.lab-acm.org

ISSN 1647-0508 PERIODICIDADE Bianual DATA DE PUBLICAÇÃO Julho de 2014

Membros do Conselho Científico Aida Sanchez de Serdio, Universidad de Barcelona, España Ana Luiza Ruschel Nunes, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Ana Mae Tavares Bastos Barbosa, Universidade de São Paulo, Brasil Ana María Barbero Franco, Professora. Artista. Investigadora, España António Pereira, Escola Secundária de Peniche, Portugal Ascensión Moreno González, Universidad de Barcelona, España Belidson Dias, Universidade de Brasília, Brasil Carmen Franco-Vázquez, Universidad de Santiago de Compostela, España Catarina Martins, Universidade do Porto, Portugal Cláudia Mariza Brandão, Universidade Federal de Pelotas, Brasil Elisabete Oliveira, CIEBA-FBAUL, Portugal Fábio Rodrigues da Costa, Universidade Regional do Cariri, Brasil Fernando Hernández, Universidad de Barcelona, España Fernando Miranda, Unviversidad de la Republica, Uruguai Imanol Aguirre, Universidad Pública de Navarra, España Isabel Granados Conejo, Fundación San Pablo Andalucía CEU, España Isabel Maria Gonçalves, Universidade de Évora, Portugal José Carlos Paiva, Universidade do Porto, Portugal José Pedro Aznárez López, Universidad de Huelva, España

EDIÇÃO ON-LINE LAB.ACM - Laboratório de Arte e Comunicação Multimédia do Instituto Politécnico de Beja | www.lab-acm.org REVISÃO DE TEXTO Ricardo Reis Autores

AUTORES NESTE NÚMERO Ana Cañete Correas

Mariana Silva Câmara

Ana Emidia Sousa Rocha

Moema Martins Rebouças

Ana Sofia da Cunha Bessa Reis

Mônica M. Ribeiro

Catarina Silva Martins

Mônica Medeiros Ribeiro

Cláudia Mariza Brandão

Raquel Morais

Edite Colares O. Marques

Ricard Huerta

Elisabete Oliveira

Ricard Huerta

Fabiane Pianowski

Roser Juanola

Fernando Hernández-Hernández

Samuel Mendonça

Flávia Pagliusi

Teresa Torres de Eça

Giovana Bianca Darolt Hillesheim Isabel Bezelga Jesus Marmanillo Pereira José Carlos de Paiva Magda Silva Marcia Toscan Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva Maria Helena Vieira Mariana Baruco Machado Andraus


#6

REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES

JULHO 2014

05 | EDITORIAL 05 |

A urgência da EDUCAÇÃO ARTÍSTICA enquanto acção agonística: como um terreno político, epistemológico/ontológico singular, alargado e plural José Carlos de Paiva e Catarina Martins

09 | ARTIGOS 10 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva / Giovana Bianca Darolt Hillesheim 22 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández 35 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade Isabel Bezelga 44 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? Moema Martins Rebouças 60 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down Mariana Baruco Machado Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça 70 | Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas Fabiane Pianowski 78 | Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? Raquel Morais 99 | Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de Arte na Educação Básica Edite Colares O. Marques 09 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes 1 visuais: primeiras considerações Ana Emidia Sousa Rocha 17 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de 1 uma Potência e a construção de subjetividades Magda Silva 27 | Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao 1 movimento corporal Mônica Medeiros Ribeiro / Mariana Silva Câmara 41 | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras 1 dos Morros da Mariana Marcia Toscan 47 | Estar alerta. A construção de uma atitude. 1 Ana Sofia da Cunha Bessa Reis


154 | ENTREVISTA 155 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística Ricard Huerta 166 | RESENHAS 167 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta Teresa Torres de Eça 170 | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. Jesus Marmanillo Pereira 175 | SECÇÃO ESPECIAL: HOMENAGEM A ELLIOT EISNER 76 | Evocación de Elliot Eisner 1 Fernando Hernández-Hernández 78 | Elliot Eisner na Arte-Educação Global e em Portugal 1 Elisabete Oliveira 81 | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner 1 Ricard Huerta 83 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una 1 pedagogía de la interioridad Roser Juanola 87 | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner 1 Maria Helena Vieira 89 | Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner 1 Mônica M. Ribeiro 91 | O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea 1 Cláudia Mariza Brandão 193| CHAMADA DE TRABALHOS


EDITORIAL A urgência da EDUCAÇÃO ARTÍSTICA enquanto acção agonística: como um terreno político, epistemológico/ ontológico singular, alargado e plural

da sua acção pedagógica está imbuída das suas concepções sobre o que é a Educação Artística; sobre o que os seus alunos têm de aprender na sua disciplina; sobre o que é a Literacia Visual; sobre quem pensa que são os seus alunos..., ainda que disso não esteja totalmente consciente. RICARDO REIS (2011: 413)

1. O mundo ocidental no século XXI desvanece-se como cerne do desenvolvimento, e espelho de um sistema político democrático, optimista e irradiante, resultado de um sistema global onde o ‘mundo financeiro’, escondido e incógnito, comanda, move governos e dita políticas, sabendo deslocar para fora de si as medidas-necessárias para superar os cataclismos financeiros criados pelas suas políticas. Os resultados da ganância dos poderosos, medidos na dimensão dos excluídos, dos sem-emprego-e-sem-esperança, dos refugiados sem-espaço-e-semágua, dos resíduos-sem-nome-e-sem-terra, dos novos-remediados, são desesperantes para quem desacredita no que é mostrado e constrói a sua percepção crítica perante as representações dos dominantes hegemónicos e lhes contrapõe uma prática agonística, e não se cansa de lutar por uma possibilidade de haver

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É bom ter a consciência de que a acção de um professor não é inócua. Cada imagem que escolhe, cada actividade que propõe, cada decisão que toma no decorrer

um aberto no tempo que há-de vir. A urgência de alterações visíveis, é assumida de modo diferenciado por focos resilientes, que não ignoram os fracassos de narrativas alternativas, e em geografias onde o percurso histórico é diferente, onde a independência e a autodeterminação dos povos conseguida no século XX não se substituíram por cópias-apressadas das formas de poder do mundo ocidental e, noutro sentido e em geografias sobrepostas, se procuram caminhos próprios, num percurso que se entreluza com as posturas agonísticas face aos valores hegemónicos do velhomundo-ocidental. “Não pretendemos dominar o mundo”, declara um dirigente de uma firma transnacional, “queremos apenas possuí-lo”. LATOUCHE, Serge (1998: 39)

São tempos complexos e difíceis os deste início do século XXI, tempos múltiplos e encruzilhados que obrigam a atenção, escuta e paragem, ao encontro de uma acção esclarecedora, à mobilização de uma disponibilidade plena do corpo e do juízo, perante o que parece distante e o que se apresenta como distinto. Onde quer que se esteja, estaremos em 2014, conhecedores das desgraças longínquas, dos Julho 2014 | Editorial |5


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êxitos das estrelas e das façanhas impressionantes de nos-

políticas geradas, apenas mostra a urgência de se contra-

sos artistas, dos sorrisos-falsos-da-tv, das falsidades e dema-

riarem os caminhos de reprodução deste modelo social, na

gogias descaradas dos políticos-profissionais do poder, das

procura de um outro, aberto, em aberto.

procuras de outros-ares-de-refúgio em Marte, procurando discernir o que nos é escondido, o outro lado do que nos

A pessoa singular não é um início, e as suas relações com

dizem os ‘especialistas’. Nesta actualidade de tormentos

outras pessoas não têm um início. ELIAS, Norbert (1987:

abundantes, pretende-se promover o debate, de clarifica-

52)

ção agonística de procura de um entendimento crítico e heterogéneo, busca-se a possibilidade simples de se poder voltar a ter desejos pessoais e interesses próprios, isolados dos discursos do ‘mercantilismo do consumo globalizado’, das ‘economias do saber’, resistentes aos ‘dispositivos de regulação’, capazes de lidar com o ‘vigiar e punir’, persistentes numa capacidade de resposta ao convite permanente à resignação e ao dormente conforto. A organização de este número do (in)visibilidades pelo Núcleo de Educação Artística do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade (i2ADS/FBAUP), inscreve-se na pertença deste colectivo a um espaço de resistência no interior dos dispositivos de poder onde habita, procurando nas heterogeneidades existentes uma acção difusora de busca de possibilidades de intervenção crítica, persistentes na construção de uma narrativa comprometida apenas aberto, que a atenção aos tempos possibilita.

2. A inscrição na Educação Artística acarreta uma implicação crítica na actualidade, por se tratar de uma área de acção interrelacional, um espaço de produção de realidade, ou seja, um terreno nunca inócuo de intervenção, que ou se torna inerte na reprodução das narrativas hegemónicas e na disciplinação dos jovens e sujeitos, ou então, que persegue a construção de possibilidades críticas de um outro devir, onde cada cidadã e cada cidadão possam ter os seus próprios desejos e interferir democráticamente na comunidade. Esta inscrição crítica tem um sentido redobrado por ser a arte um campo de acção humana comprometida com o político e a arte contemporânea um lugar particular de implicação no entendimento das encruzilhadas do tempo, onde a actualidade configura complexidades que têm de ser entendidas, numa compreensão que lhe configura o próprio sentido.

O conforto, a facilidade, o controle elevam a conversa às

No amplo território que a Educação Artística habita, no-

formas de comunicação impessoal, em que se fala em vol-

meada assim por configurar o campo onde se estabelecem

ta dos problemas e em que cada um renuncia a si mesmo

relações educativas com a arte, na dimensão dos eventos

para deixar falar momentaneamente o discurso geral.

que lhe conferem dimensão social, alojados nos museus de

BLANCHOT, Maurice (1959: 229)

arte e nas instituições culturais, nas escolas de arte e na pre-

A visibilidade deste panorama alarga-se pela maior parte da humanidade, atormentada e numa revoltada imobilização, deixada adormecer no charme que a sociedade de consumo exibe, e nas opiniões que a ‘economia do saber’ espalha na procura da manutenção das regalias que sobram da ganância dos centros financeiros, das simbologias de poder e dos

sença do artístico nos currículos escolares, presentes no relacionamento estabelecido por artistas com comunidades, quer seja em modalidades formais e estruturadas, quer em relacionamentos abertos, híbridos ou desmaterializados, a relação anteriormente referida ao político, tem a mesma amplitude vinculativa que lhe confere o sentido,

interesses que os cargos públicos oferecem. As acções de re-

… o poder transformador da colectividade humana sobre

volta, isolam-se e não adquirem espaços de representação

o seu destino que se funde (no aqui-e-agora) numa tem-

que tornem visíveis e reforçadas as ideias que as alimentam.

poralidade utópica, incompreensível, inimaginável, que o

Esta impotência de presença agonística significativa em prol

pensamento já não pode alcançar.

de uma democracia radical, resultante da história recente,

JAMESON, Frederic (2001: 77)

dos contratempos e do esgotamento das representações 6 | Editorial | Julho 2014


à Educação Artística outras possibilidades de interferência

ro lugar porque as políticas hegemónicas subtraem as con-

educativa, democrática e propiciadora de posturas críticas

dições objectivas necessárias para o seu desenvolvimento,

e de materialização das capacidades de produção de inter-

criando situações escandalosamente desfavoráveis nas es-

venções de natureza artística das crianças, jovens e adultos.

colas, nas universidades, nos museus e centros educativos.

Apela-se a este debate, a uma prática revirada de onde ir-

Embrulhado em narrativas de reconhecimento do valor da

radie a possibilidade de se aprender, ensinar, aprender/en-

cultura nas sociedades, determinam-se políticas que ten-

sinar, sempre, em todo o lado, para se ser, para fazer, para

dem a isolar a arte num reduto fechado, ao mesmo tempo

saber, para não-saber, para viver…

que se retrocede na criação de espaços educativos, onde a proximidade à arte se torne possível, pela experimenta-

julho de 2014

ção do seu fazer-saber, pelo envolvimento do corpo na sua experienciação, pelo entendimento da sua complexidade, pelo usufruto da sua natureza irradiante de vida.

O presente número da Revista Invisibilidades é um nú-

Mas este momento crítico corresponde também às incapa-

mero especial. Em primeiro lugar representa um trabalho

cidade de se gerarem práticas renovadas correspondentes

colaborativo entre o Núcleo de Educação Artística do i2ADS-

às demandas da actualidade, que se libertem do modelo de-

Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, e o

senvolvido no século passado correspondendo ao fulgor do

corpo editorial desta revista, particularmente representado

modernismo, e se criem outras realidades educativas onde

na figura de Ricardo Reis que, enquanto colaborador tam-

se instale a capacidade de fazer-intervir, a prática da produ-

bém deste Núcleo, propôs a realização colaborativa deste

ção de sentidos e de actos significantes, resultantes de um

número.

entendimento do artístico construído numa proximidade à

Os textos aqui reunidos são, portanto, resposta a um

arte, a seus produtos e discursos, que a reconheça como

desafio que se apresentava como a urgência de um pensa-

um campo de actividade humana inscrita numa particular e

mento e de uma postura radical em educação artística pe-

permanente procura do inalcançável, e não por simulações

rante as ofensivas do poder. Um número que pretendia não

falseadoras do inimitável.

apenas denunciar, mas fazer viver as tensões que borbulham

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3. A Educação Artística vive um momento crítico, em primei-

quando assumimos a intranquilidade do questionamento e Isso não é um cachimbo. A pintura mente. Mas ela diz a

aceitamos de frente o desafio de viver agonísticamente. Se

verdade quando diz que mente. De todo o modo, é bom

os textos conseguem fazer transparecer os conflitos pró-

não confiar muito nela. CAUQUELIN, Anne (2006: 107)

prios da complexidade dos tempos que vivemos, essa é uma questão a que apenas cada leitor(a) poderá responder. Mas da sua leitura emergirá a certeza de que estes textos trans-

4. Este texto inicia a publicação de uma revista que marca a presença de uma vontade de na Educação Artística se entenderem as possibilidades de ‘um fazer’ renovado e contemporâneo, correspondente ao pensamento crítico que se torna esclarecido, também por uma acção de recusa da manutenção das rotinas e dos desânimos crescentes, face aos muros sombrios que se vão construindo e que dificultam o seu exercício. Assinala-se, assim, numa demanda resiliente e positiva, a possibilidade de se multiplicarem as acções que conferem

portam diferentes backgrounds e posicionamentos teóricos claramente diferenciados que revelam políticas de pensamento. O mais interessante será analisar cuidadosamente o político que cada um inscreve, que é a dimensão necessária do antagonismo. Mas o presente número é também especial porque incorpora em sim um outro núcleo de textos que, não sendo resposta à chamada lançada para esta revista, são em si mesmos reveladores de posicionamentos críticos em educação artística a partir dos contributos de Elliot Eisner, que recentemente nos deixou. Entender Eisner como uma ‘per-

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sonagem conceptual’, utilizando aqui a expressão de Gilles Deleuze e Félix Guattari, que viajou por diferentes geografias e foi também diferentemente apropriado, é talvez uma maneira justa de lhe prestar homenagem. O interessante destes textos é que eles são o resultado de encontros que estes diferentes autores tiveram com Eisner, encontros que se podem dizer também encontros com ideias e com um modo de pensar que permitiu a cada um(a) dele(a)s pensar mais sobre aquilo que já queria pensar. Deste modo, com a publicação deste número da revista Invisibilidades cumpre-se um duplo objectivo: o de pensar sobre os poderes que constrangem as actuais práticas em educação artística, numa dimensão internacional, e a lembrança de um autor fundamental para uma larga comunidade de pensadores e educadores na área da educação artística. Que ele seja sobretudo lembrado não como ‘herói’ mas como intercessor de pensamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLANCHOT, Maurice (1959). Le Livre à Venir. O Livro Por Vir. Martins Fontes, São Paulo, 2013. tradução de Leyla Perrone-Moisés. CAUQUELIN, Anne (2006). Fréquenter les incorporels . Frequentar os Incorporais, S. Paulo, Martins Fontes, 2008, tradução Huendel Viana. ELIAS, Norbert (1987). Die Gesellschaft Der Individuen. A Sociedade do Indivíduos, Lisboa, Publicações D. Quixote (2004), tradução de Mário Matos. JAMESON, Frederic (2001). A cultura do dinheiro: Ensaios sobre a globalização, Editora Vozes, tradução de Maria Elisa Cevasco e Marcos César de Paula Soares. LATOUCHE, Serge (1998). Les Dangers du Marché Planétaire, Os perigos do Mercado Planetário, Lisboa, Instituto Piaget, 1999, tradução de Nuno Romano. RICARDO REIS (2011). A Literacia Visual desde “quem os meus professores pensam que sou?”: uma análise sobre as imagens que os professores mostram aos seus alunos. in Sara Pereira (org) Congresso Nacional “Literacia, Media e Cidadania”, Universidade do Minho, 2011.

José Carlos de Paiva i2ADS — Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade — Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

Catarina Silva Martins Coordenadora do Núcleo de Educação Artística do i2ADS

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ARTIGOS


As políticas governamentais brasileiras e sua influência na formação docente em Arte REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Políticas del gobierno brasileno y su influencia en la enseñanza en el arte Brasilian government policies and its influence on teaching in Art

Maria Cristina da Rosa Fonseca da Silva cristinaudesc@gmail.com Departamento de Pedagogia - EAD - PPGAV UDESC, Brasil

Giovana Bianca Darolt Hillesheim giovanabianca@yahoo.com.br UNIASELVI - UDESC , Brasil

Tipo de artigo: Original

RESUMO Participam do projeto bilateral Observatório da Formação de Professores no âmbito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e Argentina, professores de três universidades brasileiras e duas universidades argentinas cujo objetivo é sistematizar estudos relativos à formação de professores nos dois países sul-americanos nos últimos dez anos. Considerando a diversidade da coleta de dados realizada no projeto definimos o recorte deste artigo buscando compreender a formação do professor de Arte, o que requer uma análise histórica sobre as políticas de Educação Básica, um desnudar das relações entre o projeto de educação no contexto atual e a formação de professores, sobretudo no âmbito do ensino de arte, seja no seu nascedouro, seja no seu desenvolvimento. Para tanto abordaremos por meio dos estudos de Saviani de 2006, 2009 e 2011, os pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica a fim de buscar contribuições para a formação de professores de arte no Brasil. Embora o projeto abarque as reflexões entre Brasil e Argentina, neste artigo enfatizaremos o contexto brasileiro.

Palavras-chave: Políticas governamentais; Formação do docente em arte; Observatório; Brasil-Argentina.

RESumen Participan del proyecto bilateral Observatorio de la Formación de Profesores de Artes (Brasil/Argentina) profesores de tres universidades brasileras y dos argentinas cuyo objetivo es sistematizar estudios relativos a la formación de profesores en los dos países sudamericanos en los últimos diez años. Considerando la diversidad de la colecta de datos realizada en el proyecto, definimos el recorte

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un análisis histórico sobre las políticas de Educación Básica, develar las relaciones entre el proyecto de educación en el contexto actual y la formación de profesores, sobre todo en el ámbito de la enseñanza del arte, tanto en su nacimiento como en su desarrollo. A tales efectos, abordaremos por medio de los estudios de Saviani de 2006, 2009 y 2011, los presupuestos de la Pedagogía Histórico-Crítica a fin de buscar contribuciones para la formación de profesores de arte. Palabras Clave: Políticas gubernamentales; Formación del docente en arte; Observatorio; Brasil-Argentina.

Abstract The project Observatory of Arts Teacher Education involves universities from two countries (Brazil / Argentina). Professors from three brazilian universities and two

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de este artículo buscando comprender la formación del profesor, lo que requiere

Argentine universities systematize studies relating to teacher training in the both countries in South American in the past decade. Considering the diversity of data collection conducted in the project Observatory of Arts Teacher Education, this paper is framed with the purpose of understand the formation of the teacher. That requires a historical analysis of the politics of Basic Education, baring relations between the current education project and actual education especially in the teaching of art. Whether its initial education or in continuing education. We will address through studies Saviani 2006, 2009 and 2011, the assumptions of the Historical-Critical Pedagogy to seek contributions to the training of teachers of art. Keywords: Government policies; Teacher training in art; Observatory; Brazil-Argentina.

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1. ASPECTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO

na para Ensino de Arte (Parecer CNE/CEB – 22/2005).

A Educação Artística insere-se como disciplina obri-

No contexto de implementação da lei 5692/71, a

gatória no currículo do ensino de 1º e 2º graus no Brasil no

política governamental do governo militar é de reordena-

início dos anos de 1970, de acordo com a Lei de Diretrizes e

mento da educação nos moldes do que ocorreu no trabalho

Bases da Educação 5.692/71, e sua identidade é construída

fabril e de acordo com as novas exigências de qualificação

sob a orientação tecnicista da lei, cuja meta era “[...] inserir

do trabalhador para que este possa atuar competitivamente

a escola nos modelos de racionalização do sistema de pro-

evidenciando o estreito vínculo entre educação e política,

dução capitalista”. Neste sentido, tal como uma empresa

que a escola é uma instância perpassada de ponta a ponta

privada, a escola deveria ser eficiente (Saviani, 1984: 13).

pelo político, pelo econômico, assim como pelo cultural. É

Em que pese sua gestação no seio de um modelo

com base neste pressuposto que nasce a organização em

de desenvolvimento econômico dependente, não se pode

torno de uma Federação de Arte Educadores do Brasil –

deixar de reconhecer que a lei 5.692/71 tornou obrigatória

FAEB - em 1987, comprometida com uma educação e uma

a disciplina Educação Artística na escola, o que é louvável.

atuação no campo do ensino da Arte tanto política quanto

No entanto, cabe perguntar: a lei por si só resolveu o proble-

pedagógica.

1

ma do acesso à arte no Brasil para a maioria da população?

Concebendo a educação (e a educação em Arte

Ou melhor, a obrigatoriedade vincula-se às lutas dos profes-

também), como uma prática que, longe de ser desinteres-

sores por uma educação artística voltada aos interesses da

sada e neutra, mas que no modelo de sociedade capitalista

maioria? ou a lei apenas recompõe as práticas educativas

é um instrumento de reprodução social, também o é con-

impregnadas de uma mesma concepção liberal de educa-

traditoriamente de emancipação, o que leva o conjunto dos

ção e sociedade, cujo ideário sustenta-se na “[...] ideia de

educadores em Arte, sobretudo a partir dos anos de 1980,

que a escola tem por função preparar os indivíduos para o

a colocar no centro de suas preocupações a pesquisa e a

desempenho de papéis sociais, de acordo com as aptidões

reflexão sobre os pressupostos teórico-metodológicos do

individuais” (Libâneo, 1986: 2)? A formação proposta para

ensino de Arte.

alunos e professores, tem por objetivo reduzir o distancia-

Partindo do entendimento de que a política de

mento entre os “doutos” e os “leigos”, entre a experiência e

educação inerente à Lei 5692/71 também se inscreve na

o saber, entre o capital herdado e o capital adquirido? Ob-

história da Educação Artística, disciplina hoje chamada de

serva-se, de fato, uma mudança radical nas práticas político-

Ensino de Arte, observa-se uma crescente oferta de cursos

pedagógicas? O que se supera e o que se propõe?

de Formação de Professores na área e um aumento signifi-

A disciplina Educação Artística torna-se atividade

cativo da Pós-graduação, num total de 39 cursos no país en-

obrigatória dentro deste contexto polifônico, desde a práti-

tre mestrados e doutorados, no ano de 2012. Essa oferta de

ca de academia advinda das Escolas de Belas Artes, do tecni-

formação, no entanto, não é acompanhada pelo crescimen-

cismo, até a livre expressão. A designação Educação Artísti-

to de pesquisas sobre a formação nas licenciaturas em Arte.

ca que nomeou a disciplina na escola, foi utilizada igualmen-

O que se observa nos levantamentos bibliográficos

te nos cursos de formação de professores polivalentes, nas

em anais de eventos, teses e dissertações, bem como em

licenciaturas curtas, bem como a partir de meados de 1980

periódicos realizados entre 2000 e 2011, realizados pelo

também nas licenciaturas plenas seguido das habilitações.

projeto Observatório da Formação de Professores no âm-

Pode-se dizer que existe uma convivência com diferentes

bito do Ensino de Arte: estudos comparados entre Brasil e

nomenclaturas designando o nome do curso de formação,

Argentina – (OFPEA- Br Ar) – doravante chamado Observa-

mesmo após a aprovação da mudança do nome da discipli-

tório, é que o foco dos estudos concentra-se muito mais

1  A lei 5692/71 é uma reforma da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB aprovada em 1961 (lei 4024/61). Essa LDB foi reformada em duas oportunidades. A primeira em 1968, com a reforma do ensino superior brasileiro e a segunda em 1971 com a reforma da educação básica (Lei 5692/71).

nas experiências concernentes ao ensino de Arte na escola e nos relatos de formação continuada desenvolvida em redes de ensino, do que em estudos que abordam a formação de

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fessor é pensar também a educação, frisando que ambas

car com os dados apontados em outro estudo gestado no

reivindicam uma filosofia da práxis (Vásquez, 1986).

campo do Observatório por (Hillesheim, 2013) que levantou

Assim, tendo como pano de fundo a crise estrutu-

no Banco de Teses da CAPES 400 dissertações com o tema

ral do capital, no contexto atual, é necessário pensar qual

formação de professores em geral, buscando encontrar o

formação, de fato, é articuladora do fazer e do pensar; quais

contingente de pesquisas sobre a formação nas licenciatu-

os princípios privilegiam as mudanças educacionais no que

ras em Arte (que totalizaram 31).

tange a formação de professores no Brasil. Vejamos, inicial-

Do contingente de 31 dissertações, 22 foram des-

mente, que propostas de formação ganharam corpo.

cartadas por abordarem aspectos da formação continuada

No caso brasileiro, é no período de 1827 até 1890

ou relatos de experiência de Ensino de Arte nas escolas ou

que a preocupação com a formação do professor se colo-

ONG`s. Finalmente, sobre a formação de professores nas

ca pela primeira vez; ou seja, é a época da independência,

licenciaturas em Artes, restaram apenas 9 dissertações,

precisamente em 1827, com a Lei das Escolas de Primeiras

sendo que 8 delas foram desenvolvidas em programas de

Letras – quando “[...] os professores são obrigados a se ins-

pós-graduação em Educação e uma delas em programa de

truírem no método do ensino mútuo, às próprias expensas”

Artes Visuais.

–, que se destaca “[...] a exigência de preparo didático” do

Já as teses de doutorado, (Hillesheim, 2013) des-

professor, embora, de acordo com (Saviani, 2009: 144), “[...]

taca que foram coletadas 89 teses entre os anos de 2000 a

não se faça referência propriamente à questão pedagógica”.

2011, sendo que 13 se referem à formação de professores

Nesta perspectiva foram criadas as Escolas Normais, “[...]

de Arte. Entre elas só uma, de um programa de pós-gradu-

que visavam à preparação de professores para as escolas

ação em Educação, atende ao tema da formação de profes-

primárias”.

sores de Arte nas licenciaturas.

Nesta linha de raciocínio, (Saviani, 2006: 145) lem-

Outro aspecto apontado por (Hillesheim, 2013) diz

bra o que argumentavam os reformadores da instrução pú-

respeito ao lugar da formação de professores de Artes quan-

blica do estado de São Paulo, realizada em 1890: “[...] sem

do se trata dos estudos de Pós-graduação. Neste contexto,

professores bem preparados, praticamente instruídos nos

observa-se que raros estudos são desenvolvidos nos cursos

modernos processos pedagógicos e com cabedal científico

de Pós-graduação em Artes Visuais, pois a maioria realiza-se

adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode

nos cursos de Pós-graduação em Educação. Nesse processo

ser regenerador e eficaz”.

de reflexão, nos perguntamos: qual o lugar da Arte nos estu-

Por último, cabe argumentar que é a partir do sé-

dos sobre a formação de professores de Artes Visuais? Que

culo XIX que se põe a necessidade de universalizar a instru-

especificidades permeiam a formação deste profissional?

ção elementar, o que levou à organização dos sistemas na-

Debruçando-nos sobre estas problemáticas, pri-

cionais de ensino.

meiramente cabe lembrar que a formação do professor, em

Estes, concebidos como uns conjuntos amplos

especial do educador em Arte, implica uma teoria e uma

constituídos por grande número de escolas or-

prática conectada à luta por uma transformação das relações sociais, por uma sociedade igualitária e pela defesa de uma educação comprometida com o acesso ao conhecimento artístico-cultural cuja finalidade é a formação de

ganizadas segundo um mesmo padrão, os quais viram-se diante do problema de formar professores – também em grande escala – para atuar nas escolas. E o caminho encontrado para equacionar essa questão foi a criação de Escolas Normais, de

homens e mulheres capazes de enfrentar os desafios ine-

nível médio, para formar professores primários

rentes à relação da tríade capital - trabalho - educação e de

atribuindo-se ao nível superior a tarefa de formar

criar um projeto político-educativo comprometido com as

os professores secundários (Saviani, 2006: 146).

transformações sociais, por consequência, com uma nova educação não excludente. Enfim, pensar a formação do pro-

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professores nos cursos de graduação. Podemos exemplifi-

As escolas normais traziam a prática do desenho como uma abordagem educativa. O desenho pedagógico

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é presente no ideário dos professores até os dias de hoje.

§ 5º A União, o Distrito Federal, os Estados e os

Conforme (Coutinho, 2008), a tese de Nereu Sampaio in-

Municípios incentivarão a formação de profissio-

titulada Desenho Espontâneo das Crianças: Considerações Sobre Sua Metodologia era em 1930 a única produção que abordava o desenho da criança. O estudo foi apresentado na Escola Normal do Distrito Federal, quando a capital do Brasil era o Rio de Janeiro.

nais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior.

O PIBID - Programa Institucional de Bolsa a Ini-

No mesmo texto (Coutinho, 2008) apresenta as

ciação Docente é um programa implantado pelo governo

contribuições do educador Sylvio Rabello, que na condição

federal com a aprovação do Decreto 7.219 de 04/06/2010

de professor da Escola Normal em Recife publicou dois li-

que visa criar uma equivalência entre a atuação docente e

vros, um sobre Psicologia do Desenho Infantil e, em 1937,

a atuação na iniciação científica. A equivalência dos valores

publicou o livro Psicologia da Infância, que se tornou uma

das bolsas, o tempo de dedicação às ações e a existência

espécie de livro didático para a disciplina de “Psicologia

de professores doutores orientando as atividades em parce-

Aplicada à Educação” nas escolas normais e institutos de

ria com os docentes da escola são os fatores de sucesso da

educação.

proposta. Embora o PIBID apresente consideráveis avanços

Nosso intento é compreender a formação do pro-

ainda não atingem contingentes satisfatórios de estudantes

fessor de arte, as influências dessa história da formação de

em formação, até mesmo porque a maioria dos licenciados

professores no Brasil, e por isso, um exame sobre como as

são formados em cursos privados que não tem acesso a es-

políticas para a Educação Básica auxiliam a análise da influ-

sas políticas ou equivalentes.

ência dos documentos oficiais na formação.

No contexto da LDB (Lei 9394/96), o artigo 67 afeta os professores de Arte no quesito valorização do magistério: Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a

2. AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO BÁSICA E A FORMAÇÃO DE

valorização dos profissionais da educação, assegu-

PROFESSORES DE ARTES NO BRASIL

rando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e

Os últimos 17 anos constituem marco histórico de mudanças educacionais no que tange à formação de professores no Brasil (Sobreira, 2008). Nesse processo de mudanças nas políticas públicas brasileiras, o país passou a ter

dos planos de carreira do magistério público: I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado

um projeto, mesmo que inconcluso, de gestão dos recursos

para esse fim;

humanos para a educação, a exemplo da Lei de Diretrizes e

III - piso salarial profissional;

Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 - que influencia

IV - progressão funcional baseada na titulação ou

um conjunto de outros documentos. A referida lei estabelece um capítulo intitulado Dos Profissionais da Educação. Neste capítulo ficam caracterizadas as diferentes atividades profissionais dos educadores, no que se refere à definição de princípios que orientam a atuação profissional, sua formação em cursos de graduação (podendo ser oferecidos em Universidades ou Institutos de Educação), formação em serviço e continuada, sendo de responsabilidade dos Municípios, Estados e da União a promoção de ações formativas, segundo a reforma realizada na LDB pela Lei nº 12.796, de 2013:

habilitação, e na avaliação do desempenho; V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI - condições adequadas de trabalho.

Para (Saviani, 2011), existe um diagnóstico relativamente correto, no que diz respeito a análise da situação geradora da normatização (leis, Decretos, Resoluções entre outros documentos). No entanto, as táticas de implementação das mudanças necessárias não apresentam soluções satisfatórias. Os documentos apresentam acessórios demais, perdendo o foco daquilo que a lei precisaria propor para estar

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na educação básica. A segunda, a resolução CNE/CP 2, de

dita que essa situação se dá pela pressão que os relatores

19/02/2002, implementa a carga horária obrigatória de es-

dos pareceres sofrem das diferentes posições políticas exis-

tágio e define a prática pedagógica como componente cur-

tentes no meio político/educacional.

ricular com mais de 800 horas de ação e reflexão na escola.

A LDB 9394/96, ao garantir o Ensino de Arte como

A prática de estágio curricular como componente

componente curricular, modifica a concepção de ensino por

obrigatório visa proporcionar conhecimento, pesquisa e re-

atividade que caracterizou a construção da Educação Artís-

flexão sobre a escola ao longo do curso. Também possibilita

tica e propõe a inserção do Ensino de Arte como disciplina

a imersão da universidade com ferramentas capazes de am-

obrigatória e conforme a lei objetivando o desenvolvimento

pliar a reflexão a fim de solidificar a formação do licencian-

cultural dos alunos. No tocante a formação de professores

do, com uma melhor compreensão do contexto para cons-

de Arte, se na concepção da 5692/71 o professor de arte

truir práticas emancipatórias na escola. No modelo anterior,

possuía uma formação aligeirada, realizada em curta dura-

o estágio era uma atividade terminal no curso, fato que pro-

ção, sem muita estrutura nos cursos de formação inicial e

porcionava pouco conhecimento sobre o cenário escolar.

a orientação era focada prioritariamente na atividade e na

Em 2009 foi aprovada a resolução que instituiu as

técnica, na concepção de formação de professores da LDB

Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação

9394/96 esse cenário mudou. A concepção de docência se

em Artes Visuais, que orientou as reformas curriculares nos

ampliou, pois o professor é responsável na escola por pro-

cursos da área. Esse movimento afetou a formação de pro-

cessos que extrapolam as ações didático pedagógicas. Es-

fessores de Arte porque a legislação proposta e a realidade

sas mudanças sociais no modelo de escola e de aluno nos

educacional exigiram novas demandas dos profissionais.

conduzem a uma contradição pois, de um lado, o profes-

As diretrizes evidenciam a formação do bacharel

sor de arte se vê diante de um universos de ampliação de

muito mais do que a formação do professor, dicotomia esta

possibilidades de atuação, mais produção artística na área,

também presente nos cursos que possuem as duas habili-

melhor produção e veiculação da literatura, crescimento da

tações. Podemos aferir duas hipóteses para esse direcio-

graduação e pós-graduação e por outro lado, existe uma

namento uma de que, como já havia uma resolução que

formação para a docência que se afasta dos aspectos filo-

inseria os conteúdos pedagógicos na matriz curricular das

sóficos e se aproxima de soluções práticas que minimizem

licenciaturas, bastava propor conteúdos artísticos; outra hi-

os problemas da realidade. Essa mecanização do trabalho

pótese seria de que por trás dessa ênfase no processo e na

do professor de arte caracteriza a concepção de formação

teoria da Arte está a concepção de que basta saber o conte-

de professores presente na LDB atual. Essa ampliação das

údo para saber ensinar.

ações do professor na escola, da ampliação do tempo de

Outro documento que suscitou demandas para as

trabalho para reuniões e formações, muitas delas mal ou

licenciaturas em Arte foi o documento das Diretrizes Curri-

não remuneradas, podem colaborar com o aumento da pro-

culares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução

letarização docente.

CNE nº 4, 2010), que propicia uma problematização: o que

Duas outras resoluções propostas pelo governo fe-

se propõe para a organização da Educação Básica coaduna-

deral atingem o conjunto das licenciaturas. A primeira, data-

se com as diretrizes para a formação de professores (CNE/

da de 18/02 CNE/CP 1/2002, que define as Diretrizes Curri-

CP 1/2002)? E para as licenciaturas em Artes, há um diálogo

culares para a Formação de Professores da Educação Básica

entre os documentos (CNE/2009)?

em nível superior, curso de licenciatura, de graduação ple-

A Resolução CNE nº 4 de 2010, que orienta a orga-

na. Com o objetivo de harmonizar o modelo de formação

nização da Educação Básica, tem como objetivo organizar

docente presente nas licenciaturas, o documento institui

o funcionamento dos diferentes níveis da educação básica,

princípios, fundamentos e procedimentos a serem observa-

bem como sua gestão, os processos avaliativos e a formação

dos na organização da formação de professores para atuar

de educadores. No documento há um conjunto de questões

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de acordo com o diagnóstico realizado. (Saviani, 2011) acre-

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que dizem respeito a organização do Ensino de Arte na es-

produzidos culturalmente, expressos nas políticas

cola, bem como da coexistência do professor de Arte neste

públicas e gerados nas instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico; no mundo

espaço social. No tópico referente aos objetivos, aparecem

do trabalho; no desenvolvimento das linguagens;

as relações com o campo da cultura.

nas atividades desportivas e corporais; na produ-

Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais espe-

ção artística; nas formas diversas de exercício da

cíficas para as etapas e modalidades da Educação

cidadania; e nos movimentos sociais (Resolução nº

Básica devem evidenciar o seu papel de indicador

4, 2010).

de opções políticas, sociais, culturais, educacionais, e a função da educação, na sua relação com

É certo que as Diretrizes para as Artes Visuais apon-

um projeto de Nação, tendo como referência os

tam para outras demandas profissionais aos professores de

objetivos constitucionais, fundamentando-se na

Arte, fato que reitera o que já apontava (Oliveira, 2003), ao

cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressu-

abordar as reformas educacionais na América Latina na dé-

põe igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade,

cada de 1990 que buscavam estimular os países a ampliar a

respeito, justiça social, solidariedade e sustentabilidade (Resolução nº 4, 2010).

A articulação com os indicadores nas opções políticas, sociais e culturais permite dimensionar uma integração com a Arte e seus diferentes cenários, apontando para aspectos relativos à igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, justiça social, solidariedade e sustentabilidade, que dialogam com princípios políticos no campo da Arte. Consolidam-se, por meio da Lei 10639/2003, a problemática da pluralidade étnica abordada a partir da inserção na aula de Arte, dos conteúdos de cultura e história da África e dos afrodescendentes, bem como a Lei nº 11.645, de 10 de março 2008, que destaca as culturas indígenas. Essa organização temática numa perspectiva de visibilidade de outros grupos culturais e sua influência na cultura brasileira cria, também, demandas para a formação inicial e continuada de professores. No tópico II da Resolução CNE nº 4 de 2010 fica definido um conjunto de referências gerais que embasam conceitualmente a lei e que apontam para a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber”, demarcando uma intencionalidade no envolvimento do contexto artístico-cultural. Considerando o desafio de formar profissionais para atuar na realidade, o documento traz indicações do envolvimento dos professores, bem como formação continuada, espaço físico e salários adequados, a fim de garantir o pleno êxito da proposta. Já o capítulo das diretrizes, que aborda a organização dos sistemas de ensino, assinala que: Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica constitui-se de conhecimentos, saberes e valores

rentabilidade da educação, inclusive inserindo as empresas na definição de princípios para a educação. Embora haja uma diretriz por força do governo federal, não há a devida correspondência, na maioria dos estados e municípios brasileiros, no amplo cumprimento da legislação. O pagamento do piso salarial para os professores tem motivado lutas sindicais constantes e as estruturas organizativas das escolas não têm atendido as expectativas nem da legislação em vigor, nem dos profissionais e gestores. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Profissionais do Ensino Superior – CAPES - recebe, no ano de 2007, uma nova tarefa: emprestar o modelo de sucesso de aperfeiçoamento de profissionais desse segmento em nível de Mestrado e Doutorado para a Educação Básica. Esta ação é regulamentada pela Lei nº 11.502 de 2007. A Diretoria de Educação Básica Presencial (DEB), propõe uma série de programas a fim de estimular mudanças no contexto da Educação Nacional. As investigações sobre a formação de professores estão em crescimento, como aponta (Gatti, 2012). As atuais políticas públicas colaboram para esse processo, existe uma demanda estimulada por meio de editais, cresce o número de pesquisadores analisando os programas, como abordado por (Gatti & Barreto, 2009). Embora as autoras apresentem um estudo minucioso sobre a realidade da formação no Brasil, seus impasses e desafios, aparecem poucos elementos relativos às licenciaturas e professores de Arte. Nas produções da área são os anais de eventos que apresentam estudos embrionários sobre o tema da formação nas licen-

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O Brasil possui acordos internacionais com a OCDE

& Araújo, 2008). Em um segundo estudo, (Silva & Araújo,

por meio do Instituto Anísio Teixeira. (Ferreira, 2012), ana-

2012) apresentam a inexistência de estudos que abordem

lisando os documentos da OCDE que tratam da concepção

“a formação de formadores”. Nossa área necessita estimu-

e da orientação para a formação docente, ressalta três pre-

lar mais estudos que tomem o formador, seja o professor da

missas para a implementação de uma política eficaz e com-

disciplina de Arte nos cursos de Pedagogia ou nas licenciatu-

petente segundo os princípios neoliberais.

ras em Arte, como elemento de análise a fim de identificar

A primeira das premissas busca atrair os profes-

as principais questões desse intricado movimento de for-

sores para a educação desde a formação inicial com pro-

mar os formadores que vão atuar no contexto pedagógico

gramas e estímulo de bolsas. Cabe ressaltar que a escassez

da escola a partir da perspectiva da Arte.

de professores no Brasil já é uma realidade e que, segundo

(Gatti, 2012) analisou os trabalhos publicados na

dados do INEP (2010), faltam professores de Artes habilita-

revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – RBEP - entre os

dos, fato que gera uma necessidade de estimular a carreira

anos de 1998 a 2011, destacando 38 publicações referen-

desde a graduação. Segundo (Neves, 2012) atual coordena-

tes ao tema da formação. Para (Gatti, 2012: 438) é urgente

dora da CAPES – DEB,

a implementação de “[...] políticas sistêmicas, integradas e

Em um contexto de baixa atratividade da profissão,

duradouras, bem monitoradas, que possam provocar trans-

indicadores educacionais desfavoráveis, assime-

formações efetivas diante das características socioculturais

trias regionais, velozes transformações da ciência

dos estudantes que buscam ingressar nas licenciaturas”,

e das tecnologias, demandas crescentes dirigidas

preparando-os para compreender os desafios e atuar como

às escolas, novos padrões de comportamento de

sujeitos nesse cenário. A autora ressalta que os estudos

crianças e jovens, exigências de uma sociedade que

analisados abordam o trabalho dos professores, suas moti-

demanda equidade, igualdade de oportunidades,

vações, o contexto e as contribuições que esses diagnósticos

justiça e coesão social e outros tantos fatores, a

podem exercer na formação de professores, oxigenando as

complexidade técnico-política da questão reveste-

políticas públicas e a organização dos cursos de licenciatura.

se de contornos dramáticos (Neves, 2012: 356).

(Ferreira, 2012) destaca que os documentos brasileiros tra-

A segunda premissa é desenvolver uma formação

zem influência das orientações propostas pela Organização

considerando os novos parâmetros de eficácia4, programas

para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)2

como o Pró-docência, Novos Talentos desenvolvidos pela

na regulação da política de formação docente no Brasil a

CAPES Educação Básica, podem ser considerados exemplos

partir dos anos 2000. (Ferreira, 2012), por sua vez, ratifica a

dessa política. Os programas propostos pela CAPES estão

posição de que estamos num momento de grande investi-

atrelados a uma visão liberal, baseada na ideia de compe-

mento na formação docente, no entanto, sua análise critica

tência e eficácia. Para a coordenadora da CAPES – DEB:

3

o modelo de eficácia subjacente aos documentos oficiais. Essa política de eficácia tem focado a formação nos procedimentos didáticos, na definição de conteúdos ministrados e na avaliação externa à escola que vão validar, por meio de exames, o processo avaliativo da educação brasileira. Ao mesmo tempo o modelo de formação de professores por

O educador Philippe Perrenoud (2000) propõe competências que partem da sala de aula, onde o professor deve utilizar novas linguagens e tecnologias, organizar, dirigir e administrar a progressão das aprendizagens – cujo plural alerta que é preciso também conceber e fazer evoluir os dispositivos que identificam os diferentes alunos e os motivam

competências presente nos documentos governamentais

em suas aprendizagens e no trabalho em equipe.

também coaduna com essa concepção de eficácia.

(Neves, 2012: 359).

2  A OCDE foi criada em 1948 para ajudar os países devastados pela II Guerra. Tem uma atuação a partir de comitês de educação e possui parcerias com vários organismos internacionais entre eles o Fundo Monetário Internacional - FMI. 3  Abordamos nessa regulação o conjunto de leis, pareceres e resoluções apresentadas ao longo do texto.

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ciaturas de Artes Visuais/Plásticas, como apontam (Silva

Já (Saviani, 2011) apresenta a ideia de competência vinculada ao cenário dos anos de 1960, o contexto de 4  Parâmetros apontados, entre outros, por (Perrenould, 1999).

Julho 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |17


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implantação de concepções pedagógicas que previam uma

nas licenciaturas, desencontradas das necessidades do con-

qualidade fabril nas escolas. Pode-se estabelecer um vín-

texto da escola.

culo da concepção de competência e eficácia com o viés pedagógico do tecnicismo, modelo importado da educação americana para a realidade brasileira via acordo MEC-Usaid

3. OS ESPAÇOS DE FORMAÇÃO INICIAL: AS LICENCIATURAS

que inspirou a criação da Lei 5692/71.

EM ARTES VISUAIS

Advém dessa concepção de competência a ideia da

No campo da formação de professores de Arte,

formação de um professor técnico estimulada pelas novas

(Araújo, 2010) aborda a história buscando referências na

políticas. O professor técnico é aquele que desenvolve sua

história da formação de professores, tendo como marco a

aula de modo pragmático, repetindo uma prática prescri-

Reforma Francisco Campos, no Governo Getúlio Vargas, em

tiva, já o professor “culto”, como aborda (Saviani, 2011), é

1930. A autora também enfatiza a distribuição geográfica

aquele que, a partir de fundamentos científicos e filosófi-

dos cursos de Artes na atualidade. Analisa, igualmente, que

cos, compreende a realidade social e a partir desse contex-

do ponto de vista do contexto da criação da disciplina o mo-

to desenvolve proposta de formação aprofundada de seus

delo do governo civil-militar trouxe entraves para seu pleno

estudantes.

funcionamento. “No caso da formação de professores de

A terceira premissa apontada por (Ferreira, 2012),

Artes, esses acordos resultaram na precariedade de recur-

diz respeito à retenção dos professores por mais tempo na

sos humanos e financeiros destinados aos cursos e em polí-

carreira, evitando o abandono da profissão precocemente.

ticas educacionais voltadas para uma formação tecnicista e

Com ações como o piso nacional, planos de cargos e salá-

reducionista da concepção de docência” (Araújo, 2010: 07).

rios, formação continuada no contexto do trabalho (espe-

Nos dias de hoje há uma concentração de cursos

cializações e mestrados profissionais) e envolvimento dos

na região Sudeste e na rede privada, que, identificando ni-

professores em projetos de pesquisa como o programa

chos de mercado, investiu fortemente na criação de cursos,

OBEDUC – Observatório da Educação -, o governo preten-

garantindo seus ganhos na quantidade de alunos atendidos.

de implementar sua política de formação docente. Sobre a

(Araújo, 2010) aponta dois movimentos expansionistas para

permanência dos professores na carreira docente, (Saviani,

os cursos de Licenciatura em Artes Visuais. Um na década

2011) conclui que se os professores forem valorizados so-

de 1970 como desdobramento da criação da disciplina de

cialmente, tiverem estrutura adequada, formação e salá-

Educação Artística, e outro na primeira década do século

rios dignos, essa permanência será uma consequência, pois

XXI, como ampliação dos cursos de graduação nas IES brasi-

atrairão jovens a investirem em sua formação, como outros

leiras. A autora destaca a existência de 126 cursos de artes

o fazem para carreiras mais valorizadas.

plásticas dentre os quais 39 criados no governo civil-militar

Dentre os diferentes programas oferecidos, desta-

entre os anos de 1970 e 1979.

camos o Plano Nacional de Formação – PARFOR - que obje-

Dados sistematizados no Projeto Observatório

tiva propor formação em nível de graduação no modelo pre-

apontam que diante da distribuição geográfica de atendi-

sencial para os professores não habilitados que atuam nas

mento às demandas de formação de professores de Arte,

redes escolares públicas. Estes profissionais não habilitados

conforme dados do Censo Educacional de 2007, último dis-

existem também na área de Arte, atuam ministrando aulas

ponível para análise pública, o atendimento em algumas re-

de outras disciplinas com habilitação e complementam a

giões, como Sul e Sudeste, apresenta equilíbrio. Um exem-

carga horária ministrando aulas de Arte sem habilitação.

plo é o número de professores de Artes atuando na Educa-

As atuais políticas públicas ainda apresentam ca-

ção Básica no Paraná, que no Censo Educacional soma um

ráter disperso, muitas vezes não consolidados, atuando de

total de 984, entre todas as linguagens, sendo que destes,

forma parcial e com dificuldade de transformação: da reali-

127 sem habilitação. No entanto, em outras regiões, como

dade salarial, da estrutural da escola, da formação proposta

o Norte e Nordeste do país, o número de professores em

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escola por meio dos estágios e aprofundar o conhecimen-

territorial dessas regiões. O Acre é um exemplo alarmante,

to teórico, reforçando os saberes sistematizados no campo

pois possui menos de 0,5 professores de Artes atuando na

do conhecimento, auxilia a minimizar os dilemas existentes

rede escolar pública.

entre domínio do conteúdo e domínio pedagógico. Para os

Além dos problemas de falta de professores habili-

profissionais do Ensino de Arte, como abordavam (Fusari &

tados, baixa densidade no oferecimento de formação, fato

Ferraz, 2001: 53), o desafio é “[...] saber Arte e saber ser

que gera programas especiais de formação como o PARFOR,

professor de Arte” articulando duas dimensões do ser pro-

a UAB entre outros, a formação universitária de professores

fessor.

vive um conflito entre dois modelos de formação conforme (Saviani, 2011). Para ele, configuraram-se dois modelos de formação de professores: o modelo dos conteúdos

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático em

Considerando a criação dos cursos de formação de

que situamos o modelo de professor de Arte na atualidade.

professores para o ensino da Educação Artística a partir do

Os modelos que datam do século XIX ainda persistem no

ano de 1971, pode se dizer que, mais do que as contribui-

contexto da formação de professores na universidade, na

ções da disciplina na rede escolar, podemos identificar as

medida em que esses ideários pedagógicos antigos ressur-

contribuições dos cursos de formação como lugar de pro-

gem revisados e adaptados para a atualidade, ou mesmo

dução de conhecimento, de reflexão no campo da Arte e

persistem nas suas concepções mais tradicionais. Aplicados

de produção artística. Podemos elencar também uma vasta

esses modelos na área de Arte, teríamos uma ênfase na

produção bibliográfica, um conjunto de programas de pós-

formação por conteúdos culturais-cognitivos que ficariam

graduação e o investimento na formação de recursos huma-

concentrados no aprendizado de Arte visando os conteúdos

nos individualmente qualificados para atuar nas escolas e

da disciplina, a formação de uma cultura artística geral, am-

no cenário da Arte. Mas necessitamos ainda democratizar

pliando a formação no que diz respeito às teorias artísticas,

o acesso a produção artística, e formar recursos humanos

aos processos artísticos, focando numa formação prope-

aptos a conhecer a Arte, produzi-la, disseminá-la e compre-

dêutica do educador, entendendo que a partir do domínio

ender seus aspectos políticos, econômicos e sociais a fim de

dos conhecimentos o professor de Arte poderia transpô-los

construir um enfrentamento coletivo para a problemática

para a realidade.

do acesso como proposto nas perguntas iniciais do presente

Já o segundo modelo ressalta o caráter pedagó-

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exercício profissional é muito pequeno diante da extensão

texto.

gico-didático com a preocupação de enfatizar os fazeres

A dimensão política da formação de professores

artísticos no processo de ensino-aprendizagem na escola.

de Arte com a inserção institucional da área foi minimizada,

Nas tarefas artísticas, os conteúdos sistematizados seriam,

fato que poderia explicar o enfraquecimento das Associa-

nessa concepção, pensados para a prática pedagógica, bem

ções de Arte-Educadores nos estados brasileiros. A atuação

como os conteúdos artísticos pensados para a aplicação em

política associativa foi dando lugar à atuação nos cursos de

sala de aula, pois a formação do professor de Arte só se con-

graduação e pós-graduação. As lutas pela valorização da

cretizaria com o domínio do como ensinar.

disciplina decresceram a partir da implementação da LDB

Ressaltamos as especificidades da formação nas

9394/96, motivada pela obrigatoriedade como componen-

licenciaturas em Arte como a formação do artista e a for-

te curricular. No entanto, os editais de concursos públicos

mação do professor, do pesquisador, o currículo e a sele-

para professores de Arte, o modelo de formação continu-

ção de conteúdo, a prática e a práxis. Podemos dizer que

ada disponibilizado pelas redes de ensino aos professores

esses dilemas perpassam a temática e, finalmente, as prá-

e a falta de liberação para estudos de pós-graduação são

ticas artísticas e suas relações com as praticas pedagógicas.

alvos de duras críticas pelos professores de Arte que atuam

Assim, para (Saviani, 2011), aproximar as licenciaturas da

na escola. Outro aspecto de tensão é a escassa política de

Julho 2014 | As Políticas Governamentais Brasileiras e sua influência na formação docente em Arte | Silva / Hillesheim |19


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valorização do magistério e a falta de estrutura para ensinar

Tendo em vista as reflexões anteriores, muito se

arte nas escolas. Acreditamos que se houvesse uma política

tem discutido e escrito sobre a formação do professor. No

de fortalecimento das associações estaduais, os professo-

entanto, ela ainda é pensada no âmbito da dimensão técni-

res organizados poderiam fazer frente a esses problemas e

ca ou do como ensinar, esquecendo-se que o como ensinar

fortalecer uma visão de sociedade a fim de compreender

nem sempre vem acompanhado de reflexões sobre quem

melhor os problemas da escola, o fenômeno da proletari-

ensina, o que se ensina, por que e para que se ensina. Isto

zação do professor, o aumento e a diversificação da carga

significa que as reflexões em torno da formação do profes-

de trabalho e por consequência o fortalecimento da FAEB.

sor exigem uma abordagem da teoria e da prática educativa

A compreensão do seu próprio contexto contribuiria para

comprometida com o acesso ao conhecimento artístico-cul-

a formação e, por sua vez, para a diminuição da carga de

tural, cuja finalidade é a formação última de homens e mu-

culpabilização do professor de Arte.

lheres capazes de enfrentar os desafios inerentes à relação

Em relação às políticas públicas, incluindo a legis-

capital, trabalho, educação e de criar um projeto político-

lação e os programas especiais, podemos concluir que pre-

educativo comprometido com as transformações sociais e,

domina um modelo liberal que pressupõe a ação individual

por consequência, com uma nova educação não excludente.

em detrimento da ação coletiva e que valoriza a concepção

Podemos falar hoje de um modelo específico de

de eficácia e competência, inclusive desqualificando os

formação docente em Arte? Do ponto de vista das análises

professores como educadores, sem considerar o contínuo

construídas nos estudos propostos pelo projeto Observa-

desmonte realizado na escola pública. Um exemplo disso é

tório, não é possível falar de um modelo diferenciado pois

a não aplicação, por parte dos governos estaduais e munici-

vivenciamos um domínio dos pressupostos da educação

pais, do percentual obrigatório nas escolas previsto na LDB.

no campo do Ensino de Arte. Isso acontece porque há uma

Os documentos da CAPES/DEB guardam relação

predominância de formação nos cursos de Pós-Graduação

com as concepções advindas da lei 5692/71, que foi produ-

da área da Educação, também há uma escassez de linhas

zida num contexto polissêmico a partir das contribuições da

de Ensino de Arte e nomes congêneres nos cursos de Pós-

Escola Nova e do Tecnicismo no que diz respeito à qualifica-

Graduação em Artes Visuais. Contamos na atualidade com

ção do professor para a prática e a formação por atividade,

nove linhas dentre os 39 cursos existentes. Caso seja desejo

como no caso da Educação Artística. Vislumbra-se aqui uma

da área propor uma docência em Artes Visuais amalgamada

ênfase no saber fazer em detrimento do saber filosófico. A

com os saberes específicos é necessário um investimento

releitura desse pensamento liberal para os dias atuais justi-

nas linhas de ensino de arte nos cursos da Pós-Graduação

ficam a ênfase numa abordagem “neo-escolanovista” mar-

da área de artes visuais.

cada no modelo de formação de professores advindos das

Outras pesquisas podem ser estimuladas a fim de

políticas públicas atuais. É preciso ressaltar que a própria

responder algumas das questões em aberto no presente

visão sobre o fazer pesquisa volta-se para a pesquisa sobre

texto. Destacamos entre elas duas para compartilhar com

a prática, como se o universo de atuação docente fosse ex-

o leitor: quais as especificidades de ser professor de Arte?

clusivamente a prática, ou mesmo, considerar que a teoria

Que experiências de formação docente em Artes Visuais fo-

pode existir distanciada da prática ou vice-versa.

ram construídas na história recente dos cursos de licencia-

Outro aspecto relevante do nosso ponto de vista é

tura em Artes Visuais?

que as políticas públicas são afetadas pelos diferentes proje-

Longe de encerrar as reflexões sobre o tema da for-

tos políticos sociais, dado seu caráter polissêmico, apresen-

mação de professores de Artes Visuais, o projeto Observa-

tando inclusive posições internas contraditórias advindas

tório construiu um conjunto de perguntas a ser investigadas

do debate entre diferentes forças políticas na sua feitura e

no contexto dos estados brasileiros com a intenção de co-

processo de aprovação.

nhecer as especificidades das licenciaturas e suas relações com seus egressos, uma tarefa ainda inconclusa.

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Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Encarar o ‘estigma’ da diferença através da compreensão da cultura visual Addressing the ‘ stigma ‘ of difference through the understanding of visual culture

Ana Cañete Correas ana_c_89@hotmail.com Máster Artes Visuales y Educación: un enfoque construccionista. Universidad de Barcelona

Fernando Hernández-Hernández fdohenandez@ub.edu Sección de Pedagogías Culturales. Facultad de Bellas Artes Universidad de Barcelona

Tipo de artigo: Original

RESumen Este artículo da cuenta de cómo la educación artística para la comprensión de la cultura visual, que se vincula al desarrollo de una experiencia de educación inclusiva con estudiantes de secundaria en el marco del proyecto europeo Creative Connections, permite afrontar la experiencia del estigma de ser emigrante que la mayoría de los participantes llevan consigo como una posibilidad de visibilización, reconocimiento y emancipación. Palabras Clave: interculturalidad; comprensión de la cultura visual; educación posmoderna; investigar con jóvenes; subjetividades en tránsito.

RESUMO Este artigo relata como a educação artística para a compreensão da Cultura Visual, que se vincula ao desenvolvimento de una experiência de educação inclusiva com estudantes do ensino fundamental dentro das bases do projeto europeu Creative Connections, permite afrontar a experiência do estigma de ser imigrante que a maioria dos participantes leva consigo como uma possibilidade de visibilização, reconhecimento e emancipação. Palavras-chave: interculturalidade; compreensão da cultura visual; educação pós-moderna; pesquisa com os jovens; subjetividades em trânsito.

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This article reports on how arts education for understanding visual culture is linked to the development of inclusive education based on an experience with high school students as part of the European project Creative Connections. The particularity of this case is that allows young participants facing the stigma of being immigrant not as a limitation but as a possibility of visibility, recognition and emancipation. Keywords: interculturalism; visual culture for understanding; postmodern education; research with young people; subjectivities in transition.

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Abstract

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EL MARCO DEL PROYECTO CREATIVE CONNECTIONS

estos tiempos de marginalización de quienes no participan de los valores de los grupos hegemónicos:

Creative Connections (http://creativeconnexions.eu/es/)

¿Cuál es el papel de la voz en el proceso de

es un proyecto colaborativo que cuenta con la financiación

autorizarse y reconocerse los jóvenes en el

de la Comisión Europea dentro del programa Comenius

proyecto?

(EACEA-517844). Su principal objetivo es el intercambio transnacional entre jóvenes y niños/niñas,

en el que

para posibilitar que todas las voces sean

participan seis países europeos. Una universidad de cada país del consorcio coordina cuatro centros (dos de primaria

¿Cómo se constituyen las relaciones pedagógicas reconocidas?

¿En qué medida un proyecto de educación de

y dos de secundaria) para dar énfasis a la voz de los chicos

las artes y la cultura visual puede contribuir al

y chicas, especialmente a través de su relación con el Arte

reconocimiento y la emancipación de los jóvenes?

Contemporáneo. El programa ha creado un archivo con

¿Cómo aprenden los jóvenes a partir de la

obras de arte de diferentes artistas pertenecientes a los

educación artística -entendida como comprensión

seis países vinculados al proyecto, con la finalidad de que

de la cultura visual- modos de ser y de relación

contribuyan a facilitar un proceso de indagación sobre el

que cuestionan las concepciones multiculturales

significado de la identidad cultural y de lo que puede querer

estigmatizadoras?

decir ser “ciudadano europeo”. Los jóvenes comparten sus

Estas cuestiones responden, además de a la finalidad del

reflexiones en forma de producciones artísticas en una

proyecto, a un mantra que sobrevolaba en la práctica

galería on-line para iniciar así una conversación que busca

educativa del centro: “Aquí tenemos alumnos inmigrantes,

favorecer el intercambio y el diálogo entre los participantes.

alumnos que llegan a escolarizarse ya en la ESO, alumnos casi

El proceso reflexivo y de intercambio que corre paralelo al

analfabetos, alumnos de bajo nivel cultural”. La presencia

desarrollo del proyecto trata de dar cuenta de cuestiones

de jóvenes inmigrantes era mayoritaria (en torno al 70%),

que van desde la construcción de la identidad hasta otras

pero lo que llamaba la atención era la estigmatización que

relacionadas con la propia educación y producción artística.

de esto se hacía. Estigmatización entendida, como señala Delgado (1998: 171), como el fenómeno en que una

El grupo de la Universidad de Barcelona, coordinado

minoría es acusada por la mayoría “de las desgracias que

por Fernando Hernández, tomó la decisión de incluir

afectan o podrían afectar la sociedad”. Lo que nos llevó

en el equipo investigador a una tercera figura, quien

a preguntarnos cómo tener

actuaría como facilitadora y narradora de cada caso. En

Connections la voz de los chicos y chicas a través del arte

la experiencia de la que aquí se da cuenta, Ana, como

contemporáneo para cuestionar este estigma con el que

estudiante del máster en Artes Visuales y Educación: un

eran representados.

en cuenta desde Creative

enfoque construccionista, fue la encargada de tender un puente entre la universidad y el IES Torras i Bages de l’ Hospitalet de Llobregat (Barcelona). Lo hizo vinculándose

LA EDUCACIÓN DE LAS ARTES VISUALES Y LA CULTURA

a los dos grupos de la asignatura optativa de Educación

VISUAL EN UN MARCO PLURICULTURAL

Visual y Plástica de 4rto de la ESO donde desarrollamos el proyecto junto con su profesora, Marta, siguiendo los

El giro cultural en educación se ha caracterizado por un

principios de la investigación-acción. Además de contribuir

anhelo reformista que busca reestructurar y ampliar sus

al desarrollo del proyecto nos planteamos explorar cuatro

perspectivas en busca de un modelo educativo mucho más

cuestiones que tenían que ver con las posibilidades que

cercano a la experiencia del alumnado y de su realidad

ofrece la educación de las artes visuales para favorecer que

social y cultural (Banks & McGee Banks, 1989; Greeson,

los jóvenes encuentren otro lugar para ser y aprender en

2004; Campbell 2010; Boman et al 2012; Ortega, 2013).

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cada uno de los puntos de vista que (re)configuran ‘al Otro’.

educación artística esencialista que se caracteriza por el

Lo que reclama, en la educación en general y en la artística

estudio único de las grandes obras de arte (Hernández,

en particular, aproximaciones que ayuden a desmitificar

2000; Aguirre, 2000; Freedman, 2006; Bartholeyns et al

cuestiones que vinculan y limitan la cultura a un territorio

2010; Touriñán, 2011; Hernández, en prensa). Frente a la

o a la etnicidad.

concepción modernista de que una Cultura es sinónimo de una Sociedad, el acercamiento posmoderno a la(s) cultura(s) se focaliza en el doble proceso de aprendizaje

APRENDER A MIRAR(SE) DESDE OTRO LUGAR

vivencial (enculturación) y formalizado (socialización), que además se ramifica de manera dinámica compartiéndose y

Nuestro proceso de indagación en el aula se inició

adaptándose permanentemente (Bullivant, 1993 en Efland,

pidiéndoles a los chicos que se agruparan de acuerdo a sus

Freedman, Stuhr, 2003).

afinidades y temas de interés: crisis económica, política, cultura popular, televisión, deportes, medio ambiente...

Pero frente al desafío que plantea la relación entre grupos

Inicialmente empezaron a pensar en realizar algunos

con diferentes modos culturales de mirar y de mirarse,

apuntes de forma individual para una futura obra conjunta.

otros autores (Zizek, 1997; Barbosa, 1998; Colom, 2013)

Para algunos, estos temas fueron únicamente un punto de

nos advierten del peligro de caer en el esencialismo de

partida desde el que se inició un proceso asociativo mucho

renacimientos identitarios que puedan terminar por añadir

más complejo y con más implicaciones de las que ellos

marginación a las situaciones ya precarias de algunos

mismos pensaban, de manera que algunos se reagruparon

colectivos sociales, en lugar de llevar a cabo lecturas más

cuando salieron nuevos temas para explorar.

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Así, la educación cultural ha puesto en entredicho una

caleidoscópicas que eviten una educación neocolonizadora. Esto nos puso en alerta

ante la

fetichización que se

Cuando tuvieron claro qué tema querían trabajar, llegó la

está haciendo de este tipo de práctica educativa, que se

hora de ver cómo podían hacerlo y especialmente, cómo

presupone inclusiva, pero que en realidad, puede marginar

podían materializar sus ideas a partir del trabajo de los

a los alumnos supuestamente diferentes por su cultura,

artistas que proporcionaba Creative Connections en forma

como si de “discapacitados culturales se tratara” (Delgado,

de archivo. Pero esta exploración les resultó difícil de

2003: 69).

afrontar. Por ello les planteamos una propuesta que les ayudara a transitar entre sus ideas, sus temas de interés y

Autores como Manuel Delgado (1999),

Rosi Braidotti

su concreción en un proyecto artístico. Como ejemplo les

(2011), Zygmunt Baumann (2011) han definido la(s)

mostramos los conceptos principales que se relacionaban

identidad(es) como una posición de subjetividad en

con los modos de ser artista, que estaban presentes en

tránsito. Pero no está de más señalar que no es lo mismo

cada uno de los bloques en que se organizaba el archivo

elegir un posicionamiento transitorio de la subjetividad que

que proponía Creative Connections: A: cartógrafos de

encontrarse permanentemente en un tránsito impuesto.

identidad cultural; B: intérpretes de la diversidad cultural;

Porque los chicos y chicas que llevaron a cabo el proyecto, no

C: reporteros sobre la cultura; D: guías culturales y E:

son solamente inmigrantes, también son estudiantes en un

activistas culturales.

la

contexto con el que no siempre se comparten y reconocen sus valores. La cuestión del estudiante como el Otro nos

Basados en esos referentes se les propuso que escogieran las

obliga a situarnos en el entramado relacional y a explicitar

palabras clave que creyeran que tenían que ver con el tema

cuáles son nuestros presupuestos acerca de la cuestión de

que iban a tratar en su obra o en el enfoque que iban a darle.

lo educativo, lo artístico y lo multicultural, aceptando que

Se organizó bastante revuelo. Los miembros de un mismo

es una situación que depende del contexto, y de todos y

grupo comenzaron a debatir sobre la idoneidad o no de las

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palabras que algunos querían escoger (y otros no) y también

1. Un ejemplo de aprendizaje asociativo en colaboración

entre los distintos grupos se oían voces que reclamaban la propiedad de tal o cual concepto. Estaban así dando a la

Els Solts es el nombre de un grupo que quiso indagar

vez sentido a los contextos de producción y observación, al

a partir de los “sentimientos”. Después de explorar

tiempo que actuaban como grupo crítico que validaba sus

temas como el amor, la amistad, la empatía, la envidia,

propias obras, de manera que sus interpretaciones formaban

la tristeza... como primera actividad realizaron algunos

parte de la construcción del conocimiento que ellos mismos

esbozos a partir de imágenes de la red que encontraban

estaban generando. Tenían ideas acerca de lo que para ellos

tecleando el sentimiento con el que querían trabajar.

era la cultura visual que iban proponiendo sus compañeros

Las imágenes comenzaron a desbordar las carpetas

y de las imágenes que comenzaban a desbordar las carpetas

virtuales que creaban en los ordenadores del centro para

virtuales de los ordenadores del aula, les hicimos ver que

“inspirarse” en los dibujos que estaban haciendo. Estaban

en realidad, lo que estaban haciendo, era crear su “propio

creando, en realidad, su propio archivo. Imágenes del tipo

archivo” en paralelo al del proyecto. Algo que no siempre

“visto en las redes” les sirvieron para, por un lado, hacer

ocurrió como habíamos previsto. Hubo desubicaciones,

que su realidad y sus intereses entraran en el proyecto

silencios y extrañamientos. Pero eso era también parte de

y en el aula, y por otro lado, como idea incipiente sobre

un proceso con subidas y bajadas del que ahora damos

la que trabajar. Las primeras experimentaciones fueron

cuenta a partir de tres de los ejemplos que se llevaron a

de tipo formal: variaciones en el tema representado y

cabo.

experimentación técnica en sus propios esbozos a partir de editores fotográficos...

LOS GRUPOS, LOS PROYECTOS Y SUS PROCESOS A la hora de decidir cómo dar cuenta del recorrido de los jóvenes dos cuestiones guiaron nuestras decisiones: la primera fue que, como dicen Freedman (2006) y Hernández (2007), la(s) identidad(es) cultural(es) se aprenden, cambian y varían a lo largo de las experiencias de aprendizaje y de vida. La segunda tiene que ver con el reconocimiento que Eisner (1988), Sullivan (2004) y Hernández (2008) hacen de la experiencia artística como una forma genuina de generar conocimiento. Y así había sido nuestro caso, desde el comienzo del proyecto, pasando por las sesiones de reflexión en las que debatieron cómo las cuestiones sociales y culturales también pueden presentarse de manera artística. Si en Creative Connections los jóvenes “debían utilizar el Arte Contemporáneo” como punto de partida desde el cual crear y compartir, las producciones de estos chicos y chicas también constituyen imágenes discursivas, que a su vez median otros discursos, de manera que su creación/producción artística, se presenta así como una vía para la comprensión y expresión de estos discursos que constituyen sus identidades.

Figuras 1 y 2 – “Cada uno ha escogido las palabras y las hemos ido a representar a través de dibujos y también en frases” (Josselin Abigail). Fotos Ana Cañete.

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Pero todavía faltaba darle unidad a la obra que querían crear. En la primera sesión que se organizó para pensar en grupo, además de llevar a cabo una reflexión conceptual comenzamos a familiarizarnos con las imágenes de Creative Connections. La sesión se desarrolló interrogando algunas de estas imágenes, no todas, ya que el tiempo de la clase -una hora- es limitado para comentar en su totalidad el extenso archivo. Para intentar solventarlo, se les pidió que escogieran algunas de las imágenes que les interesaran o les llamaran la atención para comentarlas en el aula. Conversamos durante la clase y nos fuimos a casa. Al día siguiente, Abigail había traído varias fotografías sobre “libros de artista” (figura 4). Las profesoras (Marta y Ana) no entendieron a qué venía todo aquello, pues no le habían explicado en qué consistía hacer un libro de artista, ni habíamos visto ninguno en clase. Al parecer Abigail se había interesado por la obra de A Butterfly Girl de Berenika Ovčačkova (figura 3). Había buscado información sobre la artista y había acabado en algunas webs donde se mostraban más obras suyas y algunos libros de la artista, de donde había sacado la idea de realizar el suyo propio. A los compañeros les pareció una manera idónea

Figuras 3 y 4. Figura 3 – A Butterfly Girl de Berenika Ovčačkova. Reproducción cortesía del artista para el proyecto Creative Connections. Figura 4 – Libro de artista de Berenika Ovčačkova.

para poder trabajar con las imágenes que ya habían comenzado a buscar/transformar en la red en relación a los “sentimientos” y además vinculaban con otra artista del archivo que también les habían llamado la atención, como Ana García Pineda, cuya obra presentaba el proyecto Máquinas y Maquinaciones (2008) era de hecho, una especie de cuaderno de artista (Figura 5). De esta forma, el grupo se repartió los distintos “sentimientos” con los que querían trabajar y decidieron hacer una tarea doble (que se fue multiplicando): la de realizar una escultura en cartón a modo de gran librería (figuras 1 y 2) (a la manera de los ejemplos que habían

Figura 5 – Ana García Pineda (2008). Máquina-Lengua. De la serie Máquinas y Maquinaciones.

encontrado a partir de investigar más sobre Berenika

dichos “sentimientos” que fueron autofotografiándose en

Ovčačkova) y realizar cada uno su propio cuaderno de

una performance fotográfica (figuras 6, 7 y 8) en el mismo

artista en relación al sentimiento que iban a trabajar.

instituto y que acabó de dar coherencia a la obra y a todo el

Estos libros contenían además toda una escenificación de

proceso de indagación.

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Figuras 6, 7 y 8 – Performativazar y representar los sentimientos. Fuente: Trabajos de los estudiantes.

Los chicos y chicas que desarrollaron este proyecto y el

Hernández (2011: 18) se pregunta ¿Cómo tienen lugar,

proceso de exploración que han llevado a cabo, muestran

desde esta posición, las experiencias de creación de sentido

que esta experiencia ha funcionado como vehículo para

que fijan lo que “son” los jóvenes? Los investigadores y los

la construcción de un significado, de una obra en la que

poseedores del conocimiento disciplinar suministran a los

confluyen los intereses de todos los integrantes del grupo y

responsables de la administración […] una serie de términos

las obras propuestas por Creative Connections.

que definen a los jóvenes como “en riesgo”, “desafiantes”, “problemáticos”, “fracasados”, “radicales”, “superdotados”

2. De la imitación a la construcción de la identidad cultural.

etc. Con ello se configuran discursos, por lo general cortos

El proceso dialógico entre imagen-contexto.

de mira y con connotaciones negativas, que se hacen presente en las escuelas, hogares, centros comerciales y en

El grupo de Campions decidió indagar a partir de la

las manifestaciones de los políticos.

fascinación grafitera que les produjo encontrarse con la obra de Banksy. Tuvieron claro que querían hacer algo

Quizá por eso mismo estábamos infravalorándolos o

parecido. Pero tenían una dificultad: les gustaría hacer un

considerando poco importantes sus propias decisiones o sus

gran mural con un montón de grafitis pero “solo el Jefferson

intereses (porque en el fondo seguíamos relacionándonos

y el Colmenares saben pintar”. Se arma revuelo en el

con ellos como personas “en construcción”). Pero la

grupo porque tienen clara la técnica que querrían utilizar

sorpresa no tardó en llegar. Habían estado trabajando para

pero pocos son duchos en materia de grafiti y en general

la primera puesta en común copiando dibujos de grafitis

en “esto del dibujo”. El tema que quieren tratar es fútbol,

que encontraban en internet y...

fútbol y más fútbol. Este tema no parece muy atractivo a las profesoras que se preguntan sobre qué implicaciones

Hemos buscado un artista para inspirarnos

puede tener el hooliganismo en las construcciones de

y se llama Banksy y hemos hecho varios

identidad cultural. Aunque pensándolo bien... seguro que

dibujos relacionados con fútbol y grafitis de

son muchas. Marta comenta cómo se les podría ayudar a

su estilo. Las palabras que hemos elegido

enfocar el trabajo para que hicieran algo más “profundo”.

están relacionadas también con el deporte:

Pero lo cierto es que el tema lo han escogido los jóvenes y no,

leyendas, los mitos del fútbol, o sea los

como suele ocurrir en otras experiencias, desde la mirada e

jugadores, los símbolos, cultura popular,

intereses de los investigadores-educadores. En este sentido

cuerpo físico... y nacionalidad. Ésta la hemos

Agirre (en Hernández, 2011: 24) habla de los temas que

elegido porque en muchos países piensan que

pensamos que más van con ellos revelan nuestras visiones

todo el mundo juega al fútbol y no siempre ha

sobre los jóvenes y “sólo en raras ocasiones los temas de

sido así. Hay muchos países que la gente no

la investigación parten de los propios deseos de saber o

conoce y también juegan al fútbol (Felipe y

de las necesidades e intereses de los jóvenes”. Al respecto

Rodrigo, extracto de vídeo).

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algunos integrantes del grupo para decir que están descontentos con la idea de su trabajo. Que no puede ser que quieran hacer grafiti si sólo uno o dos saben pintar. A Marta van con las dudas técnicas y les propone hacer plantillas en esténcil, de manera que puedan trabajar “sin ser grandes dibujantes”. También se habían fijado en la obra de Dexter Dallwood que se encuentra en el archivo de Creative Connections. Su elección estaba justificada. “Podemos pintar una cancha de fútbol y al fondo Barcelona”. Una conexión compositiva. Un grafiti en la pintura. Un solo elemento... Pensamos que era una mirada un tanto ingenua, pero en realidad estaban, como ellos decían, “inspirándose” en una asociación

Figura 9 – “La periferia era ahora el centro, dónde se disputaba el gran derbi enmarcado por los altos edificios de la Barcelona central” (Ana Cañete, Memoria del Trabajo Final de Máster).

constante entre las imágenes que ellos mismos encontraban en la red. El proceso de investigación que llevaron a cabo

Esta cuestión encaja con uno de los presupuestos básicos

muestra una vez más, como en base a sus propios intereses

que apoya la educación artística para la comprensión para

se produjo un aprendizaje mediado por asociaciones de

la cultura visual y es que los jóvenes no crean motivados

significados sugeridos por la experiencia. Habían establecido

únicamente por puros valores técnico-formales, sino que lo

conexiones con las obras de arte que proponía el proyecto,

que buscan es mejorar sus habilidades para desarrollar su

las imágenes de los medios y la prensa deportiva y de su

propio estilo. Entendiendo por estilo una ilustración visual

propio entorno

de la riqueza de matices y referentes que consumen a diario

experiencial para, a su vez, crear sus

propias obras, su propio imaginario. La mistificación del

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Al día siguiente nos encontramos en el aula. Se acercaron

junto con sus intereses y motivaciones personales.

proceso creativo “inspirado” se estaba convirtiendo, sin haberlo trabajado específicamente en el aula, en un diálogo

Banksy había sido la conexión primera que habían podido

bastante autónomo con su contexto. Y es propiamente de

establecer con el archivo propuesto por el proyecto, como

su contexto la cancha de fútbol que decidieron incorporar

elemento conocido y vinculado a su entorno.

como modelo de su obra: la del propio instituto ¿qué otra

pensaron en crear, en primera instancia un mural-graffiti,

conocían mejor? Le sacaron fotos y realizaron un foto-

pronto se dieron cuenta de la incomodidad que les producía

montaje con la ayuda de Marta, con una panorámica de

tener que trabajar únicamente en base a un presupuesto

Barcelona al fondo vista desde el Torras i Bages. El nombre

formal. Así, el deseo de reconocimiento que habían temido

del instituto en letras escritas en graffiti marcaba el centro

que no llegaría a través de la destreza técnica les había

de la composición, como habían visto en la obra de Dexter

impulsado a re-contextualizar una actividad de ocio y un

Dallwood. En el centro de la pista se encuentran Messi y

contexto urbano que dejaban de ser “tópicos adolescentes”

Cristiano Ronaldo disputándose un balón. Y sobre ellos,

para convertirse en un ejemplo que revela que la identidad

en esténcil, las palabras que interrogaban toda la escena:

cultural y juvenil es tan compleja como cualquier otra y está

los mitos, las leyendas y la nacionalidad de una vista

muy lejos de poder estereotiparla.

Aunque

estratificada y a la vez superpuesta de imágenes que iban desde su contexto más cercano a la ciudad de Barcelona (y mucho más allá).

Julho 2014 | Afrontar el ‘estigma’ de la diferencia desde la comprensión de la cultura visual | Ana Cañete Correas / Fernando Hernández-Hernández |29


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3. De los procesos de resistencia y auto-expresión a la

Al final de la clase ya lo han decidido. Van a pintarse el cuerpo

apropiación cultural.

como L. Tatarová y van a imitar los tatuajes de la banda de los Maras. Marta les dice que antes de pintarse les buscará

A los componentes del grupo Sicaris las bandas latinas

algo de información sobre pintura corporal, especialmente

les generaban curiosidad y admiración, por eso tuvieron

por cuestiones higiénicas y de salud. Para que no se dañen la

claro desde el principio cual sería su proyecto. De hecho,

piel. Les da también el nombre de algunos blogs que hablan

fue el grupo que antes entregó sus obras. Sí, en plural. En

sobre pintura corporal, por si eso les da ideas, y pide a Ana

enero habían terminado sus creaciones, frente al parecer

que les escriba una guía sencilla para que obtengan fotos

de

algunos profesores descreídos que preguntaban

de calidad. Nos ponemos manos a la obra. Ese mismo día

sorprendidos “¿pero quieres decir que se puede sacar algo

les enviamos la información y pocos días después una parte

de este grupo?”....

del grupo ya ha terminado la tarea ¡y en casa! Además no

En su proceso de aprendizaje y trabajo vemos como pasaron de sus “votos de silencio” a las foto y vídeo-(re)creaciones de los procesos de iniciación en algunas bandas latinas y a la investigación acerca de la articulación de su simbología. El comienzo fue similar al de los grupos anteriores: definir sus intereses acerca de lo que querían investigar. Se empaparon de información y quisieron visionar y presentar algunas

solo se han fotografiado (figuras 9 y 10), han filmado todo el proceso de realización simulando los procesos de iniciación de dichas bandas. En las fotografías podemos ver a Carlitos posando para la cámara con la piel dibujada con simbología mara. En los vídeos se ve el proceso de elaboración de esa pintura corporal a modo de tatuaje, como si de un rito de iniciación se tratara.

películas. Su preferida fue la de Óscar González (2010) Destino Mara. Pero habían otras: de Andrés Lozano Pineda (2008) La Gorra; la de Jorge Franco (2005) Rosario Tijeras. Ana les recomendó también la de Barbet Schroeder (1999) La Virgen de los Sicarios. Hasta aquí todo bien, los “problemas” comenzaron cuando Marta y Ana les preguntan si ya han visto alguna de las películas... y la respuesta cada día es la misma: no. De pronto nos preguntan si pueden hacer un estudio en el barrio sobre la seguridad de la zona. Ahora ya no sabemos si están fascinados por las bandas o si les tienen pavor. Al preguntarles qué es lo que les interesa realmente de trabajar el tema que han elegido dicen que quieren criticar la falta de seguridad que sienten que hay en el barrio. ¿Realmente lo sienten así? Contestan de manera afirmativa: esto es lo que es y lo que se dice. Ante la pregunta de si para

realizar ese estudio tienen alguna idea de cómo

presentarán el trabajo, la “obra”, sus caras, su silencio y su indecisión -que va durando ya varios días- dicen que no. Se les propone revisar el archivo de Creative Connections para ver si encuentran alguna idea (así había sido como habían comenzado a trabajar los otros grupos y había dado resultado).

Figura 10 y 11 – Tatuaje, estigma y reconocimiento. Fuente: Trabajos de los estudiantes.

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de Mona Hatoum (1988) Measures of Distance o Speechless

designar de manera generalizada al tipo de marca corporal

(1996) de Shirin Neshat.

ejecutada en Grecia y Roma, como signo de esclavitud, competía tanto al uso frecuente de este vocablo para

Fascinados ante semejante idea no podíamos dejar de ver

referirse a la técnica de tatuar la piel como a la imposibilidad

en aquellas auténticas performances que el “problema

de remover la cicatriz; ambas cuestiones ratifican el fin

idiomático”, que es “conflictivo” dentro de la institución,

estigmático de la marca en el cuerpo y dieron lugar a

era para ellos un campo de batalla en el que poder conjugar

diferentes interpretaciones etimológicas y asociaciones

y codificar múltiples códigos y múltiples significados. Del

semánticas de las palabras estigma y tatuaje (Martínez,

mismo modo, que el chador también remite al mismo

2011: 150).

tiempo a la reclusión y a la libertad de acceder a la vida pública, aquellos chicos y chicas se autodenominaban

De la misma manera, el grupo de “las chicas”, más

inmigrantes, negros o términos similares, que eran a la vez

interesadas por la dimensión lingüística de los signos maras,

signos de estigma y resistencia. Es interesante ver como

las llevó a buscar los equivalentes en letras del abecedario

en todas estas obras, aunque diversas, es el cuerpo el que

de los signos que las bandas utilizan. Su encarnación opta

encarna los conflictos sociales (en) del propio sujeto ¿No

por ser, en lugar de pintura corporal, proyecciones de

es esa una noción muy similar a la que Delgado daba de la

estos signos encima de la piel posteriormente fotografiada

estigmatización? ¿Estaban performando fotográficamente

(figuras 11 y 12). Estas obras recuerdan a su vez a otras

precisamente eso? (Recordemos también la experiencia

obras, especialmente de artistas mujeres como es el caso

fotográfica que lleva a cabo el grupo de Els Solts).

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Aparentemente, la elección de la palabra “estigma” para

Los jóvenes se sitúan, actúan, hacen cosas que les permiten improvisar y experimentar con imágenes y escenas propias y ajenas. Son ingredientes y recursos distintivos de esa performance fotográfica: el control corporal, la sonrisa, la seriedad, la posición, la gracia, el movimiento, la suavidad, la furia, la dignidad, la juventud, el colorido, entre otros, y, si se pudiera introducir la expresión de otros elementos sensoriales, habría que añadir, el tono de voz, las risas y otros sonidos y resonancias (Buixó, 1998: 183-184). La autoexpresión en el propio cuerpo encarna la interpretación que hacen del entorno social y cultural, apropiándoselo. Lo que nos lleva a recordar, en relación a la educación para la comprensión de la cultura visual, que el arte actúa aquí como una vía de expresión de las preocupaciones de estos jóvenes. Quienes interpretan su experiencia de relación de manera metafórica, pero no con un objetivo terapéutico, sino social y cultural, ya que sus emociones no son estrictamente personales sino una Figura 12 y 13 – “La institución es para ellos un campo de batalla en el que poder conjugar y codificar múltiples códigos y múltiples significados” (Ana Cañete, Memoria del Trabajo Final de Máster). Fuente: Trabajos de los estudiantes.

personalización de cuestiones sociales y culturales que realmente les preocupan.

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AUTODEFINIDOS Fernando Hernández (2000) comenta que una de las

Es importante reflexionar aquí también, acerca del papel

finalidades de la educación artística para la comprensión de

que ha tenido el grupo, como entidad corporeizada de la

la cultura visual es evidenciar el recorrido por las miradas

dimensión relacional que la educación artística para la

entorno a las representaciones visuales de diferentes

comprensión de la cultura Visual posibilita. Con relacional

culturas. Con la finalidad de confrontar críticamente a

nos referimos a la que se establece, por un lado entre el

los estudiantes con ellas, e investigar así, acerca de las

sujeto y las imágenes, dialogando entre éstas y su contexto

representaciones y exclusiones de la historia visual (y

(el de la propia imagen). Pero por otro, el que nos hace

de la visualidad) de occidente, para así

indagar sobre

comprender que al ser parte de distintos momentos

sus propias representaciones y exclusiones. Desde esta

culturales (como algo lábil y no conceptualmente cerrado),

posición los chicos y chicas del Torras i Bages, a través de la

estamos en disposición de saber cómo nos relacionarnos

observación de imágenes de múltiples ámbitos (no sólo las

con nuestro entorno. Porque en nuestro caso, cabe recordar,

procedentes del archivo de Creative Connections) junto con

que las obras no son fruto de un joven en concreto, sino de

las reflexiones colectivas en clase, han podido establecer

unos procesos creativos que son en sí mismos colectivos.

asociaciones que les/nos han ayudado a reflexionar sobre

Esto ha fomentado los procesos dialógicos que la propia

el mundo en general y sobre el efecto que tienen sobre

comprensión para la cultura visual propone. De esta manera

nosotros mismos las distintas concepciones acerca de “lo

es como pudimos trascender la resistencia inicial ante el

cultural”.

proyecto, en la que, por mucho que quisiéramos hablar o comunicarnos, no estábamos en la misma (pre)disposición

Pensamos entonces que han podido aprender que la(s)

para hacerlo.

cultura(s) y los momentos culturales, son aspectos que participan de nuestra construcción identitaria, mediando

En el grupo, cada uno se situaba y se recolocaba en función de

nuestras relaciones y a su vez cuestionando y constituyendo

las relaciones que establecía con el Otro y con las imágenes

nuevas concepciones sobre lo que entendemos que es

(del Otro). De este mismo modo, nos ocurría a nosotros en

la identidad cultural. Este proceso incide en la forma de

las reuniones del proyecto, cuando proponíamos medidas

entender el conocimiento, ya no como algo estanco, sino

de actuación y nos aconsejábamos durante el proceso.

como algo que construimos a través de las experiencias

Como dicen Petry y Hernández (2013) basándose en Lacan,

visuales que se solapan y se asocian y que ya no obtienen

una investigación se basa en parte en los deseos y en el lugar

su forma a través de la presunta existencia de una cualidad

que éstos ocupan dentro de la investigación, así como del

estética inherente. Lo cual nos lleva a preguntarnos: ¿qué

resto de inquietudes y deseos de los demás investigadores

tiene que ver esta imagen conmigo?

del equipo. Por eso, una investigación se constituye también en una red de relaciones. Del mismo modo, en la

Poder contribuir a expandir los sentidos de la cultura visual,

relación que establecieron las profesoras, hubo también

ha permitido a los jóvenes desarrollar un sentido de autoría

negociaciones y continuas recolocaciones, igual que en las

en el que la producción artística ha sido un camino para

teníamos ambas con los chicos y chicas y también entre los

la comprensión y el aprendizaje. Esto ha sido así, porque

propios compañeros participantes en la gestión de Creative

durante su proceso han podido experimentar con múltiples

Connections. De hecho, en una de las sesiones finales que

conexiones –creativas, críticas, formales, emocionales… y

organizamos para conversar acerca de lo que el grupo había

a través de la expresión de sus ideas. Lo que a su vez les

aprendido con el proyecto, todos concluyeron en que se

ha hecho conscientes de las motivaciones, intenciones y

había aprendido sobre todo a trabajar en grupo.

capacidades artísticas de los demás compañeros.

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hemos expuesto y en los que hemos dejado por cuestiones de espacio. Primero, buscando las emociones y resonancias que nos suscitan las obras de “Otros” -los artistas en este caso- e intentando relacionarlas con inquietudes propias, que permitan hacer emerger otras imágenes. Una vez que establecíamos cuál era la conexión conceptual que vinculaban las representaciones sobre las que se interesaban y aquello sobre lo que querían indagar, buscaban una manera de representarlo ellos mismos, haciendo que se preguntaran acerca de cómo un concepto determinado se ha narrado o se representa y qué otras formas hay de

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hacerlo.

BOMAN, K.M., Danzig, A.B. y García, D.R. (Eds.) (2012). Education, democracy and the public good. Review of research in education, 36, 1-316.

La visión que ofrecemos aquí de Creative Connections no

BRAIDOTTI, R. (2011). Nomadic Theory. The Portable Rosi Braidotti. New York: Columbia University Press.

pretende ser, en ningún caso, un resumen de lo que ha sido la experiencia del proyecto en general, ni de lo importante que ha sido participar en él. Lo que nos gustaría compartir es que de las experiencias que hemos presentado y que nos han hecho reflexionar acerca de las distintas concepciones sobre la identidad cultural que se manejan en un contexto educativo conceptualizado como multicultural y en el que las identidades de los jóvenes se encontraban en posiciones de subjetividad en tránsito, el lector, quien quiera que sea, pueda reflexionar también sobre las aportaciones que la educación artística para la comprensión de la cultura Visual puede aportar al debate multicultural, permitiéndonos salir al encuentro con nuestros propios intereses y cuestionarnos conceptos naturalizados problemáticos como los que construyen nuestra subjetividad. Así pues, establecer puentes con la “realidad” dando forma a la comprensión que tenemos del mundo y posicionándonos en éste, nos permite ser conscientes de la capacidad de la que disponemos para hacer escuchar nuestras voces y salir de los tránsitos que más que escogidos, nos vienen impuestos. Lo que dibuja un camino para vincular la educación a través de las artes y la cultura visual con las situaciones, encrucijadas y tensiones a la que los jóvenes (y los adultos) nos enfrentamos en estos tiempos de

BUIXÓ, M. J. (1998). Mirarse y agenciarse: espacios estéticos de la performance fotográfica. En Revista de Dialectología y Tradiciones Populares. 52, pp.175-189.

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Estos procesos pueden reseguirse en todos los casos que

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A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade La urgencia de un enfoque artístico e teatral de comunidad de calidad The urgency of an artistic and theatrical community approach with quality

imgb@uevora.pt Professora Auxiliar da Universidade de Évora

Tipo de artigo: Original

RESUMO O estudo sobre as performances tradicionais contemporâneas, ao permitir compreender as motivações das comunidades na relação com as suas vivências culturais e expressões estéticas próprias - atendendo aos processos paródicos, dialógicos e intertextuais -, impõe-se como determinante para a reflexão em torno das práticas teatrais na comunidade. Nesse sentido, o presente artigo reflecte a urgência na demanda duma intervenção artística e teatral eficaz, mobilizadora e transformadora. Salientamos os enfoques educacionais e sociais destas práticas artísticas através da apresentação de um projecto de formação de dinamizadores teatrais, em curso na Universidade de Évora.

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Isabel Bezelga

Palavras-chave: Teatro e comunidade; Performance; Culturas Populares.

RESUMEN El estudio de las representaciones tradicionales contemporáneas, permiten una comprensión de las motivaciones de las comunidades en relación con sus propias experiencias culturales y expresiones estéticas.Atender a la paródica, los procesos dialógicos y intertextuales, es crucial para la reflexión en torno a las prácticas teatrales en la comunidad. En este sentido, lo artículo refleja la demanda urgente de una intervención artística eficaz, logrando aceder a la movilización y la transformación teatral. Hacemos hincapié en los enfoques sociales y educativos de estas prácticas artísticas mediante la presentación de un proyecto de formación de facilitadores de teatro, en curso en la Universidad de Évora. Palabras clave: Teatro y comunidad; Performance, Cultura Popular.

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Abstract The study of contemporary cultural performances, allow us to an understanding of the motivations of communities in relation to their own cultural experiences and aesthetic expressions. Attending the parodic, the dialogic and intertextual processes is crucial to understand community theatrical practices. The text reflects the urgent demand of an effective, mobilizing and transforming theatrical intervention. We emphasize social and educational approaches of these artistic practices by submitting a draft of theatrical training facilitators, ongoing at the University of Évora. Keywords: Theatre and community; Performance, Popular Culture.

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Este artigo toma como referência os resultados duma

popular e os códigos de teatralidade que se identificam em

investigação, que partiu da análise de uma performance tra-

diversas fontes do teatro e performances populares. Com-

dicional no sul de Portugal - Brincas Carnavalescas de Évora

preendê-los e respeitá-los constituíram-se como passos

– compreendendo quer os seus sentidos na contemporanei-

decisivos no nosso projecto de formação educacional e ar-

dade, quer os seus contributos para a criação teatral comu-

tística na comunidade já que se traduzem na oportunidade

nitária (Bezelga, 2012).

de aceder aos padrões estéticos que este tipo de manifes-

A metodologia adoptada revelou uma multiplicida-

tações comporta.

de de olhares, como área epistemológica de confluências,

Impõe-se a um tempo, a identificação, utilização e

relevando a pertinência dos processos dialógicos, da incor-

re-apropriação de elementos de diversificada proveniência

poração das vozes dos interlocutores e ainda da dimensão

cultural, não se restringindo apenas aos estritos reportórios

projectual de participação, ao longo de anos, nestas práticas

teatrais, mas igualmente aos provenientes de outras áreas

performativas.

da expressão artística e cultural: dança, música, narração

Efectivamente, os contributos do teatro educação e

oral e escrita, etc. Neste contexto o progressivo interesse

comunidade induzem a abordagens cada vez mais especia-

pelas formas tradicionais e respectivo processo de patri-

lizadas e implicadas, quer referindo-se a especificidades de

monialização (Raposo, 2003), tem correspondido às neces-

grupos e sub-grupos presentes nas sociedades contempo-

sidades das sociedades contemporâneas, de espaços de

râneas, a um mesmo tempo sujeitos e objecto de interven-

encontro com as suas « raízes » e de procura de sentidos

ção, quer no enfoque da dimensão política que prespassa o

de continuidade, num mundo em que tudo é fortemente

processo criativo.

transitório, modulado por fluxos e em constante mudança.

A toda esta multiplicidade de práticas se reconhece a tónica no desenvolvimento sustentado, na promoção de

REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Introdução

Onde até mesmo o conceito de comunidade se encontra comprometido (Bauman, 2003).

valores e boas práticas, na afirmação dos direitos humanos, As manifestações performativas populares, caracte-

na superação traumática. A função social e transformadora do teatro está pre-

rizadas como espaços de celebração comunitária em que

sente em todas essas acepções e por esse facto ela é dese-

simultaneamente todos são actores e espectadores, fre-

jada e urgente!

quentemente desenvolvem nos indíviduos sentimentos de

Para tal, conte-se sobretudo, com a pertinência da

autenticidade e permanência num contexto dinãmico e vi-

visão educacional ampla de Paulo Freire, do poder que a li-

brante. Tem-se vindo a assistir a uma recuperação das for-

teracia confere enquanto promotora da conscientização e

mas tradicionais, ou mesmo à sua invenção (Hobshawn &

exercício de liberdade e cidadania assim como com as pers-

Ranger, 1983) e à adaptação destas manifestações a certos

pectivas emancipadoras do Teatro para todos de Augusto

formatos com maior visibilidade para o que tem contribu-

Boal.

ído a crescente dimensão da vida social como espectáculo presente no mundo contemporâneo. A transformação que ocorre ao nível das práticas, das funções e significados

Contributos das manifestações performativas

que lhes são atribuídos emerge da tensão criativa presente

populares

nestas manifestações, entre a incorporação de elementos culturais provenientes das referências globais conduzindo

A perspectiva aqui apresentada pressupõe a interac-

ao aparecimento de objectos híbridos (Canclini, 2006) e as

ção com 2 sistemas da performance popular que se com-

tendências de cristalização suportadas pelas noções de au-

plementam, o mundo dos reportórios da expressão artística

tenticidade de algumas encenações folclóricas.

Julho 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |37


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Características da teatralidade das

personagem’, reforçada por aspectos visuais e discursivos

performances populares

equacionando-se a alteridade de eu pessoa, eu performer, eu personagem.

A pesquisa transversal que levámos a cabo permitiu

A identificação da personagem é sobretudo realiza-

entender a teatralidade como um território maleável onde

da por signos externos, que caracterizam tipos facilmente

diversas tradições e inovações operam proximidades e in-

reconhecíveis. A tipificação conduz frequentemente a uma

teracções.

especialização tornando-se tácita a distribuição de certos

No entanto, e apesar do seu carácter festivo e multi-

papéis.

expressivo, identificam-se um conjunto de elementos teatrais que as caracterizam.

A figura de Mestre/ Mordomo, relativamente comum nestas manifestações, aparece associada a um proces-

O espaço da performance passa, numa primeira ins-

so de Iniciação reservada apenas a alguns, nomeadamente

tância, pela criação do território do jogo, onde – com a co-

na senda da continuidade duma determinada linhagem. A

munidade – fica estabelecido o pacto da natureza ficcional

ela cabem diversas funções: liderança, organização, nego-

da própria performance, sendo a “rua” o locus preferido.

ciação e gestão do grupo, distribuição de papeis, condução

A disposição circular ritualizada é percepcionado como mo-

dos ensaios e preparativos.

mento de efectiva sacralização correspondendo a uma rela-

A presença do grotesco e o apelo da comicidade apa-

tivamente comum convenção de passagem do tempo e de

recem ligados à presença de outras figuras características,

enunciação da viagem.

que tomam diversos nomes. Estas figuras estão associadas a

O posicionamento dos performers é organizado ten-

diversas funçõe: organização da cena; regulação do espaço

do em vista um contínuo contacto visual entre todos, es-

e tempo; corte (instituindo a dualidade ordem/desordem);

truturando as suas posições relativas através dum discurso

reactualização crítica dando voz à insatisfação e à possibili-

sistémico que articula o posicionamento de uns face aos

dade de leitura das diversas camadas dramaturgicas oriunda

outros, ao mesmo tempo que define o ‘de dentro’ e o ‘de

da prolepse das narrativas enunciadas na cena; e ainda pela

fora’ do espaço de jogo. ajudando as audiências não fami-

superação desconcertante da narrativa (sobretudo através

liarizadas a (re)conhecer intuitivamente os seus lugares na

de referências escatológicas e excessos de linguagem.

performance.

As práticas performativas são muito diversas da tra-

A noção de tempo na relação fábula versus enredo

dição realista europeia. As características multi-expressivas

preconizada por Eco (1983), sendo um dia ou uma vida in-

destas performances, através da incorporação do cortejo,

teira, pouco interessa. O posicionamento é o da tradição

da música e dança, remetem para uma forma de Teatro To-

oral em que uma história se conta começando por “Era uma

tal.

vez…” e, nesse contexto de verdadeira ‘atemporalidade’,

Assiste-se à concumitância de diversos géneros no

as divisões metadiscursivas entre real e ficcional perdem

interior destas performances, o que lhes confere uma es-

efectivamente o sentido (e os saltos e ‘décalages’ de espaço

tétca particular oriunda das múltiplas influências do teatro.

tempo e acção deixam de interferir).

Neste sentido, as vivências teatrais destas performances

Nas performances populares não raramente se re-

vão desde entre as mais enraizadas tradições oitocentistas,

conhece a existência de um conjunto de performers, cujos

aos princípios de multiplicidade do teatro pós-moderno, de

papéis desempenhados com alguma estabilidade, os defi-

que destacamos a estilização, a economia de meios e mini-

nem como figuras/personagens, muito para além do tem-

malismo.

po de realização da performance. Efectivamente, o que

Se existem formas e códigos que são agenciados

estes “actores” enunciam talvez não se possa chamar de

pelos performers, também existe um sistema de códigos

personagens, mas sim e apenas, figuras. O “actor” destes

convencionados para a sua leitura, enquanto objectos de

contextos evidencia a separação entre o ‘eu-actor’ e o ‘eu-

fruição co-participada. As audiências, por via de um pré co-

38 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Julho 2014


so, constituem-se como uma espécie de alegoria do mundo

mente as suas expectativas com a estrutura tradicional que

que representam, ao estabelecerem laços particulares com

lhes é sistematicamente brindada, embora se manifestem

níveis pré-conhecidos de sentido. A sua dimensão estética

abertas e livres para atender às novidades, às actualizações

reside nessa capacidade comunitária de reconhecimento e

narrativas, aos novos gags (e, portanto, a poderem rir-se de

no domínio autotélico (valor próprio intrínseco) que se tra-

si-próprios com eles).

duz pela partilha criativa enquanto processo, de certo modo

Estes aspectos das performances populares tornam-

ahistórico e tendencialmente ritual.

se particularmente relevantes para a formação artística,

A característica multi expressiva remete-nos não

nomeadamente no que se refere à sistematização dos seus

apenas para os primórdios do teatro mas igualmente para a

contributos para as práticas de teatro e comunidade.

performance artística contemporânea em que se salientam os aspectos de mobilização da individualidade criadora, de inscrição e da consciência de apresentação para um público

Teatro e Comunidade – Um projecto de

no contexto duma implicação comunitária que lhe confere

formação

sentido.

No teatro contemporâneo assiste-se ao desejo de

Podemos efectivamente detectar um sem número

transformar a cena num interface de inscrições culturais, de

de exemplos de encontros, interferências e influências mú-

sonoridades específicas, de pulsões soltas e de corporalida-

tuas, que conferem a estas performances populares uma

des pluralmente marcadas, o que transforma a teatralidade

interessantíssima actualidade, se comparados com recen-

num horizonte de permanente investigação. Um projecto

tes opções do teatro contemporâneo. Schechner (1982), ao

que se alimenta do projecto e que incorpora a diversidade

reconhecer a existência actual de 4 formas teatrais (oral,

expressiva numa estratégia ‘anarrativa’: como uma espécie

tradicional, moderna e pós-moderna), salienta a influência

de ‘media res’ sem limites nem metas definidas.

das formas tradicionais no teatro pós-moderno: “The post

As práticas teatrais tenderam nas últimas décadas

modern is influenced more by oral and traditional ways of

para a poliexpressividade, para a polissemia oficinal e para

making theatre than any modern ways” (Schechner, 1982,

uma grande variedade de registos não tuteladas

p. 106).

As desterritorializações foram assim sendo suces-

REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

nhecimento, procedem por habituação e fundem normal-

São vários os autores que salientam as ten-

sivamente animadas por linhas de fuga que curiosamente

dências pós-modernas das performances populares, nome-

misturaram a tradição e a contemporaneidade

adamente no que se refere à multiplicidade de significados,

A emergência de novas tendências prende-se com o

temas e processos nos modos de criação, onde se acentu-

desejo de um regresso às origens e com o sentimento de

am o carácter ritual na procura de formas “para expressar

perda de referências fundamentais no teatro occidental. A

emoções primárias sufocadas pelas convenções dominan-

valorização simbólica da dimensão ritual na experiência hu-

tes”, resgatando a “manifestação original de cada sujeito e

mana aliada a uma busca de autenticidade são aliás ideias

de reencontros mágicos, com energias perdidas” (Canclini,

partilhadas por Artaud, Brook, Grotowsky e Barba.

2006, pp. 20/25).

Os registos da teatralidade popular, independente-

Revelaram-se óbvios os contributos das performan-

mente das designações colaterais e regionais, denotam vín-

ces populares, tendo a experiência – corpórea e sensível – a

culos naturais e espontâneos de proximidade e intimidade,

memória e o conhecimento sido distinguidos como desem-

definem contextos de partilha e auto-construção, fazem de-

penhando papéis importantíssimos no desenvolvimento

pender o texto e outros ditames da lógica da própria perfor-

criativo e da apreciação estética.

mance e existem, no terreno, ao arrepio das dicotomias po-

Muitos dos elementos presentes nas mais diversas

der/não poder com que são amiúde postuláveis. Além dis-

práticas de teatro e comunidade escapam à codificação te-

Julho 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |39


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atral estrita. Cabe neste domínio todo o tipo de elementos

atenção; temas recorrentes do teatro tradicional que confe-

expressivos provenientes não apenas da teatralidade. Estas

rem atemporalidade temática. O que importa são as acções

características diferenciadas traduzem uma preocupação

(simbólicas ou não) que permanecem, atravessando os fios

em abranger linhas de força fundamentais, que mapeiem

dos tempos. Vida e Morte, Honra, Traição e Perdão são iso-

estas práticas, por natureza disseminadas e diversas nas

topias ahistóricas que estão presentes – hoje e sempre – na

suas géneses, propósitos e formas de dizer e de ser.

vida e nos dilemas contemporâneos.

Passemos a examiná-las:

Nas práticas de Teatro em Comunidade, verifica-se

- A diversidade estética, quer ao nível da complexi-

uma clara tentativa de retorno às formas simples. Como se o

dade dos signos propostos, quer ao nível das incorporações

‘readvento’ do jogo correspondesse a um desejo profundo:

desse material na comunidade que os gera e interpreta, sur-

A simplicidade pressupõe sempre a ideia de um regresso,

ge como a primeira das características. E possivelmente a

embora corresponda a uma estética de experimentação e

mais importante. Com efeito é o sentido ‘desprogramático’

despojamento.

mas, ao mesmo, denso e tangível na sua comunicação, que

O uso das formas populares desempenha um óbvio

enforma – como um dado necessário – a diversidade de pro-

factor de inclusão, já que uma das preocupações deste tipo

postas estéticas que encontramos nas práticas de teatro e

de trabalho teatral se centra no potenciar da co-participa-

comunidade.

ção. Este aspecto é reforçado pelas opções temáticas, de es-

- Co-presença de elementos integrantes da vida da

pacialidade, de linguagem e de recursos técnico-estéticos.

comunidade e da sua cultura. Esta integração de dados do

As abordagens de Teatro e Comunidade assumem-se

dia-a-dia na cadeia ficcional assegura a presença do ima-

metodologicamente como auto-reflexivas, apresentando-se

ginário e do seu reconhecimento na própria manifestação.

como um desafio e uma oportunidade para que os parti-

- Manipulação da multiplicidade de elementos da

cipantes – individualmente e enquanto membros de uma

cultura popular, aspectos que vão desde o uso específico da

dada comunidade – sintam desejo de reflectirem sobre si

língua à morfologia da cena

próprios, sobre as suas vidas, os seus projectos e esperanças

- a presença lúdica e festiva concorrem como mobilizadores potenciando a criatividade e a entrega colectiva.

futuras. No projecto de formação que temos em curso tem

- Preocupações de eficácia potenciando vínculos co-

especial destaque o conhecimento e experimentação de

municacionais que se estabelecem entre os diversos parti-

formas e códigos presentes nas performances populares,

cipantes.

que sem descurar pressupostos artísticos e estéticos, se re-

A eficácia performativa em teatro e comunidade decorre de vários factores que confirmam o permanente

velam eficazes na inclusão dos diversos participantes e no desenvolvimento de processos de co-criação.

diálogo com as performances populares: dimensão multiexpressiva; identificação das personagens através de dispositivos simples e imediatos (objectos e outros signos); uso do

A urgência de uma perspectiva artística

coro e da forma cantada; recurso ao grotesco e non sense;

Intercultural

estratégias de narração e uso de prólogo e epílogo; e ainda o facto de todos se sentirem ‘espect-actores’ da cena, na

Ao reflectirmos sobre cultura e identidade na con-

consideração de que o espaço ficcional construído decorre

temporaneidade temos que começar por considerar a cul-

de uma realidade de que todos são (personagens e público)

tura como algo dinâmico e em constante evolução e não já

intrinsecamente parte; recurso às formas de cortejo e fó-

assente em identidades fixas e monocentradas.

rum. A forma circular é valorizada em termos teatrais como elemento que permite o contacto visual entre todos, a inclusão das audiências e o estabelecimento de um foco de

A preocupação intercultural advém das necessidades criadas pelas novas sociedades multiculturais na tentativa de uma melhor inclusão. Projectando as noções de partilha

40 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Julho 2014


ência das capacidades expressivas individuais, a exploração

uma superação da noção de cultura em nome das “commu-

e experimentação em colectivo dos processos de criação.

nities” propiciando o cruzamento de culturas e o apareci-

Retemos algumas condições centrais:

mento de novas culturas!

- A ideia de jogo, como actividade primordial de rela-

As bases desta abordagem recaem sobretudo no dialogismo proporcionado pelo Teatro como linguagem artística e estética, no espaço de encontro em contextos situados, com diferentes indivíduos e grupos. Para Augusto Boal (1995) o espaço estético possui qualidades que estimulam a reflexão, a descoberta e o processo de expansão dos universos íntimos e sociais através da experiência. Neste sentido, na formação/educação artística e teatral contemporânea, com preocupações sociais engajadas, deverá ser criado um espaço de questionamento laboratorial, para que de uma forma autónoma e empenhada os alunos investiguem e desenvolvam competências de mediação entre visões, discursos, projectos, instâncias e grupos sociais identitários, fomentando práticas performativas dialógica e cooperadamente sustentadas. Não se trata, pelo atrás exposto, de levar objectos construídos previamente segundo critérios paternalistas de adequação e utilidade (Bezelga, 2008). Aliás sobre esta perspectiva refiram-se as posições de Thompson e Schechner (2004) quando afirmam: “(…) the act of using theatre in these contexts needs to be understood as a process of meeting and competing performances, not as merely bringing theatre to people and places that are theatre-less” (Thompson e Schechner, 2004, p.13). Pretende-se, com esta abordagem, que num ambiente seguro e protegido, os alunos sejam capazes de se exercitar enquanto dinamizadores de projectos na comunidade, assumindo uma relação horizontal baseada no respeito recíproco, na criação de afectos e de laços, que promovem a oportunidade de reflexão-acção e a transformação de práticas e constructos. Convém ressaltar que não sendo a preparação de artistas profissionais, vulgo formação de actores, o tema deste artigo, importa desde já enunciar os princípios pedagógicos do teatro inscritos na formação de educadores, professores e animadores centrando-os no favorecimento de um ambiente desafiador e auto-reflexivo, que possibilite a aquisição das linguagens dramáticas, a tomada de consci-

ção deverá ser tomada como ponto de partida e de retorno. - A integração no processo criativo das dimensões rituais, arquetípicas e oníricas das performances populares pressupõem um reconhecimento e leituras universais. - A recuperação de temas e formas do teatro tradicional traduz-se numa preocupação pelo ‘não dito’, pela preferência por um tipo de recriação que evita o óbvio; aposta na autenticidade - recusando o artifício - e ainda na reinvenção do espaço e da própria ordem da representação. - A comicidade e o uso do grotesco, característicos das performances populares permitem o “espelhamento” e um olhar crítico imediato. - A consideração da importância das novas formas de comunicação, e de interacção com o público (que pressupõe uma comicidade reflexiva) ligam-se, obviamente, a uma

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e identificação como centrais, Mchoul (1996) postula quase

valorização de espaços alternativos de sociabilidade, pelo fazer artístico e vivência estética. fidelizam os seus participantes como públicos mais críticos e produtores culturais autónomos. - O processamento da transmissão de saberes, englobando não apenas os representantes de diversas gerações mas toda uma comunidade, deverá ser realizado de uma forma intuitiva e natural. Desta forma, valoriza-se a aprendizagem decorrente do contacto directo e experimentação. A possibilidade de conversar, observar e partilhar momentos do quotidiano em contexto, ao invés de ser considerada uma perda de tempo, revela-se uma insubstituível oportunidade de aceder e compreender as práticas culturais de uma comunidade, actualizando e reformulando concepções construídas. A narração oral, a implicação da memória e a interpretação subjectiva de acontecimentos e casos - através da aplicação de metodologias audio-visuais de elicitação, por exemplo -, revelam-se facilitadores da mobilização intergeracional numa comunidade e oportunidade de construção identitária. A partilha de histórias (aliando a dimensão da realidade e da fantasia) constituem-se em momentos de

Julho 2014 | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Isabel Bezelga |41


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forte adesão e coesão dos participantes (Cohen-Cruz, 2005).

A dimensão reflexiva é um imperativo que recai na

A criação de uma relação de confiança e a anulação

análise sobre as próprias práticas. Assim o profissional ao

de níveis hierárquicos é condição do desenvolvimento de

promover o desenvolvimento das competências de análise

um Projecto, permitindo compreender na praxis os princí-

e reflexão individual dentro do grupo, inclui-se a si próprio,

pios que enformam a abordagem teatral intercultural. Esta

já que o trabalho teatral na comunidade é uma co-constru-

constante prática de ‘media res’ que visa a transformação

ção.

social está muito para além de todos os reducionismos e codificações binárias e/ou esquemáticas. Interessa levar em conta indicadores de eficácia provenientes da investigação no âmbito educacional, no-

O desenvolvimento de uma visão ética do mundo – no respeito de diferentes valores, acepções e perspectivas – articula-se com as necessárias qualidades de liderança e pro-actividade do animador/facilitador (Bezelga, 2013).

meadamente os que decorrem de projectos formativos na

O conhecimento fundamentado e experienciado,

concepção das Comunidades de práticas (Wenger, 1998),

numa praxis dialógica, das formas das performances po-

em que a responsabilidade de aprendizagem partilhada e

pulares, torna-se ferramenta necessária ao animador/faci-

a co-construção de conhecimento se espelham sobretudo,

litador. No entanto, tal conhecimento não pressupõe uma

ao nível de um mais rigoroso e adequado planeamento e

fidelização aos conteúdos e temas tradicionais.

avaliação das acções – incorporando as motivações, desco-

A heterogeneidade com que as expressões culturais

bertas e expectativas de todos os participantes -, num “En-

se apresentam e se reinventam, isentas da referência a câ-

contro” a várias VOZES.

nones estéticos, são denominadores comuns na contemporaneidade (Canclini, 2006). O carácter híbrido acompanha a crescente vitalidade da cultura popular, pelo que se impõe

Considerações Finais

contínua investigação estabelecendo o recurso a formas performativas eficazes possibilitando a vivência de proces-

A partir da análise das práticas e discursos produzi-

sos criativos livres e actualizados.

dos por criadores e estruturas de criação em Portugal, cujo

A construção partilhada de conhecimento é o mo-

programa de acção contempla a intervenção teatral na co-

tor de desenvolvimento e transformação individual, o que

munidade foi possível compreender que frequentemente as

remete para a consideração da abordagem de Teatro e Co-

abordagens de teatro e comunidade servem propósitos so-

munidade como eminentemente processual, no sentido em

cioculturais e artísticos institucionais (nomeadamente aca-

que se promovem no seio do grupo, as competências co-in-

démicos) que não levam em conta as experiências, vivências

vestigativas, co-criativas e co-avaliativas de âmbito artístico,

culturais e motivações dos individuos e comunidades, não

estético e social.

correspondendo por isso às expectativas criadas e fracas-

Os resultados da investigação constituíram um esteio

sando os seus reais impactos. Desta forma, a reflexão sobre

particularmente rico que acabou por ancorar as diversas

a formação do agente teatral com esta responsabilidade

chaves da teatralidade, entendidas como um sistema que

mostra-se decisiva.

resiste ao fechamento e à cristalização conceptuais. O ponto

Saliente-se o papel polivalente do profissional que

de partida e os pontos de chegada da nossa pesquisa reflec-

desenvolve a sua acção teatral na e com a comunidade

tiram este percurso. Por um lado, problematizando os senti-

considerando uma multiplicidade de funções: A um tempo

dos contemporâneos da performance tradicional; por outro

formador; educador; investigador; e artista. Indubitavel-

lado, enunciando os contributos que daqui advém para a

mente apresenta-se como mediador entre visões, mundos

criação teatral contemporânea em contextos de desenvolvi-

e contextos, envolvendo diferentes referências de ordem

mento comunitário e, desta forma, inquirir as relações en-

cultural, social, artística e estética, acentuando o carácter

tre a educação, a comunidade e as práticas performativas e

dialógico da relação.

teatrais.

42 | Isabel Bezelga | A urgência duma abordagem artística e teatral comunitária de qualidade | Julho 2014


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Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Las prácticas de las Artes Visuales en las escuelas: habituales o resignificadas Practices of Visual Arts in schools: the usual or resignified ones?

Moema Martins Rebouças moemareboucas@gmail.com Universidade Federal do Espírito Santo

Tipo de artigo: Original

RESUMO Este artigo faz parte da investigação “A Educação da Arte no Espírito Santo: de professores a alunos” que teve como objetivo conhecer e acompanhar o professor no exercício da disciplina de Artes e sua formação como aluno do Curso de Artes Visuais Licenciatura na modalidade Educação à Distância (EAD), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Como corpus analítico foram utilizados: questionários, narrativas, projetos, planejamentos e outras produções disponibilizadas no ambiente virtual (AVA) do curso. Dividida em duas etapas na primeira foi realizado um mapeamento da docência em Artes em todo o estado, e na segunda foi realizada uma investigação de caráter exploratório e participante a partir das interações, estudos e projetos disponibilizadas no AVA. O objetivo é o de compreender as mudanças pela qual esse aluno passou durante o curso. Para este artigo foram escolhidas as interações realizadas a partir das disciplinas “Estágio II” e “Trabalho de Graduação I” tendo como referencial os estudos qualitativos de cunho sociossemiótico, por possibilitar a análise das diversas produções textuais realizadas por esses alunos. Palavras-chave: práticas das artes; formação de professor de Artes Visuais; artes visuais.

RESUMEN Este artículo forma parte de la investigación “La Educación de Arte en Espírito Santo: de profesores a estudiantes” que tuvo como objetivo identificar y acompañar al profesor que enseña Artes y, al mismo tiempo, hace su formación como estudiante del Curso de Artes Visuales, Licenciatura dentro de la modalidad Educación a Distancia (EAD) de la Universidad Federal de Espírito Santo. Como corpus analítico se utilizaron: cuestionarios, narraciones de su propia historia docente, proyectos, planificaciones y otras producciones disponibles en el

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cartografía de la docencia en Artes en todo el estado, y en la segunda se realizó una investigación de naturaleza indagadora y también participante a partir de las interacciones, estudios y proyectos disponibles en el AVA. La finalidad es comprender los cambios que este estudiante pasó durante el curso. Para este artículo fueron elegidas las interacciones realizadas a partir de las asignaturas “Estágio II” (Práctica laboral II/ pasantía) y “Trabajo de Graduación I” teniendo como referencia estudios cualitativos en el campo de la sociosemiótica por posibilitar éste el análisis de las diversas producciones textuales realizadas por los estudiantes/maestros. Palabras-clave: practica del arte; formación del maestro en Artes Visuales; artes visuales.

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ambiente virtual (AVA). Dividida en dos etapas, en la primera se realizó una

ABSTRACT This article is part of the research “The Education of Art in Espírito Santo: from teachers to students”, which aimed to understand and observe the teacher in the exercise of the Art discipline, so as his/her formation as a student under the teacher licensing course of Visual Arts of the Federal University of Espírito Santo (UFES in portuguese), in Distance Education modality (EAD in portuguese). As analytical corpus were used questionnaires, narratives, projects, class plans and other productions available in the virtual environment (AVA in portuguese) of the course. The research was divided into two stages: in the first one, a mapping of the Art’s teaching throughout all the State was carried; in the second one, an exploratory and participant investigation was conducted from the interactions, studies and projects available on the AVA. The goal is to understand the changes through which the student has passed during the course. For this paper were chosen the interactions which resulted from the disciplines “Estágio II” (Work Placement II) and “Trabalho de Graduação I” (Dissertation I), having as theoretic referential the qualitative studies of social-semiotic character, for they allow the analysis of the various textual productions undertaken by these students. Keywords: art pratices; formation of Visual Art teachers; visual arts.

Julho 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |45


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1. Porque pesquisar o professor em formação

a nomenclatura de Pólos de Formação Continuada do

continuada?

Professor e às Universidades a formação dos docentes em nível superior. Devido à demanda em nosso estado,

A partir de novembro de 2009, o curso de Artes Visuais

o curso foi ofertado em 22 Pólos e possibilitou que tanto

- Licenciatura, na modalidade semipresencial (EAD) , é

os alunos de áreas rurais, quanto aqueles que moram em

ofertado pela Universidade Federal do Espírito Santo

cidades localizadas em municípios vizinhos estivessem,

(UFES), com o objetivo de mudar uma realidade que

preferencialmente, a no máximo 50 quilômetros dos Pólos,

perdura em nosso estado desde a obrigatoriedade da

e conseguissem deslocarem-se semanalmente para os

disciplina de Educação Artística na educação básica (1971),

encontros presenciais que ocorrem, e também submeterem-

a da atuação de docentes nos sistemas de Ensino público

se às avaliações de cada disciplina que são obrigatoriamente

desde a Educação Infantil, Ensinos Fundamental e Médio

presenciais. Esta é uma característica dessa oferta de curso,

sem a formação específica em Artes.

a de contar com a presença do aluno no Pólo, e lá eles serem

A oferta se deu no âmbito da Universidade Aberta do Brasil

mediados por um profissional da educação que recebe o

(UAB), com uma proposta do Centro de Artes (CAR da UFES),

nome de tutor presencial, portanto, ser semipresencial, e

e em atendimento aos Editais lançados pelo Ministério da

não à distância

Educação e Cultura (MEC) e o que moveu esta iniciativa foi

Para confirmar a grande demanda pela formação, no

1

processo seletivo realizado em setembro de 2008, a procura [...] constatar que ainda hoje grande parte dos professores de arte em atuação, principalmente no interior do estado [Espírito Santo], não possui formação acadêmica necessária para o pleno desenvolvimento de atividades vitais para a formação sensível, social e cultural de nosso alunado. Essa constatação [...] o Centro de Artes da Ufes viu na educação

pelo curso foi maior que a do processo seletivo para o ensino presencial. Foram ofertadas 30 vagas em cada Pólo Municipal, sendo 15 vagas para professor em exercício e 15 vagas para o público em geral. Ao todo, 3.315 candidatos fizeram o Vestibular 2008/2 para o curso, destes 958 para

aberta e a distância um importante e eficaz instrumento

a categoria de professor no exercício de sua função e 2.357

de democratização do acesso à educação e uma opção

para o público em geral.

de qualidade para atender àqueles que lutam por uma

O empenho a este modelo para a oferta UAB, que normalmente

habilitação em nível superior, possibilitando a formação adequada e sustentável dos atuais e futuros professores de arte. (Gonçalves, 2010,p. 65).

É importante esclarecer a existência de um único curso de Licenciatura em Artes Visuais no estado do Espírito Santo não conseguiu atender à extensa demanda profissional2 existente. Para viabilizar este projeto foram criadas parcerias entre o sistema de ensino federal (MEC e UFES) e os municípios do estado. Estes seriam responsáveis por disponibilizar e administrar as unidades em seus municípios que recebem 1  Modalidade semipresencial pois é obrigatória a presença do aluno semanalmente no Pólo de Formação em que ele está inscrito. 2  Dados da Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo-SEDU/ES e de pesquisa realizada por Rebouças (2005) apontaram para um número de 1.200 profissionais atuando como professores da disciplina Artes e/ou Educação Artística na educação básica em municípios de nosso estado sem a formação e a titulação de curso superior em arte. A Educação básica compreende as diferentes etapas da educação, desde o infantil, fundamental ao médio.

não destina vagas específicas para professores no exercício, foi condição da UFES para aprovação do curso. O interesse estava em combater práticas instituídas pelas Secretarias de Educação Estadual e Municipais de complementação de carga horária do professor de outras áreas e disciplinas para justificar a permanência do profissional na escola. Desse modo, como a disciplina de Artes3 é a que possui menor carga horária semanal, profissionais com graduação em Pedagogia, Letras e até Geografia ministram a disciplina nas escolas sem, entretanto, possuírem a formação superior como garante a legislação. Formar os que já atuam na docência e possuem experiências e

formações

diversificadas?

Essa

inquietação

nos

acompanhou antes do curso iniciar, no processo do desenho do currículo4 e, principalmente, no momento das ofertas 3  Artes é a nomenclatura atual que substituiu a anterior de Educação Artística. 4  O currículo do curso de Artes Visuais Licenciatura na modalidade semipresencial (EAD) é diferente do ofertado na modalidade presencial.

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gerados por trocas estabelecidas, por condições de trabalho

pensados, repensados, debatidos pelo grupo de docentes

a que são submetidos, por uma legislação que regula,

responsáveis pelo curso e, enfim, disponibilizados

legitima e hierarquiza as disciplinas por meio das matrizes

aos

alunos.

curriculares entre outras determinações e coerções a que

Todo esse processo foi acompanhado por um colegiado

são submetidas. Do outro lado, está o curso como o lugar de

representativo do qual participam: professores das

investimento de valores que lhes possibilitará a conquista

instâncias

interdepartamentais

da “sala de Artes” e nela a atualização de uma docência

compostas por profissionais dos Centro de Artes e do Centro

enriquecida com o vivido nos espaços escolares em que

de Educação e representantes de coordenação de Pólo, de

atuou, considerando tanto as potências advindas dali como

tutoria e de alunos. Cada etapa do curso incluiu também

as lacunas.

uma dinâmica de reuniões com a intencionalidade de

Considerando o exposto acima, o nosso interesse foi o

incluir os sujeitos aos quais o curso engloba, os professores

de acompanhar o trânsito entre esses dois espaços de

em formação continuada, e, os demais alunos, ou seja

formação do aluno desse curso que é professor da educação

àqueles interessados em uma formação em arte e que por

básica, que nomearemos aqui de aluno/professor: seus

motivos diversos (tais como a entrada na vida profissional

saberes docentes advindos do cotidiano e aqueles do curso

e/ou moradia distante), não puderam fazer o curso na

numa articulação entre eles e num alcance que se expande

modalidade presencial, ou seja um público diferenciado

e se estende às escolas e a cada sala de aula em que atuam

daquele que ingressa atualmente no curso de Artes Visuais

como professores.

departamentais

e

Licenciatura na modalidade presencial (composto de jovens

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das disciplinas, aquele momento em que os programas são

que em sua maioria ainda não ingressaram no mercado de trabalho).

2. Como pesquisar e envolver os alunos na

Portanto, esse curso possui para aqueles que já são

pesquisa

professores a dimensão de uma formação continuada em docência, em nosso caso específico, a formação em Artes. O nosso interesse nessa investigação foi o de acompanhálos no processo mesmo dessa formação, para adentrar e conhecer como se dá a articulação, ou não, dos saberes advindos de uma prática construída no cotidiano das salas de aula, em confronto, ou não, com outros saberes, como os que a academia lhes proporcionará. Desse modo, na oferta e planejamento das disciplinas, consideramos os dois espaços, tanto o da educação básica, como o do ensino superior, como espaços instituídos de formação, num mesmo nível de competências para a docência, sem hierarquizar um saber advindo da vivência e da experiência, sobre o outro específico da academia. Se, por um lado, são dois espaços formadores distintos, exigem competências diferenciadas desses sujeitos. No primeiro há um saber-fazer que a todo o momento, se modifica, pois advindo da prática, se pauta num saber constituído ali, no cotidiano dessa prática, ou, como alguns falam, “no chão da escola”. Com os sobressaltos e surpresas

A primeira etapa da investigação teve como objetivo principal a aproximação do aluno do curso com a realidade mediante um fazer investigativo, para que, desde a formação envolvêssemos, tanto os que já atuam em sala de aula (aluno/professor) como os futuros professores. O objetivo era o de fazer com que o aluno do curso compreendesse a sua ação docente contextualizada e englobada por todas as variáveis que possuem uma dimensão que não é individual, porém, coletiva. Acreditamos que essa aproximação se dá pela pesquisa, porque é a partir dessa prática que a realidade escolar é repensada e o seu fazer efetivamente transformado. É nesse escopo que o Estágio na modalidade de ensino aberto e a distância se sustenta, pois respeita-se a realidade, a cultura, os problemas relativos a cada município ou cidade a que pertence o aluno ou aluno/professor do curso. E é em “Estágio I” que esse mapeamento é iniciado, a partir da imersão desses estudantes no contexto escolar, vivenciando o seu cotidiano multifacetado.

Julho 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |47


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Para cada escola, uma cartografia foi desenhada, ou seja,

este artigo foram escolhidas as interações realizadas a

como é o trajeto até a escola, o que tem ao seu redor, como

partir das disciplinas “Estágio II” e “Trabalho de Graduação

a escola é fisicamente, as salas de aula, como se organiza

I” tendo como referencial os estudos qualitativos de cunho

e se estrutura, enfim, munidos de máquinas fotográficas e

sociossemiótico, por possibilitar a análise das diversas

do diário de bordo, escreveram e registraram com imagens

produções textuais realizadas por esses alunos.

o que cartografaram. Em seguida, munidos de documentos devidamente autorizados pelas autoridades competentes, os estudantes iniciaram a aplicação dos questionários. A coleta de dados foi desenvolvida, basicamente, a partir dos seguintes instrumentos de pesquisa: observação, incluindo fotografias e/ou filmagens, um questionário com 16 perguntas e os registros em diário de campo das cartografias realizadas. A disponibilidade e o empenho de todos possibilitou o envolvimento de todos os alunos do curso totalizando 22 municípios pesquisados5nesse mapeamento. Ao todo foram entrevistados 612 professores, com idade entre 26 e 40 anos, sendo mais de 90% do sexo feminino. O perfil desses docentes, sua escolaridade, sua experiência, os fatores extras e intracurriculares que influenciam em seu fazer docente configuram um primeiro retrato dessa docência no Espírito Santo que essa pesquisa após a tabulação de todos os dados conseguiu desenhar. Na segunda etapa da investigação, foi feito um recorte tendo como parâmetro a abrangência e as diferentes realidades de nosso estado e de sua docência. Os 22 Pólos em que o curso foi ofertado estão localizados, em todas as regiões de nosso estado, do sul ao norte, nas montanhas e no litoral, com grande diversidade cultural, étnica e social. A nossa pretensão foi a de nesse recorte englobar essa diversidade de espaços e culturas em que estes sujeitos atuam, para melhor qualificar as suas práticas. Para analisá-las utilizaremos tanto as narrativas elaboradas pelos mesmos sobre a sua docência, como a análise documental dos portfólios produzidos no curso, os estudos e investigações anexados no ambiente virtual de aprendizagem (AVA), e com este movimento compreender as mudanças pelas quais esse aluno/professor passou durante o curso. Para 5  Os municípios pesquisados foram: Afonso Cláudio, Alegre, Aracruz, Bom Jesus do Norte, Cachoeiro de Itapemirim, Colatina, Conceição da Barra, Domingos Martins, Ecoporanga, Guaçuí, Itapemirim, Iúna, Linhares, Mantenópolis, Piúma, Pinheiros, Santa Leopoldina, Santa Teresa, São Mateus, Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Vila Velha.

3. Práticas habituais ou práticas ressignificadas? Será que é possível imaginar uma escola cujo funcionamento se baseie em modos esperados de comportamento dos sujeitos? Onde cada um desempenha o seu papel, segue o seu programa, ou cumpre seu plano de atividade diária previsto, independentemente do que possam estar fazendo os outros sujeitos (e coisas, e eventos) que o cercam? Que imite o funcionamento de uma fábrica em seu setor de produção programando o tempo a partir de sinais sonoros que anunciam a hora da entrada, dos intervalos entre as aulas, do recreio e da saída e a sua própria espacialidade, e nesse espaço-tempo, cada qual desempenha o seu papel temático de ser professor(a), ser aluno(a), ser pedagogo(a), de ser diretor(a), de ser bibliotecário(a), entre outros, e cumpre uma função determinada que tem ainda como característica a de não comunicarem-se com os demais? Ou, ao contrário, esse espaço escola, ao não se programar pragmaticamente, nem filiar-se a um conteúdo predeterminado, possibilitará que a competência modal, como atributo dos sujeitos, tenha como efeito unir os actantes6 em lugar de separálos? Assim, todo sujeito nela poderá a partir de sua inserção nesse espaço que o constitui, ser motivado, a querer, a crer, a saber, a poder e consequentemente, a querer que o outro queira (ou não queira), crer que crê, saber que sabe, e assim fazê-lo saber? Esse espaço escola, mesmo demarcado espacial e temporalmente, é constituído e compartilhado pelos sujeitos, e institui entre todos que ali circulam periodicamente, como os pais em comparecimento às reuniões, ou os que o usam cotidianamente, como os profissionais da educação e os alunos, competências semióticas que os “habilitam” a comunicarem-se entre si. Entretanto, e ao mesmo tempo, os fazem manipuláveis, uns aos outros, tanto sobre a base 6  Actante é uma unidade sintáxica formal que designa o que ou quem realiza ou sofre o ato e participa de um processo.

48 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Julho 2014


Landowski (2009) propõe a ampliação dos modelos

que pensam da competência modal de seus interlocutores,

narrativos de Greimas8 .

sejam eles os seus adversários ou co-partícipes de seu fazer.

É esse arcabouço teórico, proposto por Landowski (2009),

Portanto, o professor(a), o aluno(a), ou mesmo o(a)

que nos permite refletir sobre as condições de sentido das

diretor(a) não são papéis temáticos fechados, nos quais se

práticas instituídas na escola e assumidas, discursivamente,

“moldam” comportamentos predefinidos. São interações

pelos professores. Sabemos que as relações entre sujeitos,

entre sujeitos em que as competências darão motivo às

dependendo de onde elas se dão, os constituem, desse

interpretações e às influências do poder persuasivo, de

modo, na escola, ou em espaços exteriores a ela, numa festa,

um com o outro, ou de um sobre o outro, e essas ocorrem no ato mesmo em que se fazem, portanto, não garantem nenhuma certeza “de sua eficácia” sobre o outro. A escola, que consideramos e exemplificamos aqui, se constitui como um espaço sócio-cultural7ordenado por uma dupla dimensão, ou seja, institucionalmente ela possui normas e regras que tem como objetivo unificar e delimitar as ações dos seus sujeitos, mas por outro lado é constituída cotidianamente pela complexa trama advinda das relações socais nas quais eles se encontram envolvidos, o que inclui os conflitos que ali se instauram, os posicionamentos individuais assumidos ou rechaçados pelo coletivo, as transgressões e os acordos. Como um espaço social, a escola vive uma vida social onde as situações interactanciais descritas acima são de práticas educativas e sociais que envolvem atores e, portanto, são dotadas de regularidades, de intencionalidades, de sensibilidades compartilhadas ou rechaçadas, e acima de tudo por imprevistos. Essas práticas constituem-se como

num supermercado ou mesmo na feira, serão consideradas as qualidades discursivas instaladas ali, nas interações entre os atores, naquele momento e lugar. Assim, os modos de funcionamento de uma escola, com o qual iniciamos a nossa reflexão nessa etapa de investigação, constitui fases do regime de programação e de manipulação, que envolvem relações interactancias movidas por regularidades e por intencionalidades, produzidas em interações desenvolvidas em um plano horizontal, exemplo das programadas, ou em um eixo “vertical”, hierárquico, como nas manipulações. Nestas, os coparticipantes podem trocar valores objetivos, e nesta confrontação põem em jogo o reconhecimento de um dos destinadores pelo outro. O sociossemioticista alerta que, se, no primeiro caso, as razões de submeterem-se à vontade do manipulador eram fundamentalmente de ordem econômica, no segundo caso, as motivações são de ordem identitária. Tendo como base as constituições de sujeito manifestadas em seus discursos e práticas, questionamos, se os papéis assumidos pelo professor regem as práticas que ele elege:

situações semiotizáveis? Possuindo uma natureza distinta

Como preconiza Landowski (2005), o quanto em nossas

dos “textos” que regem as escolas como os planos, as leis,

práticas cotidianas privilegiamos um poder-fazer e um

os regulamentos, ou que circulam nas mãos dos professores

saber-fazer em detrimento de outros modos de relações

e alunos como os livros e manuais didáticos, como dar conta

possíveis com o nosso entorno. Tal conduta, conforme

das relações entre os sujeitos, das situações e das práticas

aponta o autor, se for eleita pelos sujeitos em suas práticas

que ocorrem ali, ou que chegam a ela e são apropriadas,

ordinárias, objetiva o mundo e, desse modo, nos distancia

vivenciadas e portanto são tão educativas quanto as

dele. Corresponde, assim, a uma visão dualista que separa

originadas e destinadas para ela?

sujeito e objeto, sendo este visto e entendido como

Se são situações semiotizáveis, assim como qualquer texto

exterioridade. O sociossemioticista advoga a existência

(impresso, pictórico, audiovisual, gestual entre outros),

de um outro modo de relação entre o sujeito e o mundo-

podem ser assimiladas e analisadas como tal. Entretanto,

objeto dado pelo encontro estético. Desse encontro entre

a escola e as práticas que nos interessa investigar são

o sujeito e as qualidades sensíveis do mundo, emerge uma

as situações e/ou atos e não os textos enunciados em

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de suas motivações e razões respectivas, como a partir do

experiência que é de uma aprendizagem:

determinado suporte, e para empreender esta tarefa 7  Cf. Dayrell (1996) .

8  Além do regime da programação e da manipulação proposto por Greimas (1970), Landowski (2009) acrescenta o de ajuste e do acidente.

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[...] do sentido estésico dos objetos mediante processos

aluno) que executa os programas sem questioná-los.

graduais de ajuste às qualidades sensíveis dos elementos

A segunda envolve comportamentos relacionados à

com os quais o sujeito interage, quer se trate de obras de arte, de outros sujeitos, ou ainda das coisas mais ordinárias que compõem o meio ambiente da vida cotidiana (Landowski, 2005, p.93).

Portanto,

esta

experiência,

motivação de ordem decisiva, entretanto, questiona tanto sobre o que desejaria, deveria e poderia fazer, que acaba por não fazer.

não

se

restringe

a

comportamentos e papéis programados e considera àquelas que englobam as qualidades das articulações presentes nos eventos, ou seja, os sujeitos, os contextos e as culturas, e também reconhecem a pluralidade, e, por conseguinte, a polissemia de magnitudes de toda ordem com as quais podemos tratar. Assim, o sentido, ou as condições de sentido, tal como propõe Landowski (2009, p.32) “não estão fechadas objetivamente nas coisas, tampouco estarão completamente submetidas à pura subjetividade de pontos de vista, depende certamente, da mirada do sujeito”. Temos, então, conforme o autor, nas narrativas programadas, tais como as que determinam o tempo na escola (da aula, do recreio, da entrada, da saída), as baseadas em necessidades físicas e biológicas (tempo para alimentação, para ir ao banheiro), regularidades de comportamento de ordem social e simbólica, duas formas de motivação. Para explicar a primeira, motivação stricto sensu, Landowski (2009) recorre a Michel de Certeau (1994) que, ao analisar o cotidiano, insere o “inventor”, como aquele sujeito questionador, que redefine o sentido que atribui não só aos objetos que o rodeia mas às suas próprias práticas, desse modo constrói a cada dia seu próprio mundo enquanto mundo significante. Esse é um sujeito crítico. A outra forma de motivação é aquela em que o sujeito acompanha

competências modais de sujeitos motivados por uma

comportamentos socialmente regulados,

explicitando o valor simbólico que é possível associarlhes. Esse é um sujeito consensual, entretanto, possui a capacidade de reivindicar, se necessário, as pertinências. Após explanar sobre essas formas de programação e de motivação, Landowski (2009,p.40) argumenta que delas se depreendem três figuras fundamentais. A primeira pautada em regularidades, casualmente determinadas na programação em que as noções de motivação e intencionalidade não são pertinentes, ou seja, ela gera um actante ativo puro (pensando na escola, um professor, ou

E, enfim, as programações motivadas de natureza complexa, amplamente automatizadas, que geram comportamentos dessemantizados de práxis praticadas, e ao mesmo tempo ressemantizáveis, se o sujeito reposicionar-se como observador de sua própria prática. A esse, Landowski denomina senhor todo-mundo. É importante aqui esclarecer que as situações e as categorizações apresentadas pelo autor, não correspondem a papéis fixos destes atores, nem tampouco possuem a pretensão de engessar as situações e as narrativas produzidas por eles. O objetivo é a proposta de um modelo analítico que permita articular e extrair as implicações ideológicas inerentes aos discursos e às práticas tomados como objetos de descrição semióticas. Os regimes de sentido e de interação são procedimentos entre sujeitos e objetos, e entre sujeitos que se articulam, ou interferem entre si nas práticas e interações concretas, portanto, não há uma continuidade entre intencionalidade e regularidade, nem ruptura entre manipulação e programação, o que há é uma série de passagens graduais que encadeiam estes dois regimes entre si. Ou, ainda, como no caso do ajustamento, a existência de uma dinâmica própria dos atores, desse modo a interação emerge dela mesma, no co-atuar de seu coparticipante. Apresentada a base teórica que fundamenta e conduz a nossa análise, questionamos: Como é o atuar desse aluno/ professor? Como ele articula e se apropria dos conteúdos e metodologias da Arte e os relaciona com os significados coletivos compartilhados socialmente? Nesse fazer, como interfere em sua prática, a reorganiza e a re-apresenta em planejamentos e propostas educativas em seu cotidiano ou em projetos específicos de intervenção na escola (como em uma oficina inter e transdisciplinar tal qual proposta na disciplina “Estágio II”, ou ainda nos projetos que apresenta em “Trabalho de Graduação I”? O recorte nessas disciplinas (“Estágio II” e “Trabalho de Graduação I”), se justifica pois

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Conhecer e conviver com alunos e profissionais da

esse aluno/professor de seu papel e cenário rotineiro,

educação numa escola de educação básica para

de docente no interior de uma sala de aula. A segunda é

propor intervenções educativas com metodologias,

o repensar, de todos os estágios realizados por eles, os

conteúdos e recursos da Arte (projeto de uma

vários deslocamentos, e ainda engloba uma proposta que é

oficina de arte).

autoral, a de um projeto de uma monografia. Desse modo, o curso, tal qual um programa narrativo 3.1. A proposta de/para ressignificar a própria prática Com a intencionalidade de provocar o aluno do curso de Artes Visuais Licenciatura EAD, e principalmente o aluno/ professor, propomos os Estágios para todos, e a perspectiva que abraçamos foi a da pesquisa, posicionando-os como observadores de seu próprio espaço/escola e de sua própria prática docente. Apresentaremos, a seguir, os principais objetivos da disciplina Estágio II, para que se possa acompanhar, como nós, enunciadores de uma disciplina, promovemos esse encontro com a realidade, tomando-a como uma totalidade a ser investigada. Nas performances discursivas, estão incluídos o plano social (campo de estágio, as escolas e seus sujeitos) e como na interação com esse campo os professores/alunos discursivizam e quais práticas propõem. Para tanto, apresentaremos inicialmente os objetivos propostos pela disciplina, para depois apresentarmos os discursos produzidos pelos professores/alunos modelizados pelo curso. A seguir nos objetivos da disciplina o compromisso e a responsabilidade de cada um na transformação da arte na educação escolar: •

Compreender o estágio como campo de pesquisa entender e investigar fatos ou princípios relativos a uma determinada realidade. Conhecer os princípios que fundamentam a pesquisa de campo e a etnografia para pesquisas em educação;

Conhecer os instrumentos de coleta de dados para uma pesquisa de campo;

Acompanhar e compreender a dinâmica de uma escola e a sua estrutura organizacional para que possa conhecer as propostas e planejamentos pedagógicos, artísticos e culturais existentes nesse espaço educativo;

semiótica, pressupõe um sujeito disjunto de “certo saber”, logicamente, não de todos os saberes, mas daqueles específicos que compõem o objeto valor almejado por esses professores ao retornarem a um antigo papel já desempenhado, o de ser aluno, e, para tanto, tendo de passar por provas que o qualifiquem, como o vestibular de ingresso para essa formação. Com o curso, agregamse aos conhecimentos prévios desse sujeito, inserido na cultura e na educação, um “conhecimento da arte”, com o reconhecimento que um curso de graduação lhes confere. Nesse programa narrativo de base do curso, as disciplinas, e cada uma delas, possui também os seus próprios programas narrativos com o objetivo de modalizar os sujeitos para a ação, ou seja, modificar o estado inicial do “não saber” para junto com eles torná-los sujeitos do querer, do dever, do poder e do saber. Cada uma dessas disciplinas propõe o seu próprio programa, como os objetivos citados acima, que enfatizam o dever, ou seja, o professor/aluno deve: “conhecer os princípios que fundamentam a pesquisa de campo e a etnografia para pesquisas”, e ainda “conhecer os instrumentos de coleta de dados para uma pesquisa

e esta como uma possibilidade de descobrir,

de base do percurso gerativo de sentido proposto pela

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a primeira possibilita o repensar a escola, deslocando

de campo”, ou mesmo o “acompanhamento de uma dada realidade escolar”, e para avaliarmos se ele cumpriu com todas as etapas previstas desse programa, ou melhor, se realizou as ações, poderíamos, como numa concepção de estágio já apontada aqui, enchê-lo de fichas e questionários, ou outros programas que têm como base o alcance de uma dimensão pragmática e funcionalista da educação, legitimada inclusive pela legislação, como apontam Guimarães e Oliveira (2009). Os pesquisadores, professores das disciplinas de Estágio do Curso de Artes Visuais da modalidade EAD da Universidade Federal de Goiás, criticam essa perspectiva didática instrumental pautada na produtividade, eficiência, racionalização e controle dos resultados padronizados da Lei 11.788, do MEC.

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Se o dever fazer não dá conta da apreensão da realidade,

os atores transformados assumem os seus papéis narrativos

as modalidades são as do querer, do poder e do saber e

com diferentes encenações. Assim, o que a princípio poderia

esse conhecimento é formado na experiência concreta do

parecer imutável, se transforma a cada mudança dos atores

sujeito, pois se dá na inserção dele na cultura e em como

nesse mesmo espaço. Portanto, é a partir dessa interação

ele articula os saberes teóricos (do curso) aos das ações

com a escola que a proposta de estágio foi pensada. Quais

docentes cotidianas, com as práticas institucionais. Serão

interações ocorrem ali? Constrói-se sujeitos críticos ou o

essas as modalidades que fazem esse professor/aluno

senhor de todo mundo? Nesse atuar investigativo do aluno/

competente para a transformação. De sujeito disjunto para

professor, desestabilizam-se os sentidos prévios para uma

sujeito conjunto, e essa prática tem como objeto modal a

compreensão da diversidade da qual a escola é constituída,

pesquisa, é ela que possibilitará “ver” a diversidade cultural

abrindo espaço para uma convivência compreensiva e

da escola e, como afirma Dayrel (1996, p. 144) constatar

dialógica com os demais profissionais da escola e com os

que a escola é polissêmica, possui uma multiplicidade de

demais sujeitos que ali interagem.

sentidos e, portanto, se distancia do sentido único que a

A partir de nossa própria imersão nesse contexto como

ela atribui o sistema educacional ou até mesmo alguns

uma das professoras das disciplinas9 de Estágio, e a

professores.

partir de um corpus composto de aproximadamente 400

Outro objetivo presente na disciplina é o de romper com

provas escritas, que compõem uma das etapas avaliativas

uma prática de estágio curricular obrigatório que se pauta

previstas na disciplina, foi possível apreender as duas

somente na sala de aula. O que implica toda a escola como

formas de motivação apontadas por Landowski (2009),

campo de estágio, assim, o “esperado” também está em

qual seja, as consensuais, ou seja subjazem à execução

observar como a vida social/comunitária circula nesse

de práticas instituídas nesse espaço escolar, ou práticas

espaço.

habituais e a crítica. Estas motivações constituem sujeitos

Há uma cultura escolar muito presente e que se manifesta

questionadores de suas próprias práticas e desse modo

de diferentes modos, desde na proposição dos tempos

redefinem os sentidos advindos delas. Chamamos aqui de

escolares (hora de entrada, de recreio, de aula, de saída);

práticas ressignificadas.

como nos espaços (salas de aula, pátio, laboratórios, salas de direção e de professores, refeitório) e, em cada

3.2. Práticas habituais

um deles, um modo de comportamento esperado dos sujeitos, tal como a obediência a certos papéis narrativos e às expectativas que eles geram para si e para o outro ( diretor(a), professor(a), aluno(a), merendeira entre outros), como se a vida social desses sujeitos pudesse ser deixada lá fora da escola. Será que é assim? Para pensar o espaço escolar, Guimarães e Oliveira (2009, p.117) propõem a

“o meu será uma releitura de...”10 “o meu foi sobre origami... porém em outros momentos estaremos trabalhando outros temas como trabalho com sucatas, modelagem em argila, pintura com cola e pigmentos do barro/argila e fotografia” “o meu é sobre produção de tintas, pois a disciplina que mais gostei entre outras, foi a de Cor e Laboratório”.

metáfora da mola maluca, nela as posições de hierarquia

“o meu e de x é de trabalhos manuais com sucata, onde

e de divisões entre os espaços escolares alternam-se,

envolve CDs velhos, papelão, retalhos, jornais, etc.”

intercalam-se, dialogam. Esse espaço, então não possui aquela posição verticalizada que ainda pode persistir em algumas instituições escolares, seja por determinação do

O recorte acima é representativo do que chamamos

sistema que a escola integra, ou, ainda, como Rebouças &

de práticas habituais. São manifestações discursivas e

Magro (2009) apontam, dependendo do turno, matutino,

9  As disciplinas de Estágio do curso foram acompanhadas por duas professoras, Moema Martins Rebouças e Letícia Nassar Mesquita. 10  Os enunciados foram retirados de um corpus composto por 400 provas realizadas presencialmente nos Pólos e constituem uma das etapas avaliativas obrigatórias da disciplina.

vespertino ou noturno, a mudança dos sujeitos no espaço impõe um outro atuar nele. A cenografia é a mesma, contudo

52 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Julho 2014


se demarcadas nas roupas, gestos e músicas que ecoam

com o seguinte enunciado: O que o motivou na escolha para

dos pátios escolares, ou das quadras de esporte. Esses,

a temática da oficina proposta na escola?

como espaços de passagem ou de recreio, permitem outros

Apesar de serem pouco representativas quantitativamente ,

modos de interação entre os sujeitos, diferentes dos modos

tais práticas mantêm um modelo, algo como um papel

“permitidos” e recomendáveis para uma sala de aula;

“decorativo” para a arte, e este modelo, conforme pode

ou, ainda, estão presentes nos hábitos de cada criança e

ser constatado nos discursos produzidos nessa avaliação,

adolescente, ou nos eventos que ocorrem na comunidade

está presente na representação do que seja Arte para os

em que a escola se encontra situada.

profissionais que atuam na escola.

Conforme

A adoção de um “modo de fazer” repetitivo, ou de o

numa frequência pequena, a manutenção de práticas

emprego de um modelo para a educação da arte, tem sido

existentes nas escolas, manifestadas e reiteradas nos

superada nas escolas com a entrada, principalmente pelas

discursos produzidos, e nos “modelos” poderia ser “mais

vias de concurso, de professores com formação na área

esperada” numa temporalidade anterior à do curso, época

(Artes Visuais, e/ou Educação Artística). Assim, a realização

em que esses profissionais formados em outras áreas e

de concurso nos sistemas de ensino, além de legitimar

ocasionalmente responsáveis pela disciplina de Arte na

esses profissionais e a área, pois não é compreendida mais

escola contassem somente com sua própria “sorte”, ou com

como uma disciplina de complementação de carga-horária

manuais didáticos descontextualizados da realidade em

docente, cumpre um papel temporal de longo alcance ao

que atuam. Contudo, no quinto módulo do curso (o módulo

garantir a permanência desse profissional nas unidades do

equivale ao semestre letivo), e como são sete módulos para

sistema de ensino.

integralização do mesmo, a nossa expectativa, ainda mais

Assim, os discursos que iniciam com: “o meu foi sobre

numa fase em que como alunos do curso possuem todo o

origami ...”, “escolhi o tema...”, ou “o meu projeto...” além

acompanhamento tanto dos professores da UFES, como dos

de trazer as técnicas incluídas neles, são marcas de um

tutores, era a de superação da adoção dos “modelos” para

modo de fazer uma prática disjunta de qualquer interação

as suas propostas de intervenção.

11

comentamos

anteriormente,

mesmo

que

com esse outro que são os sujeitos que habitam esse

Os “modelos” aos quais nos referimos são as propostas

espaço escolar e que fazem a sua dinâmica funcionar. Para

de releitura a partir de reprodução de obras de arte

interagir com eles é preciso conhecer desde a estrutura

descontextualizadas, ou “soltas”, sem um encadeamento

organizacional da escola, sua história, sua memória, até

que justifique o estudo daquele artista, ou daquela obra.

o que ainda se encontra confinado entre os muros que a

Se limitada a informação da vida do artista e cópia da

englobam, ou seja, os seus segredos. Ou, ainda, constatar

reprodução, distancia-se da Proposta Triangular de Barbosa

que as fronteiras físicas presentificadas e diariamente

(1991) que tem as vertentes no fazer artístico, leitura da

atualizadas por esses muros, por mais que a instituição

arte e contextualização da arte, e se aproxima do modelo

escolar mantenha o controle, têm sido derrubadas, dia após

acadêmico de cópia de “estampas”, presente nas academias

dia, por meio de ações rotineiras que ocorrem nesse espaço.

e nas aulas de arte de meados do século XX12. O origami

Tais ações são realizadas por cada um dos sujeitos que ali

citado, descontextualizado, restringe-se às “chamadas

circulam, sendo assim, elas podem estar materializadas nas

atividades artísticas”, herdeiras das técnicas, nos moldes

propostas e planejamentos pedagógicos, ou seja, escapam

de “como fazer” presentes nos manuais e livros didáticos,

dos manuais reguladores e homogeneizantes. Encontram-

desvinculadas do pensamento de uma proposta que a

11  Entre as 400 provas dos 22 Pólos que ofertam o curso pela UFES, encontramos aproximadamente em 10% delas a referência à proposta de releitura como cópia a partir da apresentação do professor de uma reprodução de obra, e a aplicação de técnicas descontextualizadas em detrimento de uma temática da Arte.

Tais modelos são herdeiros também de uma concepção de

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responsivas da questão avaliativa da disciplina “Estágio II”

inserção numa temática da Arte Contemporânea exige. educação pautada na transmissão e aplicação de técnicas, 12  Cf Fusari & Ferraz (1993) e Rebouças&Corassa (2009).

Julho 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |53


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contudo, a arte não é “transmissível” e nem “aplicável”, pois

apreensão dos sujeitos somente como alunos homogeneíza

a arte e seu ensino são atitudes e experiências, investimentos

a si própria. Os alunos deixam de ser crianças, adolescentes,

em processualidades ancoradas e re-operadas pelas

perdem a sua distinção de sexo, idade, origem e experiências

significações. Tais propostas correm o risco de reforçarem

e compõem uma única categoria que é a de aluno.

o pensamento daqueles que atribuem à incumbência do

Assumir esse papel de enunciador coletivo, responsável pela

professor de arte na organização das festas escolares, ou

educação, é o esperado socialmente para esta instituição,

ainda à responsabilidade dele na decoração da escola nos

e até a sua razão de existência, pois é ela que garante os

diversos períodos do ano letivo, principalmente nas datas comemorativas. Esclarecemos aqui que compartilhamos com os demais educadores, tais como Dayrell (1996), que atribuem uma grande importância às festas promovidas pela escola, como a de possibilitar momentos de confraternização e de aproximação da família com a escola, e com isso garantir a presença nesse espaço de valores considerados universais em nossa cultura. Paradoxalmente, não concordamos que a responsabilidade recaia a um profissional, mas oportunizar, em tais momentos, a promoção das ações compartilhadas por todos da escola e de fora dela, como a família e a comunidade. Como também sou professora do Curso de Artes Visuais na modalidade presencial, sei que as propostas citadas acima também se apresentam nos discursos produzidos por esses alunos presencias, principalmente naqueles que também são professores da educação básica, o que nos conduz a pensar na hipótese do espaço escolar como ethos difusor

direitos de acesso à educação. Contudo, por outro lado, ao se constituir e se estruturar sempre do mesmo modo, a escola se apresenta como uma instituição única. Considerando a sua aspectualização13 temporal, a escola mantém tempos e ritmos desde a sua fundação, tais como os horários de entrada, de aulas, de recreio e de saída, comunicados sonoramente ora por sirenes ou outra sonoridade; e a sua aspectualização espacial conserva uma mesma arquitetura, cercada entre muros, impondo um limite físico que, ao mesmo tempo que a segrega, se deixa penetrar pelo entorno, que é a vida social, e é ela que provoca e modela o desejo dos sujeitos provocadores das dinâmicas que ali se instauram em seu cotidiano. Contudo, tanto espacialmente (a arquitetura escolar conserva as mesmas características como a organização das salas dispostas em simetria entre corredores, ou até mesmo a disposição topológica dos móveis na sala, que remontam à arquitetura do século XIX); como pedagogicamente, a instituição escolar

dessa representação da educação da arte, considerando

conserva várias práticas e legitima e mantém definidos os

a permanência destas práticas como a perpetuação de

papéis dos sujeitos que nela circulam (direciona sobre o

um estilo de educação da arte tal qual preconizado por

que se espera de um diretor(a), de um professor(a), de um

Discini (2003), que define este conceito pela recorrência

aluno(a) entre outros). Como um enunciador coletivo de uma vida-escola, é ela que determina qual conhecimento aceito e acumulado socialmente circulará ali, e de que modo será

de um fazer depreensível de uma totalidade de discursos enunciados. A pesquisadora esclarece ainda que o estilo decorre de uma leitura homogeneizada do mundo, e de uma totalidade de discursos enunciados, ou seja, de nosso corpus de 400 questões, 10% (dez por cento) deles reiteram um mesmo fazer, o que produz um efeito de individuação dessa totalidade, e um papel temático meramente recreativo/ decorativo e, portanto, supérfluo para a educação da arte na escola. Para uma melhor compreensão de nossa hipótese, recorremos a Dayrell (1996, p.139) e a sua reflexão sobre os modos como a instituição escolar ao modular a sua

realizada essa “transmissão”. Organizados em disciplinas e estas em grades e currículos, esses conhecimentos, nessa perspectiva, poderão ser reduzidos a “produtos”, que como tais possam estar contidos em manuais pedagógicos, tais como os livros didáticos, ou ainda reiterados em práticas que se instauram no imaginário do educador como um estilo de educação aceito e aprovado pela instituição, como os discursos de nosso corpus, que estão como numa camada de superfície impermeável, camada do sem sentido, pois estão descontextualizados dos sujeitos 13  Aspecto em semiótica é a maneira pelo qual o discurso põe em perspectiva seu objeto, ao mesmo tempo no eixo do tempo e em seu ambiente espacial.

54 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Julho 2014


socialmente. 3.3.Práticas ressignificadas Práticas ressignificadas são aquelas que são propostas pelos “inventores do cotidiano”, como propôs Certeau (1994). São aqueles que, ao atender a manipulação feita pelos destinadores sociais (comunidade, escola, coordenadores do curso, professores da disciplina), repensaram as suas práticas e as apresentaram em projetos autorais com possibilidade de as ressignificar. Para melhor visualizá-las, partiremos de um outro movimento metodológico que essa pesquisa exigiu, que foi o mapeamento dos projetos da disciplina “Trabalho de Graduação I”(TG1). O mapeamento foi realizado a partir de 186 projetos de TG1, pertencentes a professores/alunos de 18 Pólos de Formação, conforme constam nas tabelas abaixo. Para a sistematização dos dados, consideramos primeiramente o objeto da pesquisa, e quem são os sujeitos e quais práticas contemplam. Estes dados estão na tabela 1, e nela podemos ler e acompanhar que as práticas são tanto as que ocorrem no exterior da escola (envolvem os estudos das poéticas e 14  Modelizar em semiótica é dar uma forma, ou tomar a seu encargo o “ser vivido” individual e social. Cf Landowski (1992, p.130)

os processos de criação e nelas estão envolvidos artistas e artesãos), ou ainda ocorrem em seu interior (envolvem as crianças e adolescentes, alunos das instituições que serão pesquisadas por eles). Elas ainda podem ser divididas em práticas inclusivas, por considerarem e atenderem as políticas de inclusão na escola e as contribuições da arte nesse processo. Em práticas de formação do educador, pois contemplam a formação do docente, e buscam investigar quem é esse professor de arte e como ele se constitui como tal. E, finalmente, as práticas da educação da arte, em que estão os projetos que envolvem as metodologias da educação da arte. Na segunda tabela, estão os dados relativos a etapa da investigação que trata dos documentos, e/ou/ corpus utilizado para a investigação. Como documentos incluímos desde as técnicas de pesquisa que utilizam uma documentação indireta, ou seja, de fontes primárias e secundárias. Incluímos aqui as pesquisas que possuem como corpus analítico determinada produção artística e/ou artesanal que irão utilizar documentos primários (entrevistas, diários, auto-biografias, fotografias entre outros). Os estudos que possuem como meta investigar determinado estilo, ou estilos, ou artistas, possivelmente terão de recorrer a documentos retrospectivos, como objetos, gravuras, pinturas, desenhos, fotografias, livros, entre outros. Incluem-se aqui as pesquisas dos suportes midiáticos, somente 5 possuem esse interesse e elas tratam de estudos sobre as tecnologias digitais e a educação. A coluna de documentos engloba os estudos pertencentes aos materiais encontrados em arquivos públicos, legislação, regulamentações, entre outros.

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a quem se destinam: a releitura e as atividades artísticas. Um outro exemplo desta prática de releitura encontramos desde em projetos propostos, como em uma intervenção a partir de uma pintura de Tarsila do Amaral, o Abaporu na fachada da instituição de uma escola (com uma dimensão aproximada de 3x4 metros) e simulando uma cópia da obra, dada a obediência das cores e composição e distribuição das formas. Posicionada no exterior da escola, e junto com o verbal ARTES, escrito na vertical, designa e qualifica esta como uma prática aceita ali. As práticas homogeneizantes, conforme Dayrell (1996, p.139), pertencem a uma lógica que “desconsidera a totalidade das dimensões humanas dos sujeitos ─ alunos, professores e funcionários ─ que dela participam”. Como também, em nome e em prol da democratização da escola, defende e concebe um projeto político e pedagógico que, tal como uma “forma”, é usado para conter algo sempre com o mesmo formato, ou seja, modeliza14 o conjunto das ações e práticas que ocorrem em seu interior. Temos, assim, motivações que constituem sujeitos consensuais, regulados

Na terceira tabela estão os referenciais utilizados nas investigações e compreendem: a metodologia triangular (com referenciais em Barbosa), semiótica (Buoro, Rebouças, entre outros) teorias de linguagem visual (Dondis, Arnheim, entre outros), estudos antropológicos/culturais abrangendo os da cultura visual (Hernandez, Guimarães entre outros), educação infantil (Cola, Iavelberg, Benjamin entre outros). Os projetos concentram-se em duas grandes áreas, a dos estudos antropológicos/culturais, com 46 projetos e os que incluem a Educação Infantil com 44. Suspeitamos, com os dados que temos dos sujeitos envolvidos e que já foram apresentados aqui parcialmente, que esta escolha se

Julho 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |55


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Polos

Número de Trabalhos

Afonso Claudio Alegre

Poéticas/Processos de Criação Artistas/ Artesãos

Crianças/ Adolescentes

5

1

1

6

1

Aracruz

8

1

12

2

Cachoeiro de Itapemirim

8

Conceição da Barra

12

1

Domingos Martins

12

1

Ecoporanga

13

2

Linhares

9

3

Iúna

5

3

Itapemirim

20

6

Mantenópolis

12

2

Nova Venécia

16

1

2

Pinheiros

7

1

1

1

5

São Mateus

6 15

Formação de Educador

Práticas da Educação da Arte

1

1

5

Bom Jesus

Vargem Alta

Práticas Inclusivas

1

1

2

1

3

1

1

2

2

2

1

1

1 3

1

Venda Nova

8

2

Vila Velha

12

3

Total

186

18

1 2 4

29

16

8

Tabela 1 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.1

Polos

Número de Trabalhos

Afonso Claudio

5

Alegre

6

Documental Obras

Estilos

1

Artistas

Suportes Midiáticos

Documentos

Outros

1 1

Aracruz

8

1

1

Bom Jesus

12

1

1

Cachoeiro de Itapemirim

8

2

1

1

Conceição da Barra

12

1

1

1

Domingos Martins

12

2

Ecoporanga

13

1 2

1

3 1

Linhares

9

Iúna

5

1

1

Itapemirim

20

1

Mantenópolis

12

7

Nova Venécia

16

3

1

3

1

1

1

5

Pinheiros

7

1

1

São Mateus

6

1

1

Vargem Alta

15

2

Venda Nova

8

3

1

Vila Velha

12

2

1

Total

186

19

5

1

2

2

2

11

1

1

5

29

Tabela 2 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.2

56 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Julho 2014

2


O resultado foram desenhos da casa, fogão a lenha,

alunos desenvolverem a sua docência na educação infantil

instrumentos de oficina, etc “.

atualmente, e, ainda, em outra época terem atuado ali. Mas, se essa é uma suspeita que está presente nos dados, qual foi o motivo da escolha pelos estudos antropológicos/

“Meu trabalho vai abranger um pouco da cultura Capixaba, como a Festa do Congo que ficou muito marcada no estado e uma oficina referente as máscaras de congo. Essa

culturais? A ênfase do curso, não é a dos estudos

oficina terá como principal tema a confecção de pequenas

antropológicos e culturais, como a do curso de Artes Visuais

máscaras de argilas que são usadas como cordões na dia

Licenciatura ofertado pela UFG. Das disciplinas ofertadas

da festa”.

que possuem essa ênfase podemos incluir a de “Interações Culturais” e a de “Cerâmica”, pois esta promoveu uma

As provocações durante o curso para que considerassem os

investigação em todo o nosso estado sobre essas produções

estágios como oportunidades de refletir sobre as práticas

e seus produtores. A começar pelo destaque das Paneleiras,

educativas e as escolas como campo de pesquisa parecem

que são patrimônio imaterial tombado pelo Instituto de

que deram certo, no que tange aos projetos contidos neste

Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN). Por outro lado, os

mapeamento. Os alunos/professores, ao se voltarem para seu

seminários interdisciplinares concomitantes a cada módulo

entorno, compreenderam que a Arte está imersa na cultura e

de ofertas de disciplinas promoveram e envolveram as

que, motivados, podem abandonar as regularidades seguras

comunidades em que estão localizados os Pólos, e estes

das ações programadas e aventurarem-se em investigações

com as escolas.

que, ao mesmo tempo que os constituem, constroem

No Fórum Construir saberes da disciplina de “Estágio II”, as

conhecimento. Ressaltamos, aqui, o mérito para adoção da

propostas de intervenção na escola contemplam esse olhar

pesquisa como fundamento da configuração dos estágios,

que abrange o entorno, abaixo alguns destes depoimentos:

e a presença da investigação como opção pedagógica nas

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justifica pelo fato de um grande número desses professores/

disciplinas pertencentes aos demais fundamentos teóricos “O nosso projeto é Fotografias que contam a nossa

e metodológicos propostos. Advogamos que somente pela

história. O grupo escolheu esse tema visando resgatar

pesquisa é possível ressignificar as práticas e construir

fatos relevantes que marcaram a nossa história por

conhecimento a respeito das Artes e, nesse movimento, em

meio de fotografias e registrar temas atuais que darão continuidade à mesma”.

espiral, tal qual a mola maluca que figurativiza a imersão pedagógica do trabalho docente proposta por Guimarães e

“[...]é sobre A CULTURA ARTÍSTICA DOS POMERANOS. Para

Oliveira(2009), nos aproximar da realidade dos estudantes,

realizá-lo estamos nos baseando na disciplina de “Fibras”,

crianças e adolescentes ávidos por aprender (e nós, de

pois na cultura pomerana é bastante voltada para estas

aprendermos com eles).

questões como por exemplo os cestos feitos taquara e

Como diz uma aluna:

cipó”.

A escola por muito tempo foi limitada a ser um ambiente em que os professores transmitiam conhecimentos e

“Leitura fotográfica do passado ao presente e as mudanças

os alunos assimilavam. O conhecimento era visto como

na sociedade”. É uma complementação de outro grupo

produto sendo enfatizado, portanto os resultados e não

que vai fazer uma saída fotográfica. Nós desenvolvemos na

o processo pelo qual o aluno aprenderia. Além disso, não

escola EEEFM “Alto Rio Possmoser.”

havia nenhuma articulação entre o conhecimento escolar

“[...]dentro do projeto “Um olhar diferente da casa

e a vida dos alunos.

Lambert” foi feito pelo nosso grupo um trabalho

O mapeamento apresenta uma outra configuração de

envolvendo o que aprendemos na disciplina de Fotografia

prática docente, não como um modelo a ser copiado, e

e Cerâmica. O grupo foi muito participativo. Eu e Rosinéia

nela o consensual proposto por um professor que cumpre

utilizamos o bordado para trazer a visão da trama da casa

e acompanha o que já está previsto e programado. Os

Lambert que foi construída com tramas de madeira e barro.

projetos pertencem a sujeitos inventores, questionadores,

Julho 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |57


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Referencial Pólos

N. de T.G.I

Afonso Claudio

5

Alegre

6

Met. Triang

Semiótica

Aracruz

8

2

12

1

Cachoeiro de Itapemirim

8

1

Conceição da Barra

12

2

1

Domingos Martins

12

1

2

Ecoporanga

13

Linhares

9

Iúna

5

Itapemirim

20 12

Nova Venécia

16

Pinheiros

7

Teorias de Linguagem Visual

Estudos Antropológicos Culturais

1

Bom Jesus

Mantenópolis

Estudos antropológicos / Formação de Professor

2

2

1

3

2 1

3

2

1

3

1 2

4 1

São Mateus

6

Vargem Alta

15

6

Venda Nova

8

5

Vila Velha

12

2

Total

186

27

1 1 1

2

5

2

1

2

3 4

5

3

3

10

2

1

6 3

3 1

3 3 8

1

4

1

1

2

4

4 1

Outros

3

5

1

Educação Infantil

16

4

1

1

5

2

6

1

1

5

2

12

46

44

18

Tabela 3 – Cruzamentos dos Dados de Pesquisa, n.3

que podem propor práticas ressignificadas, pois inclui nelas o mundo enquanto significante. Como aponta Landowski (2009) esse é o sujeito crítico. Se ele foi capaz de discursivizálas pode ser capaz de praticá-las, essa é a nossa torcida! Esperamos um redesenho do estado de nome Espírito Santo, que tem tantas cores, como as dos mantos dos reisados, das saias das dançarinas do Congo, da austeridade e elegância do Ticumbi ao trançado das cestas dos guaranis e das casas dos pomeranos. Esperamos a escrita das histórias orais, cantigas e provérbios que passam de boca em boca, antes que alcancem a região em que habitam os esquecimentos: O recontar da densa história de um lugar, que de mata densa foi Capitania de Vasco Fernandes Coutinho, e ergueu em 1580 construções jesuíticas como a da igreja dos Reis Magos, e tantos outros patrimônios materiais e imateriais que constituíram o objeto de investigação desses alunos/ professores.

Referências Bibliográficas BARBOSA, A. (1991). A imagem no Ensino da Arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva /Porto Alegre, Fundação IOCHPE. CERTEAU, M. (1994). A invenção do cotidiano I: artes de fazer. Petrópolis: Vozes. Dayrell, J. (1996). A escola como espaço sócio-cultural. In Dayrell, J. (org.) Múltiplos Olhares sobre Educação e Cultura (136-161). Belo Horizonte: Editora UFMG. DISCINI, N.(2003). O estilo nos textos: história em quadrinhos, mídia, literatura. São Paulo: Contexto. FUSARI, M. F. R.& FERRAZ, M. H. C. T.(1993). Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez. GONÇALVES, M. G. D. (2010). Curso de Artes Visuais - Licenciatura na modalidade a distancia: formação de educadores/formadores. In REBOUÇAS, M. M. & COLA, C. P. (orgs). Espaços de Formação em Arte (6578).Vitória: EDUFES. GREIMAS, A. J. (1970). Du sens. Paris: Éditions du Seuil.

58 | Moema Martins Rebouças | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Julho 2014


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Julho 2014 | Práticas de Artes Visuais nas escolas: habituais ou ressignificadas? | Moema Martins Rebouças |59


Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Reflexiones sobre la enseñanza de la danza para lós estudiantes con Síndrome de Down Reflections on dance teaching for students with Down Syndrome

Mariana Baruco Machado Andraus mari.baruco@gmail.com Doutora em Artes da Cena pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pós-Doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, realizado com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Docente do curso de Graduação em Dança e professora participante no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Flávia Pagliusi flaviapgl@gmail.com Acadêmica do curso de Graduação em Dança da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduada em Enfermagem pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Samuel Mendonça samuelms@gmail.com Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Tipo de artigo: Original

RESUMO Este artigo apresenta uma reflexão quanto à possibilidade de inclusão por meio do ensino de dança. Partiu-se de uma breve exposição, baseada em literatura da área da saúde, sobre as características da Síndrome de Down, para argumentar sobre possíveis estratégias de inclusão que partam de uma perspectiva que seja efetiva e, ao mesmo tempo, transformadora. O estatuto epistemológico da dança, ainda em construção, tem-na fortalecido como área independente e autônoma. Na pós-modernidade, uma vez que cada vez mais os profissionais da dança constroem não somente a concepção cênica de seus espetáculos, mas, também, em muitos casos, a própria linguagem corporal a ser utilizada, é plausível e desejável fazer isso a partir de uma perspectiva inclusiva. Palavras-chave: Dança inclusiva; Síndrome de Down; Dança e necessidades especiais.

60 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Julho 2014


Este artículo se centra en la posibilidad de la inclusión a través de la educación en la danza. A partir de una breve exposición, sobre la base de la literatura de la salud, de las características del síndrome de Down, para discutir sobre las posibles estrategias de inclusión que se aleja de una perspectiva que es eficaz y, al mismo tiempo de transformación. El estatuto epistemológico de la danza, todavía en construcción, ha fortalecido esta área como independiente y autónoma. En la posmodernidad, ya que cada vez más profesionales de la danza a construir no sólo el diseño escénico de sus espectáculos, sino también, en muchos casos, el propio lenguaje corporal para ser utilizado, es razonable y conveniente hacerlo desde una perspectiva inclusiva. Palabras-clave: Danza inclusiva; Síndrome de Down; Danza y necesidades especiales.

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RESUMEN

ABSTRACT This article focuses on the possibility of inclusion through dance education. We start with a brief exposure, based on the literature on healthcare, regarding Down syndrome features, to argue about possible inclusion strategies that depart from a perspective that is effective and at the same time transforming. The epistemological status of dance, still under construction, has strengthened itself as an independent and autonomous area. In postmodernity, since dance professionals are increasingly creating not only the scenic design of their shows, but also, in many cases, the body language to be used, it is reasonable and desirable doing so from an inclusive perspective. Keywords: Inclusive dance; Down Syndrome; Dance and special needs.

Julho 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |61


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Introdução

Além disso, também comumente apresentam malformações cardíacas, que normalmente precisam ser corrigidas

O corpo humano, com seus incontáveis processos

químico-fisiológicos, reserva suas surpresas. Era de

cirurgicamente (Rasore-Quartino, 1999) e que requerer estratégias especiais no que concerne ao ensino de dança.

se esperar que, em meio a tantas etapas de altíssima

Enfatiza-se que o emprego de termos como “podem

complexidade, algo pudesse, em algum momento, não

manifestar”, “comumente apresentam”, entre outros, neste

seguir o curso esperado. E é devido a enganos microscópicos

artigo, é proposital e foi adotado porque não se pode

que, por vezes, um organismo completo se constrói de

generalizar: cada indivíduo é único e a história de vida

forma inusitada e surpreendente. A tão conhecida Síndrome

pessoal e os estímulos recebidos desde os primeiros dias de

de Down (SD) nasce, justamente, de um pequeno, mas

vida em função das estratégias de inclusão e acessibilidade

perceptível, deslize genético.

que se vêm criando e aprimorando nos últimos tempos –

O presente artigo, de cunho teórico, resultado de

em especial desde a assinatura da Convenção Internacional

pesquisa qualitativo-bibliográfica, aborda os processos de

sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Nova

inclusão social, especificamente o caso das pessoas com

York, em 30 de março de 2007, promulgado no Brasil pelo

Síndrome de Down, tendo por objetivo analisar a dança

Decreto no. 6.949 de 25 de agosto de 2009 (Presidência

como possibilidade educativa que promove a inclusão.

da República – Casa Civil, 2009) – fazem grande diferença

A Síndrome de Down, reconhecida como uma

no desenvolvimento do indivíduo, sendo este, inclusive,

entidade nosológica somente em 1866 com o trabalho

um objeto de discussão neste texto. Por outro lado, certas

de Langdon Down, possui registros antigos ao longo da

características, como as citadas (hipotonia muscular e

história, incluindo, entre eles, algumas obras de arte de

tendência a alterações cardíacas) são prevalentes e, para se

pintores como Andrea Mantegna (1431-1506) – “Virgem

pensar um ensino de dança efetivamente inclusivo, não se

e criança” e “Madona e criança” –, Jacobs Jordaens (1539-

pode fechar os olhos para a realidade.

1678) – “Sátiro com camponeses” e “Adoração do pastor”

– e Pieter Porbus (1523-1584) – “Transfiguração” (Pueschel,

regiões do cérebro que acabam por trazer diversas

1993). No entanto, a causa da SD foi descoberta somente

consequências, como “dificuldades nas formas de raciocínio

em 1959, por Jerome Lejeune, Patrícia Jacobs e outros

que exigem entendimento simbólico, captação de relação

colaboradores (Pueschel, 1993), que a classificaram como

temporo-espacial e elaboração de pensamento abstrato”

genética. Hoje em dia já são conhecidos, basicamente, três

(Casarin, 2007, p. 25), sendo todos esses requisitos

mecanismos causadores da SD (Schwartzman, 1999a, apud.

fundamentais à prática artística. A autora menciona, ainda,

Silva & Dessen, 2002) que resultam em um cromossomo 21

como característica prevalente na SD um desequilíbrio

a mais.

no modo de perceber a realidade em sua diversidade e

Existe ainda uma série de alterações em diferentes

Dentre as principais causas da síndrome figura

dificuldade em exercer constantes adaptações, afirmando

a idade materna avançada. Como a mulher nasce com

que “a adaptação fluida a uma realidade variável decide em

uma determinada quantidade de óvulos que, ao longo

termos práticos a capacidade e possibilidade do ser humano

de sua vida, vão sendo maturados e preparados para a

aproveitar-se da independência e autonomia na vida diária”

fecundação, estes sofrem um processo de envelhecimento

(Casarin, 2007, p. 25).

(Schwartzman, 1999b, apud. Silva & Dessen, 2002), podendo

Nesse sentido, cita-se o trabalho de Andraus, no

causar desarranjos durante a divisão celular.

qual se afirma que “o ensino sistematizado de improvisação

Quanto ao fenótipo, a criança com SD apresenta

em dança revela-se um conteúdo poderoso para ajudar o

hipotonia muscular ao nascer, o que acaba por retardar o

educando a desenvolver-se com autonomia” (Andraus,

desenvolvimento motor. Por causa disso, esses indivíduos

2013, p. 809), justamente porque a o exercício de tomada

podem manifestar dificuldade para sentar, andar e falar.

de decisões em processos de improvisação em dança

62 | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Julho 2014


podem ser válidos como um exercício para desenvolver esta

de liberdade, e “Essa liberdade é o que permite ao

capacidade, sem configurarem, no entanto, um pilar para o

aluno desenvolver sua capacidade de escolha, requisito

ensino de dança – como ocorre no contexto tradicional de

fundamental a um improvisador” (Andraus, 2013, p. 809).

ensino de técnicas codificadas como o ballet clássico. Apesar de as características fenotípicas serem

Em que pese o fato de que não se pretende discorrer sobre o conceito de autonomia, é preciso destacar Kant

determinadas

(1985) como pensador que problematizou esta questão

fundamental no que diz respeito ao grau de profundidade

em articulação com o tema da liberdade. No contexto do

de cada uma dessas alterações. A intervenção precoce

Iluminismo, evidenciou a importância da saída do estado

e a estimulação da criança desde os primeiros meses de

de menoridade pelo homem, por meio da superação da

vida vêm se fazendo cada vez mais presentes, graças à

preguiça e da covardia (Kant, 1985). Nota-se que a dimensão

disponibilidade de informações a respeito e a mecanismos

da conquista da autonomia é individual e depende da

diagnósticos que, ao permitir o diagnóstico pré-natal da

vontade do indivíduo.

SD, auxiliam a aceitação da família e o planejamento de

estratégias para estimulação do desenvolvimento.

Então, se por um lado, o trabalho de improvisação

geneticamente,

o

ambiente

é

fator

pode significar um desafio para o educando com SD

Do ponto de vista formal, este artigo está

porque ele tende a encontrar “dificuldade em exercer

estruturado em três momentos. Parte-se de uma

constantes adaptações” (Casarin, 2007, p. 25), por outro

investigação sobre “As relações familiares: o bebê ideal x o

lado um exercício desta natureza, conduzido com firmeza e

bebê real”, em seguida discute-se “O ambiente escolar e a

afetividade pelo professor, sem desqualificar o aluno diante

educação inclusiva” para então se discorrer sobre “A dança

dos fracassos, mas, ao mesmo tempo, sem se acomodar

na educação inclusiva”.

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é entendido, no trabalho citado, como um exercício

diante deste aluno com falsas crenças como “ele não irá conseguir, então é melhor não cobrar”, pode configurar

As relações familiares: o bebê ideal x o bebê real

uma estratégia profícua para se pensar a educação artísticocorporal desses educandos.

É

extremamente

difícil

para

a

família,

e

principalmente para a mãe, sufocar a imagem do bebê Casarin (2007) ainda afirma que

idealizado ao longo dos nove meses de gestação para dar lugar ao bebê real, muito diferente do primeiro. Sentimentos

(...) a aprendizagem e a elaboração de respostas podem

como raiva, culpa e angústia se misturam em um verdadeiro

ser mais lentas e trabalhosas quando as alterações estão

turbilhão, construindo um estado de luto (Sunelaitis, Arruda

presentes, como na Síndrome de Down. A retenção de informação pode estar sujeita ao esquecimento, o processamento das informações podem estar dificultado e o bloqueio informativo pode atrapalhar

& Marcom, 2007). No entanto, na maioria das vezes, esses pais passam a buscar ativamente informação a respeito da síndrome, bem como programas de auxílio do governo, e

a aprendizagem e a dificuldade de habituação pode

mesmo outras pessoas que vivem a experiência de ter um

levar à dificuldade de desprendimento de um estímulo

familiar próximo com este diagnóstico (Pueschel, 1993).

para dedicar-se a outro (Casarin, 2007, p. 25).

Além disso, também reconhecem que o estímulo precoce é de extrema importância para que a criança se desenvolva

Mais uma vez, um trabalho sistemático de

da melhor maneira possível (Silva & Dessen, 2003). Apesar

improvisação pode auxiliar o educando com Síndrome de

disso, as expectativas dos pais com relação ao futuro da

Down na medida em que não se cobra dele que memorize

criança com SD estão, na maioria das vezes, aquém daquilo

sequências, como se a ampliação do conhecimento em

que provavelmente esta conseguirá atingir, e é preciso a

dança estivesse atrelada à capacidade de memorização.

aceitação desta realidade para se começar a pensar em

Momentos pontuais de elaboração de pequenas sequências

inclusão, para se trabalhar esta expectativa de modo a

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ajudar esses pais a enxergarem as qualidades de seus filhos

de uma maneira incompleta e destrutiva, enquanto

– as reais, não as imaginadas.

20% sentiram indiferença por parte do médico e outros 20%, preocupação, o que pode ter influenciado uma má

De acordo com Voivodic e Storer (2002), “São as

aceitação do filho por parte dos pais (Porto & Baltazar,

primeiras experiências emocionais e de aprendizagem,

2005, p. 32).

vivenciadas nas relações com os pais, que serão responsáveis pela formação da identidade e, em grande parte, pelo desenvolvimento da criança” (Voivodic & Storer, 2002, p. 32). No caso específico das crianças com SD, essas primeiras experiências podem ficar comprometidas devido ao impacto que a notícia deste diagnóstico produz na família. Desta forma, para Casarin (2001), a criança com SD possui, além da condição de anomalia da qual é portadora, todos os reflexos decorrentes da dificuldade de uma ligação afetiva entre a mãe e a criança desde os primeiros momentos de vida, o que pode afetar suas possibilidades de desenvolvimento. Sentimentos negativos com relação à criança recém-nascida são extremamente comuns em um primeiro momento; contudo, aos poucos, estes vão sendo substituídos por sentimentos de carinho e dedicação (Porto & Baltazar, 2005).

Desta forma, o acompanhamento de um psicólogo, muitas vezes, pode fazer a diferença no tocante à reação imediata dos pais e aos primeiros momentos da vida do bebê (Porto & Baltazar, 2005). Vê-se, pelo que precede, que o diagnóstico da SD, especialmente para os pais, tem potencial desestabilizador em vários aspectos da vida familiar. Assim, faz-se necessário o investimento em programas de intervenção que visem a fornecer atendimento especializado a essas famílias desde o diagnóstico da SD, o qual deve ser feito, preferencialmente, ainda durante a gestação. Desta maneira, estes pais poderão receber o auxílio necessário para que o processo de adaptação à criança ocorra de forma plena, oferecendo suporte clínico e psicológico. Com essas medidas,

O ritmo do desenvolvimento neuropsicomotor na

(...) pais e familiares [conseguiriam] lidar de modo

criança com SD é mais lento se comparado a crianças não

mais adequado com a criança com SD, facilitando

portadoras da síndrome, e este fato “(...) pode prejudicar

o desenvolvimento de todo o seu potencial e contribuindo para a qualidade de vida destas famílias

as expectativas que a família e a sociedade têm da pessoa

e para o estabelecimento de relações familiares mais

com Síndrome de Down” (Ramos, Caetano, Soares & Rolim,

saudáveis (Henn, Piccini & Garcia, 2008, p. 491).

2006, p. 266). Durante certo tempo, isso foi determinante no que diz respeito à estimulação do bebê, que era deixada de lado, uma vez que a criança era considerada incapaz (Ramos et al., 2006). Hoje, no entanto, esta visão vem sendo modificada, uma vez que a SD está cada vez mais presente em nosso cotidiano, seja por meio de propagandas, novelas ou campanhas (Porto & Baltazar, 2005). Para que seja possível proporcionar um ambiente favorável a fim de que o desenvolvimento da criança com SD ocorra da melhor maneira possível, a estimulação precoce faz-se necessária. O primeiro passo se dá ainda logo após o parto, no hospital, situação em que a maioria dos pais recebe a notícia do diagnóstico da SD. De acordo com estudos de Porto & Baltazar (2005):

a

Além do atendimento especializado durante gestação,

intervenções

nos

estágios

iniciais

de

desenvolvimento, com atendimento psicológico, fisioterápico e fonoaudiológico auxiliarão no desenvolvimento motor e repercutirão positivamente quando a criança chegar ao estágio em que começará aprender dança. Na outra via, a experiência com a dança auxiliará esses atendimentos, permitindo que esta criança exercite corpo e mente em uma atividade que proporciona experiência estética, que nenhum dos atendimentos clínicos irá proporcionar. A arte traz ao indivíduo experiências de construção de sentidos e significados para a própria vida, de pertinência à espécie humana – “eu danço como os outros dançam” –, favorecendo a construção da autoimagem e desenvolvendo

Quarenta por cento dos pais relataram que o médico os informou que seu filho possuía Síndrome de Down

a autoestima. Passa-se, agora, a discutir aspectos que envolvem o ambiente escolar e a educação inclusiva.

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mais inclusiva. De acordo com o Seminário Internacional do Consórcio da Deficiência e do Desenvolvimento -

Aos pais resta a dúvida a respeito do que fazer

International Disability and Development Consortium (IDDC)

quando o filho com SD atinge a idade escolar. Qual seria

-, realizado em março de 1998, em Angra, na Índia (Almeida,

o melhor caminho: o ensino regular ou uma escola

2007), a educação inclusiva só existe quando se reconhece

especializada? Como se darão as relações entre os colegas

que todos os alunos podem aprender, respeitando-se suas

de classe, professores e funcionários?

diferenças, e quando o sistema educacional permite que

A resposta a essas perguntas não é simples, e só

estruturas, sistemas e metodologias atendam à demanda

aparece após as primeiras experiências escolares. A criança

do aluno e possibilita estratégias para a promoção de uma

com SD precisa frequentar algum tipo de espaço escolar,

sociedade inclusiva, não oferecendo restrição de materiais

não há dúvidas, uma vez que este oferece uma gama de

e recursos para o trabalho (Almeida, 2007). Além disso, a

estímulos cognitivos e relacionais que impulsionarão o

educação inclusiva tem “(...) como objetivo a construção

desenvolvimento daquele indivíduo. Assim, é necessário

de uma escola acolhedora, onde não existam critérios ou

averiguar como a criança se adapta a determinada escola,

exigências de nenhuma natureza, nem mecanismos de

seja ela especializada ou não.

seleção ou discriminação para o acesso e a permanência

com sucesso de todos os alunos” (Alves & Barbosa, 2006).

Como com qualquer outra criança, não é possível

estipular ou prever quais serão os limites alcançados por

aquele determinado indivíduo ao longo de sua vida e, desta

de as crianças com e sem SD – ou outras necessidades

forma, não se pode trabalhar com generalizações quando o

especiais – possuírem objetivos e processos diferentes

assunto é a educação da criança com SD, especialmente a

na escola, elas podem aprender juntas. Isso significa que

educação artística. Contudo, é preciso levar em consideração

o processo de desenvolvimento deve ser diversificado

que

próprias

e criativo, visando ao atendimento das demandas e

relacionadas às especificidades da síndrome, e que estas

necessidades peculiares de cada indivíduo (Alves & Barbosa,

devem ser investigadas e trabalhadas apropriadamente

2006). Assim, de acordo com Teixeira & Kubo (2008):

existem

necessidades

educacionais

Assim, a educação inclusiva pressupõe que, apesar

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O ambiente escolar e a educação inclusiva

visando a uma maior compreensão das informações que estão sendo transmitidas (Bissoto, 2005). Desta forma, é

(...) A educação inclusiva é benéfica para todos os

importante a presença de profissionais capacitados em

alunos e não apenas para aqueles que, aparentemente, enfrentariam maiores obstáculos para desenvolveram

sala de aula, que detenham um conhecimento básico a

relações de amizade com seus colegas. A inclusão de

respeito da síndrome e do manejo de seu portador. Além do

pessoas com necessidades especiais no sistema regular

conhecimento técnico, condição sine qua non para o êxito do

de ensino é um processo complexo que requer o

trabalho com crianças com SD, parece também fundamental

envolvimento e a participação de todos os integrantes

a sensibilidade do profissional para a compreensão de cada criança no seu universo, respeitando a singularidade, o

das organizações escolares (Teixeira & Kubo, 2008, p. 91).

potencial e a condição de desenvolvimento no contexto

No Brasil, já está em vigor, desde 2003, o Programa

da aprendizagem. Em princípio, uma boa formação técnica

Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, da Secretaria de

parece suficiente para esta percepção; no entanto, não se

Educação Especial, que busca “(...) promover a educação

trata apenas de diagnosticar a potência da criança por meio

continuada de gestores e educadores das redes estaduais

de um padrão, mas, justamente, por meio daquilo que não

e municipais de ensino para que sejam capazes de

se repete compreender as nuances de cada um.

oferecer educação especial na perspectiva da educação

Apesar de isso ainda não ser uma realidade na

inclusiva” (Ministério da Educação, 2007). O programa está

grande maioria das escolas em diversos países, existe

funcionando, atualmente, em 162 municípios, oferecendo

um esforço atual para que a educação se torne cada dia

cursos de formação de gestores e educadores. Discorre-se,

Julho 2014 | Reflexões sobre o ensino de dança para alunos com Síndrome de Down | Mariana Andraus / Flávia Pagliusi / Samuel Mendonça |65


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no próximo tópico, sobre a dança no contexto da educação

possível reconhecê-las e estimulá-las nos outros. Para

inclusiva.

tanto, a bailarina utiliza diversos tipos de estímulos para o movimento, tais como cores, objetos, música e palavras.

A dança na educação inclusiva

Dessa forma, o indivíduo apropria-se, aos poucos, de seu próprio corpo e seus movimentos. Para Fux,

A arte, de modo geral, abre espaço para a expressão

de sentimentos e ideias, possibilitando o desenvolvimento

O corpo, quando se expressa no espaço, realiza

da imaginação e da criatividade, bem como a vivência

sequências que são seu universo. O homem é um universo em miniatura. Através daquilo que sente

de experiências estéticas, sendo, desta maneira, uma

e vive, transforma seu ritmo interno em sons – que

importante estratégia formativa, potencializadora da

podem ser palavras –, e se o desenvolve no espaço,

sensibilidade. Por causa disso, ela figura entre os principais

com seu corpo, pode expressar aquilo que é, seus

estímulos utilizados em educação, especialmente nos

medos, suas angústias, suas alegrias (Fux, 1988, p. 95).

primeiros estágios (4 a 6 anos, correspondente à Educação Infantil, no Brasil, e 6 a 8 anos, correspondente aos dos primeiros anos do Ensino Fundamental), seja com crianças portadoras ou não da SD. Suas diversas modalidades – entre elas a música, o teatro, a dança e as artes visuais – possuem uma gama de potencialidades que podem ser utilizadas para

A

autora

complementa

seu

pensamento

enfatizando a importância do reconhecimento de um ritmo interno para a construção da experiência percebida pelo sujeito:

a transposição de dificuldades enfrentadas por portadores

O conhecimento do ritmo interno pode constituir

da SD.

uma experiência enriquecedora, que permitiria aos

A dança, por exemplo, exerce grande influência

especialistas reconhecer e interpretar a linguagem

física e intelectual na formação do indivíduo, sendo capaz

profunda que têm diante deles: um corpo que está

expressando seu mundo interno, que nos conta como

de produzir melhora considerável no que diz respeito à

está, sem palavras, com a linguagem não-verbal do

coordenação motora, à noção de lateralidade, consciência do

movimento (Fux, 1988, p. 95).

próprio corpo e do espaço, além de trabalhar a expressividade e a criação de uma linguagem individual e única por meio do movimento (Flores & Bankoff, 2010). Além disso, trabalha aspectos imprescindíveis ao desenvolvimento do esquema corporal que, por sua vez, tem papel importante no que diz respeito ao domínio psicomotor, ou seja, influencia diretamente no desenvolvimento de habilidades motoras (Furlan, Moreira & Rodrigues, 2008).

Existem, ainda, trabalhos que ressaltam o potencial

terapêutico da dança, dentre os quais se pode citar como um dos mais difundidos no Brasil a dançaterapia, desenvolvida pela bailarina argentina Maria Fux (1988). Tendo trabalhado com diversos pacientes, tanto sem necessidades especiais quanto com deficiência visual, auditiva, SD, autistas, entre outras, Fux aperfeiçoou cada vez mais seu fazer em sala de aula e chegou à conclusão de que, na dançaterapia, é necessário reconhecer, primeiramente, as inúmeras mudanças que se operam no próprio corpo mediante diferentes estímulos e experiências, para que, então, seja

Embora a autora se refira à percepção da experiência

pelo especialista, é possível inferir que o reconhecimento do ritmo interno é, mais do que um recurso técnico para quem ensina dança, um conteúdo primordial a ser trabalhado junto ao aluno, em consonância com a própria valorização da subjetividade preconizada pela pós-modernidade, após o advento de pesquisas de abordagem fenomenológica como as de Merleau-Ponty (1999) e Husserl (2006), que influenciaram e influenciam terminantemente grande parte da produção em dança contemporânea.

Pouco se discute, ainda, a respeito do potencial

artístico que a dança – ou qualquer outro tipo da arte – possibilita. Esta discussão está restrita aos próprios circuitos das artes, mas, ao transpor para a sociedade em geral, esta ainda entende as relações de ensino de forma muito pragmática e, no que compete à arte, presa a um paradigma que a entende como supérflua. Biesta (2013) afirma que

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Cia Integrada Multidisciplinar (Lisboa, Portugal). A primeira,

em muitos casos de uma relação política para uma

criada em 1996 como parte integrante da Associação

relação econômica: uma relação entre o Estado como provedor de serviços públicos e o contribuinte como o consumidor de serviços estatais. Value for Money [bom uso do dinheiro dos impostos] tornou-se um

Crepúsculo, possui como referência a pesquisa em arte contemporânea e é hoje referência nacional quando o assunto é dança inclusiva; a companhia defende que “(...)

princípio orientador nas transações entre o Estado e

a troca entre as diferenças produz novas consciências,

seus contribuintes. Essa maneira de pensar está na

vivências e reflexões, propiciando acontecimento de soma

base do surgimento de uma cultura de prestação de

e amplitude dos seres” (Crepúsculo Cia de Dança, 2013). Já

contas que resultou em sistemas rigorosos de inspeção

a segunda, criada em 2005 por Anderson Leão e Roberto

e controle e em protocolos educacionais cada vez mais prescritivos. É também a lógica por trás dos sistemas de vales-educação e da ideia de que os pais, como os consumidores da educação de seus filhos, devem decidir

Morais (Giradança, 2013), ganhou destaque recentemente na revista portuguesa Mutante, na qual se destaca que “(...) a diferença é vista como ferramenta de trabalho,

em última análise o que deve ser oferecido nas escolas

como desafio de ir mais além na inclusão social através da

(Biesta, 2013, p. 36).

dança contemporânea e das possibilidades de expressão corporal que esta oferece” (Capitão, 2013, p. 100). E, por

Pais que decidem o que deve ser oferecido nas

fim, a Cia Integrada Multidisciplinar (CIM), fundada em

escolas e que não tenham sido, eles próprios, conscientizados

2007, que mantém uma parceria com a Associação de

do valor da arte na sociedade, tendem a preferir que seus

Paralisia Cerebral de Lisboa (APCL), a Associação Vo´Arte

filhos aprendam os requisitos e informações explicitamente

e o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral Calouste

necessários à formação em profissões mais “rentáveis” e

Gulbenkain (CRPCCG) para a realização de seus trabalhos. A

muitas vezes ignoram que as habilidades desenvolvidas em

CIM pretende uma “constante reflexão da arte associada à

arte-educação podem auxiliar seus filhos, inclusive, a atingir

pessoa com necessidades especiais, como meio integrador

esses objetivos.

e de desenvolvimento de competências” (CIM, 2013).

No que se refere à produção em dança inclusiva,

Espetáculos de dança que tomam a deficiência

muito do que se produz ainda possui um apelo de caráter

como assunto – ao invés de, ao contrário, incluir a pessoa

filantrópico, que mais expõe a deficiência do que a naturaliza.

com deficiência para tratar de outros assuntos ou conceitos,

Em alguns casos, tragicamente, a deficiência está relacionada

os quais poderiam ser adotados, inclusive, por companhias

à própria mensagem que se deseja transmitir ao público – o

não inclusivas – não perfazem o que seria a verdadeira

que, muitas vezes, acaba por expor o indivíduo, excluindo-o

inclusão de indivíduos portadores de SD ou de qualquer

sob o pretexto de incluir. O bailarino (com deficiência ou

outra deficiência física ou intelectual. Esta se dá quando

não) não é entendido como possuidor de um estilo próprio

os limites da deficiência são transcendidos, passando-se,

de movimentação, capaz de comunicar e expressar, mas sim

assim, a enxergar o portador da síndrome como um ser

como símbolo de superação e alvo de compaixão. Para que

humano com uma expressividade única.

se possa começar a falar em dança inclusiva, este cenário precisa ser modificado. A deficiência nestes casos, nota-se,

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(...) a relação entre os governos e os cidadãos mudou

Conclusão

está na própria arte, e não na deficiência em si. No entanto, já existem trabalhos que são

Este artigo buscou propor uma reflexão sobre o

produzidos por companhias compostas por integrantes

ensino de dança para crianças com Síndrome de Down e

com e sem deficiência, cujos espetáculos têm, em sua

citou exemplos de companhias de dança que vêm realizando

concepção estética, uma proposta inclusiva. Dentre estas

espetáculos efetivamente inclusivos. Para tal, partiu de uma

companhias podemos citar a Crespúsculo Cia de Dança (Belo

breve exposição, baseada em literatura da área da saúde,

Horizonte, MG, Brasil), a Giradança (Natal, RN, Brasil) e a

sobre características da Síndrome de Down, considerando-

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se a importância de divulgar este conjunto de informações para o público específico da dança e da arte-educação para proposições de estratégias de ensino de dança que sejam realistas e, justamente por isso, transformadoras. É importante que, cada vez mais, o arte-educador tenha elementos para construir o seu pensar e, também, estratégias práticas de trabalho em arte e em arteeducação, com fundamentação teórica, de modo que ele esteja apto a propor estratégias em interlocução com os profissionais da área de saúde, dado que, cada vez mais, as equipes multidisciplinares vêm constituindo um modelo de atendimento em saúde. O estatuto epistemológico da dança, ainda em construção, tem se fortalecido como área independente e autônoma. Na pós-modernidade, uma vez que cada vez mais os profissionais da dança constroem não somente a concepção cênica de seus espetáculos, mas, também, em muitos casos, a própria linguagem corporal a ser utilizada, é plausível e desejável fazer isso a partir de uma perspectiva

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Educação do Campo e o Ensino de Artes Visuais: contexturas REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Educación del Campo y la Enseñanza de las Artes Visuales: contexturas Education in Rural Area and Teaching Visual Arts: contextures

Fabiane Pianowski fabiane.pianowski@univasf.edu.br Universidade Federal do Vale do São Francisco, UNIVASF, Brasil

Tipo de artigo: Original

RESUMO A Educação do Campo, nascida das lutas dos movimentos sociais pelo direito à terra, objetiva antes de tudo a valorização e o desenvolvimento do sentimento de pertencimento do camponês. Não se trata de uma educação rural que tem como referência a educação urbana, mas sim uma educação por, para e pela terra. Como as demais disciplinas, o ensino de arte também deve estar contemplado na Educação do Campo, e do mesmo modo, a referência para esse ensino não pode se restringir aos cânones da história da arte ocidental ou aos modelos urbanos, ao contrário, é necessário que este ensino esteja contextualizado levando em consideração as particularidades e necessidades dos educandos do campo. Nesse artigo, estabelece-se uma discussão a respeito do papel do Arte/Educador do Campo, apresentando as origens da Educação Campo e como se estrutura essa maneira particular de se pensar a Educação, para finalmente refletir sobre como os arte/educadores, através da Proposta Triangular, podem atuar para conseguir realizar um ensino de artes visuais que respeite a arte e a cultura campesina. Palavras-chave: Arte/educação; Educação do Campo; Proposta Triangular; Prática pedagógica.

RESUMEN La Educación del Campo, nacida de las luchas de los movimientos sociales por el derecho a tierra, objetiva primeramente la valorización y el desarrollo del sentimiento de pertenecer del campesino. No tratase de una educación rural que tiene como referencia la educación urbana, sino que es una educación por y para la tierra. Como en las demás asignaturas, la enseñanza del arte también debe estar contemplada en la Educación del Campo, y del mismo modo, la referencia para esta enseñanza no puede estar restricta a los cánones de la historia del arte occidental o a los modelos urbanos, al revés, es necesario que esta enseñanza

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educandos del campo. En este artículo, se establece una discusión respecto del rol del Arte/Educador del Campo, presentando las orígenes de la Educación del Campo y como esta se estructura de una manera particular respecto a las formas tradicionales de enseñanza; y, finalmente, se presenta una reflexión sobre como los arte/educadores, a través de la Propuesta Triangular, pueden actuar para conseguir realizar una enseñanza de las artes visuales que respecte el arte y la cultura campesina. Palabras-clave: Arte/Educación; Educación del Campo; Propuesta Triangular; Práctica pedagógica.

ABSTRACT

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sea contextualizada y considere las particularidades y necesidades de los

Education in Rural Area –related with the landless workers movement– aim recovery and development the rural belonging feeling. It is not a rural education referenced in an urban education, but an education through and for the earth. As in other subjects, art education should also be provided in the Education in Rural Area, and likewise, the reference for this teaching cannot be restricted to the canons of Western Art History or urban models, unlike it is necessary that this teaching is contextualized and considers the characteristics and needs of rural learners. This article provides a discussion about the role of the Rural Art/ Educator, showing the origins of Education in Rural Area and how it is structured in a particular way compared to traditional forms of education, and finally, is presented a reflection on how the art/educators, through Triangular Proposition, can teach Visual Art respecting art and culture of rural area. Keywords: Art/Education; Education in Rural Area; Triangular Proposition; Pedagogical practice.

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Introdução

I Encontro de Educadores e Educadores da Reforma Agrária - ENERA, no qual os movimentos de luta pela reforma

De acordo com o dicionário Houaiss da língua

agrária, especialmente o Movimento dos Sem Terra (MST),

portuguesa o termo “contextura” tem várias acepções que

apoiados pelas organizações não governamentais (ONGs) e

podem ser resumidas em contexto, trama e conexões. Essas

pelas universidades, exigem uma maior atenção à formação

três definições do termo serão utilizadas no presente artigo

dos assentados.

para a apresentação e vinculação da Educação do Campo

com o Ensino de Artes Visuais.

Nacional por uma Educação Básica do Campo, em Goiás. Esse

Um ano depois, em 1998, acontece a I Conferência

Em ‘“Contexto” será traçado o histórico da Educação

encontro será fundamental porque é nesta ocasião quando

do Campo no Brasil e sua situação atual. Em “Trama”

se estabelece o termo “Educação do Campo” em oposição

serão abordadas as questões que implicam em uma nova

à conhecida “Educação rural”. A Educação do Campo não é,

forma de pensar a Educação do Campo. E, finalmente, em

portanto, uma teoria educacional, mas sim uma exigência

“Conexões” serão estabelecidas as relações entre o Ensino

das lutas dos sujeitos do campo e dos movimentos sociais

de Arte e a educação não formal como referências para a

associados à terra. A educação rural, por outro lado, foi

Educação do Campo.

instituída pelos planos educacionais do governo federal, de maneira a impor os saberes da cidade aos sujeitos do campo

Contexto: histórico da Educação do Campo

Para melhor entendermos o panorama da Educação

do Campo é importante pensarmos em quais momentos da história, quer seja através das políticas públicas, quer seja através dos movimentos sociais, estabeleceram-se seus marcos. Nesse sentido, o primeiro marco foi a Declaração de Direitos Humanos (ONU, 1948), que colocou a educação como um direito de TODOS.

No Brasil, esse direito nem sempre foi cumprido,

no entanto, após anos de desigualdades econômicas e exclusão social, com a ajuda de novas políticas públicas e, principalmente, dos movimentos sociais, esse panorama vem mudando. Em 1988, a Constituição Federal Brasileira reafirmou o direito à educação a todos os brasileiros. No entanto, seria somente em 1996 com a Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Brasil, 1996) que se garante legalmente a educação básica aos habitantes da zona rural e se estabelece que os tempos e modos de ser do sujeito do campo devem ser respeitados.

Não obstante, apesar de estar previsto em lei, as

mudanças reais são lentas e para agilizar esse processo cabe à população civil organizada pressionar para exigir seus direitos. Uma das formas encontradas para que isso acontecesse foi através da realização de Encontros Nacionais. Sob essa perspectiva, em 1997 aconteceu o

através de propostas descontextualizadas e desconectadas da realidade do meio rural. De acordo com Roseli Caldart (2012, p. 263), “a educação DO campo não é PARA nem apenas COM, mas sim, DOS camponeses, expressão legítima de uma pedagogia DO oprimido”.

Em 2002, instituem-se as Diretrizes Operacionais

da Educação do Campo (Brasil, 2002), no entanto, será somente em 2010 quando a Educação do Campo passa a ser incluída nas Diretrizes Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2010b). Além desse fato, o ano de 2010 é importante porque também é quando se institucionaliza o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária – PRONERA (Brasil, 2010a), criado em 1998. Além disso, esse decreto que institucionaliza o PRONERA torna obrigatório às instituições de ensino superior a consideração da Educação do Campo não só como componente curricular, mas também como formação dos sujeitos do campo, promovendo a interação entre campo e cidade, sem deixar de respeitar os tempos próprios da realidade agrícola nas suas ofertas de formação.

Atualmente, pelo Censo/2010 somente 15% da

população brasileira vive no campo, em 1982 esse índice era de 32% e em 2000 de 19%. O êxodo rural é consequência de uma larga história de desigualdades sociais e de desprezo e desrespeito com a vida no campo. Nesse panorama, também de acordo com o Censo/2010, dos 334 mil educadores do campo, 41% tem nível superior, sendo que a maioria (59%)

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cidadania, da luta pela terra, pelas territorialidades, pelos

através dos esforços do governo federal e de suas políticas

direitos, pela cultura e saberes dos sujeitos do campo.

públicas tenta-se sanar essa deficiência com a implantação

de programas educacionais como o Programa de Apoio a

comunidades indígenas, mestiços, população rural dos

Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

centros urbanos e todo aquele que se identifique como

Federais – REUNI ou Programa Nacional de Educação da

“sujeito do campo”.

Reforma Agrária - PRONERA, como se tratam de programas

bastantes recentes só vislumbraremos realmente seus

movimentos sociais pelo direito à terra, objetiva antes de

resultados em alguns anos.

tudo a valorização e o desenvolvimento do sentimento

Outro problema da Educação do Campo, além

de pertencimento do camponês. Por isso ela não é uma

da deficiência na formação dos educadores, é a falta de

educação rural que tem como referência a educação

instalações adequadas e o fechamento constante de escolas.

urbana, mas sim uma educação por, para e pela terra. Nesse

Além disso, normalmente o ensino oferecido é somente de

sentido, é importante que a formação do educador do

primeira a quarta série, de modo que muitos adolescentes e

campo contemple a formação política, em que o histórico

jovens têm que se deslocar até a cidade para poder estudar,

de desigualdades e a relação opressores e oprimidos seja

perdendo a possibilidade de aprender a partir do lugar

estudada.

onde vivem, ou seja, de sua própria realidade, sem falar que

também perdem o tempo de ser jovem (Cavalcante & Silva,

reconhecimento dos saberes locais e das matrizes culturais

2010).

dessas populações. É importante considerar o tempo

Os sujeitos do campo são assentados, quilombolas,

A Educação do Campo, nascida das lutas dos

Essa

educação

deve

prever

também

o

A partir desse breve panorama é possível constatar

do campo para colocá-lo em sintonia com o tempo do

que há ainda muita coisa para ser feita em relação à

conhecimento, como nos recorda Miguel Arroyo (Arroyo &

Educação do Campo e que, apesar da mesma estar

Fernandes, 1999, p. 17):

amparada legalmente, na realidade é necessário e urgente: •

ampliar os níveis de formação dos educandos do campo, tanto em relação à Educação Infantil, como às demais etapas da Educação Básica;

investir na formação de educadores do campo;

investir em pesquisas na área e na elaboração de

• •

A escola tem que incorporar o saber, a cultura, o conhecimento socialmente construído, no entanto, os currículos das escolas básicas do campo não podem reproduzir o conjunto de saberes da escola da cidade. Neste sentido, é preciso incorporar no currículo do campo os saberes que preparam para a produção e o trabalho, os saberes que preparam para a emancipação,

materiais didáticos contextualizados;

para a justiça, os saberes que preparam para a realização

garantir a existência das escolas do campo,

plena do ser humano como humano. [...] Não podemos

impedindo o seu fechamento;

separar o tempo da cultura do tempo de conhecimento.

que os municípios e estados estabeleçam suas diretrizes para a Educação do Campo acorde com as Diretrizes Nacionais e com as necessidades locais.

Trama: Educação do Campo como uma nova perspectiva educativa

O que estou propondo é que os próprios saberes escolares têm que estar redefinidos, têm que vincularse às matrizes culturais do campo aos novos sujeitos culturais que o movimento social recria. (grifo nosso)

Nesse sentido, Arroyo não defende apenas que a Educação do Campo deve ser organizada por ciclos e não por séries, para que os saberes, interesses e desejos dos

De acordo com diversos autores (Arroyo, 2011;

sujeitos do campo sejam levados em consideração; também

Arroyo & Fernandes, 1999; Caldart, 2012; Oliveira, 2012;

deixa claro que a Escola do Campo não é a mesma escola

entre outros) a Educação do Campo é a educação para a

que temos na cidade e que, portanto, ele deve ser (re)

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possui apenas o nível médio. No entanto, atualmente,

pensada tendo em vista outros interesses e objetivos.

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A Pedagogia da Alternância, pedagogia que leva

em consideração a alternância entre o tempo do campo e o

especial nos municípios de Juazeiro, Valente e Uauá. Através do seu estudo Oliveira encontrou duas situações: •

tempo da escola, integrando ambos saberes, é considerada

a Educação do Campo a cargo dos municípios

pelos pesquisadores da área como a solução educacional a

é

este contexto, estando prevista nas Diretrizes Curriculares

considerando a relação dessa educação com as

Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2010b) no que tange à

lutas e movimentos sociais dos sujeitos do campo,

Educação do Campo. Cabe salientar, que essa pedagogia foi

salvo em algumas exceções; •

criada na França em 1935 e trazida ao Brasil em 1968 pelo

insuficiente

e

descontextualizada,

não

a Educação do Campo realizada através ou com

padre jesuíta Pietrogrande, primeiramente para o Estado do

o apoio de organizações não governamentais

Espírito Santo.

(ONGs) são muito mais efetivas porque levam em

consideração a vida e os saberes dos sujeitos do

Atualmente, no Brasil, as escolas que aplicam a

Pedagogia da Alternância são conhecidas como Escolas

campo.

Famílias Agrícolas (EFAs). Segundo a União Nacional das

Nessa pesquisa, Oliveira coloca que somente o

Escolas Famílias Agrícolas (UNEFAB), existem apenas

município de Valente têm um programa instituído pela

duzentas escolas no Brasil que aplicam essa pedagogia. Em

prefeitura que é realmente significativo e que leva em

termos nacionais esse valor é muito baixo, no entanto, está

consideração as particularidades e necessidades dos

prevista a implementação de mais 40 EFAs ainda para o ano

sujeitos do campo, realizando atividades contextualizadas

de 2013. Esses dados mostram que há um crescimento no

e integradas ao meio ambiente que extrapolam a sala de

cenário educativo do campo.

aula e ocupam os espaços significativos desses sujeitos na

integração dos saberes instituídos e os saberes empíricos.

O educador do campo deve, portanto, considerar

esses diferentes tempos, estar em sintonia com as lutas

e movimentos sociais dos sujeitos do campo. A escola do

participação de ONGs ou de Associações promovem

campo deve ser um espaço participativo, dialógico, no qual

um ensino conforme as escolas do campo de Valente,

as comunidades campesinas tenham voz e vez. Também

sendo que a maioria das escolas são escolas tradicionais

deve ser um espaço heterogêneo de valorização tanto das

que desconsideram a realidade do campo e trabalham

diferenças como das singularidades. A escola do campo é um

apenas com a temática urbana na sala de aula.

espaço de vivência, de diálogo, de luta; é também um espaço

A arte/educadora Ana Mae Barbosa (2002) afirma que o

de transformação social que vislumbra a emancipação dos

melhor ensino de arte não está na sala de aula, mas sim

seus alunos através da sua ativa participação e direito a

nas ONGs preocupadas com a reconstrução social de jovens

decidir.

e adolescentes. Nesse sentido, o pensamento de Barbosa

Nas demais cidades estudadas, somente a

Nessa escola, a avaliação tem que ser diagnóstica

em relação à arte/educação corrobora o panorama das

e serve para ver como os educadores e educandos avançam

escolas do campo apresentado por Oliveira (2012). Sob a

no processo de ensino-aprendizagem, como se desenvolve o

mesma perspectiva, Lívia Marques Carvalho, através de sua

olhar crítico, como se fortalece a autoestima e o sentimento

pesquisa de doutorado sobre o ensino de arte nas ONGs

de pertencimento. Enfim, essa avaliação possibilita observar

(2008), também coloca que as atividades de arte/educação

como o sujeito do campo reconhece-se como tal e tem

são fundamentais na reconstrução social de jovens e

orgulho de pertencer a cultura campesina, de ser um sujeito

adolescentes.

do campo, de ser um camponês. Conexões: Arte/Educação do Campo

A professora Lúcia Oliveira (2012) estudou a

situação das escolas do campo no semiárido baiano, em

Através da análise dos estudos mencionados

podemos concluir que as atividades de educação não formal são extremamente profícuas quando pensamos em transformação social e emancipação dos sujeitos, posto que ela:

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fortalece a autoestima;

a formação de cidadãos críticos e participativos.

desenvolve o sentimento de pertencimento;

promove a convivência e o diálogo intercultural;

importante trabalhar as matrizes culturais locais, a

valoriza os saberes dos educandos dando espaço

arte popular, a produção cultural do sujeito do campo,

para o diálogo e a participação;

sem negar, no entanto, o direito a conhecer as demais

promove o desenvolvimento cognitivo;

expressões, produções e ações culturais. O arte/educador

possibilita o acesso aos saberes culturais universais;

do campo deve então ter essa flexibilidade, essa sabedoria

ocorre em um espaço flexível, heterogêneo e

da conexão, para ligar os múltiplos pontos de vista em um

participativo.

“rizoma”, essa rede que não tem um núcleo mas é formada

No ensino de arte da Educação do Campo é necessário,

Como focos das atividades de arte/educação é

por inúmeros pontos, sem hierarquias, em um fluir do

portanto, que se busquem essas referências para a prática

conhecimento (Deleuze & Guattari, 1995).

educativa, uma vez que além de todo o mencionado

anteriormente também é fundamental que o espaço de

a educação sob o enfoque das três ecologias: a mental

ação do arte/educador esteja contextualizado levando

(humana), a social (coletiva) e a ambiental (ecológica).

em consideração as particularidades e necessidades dos

Esses conceitos inspiram a Educação Ambiental e devem

educandos do campo. Nesse sentido, os arte/educadores

estar presentes também quando pensamos a Educação do

do campo devem ter a postura do professor crítico reflexivo

Campo, posto que ambas estão voltadas para a cidadania

(Pimenta & Lima, 2004), ou seja, o professor que busca um

e ambas buscam a formação de sujeitos emancipados,

processo de ensino-aprendizagem contextualizado, que

críticos e capacitados para promover a transformação

considera tanto os conhecimentos instituídos como os seus

social. Para ambas, os conceito de sustentabilidade é

próprios conhecimentos e o conhecimento dos alunos e

também muito relevante e deve ser considerado como

que tenha acima de tudo uma postura investigativa, que

elemento da prática educativa. Mas, cabe destacar, que ser

reflexione sobre a própria prática, porque esta também é

sustentável no âmbito das práticas artísticas não é apenas

conhecimento.

realizar atividades com material reciclado; ser sustentável é

Com Guattari (1990), também aprendemos a pensar

Os arte/educadores do campo também necessitam

respeitar a terra, valorizar o lugar em que se vive, respeitar o

atuar com a postura dos mediadores culturais, no sentido

outro e se reconhecer na diferença, ser cidadão consciente

do estar entre: “um estar entre atento e observador, no

de seus direitos e deveres, ser ético. Nesse sentido, a arte

olhar e na escuta, para gerar questões que apenas tem

como mobilizadora de pensar, ver e refletir o mundo a

sentido se provocam a reflexão, a conversação, a troca entre

partir dos enfoques estético e sensível deve ser entendida

os parceiros. Um estar entre que precisa ser mais apurado”

como conhecimento e não como mera execução técnica de

(Martins, 2005, p. 55).

atividades artísticas.

Irene Tourinho (2009) coloca que a mediação cultural é

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Não obstante, quando discutimos sobre a educação

uma prática que promove o diálogo e a participação, assim

do campo existem poucas referências em relação ao ensino

como não busca verdades nem respostas concretas, mas

específico das artes visuais. A maioria dos trabalhos de arte/

incita o pensar, o analisar e o refletir. Nesse sentido, o arte/

educação que encontramos no contexto da educação do

educador do campo deve ser um provocador que consiga

campo são trabalhos que estão no âmbito da performance

gerar um diálogo dos saberes entre os saberes do campo e

(música, teatro, dança e circo) e não no âmbito das artes

os saberes instituídos e os seus próprios saberes tanto como

visuais (artes plásticas, artes gráficas etc.).

educador como cidadão. Este último elemento, a cidadania,

é muito importante que seja ressaltado, posto que na

apresentadas no Segundo Festival de Artes das Escolas de

Educação do Campo, é fundamental um comprometimento

Assentamento do Paraná (MST/PR, 2013) que foram –em

ético e político do educador, que deve buscar acima de tudo

sua totalidade– performáticas, restando às artes visuais

Nessa perspectiva, estão por exemplo as atividades

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somente a apreciação por parte dos alunos, posto que a

sujeitos; os Critical Studies (Inglaterra) na proposta de

visitação aos museus de arte fazia parte da programação,

leitura e análise da arte através da sua contextualização; e

não havendo, no entanto, nenhuma exposição de artes

a Discipline Based Art Education – DBAE, responsável por

plásticas dos alunos nesse festival. É claro, que essa

pensar nos conteúdos e na organização do ensino de arte. E

constatação não diminui a enorme importância deste

se estrutura a partir de três vértices, não hierárquicos e não

evento no fortalecimento e empoderamento através da

sequenciais: conhecer arte (contextualização), apreciar arte

arte e da cultura dos cerca de dois mil estudantes da região

(leitura e análise) e fazer arte (produção).

sul do Brasil que tiveram a oportunidade de conhecer e

se apresentar no Teatro Guaíra em Curitiba, um espaço

educação do campo temos que pensar:

artístico de grande relevância onde já se apresentaram

Adaptando a Proposta Triangular às atividades de arte/ •

o conhecer arte através da contextualização não

artistas reconhecidos nacional e internacionalmente. Essa

somente das obras de arte universais e canônicas,

constatação apenas alerta para a debilidade do ensino das

mas também das produções/ações culturais

artes visuais no contexto da Educação do Campo.

dos sujeitos do campo, incentivando a atitude

Carvalho (2008), no seu estudo do ensino de arte

investigativa dos mesmos a fim de que eles

em ONGs observou uma predominância de atividades

construam pequenas “histórias da arte” a partir da

performáticas (67%) em relação às artes visuais (33%) nas

sua própria cultura e estabelecendo relações com

instituições pesquisadas. Para a autora, isso ocorre porque

outras referências culturais;

as atividades performáticas têm mais potencial para as

a análise e a leitura da arte considerando os

apresentações públicas e para a realização de trabalhos

múltiplos pontos de vista, promovendo um

coletivos, e que, por outro lado, corroboram as possíveis

verdadeiro diálogo intercultural, um diálogo de

exigências do apoio financeiro (marketing) necessário ao

saberes, em que os saberes dos sujeitos do campo

funcionamento da maioria das ONGs, uma vez que essas

sejam ouvidos e valorizados a fim de possibilitar a

atividades têm maior visibilidade. Nesse sentido, a autora

esses educandos a sua formação crítica e reflexiva;

alerta para esse fato no sentido de que se ofereça uma

o fazer arte não como a reprodução mecânica e

maior diversidade de modalidades artísticas como modo de

descontextualizada de produções artísticas, mas

ampliação do leque das experiências estéticas. No entanto,

pensar um fazer arte como uma prática reflexiva

acredita-se que após a formação da primeira turma em

em que o processo e o produto sejam significativos

Arte/Educação do MST, que aconteceu em julho de 2013

para aqueles que o fazem.

(Percassi, 2013), esse panorama possa mudar dando às artes visuais o mesmo espaço de importância das artes performáticas.

A Proposta Triangular de Ana Mae Barbosa (1998),

criada nos anos oitenta e em vigor até os dias de hoje, tanto na educação não formal, como nos indica o estudo de Carvalho (2008); como na educação formal, como podemos constatar analisando os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte – PCN/Arte (Brasil, 1997), é uma referência muito importante para os arte/educadores do campo que pretendam trabalhar com o ensino das artes visuais.

Essa proposta teve como referências: as Escuelas del

Aire Libre do México e que, portanto, tem como princípios a valorização da arte local e os conhecimentos dos próprios

Conclusões O próprio conceito de arte tem que ser revisitado uma vez que já não podemos mais pensar em arte erudita e arte popular sob uma distinção de valores, em que a primeira é mais importante que a segunda. Depois do reconhecimento da diferença cultural e do estabelecimento de conceitos como multiculturalismo crítico, interculturalidade, estudos culturais sabemos que não há culturas puras, mas que vivemos em um mundo de culturas híbridas (Canclini, 1992) e nessa diversidade todas as culturas têm uma produção artística válida, que precisa ser estudada e valorizada.

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A Educação do Campo como um espaço de

educação não-formal heterogêneo, flexível e participativo necessita contar com um ensino de arte que promova a reflexão, a autoestima, o pertencimento, o empoderamento na perspectiva da interculturalidade, defendida por Ivone Richter (2000), de um ensino de arte que promova a interação de diferentes culturas, sua vivência e seu diálogo sem perder de vista a luta pelos direitos dos sujeitos do campo de terem uma vida digna, de serem valorizados e respeitados e de terem reconhecida a sua importância para a cultura brasileira. Práticas participativas e dialógicas como pode ser a Proposta Triangular no ensino das artes visuais mostram-se como fundamentais para que os arte/ educadores neste contexto sejam verdadeiramente Arte/ Educadores do Campo.

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Risco & Stroke - que lugar para o design de comunicação na formação de um jovem autor? Traçado & Stroke - ¿cuál es el lugar del diseño de comunicación en la formación de un joven autor? Line & Stroke - what role has communication design in a young author training?

Raquel Morais raquelmorais70@gmail.com Research Institute in Art, Design and Society (i2ADS), School of Fine Arts, University of Porto, Portugal - www.i2ads.org.

Tipo de artigo: Original

RESUMO Dentro da investigação relativa à tese de doutoramento em curso, pretendese com este artigo responder a duas questões fundamentais que servem de caminhos à reflexão: - Como pode um projecto de design gráfico e de comunicação afectar o significado e a construção do mundo dos jovens? Tendo em conta os estudos de caso que irão ser apresentados baseados na acção da investigação, que articulações a investigação teórica em educação artística estabelece com a vontade e a possibilidade da mudança? Num contexto de escola profissional, particular e artística, o curso técnico de Design Gráfico surge com uma vontade de dar aos alunos ferramentas de compreensão do mundo. O design gráfico e a comunicação visual são o pretexto para analisar e refletir sobre a experiência educacional - como pode um projecto artístico afectar o significado e a construção do mundo, e como é que os jovens podem ser críticos e refletir sobre as suas próprias escolhas e atitudes. Pretende-se aprofundar as questões particulares relativas à Educação do design Gráfico e de Comunciação, o seu ensino num sistema profissional e de nível préuniversitário, com relação com uma educação responsável para a cidadania e desenvolvimento sustentável. Este artigo está dividido em três grandes blocos: uma primeira parte de introdução ao tema revelando a posição sobre o que é o Design e uma educação em Design servindo de contextualização dos caso de estudo; Uma segunda parte relativa aos caso de estudo e reflexões decorrentes da acção-investigação; Uma terceira parte de caminhos e pistas de resposta às questões iniciais. Palavras-chave: Educação Artística e do Design; Educação para o Desenvolvimento Sustentável; Acção-investigação em Design e Comunicação.

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Dentro de la investigación relativa a la tesis doctoral en curso, se pretende con este artículo contestar a dos cuestiones fundamentales que sirven de caminos a la reflexión: - ¿Cómo puede un proyecto de design gráfico y comunicación afectar el significado y la construcción del mundo de los jóvenes? Teniendo en cuenta los estudios de casos que van a ser presentados basados en la acción de la investigación, ¿qué articulaciones establece la investigación teórica en educación artística, con la voluntad y la posibilidad de cambio? En un contexto de escuela profesional, particular y artística, el curso técnico de Design Gráfico surge con una voluntad de dar a los alumnos herramientas de comprensión del mundo. El design gráfico y la comunicación visual son el pretexto

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RESUMEN

para analizar y reflexionar sobre la experiencia educacional - cómo puede un proyecto artístico afectar al significado y la construcción del mundo, y cómo es que los jóvenes pueden ser críticos y reflexionar sobre sus propias elecciones y actitudes. Se pretende profundizar en las cuestiones particulares relativas a la Educación del Design Gráfico y de la Comunicación, su enseñanza en un sistema profesional y de nivel pre-universitario, y su relación con una educación responsable para la ciudadanía y el desarrollo sostenible. Este articulo está dividido en tres grandes bloques: una primera parte de introducción al tema revelando la posición sobre lo que es el Design y una educación en Design sirviendo de contextualización de los casos de estudio; Una segunda parte relativa a los casos de estudios y reflexiones resultantes de la acciòn-investigaciòn; Una tercera parte de caminos y pistas a la respuesta a las cuestiones iniciales. Palabras-clave: Educación Artística y Del Design; Educación para el Desarrollo Sostenible; Acciòn-investigaciòn en Design y Comunicación.

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ABSTRACT Within the research for the doctoral thesis in progress, the intention of this article is to provide an answer to two fundamental questions, which may be considered paths for a reflection: - How can a communication and graphic design project affect the meaning and the construction of the world of youth? Having in mind that the case study projects that will be presented are based on action, how can the theoretical research in art education establish connections to the will as well as to the possibility of changing? In a private vocational artistic school context, a technical graphic design course comes with a willingness to provide students with tools to understand the world. Graphic design and visual communication are the pretexts to analyse and to reflect upon educational experience - how can an artistic project affect the meaning and the construction of the world, and how can young people have a critical approach and thus reflect upon their own choices and attitudes. It is intended to deepen the particular issues regarding the education of Graphic Design and Communication, which is taught in a vocational system and at a pre - university level, by connecting it to responsible citizenship and sustainable development education. This article is divided into three main blocks: the first part is an introduction to the subject’s position on what is Design and Design Education in order to contextualize the case study; the second part is about the case studies and the reflections arising from action-research; the third is about the paths and tracks of response to the initial questions; Keywords: Arts and Design Education; Education for Sustainable Development; Action-Research in Design and Communication.

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1. O significado de Design no seu lugar na

de Design Gráfico na Escola Artística e Profissional Árvore

Educação Artística

(EAPA) no Porto, Portugal . A escola tem uma experiência de 1

cerca 30 anos de ensino profissional e artístico. É uma escola

O Design gráfico e de comunciação tem um papel ainda

de ensino de nível secundário pré-universitário, privada,

pequeno e secundário dentro do mundo “maior” de

com autonomia pedagógica, onde os cursos profissionais

conhecimento que é a Educação Artística, comparando

aprovados pelo Ministério da Educação são ministrados e

com outras áreas de enfoque, por exemplo, nas áreas

financiados pelo POPH (Programa Operacional Potencial

de conhecimento das questões ligadas às artes plásticas

Humano) . É um lugar onde ainda se tenta a experiência

ou performativas. Prova disso é a pouca investigação

pedagógica, a reflexão crítica e onde os professores e

publicada nesta área, nomeadamente em Portugal. Mais

técnicos tentam um trabalho de equipa em contacto com

pequeno e pouco estudado se torna, quando em particular

o mundo das empresas e instituições da cidade. Todos os

tentamos aprofundar as questões específicas do Design

cursos, de nível secundário, têm a duração de 3 anos e

Gráfico e de Comunicação, ligadas a uma educação de

conferem habilitações ao 12º ano de escolaridade. Em

nível pré-universitário, técnico e profissional. Isto deve-se a

média, os alunos entram na escola com 14 anos e saem

variadas razões, entre as quais: O design é uma disciplina

com 17. Cerca de metade tenta prosseguir estudos no

relativamente recente nas escolas portuguesas, mais

ensino superior em áreas artísticas, enquanto que os

recente se torna a um nível de ensino secundário. Só em

restantes tentam o mercado de trabalho ou outros modelos

2006 é introduzido no sistema nacional o curso profissional

de formação profissional. Mais à frente neste artigo será

e técnico de Design Gráfico que foi feito a partir do curso

descrita a estrutura do curso técnico de Design Gráfico no

de Desenho Gráfico nascido nos anos 80 com a introdução

âmbito dos seus projectos e metodologia de ensino aplicado

do sistema de ensino profissional em Portugal; A área

aos estudos de caso.

profissional tem muitos requisitos e divisões (vejam-se por

2

REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

O contexto dos estudos de caso são vividos no curso técnico

exemplo as várias tipologias da prática do design, desde Entende-se aqui que uma educação em Design Gráfico

ao design de moda, produto, etc) existindo igualmente

deverá ser uma educação preocupada com as questões

enúmeras saídas profissionais; A disciplina de crítica de

sociais e uma forma de compreensão do mundo numa era

design ou a investigação em design normalmente é feita sob

digital povoada de imagens e ecrãs. As relações com um

o ponto de vista do artefacto e da prática do design, não há

design social e uma reflexão a partir da cultura visual são

uma tradição de estudos críticos específicos do design ou

evidentes e que mais tarde também se exploram.

da teoria do design ligados à prática do ensino e visando

Para melhor definir os campos estudados, torna-se necessário então definir o termo Design, o campo do Design Gráfico e de Comunicação nas Artes e na Educação Artística e colocar no contexto histórico a profissão e o seu ensino.

uma educação global. Algumas excepções são, por exemplo, as teorias nascidas nos anos 70 aliadas ao Design Thinking, com a sua aplicação nas engenharias, gestão e educação; Em Portugal, um designer normalmente não é preparado para ser um professor, não estuda especificamente para essa profissão enquanto que noutras áreas artísticas existem estudos e cursos específicos para ser um professor. A cultura de escola e ensino de um designer que um dia poderá vir a ser um professor, baseia-se na concepção de “mestre” e

1  Mais informação no site da escola, em http://www.arvore.pt (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

na relação hierárquica que se pode estabelecer entre os “seguidores” e o “mentor”; Há uma grande diferença de métodos e perfis entre um designer (ou alguém formado na

2  Mais informações em http://www.poph.qren.pt (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

área artística) e um professor. Um designer essencialmente é

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um comunicador visual que é “treinado” para trabalhar para

Na tentativa de melhor compreendermos o fenónemo

uma necessidade específica, público-alvo, técnicas e regras

do Design, a sua prática, ensino e profissionais, tentemos

formais; A existência de uma variedade de nomenclaturas

primeiro duas abordagens: uma no sentido da codificação

e alguma confusão em relação aos nomes e papeis

e etimologia da palavra, e outra, num sentido histórico do

desempenhados pelo designer de comunicação fazem com

aparecimento da profissão e da sua legitimização pelas

que exista mais dificuldade em definir a profissão ou as suas

instituições de ensino.

funções. A confusão de significados da palavra Design e como é Mas se no mundo profissional ainda existem tantas

amplamente aplicada provavelmente relaciona-se com

nomeclaturas e “nichos”, essa questão é reflexo ainda da

a origem e o seu duplo significado: quando usado como

recente entrada no mercado da legitimização da profissão

verbo liga-se ao acto de fazer, projectar e planear. Como

por via das escolas superiores. Desde o “artista” dos anos

substantivo, significa o produto, o artefacto, o resultado

20 do séc. XX, que arranjava as formas e a composição

e finalidade em si. A origem da palavra inglesa tem como

da página, fazia igualmente as ilustrações e decorações

base a palavra latina – “designare -, “de”, e “signum”

da tipografia, até ao designer do início do séc. XXI, a

(marca, sinal) significa desenvolver, conceber”. A palavra

profissão e tarefas alteraram-se consideralvelmente. Não

“design” surgiu no século XVIII, no Reino Unido, como

só se assistiram a alterações e mudanças radicais ao nível

tradução do termo italiano disegno (desenho), mas só

técnico, bem como a introdução do mundo digital veio

com o desenvolvimento da produção industrial e com a

alterar práticas, tempos, aquisição de informação e formas

institucionalização da sua prática, com a criação das escolas

de comunicação em si, a que um designer não pode ficar

dedicadas ao ensino específico do design, é que esta

alheio. Também as preocupações do designer sofreram

expressão passou a caracterizar uma actividade exclusiva

alterações, se no início seria uma profissão para servir

no processo de desenvolvimento de produtos e serviços

quase exclusivamente de apoio ao mundo das vendas e da

(Braga, 2011, pp. 11). Havia que distinguir entre o desenhar

publicidade, cedo se descobriram as vantagens de dominar

(to draw) e o conceber ou projectar (to design). O produto

a comunicação visual para efeitos sociais, de propaganda

daí resultante adquiria igualmente a característica da sua

ou políticos. Em conclusão, o lugar do Design Gráfico ou de

concepção, poderia ter mais ou menos “design”.

Comunicação na Educação Artística é um ponto pequeno inerente à sua prática e ensino, o Design como disciplina e

O termo inglês design é hoje amplamente utilizado

profissão ainda busca o seu lugar.

em Portugal. Porque usamos design e não desenho, à

O interesse deste tema e abordagem, pela via do ensino pré-universitário, relaciona-se principalmente por incidir numa fase muito particular no desenvolvimento do jovem e ainda as escolhas definitivas em relação à sua profissão ou continuação de estudos não estarem fechadas. Os alunos que frequentam o curso técnico de Design Gráfico na EAPA, na sua grande maioria, não serão todos designers. Mas estes 3 anos de formação final no ensino secundário são de grande importância quanto à construção de valores identitários e da passagem da adolescência para a juventude, irão ser cidadãos maiores de idade e de plenos direitos. Como um curso técnico de Design pode ensinar para além do design e das técnicas?

semelhança dos vizinhos espanhois, ou até a palavra debuxo, entretanto caída em desuso, seria motivo provável e válido para um outro artigo. As razões certamente prendem-se com uma certa cultura de importação dos termos algo-saxónicos ligada à publicidade e marketing, mas também, devido à educação dos percursores do design português, que estudaram fora do país e trouxeram para Lisboa os primeiros gabinetes e agências de publicidade. A palavra design começa então a ser amplamente utilizada em Portugal a partir dos finais dos anos 60 do séc. XX, aquando um grupo de profissionais da área, nomeadamente Sena da Silva, Daciano Costa, António Garcia, entre outros, se autointitulam de designers. Em 1971 tem lugar a “1ª Exposição

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que procuram um afastamento das artes tradicionais e a

de Investigação Industrial (Fragoso, 2012, pp. 66) e que

defesa de pressupostos universais, científicos e políticos

confere o nascimento oficial desta actividade. Nas décadas

para a resolução de problemas. É na génese do design que

seguintes, são criados cursos superiores e escolas de design,

residem as questões centrais da dictomia forma-função, as

pelo estado e por alguma iniciativa privada. É então com a

ligadas aos objectos utilitários para todos, à universalidade

institucionalização da prática do design e do seu ensino, que

da forma, a uma produção em massa para que os objectos

são criados os primeiro cursos técnicos ou profissionais de

sejam mais acessíveis a todos, a um design para todos e

design, com o nascimento do ensino profissional no currículo

ligado à democracia e a questões políticas.

nos anos 80. Na sua génese, o curso de Artes Gráficas lidava com as práticas industriais e artísticas de impressão e tinha

A criação dos primeiros movimentos artísticos e escolas em

como objectivo a formação para a profissão de desenhador

que o design é ensinado, acompanham essa âmbito social

ou artista gráfico. Com a introdução dos meios digitais nos

do design, vejamos:

anos 90 e a consequente evolução das áreas profissionais

No início do século XX na Rússia revolucionária, o

ligadas ao design gráfico, sendo a extinção da profissão de

Construtivismo abre portas à união entre a Arte e

desenhador gráfico uma realidade, o curso é revisto em

Tecnologia ao serviço das necessidades de uma nação.

2006. Surge assim o actual curso técnico de Design Gráfico,

A ideia fundamental era “construir, educar e comunicar a

mais ligado às questões da comunicação visual e à criação

população sobre factos que se desenrolaram na fase inicial

gráfica, tendo em consideração a evolução do mercado e

da implantação do socialismo” (Curtis, 2011, pp. 25). Após

das tecnologias digitais.

1918, os artistas iniciaram um trabalho de organização da

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de Design Português” realizada pelo então Instituto Nacional

vida cultural e artística do país visando a educação pela O Design nasce assim da necessidade de regulamentar

propaganda massiva. Em 1920 são criadas importantes

objectos do quotidiano, da industrialização massiva e da

escolas em Moscovo: o Inchuck (Instituto de Cultura

publicidade aos produtos e serviços num mundo em pleno

Artística) e o Vkhutemas (Estudos Artísticos e Técnicos

desenvolvimento económico e em expansão capitalista.

Superiores), voltadas para uma formação abrangente

Desde os anos 1990, que a disciplina obtêm plena aceitação

em arte, arquitectura e design onde homem, tecnologia,

e é também nesta década que novas necessidades de

máquina e arte se fundem. Este movimento é percurssor de

comunicação nascem. Os designers gráficos não só são

um design social pelas preocupações perante o colectivo em

requisitados por questões publicitárias e de marketing das

deterimento do individual, “pelo pão, pela paz e pela casa”

empresas, de tratamento da “imagem” da empresa, mas

(Fragoso, 2012, pp. 25-26).

também, são contratados para resolver questões visuais ligadas a assuntos sociais e políticos. Não estão só ligados,

Em 1919 na Alemanha, a Escola Bauhaus e os movimentos

por vezes num segundo plano, ao comércio e vendas,

modernistas também vão ser influenciados pelos “ventos”

mas também à informação, instrução e apresentação. A

construtivistas e a acção social que a arte e o design poderão

linguagem visual da persuação volta-se para as questões

ter no quotidiano. O projecto Bauhaus, de vida atribulada,

éticas, sociais e pessoais. O Designer sente que também ele

interrompido pelo Führer Hitler e pela 2ª guerra Mundial,

pode mudar o mundo para um mundo melhor e não tem

vai influenciar toda a educação do design no sentido de uma

que estar em exclusivo ao serviço da sociedade por vezes

educação global, técnica e convergente de vários saberes,

fútil e onde o único interesse é o lucro.

teórico e prático. Depois do seu fecho definitivo em solo alemão, em Berlim de 1933, os principais professores e

Aliás, já na origem da criação das escolas de ensino do

directores seguem para a Europa aliada ou para os Estados

Design no início do séc. XX e que deram significado à

Unidos. Em Chicago em 1937, Moholy-Nagy funda a “New

especificidade da profissão de Designer, residem ideais

Bauhaus” e Walter Gropius é professor de arquitectura em

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Harvard até 1952. Em 1950, Max Bill, ex-aluno da Bauhaus,

pela Teoria Crítica, a Escola de Frankfurt e da contra-cultura

Otl Aicher e Inge Aicher-Scholl, fundam a escola privada

própria do ambiente vivido nos anos 60. “First Things First”,

“Ulm Hochschule für Gestaltung” (Escola de Design de Ulm)

reuniu contra a cultura consumista e tentou adicionar

numa tentativa de rejuvenescimento do estilo Bauhausiano

uma dimensão humanista à teoria de design gráfico e de

de ensino. Fechou em 1968 por problemas finaceiros e

comunicação4. Mais tarde foi actualizado e republicado com

lutas internas. A escola alemã de Ulm defendia o “design

um novo grupo de signatários como o “First Things First 2000

como elemento de utilidade social e o designer como um

manifesto”5 na revista Adbusters em 1999. Este manifesto

condutor da informação (e não um artista), cujo trabalho

relaciona-se directamente com a educação do design pois

era o de dar claridade e ordem na organização visual da

uma grande maioria dos designers que o assinaram também

informação” (Braga, 2011, pp. 18). É aliás Otl Aicher, que

desempenham funções como professores ou colaboradores

cunhou o termo “comunicação visual” para englobar todas

de escolas artísticas e de design, passando esta cultura de

as especialidades num único vocábulo. Este termo indica

interesse social aos seus alunos. Este manifesto continua

precisamente o que significa e ainda hoje se utiliza. Refere-

actual e ciclicamente é recuperado quer em conferências

se a especializações que lidam com o aspecto visual da

ou revistas da especialidade, reescrito, analisado ou ainda

mensagem, como ilustração, tipografia, design interativo,

criticado.

design web, design de embalagem, design de informação, Design,

entre outras.

portanto,

significa

essencialmente

projectar

artefactos ou serviços para determinado grupo ou Apesar de as vozes pós-modernistas serem muito

necessidade detectada, lida com os seres humanos a um

críticas quanto à aura da escola Bauhaus e da verdadeira

nível direto pois tem sempre como finalidade o Outro e

importância da sua herança deixada na história de arte e do

as suas aspirações. O Design desde a sua origem, foi um

design, não deixa de ser marcante o legado desta escola nos

produto de ambições sociais e de diferentes intenções

domínios da metodologia do design, do Design Thinking, de

políticas, culturais e económicas. “O design nunca é

pedagogias aplicadas às artes e técnicas, do Modernismo e

neutro no cenário social” (Braga, 2011, pp. 18). Em termos

do Estilo Internacional, na combinação interdisciplinar do

latos, o design gráfico é um tipo de linguagem, com os

artesanato, artes aplicadas e a industrialização massiva.

seus códigos próprios, que serve essencialmente para comunicar de uma forma visual. Serve para comunicar,

Para concluir esta parte referente ao papel social do Design,

mas igualmente para vender, alertar, informar, entreter,

das escolas percursoras e de alguns momentos chave na

educar e interagir. O design gráfico e de comunicação está,

história do design, torna-se obrigatório referir a publicação

deste modo, submerso na nossa vida quotidiana, social,

em 1964 do manifesto “First Things First” , pelo designer

económica e cultural. O que se verifica e igualmente sendo

inglês Ken Garland e apoiado por mais de 400 designers e

mais uma prova que o design é social e dinâmico, é que os

artistas. Este manifesto foi uma importante forma de reacção

diferentes conceitos e abordagens feitas ao design estão em

3

contra a Grã-Bretanha dos “ricos e abastados” da década de 1960, na tentativa de radicalizar o projecto de design de comunicação que entretanto se tinha tornado “preguiçoso e acrítico”. Reafirmou o conceito de que o Design não é algo isento de valor neutro e baseou-se nas ideias compartilhadas 3  Cópia do manifesto no site de Ken Garland: http://www.kengarland.co.uk/KG%20published%20writing/first%20things%20first/index. html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

4  “...we have reached a saturation point at which the high pitched scream of consumer selling is no more than sheer noise. We think that there are other things more worth using our skill and experience on. There are signs for streets and buildings, books and periodicals, catalogues, instructional manuals, industrial photography, educational aids, films, television features, scientific and industrial publications and all the other media through which we promote our trade, our education, our culture and our greater awareness of the world. ...” Garland, First Things First. 5  Mais informação em http://www.eyemagazine.com/feature/article/ first-things-first-manifesto-2000 (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

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Construtivistas Russos após a revolução de 1917.

alterações culturais, sociais e económicas, bem como, da

Segundo Whiteley, este modelo possui algumas

necessidade que parte dos “actores do design” de produzir

variantes: o designer “radical” do final da década de

conceitos em permanente mutação .

1960 deu lugar ao designer “responsável” da década

6

Segundo Nigel Whiteley vivemos uma condição pósmoderna em que teoria e prática se fundem existindo uma “erosão da distinção entre teoria e prática [que] é sintomática de um desmoronamento maior das fronteiras que separavam disciplinas, áreas de conhecimento e metodologias científicas” (Whiteley, 1998, pp. 63). O conceito de disciplina também ele se alterou em relação aos anos 60, em que o desejo de autonomia se expunha na relação entre a prática e a teoria, “Antes conceituadas como independentes, autónomas e compartimentadas, as disciplinas tradicionais hoje dão lugar à interdisciplinaridade, outro sintoma característico da condição pós-moderna.” (Whiteley, 1998, pp. 63)

de 1970, que nos anos de 1980 começou a dar mais atenção para as questões ambientais. Este designer “verde” ou “ecológico” deu lugar ao designer “ético” da década de 1990, onde passou a perceber o design como um fenómeno visceralmente ligado ao consumo, com uma relação íntima com o sistema político e social. Os partidários desse modelo possuem uma certa tendência a pressupor que tanto o processo de design quanto o de consumo são racionais, onde as pessoas agirão de “forma correta” e tomarão decisões “sensatas” segundo escolhas responsáveis baseadas na informação correcta; - O “designer consumista”; Não é propriamente aquele que consome, mas sim, aquele que projecta

A interdisciplinaridade surge assim como traço identificador na adaptação do design às circunstâncias culturais e sociais do tempo que mora. Whiteley desenvolve uma série de modelos que se relacionam diretamente com modelos de escolas e ensino. Para Whiteley existem cinco tipos de designer, que passo a descrever brevemente. - o “designer formalizado”; o que busca a funcionalidade máxima, herança da dictomia formafunção, é criado em instituições que condenam a parte teórica e até filosófica do design, tendo princípios enraizados no Modernismo e na escola Bauhaus; - o “designer teorizado”; que é o oposto do formalizado, tem grande formação teórica em deterimento da prática, sendo incapaz de relacionar teoria e prática; - o “designer politizado”; ligado ao modelo anterior e com origem nos ideais defendidos pelos 6  Design, then, is not only a process but also a vehicle of ideology and a means of expressing national, institutional or corporate aspirations, a point underlined in the 1980s by the importance given to it in many countries. Increased global competition, mostly brought about by those new dynamics in the world economy, was met by increasing government interest in and promotion of design in many countries. (Julier, 2004, pp.13)

focando sempre o consumo quase em exclusivo.

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permanente alteração em virtude das também constantes

Não possui grande poder teórico nem preocupações políticas ou ambientais. Uma crítica e reacção a esta concepção de designer consumista tem origem na influência exercida pelo livro “Design para o mundo real: ecologia humana e troca social”, de Vitor Papanek, lançado em 1972, que teve como intenção promover uma nova “agenda social para os designers” e repercutiu internacionalmente esta ideia de design atento e crítico. O livro de Papanek e o manifesto de 64 “First Things First” vieram alterar consideralvelmente esta noção de designer e o tomar consciência do designer também como formador de opinião. - O “designer tecnológico”; Em que é desenvolvido um certo fanatismo pelos avanços tecnológicos e informáticos em deterimento de uma reflexão crítica, assemelha-se ao modelo consumista com enfoque na tecnologia. Para Whitley, todos os modelos possuem limitações. Surge assim o modelo ideal, o “designer valorizado” que congrega todas as qualidade dos modelos anteriores, em equilíbrio.

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Para isso é necessário desenvolver um novo modelo de

do Mundo, na preparação de melhores cidadãos através do

ensino, que seja adequado às necessidades da nossa

desenvolvimento da inteligência sensível, da resolução de

sociedade, do nosso mundo e que transforme o estudante

problemas, do estímulo da criatividade e desenvolvimento

num profissional sofisticado, que deve estar bem informado

cognitivo e da destreza manual. O curso técnico e

e capaz de discutir e reflectir de forma crítica, além de ser

profissional insere-se nesta lógica de proporcionar aos

criativo em termos de projecto. O futuro profissional deve

alunos competências técnicas e habilidades que os prepara

ter pleno conhecimento dos valores do design, além de

para uma futura profissão. Na escola em questão, o objectivo

saber conciliar e unir teoria e prática, de forma construtiva.

vai para além da destreza pois como escola exclusivamente artística há mais de 30 anos acreditamos que as Artes e o

É neste modelo de designer valorizado que se situa o

Design poderão ser um elemento chave de compreensão e

modelo da escola onde os estudos de caso ocorreram.

mudança do mundo.

Com preocupações sociais e culturais, trabalhando com a comunidade e as instituições vizinhas à escola, o

A arte e uma educação artística poderão tornar-se

curso técnico de Design Gráfico tem como inspiração os

elementos-chave para uma consciência do eu e do outro,

prinicpais temas do programa da UNESCO de Educação

de uma cultura de responsabilidade e afirmação do futuro

para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) de forma a

cidadão autónomo, de julgamento sobre o real. A construção

que os alunos tenham uma consciência e sentido crítico

da educação do olhar sensível, segundo Sílvia Pilloto

daquilo que os rodeia. Desta forma também se pretende

baseada em Paulo Freire, é um dos objectos de pesquisa

que estejam preparados para um futuro incerto mas que

no campo da Educação e Arte e uma das preocupações da

a resolução de problemas e as questões multidisciplinares

escola na actualidade. Trata-se de um olhar que “amplia

e inter-temáticas sejam estruturais a qualquer tarefa ou

as leituras do mundo”, não um olhar exclusivamente

profissão.

unidirecional e centrado na realidade puramente visual, é

7

Interessa então esta dimensão social e preocupada do design, do seu ensino e do futuro profissional dos jovens. Pois é esta dimensão “valorizada” ou com outro valor para além do valor do consumo e das “imagens de marca”, que se relaciona directamente com a Educação, para o bem e para a construção de um futuro melhor. Pressupõe a ideia de uma transformação positiva na pessoa através de uma actuação ética. Logo, ao educarmos alguém, estamos a transformar essa pessoa em alguém melhor, estamos a transcender e a passar uma determinada cultura de valores para a construção de uma sociedade melhor. Pressupõe igualmente, pela parte de quem educa, ser um agente de mudança ética. A educação para a cidadania respeita e acata os valores essenciais no ensino artístico de descoberta e exploração 7  Mais informações em http://www.unesco.org/new/en/education/ themes/leading-the-international-agenda/education-for-sustainabledevelopment/education-for-sustainable-development/ (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

um olhar aberto a outros sentidos e complexo na sua análise (Pilloto, 2008, pp. 10). É uma leitura sensível, para além da descodificação mecânica, que permite uma compreensão mais profunda do mundo e prepara os futuros cidadãos para uma interpretação crítica do que os rodeia, implicando a percepção das relações entre texto e contexto. As artes, deste modo, podem ser um veículo promotor da união de diferentes classes e extractos sociais, de diferentes etnias e de trocas culturais, podem desenvolver capacidades em outras aprendizagens e saberes, reforçam o diálogo entre pares e entre educadores e alunos. A educação artística e do design pode também ser um veículo para o questionamento da actualidade e consequente construção e compreensão de uma consciência ética sobre a obra, o objecto e a sua utilidade e vida. Apresentados tão vastos objectivos e argumentos para um ensino das artes e do design, a posição do professor será a de guiar os alunos neste território ao mesmo tempo consolidando os alicerces para uma futura profissão. A escola artística deve estar intimamente ligada

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ao trabalho, tendo vários professores responsáveis e guias

o diálogo da multiplicidade dentro da diversidade.

deste percurso. Os tempos de aula são vistos como pontos de encontro de forma a analisar o decurso do projecto, são feitos pontos de situação semanais, revertidos em avaliação

2. Estudos de Caso

à disciplina e auto-avaliação dos alunos e professores.

Os estudos de caso aqui apresentados correspondem a projectos que têm em comum terem sido realizados na Escola Artística e Profissional Árvore (EAPA) no curso técnico de Design Gráfico e a alteração do habitual espaço da aula, a sua deslocação e consequente estrutura da aula, matérias leccionadas, ritmos de trabalho e interacção com os colegas, técnicos e professores. Como atrás foi referido, os cursos da escola são de nível de ensino secundário (pré-universitário), profissionais e artísticos, todos ligados ao design e às artes, a saber: Animação 2D/3D, Conservação e Restauro, Desenho Digital 3D, Design de Equipamento, Design Gráfico, Design de Moda e Multimédia. A componente das disciplinas tecnológicas é comum a todos os cursos, e no caso específico do curso de Design Gráfico, existem duas disciplinas fundamentais: Oficina Gráfica onde se leccionam os conteúdos relativos às ferramentas digitais e não digitais e Design Gráfico, onde se leccionam questões relativas à criação e ao projecto de comunicação visual. Estas disciplinas tem grande articulação e, apesar de serem dadas por professores diferentes, são coordenadas entre si através das propostas de trabalho e dos projectos. O trabalho em equipa extende-se também

A escolha dos estudos de caso deveu-se a serem projectos em que se estavam a experimentar outras formas de leccionação e deram-se no tempo da investigação, onde um certo olhar mais atento teve lugar. Interessava entender os processos e consequências da mudança do habitual espaço da aula, do contacto e projectos com entidades fora do sítio seguro que é a escola, as diferentes abordagens do papel do design gráfico e de comunicação na sociedade digital e da imagem, bem como, o papel do professor-guia e do alunoautor em paralelo com um percurso escolar. A metodologia de análise situou-se na observação directa e em entrevistas abertas, na construção de episódios de vida dos alunos. À observação seguiu-se a posterior análise, reflexão, diálogo,

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com o meio e os seus produtores, insere-se no real e procura

confronto e escrita também com os jovens. Daí por vezes a escrita adquirir uma forma de “relato” algo pessoal, por ser vivida pela autora no seu duplo papel de professora e também investigadora. A sala de aula transforma-se assim num espaço de acção e reflexão, num “laboratório” de experiências que não são necessariamente exemplares, são episódios vividos que valem o seu relato pelas experiências e reflexões produzidas.

a outras disciplinas, nomeadamente na construção

Os alunos hoje são estimulados por múltiplos aparelhos

de conteúdos, em trabalhos de pesquisa ou na escrita

e interfaces, vivem num mundo mediatizado em que o

da memória descritiva de cada projecto. O curso têm

conhecimento não é construído necessariamente numa

enúmeras parcerias com entidades vizinhas ou empresas,

sala de aula. O clássico isolamento da sala de aula e da

faz regularmente projectos que simulam uma situação

escola, como uma entidade protetora e de alteração per

real de trabalho, são projectos que mais tarde são de facto

si do indivíduo, está distanciada da realidade vivida. “As

aplicados e produzidos. Serve esta contextualização para

formas tradicionais de práticas lectivas e abordagem

melhor se entender a mecânica de trabalho do curso:

curricular estão em exposta discordância, com as actuais

há um pedido de uma entidade, nas várias disciplinas e

dinâmicas do conhecimento e da aprendizagem, num

com um calendário pré-determinado trabalha-se para o

mundo fortemente mediatizado que é o dos nossos alunos.

pedido, entrega-se o projecto e cada disciplina avalia as

Os novos media interactivos, em associação com as vastas

competências inerentes aos conteúdos leccionados, na

bases de dados dos velhos media, suscetíveis de rápida

maioria das vezes adaptando à situação real. Os alunos

digitalização, estão a revolucionar os tradicionais conceitos

têm que fazer todas as diligências e contactos inerentes

sobre educação e tornam possíveis novos contextos sociais

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e culturais de aprendizagem.” (Rodrigues, 2011, pp.33)

da professora Sara Lopes para o mestrado em Ensino das

O apetecível “mundo lá fora” entra constantemente

Artes Visuais no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino

na aula, através de múltiplos interfaces e mecanismos.

Secundário da Faculdade de Filosofia da Universidade

Ao mesmo tempo, o ensino particular do design não se

Católica Portuguesa.

faz desfasado da realidade, o design é um exercício de projectar para o outro, para a necessidade detectada nesse mundo. Nesta mediação de forças encontra-se o professor com as obrigações de executar um programa definido, num calendário estabelecido e uma lista obrigatória de objectivos e competências. A complexidade, a diversidade, a interacção e a multiplicidade dos suportes são conceitos desfasados da estrutura normativa do curriculum. Mas a realidade vivida na sala de aula coloca a necessidade e pressão na mudança. Esta mudança torna-se mais urgente quando falamos de um ensinar preocupado e apaixonado no sentido de um envolvimento como sujeitos fomentadores da aprendizagem mas também como autores e parceiros dos jovens alunos.

Este projecto seria posteriormente alvo de concurso (“Grande C”) promovido a nível nacional pela AGECOP (Associação para a Gestão da Cópia Privada)9. Toda a proposta de trabalho segue metodologias e formas de abordar as questões do design gráfico inseridas na lógica do curso e da práctica lectiva. A propósito de uma reflexão sobre o plágio, a relação ética e deontológica com os direitos de autor e conexos, escolheuse o formato de livro para desenvolver um projecto de design gráfico que uniu alunos, professores e técnicos. Com pleno domínio de todas as fases, desde a concepção, passando pelo desenvolvimento de conteúdos, montagem e finalizando na produção e acabamentos, este projecto pôs à prova a capacidade da turma e da escola na produção do

Os casos de estudo têm características diferentes: o primeiro, o livro “Tipografia em Ambiente Urbano” pretendeu abrir o debate às questões sobre a cópia, o plágio e a inter-relação de técncias tradicionais e artísticas de impressão (serigrafia) com as técnicas digitais de aquisição e tratamento de imagem, composição de texto e construção de um livro; O segundo projecto, “Tecer Outras Coisas”, enquadra-se num espaço de diálogo e construção entre alunos, professores, artistas, designers e ex-empregados do setor têxtil em regime de voluntariado; O terceiro projecto, “Raiz” é o resultado de uma Prova de Aptidão Profissional (PAP) , prova obrigatória 8

e pública que permite a conclusão de um curso profissional e que deverá ser um projecto demonstrador dos saberes adquiridos ao longo de todo o percurso escolar;

Livro Tipografia em Ambiente Urbano Nasce no contexto de ensino profissional do curso técnico de design gráfico, e igualmente, num contexto de estágio 8  Mais informações em https://dre.pt/pdf1sdip/2013/02/03301/0000200009.pdf ou em http://dre.pt/ pdf1s/2004/05/119B01/00290038.pdf (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

objecto. Alunos, professores e técnicos juntaram-se ladoa-lado num propósito de construção emergente de um artefacto que aborda as questões técnicas do design gráfico e artes gráficas, mas também, as questões conceptuais, clarificadoras do caminho percorrido, da identidade e dos significados. Pretende-se reflectir sobre um projecto complexo, original e ambicioso, que encerra em si mesmo uma ideia completa de ensino artístico contemporâneo, experimental e transdisciplinar. O concurso pretendia que as escolas trabalhassem peças originais executadas por alunos, próprias dos meios de comunicação a que eles diariamente acedem, ganhando desta forma uma consciência sobre o plágio, os direitos de autor e conexos. O desafio era o de criar uma peça completamente original em que os conteúdos (imagem e texto) fossem exclusiva responsabilidade dos alunos. Na disciplina de Design Gráfico os conteúdos a leccionar seriam precisamente os relativos ao módulo “A Imagem”. As professoras ao terem conhecimento deste concurso de imediato formularam um projecto em que a imagem fosse discutida sob o ponto de vista, primeiro da sua observação, segundo, da sua aquisição, e por fim, da sua análise e 9  Mais informações em http://www.agecop.pt/ (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

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circundante à escola e iniciaram o passeio pela cidade. Esta proposta continha também uma componente lúdica e de envolvimento entre os intervenientes importante para o conhecimento mútuo e de reflexão sobre a cidade que habitamos. Cada aluno com a sua máquina fotográfica, enquadrava, focava, na tentativa da procura de cada letra na sombra ou reflexo do pormenor capturado. Nesta busca, o olhar percorria os edifícios e a luz de uma cidade marcada pela história e

património.

Desvendavam-se

“coisas que nunca tinha visto”, nas palavras de uma aluna, pela Imagem 1 – (no sentido dos ponteiros do relógio) Capa, duas páginas e impressão do livro em serigrafia.

contextualização. Como a escola se situa em pleno centro histórico da cidade do Porto e património da humanidade10, a ideia de descobrir pelo olhar atento a cidade sob o pretexto de uma visita foi encontrada. O formato livro surgiu na lógica da necessidade de registo de 23 alunos juntos numa única peça. Seria impresso em serigrafia, cosido e colado na Oficina Gráfica, numa edição de 50 exemplares. Chegou-se ao título “Tipografia em Ambiente Urbano” por tema e conteúdos se basearem na descoberta de formas tipográficas na malha da cidade, na composição atenta da tomada da fotografia e na consciência sobre o copyright e os direitos de autor.

distracção de quem passa por ali

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professoras saíram para a zona

todos os dias. Já em aula, cada aluno procedeu

à selecção das imagens e ao processo de retoque, enquadramento e composição nos planos de impressão. De seguida os alunos escolheram três palavras iniciadas pela sua letra que relacionassem significados e conceitos com as imagens captadas. Produziram-se conteúdos textuais originais ou devidamente identificadas as suas fontes. Depois de múltiplos testes, correcções e retoques procedeuse à impressão final. Todos os cadernos foram impressos em serigrafia a uma e três cores. Seguiram-se os acabamentos, coser os cadernos, montagem, colagem e encadernação do livro. Assim se realizou um livro de originais em que alunos

Um dos objectivos primordiais seria o de educar o olhar dos alunos através do uso da máquina fotográfica, do enquadrar a composição e descobrir o “para lá” do primeiro plano, do óbvio. A tipografia aqui surge como um pretexto para esse treino do olhar e da composição, de forma a existir um objectivo claro na procura dentro da textura da cidade, algo para descobrir e enquadrar. Ainda na sala de aula, a cada aluno foi sorteada uma letra do alfabeto. Toda a turma e 10  Mais informações em http://whc.unesco.org/en/list/755 (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

e professoras, se transformam em criadores, autores e originais. A complexidade deste projecto reside nas múltiplas dimensões que detém: a conceptual, a oficinal, a técnica, a da produção e execução da obra gráfica; esta complexidade é verificada também por ser uma obra colectiva em que a contribuição de cada um é primordial, a falta de uma destas partes poria em risco toda a construção do livro. Só foi possível a sua concretização se todos os alunos colaborassem

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para o mesmo, fossem responsáveis na sua individualidade, tornando-se, não só uma obra gráfica per si, mas também uma obra colaborativa, em que cada indivíduo detém uma importância para o todo formado pelo grupo-turma. De referir outra dificuldade, transformada prontamente em desafio, que foi a circunstância de a proposta congregar métodos de trabalho digitais, não-digitais e oficinais em diferentes fases metodológicas. A falha de apenas uma parte ou fase metodológica poria em risco todo o projecto final sendo que tal só foi ultrapassado por uma tomada de consciência do grupo da sua importância, de constante atenção ao ritmo e dinâmica no trabalho diário. Ensinar design através da cidade e da tipografia é, consequentemente, um ensinar implicado sobre o que nos rodeia, é a tentativa de explicar e compreender o mundo da informação e da imagem, é dissecar e estruturar em contínuo processo de troca, é sobre valores e conteúdos. A partilha desses valores culturais entre pares, professores e alunos é de uma enorme riqueza. O ensino assume aqui um papel aparentemente lúdico, de envolvimento entre as pessoas e a cidade numa clara relação de respeito e descoberta.11

Tecer Outras Coisas O projecto Tecer Outras Coisas (TOC) está localizado numa sala da empresa têxtil Coelima, em Pevidém, Guimarães. Surgiu da vontade de um artista e também professor na EAPA, Max Fernandes (imagem 2), de fazer um projecto assumidamente artístico, um projecto auto-sustentável apoiado pela Junta de Freguesia e Câmara Municipal, que aliasse a EAPA (professores e alunos), os voluntários (exempregados da indústria textil e moradores na freguesia) e artistas ou designers convidados. É um projecto apaixonante para o seu criador e para os seus intervenientes. Todos estão lá por mote próprio e com uma enorme vontade de aprender-ensinar o que sabem. Os alunos participam neste projecto dentro do estágio curricular (ou Formação em Contexto de Trabalho, denominada de FCT) a tempo inteiro, durante quatro semanas, 8 horas por dia. Vivem e convivem diariamente com os voluntários, professores e artistas. Aos alunos é pedido que dialoguem, interajam e construam projectos ligados ao design de moda ou ao design gráfico em conjunto com os voluntários e artistas. Os alunos, numa primeira fase, definem que metodologia e conceito irão implementar de forma a chegar a um objectivo previamente traçado. Os voluntários também ajudam a definir estratégias e metodologias, dentro da sua área de conhecimento ou apenas, dando a sua opinião. Os voluntários são parte activa e assumem o papel, por vezes de técnico maquinal e repetitivo, ou de igualmente, interveniente na acção, determinantes no fio condutor do projecto. Aqui o papel tradicional do professor adquire outra dimensão. Ele tornase um “guia” nas pesquisas, alguém que acompanha o projecto dos alunos e voluntários, o orienta e que o leva a tomar decisões baseadas na responsabilidade individual e na ética. Há relações que se constroem e transformam, não

Imagem 2 – Encontro em Fevereiro de 2012 entre voluntários, Max Fernandes e a artista Carla Cruz para a execução do projecto “Rastilho” a apresentar em Outubro de 2012 em Guimarães, na Capital Europeia da Cultura. 11  “In order to get citizens to think critically about their environment, we suggest walking as an aesthetic practice, and the creation of pictures as a personal artistic intervention. In this sense, calligraphy and typography should be considered an important graphic resource in art education exercises, and used by teachers to educate.“ (Huerta, 2010, pp. 80)

por imposição da sua autoridade, mas sim, por descobertas e vontade de percorrer um caminho comum, o do aluno com o professor. Para o professor alteram-se igualmente as questões de conhecimento e domínio da “sua” matéria pois deixa de ser a do campo exclusivo do seu domínio para alcançar territórios longíquos. Sem um objecto ou objectivo definido, sem a meta a atingir, os voluntários e alunos tem

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que decidir, fazer escolhas e conceptualizar uma ideia,

O que sobressai neste projecto tão original é a premissa

todos juntos. Alunos e voluntários tornam-se por vezes

de uma ideia de sustentabilidade social, do projecto

professores, quando partilham experiências e saberes uns

comunitário, que junta gerações e indivíduos com

com os outros, passando a informação que sabem, numa

variados conhecimentos de diferentes áreas e níveis do

partilha constante.

conhecimento. É um projecto assumidamente artístico e de

Tudo é executado em grupo, decisões e criações. “A

design social, contendo a ligação à comunidade e à escola:

não formalidade é uma fragilidade” , segundo Max

pessoas aprendem e ensinam umas com as outras pela

Fernandes. No entanto, penso que esta fragilidade pode

sua experiência com o mundo, pelos seus conhecimentos

ser transformada em uma qualidade pois abre a criação ao

adquiridos, vividos. “Urge que designers, não apenas

imprevisto, ao casual e até ao erro, está criado um enorme

através do seu trabalho, mas também pela sua vivência,

campo aberto de possibilidades. A rigidez das estruturas leva

exerçam sua cidadania com mais plenitude” (Miyashiro,

a uma quebra quase inevitável, esta flexibilidade e tolerância

2011, pp. 83). Acrescento que urge na educação dos futuros

abrem um imenso campo criativo de exploração, de partilha

designers que a componente da cidadania seja incorporada

e sobretudo, pronto à transformação e à renovação. Não

no trabalho efectivo e de forma estrutural na formação, que

sendo algo rígido, controlado por uma entidade, nem

os alunos tenham uma experiência concreta e responsável

autoral, a presença do colectivo é permanente, fomenta

com o design.

12

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Imagem 3 – Algum do material gráfico produzido no TOC; (no sentido dos ponteiros do relógio) Identificador visual para o projecto, Identificador e economato para o projecto “Construir”, material de informação do TOC e cartaz para um desfile da colecção de moda para criança.

uma energia criadora saudável, sem liderança ou subalternos, sem hierarquias numa vontade comum de criar, fazer, aprender, aprenderfazendo. Promove uma relação afectiva entre os intervenientes sem compromissos formais, propicia um ambiente de vontade comum, de troca de experiências no domínio profissional mas não só, histórias de vida são contadas, dramatizadas e exploradas. Sem a lógica da productividade e da reprodução em série, foram executadas coleções de moda para crianças e adultos, publicações e obras de arte.

12  Em entrevista concedida a 21 de Dezembro de 2011;

Imagem 4 – Parte da exposição final do material gráfico produzido no TOC.

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O design gráfico tranaforma-se igualmente numa ferramenta poderosa de comunicação, educativa e de união entre as pessoas envolvidas. Surge a invulgar relação que se produz entre os voluntários, alunos e professores/artistas ou designers à volta do artefacto e do que ele quer transmitir. Torna-se um lugar de experimentação e independência na acção de cada um em atenção, ou como primeiro objectivo, o colectivo. “Today, professional design practice involves advanced multi-disciplinary knowledge that presupposes interdisciplinary collaboration and a fundamental change in design education. This knowledge isn’t simply a higher level of professional education and practice. It is a qualitatively different form of professional practice. It is emerging in response to the demands of the information society and the knowledge economy to which it gives rise.” (Friedman, 2012, pp 150)

Imagem 5 – Diogo Machado, autor do projecto RAIZ.

ligação, essa forma de estar”13. Acresce-se à atitude das relações entre corpos docentes e discentes o que o Diogo entende por conhecimento adquirido. Na sua opinião, o conhecimento mais interessante e cativante pode ser transmitido fora do conteúdo da aula “nem o aluno quer só receber o conteúdo-aula, quer é receber outro que esteja fora”. Prossegue que era mais interessante os poucos minutos de intervalo do que propriamente a aula “por vezes,

O projecto RAIZ

aqueles 10 minutos (depois da aula acabar) depois de uma

Aos alunos finalistas do curso técnico de Design Gráfico, foi dado o desafio de encontrar um problema e tentar uma solução, dentro do tema geral de “Educação para o Desenvolvimento Sustentável” (EDS), segundo a UNESCO. Diogo Machado (imagem 5) sentiu que a troca e transmissão de conhecimentos na

comunidade

escolar

(entre

professores, alunos, artistas, designers e técnicos) poderia ser melhorada. Surgiu desta forma a ideia de fazer um projecto que conseguisse unir a comunidade em torno da arte e do design, vistos como um todo. A ideia nasceu quase naturalmente, a partir das experiências tidas ao longo dos 3 anos de formação. Segundo

as

palavras

do

Diogo,

“professores, alunos e funcionários para mim eram todos iguais, na [escola] Árvore sempre me ensinaram isso, essa

Imagem 6 – Conceito gráfico do identificador do projecto RAIZ. 13  Em entrevista concedida a 21 de Janeiro de 2013;

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e professores podem realmente fazer no bairro e na cidade.

continuar mais”. A análise do Diogo ao “conteúdo-aula” e

É um espaço amplo para apreciar a aprendizagem baseada

“conteúdo-fora da aula” afere uma relação afectiva com o

na transmissão de conhecimento, sem as barreiras clássicas

conhecimento e a aquisição de informação. Num ambiente

entre professor (mestre) e aluno (o aprendiz).

mais descontraído, sem o rigor do planeamento e do tempo a passar, surge um conhecimento tácito, implícito, que

A estrutura principal de cada projecto final do curso de

perdura e ganha acrescida importância a quem aprende.

design gráfico é testada ao longo dos três anos do curso. É um

É quase um aprender sem dar conta disso, pelo diálogo e

projecto multidisciplinar onde é lançado um tema-desafio

interacção com os outros.

incial e estruturador escolhido pelo conjunto de professores

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tarde, davam-me conteúdo e margem de manobra para

Imagem 7 – Conceito gráfico do identificador do projecto RAIZ.

O espaço RAIZ foi então pensado para desenvolver a

da turma. Os alunos, mediante uma problemática associada

“produção cultural”, uma forma de trazer uma nova energia

à EDS, escolhem o que querem estudar e desenvolver.

às relações dos seus membros. É uma espaço de troca

O grupo de professores transforma-se num grupo de

cultural através da arte e do design, para a “transmissão de

guias e conselheiros do projecto, em fases previamente

experiência e conhecimento”, um espaço para “fomentar

determinadas, professores e alunos apresentam, discutem

sinergias (...) a alunos com ideias inovadoras e geradoras de

e avaliam cada projecto. A metodologia das aulas é uma

efectiva mudança artística e social”, nas palavras do Diogo,

combinação de metodologia de projecto com didáticas

no seu relatório final do projecto.

associadas à prática lectiva. (imagem 7)

RAIZ foi concebido para ser um espaço físico dentro da

Todo o projecto é desenvolvido com diferentes professores

escola, bem como, uma plataforma “digital”, um site e uma

e alguns convidados (ex-alunos, grupos de teste ou público-

página no Facebook. Pretende ser uma forma de promover

alvo, profissionais de áreas específicas, entre outros) que

a escola fora dos seus domínios, para divulgar o que alunos

formulam perguntas, fazem apresentações e reflexões,

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avaliam, tendo um papel interventor e, por vezes, decisivo. RAIZ levou três meses a ser desenvolvido e finalizado. O tema-desafio lançado à turma foi “30 anos da Escola” a ser tratado dentro do programa EDS. RAIZ começou com a sensação de que a comunidade escolar, que integra alunos, professores e técnicos, estava distante, não tinha um local específico para o desenvolvimento de projectos e conhecimentos fora do currículo escolar. Do problema detectado, o projecto evoluiu para uma solução, a criação de um espaço, não necessariamente físico, mas também uma plataforma digital, e mais importante de tudo, um lugar conceptual de “transmissão e conhecimento”. RAIZ poderia ter uma sala, um site ou uma página no Facebook, mas o mais importante foi a discussão e reflexão que gerou no grupo professores-alunos ao longo do caminho da sua criação. Da entrevista feita ao Diogo a propósito deste projecto, é interessante ele salientar, com a distância de 6 meses após a sua finalização, a importância de um ensino artístico, não necessariamente feito de técnicas e objectos belos, mas sim, que serve essencialmente para nos pôr a pensar e a interagir com os outros: “o ensino artístico vive de seres pensantes, algo que se transmite e se dá a conhecer, comunica”.14

Imagem 8 – Cartaz final do projecto RAIZ.

RAIZ pode ser então uma exposição ou um livro, é

do cartaz. A construção e conceito da imagem principal do

suficientemente flexível para ser transformada ano após ano,

cartaz segue a estrutura de “reconstrução” do elemento

enquanto os alunos e professores assim o quiserem. Diogo

humano formado por partes de professores, alunos e

desenvolveu a sua ideia a partir de duas fontes: o projecto

técnicos, formando um só. É a representação e tradução

educativo da escola Árvore e do conceito de coworking.

gráfica do elemento da reciprocidade e transmissão como

As palavras-chave foram: conhecimento, intercâmbio e

solução para o problema inicial.

15

transmissão. Daí evoluiu para estudar o significado de “professor” e “aluno”, o papel de cada um deles, estudar

Todos os outros elementos foram desenvolvidos seguindo

as diferentes pedagogias e estratégias, realizou entrevistas,

a mesma lógica, a construção de um espaço comum com

chegou ao conceito de Deleuze e Guattari de Rizoma. A fase

a participação dos vários actores. No final do ano lectivo e

seguinte foi a de construir o projecto relativo à comunicação

dentro das comemorações oficiais dos 30 anos da escola,

e ao design gráfico, a parte prática após a especulação. A

RAIZ criou uma exposição e um catálogo na Casa Sandeman,

abordagem visual foi sendo definida pela pesquisa, onde as

vizinha do edifício da escola, no Jardim da Cordoaria. Todos

palavras-chave deram origem a um identificador e à imagem

os projectos executados na escola até ao momento que

14  Em entrevista concedida a 21 de Janeiro de 2013; 15  Mais informação no site da escola, em http://www.arvore.pt (último acesso em 31 de Janeiro 2014);

envolviam a comunidade e a relação da escola com outras instituições foram identificados e documentados.

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foca-se a importância do projecto no processo de construção e criação, e ainda nas relações produzidas

neste

caminho

de

aprendizagem. Afinal, aprender é também um processo, não é um produto. O processo de fazer um artefacto é também um caminho de construção e reconstrução do conhecimento, bem como, o processo de construção de significados subjectivos que cria limites emocionais e afectivos numa turma, numa escola e num bairro. RAIZ é um projecto individual para uma comunidade, um espelho de si, uma forma de entender e ordenar o mundo em si

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importante da prova, mas sim,

mesmo.

A

educação

sido

vista

em como

design um

tem

ensino

eminentemente práctico, baseado em conceitos universais sobre a forma, criados por escolas modernistas, como a Bauhaus ou Ulm, ou movimentos artísticos como De Stijl. Esses conceitos resolveram vários problemas e Imagem 9 – Páginas do catálogo da exposição Casa Sandeman.

mostram-se

muito

úteis

para

ensinar a composição, a ordem e hierarquia, e compreender a

O projeto RAIZ também exemplifica como o design de

percepção visual, por exemplo. O que eu posso observar

comunicação pode ser uma ferramenta poderosa na

nas minhas aulas é que os alunos podem facilmente

construção do conhecimento, como os alunos ativamente

resolver os exercícios apresentados e comentar os exemplos

podem construir e reconstruir conhecimento, das suas

mostrados, mas é necessário um enorme esforço para fazê-

experiências no mundo. Como conseguem eles construir

los trabalhar e aplicar num projecto, onde esses conceitos

a sua identidade como “seres pensantes” que assumem

são obrigatórios. A universalidade dos métodos modernistas

e se identificam. E igualmente como o podem expressar

não se aplica a questões mais profundas e pessoais, que

em productos funcionais e próprios da comunicação

só podem ser respondidas na nossa rotina diária, pois

gráfica. O produto final, que não se assume como o mais

são questões que normalmente estão relacionados com

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questões culturais locais, pertencendo a um determinado

Mais do que formalidade e aspecto dos artefactos

legado que nos rodeia e faz parte de nós. Por outro lado,

produzidos, a aula de design deverá ser uma reflexão sobre

os alunos tendem a resolver melhor os problemas que lhes

o processo de ensino e de aprendizagem, uma tomada

são particulares, que questionam a sua posição no mundo

de consciência sobre o mundo que nos rodeia, uma

e a sua individualidade. A universalidade da forma e o rigor

preocupação da posição individual em relação ao colectivo,

das grelhas não conseguem dar uma resposta satisfatória.

não esquecendo um olhar para o passado em termos

Também aqui são importantes as questões identitárias e

históricos e tecnológicos de forma a abordar o futuro

que confere uma certa originalidade ao artefacto. Torna-se

encarando-o com a naturalidade da aprendizagem de mais

mais empolgante produzir e interagir com públicos-alvo que

uma ferramenta e conceito.

existem e com os quais nos identificamos, do que algo ao nível da simulação, do abstracto e pouco tangível. Se por um lado os alunos precisam dessa resposta do que os envolve a

3. possibilidade de resposta às questões iniciais

um outro nível, o que podemos observar é uma percepção filtrada pela singularidade da nossa própria cultura e do

Dos diferentes casos de estudo, podemos retirar alguns

lugar onde podemos interagir.

caminhos

de

resposta,

algumas

possibilidades

de

caminhada. O Design gráfico e de comunicação, permite-nos enquanto

Do primeiro caso de estudo – Livro Tipografia em Ambiente

profissionais criar, inovar, redesenhar, construir, construindo-

Urbano – os alunos, técnicos e professores trabalharam lado-

nos

profissionais,

a-lado na construção de um livro único e completamente

encontramo-nos em permanente mutação, pois o trabalho

original. A cooperação e a igualdade provocam uma energia

nunca se repete, não se cria a rotina nem a monotonia

renovadora, ligações afectivas e emocionais que conduzem

inerente, por isso, “permite a satisfação profunda que

a uma aprendizagem implícita, para além da matéria

provém apenas de levar uma ideia a bom termo e ao seu

abordada. É no trabalho de equipa, na responsabilidade

desenvolvimento efectivo” (Papanek, 2007, pp. 9).

individual perante o grupo que nascem ensinamentos de

igualmente

enquanto

pessoas

e

respeito, igualdade, liberdade e cooperação. Ao mesmo Quando se unificam o design gráfico, o ensino profissional,

tempo foram abordadas as questões ligadas à construção da

a educação artística e a sustentabilidade social, então

imagem, à cópia e plágio, tão constantes numa sociedade

temos todo o potencial, enquanto professores, de formar

digital da informação.

jovens preocupados e interessados em dar o seu contributo enquanto pessoas idóneas e coesas. Ensinar design é,

Do segundo caso de estudo – Tecer Outras Coisas –

consequentemente, um ensinar implicado sobre o que nos

onde uma comunidade sem escolariedade luta por uma

rodeia, é a tentativa de explicar e compreender o mundo

dignificação do seu trabalho em conjunto com artistas e

da informação e da imagem, é dissecar e estruturar em

estudantes, podemos verificar uma sala de aula num lugar

contínuo processo de troca, é sobre valores e conteúdos.

“fora do sítio”. Sem o edifício escola e todas as suas regras

É também uma actividade da insatisfação, da resolução de

e horários, um grupo de alunos conseguiu ouvir, perceber

problemas nem sempre com sucesso, feita das tentativas

quais as necessidades e problemas, desenvolver um plano

e do percurso, de caminhos percorridos que nem sempre

de resolução e dar resposta de uma forma autónoma. A sala

deslumbram a meta, da experiência que falha e faz outra

de aula fora do sítio é o mundo “fora da escola”, uma escola

vez, da tentativa-erro, do acaso e da procura.

dentro do mundo e não um lugar fora, uma escola que cria

É na procura do “designer valorizado” de Whitley, que se

laços emocionais para uma aprendizagem com sentido.

encerram as questões inerentes à aula de design, para um

O lugar da escola, afinal, não deverá ser tão diferente do

“ensino valorizado”.

mundo real fora da escola, afinal o lugar de aprendizagem

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“It does not matter whether the individual ends up

distanciou da realidade prática do dia-a-dia e já não é o

becoming a professional artist: the important thing is

lugar exclusivo onde se aprende tudo.

that the direct experience of art makes the individual.” Anthony Gormley (Hickman, 2005, pp. 10)

O último caso de estudo – projecto Raiz – a relação com a comunidade que circunda a escola e criar um projecto de

Referências Bibliográficas

união entre alunos, professores, funcionários, técnicos e artistas. Um lugar de diálogo que a escola também o deverá ser. Os alunos tornam-se autores, fazem o seu projecto, desenham o seu percurso, definem as suas metas, repensam sobre a escola onde estiveram 3 anos e o seu futuro. Tornamse autónomos no fazer, no falhar e experimentar. A escola deverá ser um espaço de inovação e criatividade. As artes e o design são ferramentas poderosas para se criarem esses espaços, bem como, o desenvolvimento da autonomia do aluno. A autonomia será a “arma” para o futuro. Numa escola profissional, mais do que bons técnicos e preparados para o mundo do trabalho, interessa desenvolver a autonomia e a resolução de problemas, pois serão as únicas ferramentas, que poderemos com toda certeza, hoje prever em relação ao futuro profissional. Enquanto “alunosautores” podem iniciar essas valências e

Almeida, V. (2009). O Design em Portugal, um Tempo e um Modo - A institucionalização do Design Português entre 1959 e 1974. Tese de Doutoramento. Lisboa: FBAUL. Braga, M. d. (2011). Introdução. In M. d. Braga, O papel social do design gráfico (pp. 9-24). São Paulo: Editora Senac. Curtis, M. C. (2011). A dimensão social do design gráfico no construtivismo. In M. d. Braga, O papel social do design gráfico (pp. 2544). São Paulo: Editora Senac. De Moraes, D. (2010). Metaprojeto, o design do design. SãoPaulo: Blucher. Flusser, V. (2010). Uma Filosofia do Design. Lisboa: Relógio D’Água Editores. Fragoso, M. (2012). Design Gráfico em Portugal, formas e expressões da cultura visual do século XX. Lisboa: Livros Horizonte. Friedman, K. (1997). Design Science and Design Education. In P. McGrory, The Challenge of Complexity (pp. 54-72). Helsinki: University of Art and Design Helsinky UIAH.

essas ligações.

Friedman, K. (2012). Models of Design: Envisioning a Future Design Education. Visible Language , 46, pp. 132-154.

Os projectos em design são metodológicos, seguem

Garland, K. (n.d.). First Things First. Acedido em Janeiro 31, 2014, de http://www.kengarland.co.uk/KG%20published%20writing/ first%20things%20first/index.html?utm_source=twitterfeed&utm_ medium=twitter

um programa de resolução de problemas definido pelo alunoautor. Tem objectivos concretos e passam pela experimentação de soluções onde criatividade, iniciativa, espontaniedade, imprevisto, o erro e falha acontecem, a

Hickman, R. (2005). Why we make Art and why is Taught. Wiltshire: The Cromwell Press.

criativa à resolução do problema.

Huerta, R. (2010). I Like Cities; Do You Like Letters? Introducing Urban Typography in Art Education. The Author. Journal compilation , 29 (1), pp. 72-81.

A escola do séc.XXI deverá ser então um espaço de diálogo,

Julier, G. (2004). The Thames & Hudson Dictionary of Design since 1900. London: The Thames & Hudson.

resposta na maioria das vezes é uma resposta conceptual e

de liberdade e de contacto com o mundo, não ser um esconderijo protector. Um lugar onde o aluno escolhe o seu trajecto, define os seus objectivos, sente a necessidade de aprender as ferramentas para concretizar o seu objecto, conforme as suas necessidades. Um lugar de ideias, conceitos, criatividade, imaginação, um lugar de autores e de professores co-autores.

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pode ser o mundo cá fora, pois a escola cada vez mais se

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Os desafios teórico-metodológicos da abordagem da cultura popular no ensino de arte na educação básica Los desafios teóricos y metodológicos de la cultura popular en el arte educación en la escuela básica The theoretical and methodological challenges of popular culture in art education in basic education

editecolares@yahoo.com.br

Tipo de artigo: Original

RESUMO O presente artigo discute a inserção das festas tradicionais no ensino de arte, destacando os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa de pós-doutorado que busca articular as interfaces das práticas culturais populares encontradas em Fortaleza-BR e Porto-PT, com a finalidade de que, ao identificar traços análogos, contribua para fundamentar a compreensão de suas matrizes culturais, influências mútuas e a descoberta de um contato histórico e dialético, fenômeno que está prenhe de contradições e sujeito a transformações próprias do tempo no qual está inserido. Como forma de análise empírica visualizou-se as festas joaninas dentro da perspectiva de compreendê-las no quadro das manifestações da cultura popular de maior relevo nas cidades do Porto e de Fortaleza articulando-a ao

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contexto do ensino de arte na escola básica. Como resultado do perfil encontrado na referida festa popular tradicional faz-se uma reflexão sobre o conceito de identidade cultural apoiando-se em autores como: Hall, Woodward, Silva, Boas, Ortiz, dentre outros. Palavras-chave: Arte; Educação; Cultura Popular.

RESUMEN Este artículo aborda la integración de fiestas tradicionales en educación artística, destacando aspectos teórico-metodológicos de una investigación que busca articular las prácticas culturales populares interfaces en Fortaleza-BR y PortoPT, a fin de que, mediante la identificación de rastros similares, contribuir para apoyar la comprensión de sus matrices culturales, las influencias mutuas y el descubrimiento de un dialéctico e histórico contacto, fenómeno que está lleno de contradicciones y sujeto a las transformaciones de la época en la que se inserta. Como una forma de análisis empírico se visualizó las fiestas joaninas dentro de la perspectiva de entenderlas en el contexto de las manifestaciones de la cultura popular más relevante en las ciudades de Porto y Fortaleza y la articulación con

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el contexto de la educación artística en la escuela primaria. Como resultado del perfil de esta tradicional fiesta popular hemos por fin uma reflexión sobre el concepto de identidade cultural apoyandose em autores como: Hall, Woodward, Silva, Boas, Ortiz, entre otros. Palabras-clave: Art; Education; Cultura Popular.

ABSTRACT This article discusses the integration of traditional holidays in art education, highlighting theoretical-methodological aspects of the postdoctoral trying articulate the cultural practices popular interfaces found in Fortaleza-BR and Porto-PT, in order that, by identifying similar traits, contributes to support the understanding of their cultural matrices, mutual influences and the discovery of a dialectical and historical contact, phenomenon that is full of contradictions and subject to transformations of the time in which it is inserted. As a form of empirical analysis visualized the joaninas holiday inside the perspective to understand them in the context of manifestations of popular culture more relevant in the cities of Porto and Fortaleza articulating it to the context of the art education in elementary school. As a result of the profile found in the said traditional popular holidays makes a reflection about the concept of cutural identity supporting by altores as: Hall, Woodward, Boas, Silva, Ortis and others. Keywords: Art; Education; Popular Culture.

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trava em tal fenômeno social em um conjunto que articula aspectos das interações travadas entre os sujeitos das

A discussão que apresentamos se nos impôs quando nos defrontamos com a reflexão resultante da pesquisa de campo, realizada ao abordarmos a questão da cultura popular e sua inserção no ensino fundamental. Tal problemática tem se mostrado assente na proposição metodológica que toma as práticas culturais de populações que se situam em realidade histórica e social, nas quais o popular e o tradicional são negados em seu valor de conhecimento acadêmico e escolar, buscando reconhecer-lhes, então, o estatuto de saber pertinente aos fundamentos de um ensino escolar de

práticas festivas em diferentes contextos, os procedimentos de transmissão cultural, a renovação e manutenção das tradições, para mencionar apenas reduzidos aspectos da grandeza deste fato formativo da cultura de uma comunidade, impossíveis de ser abordados apenas com base nas generalizações próprias ao método comparativo. Assim, como nos ensina Frans Boas, em sua Antropologia Cultural: “Em suma, antes de se tecerem comparações mais amplas, é preciso comprovar a comparabilidade do material”. (Boas, 2004, p. 32).

arte que esteja carregado de sentido e significado.

O objetivo de nossa investigação é descobrir os

Os primeiros achados da investigação levaram ao aprofundamento dos estudos sobre a metodologia adequada à pesquisa em foco. Ao visualizar as festas populares como lócus privilegiado do popular e do tradicional em sua manifestação mais imbuída da vida comunitária envolto em momentos de celebração, reunião

processos pelos quais as festas populares com seus ritos se desenvolveram, e as conexões que guardam com a educação dos mais jovens. Acreditando, com Boas, que “(...) quando se pode comprovar que há uma conexão histórica entre dois fenômenos, estes não devem ser aceitos como evidências independentes” (Boas, 2004, p. 33).

e aprendizagens coletivas, optamos por este elemento

Compreendemos que mesmo ao identificar uma

como enunciado indispensável a um ensino de arte que se

mesma matriz cultural, bem como as influências recíprocas

responsabilize por levar às gerações atuais, uma iniciação

e o contato histórico entre Portugal e Brasil nossa reflexão

ao patrimônio cultural e, às vindouras, uma possibilidade

deve-se pautar por uma fundamentação histórica e dialética

de educação carregada da produção coletiva da arte da

pela qual todo fenômeno está sujeito a contradições e

humanidade em geral e de cada lugar em especial.

transformações próprias do tempo histórico no qual está

Reconhecendo

o

popular

tradicional

como

inserido.

momento de constituição da cultura de uma determinada

Valemo-nos da convicção de que a ação do sujeito

população e como ação-cultural comum a diversos povos,

é fruto em grande parte das aprendizagens do meio no

imaginamos articular as raízes das referidas práticas,

qual está imerso, e dos quais a própria escola é parte

encontradas em Fortaleza-Ceará e em Porto-Portugal,

integrante, e por meio de suas atividades influencia o modo

com a finalidade de observar traços culturais análogos,

de ser e pensar do educando. Novamente chamamos Boas

pressupondo que contribuamos com um olhar mais apurado

para reforçar a ideia de que, “(...) o método que estamos

sobre suas origens e como tais práticas se afirmaram em

tentando desenvolver baseia-se num estudo das mudanças

distintas culturas.

dinâmicas da sociedade que podem ser observadas no

Encarando,

desta

maneira,

encontraremos

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INTRODUÇÃO

tempo presente” (Boas, 2004, p. 47)

convergências em distintos métodos de pesquisa, ou seja,

É flagrante, então, que este não se restringe a um

ao projetar esta investigação pensamos em metodologia

estudo comparativo, mas compõe-se também de um estudo

comparativa, mas ao nos posicionarmos frente aos dados

etnológico que colocará à disposição um material descritivo

encontrados demo-nos conta da impossibilidade de

e analítico das formas culturais festivas que deitam raízes

alcançarmos as raízes mais profundas das relações, que se

em um passado remoto e que ainda hoje se constituem em

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práticas culturais vivenciadas e transformadas com a reação

a máxima isenção, motivando o entrevistado à participação

dos indivíduos à cultura na qual vivem e às influências das

sem, contudo, influenciar suas colocações, ou utilizando

mesmas sobre a sociedade e a educação da sensibilidade.

materiais secundários como recortes de jornal, com

O estatuto epistemológico desta pesquisa encontra assim desafios que colocam em xeque sua validade enquanto ciência da educação. Em outras palavras, preocupa-nos não

reportagens pertinentes ao tema com o qual se estabelece um diálogo com outros interlocutores. Ao

falarmos

em

método

de

pesquisa

é

a cultura popular tradicional como um receituário para

importante dizer que mesmo buscando fundamento em

práticas pedagógicas bem intencionadas, mas reconhecer

metodologias distintas de investigação dos fenômenos,

as manifestações festivas como rituais que acompanham

tais metodologias tem uma mesma concepção teórica:

a humanidade desde a mais remota antiguidade incluída

histórico-crítica e dialética, vendo o sujeito como resultado

como parte indispensável à formação sensível e humanística

das relações socioeconômicas e culturais das quais participa

de nossos estudantes.

cotidianamente, mas entendemos que ao mesmo tempo

Lançar mão dos variados recursos metodológicos de pesquisa qualitativa tornou-se, assim, um imperativo, digamos categórico. Voltamos nosso olhar para percursos traçados na antropologia com à metodologia etnológica, de onde pensamos em organizar uma recolha de práticas

em que sofre a ação da história, através do processo de conscientização, deve procurar entender suas causas, desvelando as relações e conexões causais que as fazem ser assim hoje, e reconhecer as possibilidades de transformação destas mesmas relações em suas causas e efeitos.

das festas populares de Fortaleza e do Porto e, para tal, nos

Nossa tarefa primordial deve ser delimitar

utilizamos de meios variados como a fotografia, a filmagem

claramente o objeto de estudo da pesquisa em questão,

e a visita a espaços onde tais manifestações se fazem

determinar a ordem dos fatos que a compõe para só aí poder

presentes (praças, parques e praias) e o lugar privilegiado

procurar identificar caracteres comuns entre contextos

da educação (a escola) onde a festa demonstrou-se ainda

suficientemente próximos em suas práticas sociais e

ausente ou distante, até a recursos do método biográfico,

educativas. Ou seja, inicialmente, agruparemos situações

quando ao entrevistar o professor procuramos identificar

sobre a mesma denominação, “festejos populares”, nas

as ligações que o mesmo estabelece entre suas próprias

duas comunidades pesquisadas, a fim de apresentar ao

vivências culturais e aquelas que realiza em sua prática

leitor um conjunto de fatos sociais capazes de identificar ou

docente.

distinguir este fenômeno, enquanto processo de formação

Ficaria ao leitor, com certeza, uma dúvida sobre os

da sensibilidade e da sociabilidade em contextos educativos.

possíveis choques que a utilização de metodologias distintas

Só após a descrição de festejos populares em

poderia causar ao resultado desta pesquisa, indagação a

Fortaleza e no Porto é que trataremos de categorias de

qual nos antecipamos em responder afirmando que tal

análises nas quais ambas as situações se identificam ou não,

embaraço foi superado na medida em que as metodologias

para na sequência projetar possíveis viabilidades destas

empregadas confluem ao conceberem uma perspectiva de

festividades em contextos educativos nos quais as mesmas

pesquisa social que não restringe o objeto de conhecimento

possam contribuir de maneira decisiva para o fortalecimento

aos grandes acontecimentos, a história das elites, “(...)

do ensino de arte nas séries iniciais do ensino fundamental.

mas também a história enquanto memória coletiva do

Propomos, assim que a arte-educação deva ser

quotidiano (...)” ( Ferrarotti, 2013, p. 41)

trabalhada em contexto escolar, com o propósito de dar

Dessa maneira, as análises aqui foram elaboradas

sentido às experiências estéticas de professores e alunos,

graças a uma grande variedade de instrumentos de coleta

ampliando suas percepções quanto à riqueza cultural das

de dados, sejam eles oriundos do acesso primário como na

manifestações artístico-populares nacionais, no Brasil e em

entrevista, que exige do pesquisador o cuidado de exercer

Portugal; ou seja, verificar se faz sentido a recorrência às

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locus de acesso ao saber erudito, reafirmar, como o fez

o tempo destinado a este conteúdo de caráter tradicional

Paulo Freire, que o saber escolar não pode prescindir do

nos currículos escolares nos dois países e a forma como é

universo cultural do educando e, ao mesmo tempo, afirmar

ensinado, fomente a interação de saberes e práticas para

a existência de uma cultura popular, reconhecendo sua

um ensino de artes mais criativo e enriquecedor à formação

singularidade e validade no ambiente educacional.

de professores e alunos. Outro aspecto de grande relevância para a escolha da temática, festejos populares no ensino de arte, para a realização da presente pesquisa deveu-se à crença de que ao revestirem-se de padrões multiformes das linguagens artísticas tornam-se portadores de uma pluralidade cultural, ainda mais quando comparamos o encontrado em Fortaleza com o Porto, estratégia escolhida para fundamentação metodológica dessa investigação.

locais, ao mesmo tempo em que, identificam e dão sentido ao particular, projetam-se e articulam-se ao universal desde que captemos seus aspectos em comum e suas diversidades. Existe, assim, nesta variedade de características

Porto “(...) defendemos, sobretudo, que o reencontro vital com a herança popular significa a subversão necessária à passividade criativa em que mergulhamos.” (Pacheco, 1985, p.14) Dentro da proposta deste trabalho adotaremos, de aqui em diante, o seguinte roteiro: relataremos festejos populares de São João em Porto/PT, e faremos algumas

Compreendemos que as expressões culturais

manifestações,

Como Helder Pacheco, em Tradições Populares do

estético-funcionais

reflexões sobre tais manifestações e sua dimensão educativa, seja no ambiente escolar ou comunitário. É evidente que os estudos realizados das obras de diversos autores, aqui mencionados, são o pano de fundo sobre o qual vamos compondo esta colcha de retalhos que ora expomos.

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artes tradicionais num projeto formativo que, ao identificar

não

só de identidade local (nacional), mas representativo do envolvimento espontâneo e social, bem como da dimensão

FESTAS JOANINAS

dialógica que confere à arte uma função de práxis que a mesma significa. Ou usando das palavras de Elder Pacheco

No Porto e em Fortaleza, os festejos joaninos são

em Arte e Tradições em Barcelos: “Um dos fatores salientes

considerados pela população em geral o mais tradicional e

nas artes populares é o da concepção estética como uma

são ansiosamente esperados. Nesta festa, a cidade do Porto

função socialmente actuante - os objetos intervêm na vida

vê radicado o momento de celebração da vida comunitária,

quotidiana das pessoas.” (Pacheco, 1979, p. 18)

e as ruas da cidade são tomadas por todos. É uma noite,

Consideramos que situada histórica e socialmente, a

arte

popular

constitui-se

evidentemente

numa

perspectiva universal, pela ação transformadora que a mesma desempenha, não só por seu aspecto formal, mas na medida em que exprime a manifestação cultural da classe trabalhadora afirmando-se como consciência de classe e sua condição de produtora de cultura e possibilidade de

23 de junho, na qual se mantém vigília, pois o foguetório não deixa a cidade dormir. Assim, tal manifestação mantém ainda hoje práticas que estão enraizadas no passado como fruição coletiva de uma ação cultural que alimenta a identidade e o patrimônio cultural desse povo. Em Fortaleza não ocorre mais a mesma participação comunitária e sim em espaços mais fechados e privados

intervenção criativa no real. Desta maneira, a cultura popular

Mas, ao contrário do que a maioria das pessoas

exprime-se como uma arte viva porque é essencialmente

possa pensar, os fundamentos de tal prática popular têm

útil e funcional já que serve ao homem que a produz.

origem naturalística, como afirma Coelho: “(...) os costumes

Procuramos, com esta investigação, ao questionar

o modelo hegemônico de prática escolar constituída como

populares têm suas raízes nos velhos cultos naturalísticos.” (Coelho, 1993, p. 274) Dessa maneira, práticas como acender fogueira, que no ano de 2013 ainda se pode assistir, nas

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comemorações a São João, bem como o costume de saltar

alho-porro ou martelinhos de plásticos para baterem nas

fogueiras remontam à crença ancestral de que assim se

cabeças uns dos outros. (Hoje, os martelinhos substituem

obtém influências benéficas sobre a saúde e se afugentam

quase na totalidade os ramos de alho-porro e arruda, que

malefícios.

eram usados tipicamente para abençoar ou livrar do mal as

Assim, na noite de São João, as pessoas ficam fora de casa até a madrugada, segundo Coelho: “(...) a fim de apanhar as orvalhadas, isto é, o orvalho sagrado desta noite que dá vida para longos anos (...)” (Coelho, 1993, p. 311). Isso faz parte desse conjunto de tradições que se perde nas brumas do tempo e dá sentido à vida. É essencial perceber que as festas, ditas hoje religiosas, têm origem nas manifestações relativas ao vínculo do homem à natureza, como no caso das festas joaninas fica patente a relação com o solstício de verão, pois que nas chamas da fogueira evidencia-se a íntima relação que estabelecem com o símbolo de origem representativo do sol, já presente nos cultos pagãos. O período joanino no Porto é muito rico em manifestações do universo tradicional. Ao passar pelas

pessoas como que para abençoá-las). Caminham de um lado para o outro e muitas churrasqueiras são postas às ruas para assar sardinhas que também fazem parte da tradição. Em muitos lugares da cidade as pessoas montam caixas de som e ouvem música e dançam em grupos de amigos. Também são montados palcos em pontos estratégicos da cidade onde se apresentam artistas locais, bem como dançam em muitos pontos da cidade ao som de conjuntos musicais.

Ao mesmo festejo a cidade de Fortaleza já se

manifesta de forma privada, pois além de não mais envolver toda a cidade numa comemoração coletiva, mas em redutos restritos a grupos fechados, também suas quadrilhas, danças tradicionais deste período, correspondem hoje a um grande investimento turístico e comercial, para aqueles que participam, visto que se transformou em festivais competitivos e não mais em espaços e tempos de convivência desinteressada.

ruas encontram-se nas calçadas muitas pessoas vendendo manjericos em pequenos jarrinhos. É uma planta que tem uma forma arredondada e um suave olor, mas é de conhecimento geral que não se deve cheirá-la diretamente

UMA REFLEXÃO INICIAL SOBRE A IDENTIDADE CULTURAL

e sim colocar as mãos nas folhas para então aspirar-lhe o perfume através da pele das mãos. São acompanhados de

Qual a importância de se aprofundar o conceito de identidade

uma plaquinha que vem ficada na terra com uma quadra

cultural nesse trabalho? Quando abordamos “identidade

em homenagem a São João. Como exemplo, podemos citar

cultural” já delimitamos aí um quadro de perspectiva

a seguinte:

histórico e socialmente definido, ou seja, pretendemos Anda o povo contente

nos remeter a um conjunto de condicionantes de ordem

Com o manjerico na mão

histórica e não a um essencialismo biológico ao qual o

É uma imensa alegria

termo também pode remeter. Assim, nessa perspectiva,

Na noite de São João

a identidade vincula-se às condições simbólicas marcadas

Também, andando pelas ruas, é comum encontrar montas que ficam nas vitrines das lojas e são miniaturas da procissão a São João. Na véspera de São João, a cidade do Porto engalanase toda e espera-se ansiosamente o ponto alto da festa que são os fogos de artifício. À meia-noite dá-se o foguetório na ribeira e parece que toda cidade vem assisti-lo. São inúmeras pessoas caminhando pela ribeira e trazem à mão

pelas práticas e relações sociais de um dado grupo que lhe confere sentido e os diferencia de outros. É necessário fazer, preliminarmente, a configuração de qual identidade estamos falando uma vez que o referido conceito é, como nos afirma Hall, “(...) demasiadamente complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova.” (Hall, 2011, p. 8)

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ou identidade em crise, todas frutos dos processos de

pretendemos, estabelecer, aqui, afirmações conclusivas,

mobilidade das mais variadas formas, seja pela migração,

mas tão somente contribuir para o debate sobre identidade

colonização ou fluidez dos meios de comunicação de massa.

cultural, apresentando elementos que foram elucidados

Porém, o sujeito fala a partir de uma dada situação histórica,

no momento da pesquisa sobre as manifestações artístico-

social e cultural específica.

populares em Porto - Portugal e Fortaleza – Ceará no exato momento em que tais práticas, para muitos, encontram-se em decadência, mas para a pesquisadora são marcadores significativos de identidade cultural e representam para as comunidades envolvidas fortes momentos simbólicos para a vida coletiva. É por meio dos significados engendrados pelas práticas sociais das quais participamos que damos sentidos

Nessa perspectiva social e educativa percebemos a identidade como uma necessidade do sujeito cognoscente de articular espaços interiores e exteriores, ou seja, entre o pessoal e o social. O indivíduo em formação estabelece para si e para o outro uma imagem com a qual se projeta no mundo e se constrói como parte de uma determinada comunidade.

a nossas vidas e vamo-nos tornando aquilo que somos. A

Mesmo ao constatar que hoje este perfil construído

vivência cultural dá contornos à nossa identidade na medida

pelo sujeito, sob diversas influências, é cada vez mais

em que dando sentido às experiências coletivas torna

impactado pelas informações das mídias sobre os eventos

possível optarmos entre as várias identidades possíveis.

sociais distantes, que se tornam, pela insistência dos meios

Desta maneira, é correto afirmar que uma identidade se

de comunicação de massa, muitas vezes mais presentes

constrói à medida que somos expostos a crenças, ritos,

do que os eventos da cultura local, acreditamos que a

práticas sociais que pela repetição são reforçadas como

referência das contextualidades locais é indispensável a

pertinentes ou não.

uma estabilização do sujeito quanto ao lugar que ocupa no

Compreendemos então que a identidade cultural

universo social e cultural.

pode ser um processo de escolha ou de falta de escolha. Uma vez que, se a comunidade local se abstiver de apresentar às novas gerações práticas próprias do lugar de onde o jovem olha o restante do mundo, fornecendo aos mesmos as referências capazes de identificá-lo à cultura local, a homogeneidade cultural promovida pela sociedade de mercado e de consumo o distanciará de tudo o que representa seus pares e familiares, aqueles que partilham o mesmo modo de ser e estar no mundo. É obvio que esta identidade cultural a que nos

É visível que, com as mudanças produzidas pela “modernidade tardia”, os sistemas de significação multiplicam-se

confrontando-nos

com

um

número

alucinante de informações e, como resultado, temos que mesmo as manifestações pertinentes às culturas locais veem-se invadidas por produtos massificadores de uma indústria cultural que descaracteriza em proveito próprio, de maneira desconcertante, os signos dos eventos sociais locais.

referimos não é algo estático, mas constituída frente

É certo que os interesses da indústria cultural

as mais diversas influências e num mundo globalizado

estão distantes do interesse das populações das aldeias ou

são plurais e diversificadas as influências. Para Kathryn

periferias das cidades do Porto ou de Fortaleza, como de

Woodward, em Identidade e Diferença: “A homogeneidade

tantas outras espalhadas pelo mundo afora. Quando uma

cultural promovida pelo mercado global pode levar ao

comunidade leva seus jovens a participar de ranchos típicos

distanciamento da identidade relativamente à comunidade

ou grupos etnográficos, seus objetivos são diametralmente

e à cultura local.” (Woodward, 2012, p. 21)

opostos ao de uma empresa fonográfica ao levar para

Muitas são as formas de classificação que a identidade cultural recebe como: pluralidade, diversidade

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Como se dá em outros estudos da área, não

milhões de lares a música mais recente gravada por ela. Aquele promove uma vivência cultural enraizada na vida de uma comunidade que celebra juntos a partilha do

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quotidiano, a fertilidade da terra ou outros elementos da

O que nos parece claro é que mesmo as identidades

vida coletiva, enquanto uma gravadora vende um produto

nacionais vêm se desmistificando enquanto unidade, já que

desenraizado capaz de agradar a todos exatamente pela

o hibridismo das populações é uma realidade incontestável

banalidade ou alto teor de vulgaridade do seu produto.

em todos os países. O que faz-nos conscientes de que a

Como está amplamente visualizado em teorias sobre a identidade, este conceito surge no bojo das transformações sociais ocorridas desde a década de 60 do século passado em movimentos sociais que se opunham, segundo Hall, “(...) tanto à política liberal capitalista do Ocidente quanto à política estalinista do Oriente.” (Hall, 2004, p. 44) Assim surge o que veio a ser conhecido como política da identidade, uma identidade para cada movimento social, onde o pessoal é político e o que está em destaque é a humanidade. Por outro lado, o conceito de globalização amplamente usado no campo da cultura é na verdade originado no âmbito da economia uma vez que buscava a internalização dos mercados, facilitando as trocas de produtos aliados a multinacionalização de empresas que passam a operar em mercados internacionais. Constatamos assim que a apologia à globalização

identidade nacional hegemônica é representante de uma classe que detém o poder e que impõe sua versão da história e uma representação da nação que não pode ser identificada a todos. Assim, argumentamos que é válido em contexto educativo reforçar as identidades locais como forma de resistência à homogeneização provocada pela globalização. Concordamos, então, com Hall ao constatar que: As

identidades

nacionais

permanecem

fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais. (Hall, 2011, p. 73)

da cultura, que anda hoje tão presente no discurso corrente pelo qual não há interesse da juventude sobre a cultura local, mas antes uma ânsia por conhecer o externo, o mundialmente difundido, é uma resposta aos apelos da sociedade de mercado que ao fortalecer uma cultura homogeneizada vende seus objetos em maior escala. Em suma, existe uma vasta gama de posições acerca do conceito de identidade ligadas às noções de etnia, nação, gênero, espaços geográficos ou contextos históricos, mas interessa-nos aqui argumentar que diante do fenômeno educativo as questões relativas à identidade não nos podem passar despercebidas e que a opção que defendemos é a de que a escola enquanto partícipe de uma determinada comunidade busque “(...) recuperar a “verdade” sobre seu passado na unicidade de uma história e de uma cultura partilhadas que poderiam, então, ser representadas, por exemplo, em uma forma cultural como o filme, para reforçar e reafirmar a identidade (...)” (Woodward, 2012, p. 28).

Uma cultura mundializada, portanto, não exige a extinção das manifestações culturais locais, mas ao contrário se alimenta delas e coabita na medida em que estas diversidades possam ser transformadas em produtos comercializáveis pela indústria cultural. Em nossa pesquisa um bom exemplo deste fenômeno é facilmente percebido quando nos deparamos com o uso na cidade do Porto de martelinhos plásticos que vieram, na noite de São João, a substituir os antigos alhos que eram tocados nas cabeças dos transeuntes como forma de oferecer bons fluidos e de espantar o mal em nome de São João. Hoje quase ninguém mais se lembra do que representa este ato como forma simbólica na qual se procede a uma espécie de benção. Ou seja, à indústria importa vender martelos plásticos e a população perde aos poucos os elos com esta tradição.

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deste estudo pode parecer utópico demais, mas realmente agimos no campo da utopia, não como algo, idílico ou ilusório, mas como um povir, um vir a ser, aliás, muito apropriado quando refletimos no campo da identidade que também se constrói dia a dia. Como nos lembra Kathryn Woodward “(...)ao ver a identidade como uma questão de tornar-se” (Woodward, 2012, p. 29). Estamos conscientes da desproporcionalidade que representa nos opormos ao processo de desenraizamento provocado pelos grandes conglomerados econômicos mundiais, mas não resta outra opção aos educadores que pensam em formar jovens mais conscientes. É evidente que, como afirma Ortiz, “tanto a escola como as tradições populares têm um âmbito de atuação restrito ao domínio regional ou nacional.” (Ortiz, 2000, p. 165) mas temos clareza também que o mundo é um espaço no qual se confrontam diferentes concepções e ideários humanos e cabe à escola como instituição voltada para o interesse comum, mesmo que numa luta desigual, travar este combate a bem do desenvolvimento de uma mentalidade a favor da liberdade e da democracia. A própria categoria identidade se constrói a partir das diferenças e das simbologias e rituais que se opta como formas elementares pelas quais os sentimentos sociais têm existência. Assim, identidade e diferença resultam de relações sociais de poder que, quer queiramos ou não, povoam o espaço educativo através do processo de produção

compreensão “global” é o passo metodológico necessário aos dias de hoje em matéria de ensino de arte. Neste momento nos preocupamos com o campo das manifestações tradicionais como indispensável à formação do indivíduo, não dizemos com isso que a cultura geral da humanidade não seja direito de todos. Reafirmamos que o patrimônio cultural da humanidade nos pertence, a todos, que de uma maneira ou de outra contribuímos para sua construção. Conhecer, respeitar, interagir com diferentes culturas é fundamental, bem como a História Geral da Humanidade ou da Ciências Naturais, mas como efeito de recorte teórico e metodológico escolhemos destacar o tradicional e o popular na educação em arte. Continuamos a afirmar que em arte podemos partir das manifestações populares para os demais conhecimentos. Quando pequenos, dos 6 aos 9 anos, nas séries iniciais do ensino fundamental, os brinquedos cantados, as danças, os contos e outras manifestações tradicionais podem introduzir todo o universo que exploram as diversas linguagens artísticas. Na cidade do Porto, assim como em Fortaleza, a escola anda ausente dos festejos populares. Nestes períodos de maior grandeza das festas, as escolas fecham para férias e sob esta justificativa não participam dos festejos populares das cidades.

simbólica e discursiva onde se afirmam identidades que

A maior festa popular, coincidentemente, em

traduzem os desejos e modus vivendi de diferentes grupos

ambas as cidades, Fortaleza e Porto, é o São João, e conta

que se encontram, assimetricamente, situados em relação

com o desprezo da escola em ambos os lugares. Em todos os

ao acesso aos bens culturais criados, desenvolvidos e

dois casos as férias são a justificativa para tal menosprezo.

produzidos pela humanidade para toda humanidade e não para o lucro e benefício de poucos.

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O que viemos argumentando desde o princípio

É certo que se se administra a escola e a fábrica da mesma maneira, então é muito dispendioso pensar numa escola aberta à participação na festa de São João, na vida de

CONSIDERAÇÕES FINAIS

seu povo, das comunidades onde está inserida. É mesmo na contramão da escola que estamos a

O fundamento da expressão artística na escola deve

caminhar, é uma aprendizagem significativa que queremos.

ser a cultura local em articulação à cultura universal.

Pretendemos somente que os contos locais, os ícones de

Assim conhecer o universo local ampliando-o para uma

cada povo, suas festas, suas manifestações e a expressão

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mais peculiar recebam merecido destaque na formação em arte. Preocupados com as séries iniciais do ensino fundamental e o ensino de artes propomos que partamos das histórias locais e demais manifestações comunitárias como ponto de inicial para um conhecimento das artes e de suas expressões por nossas crianças nos primeiros anos do ensino básico. Então cabe-nos questionar sobre qual contribuição traria uma maior participação da escola nos festejos da cidade? Ou seja, como a escola deve se articular a estes momentos comunitários, sendo ela, como é, responsável pelo resguardo do patrimônio cultural de diferentes povos?

Referências Bibliográficas Boas, Frans (2004). Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Zahar. Coelho, Adolfo (1993). Festas, Costumes e outros Materiais para uma Etnologia de Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote. Ferrarotti, Franco (2013). Sobre a Ciência da Incerteza. Portugal: Edições Pelago Ltda. Hall, Stuart (2011). A identidade Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A. Ortiz, Renato (2000). Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense. Pacheco, Helder (1979). Artes e Tradições de Barcelos. Lisboa: Edições Terra Livre. Pacheco, Helder (1985). Portugal Patrimônio Cultural Popular. O ambiente dos Homens. Porto: Areal Editores. Silva, Tomaz Tadeu (2012). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Stuart Hall, Kathyn Woodward. 12. Ed.- Petrópolis: Vozes.

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Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações Uma experiencia educativa con el trabajo de mediación en las artes visuales: consideraciones iniciales An educational experience with the mediation work in the visual arts: initial considerations

filhadeishtar@hotmail.com Grupo MITA/CNPq/UNIVASF

Tipo de artigo: Original

RESUMO O texto pretende compartilhar a experiência no trabalho como mediadora em uma exposição realizada entre janeiro e março de 2013 na Galeria Ana das Carrancas, em Petrolina, Brasil. Apesar de atender o público em geral, o trabalho pretendeu criar e desenvolver atividades educativas com crianças em idade escolar, que corresponde à maior parte dos espectadores da exposição. Este trabalho consiste em um relato de experiência à qual cheguei a partir dos estudos sobre arte/educação em espaços não-formais. Inicialmente faço uma reflexão teórica sobre o tema. Posteriormente, relato a experiência como mediadora na exposição, de forma reflexiva. Para tal utilizo-me dos trabalhos de Barbosa

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Ana Emidia Sousa Rocha

(2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) e Pillar (2008). Além de haver recebido visitantes espontâneos, a exposição recebeu diversos grupos de crianças e adolescentes que participaram das atividades educativas. As atividades foram realizadas em consonância com a faixa etária de cada grupo: jogos, desenho, bate-papo etc, além da leitura imagética. Palavras-chave: Arte/educação; Mediação educativa; Educação em espaços nãoformais.

RESUMEN El texto tiene como objetivo compartir la experiencia en el trabajo como mediador en una exposición celebrada entre enero y marzo de 2013 en Galeria Ana das Carrancas, em Petrolina, Brasil. Aunque respondiendo al público en general, la labor encaminada a crear y desarrollar actividades educativas con los ninõs de edad escolar, que corresponde a la mayoría de los espectadores De la exposición. Este trabajo consiste en uma cuenta de relato de experiencia desde estúdios de arte y educación en espacios no formales. Inicialmente hago uma reflexión teórica sobre ele tema. Relato posteriormente la experiencia como mediadora

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en la exposición de forma reflexiva. Para ello utilizo las obras de Barbosa (2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) y Pillar (2008). Además de haber recibido visitantes espontaneos, la exposición ha recibido vários grupos de niños y adolescentes que participaron en las actividades educativas. Las atividades se llevaron a cabo en consonância com la edad de cada grupo: juegos, dibujar, chatear etc, además de leer las imágenes. Palabras-clave: Arte y educación; Mediación educativa; Educación em espacios no formales.

ABSTRACT The text aims to share the experience on the job as a mediator in an exhibition held between January and march 2013 at Ana das Carrancas Gallery, Petrolina, Brasil. Although answering to the general public, the work intended to create and develop educational activities with children of school age, which corresponds to most of the viewers of the show. This work consists of an account of experience to which I got from art studies education in non-formal spaces. Initially do a theoretical reflection on the topic. Subsequently report the experience as a mediator in the exhibition of reflective form. For this I use the works of Barbosa (2005; 2009), Leite (2004), Nóbrega (2012), Iavelberg (2003) e Pillar (2008). In addition to having received spontaneous visitors, the exhibition has received various groups of children and adolescents who participated in educational activities. The activities were carried out in line with the age range of each group: games, drawing, chat etc, besides reading imagery. Keywords: Arte/education; Educational mediation; Education in non-formal spaces.

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O interesse por educação em espaços não-formais

surgiu para mim no início do curso de Licenciatura em Artes Visuais. Isso porque, a experiência como professora em escolas públicas e privadas, desde 1998, fez com que adquirisse algum conhecimento sobre educação escolar.

Olhando a definição para mediação no dicionário

encontrei: “1- Intercessão, intervenção”1. Mediar seria, então, fazer intervenções para que a obra de arte e o espectador se aproximem e interajam. Diversos pesquisadores têm discutido sobre o tema: o que é, como acontece, para que serve a mediação.

No entanto, gostaria de saber como acontece o ensino e a

aprendizagem em instituições de ensino não-formal.

a mediação em espaços expositivos como um processo

A partir de estudos no Grupo de Estudos Arte na

Estudiosa do tema, Martins (2003, p. 56) concebe

rizomático: [...] num sistema de relações fecundas e complexas

Educação Infantil, o foco do meu interesse pendeu para a

que se irradiam entre o objeto de conhecimento, o

mediação em espaços expositivos. Também passei a dar

aprendiz, o professor/monitor/mediador, a cultura,

mais atenção à ação dos mediadores nas exposições que

a história, o artista, os modos de divulgação, as

visitava.

especificidades dos códigos, materialidades e

suportes de cada linguagem artística.

Em 2013 tive a oportunidade de integrar a equipe

de mediadores de três exposições artísticas e uma exposição histórica, que me proporcionou a experiência prática que contribuiu para meus estudos com algumas respostas e inúmeras dúvidas e inquietações. Essas atividades têm contribuído para minha formação docente e me levado à reflexão sobre como a educação em instituições culturais são consideradas diante da arte/educação.

Ou seja, não existe centralidade, é um processo em

que várias questões se entrelaçam e cada uma pode ser a inicial, puxando outras.

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Introdução

Em trabalho sobre o tema, Nóbrega (2012)

averigua como a mediação se dá e encontra dois tipos: a mediação explícita e a mediação implícita, que são definidas da seguinte maneira: A mediação explícita é aquela em que há intencionalidade de subsidiar o sujeito na recepção

Aporte teórico

da obra [...] na qual o trabalho de mediação é realizado por arte-educadores que desenvolvem

1. O que vem a ser a mediação

metodologias para introduzir o público no universo da obra e para aplicar atividades após a experiência

Uma das atribuições dadas à Arte é a de provocar,

estética.

instigar e estimular os sentidos, deixando-os receptíveis a

[...]

outras formas de organização e apresentação do mundo

Na mediação implícita, os elementos de mediação

(Canton, 2009, p. 12) durante a experiência estética.

se encontram camuflados, pois a intencionalidade

Essa interação oferece a oportunidade de construção de

de intermediar o acesso a obra não é direta.

significados pelo espectador, que é o principal nessa relação

Entretanto,

(Leite, 2004, p. 30).

esses

elementos

também

são

constituintes e influenciadores da experiência estética (Nóbrega, p. 3-4).

Nessa atividade cada pessoa parte do seu lugar,

seus conhecimentos, seus referenciais e seu repertório de

significações para entender a imagem que lhe é apresentada.

citados a subjetividade de cada indivíduo e o contexto onde

O papel da mediação é, então, auxiliar nessa interação, instigando à construção de sentido diante da obra de arte.

Como elementos da mediação implícita, podem ser

1  Melhoramentos: minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1997.

Julho 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |111


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ocorre a atividade. Vale ressaltar que a mediação explícita

3). O ensino de arte contemporâneo formal e não-formal

pode utilizar-se da oralidade ou da ludicidade como meio.

baseia-se neste pressuposto.

A ação educativa da mediação visa ampliar a

Ser arte/educador implica ter uma clara intenção

sensibilidade estética, ou seja, ali acontece parte do

educativa que esteja presente nas ações de quem educa

processo e não todo ele. O público de uma exposição de

para que o processo ensino/aprendizagem tenha sentido.

arte tem uma experiência estética anterior que acontece num contexto cultural específico: no quotidiano doméstico, na escola ou outros.

Ler obras de arte é parte fundamental da experiência estética. Para operacionalizá-la a criança (ou o adulto) sentirá a necessidade de buscar informações

Como ação educativa, as atividades de mediação

registradas mentalmente a partir de sua experiência

são planejadas para possibilitar uma experiência de

doméstica, escolar e outras desenvolvidas nos diversos

aprendizagem no espaço expositivo, relacionando os

espaços culturais em que interage.

objetos, o espaço, a temática. O que pode ser feito com um conjunto de ações que englobam atividades de fruição, de contextualização e de produção. Esse planejamento é específico para tal contexto, afinal, os espaços expositivos não são salas de aula e nem oficinas de arte, eles têm uma dinâmica própria: são os lugares onde se vê e se pensa sobre arte (Ott, 2005, p. 114). O contato com as obras de arte e

O exercício do olhar é fundamental para que se chegue a ver, uma rápida olhada não conduz à compreensão porque não permite a leitura. Além disso, a arte contemporânea suscita desafios e dúvidas do observador (Frange, 2008, p. 36), demandando tempo para ser experienciada devidamente e produzir conhecimento.

a experimentação oferecida pela mediação visa ampliar o universo estético e o conhecimento do público.

Leite (2004, p. 30) afirma que “a escuta deveria

ser a base para a mediação”. Apesar de dar as informações necessárias e solicitadas, o mediador não tem todas as respostas, pois parte importante do conhecimento sobre cada trabalho exibido está na interação que o público

Para compreender a imagem é necessário “ver construtivamente a articulação de seus elementos, suas tonalidades, suas linhas e volumes” (Rizzi, 2008, p. 81). Não se trata de adivinhar o que o artista quis dizer, mas de compreender aqueles elementos presentes na obra e sua relação com a cultura, com a vida, enfim, é preciso contextualizá-la.

estabelece com a obra. Por isso é importante escutar. O mediador não é um explicador, a ele cabe melhor o papel de emancipador (Rancière, 2002, p. 18; 108-14).

Aprender a olhar de maneira diferente ajuda a ver

a obra de arte e a obter conhecimento. Ensinar não é dar informações sobre as obras é, sim, ajudar a encontrá-las. Para aprender é preciso ser agente, ser ator ao invés de ser receptor. 2. Arte/educação em espaços de educação não-formal A partir da década de 1980 o ensino de arte passou a considerar outros aspectos da arte além da expressão, a arte passou a ser considerada como cultura e conhecimento, de acordo com as investigações de Barbosa (2005, p. 12-

Geralmente as escolas agendam as visitas de acordo com o horário das aulas e a conseqüência disso é uma rápida visita de, no máximo, uma hora. Dessa forma não há tempo suficiente para se realizar a leitura de um conjunto de 20 obras, por exemplo. Esse fato reforça a ideia de que para a experiência ser completa não é necessário ver todo o conjunto da exposição. É possível selecionar parte das obras e realizar uma atividade a partir delas.

Relato de experiência 1. Contextualizando

O espaço expositivo em que aconteceu a experiência

então relatada é a Galeria Ana das Carrancas, do Serviço

112 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Julho 2014


Brasil. A galeria foi fundada em 2009 e desde então recebe

reuniões de planejamento, buscando atividades que

exposições de artistas de relevância regional e nacional. O

se adequassem aos grupos recebidos e aos visitantes

espaço consiste num salão grande e retangular e uma sala

isolados. Recebemos material educativo utilizado em

avarandada que serve como recepção. Ambas oferecem

outras exposições que a galeria havia recebido e algumas

lugar para uma conversa e a realização de atividades com os

informações sobre a exposição e o artista. Tivemos uma

visitantes.

conversa com o artista que foi muito salutar para o trabalho

A mediação foi realizada na Exposição Pneumática

durante os meses de janeiro a março de 2013 pela equipe formada pelos mediadores Delson Lopes, Ana Emidia e

Como preparação para a mediação aconteceram

porque soubemos de seus estudos sobre balões e papel de seda desde a década de 1980, sua poética e seu trabalho como educador.

Candyce Duarte e pelo instrutor de atividades artísticas do

SESC Petrolina André Vitor Brandão.

adquirido na Licenciatura em Artes Visuais foram

Pneumática é uma exposição de esculturas

infláveis de papel de seda inspirados nos balões que o artista pesquisou no Rio de Janeiro desde os anos 80. As obras exploram a tecnologia, o lúdico e a tradição dos

Acredito que essas informações e o conhecimento

extremamente importantes para minha atuação como educadora nessa exposição, saber como o artista trabalhava fez-me entender como a obra funcionava e ajudou a elaborar minha abordagem aos visitantes.

balões e recriam elementos dos contextos culturais dos

quais o artista participa, como as pipas e as festas de São

p. 75) afirma que é preciso saber trabalhar com públicos

João.

diversos nesses espaços quando se pretende atender

As esculturas são obras de Paulo Paes, artista

paraense erradicado no Rio de Janeiro. Participou de várias

Sobre atendimento ao público, Iavelberg (2003,

uma larga faixa da população, incluindo crianças, jovens e adultos. O que pude constatar na prática.

exposições coletivas e individuais e tendo produzido outras

obras inspiradas na pesquisa sobre os balões.

foi possível verificar que os adultos sentiam-se mais à

O

público

dessa

exposição

constituiu-se

principalmente de estudantes do ensino fundamental da cidade de Petrolina, mas também de estudantes da educação infantil e ensino médio. Sendo a galeria parte dos serviços que o SESC oferece a seus associados, também recebíamos comerciantes e suas famílias.

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Social do Comércio – SESC, de Petrolina, Pernambuco,

Durante o período de atuação como mediadora,

vontade ao olhar as obras com mais autonomia, ou seja, sem a proximidade de um mediador. Depois de observar o conjunto, a maioria dos visitantes recorria ao mediador para tirar dúvidas sobre o artista, fazer questionamentos sobre a obra exposta e falar de suas impressões, era nesse momento que a mediação acontecia com esse público.

Por outro lado, com as turmas de estudantes

a visita sempre começava com a fala do mediador com 2. A mediação na Exposição Pneumática

algum questionamento sobre a exposição. Era possível

Mediar está longe de somente dar informações

ter uma conversa com as turmas antes de entrarmos no

sobre as obras, é como ampliar olhares, permitir

salão, sempre perguntava sobre experiências prévias com

contrapontos. Antes da abertura da exposição li muito sobre

exposições e obras de arte.

o Paulo Paes e sobre o trabalho educativo em galerias e museus. Também fiquei tentando pensar em atividades que pudéssemos realizar com as crianças para que o trabalho fosse realmente aquilo que eu acreditava.

No salão deixava que primeiro observassem as

obras, circulassem entre elas. Enquanto isso, ia conversando com algumas crianças sobre a exposição e aproveitava para conhecer mais sobre a turma. Depois de algum tempo,

Julho 2014 | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Ana Emidia Sousa Rocha |113


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convidava a turma a sentar em círculo onde conversávamos

que eles tinham gostado mais e porquê; como poderiam

sobre o que elas viram.

recriar uma daquelas obras, que outro material e dimensão

Percebi que as crianças eram bem expansivas

diante das obras, falavam o que pensavam sobre elas, faziam

poderiam utilizar; qual das esculturas eles gostariam de ter em casa.

perguntas espontaneamente e sempre queriam tocar os

trabalhos. O tato de todos era altamente requisitado

cera, canetinhas e lápis de cor para que cada um pudesse

pelas esculturas translúcidas e agigantadas, de silhueta

fazer um desenho relacionado à exposição. Antes, porém,

sinuosa, mas para as crianças, ainda não conformadas

instigava-os a dizerem o que eram aquelas peças que

pelo comportamento aceitável socialmente, era mais difícil

estavam ali enchendo o salão, como elas tinham sido feitas,

resistir. Desta forma, precisava ter cuidado redobrado com

com que objetos ou seres eles poderiam associá-las, qual

as crianças para que não tocassem as peças.

chamava mais a atenção, perguntava sobre as cores e as

As visitas eram previamente agendadas pelas

Com as turmas menores utilizávamos papel, giz de

formas geométricas presentes nas obras.

professoras, no entanto, muitas turmas não tinham noção

do que estavam fazendo ali ou o teor da exposição. Refleti

pequenas sentia-se atraídas pela maior obra, que eles

muito sobre o que diz Lanier (2005, p. 47), que para

diziam ser “gorda” ou “fofa”, um menino chegou a dizer que

aproveitar uma experiência estética e aquilo que ela pode

queria abraçá-la. Quanto aos adultos, alguns comentaram

oferecer é necessário que a pessoa tenha noção sobre o

que experimentavam uma sensação de leveza e flutuação

que está experienciando. Mas também é necessário que os

enquanto estavam no salão. Outras disseram que as obras

educadores estejam preparados para fazer essa condução

ficariam melhores se expostas ao ar livre. Da mesma

e a maioria dos professores que foram à galeria com seus

forma, adultos e crianças percebiam e interagiam de forma

alunos não tinham formação em arte.

diferente com as esculturas, o que exigiu de mim atuações

Foi possível utilizar materiais com os estudantes

Impressionantemente a maioria das crianças

diferentes e adequadas às possibilidades de cada grupo.

como parte da atividade mediativa. Para as turmas de 5° ao

Grande parte dos adultos estava interessada em

9° ano utilizávamos um jogo de cartas com metade das cartas

receber informações e até explicações sobre as obras.

contendo perguntas e a outra metade as respostas. As cartas

Percebi que as pessoas entravam com os folhetos nas mãos,

podiam ser utilizadas de várias formas: às vezes eu lançava

alguns liam, outros nem abriam. Lembrei de uma fala de

as perguntas e deixava que respondessem livremente;

Barbosa, sobre a opinião de mediadores de um museu

outras pediam que procurassem as cartas com as respostas,

nos Estados Unidos, que as pessoas querem apenas um

ou as usava como um dominó. Esse jogo ultrapassava os

souvenir. Será? Será que a leitura de informações sobre o

aspectos objetivos das obras, contextualizando histórica,

trabalho exposto é considerada supérflua pela maioria?

cultural e cientificamente os objetos apresentados ali.

Vemos somente aquilo que nossa compreensão

permite, além disso, captamos apenas algumas informações visuais numa imagem, aquelas com as quais estamos acostumados. Para ver decodificamos signos de uma cultura e tentamos interpretá-los a partir dos conhecimentos construídos quotidianamente (Iavelberg, 2003, p.76). Desta forma, propunha às turmas que observassem a técnica

O que aprendi como educadora:

Não perco de vista que a experiência à qual

me refiro neste texto foi a primeira, sendo assim, tenho consciência de que o trabalho não teve a perfeição desejada, mesmo tendo sido desempenhado com a seriedade exigida pela arte/educação.

empregada pelo artista, as figuras que compunham as obras,

A experiência prática é extremamente necessária

a forma, a textura, a cor, o volume. Procurava perguntar do

na formação docente e essa foi a primeira etapa formativa

114 | Ana Emidia Sousa Rocha | Uma experiência educativa com o trabalho de mediação em artes visuais: primeiras considerações | Julho 2014


como mediadora na mesma cidade. Citando Iavelberg (2003,

Carrancas contribuiu de forma valiosa para minha formação

p. 78), “A identidade do ‘educador de museu’ criador, se

como arte/educadora.

constrói, como a do artista, ao longo da vida, para alcançar

valiosas é a de que um mediador precisa estar preparado

maturidade e plenitude”.

todos os dias, tanto em conteúdo, quanto em atividade

Tendo participado como mediadora em algumas

exposições, participei também de atividades formativas para esse trabalho. Percebo que cada ação elaborou essas atividades de maneira particular, com objetivos e metodologia diferentes.

Na primeira experiência, foram realizadas reuniões

para apresentação dos trabalhos a serem expostos, do material educativo (produzido por uma consultoria) e do espaço disponível; tivemos uma tarde com o artista e parte da equipe da exposição; por fim, uma reunião para propostas de atividades de mediação a serem utilizadas, entre as quais: jogos, confecção de objetos, produção de desenho.

Para a segunda exposição foi oferecido um mini-

curso de oito horas, no qual foram apresentadas a biografia e os trabalhos relevantes de cada um dos artistas com obras na exposição. Além de cansativo, não foi muito construtivo. Para a terceira e quarta exposições, recebi, somente, uma lista de informações sobre os objetos expostos somente.

Algumas destas experiências foram ineficazes para

o desenvolvimento do trabalho. Acredito que o problema ultrapasse a carga horária reservada para a formação e atinjam a concepção de mediador que a instituição ofertante propaga.

Devido a insuficiência das atividades formativas,

eu, como outros educadores, procuro outras maneiras de ampliar meu conhecimento acerca da área de atuação. Posteriormente, participei de um mini-curso de Mediação Inclusiva de oito horas, com Andreza Nóbrega, oferecido pelo SESC, por exemplo. Constato que se faz necessário ter clareza na construção dos programas de formação para mediação, considerando que esta é uma forma de educação em arte também.

Acredito que o trabalho na Galeria Ana das Uma das aprendizagens mais

para conseguir atender turmas variadas. É necessário haver um planejamento do que será realizado, saber conduzir a atividade, mas, ao mesmo tempo, saber escutar, estar atenta ao conhecimento prévio e às necessidades que cada grupo traz.

Referências: BIBLIOGRÁFICAS Barbosa, A. M. (2009). A imagem no ensino da arte: anos 80 e novos tempos. São Paulo: Perspectiva. ________. (Org.) (2005). Arte-educação: leitura no subsolo. 6 ed. São Paulo: Cortez. Canton, K. (2009). Do moderno ao contemporâneo. São Paulo: WMF Martins Fontes. (Col. Temas da arte contemporânea)

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pela qual passei, tendo participado em mais três exposições

Frange, L. B. (2008). Arte e seu ensino, uma questão ou várias questões? In: Barbosa, A. M. (Org). Inquietações e mudanças no ensino da arte. 5 ed. pp. 35-47. São Paulo: Cortez. Iavelberg, R. (2003). Para gostar de aprender arte: sala de aula e formação de professores. Porto Alegre: Artmed. Lanier, V. (2005) Devolvendo arte à arte-educação. In: Barbosa, A. M. (Org). Arte-educação: leitura no subsolo. 6 ed. pp. 43-55. São Paulo: Cortez. Leite, M. I. (2004). Museu de arte: espaço de educação e cultura. In: Ostetto, L. E., Leite,M. I. (Orgs.). Arte, infância e formação de professores: autoria e transgressão. Campinas: Papirus. [mimeo]. Martins, M. C. (2008). Conceitos e terminologia. Aquecendo uma transforma-ação: atitudes e valores no ensino de arte. In: Barbosa, Ana Mae (org.). Inquietações e mudanças no ensino de arte. 4. ed. p. 49-60. São Paulo: Cortez. Nóbrega, A. (2012). Mediação inclusiva: a áudio-descrição abre as cortinas do teatro para a pessoa com deficiência visual [CD-Ro om]. In: Arte/Educação: corpos em trânsito: anais do XXII Congresso Nacional da Federação de Arte-Educadores do Brasil. São Paulo: UNESP – Instituto de Artes. 29 Out.-02 Nov. 2012. Ott, R. W. (2005). Ensinando crítica nos museus. In: Barbosa, A. M. (Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. 6 ed. pp. 113-141. São Paulo: Cortez.

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Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades ¿Por qué copiar a Leonardo? La Enseñanza del Dibujo como inscripción de una Potencia e la construcción de las subjetividades Why copying Leonardo? The Learning of Drawing as the inscription of a Potentiality and the construction of subjectivities

Magda Silva I2ADS, Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade Faculdade de Belas Artes – Universidade do Porto Doutoranda em Educação Artística

Tipo de artigo: Original Artigo baseado em Tese de Mestrado, Entre desenhos-daninhos: A Inscrição da Potência, apresentada à Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação e à Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, em 2013.

RESUMO Neste artigo procuramos configurar uma plataforma de discussão com as práticas letivas privilegiadas no Ensino de Desenho A, na Escola Secundária Portuguesa. Expondo estas enquanto práticas discursivas que exercem efeitos produtivos

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Magda Silva

sobre os seus sujeitos, sublinhamos a construção das subjetividades dos alunos, enquanto aprendizes de desenho. Assim, se as aprendizagens se pontuam pela predominância de determinados tipos de exercícios, identificamos nas práticas letivas a convergência por uma potência de Desenho, que não é mais do que o campo de possibilidades previsto pelo programa da disciplina, e um determinado estado de desenho a atingir. Neste sentido, o conceito aristotélico de potência, a leitura contemporânea do mesmo por Agamben (1993, 2006, 2007), e o conceito de tecnologias do eu de Foucault (1988), articulam-se no problema que aqui se procura desenvolver: A inscrição de uma racionalidade específica que produz a forma como os alunos se passam a ver a si mesmos e ao desenho. Palavras-chave: Potência; Desenho A; sujeito; subjetivação; Escola Secundária.

RESUMEN En este artículo buscamos configurar una plataforma de discusión con las prácticas lectivas privilegiadas en la Enseñanza del Dibujo A, en la Escuela Secundaria Portuguesa. Exponiéndolas en cuanto practicas discursivas que ejercen efectos productivos sobre sus sujetos, destacamos la construcción de las subjetividades

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de los alumnos como aprendices de dibujo. Por lo tanto, si los aprendizajes se puntúan por el predominio de determinados tipos de ejercicios, identificamos en las prácticas lectivas una convergencia por una potencia de Dibujo, que no es más que el campo de posibilidades previsto por el programa de la disciplina (que ofrece el plan de estudios), y un determinado nivel de dibujo a alcanzar. En este sentido, el concepto aristotélico de potencia, la lectura contemporánea del mismo por Agamben (1993, 2006, 2007), y el concepto de tecnologías del yo de Foucault (1988), se articulan en el problema que aquí se busca desarrollar : La inscripción de una racionalidad específica que produce la forma en la cual los alumnos pasan a verse a sí mismos y al dibujo. Palabras-clave: Potencia; Dibujo A; sujeto; subjetivación; Escuela Secundaria.

ABSTRACT In this paper we seek to configure a platform for discussing the drawing teaching practices in the Portuguese Secondary School. Exposing them as discursive practices that produce effects on their subjects, we emphasize the construction of students’ subjectivities as apprentices of drawing. Thus, if the learning is punctuated by the predominance of certain types of exercises, we identify, within the teaching practices, a kind of potentiality relating to drawing, that is no more than the field of possibilities provided by the curricular discourse, and a certain state of drawing to be achieved. In this sense, the Aristotelian concept of potentiality, its contemporary reading by Agamben (1993, 2006, 2007), and the Foucaultian (Foucault, 1988) concept of technologies of the self, articulate the problem that is here discussed: the inscription of a specific rationality that produces how students come to see themselves and the drawing. Keywords: Potentiality; Drawing; subject; subjectivation; Secondary School.

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mesmo a tentativa árdua de reproduzir aquele modelo atendendo aos seus aspetos estético-formais. Querer-seia naquele movimento de desenho pedir de empréstimo a mão de Leonardo? Se o maior génio de todos os tempos se encontrava ali fotocopiado, era por demais evidente que cada aluno se debatia por assemelhar a sua mão e o seu gesto, à mão e ao gesto de um génio. De alguma forma, a História e o Desenho, estavam ali presentes, e os trabalhos produzidos eram citações dessa longa e íntima relação… O aluno que referi, abandonou o desenho de Leonardo e avançou para outro, seu. Eu afinal não soubera dar-lhe uma resposta ‘motivadora’. Leonardo da Vinci, Estudo para o Monumento Trivulzio c.1508-1511 pena e tinta sobre pedra negra

INCITAÇÃO INICIAL O estudo que conduziu a este artigo foi efetuado no decurso de um estágio pedagógico de um ano letivo realizado numa Escola Secundária do Porto, em Portugal. Deste, recordo um breve episódio vivido numa aula dedicada a um exercício de cópia de um desenho de Leonardo da Vinci. A seu propósito, um aluno perguntoume o motivo pelo qual teria ele que desenhar aquele cavalo. Pese embora a ironia e a resposta tipificada que lhe ofereci, recordo este como um episódio impactante, perante o qual a tentativa de uma resposta plena, suporia uma longa conversa e um necessário questionamento àquele ato de cópia. Será assim tão evidente conceber o lugar da cópia numa aula de desenho? Na verdade, a resposta que havia improvisado para que o aluno prosseguisse com o seu exercício – uma vez que esse era o meu dever –, levar-me-ia, mais tarde, a pensar no quão difícil pode ser perceber por que motivo de facto aquele é um exercício tão natural de se conceber em aula, se procurarmos pensar um pouco além da sua indicação na sugestões metodológicas do Programa de Desenho A. Era porém naquela concreta aula, que tomado pelos alunos como mera representação de um cavalo, aquele desenho ocupava no olhar destes a função inerte de uma qualquer

A PEDAGOGIA DA POTÊNCIA O presente artigo não pretende outra coisa senão a de expor uma reflexão. Esta não se possibilitaria porém

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imagem a copiar. Na verdade, o que importava ali, era

sem ter sido realizada uma investigação ao longo de um ano letivo, onde observei e participei em aulas de desenho com uma turma de artes visuais, tendo, por princípio, dedicado a minha atenção aos processos de ensino e aprendizagem do desenho, tanto quanto possível a partir das perspetivas dos alunos (Silva, 2013). Assim, através de diálogos e de discussões de grupo com os alunos, assim como um trabalho sistemático de análise documental, não apenas se produziu um trabalho académico, mas um campo de possibilidades por onde pensar o ensino de desenho através do reconhecimento de uma articulação muito sensível entre o que é a dimensão ontológica inscrita nessa disciplina e o universo humano a que se destina pedagogicamente. Deste modo, o que trago neste artigo, é o desejo de tornar a escrever e pensar alguns recortes dessa experiência. A teoria é por isso um lançamento necessário onde se busca nutrir o pensamento. Assim, o episódio referido atrás não pretende outra coisa senão incitar a uma reflexão que bem além de um exemplo como o dado, um exemplo de cópia, pretende colocar em discussão, não necessariamente a forma como o ensino do desenho na escola secundária se processa, mas até que ponto podemos perceber, ao nível do que

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estas aprendizagens podem representar para os alunos, a

entender que tal advém, em primeiro lugar, da potência-de-

aquisição de uma imagem contornada por determinadas

aprender que o aluno necessariamente trará consigo, como

funções e atributos. Nesse sentido começo por buscar o

o próprio Aristóteles poderia dizer.

conceito de potência, que pela via agambeniana (Agamben,

Assim, entre a escrita ou a não escrita sobre as

2006, 2007), me propicia viajar no tempo para o perceber

tabuinhas dos sujeitos, permitamo-nos imaginar as práticas

na fala de Aristóteles, repensando uma sua metáfora, que, a

escolares, ou disciplinares, como meios de inscrição de

propósito da escola e do desenho permite diversos sentidos.

determinados discursos curriculares, que transportam no

No século IV a.C., Aristóteles utilizou a metáfora

seu íntimo perfis subjetivadores. Neste sentido o conceito

de uma tabuinha para se referir à mente humana e à

de subjetividade a que me reporto requer o reconhecimento

capacidade que cada um de nós tem, sobretudo, de pensar.

de processos de subjetivação (Foucault, 1988), decorrentes

Assim, muito embora o conceito tenha viajado através dos

de um poder produtivo, uma vez que as condicionantes da

séculos e sofrido a responsabilidade de um determinismo

formação dos indivíduos não são dados necessariamente

largamente condicionador, encontramos a partir da leitura

naturais, mas produzidas por relações de poder, que se

contemporânea de Agamben (2006, 2007), a possibilidade

traduzem na conduta e no pensamento dos indivíduos.

de repensar essa mesma tabuinha. Proponho então,

Assim,“O conceito de sujeito, para Foucault, é a encarnação

através desta metáfora da mente humana, imaginar a

dos efeitos de poder produzidos pela subjectivação, ou seja,

escrita dos nossos pensamentos e da nossa vontade, afinal,

a agregação ao ser humano de um conjunto de qualidades,

desenhando-se sobre essa mesma tabuinha.

como se dele fossem inerentes, como se da sua natureza

Com efeito, se uma ideia de escrita ou inscrição

íntima fizessem parte” (Penim, 2002, p. 30). É precisamente

numa tabuinha era, em Aristóteles, uma metáfora da

perante esta conceção de sujeito, que a evocação da tão

construção da mente humana, apenas concebível a partir da

antiga tabuinha de Aristóteles e da potência de nesta se

potência que a possibilitava, era também essa já a potência

inscreverem qualidades tão íntimas, se apresenta neste

pura do ser pensante (Agamben, 1993, 2007). Assim, tanto

texto. Porém é também a metáfora aristotélica que nos

quanto podemos imaginar atos de escrita sobre a tabuinha

permitir imaginar um outro devir, pois a inscrição só se

de Aristóteles formando a ‘subjetividade’ de determinado

permite enquanto possibilidade concedida pela potência:

indivíduo, é por um lado outro, o da potência de não que

Ou seja, o ser humano teria, neste sentido, a possibilidade

podemos compreender o papel desafiante que essa potência

de ser sujeito, assim como a de o não ser (Agamben,1993,

pura pode representar perante o saber. Pois uma potência

2007). É por este motivo que os episódios impactantes que

de não, como nos explica Agamben (2007), corresponde

se nos colocam, como o exemplo do aluno que partilhei

precisamente à possibilidade de um sujeito não ser apenas

atrás, nos podem levar a pensar na produtividade específica

passivo face à inscrição na sua própria tabuinha. É por esta

que solicitamos quando representamos um programa ou

diferença entre ‘ter a potência de ser sujeito’ a algo, e o ‘ter

uma potência. Dessa forma, no concreto espaço da escola,

a potência de não sujeito’ a algo, que podemos imaginar

não apenas os alunos, mas também os professores são

uma subjetivação prometida numa representação macro de

sujeitos da potência que na escola se autorizar, traduzindo-a

desenho tal como a escola projeta sobre os seus sujeitos.

na linguagem letiva.

Se entendermos o saber como potência macro,

Neste sentido a ocasião de conceber então que

é por este representar os contornos de escrita que uma

por uma articulação entre uma dimensão macro e uma

instituição como a escola, se proporia inscrever na tabuinha

dimensão micro da potência – aquela que existirá em cada

de cada um dos seus sujeitos. Desse modo, se pensarmos

um –, encontramos na escola uma instituição que persevera

que pela circunstância da mundividência escolar um

na produção de determinados tipos de sujeitos, através da

aluno atravessa o território da sua formação, adquirindo

linguagem que habita as práticas letivas. Permitamo-nos

as características que a escola lhe transmite, precisamos

então indagar longamente a possibilidade de um aluno

120 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Julho 2014


A POTÊNCIA DE SER-SUJEITO: TECNOLOGIAS DO EU

enunciado previamente no formato de uma literatura curricular que o antecipa em função de uma potência, dita

Se o ponto central da investigação que transporto para este texto, se reporta aos processos de subjetivação de

macro. Com efeito, na disciplina de Desenho, se o percurso

que os alunos são sujeitos, enquanto alunos de desenho,

pedagógico do aluno decorre de um processo de aquisição

é-nos requerido olhar o programa e perceber que no

de especificidades e do domínio das potencialidades

mesmo se recorta o perfil de uma determinada figura de

previstas pelo Programa, tal aquisição é, à luz da potência,

aluno, produto necessário dessa herança articulada entre a

semelhante a uma inscrição na tabuinha do sujeito, e dessa

escola, o desenho e a interioridade do sujeito (Penim, 2003;

forma podemos entender o poder inscrito no Programa

Martins, 2012).

como produtor da subjetividade do aluno, enquanto aprendiz daquele saber.

Assim para que possamos compreender melhor a que conceito de subjetivação me refiro, precisamos

Desta forma, em Desenho, é sobretudo a eficácia

olhar o programa de desenho, partindo de tecnologias

dos desenhos produzidos – maioritariamente desenhos de

de subjetivação (Foucault, 1988). Esse olhar permitir-

observação – que coloca os alunos em confronto com essa

nos-á perceber a dimensão ontológica da figura ideal de

potência, ao que dizer que a pedagogia da disciplina de

aluno que refiro, como presente no programa: Aquele

Desenho se organiza em função de produzir determinados

que domina, conhece e comunica com eficácia através do

sujeitos, permite-nos nomear esses sujeitos como potentes

desenho, e que do programa de desenho, se projeta para

no desenho.

as práticas letivas prefigurando os contornos da potência

Serão então esses sujeitos potentes no desenho,

perante a qual os alunos constroem as suas subjetividades.

os alunos que designadamente alcancem os objetivos,

Assim, independentemente das diferentes pessoas que

finalidades e competências indicadas no Programa: aqueles

são os alunos, preside instalada nas práticas letivas, toda

que, em última análise, verão o nível das suas aprendizagens

uma linguagem reportada a essa figura, que define o que

certificado pelas classificações a obter no exame nacional

os alunos devem ser, como devem fazer, como devem

de desenho .

agir. Desta forma concretiza-se um discurso curricular

1

Assim se nos referirmos a essa potência macro

normalizador que separa e categoriza as capacidades

inscrita no Programa, estamos a referir-nos precisamente

individuais dos alunos, que na verdade conduz a que os

àquilo que, em Desenho, se autoriza como sendo o campo

alunos se sintam representados pelas próprias capacidades

de possibilidades no qual os alunos devem formar-se,

(Atkinson, 1998).

adquirindo um conjunto de saberes que não é mais do que

Partindo então do princípio de que os alunos

uma representação de poder que, por ser ali proposto,

se vêem a si mesmos, através do que entendem que

participa na produção das suas subjetividades enquanto

‘conseguem’ fazer, precisamos compreender antes de mais

alunos daquela disciplina.

a aprendizagem como um processo de interiorização de uma

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de desenho ser objeto de um processo de subjetivação

racionalidade que leva o aluno a agir sobre si mesmo para se transformar, de acordo com a potência que lhe é pedida demonstrar no desenho. Recorramos então a Foucault 1  A disciplina de Desenho A, é em Portugal, a única disciplina trienal obrigatória e de formação específica do Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. O exame nacional de Desenho A, que refiro no texto, corresponde a um instrumento de avaliação sumativa externa que certifica a aprendizagem realizada pelo aluno no final do ciclo de estudos. Este exame tem por referência o Programa de Desenho A, homologado em 2002 e representa na nota final do aluno uma percentagem de 30%. Porém, para efeitos de média de acesso ao ensino superior, o exame pode funcionar também como prova de ingresso, nesse caso pode corresponder a uma percentagem entre 35% e 50% da nota de candidatura do aluno.

(1988) para que possamos compreender tais mecanismos, ou tecnologias do eu, que permitem aos indivíduos: “…efetuarem sozinhos ou com a ajuda de outros, um certo número de operações sobre seus corpos e suas almas, seus pensamentos,

Julho 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |121


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suas condutas, seus modos de ser; de modo

mesmas inscrevem os alunos e as suas subjetividades na

a transformarem-se de acordo com um certo

direção da potência.

estado de felicidade, de pureza, de sabedoria, de perfeição ou de imortalidade.”2 (Foucault,

AS PRÁTICAS LETIVAS: NA OCUPAÇÃO DE UM CAMPO DE

1988, p. 18)

POSSIBILIDADES INSTALADAS

Se encararmos a potência instalada nas práticas letivas

Se a prática de determinados tipos de exercícios

como um determinado estado a atingir, podemos perceber

promove sobre os alunos, a definição de uma imagem

como se possibilita ao próprio aluno tornar-se, pelos seus

sobre o que o desenho é, e sobre o que o desenho

investimentos pessoais no sujeito que domina, conhece e

deve representar para eles, os alunos passam a ocupar

comunica através do desenho. Pelo que, não apenas um

determinadas categorias, enquanto alunos de artes visuais,

desenho, mas um sujeito que o produz, se corrige e se

e produtores de desenhos.

reeduca, se aperfeiçoa, se melhora, se aplica por aprender,

Tais categorias não se esclarecem contudo, sem

dada a existência de todo um ritual que acompanha e

que consideremos atentamente esse pequeno universo

delimita compromissos de, por exemplo, como dizer, como

que delimita a produção de desenhos nas aulas, por dois

ser, como se organizar, como ocupar a folha, de como

motivos primordiais: primeiro porque é nas aulas que

utilizar os materiais, ou de como explicar o trabalho que

os dizeres programáticos são, depois de interpretados

produz.

pelos professores, postos em prática, e segundo, porque Assim, se nos referirmos a posturas, atitudes, e

é nas aulas e no contacto com os alunos que podemos

sobretudo a uma ‘autocrítica’ – tão valorizada em ambiente

considerar os desenhos produzidos como exercícios claros

letivo enquanto impulsionadora da aprendizagem –,

de subjetivação, pois cada aluno aprende a desenhar pelo

necessitamos perceber como essas derivam da incorporação

estabelecimento de uma auto regulação que parte do saber

do discurso que modela as práticas letivas, e de como este

que lhe é proposto.

convida os alunos a ocupar o seu lugar dentro daquela

Se nas práticas letivas podemos encontrar a

potência particular que se faz representar nas aulas de

tradução dos discursos da potência prevista no programa

desenho.

– dizendo-nos o que o desenho deve ser, como deve ser

Aprender desenho é passar a habitar o desenho

aprendido, e que tipo de resposta os alunos devem conseguir

num enquadramento racionalmente preciso que não

atingir –, é importante começar por notar a dimensão que os

dispensa o investimento que o próprio sujeito – que tem

desenhos de observação da realidade adquirem nas aulas.

a potência de o ser –, empreende por essa transição para

Seja

por

cópia

de

desenhos

de

mestres

‘desenhador’ em domínio das especificidades discursivas

reconhecidos pela história da arte, seja por composições

do saber que lhe é ensinado. Aí se oferece ao sujeito um

de objetos presentes no espaço da sala de aula, seja por

território de conforto, mas vejamos: aquele que a potência

observação de elementos arquitetónicos próprios do espaço

autoriza, campo de possibilidades bem claras, fechadas

escolar, na verdade o desenho é sobretudo praticado como

e previsíveis, por onde convergir na direção desse sujeito

exercício de registo, adestrante da mão e potenciador de

ideal subentendido no Programa de Desenho.

uma crescente perícia técnica ao nível da representação

A propósito desta convergência, proponho em

rigorosa da realidade visível.

seguida observar as práticas letivas, como território produtor

Na verdade, considerando este Desenho disciplinar

dessa mesma convergência, tentando perceber como as

enquanto potência macro, podemos perceber como para os

2  No original: “…effect by their own means or with the help of others a certain number of operations on their own bodies and souls, thoughts, conduct, and way of being, so as to transform themselves in order to attain a certain state of happiness, purity, wisdom, perfection, or immortality.”

alunos se constitui aquele que se representa como o produto ideal do seu trabalho. Neste sentido, os desenhos, realizados na prática letiva, não são para nós inofensivos lugares de

122 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Julho 2014


dos exercícios, que por força da ‘boa’ execução requer

profundas, se não irreversíveis transformações interiores:

uma crescente objetividade. Com efeito, a existência de

ao que os desenhos, elementos visíveis, testemunham o

modelos claros do então ‘bom’ e ‘mau’ desenho, começa

processo de subjetivação à potência, produzindo-se a forma

por implicar a necessidade de que os enunciados dos

como os alunos passam a ver o seu trabalho, a si mesmos,

exercícios sejam o mais objetivos possível, pois a prescrição

e ao Desenho.

clara que se contém num enunciado passa a anunciar um

Com efeito, cada aluno se torna sujeito dessa potência – seja por falta manifesta, seja por esforço de

espaço de segurança para os alunos, visto que dentro dessa objetividade, se assegura um maior controlo do erro.

aproximação ou alcance desse ideal, seja até mesmo sob

Compreendamos como o entendimento do

uma recusa, em si mesma, do que aí, na escola, lhe seja

desenho conduzido para um campo restritivo delimita nas

proposto – ao que a subjetivação, se torna inegável a partir

práticas letivas um paradigma em que aprender a desenhar

do momento em um aluno reconheça aquela potência de

significa viver comodamente com a falta de liberdade, por

desenho como o Desenho, e perante este se entenda a si

se supor, dentro desse campo de critérios cuidadosos,

mesmo como um determinado tipo de ‘desenhador’.

ter como não falhar. Assim, os hábitos de disciplina já

Assim, quando disse atrás que os alunos passam

adquiridos comprometem a possibilidade do desenho ser

a ocupar determinadas categorias enquanto alunos de

entendido como um instrumento autónomo, uma vez que

artes visuais, é pela correlação direta entre o sujeito que

qualquer indeterminação passa a ser entendida como risco.

desenha e a categoria na qual o seu desenho se inscreve.

Verifiquemos que aquilo que são espaços de

Desta forma, o ‘desenhador’ vai-se afinando, cuidando por

desenho prescritivos ou condicionados tendem a tornar-se

não errar, ou cuidando por dominar o perfil pretendido de

lugares mais confortáveis, à medida que se considera o já

um ‘bom desenho’, categoria essa que necessariamente

aprendido, ou o já disciplinado, como o território dentro do

instala o seu oposto: o ‘mau desenho’. Este, por um

qual se possa explorar o desenho. Assim, o desenho passa a

progressivo aperfeiçoamento do desempenho do aluno, vai

ser visto pelos alunos como um território progressivamente

sendo identificado, criticado, corrigido e repetido, ao jeito

pensável dentro de fronteiras muito claras.

de um processo evolutivo, na convergência daquele que

Se a inscrição da potência tem como produto

se entender como o ‘bom’ : aquele desenho em que já se

subjetividades que se resguardam do ‘risco’ habitando

sabe o que fazer, como, com que material, dentro de quanto

espaços de autorização específicos do desenho, tal só

tempo, no domínio dos conceitos-base de uma linguagem

acontece exatamente por se haver definido o território

própria do seu campo discursivo: proporção, volume,

do ‘bom’, aquele cuja qualidade se pretende atingir. Pese

contraste, enquadramento, etc.

então o privilégio do estudante que atinge esse estado

Imaginemos então o quanto o discurso do professor

de superação da aprendizagem, na verdade ele lança-se

– também ele um sujeito do programa –, vai cultivando o

num movimento de desenho cuja propriedade de ‘bom’, é

caminho dos desenhos dos alunos, ajudando a identificar

sobretudo manifesta no ‘produto final’ da sua execução.

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aprendizagem, antes sim, territórios de agitação, dúvida e

o erro e a distinguir deste o desenho com qualidade, para conduzir a respostas mais próximas do que se pretende atingir na disciplina.

NOS EFEITOS DA POTÊNCIA: O ELOGIO DO PRODUTO FINAL

Assim, se o rigor de uma linguagem delimita a ação do desenho, na direta proporção entre os investimentos

Se os alunos potentes no desenho são que

pessoais do ‘desenhador’ e o cumprimento dessa linguagem

se adaptam comodamente à permanência dentro das

em prol da potência que se crê ser o ‘bom desenho’, a

fronteiras aprendidas, é também por ser nesse mesmo

instalação desta representação tornada comum, ordena o

lugar que residem com objetividade os critérios de

trabalho, subordinando-o ao cumprimento dos enunciados

avaliação e de validação de aprendizagens. É certo, nesse

Julho 2014 | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades| Magda Silva |123


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sentido, que se compreenda o valor que o produto final

discutir o desenho, o desenho em si, para além da dureza

ocupa nas subjetividades dos alunos, muito embora essa

da grafite, que perfaz a silhueta da figura a copiar?

valorização do produto possa implicar alguma negligência

Articulemos o fundamento desta cópia com a

do processo que lhe é inerente. Porém, como neste artigo

preponderância que o produto final representa, aqui tão

o foco tem vindo a ser precisamente a construção subjetiva

claramente ordenado pela semelhança face ao original.

que os alunos fazem do desenho, entendemos não dever

Por instantes perguntemo-nos por que motivo os alunos

ignorar este estado limite subjetivador do aluno, porque

consideram os ‘produtos finais’ como mais importantes

ele é efeito das práticas discursivas que percorrem as aulas,

naquela disciplina e não os processos de pensamento e os

constituindo um entendimento do desenho cujo foco

exercícios que conduzem a esse mesmo produto final?

obedece maioritariamente a esse produto.

Não será por uma subjetividade que se constrói na

Ao realizar o estudo que conduz a este artigo, foi

direção desse estado final de execução, na qual os alunos

notável perceber como para os alunos, aprender a desenhar,

apostam, atribuindo a este produto o valor mais elevado da

significa acima de tudo aprender a ver, e tal poderia em

sua experiência, uma vez que sujeitos, se vêem a si mesmos

certa medida ser satisfatório, se ver não se encerrasse na

como capazes ou não de atingir esse estado de perfeição?

compreensão das partes de um todo, sobretudo quando o

Projetando da fotocópia de Leonardo a missão da cópia, não

ato de desenhar, é sentido pelos alunos, precisamente como

se ausenta a questão pertinente a colocar ao desenho sobre

um espaço no qual barreiras emergem conscientemente

a sua natureza como processo de pensamento?

enquanto os desenhos são produzidos, (Silva, 2013).

Perdida a oportunidade de com o desenho de

Portanto, se as práticas letivas conduzem os alunos

Leonardo discutir o propósito a que este servira séculos atrás,

a conviver dentro de limites e convenções que obtêm valor

subordinando uma vez mais o pensamento à reprodução e à

como norma, imbuindo os ‘produtos finais’ de um valor

repetição, é não dar espaço ao necessário debate que possa

soberano, sobre quaisquer outros espaços de significação

conduzir a uma aprendizagem que desejaríamos plena.

do desenho, fará sentido retomar o episódio que evoquei no início deste texto.

Permitir copiar Leonardo, atendendo meramente à dureza da grafite e às proporções entre as partes da

O cavalo de Leonardo que tão desconcertantemente

figura original, é perder a oportunidade de pensar naquele

me traria aqui não é mais do que um pretexto para propor a

desenho como o que realmente aquele desenho é: Um

avidez de uma discussão, que toma este episódio como um

estudo. Um estudo, que entre vários outros, vinha responder

entre outros possíveis. Um pretexto para pensar no próprio

a uma questão.

Leonardo e no que ele poderia dizer se acaso pudesse visitar

A necessária consciência de que o desenho permite

aquela aula de desenho do século XXI, em que todos os

responder a questões é viver a potência pura do próprio

alunos se encontravam perante a tarefa de reproduzir um

Desenho, é ultrapassar as fronteiras que se estendem ao

desenho seu. Afinal esse era um desenho de estudo que

pensamento, é aceitar a inevitabilidade fundamental da

havia realizado para o Monumento Trivulzio, entre 1508 e

divergência. Pois pleno é o desenho quando se permite

1511. Um desenho de estudo era no século XXI, reduzido a

pensar através dele, quando se permite perceber que

uma imagem cujo lugar em aula era o do exemplo a copiar.

ele é um instrumento único com que aceder àquilo que

O seu valor enquanto desenho de pensamento, ou de

não é ainda visível senão na mente. É aceitar e permitir a

instrumento de resposta a uma questão, era ali inexistente.

convivência da potência pura de cada um que não pode

É certo que a história trouxe Leonardo e o seu

conter-se na subjetividade conjuntamente solicitada nas

desenho até uma aula do século XXI, é certo que o Programa

finalidades, objetivos e competências a que os sujeitos –

recomenda este tipo de exercícios, mas perguntemo-

professores e alunos – se subordinam por responder o mais

nos: com que sentido? Como não discutir o fantasma de

eficazmente a um exame nacional.

Leonardo fotocopiado duas dezenas de vezes, sem se

124 | Magda Silva | Por que copiar Leonardo? O Ensino do Desenho como inscrição de uma Potência e a construção de subjetividades | Julho 2014


Este é um ato de gerar tensões. Nestas tensões não estaremos já a habitar um espaço de impotência perante os

Circunscrever a aprendizagem do desenho a uma

moldes segundo os quais permanecem inscritas tais normas

subjetividade que se compraz na contemplação de um

e padrões nas práticas letivas e nas expectativas que as

produto final no qual se aplaude a semelhança, por se supor

instituições ordenam para os seus sujeitos? Não estamos na

nesta a finalidade do desenho, é perder um ininterrupto

contemporaneidade no direito de discutir com a reprodução

processo de aprendizagem que não pode barrar-se pelo

passiva de leonardos?

recorte estético de um imaginário a todos os títulos

Parece-nos mais do que urgente colocar um

destituído de significado na contemporaneidade, que insiste

verdadeiro e comprometido foco sobre qual é realmente

em sobreviver sem plenitude nem compreensão possível.

o sentido desta disciplina no currículo de artes visuais

Se abordámos a disciplinação de um ato que

no Ensino Secundário. Por esse ato de impotência

não era novo ao aluno, e que necessariamente se vem a

experimentaríamos talvez a emergência de um espaço onde

transformar, não apenas pelos resultados ‘impressos’ na

as aprendizagens se permitam abranger uma experiência

folha de papel, mas sobretudo pela subjetividade que se

mais ampla, não apenas ao nível dos exercícios, mas

constrói como apanágio das relações estabelecidas com o

também daquilo que o desenho é, e daquilo que o desenho

desenho tal qual ele é apresentado e requerido nas práticas

permite. Porque o desenho é um lugar de permissão, e só

letivas, e se os próprios alunos se vêem e avaliam a si

o entendendo assim, será ao sujeito que o estuda, possível

mesmos pelo que conseguem fazer, é porque nos é possível

explorá-lo plenamente.

discutir este tipo de práticas, concedendo o devido enfoque à construção das subjetividades dos alunos.

Na verdade, ao questionar as práticas letivas, estamos já a ser já impotentes, mas o devir desse

Assim, se estar na impotência – lugar a partir do qual

questionamento só será, também ele, pleno, quando

se permite o questionamento a qualquer ato de escrita na

transportado para o nosso pretexto de escrita: é nas práticas

‘tabuinha’ do sujeito (Agamben, 2007) – pode ser entendido

letivas que precisamos de ser impotentes. Impotentes por

como o ato puro de colocar questões, perguntemo-nos:

pensarmos que não podemos unicamente cumprir um

Por que é o desenho ensinado dentro de fronteiras tão precisas?

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A CONCLUIR, UMA PROPOSTA DE IMPOTÊNCIA

programa orientado para resultados. Impotentes porque precisamos encontrar outra forma de atribuir significado à

Não está o desenho a ser ensinado como um ato de

aprendizagem.

reprodução de arcaicas, embora continuamente renovadas práticas discursivas, que mantêm os seus propósitos dirigidos para uma convergência resignada à fórmula de um ‘produto final’ eficaz? De que outra forma poderá o desenho se justificar enquanto disciplina escolar, além das fronteiras que parece impor às subjetividades dos seus estudantes no ensino secundário? Assim, se viemos até aqui falando de potência, é por salvaguardar desde o início que nesta se contém a própria impotência: essa é também a possibilidade nossa de questionar nas práticas letivas os efeitos de subjetivação aí contidos. Pensar com impotência poderá levar-nos algures além das fronteiras instaladas do desenho, se nos permitirmos entendê-las como evidências questionáveis.

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Martins, C. S. (2012). Investigar em Educação Artística: A História do Presente como a Possibilidade de Desnaturalizar Alguns Lugares Comuns. Revista Portuguesa de Educação Artística, 119-134. Penim, L. (2003). Da Disciplina do Traço à Irreverência do Borrão. Lisboa: Livros Horizonte. Ramos, A. (Coord.), Queiroz, J.P., Barros, S. N., & Reis, V. (2001). Desenho A 10º Ano, Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário. Ramos, A. (Coord.), Queiroz, J.P., Barros, S. N., & Reis, V. (2002). Desenho A 11º e 12º Anos, Curso Científico-Humanístico de Artes Visuais. Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário. Silva, M. (2013). Entre desenhos-daninhos: A inscrição da Potência. [Tese de Mestrado]. Universidade do Porto. Zollner, F. (2005) Leonardo da Vinci, Vol. II: Desenhos e Esboços. Taschen

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Potência poiética em cadernos de artista: do desenho ao movimento corporal La potencia poietica en cuadernos de artista: del dibujo al movimento del cuerpo Poietic potentiality in artistic’s notebooks: from drawing towards the body movements

monicaribeiro@ufmg.br Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema

Mariana Silva Câmara Universidade Federal de Minas Gerais, Graduação em Letras Projeto realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnologia/ CNPq-Brasil.

Tipo de artigo: Original

RESUMO Este artigo apresenta os resultados da pesquisa documental realizada em cadernos da artista Ione de Medeiros com o objetivo de encontrar índices

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Mônica Medeiros Ribeiro

formativos para o artista cênico. Com fundamentação teórica baseada na crítica genética, foi efetivada pesquisa documental buscando coletar e analisar imagens/ desenhos de movimentos corporais e, posteriormente, efetivar um processo de criação coreográfica compartilhada na rede. Foram coletados e arquivados 3.211 desenhos, e criada uma sequência de movimentos expressivos por meio da participação de usuários de uma conta no facebook. Finalmente, consideramos que os índices que poderiam ser qualificados como formativos eram os que, portando potência de afecção, promovem desdobramentos poiéticos sob a forma de novas criações de movimentos. Palavras-chave: Índices; Movimento; Processo de criação; Compartilhamento; Desenho.

RESUMEN En este artículo se presentan los resultados de la investigación documental realizada en los cuardenos de la artista de teatro Ione de Medeiros, com el

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objetivo índices formativos para artistas escénicos. Sobre la base teórica de la crítica genética, la investigación documental se llevó a cabo com el objetivo de recojer y analizar imágenes/ dibujos de movimentos del cuerpo y luego llevar a cabo un processo de creación compartida em la red. 3.211 dibujos foran recojidos y arquivados, y se creó uma secuencia de movimentos expressivos por médio de la participación de usuários de uma cuenta de facebook. Por ultimo, consideramos los índices que podrian ser cualificados como formativos como aquellos que, portando potencia de afección, promueven otras craciones artísticas. Palabras-clave: Índices; Movimiento; Proceso de creación; Creación compartida; Dibujo.

ABSTRACT This paper presents the results of documental research conducted in artistic’s notebooks of Ione de Medeiros with the goal of finding formative indices for scenic artists. Based on genetic critics, documental research was carried out and later we made a shared choreographic creation process in the network. Were collected 3.211 drawings, and created an expressive movement sequence through the participation of facebook account users. Finally, we consider indexes that could be classified as formative, those that carrying poietic potentiality, promotes others movement creation forms. Keywords: Indices; Movement; Creation Process.

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compreender os caminhos seguidos pelo seu autor, o modo de pensamento criativo, o processo imaginativo do artista

Para a feitura da pesquisa em arte realizada, que gerou o

criador. Como surgiu aquele assunto? O que foi estimulante

texto aqui presente, abordamos as tecnologias do corpo

para que tal tema fosse abordado na obra? Como se deu

que possibilitaram articulação de movimentos a partir de

o processo de montagem de uma cena? O escrutínio dos

imagens oriundas de variadas fontes, como visual, sonora,

documentos do processo de criação permite revelar a

auditiva e cinestésica. O corpo associa e implementa

estrutura de pensamento do autor.

técnicas, métodos em processos de construção e criação de movimentos. Ressaltamos que as tecnologias do corpo não são compreendidas aqui como cindidas da sociedade e contexto no qual o sujeito criador se encontra, uma vez que são desenvolvidas a partir da relação corpo-ambiente. Consideramos ainda que essas tecnologias poderiam ser correlatas a processos de percepção, decisão, inibição, coordenação motora, além da atenção e imaginação.

A identificação dos índices formativos para a formação artístico-corporal de atores e dançarinos, objetivo da pesquisa, permitiu-nos iniciar o processo de compreensão do pensamento da artista Ione de Medeiros em relação ao trabalho corporal dos integrantes de seu grupo1. Por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1977) estudamos registros das imagens sob a forma de desenhos de movimentos expressivos. Perseguimos o processo da feitura do corpo

Por meio do exercício da continuidade corpo-mente e

cênico por meio dos índices, que, sendo representação da

ambiente, interessa-nos o registro da experiência corporal

expressão, possibilitam o acesso à gênese do movimento.

efetivado durante o processo de criação de obras cênicas.

Os índices são as características do processo de criação do

A partir do tema da pesquisa documental em cadernos

artista e através deles alguns pontos podem ser esclarecidos

de artista, estudamos os registros do processo de criação

sobre a necessidade que levou o artista a criar a obra de

durante 32 anos de atividades da artista-professora Ione de

arte.

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Introdução

Medeiros e do Grupo Oficcina Multimédia – GOM/ Brasil, objetivando encontrar índices de processos metodológicos e formativos corporais para o artista cênico. A pesquisa documental tem como objetivo analisar documentos que ainda não passaram por processos de editoração, também chamados documentos primários, como cadernos de rascunhos, diários, cartas, vídeos, fotos, desenhos, anotações, imagens, entrevistas etc (Gil, 1999). Apropriamo-nos da pesquisa documental por meio da ambiência investigativa da crítica genética que, segundo Salles (1992, p.19), [...] analisa o documento autógrafo – documento vindo da própria mão do criador, não passando por processo de publicação – para compreender, no próprio movimento

Detalhamento do processo da pesquisa A pesquisa documental foi aplicada usando primeiramente o procedimento da leitura skimming - leitura rápida prestando atenção em pontos específicos - dos 111 cadernos da artista-professora Ione de Medeiros, fundadora do GOM e, posteriormente, o estudo para definição de com qual tipo de índice trabalharíamos, a coleta e arquivamento desses. A partir das quatro categorias de elementos, previamente estabelecidas, presentes nos documentos ─ exercícios de preparação do ator; desenhos de cenas; estudos teóricos da artista; observações da artista-formadora para seus

da escritura, os mecanismos da produção, elucidar os

atores-bailarinos ─ definimos a categoria de índice com a

caminhos seguidos pelo escritor e entender o processo

qual trabalharíamos: imagens sob a forma de desenhos de

que presidiu o nascimento da obra.

movimentos expressivos registradas nos 111 cadernos.

Desse modo, a crítica genética, oriunda dos estudos literários, foca nos estudos de processos criativos, buscando

Os 111 cadernos são correspondentes aos anos de 1973 1  Grupo Oficcina Multimédia: http://oficcinamultimedia.com.br/v2/

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a 2005 – 32 anos de atividades ininterruptas da artista-

de fala com utilização de sons para cada movimento. Em

professora Ione de Medeiros e do GOM. O primeiro

seguida, partimos para a composição da sequência que teria

procedimento foi a leitura dos cadernos cronologicamente

seu processo de criação compartilhado.

por décadas. Começamos pela década de 1970 e posteriormente 1980, 1990 e 2010. A coleta desses índices foi feita a partir de escaneamento dos desenhos/imagens que compõem os documentos primários. Em cada um dos cadernos procuramos analisar imagens de desenhos de movimentos expressivos registrando, através da escrita, todas as impressões e observações que os desenhos suscitavam, a partir das indicações da análise de conteúdo de Bardin (1977). Após essa coleta e análise, os desenhos foram guardados em arquivos no computador.

A sequência de imagens/desenhos teve sua criação compartilhada nas redes sociais por meio da plataforma do facebook e era modificada a cada postagem que constou de: 1- apresentação do desenho com uma provocação para criação. 2- Acolhimento das proposições dos participantes. 3- Alteração na base da sequência, que estava paralelamente sendo trabalhada, com a apropriação da proposta mais votada. 4- Nova postagem mostrando a sequência em vídeo após participação dos usuários. A escolha do facebook se deu pelo fato de ser uma ferramenta nova, de fácil acesso

A etapa seguinte pautou-se na definição de Rudolf Laban

tanto para o usuário quanto para o moderador da conta,

sobre ação corporal, citado por Rengel (2005, p.23),

rápida e que atinge todo o público que está inserido na

como sendo “aquela que engloba todo o envolvimento

página do usuário sem restrições.

da pessoa, podendo ser racional, emocional e física”. A partir dessa definição selecionamos imagens/desenhos que representassem ações corporais que sugerissem um movimento cênico. Em seguida, passamos à escolha feita prioritariamente por meio de nossa percepção subjetiva, levando em consideração aqueles desenhos que nos provocassem um desejo de complementá-los com movimentos, criando um antes e um depois para o instante registrado. Os desenhos que nos “afectaram” foram corporificados sob a forma de movimentos expressivos no corpo em ação. Então, efetivamos uma análise cinestésica dos índices por meio da execução corporal das imagens. Colocamos em movimento um momento, uma imagem que revelava um instante de um movimento. A partir dessa etapa a pesquisa passou a ser prática e compartilhada nas redes sociais. O procedimento metodológico da experiência prática foi a criação da sequência cronológica dos movimentos selecionados por via das imagens/desenhos coletados. Esses movimentos foram primeiramente corporificados, em seguida, registrados em fotos e vídeo, como uma sequência única, que foram arquivados no computador. Houve momentos de experimentos da sequência de movimentos

Essa etapa compartilhada durou um período de 3 meses. Criamos e utilizamos um canal específico no site do Youtube onde todos os vídeos postados estão acessíveis para qualquer usuário do site. Por meio dessa metodologia, aqui compreendida como composição de métodos para efetivar o estudo de um objeto com demandas singulares, desenhos de movimentos expressivos foram transformados em movimentos e, em seguida, organizados em sequências coreográficas. Desse modo, trabalhamos com tecnologias do corpo para propor novos agenciamentos criativos por meio do compartilhamento de momentos do processo de criação coreográfica

Do planejamento à ação e seus desdobramentos Os resultados alcançados foram a coleta e arquivamento de 3.211 imagens/desenhos dos 70 cadernos do GOM correspondentes aos anos de 1980 e 1990, uma coreografia breve, resultado do processo de criação compartilhada e suas variações, e a proposta da noção de índice formativo no campo artístico.

com: variação de velocidades, com textos cotidianos, com

Os

música, enumerando movimento por movimento, por via

correspondentes aos anos de 1973 a 2005 e estão divididos

111

cadernos

inicialmente

analisados

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são


em excelente estado de conservação. Eles estão numerados do número 1 ao 113, sendo que os cadernos de número 1 e de número 106 não estavam em nenhuma das 27 pastas. A coleta dos índices foi feita a partir de escaneamento das imagens/ desenhos que compõem os 70 cadernos de artista – documentos primários do recorte temporal

Imagem 1 – Desenho, Medeiros, C. 1988, p.84..

correspondente às décadas de 1980 e 1990. Foram coletados 3.211 imagens/desenhos correspondentes às décadas de 1980 (395 imagens) e 1990 (2.816 imagens). Essas 3.211 imagens/desenhos estão divididas em 515 páginas escaneadas de acordo com as décadas estudadas. A década de 1970 foi descartada na nossa coleta por se tratar de uma década de poucos registros de criação e de movimentos expressivos. A primeira década dos anos 2000 também foi descartada por conter cadernos que correspondem apenas à metade da década. O recorte temporal escolhido, portanto, foi referente aos anos 1980 e 1990 que, além de terem sidos anos produtivos para o GOM com mais de 13 criações artísticas, foram também anos de projeção e de estruturação do grupo e de seus treinamentos corporais.

Imagem 2 – Desenho, Medeiros, 1989, p.16.

52 cadernos, desenhos de movimento para os processos de montagens, imagens de possíveis estruturas de cenário e figurinos, desenhos para processo de iluminação, desenhos de exercícios de gestos, desenhos de movimentação cênica,

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em 27 pastas, sendo em média de 3 a 5 cadernos por pasta,

estrutura de exercícios de rítmica corporal, muitos desenhos de criação artística em prol dos processos de montagem, treinamento, aulas, viagens do GOM, oficinas de inverno e workshops. 3

Os cadernos numerados do 5 ao 22 pertencem a década de 1980 e foi possível observar nesses cadernos, de forma geral, desenhos para ilustrar exercícios de movimento, desenhos de improvisação, desenhos de rosto/expressões, desenhos de exercícios de pares. Encontramos também registros de coreografias por via de desenhos. Foram analisados 18 cadernos nos anos 1980, correspondentes a 7 montagens de espetáculos, oficinas de inverno, aulas, treinamentos.2 Seguem alguns exemplos de imagens/ desenhos de movimentos encontrados. A década de 1990 refere-se aos cadernos numerados do 23 até 75, totalizando assim 52 cadernos. É de fato uma década muita produtiva na criação artística do GOM, levando em conta os registros analisados na pesquisa documental via os cadernos de processo. Foi possível observar também, nos 2  Os espetáculos “Biografia”, “K”, “Domingo de Sol”, “Decifra-me que eu te devoro”, “Quantum”, “Sétima Lua” e “Navio-noiva e gaivotas”, que deu início a trilogia Joyce, fazem parte da década de 1980.

Imagem 3 – Desenho, Medeiros, 1997, p.172.

Dos 3.211 desenhos coletados e analisados, apenas 115 foram selecionados. O critério para esse recorte referiu-se a imagens/desenhos que representassem ações corporais que incitassem a execução de movimento. Baseando-nos na definição de atitude interna da ação corporal, segundo 3  Os espetáculos “Epifanias”, “Alucinações”, “Missisfíli”, “Happy Birthday to you”, “Babachdalghara”, “A Rose is a rose is a rose” e “Zaac & Zenoel” pertencem a década de 1990.

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Laban, como a “qualidade subjetiva do movimento em

Passamos então à etapa de corporificar cada imagem por

relação aos fatores do tempo, espaço, peso e fluxo” (Rengel,

meio da execução corporal do instante de movimento

2005, p.30), escolhemos os desenhos que nos afectavam

registrado nos cadernos. Esses movimentos foram também

diretamente aumentando nossa potência de ação. Assim,

capturados em novos instantes como se pode ver a seguir.

foram selecionados 42 desenhos em ordem cronológica dos anos 80 e 90.

Imagem/desenho

Fotografia da corporificação

Desenho Movimento 1, Medeiros, 1981a, p.153.

Desenho Movimento 2, Medeiros, 1981 a, p. 153

Desenho Movimento 3, Medeiros, 1981a, p. 162.

Desenho Movimento 4, Medeiros, 1988a, p. 34.

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Desenho Movimento 6, Medeiros, 1989, p.1.

Desenho Movimento 7, Medeiros, 1989, p.1.

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Desenho Movimento 5, Medeiros, 1989, p.68.

Desenho Movimento 8, Medeiros, 1989, p.12.

Desenho Movimento 9, Medeiros, 1989, p.16.

Desenho Movimento 10, Medeiros, 1990, p. 85.

Desenho Movimento 11, Medeiros, 1990a, p.87.

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Desenho Movimento 12, Medeiros, 1990b, p.39.

Desenho Movimento 13, Medeiros, 1990b, p.40.

Desenho Movimento 14, Medeiros, 1990b, p.111.

Desenho Movimento 15, Medeiros, 1990b, p.112.

Desenho Movimento 16, Medeiros, 1990d, p.35.

Desenho Movimento 17, Medeiros, 1990d, p.73.

Desenho Movimento 18, Medeiros, 1990d, p.103.

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Desenho Movimento 20, Medeiros, 1990g, p.1.

Desenho Movimento 21, Medeiros, 1990g, p.4.

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Desenho Movimento 19, Medeiros, 1990g, p.1.

Desenho Movimento 22, Medeiros, 1990, p.13.

Desenho Movimento 23, Medeiros, 1990g, p.14.

Desenho Movimento 24, Medeiros,1990g, p.18.

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Desenho Movimento 25, Medeiros, 1990g, p.21.

Desenho Movimento 26, Medeiros, 1991a, p.126.

Desenho Movimento 27, Medeiros, 1991 a, p.126.

Desenho Movimento 28, Medeiros, 1991 a, p.158.

Desenho Movimento 29, Medeiros, 1991 a, p.201.

Desenho Movimento 30, Medeiros, 1991 a, p. 204.

Desenho Movimento 31, Medeiros, 1991b, p.59.

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Desenho Movimento 33, Medeiros, 1991b, p.69.

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Desenho Movimento 32, Medeiros, 1991b, p.60.

Desenho Movimento 34, Medeiros, 1991b, p.70.

Desenho Movimento 35, Medeiros, 1991b, p.70.

Desenho Movimento 36, Medeiros, 1991b, p.70.

Desenho Movimento 37, Medeiros, 1991c, p.24.

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Desenho Movimento 38, Medeiros, 1991c, p.96.

Desenho Movimento 39, Medeiros, 1991g, p.11.

Desenho movimento 40, Medeiros, 1997, p.172.

Desenho Movimento 41, Medeiros, 1998a, p.102. Imagem 4 – Desenhos coletados dos anos 1980 e 1990 e fotos reproduzidas das imagens, da sequência cronológica de 41 movimentos.

Após a corporificação dos desenhos acima apresentados,

a 16 imagens/desenhos já destinadas à composição da

passamos a vinculá-los em uma sequência de movimento.

sequência coreográfica, que teve, posteriormente, seu

4

No entanto, consideramos a necessidade de verificar quais desses movimentos de fato nos provocavam ações de conexão entre eles, assim como nos deixavam “espaço” para conferirmos-lhes uma assinatura nossa, ou seja, espaço para associarmos nosso modo estético durante a efetivação corporal do desenho. Buscávamos interferir ativamente na memória acessada por via dos registros. A intenção foi a de inventar a partir dos restos propondo uma atualização da arqueologia do processo. Redefinindo o recorte a ser trabalhado houve mais uma etapa de redução dos movimentos que, de 42, passaram 4  Sequência Cronológica de 41 movimentos: http://www.youtube.com/watch?v=zVgSNSMuIVc

processo de criação compartilhado em rede. Utilizamos uma página do facebook que possui 769 usuários, sendo eles amigos, alunos e familiares da área artística e acadêmica e de outras áreas diversas. Em média 70 usuários do facebook aderiram o processo de compartilhamento opinando e sugerindo suas impressões acerca da composição coreográfica, configurando um diálogo sobre o processo de criação com 9% dos usuários. Foram 19 postagens no total de todas as etapas do processo de compartilhamento e 3 propostas de votação, criação e modificação da sequência original, que resultou ao final em outra sequência de 16 imagens/desenhos, diferente

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dos interessados na criação da sequência expressiva.

sequências do processo de criação compartilhada estão

Percebemos também que nas três postagens de votações

disponíveis nos links do Canal específico do youtube.

70% dos que votavam eram os mesmos usuários, que de fato

5

Parece-nos interessante observar também em números o processo de compartilhamento dessa experiência de criação.

estavam acompanhando o processo e revisitando nossas novas postagens. Podemos pensar, então, numa fidelização ao processo de criação. No entanto, para sabermos se de fato a quantidade de participantes voluntários foi significativa no

O processo de criação compartilhada em números - 19 postagens via plataforma do facebook entre 23 de maio e 09 de agosto de 2013

âmbito da rede, devemos fazer outras pesquisas em relação a outros assuntos postados e efetivar uma comparação. Essa tarefa ficou para um momento posterior.

- 417 opções de “curtir”

Consideramos que o compartilhamento do processo de

- 145 comentários

criação de uma sequência elaborada a partir de desenhos

- 20 compartilhamentos das postagens

de movimentos que foram posteriormente corporificados

- 70 usuários participativos nas votações e comentários

constitui-se processo de partilha criativa que envolve não

- 3 postagens de votações

somente o público acadêmico num projeto de pesquisa

Tabela 1 – Resultados do processo de criação compartilhada.

acadêmica, como também o não acadêmico. Também

Consideramos os resultados obtidos satisfatórios, tendo

uma vez que promoveram novas ações poiéticas. Tal devir

em vista que o facebook é um website que promove uma rede social de contatos entre aqueles que se dispõem a ser “amigo” do outro. Associam-se desse modo fidelidade e efemeridade nos contatos, que tendem a ser transitórios em relação ao foco de interesse. Ainda que o facebook se caracterize pela rapidez das visitas que geram postagens, as quais são atualizadas em menos de um minuto na timeline (linha do tempo) de cada um, nada garante que um “amigo” comentará sua postagem. As provocações da pesquisa poderiam ter passado desapercebidas, o que não ocorreu. Tivemos uma adesão de 9% do total de “amigos” da página. Essa percentagem é significativa, tendo em vista que geralmente essa plataforma social não é utilizada para processos de criação compartilhada que demandam

reiteramos a potência de afecção dos índices trabalhados nos leva a considerar a hipótese de que vestígios do processo

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da sequência original, em um período de 3 meses. As

de criação portam poiesis, incentivando desdobramentos para além da análise do que passou, mas sim, promovendo ações de criação no presente da investigação. Para os pesquisadores de processos, também chamados de críticos genéticos, a qualidade do índice é de muita importância para a pesquisa, pois é a partir desses índices que ele é capaz de se aproximar do entendimento do pensamento do autor. A qualidade aqui se refere, então, à potência de afecção do registro, a qual pode ser percebida nos desdobramentos teórico-práticos que ele incita. Após a pesquisa bibliográfica e documental efetivada consideramos que o aspecto formativo dos índices encontrados nos cadernos de processos da artista, os

tomadas de decisão nas escolhas estéticas.

registros desenhados, refere-se à capacidade de afecção

Assim, a princípio, atingimos nosso objetivo de troca e

Associamos desse modo, formação e criação.

compartilhamento da criação da composição coreográfica,

Reiteramos então a necessidade de acercamento a índices

e transformamos desenhos de movimentos em movimentos

formativos que assim são qualificados também devido

corporificados no tempo presente com a colaboração

ao contexto em que se encontram. No caso analisado,

5  Sequência original de 16 movimentos: http://www.youtube.com/watch?v=9qmdwb3Ul98 Sequência modificada de 16 movimentos a partir das 03 etapas de votação nas redes sociais: http://www.youtube.com/watch?v=rbrdS2xyI2Y http://www.youtube.com/watch?v=cbPRV31WUw8

não bastaria estudar o desenho fora do caderno, pois a

desses chegando a promover novas ações poiéticas.

qualidade formativa aqui sugerida constitui-se de modo processual desde o momento que as pesquisadoras elegem um determinado desenho, a despeito de outro, em função

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do movimento em direção a sua corporificação. Ou seja, reforçamos a importância de se efetivar vínculos e afinidades entre teoria e prática criativa nos procedimentos formativos em artes cênicas.

[Medeiros, I.], [2000-2005]. Caderno de Artista nº 76 ao 113. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. Rengel, L. (2005). Dicionário Laban. São Paulo: Annablume. Salles, C. A. (1992). Crítica genética: uma introdução, fundamentos dos estudos genéticos sobre os manuscritos literários. São Paulo: EDUC.

Considerações finais Terminado o processo de investigação, podemos considerar que outras pesquisas poderiam desdobrar-se a partir dessa. Seguindo as proposições da genética teatral, pode-se pesquisar outro tipo de índice formativo registrado ao longo de um determinado recorte temporal. Também sugerimos a investigação da transformação de um tipo de índice ao longo de duas décadas de registro contínuo. Correlata à pesquisa efetivada, indicamos o compartilhamento da percepção e corporificação dos índices encontrados por diferentes pesquisadores, com intuito de se investigar o processo de recepção dos registros do artista. Um índice pode ser considerado formativo para uns e não para outros, o que nos leva à sugestão de que os aspectos afetivos permeiam a percepção e nossas escolhas antes mesmo de qualquer suposição racional. Constatamos que o trabalho realizado possibilitou a tomada de consciência da importância de se trabalhar com documentos primários de artistas cênicos, de promover ações de criação compartilhada, de apropriar-se de índices para gerar novos processos.

Referências bibliográficas Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Gil, A. C. (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas. [Medeiros, I.], [1973-1977]. Caderno de Artista nº 2 ao 4. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. [Medeiros, I.], [1980-1989]. Caderno de Artista nº 5 ao 22. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG. [Medeiros, I.], [1990-1999]. Caderno de Artista nº 23 ao 75. Unpublished manuscript, Belo Horizonte, MG.

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Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana Intensificando la Renda de Bilro : o Caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana Intensifying Bilro Lace : the case of the Lace Makers Association from Morros da Mariana

mtoscan@aedu.com Anhanguera Educacional de Cascavel-PR

Tipo de artigo: Original RESUMO O artesanato é um modo especial de conhecer comunidades. Pensando assim traçamos aqui uma reflexão sobre a produção da renda de bilro dos Morros da Mariana, Piauí, que após o reconhecimento de estilistas brasileiros e a criação do associativismo sustentável passou a ser valorizada ainda mais pela população e deste modo a herança cultural das rendeiras não caírem no esquecimento. Palavras-chave: Renda de Bilro; Associação dos Morros da Mariana; artesanato. RESUMEN

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Marcia Toscan

El arte es una manera especial de conocer las comunidades. Pensando de esta manera hemos esbozado una reflexión sobre la producción del encaje de bolillos de Morros da Mariana, Piaui, que gracias al reconocimiento de los diseñadores brasileños y la creación de asociaciones sostenibles, aún ha sido más valorado por la población. De este modo la herencia cultural de las creadoras de dicho encaje no se pierden en el olvido. Palabras-clave: Encaje de bolillos; Asociación de Morro da Mariana; artesanía.

ABSTRACT The craft is a special way of knowing communities. So thinking we draw here a reflection on the production of bobbin lace of the Mariana Hills, Piauí, that after the recognition of Brazilian designers and the creation of sustainable associations became even more valued by the population and thus the cultural heritage of the lace does not fall into oblivion. Keywords: bobbin lace; the Association of Marian Hills; crafts.

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Introdução

é possuidor dos instrumentos de trabalho; participa pessoalmente na elaboração dos bens e serviços que

O artesanato sempre foi presente na história da

produz. O artesão exerce uma arte ou um ofício manual por

humanidade, sendo que os artesãos surgiram em momento

sua conta, sozinho ou auxiliado por membros da sua família

de transformação da sociedade, pois eles produziam os seus

e um número restrito de companheiros ou aprendizes. Com

próprios instrumentos de trabalho e os artefatos necessários

a ajuda de ferramentas e mecanismos caseiros, visa produzir

nos seus modos de vida.

peças utilitárias, instrumentos de trabalho, artísticas e

O trabalhador, segundo o sociólogo C. Wright Mills:

recreativas, com ou sem fim comercial. Hoje podemos ainda encontrar oficinas de artesãos

“[...] imbuído do ofício artesanal se envolve

com essas características o que intensifica o valor que o

no trabalho em si mesmo e por si mesmo;

artesanato ainda produz na sociedade e para a sociedade.

as satisfações do trabalho são per se uma recompensa; os detalhes do trabalho cotidianos são ligados, no espírito do trabalhador, ao produto final; o trabalhador pode controlar seus atos no

Cooperativas e associações são planejadas pelos governos municipais e estaduais para que essa herança não seja abandonada e possa ser passado de pais para filhos dando

trabalho; a habilidade se desenvolve no processo

continuidade para história cultural de seu país. Pois é a partir

do trabalho; o trabalho está ligado à liberdade de

do trabalho que o homem constrói sua esfera cultural, atua

experimentar; finalmente, a família, a comunidade

sobre a natureza transformando-a a partir de suas novas

e a política são avaliadas pelos padrões de

necessidades, gerando novas possibilidades e promovendo

satisfação interior, coerência e experimentação do trabalho artesanal.” (apud Sennett, 2009, p.37).

O artesão começou a gerar para sua família renda financeira e acabou por inserir na sociedade um novo elemento artístico manual, que não somente agradava

uma ação. Essa herança de passar o aprendizado de certa produção artesanal de avós para filhos e netos é comum em muitas regiões brasileiras, aqui em especial vamos tratar da renda de Bilro, produzida pelas rendeiras dos Morros da Mariana, Piauí.

aos seus vizinhos, mas também a burguesia que passou a adquirir os objetos produzidos pelos camponeses com apuro na fabricação com estética que marcaria e marca as regiões por onde ele é produzido, que na visão de Barros, Costa e Saldanha (2006) “O artesanato se caracteriza como uma grande e

A RENDA DE BILRO Como muitas heranças européias, a renda de Bilro chegou ao Brasil em fins do século XV e início do século

importante rede de geração de emprego e renda,

XVI que juntamente com outras manifestações folclóricas

sendo ainda um dos principais elementos da

(cerâmica, cestaria, danças, cantigas...) foi aprendidas e

conservação e tradição da cultura regional e do

transferidas para as gerações futuras. Os açorianos foram

desenvolvimento turístico de uma região.” (p.3)

responsáveis em trazer e ensinar essa tradição para o Brasil,

Pensando assim não é difícil reconhecermos um objeto produzido no Ceará e outro no Rio Grande do Sul,

em especial no Estado de Santa Catarina. E segundo Varela, Balbinot e Pereira (2000),

pois os artesãos incorporam características locais e as transmitem no objeto produzido. Os principais traços característicos do artesanato são: a oficina que dirige é pessoal e não societária; nela o artesão assume uma posição de chefia ou mestre artífice;

“A renda de bilro chegou ao sul do Brasil por volta de 1748/1749, trazida pelos imigrantes açorianos vindos em busca de melhores condições de vida.” (p.543)

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Inicialmente a produção tinha um cunho

Tão rápido essa tradição foi-se espalhando para

doméstico, em que as mulheres produziam para a

outras regiões brasileiras e hoje é parte do patrimônio

ornamentação do lar.

imaterial, que é definido pela UNESCO:

“A origem da palavra renda não é bem conhecida. A renda é definida, por Bueno (1988), como lavor

“A UNESCO define como Patrimônio Cultural

de agulhas ou ainda como tecido muito fino e

Imaterial “as práticas, representações, expressões,

aberto. Aparece também como dissimilação do

conhecimentos e técnicas - junto com os

espanhol randa, que veio do provençal randa

instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais

– adorno, deverbal de randar, adornar. Já em

que lhes são associados - que as comunidades,

Nascentes (1966), renda é uma palavra aparentada

os grupos e, em alguns casos, os indivíduos

do espanhol e do catalão, de origem incerta, talvez

reconhecem como parte integrante de seu

céltica.” (Zanella, Balbinot & Pereira, 2000, p.237)

patrimônio cultural.”

Os imigrantes portugueses em busca de vida

Assim a renda de bilro – trata-se de uma

melhor trazem nas suas bagagens para o Brasil a cultura

manifestação cultural e, como tal, deve ser entendida

predominante de seu país e as adaptam nas novas moradas

como atividade social realizada por uma determinada

como alimentação, vestuário, idioma e as modificações

coletividade. Desse modo, ao aprendê-la o sujeito apropria-

também não foram diferentes na confecção das rendas.

se não somente de um fazer, mas de toda a história e valores

O corrente crescimento posterior do turismo fez com que

que o caracterizam, sendo que, ao mesmo tempo, imprime

a produção passasse de algo de essência domestica para

a estes sua marca singular.

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ser comercializada, desde modo, mudando a forma dessas rendeiras ensinarem a produzir o Bilro, até mesmo porque, foram se adaptando as transformações sócias, econômicas e culturais da onde estavam inseridas. Aos poucos as

AS RENDEIRAS DOS MORROS DA MARIANA - “Olé, muiê

mulheres açorianas foram produzindo a renda de bilro para

rendeira, olé muiê rendá, tu me ensina a fazer renda que

ajudar no rendimento financeiro.

te ensino a namorar.”

Há 350 km de Terezina, no

Piauí, está localizada a Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana. Hoje Ilha Grande de Santa Isabel.

No século XVI era conhecido

como Coroa Grande, o nome dado posteriormente dos Morros da Mariana foi devido a uma desbravadora e rendeira do local que tinha uma pousada e recebia os recém chegados no povoado. O local ficou cobiçado devido à riqueza da fauna e flora e a abundancia de alimentos retirados da água. Imagem 1 – Desenvolvimento de moldes para renda de bilros. À esquerda, moldes antigos usados pelas artesãs; à direita, moldes geometrizados por Lia Monica e José Marconi; Caiçara, PB

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Hoje a cidade é conhecida devido às rendeiras da

“O fato das rendeiras saírem de suas casas

associação que fizeram do ato de tecer rendas o sustento

para a associação, para juntas realizarem o trabalho,

familiar. Inicialmente, as rendeiras estavam desmotivadas em continuar o labor, pois se sentiam desvalorizadas e

fortalece

diante

há muitas interrupções no trabalho, como no lar

“(...) as rendeiras, visto que são pessoas de pouca

devido inúmeras ocupações, daí o rendimento ser

educação formal, mas o trabalho oferece a elas

maior.” (2009)

a possibilidade de pensar em grupo, de conviver casa às lutas de busca de seus direitos enquanto

e

organização, para realizar qualquer ação. Não

muitas já suscitavam abandonar os bilros.

em comunidade, de mesclar sua rotina de dona de

profissionaliza

qualquer dificuldade, pois elas têm o suporte da

A mulher rendeira está em constante mudança, está sempre construindo e desconstruindo, tece peças e

conferindo-lhes

transforma suas vidas à medida que o trabalho funciona

autonomia e assim resgatando e/ou estimulando

como um vácuo do pensamento, dando espaço para

sua autoestima”. (Pitta, 2010, p.11)

as transformações subjetivas, inconscientes, tirando

trabalhadoras

e

mulheres,

das mentes as banalidades do dia-a-dia e relaxando, Mas graças a esforços da comunidade e de

direcionando a atenção para o que está dentro.

alguns órgãos municipais e estatais em 1994 foi fundada a

Associação dos Morros da Mariana que, inicialmente eram

se com cursos e ensinamentos de design conseguindo assim

oito rendeiras que produziam o trabalho em casa e levavam

desenvolver mais ainda a sua produção e entrar para o

em um local comum para a venda que na paróquia da

mundo moda brasileira.

Não demorou muito para as rendeiras atualizarem-

cidade eram comercializadas e expostas, aos poucos outras

“No trabalho da rendeira vê-se a liberdade de

rendeiras foram agregando a associação e hoje chegam a

organização deste, uma vez que mais que um

180 rendeiras. A renda do bilro do Morro da Mariana passou a ser bem mais valorizada, e sua comercialização melhorou bastante, tornando-se assim uma atividade

trabalho, é o estilo de vida daquelas mulheres. Aqui a organização obedece a regras um pouco frouxas, mas não menos exigentes. Há um misto de obrigação e displicência, em vista da não rigidez de trabalho que acaba por exigir mais das rendeiras.

economicamente viável para as rendeiras, sendo que cada

Não possuem seguranças financeiras, nem têm

rendeira é responsável pela confecção do seu produto

horas fixas de trabalho.” (Pitta, 2010, p.33)

desde os materiais utilizados para a confecção, até sua disponibilização para venda na associação. No entanto, para vender a renda na associação não é necessário ser associado, porém quem não é associado deve deixar 10% de tudo que vende para a manutenção da casa. Em 2008 a associação conseguiu sede própria onde lá conseguem produzir e vender o seu trabalho em situação melhor e promover o associativismo dividindo as encomendas. Silvia Sasaoka é uma das colaboradoras que ajudou na organização da associação, declarou em uma entrevista:

Imagem 2 – 2001 - Vestidos de Walter Rodrigues, rendas da Associação das Rendeiras de Morros da Mariana, Piauí - Foto de Ali Karakas.

144 | Marcia Toscan | Intensificando a Renda de Bilro: o caso da Associação das Rendeiras dos Morros da Mariana | Julho 2014


A Associação passou a ser

conhecida em todo Brasil depois das encomendas do estilista Walter Rodrigues que dedicou uma coleção de sua criação utilizando as rendas de bilro produzidas pelas rendeiras dos Morros da Mariana. Walter Rodrigues conheceu o trabalho das rendeiras de Ilha Grande através de um folheto do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), onde despertou sua curiosidade, então resolveu vir ao

Imagem 3 – Artefatos Produzidos pelas rendeiras dos Morros da Mariana – Foto: PROMOART.

Piauí para conhecer melhor o trabalho. Logo, começou a por

Considerações Finais

em prática sua ideia de fazer uma coleção confeccionada

pelas rendeiras da associação para o desfile de moda mais

importante do Brasil, São Paulo Fashion Week. Desse modo,

particular das regiões em que é produzido e, mesmo com

o acontecido deu um novo impulso na cultura local, onde

todo o apuro tecnológico do nosso século ele não pode

foram mostradas ao mundo inteiro a renda peculiar de Ilha

deixar de existir, pois transmite o processo cultural de uma

Grande do Piauí em 2001/2002 na cidade de São Paulo.

nação.

O artesanato é uma produção de essência

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Desde então elaboram as mais variadas tramas não No caso da renda de bilro que chegou até nós

mais oferecendo as toalhinhas e outros enfeites para a casa,

mas sim um novo viés comercial, a confecção de rendas

pelas mãos lusitanas recebeu também adaptações das

para a alta costura. Para entrar neste ramo da alta costura

regiões onde foram difundidas, mas não abandonaram a

as rendeiras introduziram novos materiais na confecção

sua essência do feitio que são as utilizações dos bilros, das

que gerou um retorno financeiro maior. Utilizaram a crina

almofadas e dos gabaritos produzidos pelas rendeiras com

de cavalo e cores, desta maneira atualizaram a sua estética

apuro artístico e matemático. O produto final das rendeiras

na produção dando um aprimoramento e criando um

são confecções de toalhas, apliques e enfeites de modo

diferencial para a associação.

geral, devido a falta da difusão de tal patrimônio muitas das

Desta forma, a Associação das Rendeiras de Ilha

rendeiras ficaram desmotivadas em produzir, pois o retorno

Grande do Piauí, exerce um papel de vital importância

financeiro era e é escasso em algumas regiões em que ainda

para a economia local e para o desenvolvimento turístico

o bilro é trabalhado. Deste modo essa herança cultural pode

da região, não obstante que a presença da associação na

cair em uma produção solitária em que a rendeira venha

cidade de Ilha Grande, torna o destino com um diferencial

a produzir peças somente para a sua necessidade caseira.

que pode vir a atrair turistas e funcionar como um fator que

Na tentativa de não se perder esse processo de ensinar a

pode influenciar na decisão do turista em conhecer o litoral

seus herdeiros a confecção, em especial da renda de bilro,

piauiense, pois apesar de a renda do bilro ser confeccionada

algumas rendeiras dos Morros da Mariana, no Piauí, fizeram

em outras regiões do país, no Piauí a mesma é feita de

um trabalho com a comunidade e com a ajuda de órgãos

forma artesanal, de modo que a renda ilhagrandense é

interessados, para que não se perca essa herança cultural.

confeccionada do mesmo jeito que era confeccionada

quando chegou ao local trazida pelos portugueses.

onde lá elas possam se organizar, aperfeiçoarem e vender

Essa conscientização criou-se uma associação

as suas rendas. Deste modo formaram um associativismo

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sustentável, que foi intensificado com a utilização das rendas por estilistas brasileiros que assim ajudaram a difundir e a valorizar o que as nossas comunidades têm a oferecer para a alta costura.

Conclui-se assim que não podemos deixar de

valorizar o artesanato, pois ele nos conta história, valoriza o fazer manual e nos mostra a essência da vida simples e pura de pessoas que não perderam a herança deixada. Em especial a renda de bilro é um trabalho que exige de seu

http://www.acasa.org.br/instituicao - acessado 08/03/2012 http://www.bdae.org.br/dspace/bitstream/123456789/1051/1/tese.pdf - 14/03/2012 http://www.eumed.net/libros/2008a/372/PRODUCAO%20ARTESANAL. htm -ANTECEDENTES DO CAPITALISMO, por Carlos Gomes – acessado em 03/03/2012 http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/bds.nsf/CA146DA3D21F877B83 2574DC00453EA0/$File/NT00039052.pdf -01/03/2012

feitor uma apuro manual, uma vivência cultural e acima de tudo uma maestria na sua confecção em que as rendeiras sentem-se orgulhosas de transmitirem esses ensinamentos as gerações futuras.

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Estar alerta. A construção de uma atitude. Estar alerta. La construcción de una actitud. Be alert. The construction of an attitude.

anareis.arq@gmail.com

Tipo de artigo: Original RESUMO Contra a depredação das aprendizagens significativas nas artes visuais através das alterações que progressivamente vêm sendo introduzidas no sistema de ensino defende-se a manutenção de um estado de alerta essencial e de construção de uma atitude crítica, evocando dispositivos naturais como mote para a reflexão acerca das possibilidades de ação e intervenção. Palavras-chave: atitude crítica; cultura visual; aprendizagem significativa. RESUMEN

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Ana Sofia da Cunha Bessa Reis

Contra la depredación del aprendizaje significativo en las artes visuales a través de los cambios que se están introduciendo progresivamente en el sistema de educación se defiende el mantenimiento de un estado de alerta essencial y la construcción de una actitud crítica, evocando dispositivos naturales como tema de reflexión sobre las posibilidades de acción e intervención. Palabras-clave: actitud crítica; cultura visual; aprendizaje significativo.

ABSTRACT Against the predatory action over meaningful learning through the changes that are being progressively introduced in the education system, this article supports the maintenance of an essential alertness and construction of a critical actitude, evoking natural devices as theme for reflection on the possibilities of action and intervention. Keywords: critical attitude; visual culture; meaningful learning.

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Introdução

conformadores, e que incluirá questionamento, resistência e confrontação.

Este artigo propõe uma reflexão acerca da liberdade da

Tomam-se exemplos conhecidos e facilmente identificáveis

insubmissão, inalienável das relações de poder, e, portanto,

da natureza: mecanismos que permitem ver e ser visto

das possibilidades de resistência, escapatória ou fuga

de determinada forma e que asseguram ou prolongam

(Foucault, 1995), através da desconstrução dos dispositivos

a sobrevivência nas relações mantidas dentro dos

de poder que configuram a paisagem educativa na

ecossistemas. A perceção produzida, a realidade criada,

atualidade, enquanto “…mecanismos estáveis pelos quais

interpõe-se entre o observador e o observado, dispositivos

um [adversário] (…) pode conduzir de maneira bastante

que conformam e limitam as visões, mas sobre os quais as

constante e com suficiente certeza a conduta dos outros”

mulheres e os homens podem refletir e agir, desconstruindo-

(Foucault, 1995, p. 248).

os, vendo para lá deles, percebendo-os, usando-os.

Procurarei aceder a essa desconstrução, tendo em conta a

Enquanto os outros animais dispõem de mecanismos de

teorização conduzida por Foucault, a partir das perspetivas

sobrevivência, defesa ou ataque e são capazes de percebê-

propostas pela cultura visual, como forma de possibilitar

los e de reagir de forma instintiva e não refletida, os

um questionamento sobre as verdades estabelecidas e

seres humanos têm a possibilidade de pensar acerca dos

naturalizadas acerca da educação artística, pensando ainda

dispositivos que produzem e determinam formas de ver,

nas relações possíveis com as aprendizagens significativas,

de compreender e de agir. Assim, perante certos sinais,

a partir do enunciado de Ausubel (1963), o que significa

que podem corresponder a cores e padrões, por exemplo,

considerar o aluno enquanto agente que estabelece

os animais estarão alerta e reagirão indiferentemente,

relações entre os novos conhecimentos potencialmente

quer haja perigo real, quer se trate de um mecanismo de

significativos e os conhecimentos prévios.

simulação. Os seres humanos, embora “aprendam a ver”,

Sem pretender responder a qualquer delas, várias questões

devem, na minha opinião, manter-se alerta relativamente

se me colocam que julgo poder encontrar nas interseções

aos dispositivos e procurar analisá-los e desconstruí-los.

entre educação artística, relações de poder, cultura visual

Os dispositivos são tomados aqui no sentido que lhes

e aprendizagens significativas. Que sujeitos são produzidos

conferiu Foucault (1997), pelo que se considera que têm

pelos dispositivos de poder, particularmente no contexto da

uma natureza estratégica no âmbito de relações de poder

educação artística? Qual o papel do estudo das imagens e

e que produzem certos tipos de saber e por eles são

da cultura visual nessa produção e no processo de ensino-

condicionados, ou seja, existem no contexto de redes e são

aprendizagem? Como pensar as aprendizagens significativas

usados como forma de manipulação, entendida como um

na relação com a cultura visual, na produção de identidades

processo de direcionamento das relações que dentro dessas

e na projeção das subjetividades sobre o observado?

redes se estabelecem. Com base na conceção de dispositivo aqui considerada e que pode “…apparaître tantôt comme programme d’une institution, tantôt au contraire comme

Estados de alerta

un élément qui permet de justifier et de masquer une

No sentido de introduzir a construção de um posicionamento

pratique qui, elle, reste muette, ou fonctionner comme

crítico e interventivo, parte-se dos “essenciais estados de

réinterprétation seconde de cette pratique, lui donner

alerta” para o “estado de alerta essencial”. Os essenciais

accès à un champ nouveau de rationalité”1 (Foucault, 1997),

estados de alerta são aqui entendidos enquanto fatores

entende-se que os sujeitos não são simplesmente produtos

biológicos e ecológicos, associados a formas de assegurar a

das relações de poder, mas que eles próprios, para além de

sobrevivência de animais e plantas e são o mote para o estado

1  “…aparecer às vezes como programa de uma instituição, outras vezes, pelo contrário, como um elemento que permite justificar e ocultar uma prática que permanece muda, ou funcionar como reinterpretação segunda dessa prática, dar-lhe acesso a um campo novo de racionalidade” – tradução livre

de alerta essencial como atitude das mulheres e dos homens que lhes permitirá sobreviver aos dispositivos reguladores e

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Fruição e contemplação

reinterpretar as relações subjacentes. Pensemos numa pavoa (Pavo cristatus) que olha para um pavão. Podemos imaginar que lhe admira as cores e o Alerta sem perigo ou quando as aprendizagens

magnífico brilho metálico das penas, mede a dimensão

nos conformam

da cauda em leque, que se deixa hipnotizar pelos olhos enigmáticos que a preenchem e pelos movimentos que

Perante uma salamandra com um corpo negro e manchas

executa. E podemos adivinhar que o pavão usa os atributos

amarelas, mesmo tendo pouco conhecimento do mundo

para afirmar a sua presença perante as fêmeas, disputar

animal, pressentimos que existe perigo. De facto, as

território com outros machos, assegurar descendência.

salamandras-de-fogo (Salamandra salamandra) têm um

Se, por um lado, podemos imaginar e até partilhar estes

sistema de proteção ativo que consiste na libertação

momentos de contemplação em que a pavoa olha o pavão,

de uma substância tóxica, sendo que as zonas amarelas

por outro, podemos analisar, a partir dos conhecimentos da

correspondem às glândulas que a produzem.

biologia, por exemplo, as relações que se estabelecem entre

Em que altura e por que motivo é que o preto e amarelo

estes animais e desconstruir os dispositivos de que dispõem

ou o vermelho passaram a ser usados e reconhecidos como

para se perpetuarem.

sinais de perigo talvez não saibamos, mas aprendemos culturalmente a reconhecer e a atribuir significados às cores

Desconstrução do observado e projeção de

e isso permite-nos uma leitura facilitada do contexto em

subjetividades

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contribuírem para essa produção, têm a possibilidade de

que nos encontramos. Também a cobra coral verdadeira (Micrurus corallinus),

Da mesma forma, os professores e alunos de artes visuais

negra, amarela e vermelha, é um animal perigoso e venenoso,

podem admirar e fruir dos produtos artísticos e culturais,

mas a cobra coral falsa (Erythrolamprus aesculapii) exibe as

mas também procurar entendê-los no que diz respeito ao

mesmas cores e é perfeitamente inofensiva. As cores e a sua

processo da sua criação, aos efeitos que produziram e que

conjugação são interpretadas de acordo com o aprendido

projetaram, aos sistemas de classificação e de atribuição

e a cobra coral falsa passa por venenosa. Tendo em conta

de valor que os enquadram, e também na relação que

este exemplo, podemos questionar-nos acerca das leituras

os observadores têm com o que veem, incluindo aqui os

promovidas pelas aprendizagens, da literacia visual e

aspetos particulares dos sujeitos e dos seus contextos como

também do aproveitamento que se pode fazer dela para

fatores que determinam visões diferenciadas dos mesmos

emitir mensagens, criar sensações ou produzir qualquer

objetos.

outro efeito.

É importante aprender a observar, num sentido de fruição

Nas artes visuais, a cor é um elemento visual fundamental e

e de análise, uma projeção das subjetividades sobre o

é estudado segundo vários pontos de vista, entre os quais o

que é observado e que se traduzirá necessariamente

simbólico. Quanto melhor aprendermos a ver e usar cores

em perceções distintas, e também refletir sobre a

e as compreendermos no contexto de diferentes culturas,

própria observação e nisto não poderá deixar de haver

mais facilitada a produção e interpretação de imagens e a

envolvimento, participação, reflexão e ação. Daí que, se

comunicação. Por outro lado, se for adotado um modelo de

vemos e interpretamos de formas diferenciadas ou até

interpretação e aplicado acriticamente, provavelmente será

mesmo divergentes, não podemos aceitar e instituir um

maior a probabilidade de se legitimarem e sedimentarem

ensino homogeneizador com o qual se pretenda dar origem

visões estereotipadas e de apenas haver lugar a

a sujeitos cujas respostas são idênticas e atuar de forma

interpretações conformadas.

a eliminar a diferença, amputando as características que determinam a individualidade.

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A autotomia: sobrevivência ou transformação?

the visual - what we see, what we can’t see, what we are not allowed to see, who sees us, how we are seen, and so

A salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) é um

on…”2 (Tavin, 2009, p. 2) Determina, portanto a perceção

exemplo de animal que, quando se sente ameaçado por

da realidade, as identidades e as formas como nos vemos e

predadores, solta a cauda (autotomia), perdendo assim

vemos os outros, conforma e limita e, consequentemente,

uma parte de si própria para garantir a sobrevivência. Esta

influencia as relações de poder entre indivíduos e/ou

salamandra tem ainda a particularidade de poder regenerar

grupos.

a cauda e reconstituir o que perdera.

“Because all complex societies are hierarchically ordered,

Não haverá um certo paralelismo entre este processo e

where different groups have different degrees of

o que muitas crianças ou adolescentes atravessam para

power, images constitute different agendas. All images

assumirem o papel de aluno: renunciar a partes de si

offer arguments about what the world is like, what it

próprios para poderem sobreviver no seio da escola e ser

should be, or should not be.”3 (Duncum, 2010, p. 6) Pelo

“bem-sucedidos”? Será que os jovens podem recuperar as

que, reconhecendo e compreendendo a existência de

particularidades de que abdicaram ou serão irrecuperáveis?

dispositivos que participam na definição das relações

Será desejável que recuperem as características ou que se

entre indivíduos, se resgata o poder de agir. Se não se

transformem? Transformarem-se em quê? Que posição têm

tiver perceção das restrições, limitações e barreiras, não

os sujeitos em relação ao ofício do aluno e à escola bem

se pode rompê-las. Torná-las visíveis é o primeiro passo

como à sua relação com ela?

para poder derrubá-las. Conseguir compreender que se pode ver de mais do que uma maneira, deixar de perceber o mundo como monossignificante, para passar a ser

Cultura visual e aprendizagens significativas

considerada a plurissignificação e, portanto, dar lugar a um alargamento da forma de o entender, poderá constituir-se

Qualquer uma destas questões terá várias respostas

como uma aprendizagem significativa, principalmente se

diferentes, mas há que permitir que sejam colocadas,

se tomar consciência da transformação da perceção e do

pensadas e exploradas e não assumir que os papéis e as

enquadramento a que está sujeita.

regras estão predeterminados e que não há lugar para a valorização da construção das subjetividades a partir delas mesmas.

Reinventar as relações pedagógicas

Acreditando, a partir de Vygotsky (1979), que a

As políticas educativas que vêm sendo introduzidas são

aprendizagem se faz num processo de socialização, ou seja,

formuladas cada vez mais no sentido de regular e conformar

numa interação social dinâmica, recíproca e bidirecional

as práticas educativas e reduzir as disciplinas a verbos como

com envolvimento ativo dos participantes, implicando

desenhar, registar, empregar, utilizar, distinguir, aplicar,

a ação do aprendente na construção do conhecimento,

selecionar, representar, descrever, enumerar, reconhecer,

atribuição de significado e apropriação, defende-se que a

identificar. Onde ficam outros verbos possíveis como pensar,

introdução do estudo da cultura visual será fator importante

agir, intervir, criticar, refletir, discutir, colaborar, confrontar,

para a valorização dos contextos particulares de cada sujeito e para a sua interpretação e participação e, portanto, para as aprendizagens significativas. A cultura visual examina as “...relationships between individuals, societies, images and imagination - how we see and how we are seen. Visual culture is the characterization and examination of meaning making primarily through

2  “…relações entre indivíduos, sociedades, imagens e imaginação – como vemos e como somos vistos. A cultura visual é a caracterização e exame da construção de significados primariamente através do visual – o que vemos, o que não conseguimos ver, o que não nos é permitido ver, quem nos vê, como somos vistos, e por aí fora…” (Tavin, 2009, p.2 – tradução livre) 3  “Porque todas as sociedades complexas são ordenadas hierarquicamente, em que diferentes grupos têm diferentes graus de poder, as imagens constituem diferentes agendas. Todas as imagens oferecem argumentos acerca do que o mundo é, do que devia ser, ou do que não devia ser.” (Duncum, 2010, p. 6 – tradução livre)

150 | Ana Sofia da Cunha Bessa Reis | Estar alerta. A construção de uma atitude. | Julho 2014


que os estudantes se mobilizem a si próprios, podendo usar

atividades

mecanização

as técnicas, gramáticas, linguagens e as formas de expressão

de gestos, do desenvolvimento de competências, da

para delas se apropriarem e construírem a sua subjetividade.

aquisição de conceitos abstratos, da reprodutibilidade

Neste contexto, parece essencial levantar as questões da

dos conhecimentos, em detrimento da sua apropriação

visualidade entendida como “visão mediada pela cultura”

e reconstrução, sentindo-se assim uma tendência para

(Bryson, 2007, p.114), da interpretação da imagem e dos

a homogeneização e normatividade não só das práticas

seus usos e da forma como a visão e o visível determinam a

docentes, mas dos próprios discursos que perpassam a

construção das identidades.

instituição.

Para além disso, pelo facto de o estudo da cultura visual

Os professores de artes visuais podem criar contextos em que

se fundar nas experiências pessoais dos alunos, poderá

a informação obtida através do corpo possa ser analisada,

aumentar a relevância das disciplinas artísticas e facilitar as

decomposta, reestruturada, transformada e ativada para

aprendizagens no sentido da construção de significados e

a intervenção. Introduzir momentos para reflexão em que

eventualmente conduzir à introdução de perfurações nas

se analisem com os alunos as transformações operadas e

formas de conhecimento estabelecidas, ou seja, permitir

sentidas nas formas de pensar, de agir e intervir socialmente

que ocorram encontros através dos quais se veja para lá

será um meio de estabelecer novas fundações à medida

da realidade forjada. Numa conferência que teve lugar

que se avança para espaços antes desconhecidos, num

na FBAUP (Faculdade de Belas Artes da Universidade do

crescimento idêntico ao do gengibre (Zingiber officinale) ou

Porto) em 2013, Atkinson falou destes encontros em que

de outra planta rizomática com a vantagem de que, mesmo

se interrompe o real, afirmando que “when we don’t

separando os rizomas em pedaços, uma nova planta poderá

recognize, we really begin to think”4 para nos remeter para

nascer.

os estados de perturbação que nos põem perante o-que-

No que diz respeito à relação entre professor e alunos e

ainda-está-por-vir e pensarmos a possibilidade de explorar

às práticas docentes, parece importante questionar as

o mundo não em termos do que é conhecido, mas do que

identidades e subjetividades preestabelecidas e introduzir

pode ser criado.

identidades performativas, num sentido em que o performer

“The idea of truth then is related to the idea of being truthful

é o agente da ação e pretende que algo aconteça, havendo

to something and this truth process denotes a process of

lugar à assunção de papéis, numa tentativa de dissolução das

subjectivization which in other terms can be viewed as a

fronteiras naturalizadas; introduzir o risco e ter consciência

‘commitment to’ an idea, an affect, a new practice, a new

de que os resultados poderão ser imprevisíveis; eliminar

way of seeing, a new way of making sense, and so on, which

a ideia de erro, diminuindo as suas consequências, para

involves a struggle where we can be carried beyond our

permitir a experimentação e criar as condições para que a

normal range of responses.”5 (Atkinson, 2012, p. 5)

avaliação contribua para o desenvolvimento e não para a

O conceito de ver implica “aquele que vê” e necessariamente

limitação ou direcionamento das intervenções.

uma grande variedade de interpretações a partir das

A prática pedagógica que reconhece e coloca nos alunos

quais se supõe que terão lugar diferentes ações, já que os

a responsabilidade pelas suas aprendizagens desestabiliza

observadores “...are not passive receptacles, but active

acentua

a

importância

da

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descodificar, imaginar, criar? O foco em determinadas

o papel do professor enquanto autoridade e afirma a importância de “…aprender qualquer coisa e a isso relacionar tudo o resto, segundo o princípio de que todos os homens têm igual inteligência” (Rancière, 2002, p. 30). Este processo pode operar-se em todas as facetas da vida, ser permanente e representar uma aprendizagem significativa. A área das artes visuais é provavelmente a que mais implica

4  “quando não reconhecemos, começamos realmente a pensar” (tradução livre) 5  “A ideia de verdade está então relacionada com a ideia de ser verdadeiro a alguma coisa e este processo de verdade denota um processo de subjectivação que noutros termos pode ser visto como um “compromisso” com uma idena, um afecto, uma nova prática, uma nova forma de ver, uma nova forma de constuir sentido, e por aí fora, que envolve uma luta em que podemos ser leveados para lá do nosso espectro habitual de respostas.” (Atkinson, 2012, p. 5 – tradução livre)

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discriminators”6 (Duncum, 2010, p. 7). Isto também

Concordando com Tavin, considera-se aqui que os objetivos

significa que diferentes sujeitos atribuirão diferentes

da exploração da cultura visual deverão dirigir-se no sentido

valores e significados ao que veem: “Arendt (...) stresses an

de desenvolver um cidadão crítico: “A critical citizen is one

experience of vision as mode of critical reflection. It is an

who has a deep concern for the lives of others and actively

understanding of vision that is much more than a simple,

questions and challenges the social, political and cultural

uncritical perception of the given” (Birmingham, 1997, p.

structures and discourses that comprise everyday life. In

387).

an ever-increasing visual culture, critical citizens need to

Neste processo têm, portanto, especial importância as

be able to actively engage a variety of images, sites, and

experiências vividas que constituem a complexidade das

media that help construct views of the world (Tavin, 2000).”9

relações e, por isto, as práticas exploradas com os alunos

(Tavin, 2009, p. 9-10)

deverão fundar-se nas suas experiências, criando situações

Como Freedman (2000, p. 315) refere, a promoção de

em que os alunos possam trazer as suas preocupações,

pensamento e ação democráticas poderão ser fundadas

interesses, perguntas, a partir das quais se poderão indagar

nos seguintes conceitos: “a) a broadening of the domain

influências exercidas sobre o modo de ver, de pensar acerca

of art education, b) a shift in the emphasis of teaching

do que se vê e de agir ou não, promovendo a atitude crítica.

from formalistic concerns to the construction of meaning,

“Quienes nos interesamos por indagar de manera crítica

c) the importance of social contexts to that construction,

en torno a las manifestaciones de la cultura visual,

and d) a new definition of and emphasis on critique.”10 Em

no sólo tratamos de afrontar las repercusiones de las

suma, o ensino das artes visuais, através da inclusão do

representaciones visuales en la subjetividad de los chicos

estudo da cultura visual e do alargamento do seu domínio,

y las chicas y de nosotros mismos, sino que proponemos

fundando-se na construção de significados e promovendo

prácticas de resistencia en las que los individuos se

o agenciamento dos alunos, bem como a aportação de

autoricen y hagan pública sus voces mediante la apropiación

elementos dos diversos contextos em que se movem,

de referencias teóricas y metodológicas procedentes de los

permitirá que seja despoletada uma atitude crítica e de

Estudios de Cultura Visual.” (Hernández, 2005, p. 29)

alerta.

7

8

A ideia de “estado de alerta essencial”, tal como aqui é concebida, consiste neste processo contínuo de Considerações finais

aprendizagem através do questionamento e da construção de significados. Jogando com as palavras e os seus sentidos,

Com este artigo não pretendo tirar conclusões sobre a

diz Rita Irwin (2010): “Practitioners are interested in ongoing

introdução da cultura visual no ensino das artes visuais, mas

questioning, a quest for understanding, a questing if you

antes contribuir, como outros o têm feito, para a reflexão

will.”11

acerca desta possibilidade e reforçar a necessidade de discussão do rumo que o ensino tem vindo a tomar. 6  “…não são recetáculos passivos, mas ativos discriminadores” (Duncum, 2010, p. 7 – tradução livre) 7  “Arendt (…) sublinha uma experiência de visão como modo de reflexão crítica. É um entendimento da visão que é muito mais do que uma simples, acrítica perceção do dado.” (Birmingham, 1997, p. 387 – tradução livre) 8  “Quem se interessa em indagar criticamente as manifestações da cultura visual, não só trata de enfrentar as repercussões das representações visuais na subjetividade dos rapazes e das raparigas e de si próprio, mas propõe práticas de resistência em que os indivíduos se autorizem e tornem públicas as suas vozes mediante a apropriação de referências teóricas e metodológicas procedentes dos Estudos da Cultura Visual” (Hernández, 2005, p. 29 – tradução livre)

9  “Um cidadão crítico é o que tem uma profunda preocupação pelas vidas dos outros e ativamente questiona e desafia as estruturas social, política e cultural e os discursos que compõem a vida quotidiana. Numa crescente cultura visual, cidadãos críticos precisam de ser capazes de se envolverem ativamente com uma série de imagens, sítios e meios de comunicação que ajudam a construir visões do mundo (Tavin 2000).” (Tavin, 2009, p. 9-109 – tradução livre) 10  “a) um alargamento do domínio da educação artística, b) uma mudança na ênfase de ensinar a partir de preocupações formais para a construção de sentido, c) a importância dos contextos sociais para essa construção, e d) uma nova definição de e ênfase na crítica “. (Freedman, 2000, p. 315 – tradução livre) 11  Rita Irwin brinca com as palavras conferindo-lhes novos significados, pelo que não é possível traduzir a expressão.

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Referências bibliográficas

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ENTREVISTA


Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística Nacho Lavernia : o design da paternidade na educação artística Nacho Lavernia : the design of fatherhood in art education

ricard.huerta@uv.es Universitat de València Proyecto de investigación en el que se incluye: La presente investigación forma parte del Proyecto I+D+i “Educación Patrimonial en España: Consolidación, evaluación de programas e internacionalización del Observatorio de Educación Patrimonial en España (OEPE)” con referencia EDU2012-37212.

Tipo de artigo: Entrevista

RESUMEN Planteo el presente trabajo como una reflexión sobre la transmisión de saberes, teniendo en cuenta un factor determinante como es la paternidad, indagando en los resortes de la herencia y el patrimonio (Huerta y De la Calle, 2012). Considero la paternidad como un concepto que evoluciona, y soy partidario de una relación paterno-filial cercana, porosa y enriquecedora para ambas partes (Huerta, 2013). En base a estos preceptos, y partiendo de la metodología del estudio de caso, me acerco al colectivo de los diseñadores y del profesorado de diseño entrevistando

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Ricard Huerta

a Nacho Lavernia, el padre, y a su hijo Nacho, profesor de la EASD de Valencia. Analizamos esta relación en tanto que característica de un modelo que responde a la transmisión de oficios, algo que nos remite a las reflexiones de Richard Sennett cuando disecciona los valores del trabajo bien realizado (Sennett, 2013). Si los diseños de Nacho Lavernia (http://lavernia-cienfuegos.com) nos ayudan a disfrutar de objetos cuidadosamente elaborados (a destacar sus conocidos envases para los productos de la marca de distribución Mercadona), entendemos que su papel como maestro ha funcionado del mismo modo al transmitir a su hijo el amor por el trabajo bien hecho, ya que éste aplicará a su docencia los preceptos asumidos. De todo ello nos hablan sus protagonistas, padre e hijo, en el marco incomparable de su estudio (http://lavernia-cienfuegos.com/el-estudio). Palabras-clave: educación artística; diseño; arte; paternidad; patrimonio.

RESUMO Este trabalho constitui-se como uma reflexão sobre a transmissão de conhecimento tendo como fator determinante a paternidade, investigando temáticas como a herança e Património (Huerta & De la Calle, 2012). Considero a paternidade como

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um conceito em evolução, sendo a favor de uma relação de proximidade entre pais e filhos, porosa e enriquecedora para ambas as partes (Huerta, 2013). Com base nestes pressupostos, e a partir da metodologia de estudo de caso, foi abordado o colectivo Nacho Lavernia, designer e professor de design na EASD de Valencia, para entrevistar, respectivamente, pai e filho. Analisamos esta relação enquanto modelo que corresponde à tramsissão de ofícios, a qual remete para as reflexões de Richard Sennett quando se refere aos valores de trabalho bem realizado (Sennett, 2013). Se os designs de Nacho Lavernia (http://lavernia-cienfuegos. com) nos proporcionam objectos cuidadosamente elaborados (com destaque para as suas conhecidas embalagens para a marca de distribuição Mercadona), por outro lado entendemos que o seu papel como professor funcionou como forma de transmitir ao filho o amor pelo trabalho bem executado, já que este aplicará nos seus ensinamentos os saberes adquiridos. É neste sentido que nos falam os protagonistas, pai e filho, a partir do seu admirável estúdio (http:// lavernia-cienfuegos.com/el-estudio). Palavras-chave: Educação Artística; Design; Arte; Paternidade; Património.

ABSTRACT This paper proposes a reflection on the transmission of knowledge, given as a determining factor as paternity, and investigating issues such as inheritance and Heritage (Huerta & De la Calle, 2012). I consider parenthood as an evolving concept, being in favor of a parent-child porous and enriching for both parties relationship (Huerta, 2013). Based on these requirements, and using the methodology of case study, we approach the group of designers and design teachers interviewing Nacho Lavernia, father and son. We analyze this property relations as a model that takes into account the transmission of trades, which brings us to the reflections of Richard Sennett when dissects values a job well done (Sennett, 2013). If Nacho Lavernia designs (http://lavernia-cienfuegos.com) help us to enjoy carefully crafted objects (include their packaging for products of Mercadona), we understand that the role also has worked as a teacher to give her child love for a job well done. His son applies to their teaching the precepts assumed. From all this, tell us about their characters, father and son, in the beautiful setting of the studio (http://lavernia-cienfuegos.com/el-estudio). His son understands the work as a teacher from the precepts transmitted by his father. Keywords: Art Education; Design; Art; Parenting; Heritage.

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paternidad en educación artística. Esta es una doble entrevista al diseñador Nacho Lavernia (Premio Nacional de Diseño) y a su hijo el profesor Nacho Lavernia (profesor en la EASD Escuela de Arte y Superior de Diseño de Valencia) realizada el 14 de febrero 2014, en el Estudio de Diseño Lavernia & Cienfuegos Asociados, situado en una céntrica

Figura 1 – Nacho Lavernia padre e hijo en 1986.

calle de la ciudad de Valencia. Al convencer a ambos para

cambiar de espacio, aunque te encuentres bien. Todos

entrevistarles conjuntamente se intenta conectar los

los momentos creativos tienen un punto de inquietud y

lazos que unen a un padre y a su hijo en la transmisión

nerviosismo, lo cual puede provocar que las cosas salgan

de intereses, saberes y valores. Esta es una cuestión muy

bien o no, aunque sólo sea por el hecho de moverte. Este

cercana a la idea de educación, ya que uno de los significados

espacio que tenemos ahora es muy distinto al taller en el

del término “educere” responde al concepto amplio de

que estábamos antes, que era un espacio absolutamente

conducir, orientar y guiar. La entrevista es semiestructurada

diáfano, donde todos los que trabajábamos juntos nos

y parte de un conjunto de preguntas abiertas, de manera

veíamos constantemente, se oían las conversaciones y la

que los entrevistados intervienen en función de sus propias

relación era muy fluida en ese sentido. Aquí sin embargo

pulsiones, sin un orden prefijado. Se trata de preguntas,

todo ha cambiado, ya que cada uno tiene su despacho.

ideas o sugerencias que se van comentando, para poder

Es más fácil crear y diseñar en condiciones favorables si

dar cabida a los nexos que existen entre padre e hijo al

dispones de un espacio donde te sientas cómodo.

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Nacho Lavernia: el diseño de la

abordar determinadas temáticas: los gustos personales, la influencia del padre, los cambios en el escenario digital,

NLH Si existe un entorno idóneo para el diseño no lo conozco,

el oficio de educar, la importancia de los espacios para la

pero lo cierto es que influye en la manera de hacer las cosas,

creación, o las diferencias generacionales. Al no existir un

sobre todo en el hábito de trabajar. Yo lo veo con mi hijo

orden preestablecido de intervención, las aportaciones de

Marc, que en determinados espacios está acostumbrado

los dos personajes se intercalan y permiten una conexión

a actuar y funcionar de cierta manera, es muy difícil que

de intereses. Se ha marcado con siglas iniciales cada

funcione igual a la hora de estudiar en el sitio donde juega

intervención, de manera que RH es el entrevistador (Ricard

y se divierte.

Huerta), NLP el diseñador (Nacho Lavernia Padre) y NLH el RH Mi espacio de creación ha sido básicamente el aula, ya

profesor de diseño (Nacho Lavernia Hijo).

que si bien me formé en Bellas Artes, nunca tuve un taller RH Con esta entrevista nos acercarnos a la idea de

de artista en sentido estricto.

transmisión, al concepto de padre como maestro. Un diseñador precisa de un espacio para el diseño, su estudio,

NLP Es que en realidad es lo mismo. El espacio adecuado

y un profesor para impartir sus clases, el aula. ¿Existe un

es el mejor taller, ya que allí tienes lo que necesitas, las

espacio idóneo para la creación?

herramientas que vas a usar, los materiales, la mesa, las superficies adecuadas para tus tareas. Un lugar de trabajo,

NLP Más que averiguar si existe un espacio idóneo, se trata

taller o despacho, siempre es lo mismo. Yo aquí tengo los

de trabajar en un espacio en el que te sientas bien y estés

libros que suelo manejar, los lápices, el papel, la impresora,

a gusto. A veces parece que incluso necesites precisamente

el ordenador. Vas haciendo las tareas poco a poco, y las

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cosas las tienes a mano. Tu taller es el espacio en el que

NLH En ese sentido está muy bien el proyecto de la Nave de

estás a gusto.

Música del Centro de Creación Contemporánea Matadero de Madrid, en el que se han habilitado espacios para los

RH Sin embargo los espacios donde impartimos las clases

creadores, incorporando sillones y muebles, haciendo

nos vienen impuestos.

todo más cálido y acogedor. Desde fuera parece una casa (gesticula con las manos describiendo un tejado a dos

NLH El alumnado hacen suyo el espacio mucho antes de

aguas). El conjunto es como una pequeña ciudad.

que tú mismo lo hayas logrado, ya que pasan allí muchas horas compartidas con sus compañeros. El profesor es el

RH El trabajo colaborativo y las propuestas de equipo o la

que cambia de aula, pero ellos se mantienen en la misma,

implicación de los participantes también han modificado la

y la hacen suya. De todos modos habría que repensar los

posición del profesor en el aula.

espacios para la docencia, ya que suelen ser muy fríos. NLP Cuando he impartido clases, y en general, lo que NLP El taller de diseño o el aula para impartir clase son cosas

promuevo es que la gente pueda ver el trabajo que están

diferentes.

haciendo los demás y que participe. Si un alumno expone

RH Creo que deberíamos plantear los entornos para la educación en artes como un reto de futuro. Las aulas de dibujo de las antiguas escuelas de arte eran mucho más atractivas que las actuales. NLH Quizá esto se deba al tipo de herramientas que se utilizan ahora: el ordenador ocupa un espacio importante en el aula, aunque no se esté usando, lo cual es un problema, ya que la mesa está copada por el ordenador. RH Puede que sigamos con la idea de

Figura 2 – Estudio Lavernia & Cienfuegos Asociados, en Valencia.

que la mesa es para dibujar, aunque ahora esté ocupada

su proyecto prefiero que el resto opine y participe, incluso

por un ordenador, lo cual en realidad elimina ambos

que se pueda ver la relación que existe entre el alumno que

procesos, y de paso nos impone una organización del taller.

está siendo valorado y las opiniones que va aportando su profesor. Así también se aprende mucho. Me parece que en

NLP Está evolucionando todo lo referido a mobiliario de

todo sistema educativo lo que debe prevalecer es aprender

oficinas, y también está cambiando muchísimo el diseño de

a valorar el trabajo que se está haciendo. En muchas

estos espacios, justamente porque ya nadie tiene un lugar

ocasiones el alumno es incapaz de detectar si lo que está

fijo, sino que la gente llega y se instala con sus portátiles, y

haciendo es muy bueno o muy malo. Esto debería ser una

al final toda la comunicación es online.

cuestión prioritaria a abordar. Un profesor de dibujo nos decía que no podías aprender a dibujar hasta que supieses

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RH Vosotros formáis a la gente. Diseñando, al ofrecer un

aprender: tener un criterio de valoración.

producto de calidad. Y en clase, porque es un espacio perfecto para transmitir sensibilidad por las cosas bien

RH Las clases de educación artística han sido las únicas

hechas.

en las que nunca estuvo mal visto el hecho de copiar. Se

anima al alumnado a compartir sus trabajos, una tradición

NLP Yo les explico a mis alumnos que la materia prima con

de la educación artística.

la que trabajamos son las imágenes, y sobre todo la cultura de esas imágenes, la cultura de lo visual. Es importantísimo

NLH Lo cierto es que los alumnos aprenden tanto o más de

que conozcan la historia del arte, la historia del diseño, la

sus compañeros como del profesor. En las clases de diseño

arquitectura, que vean cine, todo eso es fundamental. Por

lo habitual es que todos compartan lo que están haciendo.

poner un ejemplo, aquí en el estudio estábamos hace poco

En algunas escuelas del centro de Europa se impuso hace

debatiendo dos propuestas de diseño de caja, y alguien dijo

años un modelo de enseñanza que era no presencial. El

que le gustaba más ese “Rothko” (Mark) que ese “Mathieu”

alumno tenía una tutoría y volvía varios días después.

(Georges), comparando los proyectos y relacionándolos con

Llegamos incluso a tenerles un poco de envidia. Sin embargo

la obra de dos artistas. Esta sería una manera de entenderse

ahora eso está cambiando. Se está volviendo a la enseñanza

rápida y precisa, algo fundamental para nosotros. Cuando

presencial, porque resulta evidente que el profesor no es

vas a una escuela y detectas que el alumnado no conoce

la única instancia de saber, ya que los compañeros son una

a Rothko, entonces te planteas muchas cuestiones. Si estás

fuente de conocimiento, por tanto conviene tener contacto

estudiando diseño, estas cosas hay que saberlas. El dominio

con ellos. Algo que se comprueba en la práctica es que si en

de lo visual es fundamental, porque de este modo se

un grupo de clase hay alumnos destacados que llevan bien

genera una sensibilidad, que es de lo que se trata. Explicar

su trabajo, están tirando del resto, estimulando el ritmo de

lo subjetivo es arduo, requiere tiempo, el gusto se forma a

la clase. En el otro extremo ocurre igual, si detectas que hay

través del aprendizaje.

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lo mal que lo hacías. Ese es el momento de empezar a

cuatro o cinco alumnos que no están avanzando, entonces ves que el resto tiende a animarles. RH ¿Un diseñador es más exigente con su entorno cotidiano? NLH Un diseñador es un sufridor nato cuando pasea por la ciudad. NLP Nos pasa a todos, pero creo que tampoco hay que obsesionarse con esto. NLH Sí, pero la cantidad de mensajes que recibes cuando vas por la calle es abrumadora. Eres más sensible, porque estás más expuesto y trabajas en ello. NLP Cuando alguien tiene buen gusto, las cosas de mal gusto le hacen daño.

Figura 3 – “Los ciclistas”, un diseño del padre, en el que participó el hijo, con el que han jugado ambos.

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RH ¿Qué se requiere para dar una buena formación al

formación autodidacta era mucho más dura y difícil. Ahora

diseñador?

el camino es extremadamente más fácil. Sin embargo, en nuestra época era más fácil que ahora encontrar una salida

NLH ¡Uf! Requiere una cierta actitud y predisposición por

profesional cuando terminabas los estudios. Es como

parte del alumno. Tu labor como docente consiste en poner

si cuando terminan les dijesen: “ahora te vas a enterar,

encima de la mesa ciertos conocimientos. Quien quiere

ahora es cuando lo tienes duro”. No sé si ese cambio de la

los toma, y quien no, no. Yo lo detecto en mi alumnado.

dificultad laboral antes o después es más positivo o no, ni

A las pocas semanas de estar impartiendo clase ya sabes

cómo lo resolverán. En general veo más indolencia entre la

quiénes tienen interés. El alumno que tiene interés saca

gente joven.

las asignaturas sin problema, de manera que disfrutas tú y disfruta él.

NLH Nosotros en la Escuela hemos detectado que desde hace unos años el alumnado viene con una actitud distinta.

NLP Lo vocacional al final es una actitud. Es una cuestión que

La tradición vocacional que tenían las escuelas se ha perdido.

tiene que ver con el tiempo, con el desarrollo de la sociedad.

Ahora viene la gente diciendo “a ver qué hago”.

El diseño no era algo muy conocido cuando yo empecé a interesarme por el tema; de hecho aquí en Valencia no

NLP Tener vocación por algo a los 16 años es muy difícil.

había escuela de diseño, lo que había era la Escuela de Artes

Cuando más reglada, más convencional y más conocida

y Oficios, donde podías estudiar decoración o cerámica.

se ha hecho una carrera, menos vocación creo que hay. La

Todavía no existía interiorismo. Otros compañeros estaban

vocación se manifiesta cuando lo que vas a hacer es algo

en Bellas Artes, y algunos ni siquiera cursaban una carrera

desconocido, ha de haber un espíritu especial.

especializada, sino que empezaron a trabajar en una agencia de publicidad a los 14 años y siguieron aprendiendo por su cuenta. Nosotros

estuvimos

descubriendo

lo que era el mundo del diseño de una manera autodidacta. Yo estudié Diseño Industrial en la Escuela Elisava de Barcelona, cuando ya llevaba años intentando aprender. El aprendizaje autodidacta es como conocer una ciudad por ti solo. En la educación formal dispones de un guía que te va orientando, que te va indicando las cosas que hay que saber y lo que hay que ver en la ciudad. Si intentas conocerla siendo autodidacta te dejas unas lagunas enormes, pero por otro lado profundizas muchísimo más, ya que eres tú el que busca. La curiosidad es fundamental, la exigencia, tu

Figura 4 – Durante cinco años padre e hijo estuvieron trabajando juntos en la empresa “aila” de creación de páginas web.

propia inquietud, tu motor. Vas buscando aquí y allá, vas

NLH Si la educación es más dura cambia, porque no creo

recorriendo todo, de repente un libro te lleva a otro. Nuestra

que nadie se plantee estudiar medicina para ver qué pasa.

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NLP Y después están las escuelas privadas, lo cual significa

menos alumnado, pero estarían más motivados.

que cada año se graduan unos mil diseñadores.

RH En los estudios de Magisterio, que es mi especialidad,

NLH O más, puede que sean 2000 los que se gradúan cada

se ha detectado que si bien no todo el alumnado inicia su

año en España.

formación de manera vocacional, tras las prácticas se ha consolidado el argumento vocacional.

RH En Bellas Artes teníamos profesores que se guardaban mucho de explicarnos sus “secretos” a la hora de pintar o

NLP Cuando la gente empieza a ver que le gusta la carrera

esculpir.

que está estudiando puede que haya una mayor carga de atracción hacia el oficio, supongo que vocacional. La

NLP Yo creo que eso es malo en diseño, en farmacia y en

vocación me parece casi un acto de fe, que ya no lo es tanto

cualquier disciplina. Eso debe ser un síntoma de mediocridad

si llevas dos años estudiando aquello que te gusta.

y de inseguridad. Si ahora Rubens o Leonardo da Vinci se pusiesen a enseñarte a dibujar ¿qué temor podían

RH En los estudios de Magisterio las prácticas constituyen

tener a que luego tú lo hicieses mejor? Lo importante del

un elemento esencial, supongo que en diseño ocurre igual.

conocimiento es lo que se hace con él. Cuando un profesor hace su trabajo no veo por qué tiene que ocultar nada.

NLH En diseño las prácticas son fundamentales. Incluso hay exceso de oferta por parte de las empresas. Son demasiadas

NLH Ahora con Internet se tiene acceso a todo. El profesor

las que ofrecen plazas de prácticas para alumnado en

ya no es la única fuente de saber. Lo comprobamos en clase,

formación. Nosotros estamos muy contentos con los

estamos hablando de algo y el alumnado lo está consultando

resultados de estas prácticas.

en Internet. Por tanto no tiene sentido quedarse con el

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Si la educación en sí fuese más exigente, puede que hubiese

conocimiento, ya que no lo posees únicamente tú, sino que RH ¿Está reconocida la labor del diseñador?

está al alcance de todo el mundo. Tu labor ahora es guiar, indicar, aconsejar.

NLP Eso seguro. Desde los años 1980 hasta ahora ha cambiado mucho el conocimiento y el reconocimiento

RH ¿Por qué en los países mediterráneos está tan extendida

social de la profesión. Ahora las empresas y las instituciones

la separación entre Bellas Artes y Diseño?

saben de la importancia del diseño. NLH Debido a nuestro nombre hay gente que cree que RH ¿Existe competencia entre las escuelas de diseño?

somos de Bellas Artes, y hemos de aclararles que no es así.

NLH No veo que haya competencia. Lo que sí hay es mucho

NLP Entiendo que hay muchos elementos comunes que

diseñador joven que sale al mercado laboral y no encuentra

se comparten en los estudios de Bellas Artes y de Diseño,

un sitio para ubicarse. Hay muchas escuelas formando a

incluso de Arquitectura. Pero considero más próxima la

gente.

Arquitectura al Diseño que no a las Bellas Artes. Un elemento distintivo que se da en Bellas Artes es el no trabajar por

NLP ¿Cuánta gente matriculada tenéis aquí en la EASD de

encargo. También hay diseñadores que trabajan en los

Valencia?

límites del mundo del arte y el diseño. Yo diría que una de las cosas que diferencia al diseñador del artista es que el

NLH En las cuatro especialidades de grado tenemos

artista trabaja desde adentro hacia afuera enfrentándose al

alrededor de 1300 alumnos.

lienzo en blanco, mientras que el diseñador trabaja con un

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encargo, unos requisitos, unos requerimientos, además de

no le interesaban demasiado los cuadros, pero se quedó

funcionar con un elemento sustancial que es el proyecto.

entusiasmado con unas maquetas de barcos, con las pistolas y las espadas.

RH ¿Puede que sea el entorno industrial el que domina en el diseño?

RH ¿Solíais ir a los museos cuando Nacho era pequeño?

NLP También la estética al servicio de una comunicación que

NLP Imagino que lo normal. No tengo un recuerdo especial

tiene una dimensión muy distinta a lo que sería comunicar

al respecto.

en el mundo del arte. Pero todo lo visual es algo que tenemos en común. Tradicionalmente ha habido una separación muy

NLH Cuando se inauguró el IVAM entonces sí que iba mucho.

grande en los museos de arte y de diseño.

Incluso varias veces a la misma exposición.

RH ¿Para deleitarse visualmente el diseñador prefiere un museo o un centro comercial? NLP Cuando íbamos de viaje. Con niños ya se sabe que con estas cosas tampoco se puede abusar, en un museo

normalmente

se

aburren

bastante (aquí el hijo pone su mano izquierda sobre el antebrazo derecho de su padre). NLH Me acuerdo que cuando fuimos al Museo de la Ciencia me lo pasé en grande. Y también me acuerdo del Museo de las Miniaturas de Guadalest, donde había una edición del Quijote escrita en un grano de arroz (ríen Figura 5 – Biblioteca del estudio Lavernia & Cienfuegos. A Nacho Lavernia le gusta trabajar rodeado de libros.

ambos).

NLP Más que un Centro Comercial, que me pone un poco

RH En las nuevas teorías del artist-teacher o de las a/r/

los pelos de punta, te diría que pasear por la ciudad, viendo

tografías se habla del profesor de educación artística como

tiendas, comercios, y cualquier aliciente visual. Yo en cada

un artista que es al mismo tiempo profesor e investigador,

sitio y en cada momento busco cosas distintas. Tiene que

elaborando procesos artísticos como elemento clave de las

ver con las inquietudes, con las cosas que te inspiran, que

clases.

te aportan algo. En ese sentido hay un grado de aporte de disfrute importante.

NLH En diseño no podemos plantearnos las clases como algo artístico, porque de ese modo nos salimos del enfoque

NLH ¿No te ocurre en ocasiones cuando vas a un museo

correcto. Muchos compañeros han trabajado como

que disfrutas del espacio y de la arquitectura pero después

profesionales del diseño y además son profesores, lo cual

prácticamente no te acuerdas de lo que había expuesto?

favorece que planteen las clases desde el ámbito profesional.

Hace poco visité un museo con mi hijo Marc, comprobé que

No conocía estas corrientes teóricas que comentas.

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diseña directamente desde el ordenador, lo cual supone

hecho de que tu padre sea diseñador?

hacer muchas cosas en muy poco tiempo, cambiando y

probando. Se ha perdido escribir y dibujar las cosas a mano,

NLH Sí, creo que sí. Pero nunca de una forma consciente, ya

lo cual requiere mucha reflexión, porque cuando has hecho

que él nunca me presionó al respecto. Fui descartando otras

unas rayas no es tan fácil volver al principio, ya que implica

posibilidades que no me convencían, y finalmente opté por

empezar de nuevo. Tienes que pensar más, reflexionar, ver

la formación en Bellas Artes. Pero no me atraía ni la pintura

dónde quieres poner cada cosa, el texto, la imagen, antes

ni la escultura, más bien el dibujo y el grabado.

incluso de hacerlo. De todos modos no creo que una cosa sea mejor que la otra. Cada cuestión responde al tipo de

NLP Cuando hacías la carrera venías por el estudio, me

sociedad en la que estemos. En la sociedad donde nosotros

ayudabas. Supongo que si yo hubiese sido farmacéutico

nos educamos la profundidad era un valor esencial. Era

también hubieses venido por la farmacia.

importantísimo profundizar en las cosas. En la sociedad actual tiene más interés la superficialidad, la rapidez, los desplazamientos constantes. Internet te permite acceder a un montón de cosas con una gran rapidez, pero no resulta tan fácil profundizar. Son valores que cambian. La sociedad se va auto-justificando. La gente joven que ha nacido con el iPad, el iPhone y el ordenador en la mano, que ha aprendido un proceso mental y creativo en función de todas estas

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RH ¿Ha influido en tu opción por la docencia en diseño el

herramientas, dará unos resultados, y los justificará. No es mejor o peor reflexionar o profundizar, pero cada momento lleva su proceso propio. NLH Lo notas con el alumnado. Planteas algún problema y no se funciona igual. Antes iniciaban su proceso con la Figura 6 – Tres generaciones en una imagen reciente. El más jovencito es Marc.

RH Intuyo que desde pequeño ibas por el taller.

mano, el lápiz, el papel, lo cual requería una construcción mental concreta. Cuando te pones directamente a trabajar con el ordenador es distinto: hay un espacio de separación entre el ordenador y lo que hay en tu cabeza, las ideas.

NLP También influyen los temas de los que se habla, lo que ellos ven desde niños, lo que te interesa.

NLP La herramienta es fundamental en relación con el resultado que vayas a obtener. Cuando estábamos en el

NLH Yo siento más interés por la arquitectura, algo que me ha

grupo La Nave tuvimos que hacer una reflexión sobre

sido inculcado por tu parte (dirigiéndose a su padre), siendo

sobre los diseños desde Bauhaus hasta el año 1980, sobre

pequeño tú siempre te interesabas por la arquitectura. El

el uso del cartabón y del compás, del sistema diédrico

tema del diseño te lo he tenido que “sacar”.

de representación. Esas herramientas y esos lenguajes configuraban el resultado final. Ahora son los programas de

RH ¿Qué ganamos y qué perdemos con el nuevo escenario

ordenador los que te llevan. No se puede diseñar lo que no

digital?

se sabe expresar. Puedes tener buenas ideas en la cabeza, pero al final el resultado de esas ideas será lo que seas capaz

NLP (suspira) Ganamos en el terreno de la acción, y

de expresar.

perdemos en el terreno de la reflexión. Ahora la gente

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una birria de película. Si tuviese que llevarme tres películas a una isla desierta serían tres de Billy Wilder (El apartamento, Con faldas y a lo loco, Primera Plana). Me llevaría comedias de esa época, porque me parece un cine maravilloso. Y no es lo mismo ver una película en el ordenador que en pantalla grande. NLH Con el tema del cine nos han influido un montón nuestros padres. Cuando tenía siete años, mi hermano y yo nos levantábamos Figura 7 – Un momento de la entrevista fotografiado por Germán Navarro.

temprano el sábado y veíamos en video Un, dos, tres de Billy Wilder, una y otra vez. Con

RH Pasando a temas cotidianos ¿Cuáles son vuestros

el tiempo he ido perdiendo esa exigencia que mi padre ha

platos preferidos?

mantenido. Pertenezco a una generación que se ha criado con Star Wars, Indiana Jones, Los Goonies (aquí discuten

NLH Unas patatas con huevos fritos. (ríen ambos)

ambos y se interrumpen). Nos han educado en un cine comercial de entretenimiento, de manera que soy capaz de

RH ¿Eso significa que no os gusta la cocina sofisticada?

ver cualquier cosa. Algo que ahora me resulta más difícil de ver son las historias en las que sufren los niños. Desde que

NLP A mí me gusta comer. Disfruto de un buen arroz al horno

tuve a Marc estoy más reacio a las películas de acción y a

(uno de los mejores arroces, incluso por encima de la paella),

las series violentas. Sufro mucho. Me acuerdo de la abuela

y de un cocido o de unos garbanzos. Pero también me gusta

cuando vio Kramer contra Kramer: impidió que yo la viese.

la cocina de vanguardia. La gastronomía más novedosa le hace un gran favor a la oferta que tenemos en Valencia,

NLP Una experiencia que no sé si llegó a ser traumática

con una buena oferta de restaurantes, incluso a un precio

para Nacho cuando tenía cinco o seis años fue el día que su

razonable, donde encuentras un ambiente agradable y una

abuelo, mi padre, le llevó a ver 2001 Una odisea del espacio,

comida muy creativa. La cocina tradicional es más factible

pensando que se trataba de una película de aventuras

para comer en casa, pero las tendencias creativas mejor en

infantiles (ríen ambos).

los low cost de grandes chefs, como Ricard Camarena. En El Corte Inglés de Callao, en Madrid, David Muñoz, el chef

NLH El abuelo estaba indignadísimo, y es cierto que me

del restaurante Diverxo, ha montado un low cost donde

quedé muy impactado.

se come de maravilla. (gesticula y explica con emoción los platos orientales típicos de Singapur que comió)

NLP El hecho de ir a ver una película al cine o de comprarte un libro es en realidad como una apuesta: arriesgas. Cada

RH ¿Compartís preferencias en películas de cine?

vez hay menos gente que te recomiende, y no hay una crítica realmente fiable. Tienes que ir buscando y tanteando

(ríen ambos) NLP Con el cine y con la literatura tengo fama

para comprar un libro. La trilogía del “Milenio” me parece

entre mis amigos de gustarme lo sesudo, en realidad lo

auténtica basura, aunque tenga mucho éxito. Estamos en

que ocurre que me gustan las buenas películas y la buena

la sociedad de la audiencia, y si lo importante es que te

literatura. Cuando decimos que vamos al cine a pasarlo bien

vean dos millones, harás lo que sea necesario. Muchos de

y a disfrutar creo que hablamos de no tener que aguantar

los escritores actuales más que escribir novelas escriben

164 | Ricard Huerta | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Julho 2014


siglo XIX, desde Proust a Galdós, de los grandes novelistas como Dickens o Tolstoi. NLH Yo soy partidario de llegar al máximo de público. En un programa de radio en el que hablaban sobre literatura, cuando se les preguntaba qué novela no habían podido terminar la mayoría apuntaban al Ulises de James Joyce. ¿Entonces qué sentido tiene? ¿Te imaginas diseñar una silla en la que no te pudieses sentar? NLP Es imposible juzgar el arte sin tener un conocimiento bastante profundo de lo que es. Picasso le gusta a la mayoría, pero eso no quita valor a Tàpies o a los pintores abstractos. En el mundo del arte, si no eres un verdadero experto debería resultar difícil exponer una opinión en público, o en los medios. Es entonces cuando eres capaz de apreciar las cosas. En literatura ocurre lo mismo, ya que esa capacidad de determinados autores por encontrar formas nuevas para

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pensando en la pantalla. Están lejos de los escritores del

contar historias es meritoria. Te podrá gustar o no, pero si te metieras de verdad en lo que es la problemática del arte lo entenderías. Te lo digo yo que he empezado dos veces el Ulises de Joyce y nunca he pasado de la página 37. Sin embargo he leído a Proust desde los 18 años. NLH La persona de 18 años que se leyó a Proust porque no había televisión y decidió dedicar su tiempo a esa lectura está lejos de los jóvenes actuales que no dedican su tiempo a ello. Debería haber un entrenamiento, una preparación para leer una novela medianamente compleja. NLP En cualquier manifestación artística lo más fácil de apreciar es el dibujo, y en narrativa el argumento. Pero las aportaciones realmente novedosas han de tener originalidad, plantear las cosas de otro modo, algo que requiere un esfuerzo por parte del lector, pero que resulta fundamental en cultura.

Referencias Huerta, R. (2013) Paternidades creativas. Barcelona. Graó. Huerta, R. y De la Calle, R. (2012) Patrimonios migrantes. Valencia: PUV. Sennett, R. (2013) El artesano. Barcelona: Anagrama. Julho 2014 | Nacho Lavernia: el diseño de la paternidad en educación artística | Ricard Huerta |165


RESENHAS


RESENHAS Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

por Teresa Eça APECV/I2ADS, Portugal

Ymago é um projeto editorial que possibilita o alargamento dos nossos horizontes de leituras sobre a teoria e a investigação das imagens, sobre as imagens e com as imagens. Os seus promotores estão a traduzir e a publicar textos chave para todos os que de um modo ou de outro se interessam por este tema. Já traduziram e publicaram quatro títulos de autores que pensam a imagem em termos inovadores. Uma dessas obras é ‘Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta’ de Georges Didi- Huberman traduzido por R. C. Botelho e R. P. Cabral. Um livro notável, com uma excelente tradução. Didi- Huberman, é um filósofo e historiador de arte, que tem apresentado uma visão muito crítica e pessoal questionando os pressupostos vasarianos, panofskianos e neo-kantianos da história da arte. Ele é um autor plurifacetado que tem assumido posições demarcadas, apoiado em referências teóricas como Warburg, Benjamin, Freud e Deleuze em relação à interpretação da arte. Para ele as imagens são complexas e contraditórias e têm dimensões empáticas, éticas e políticas. Neste livro ‘Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta’, Didi- Huberman retoma o seu texto introdutório do catálogo da exposição Cómo llevar el mundo a cuestas ? - Atlas. How to Carry the World on One’s Back? que Georges Didi-

Título: Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta

Huberman organizou no Centro de Arte Reina Sofía (Madrid) entre novembro

Autor: Georges Didi-Huberman, trad. R. C. Botelho e R. P. Cabral

2010 e fevereiro 2011, mais tarde exposta no ZKM-Zentrum für Kunst und

Ano: 2013

Medientechnologie de Karsrühe e em Sammlung Falckenberg em Hamburgo, entre maio e novembro de 2011. O Atlas Mnémosyne é um marco importante na maneira como interrogamos o papel das imagens. Foi um momento de rutura epistemológica importante, tendo sido composto, decomposto, montado, remontado por Aby Warburg entre 1924 et 1929. O Atlas Mnemosyne é uma obra aberta ao acaso e à partilha, deixando em aberto interstícios, brechas, continuidades para que outros, como Didi- Huberman o possam interrogar para, nas palavras de Foulcault, exercitar

Editora: KKYM+EAUM Local de publicação: Lisboa 315 páginas ISBN: 978-84-8363-984-9 http://cargocollective.com/ ymago/Didi-Huberman-Txt-10

uma arqueologia do saber visual. Trata-se de um autêntico processo de pesquisa, com um método que releva do poder que as imagens e a técnica de montagem de imagens têm de rondarem o real, de se associarem e de associarem outras ideias, conceitos e imagens para criar discursos. Ao abordar o Atlas como qualquer arquivo, incompleto, sujeito a erros e lacunas Didi-Huberman acercanos da impossibilidade de definir o real e das possibilidades da imagem tocar Julho 2014 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Teresa Torres de Eça |167


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o real através de processos de associação e de montagem, processos esses várias vezes evocados pelos pesquisadores que utilizam investigação baseada nas artes. A montagem no entender de Didi-Huberman não é a criação artificial de uma continuidade temporal a partir de “planos” descontínuos organizados em sequências. É, pelo contrário, um modo de desdobrar visualmente as descontinuidades do tempo da obra em toda a sequência da história. No Atlas Mnémosyne percorremos um processo arqueológico, numa viagem que vai desde a Babilónia até ao século XX, do Oriente ao Ocidente, dos ‘astras’ mais longínquos (constelações de ideias) até aos ‘monstra’ mais próximos (pulsões viscerais). Das belezas da arte aos horrores da história. Este livro evoca, através de uma escrita baseada em grandes planos mais do que em descrições contínuas as metamorfoses de Atlas, o titã condenado pelos deuses do Olimpo a carregar eternamente o peso do mundo. Recorrendo ao Atlas Mnemosyne, de Aby Warburg, Didi-Huberman encontra no género atlas, nesta forma visual do saber, um percurso que aborda o “saber pelo sofrimento” (pathei mathos), de Ésquilo, passando pela reinvenção warburguiana do género Atlas, onde as imagens se situam entre “a fantasia vibrante e a razão apaziguadora” até o “sabiamente caótico” atlas de Jorge Luis Borges. As imagens evocam, transcendem e alteram, são fantasmas. Ao atender ao ethos e ao pathos de uma única imagem, entrase em contacto com a fina película do fantasma primitivo, explorada por Freud. Inerente à imagem estão os gestos, e expressões próprios de uma corporeidade que assombra a imagem, seja como “matriz”, seja como “expressão” ou “encarnação”, termos que fazem parte do vocabulário crítico de Georges DidiHuberman. No ‘remix’ Warburguiano feito por Didi-Huberman, sentimos algumas forças complementares que fazem parte de sua tarefa arqueológica. Uma dessas forças, que apela ao informe, ao sintoma e à metamorfose vem talvez da influência do filósofo Georges Bataille e do seu pensamento do não-saber. A outra força poderia vir da influência de Friedrich Nietzsche, com o ‘gai savoir’. Georges DidiHuberman leva em consideração ambos, o não-saber e o saber alegre, como aqueles que assombram o logos de uma teoria do conhecimento que paira sobre o sensível. Aqui, encontra-se uma primeira interferência que acontece pelo assombro, pois o espaço do desejo assombra o espaço do pensamento. Assim a construção do conhecimento vagueia entre astra e monstra, logos e sensível. É no conflito entre astra e monstra que o saber na cultura acontece de forma trágica e perturbadora e a ciência se reivindica como uma profecia, onde se captam as nuances de intuição do conhecimento e de uma inteligência capaz de adivinhar. A ciência como profecia inclui outras maneiras de saber (saber pelo sofrimento tal como o titã Atlas que ao carregar o fardo do mundo acede a uma sabedoria imensa mas também trágica, o saber alegre ou ainda não-saber), ou seja um saber que existe nos limites, nos excessos. Compassado assim entre estas três

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arte divinatória até à última que evoca a sombra do fascismo, é um livro que recolhe tal como Goya os ‘Disparates’ do mundo visível. Os seus ‘Desastres’ assentam perfeitamente nos paradoxos da erudição e da imaginação relatados por Jorge Luís Borges. Enfim é um livro que nos leva a pensar e questionar ética e politicamente, através das imagens e da montagem, as loucuras da história.

Referências BORGES, J. L. (2010). Atlas. São Paulo: Companhia das Letras. DIDI-HUBERMAN, G. (2000). Atlas Cómo llevar el mundo a cuestas? Madrid: Reina Sofía.

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maneiras de entender o conhecimento, desde a primeira prancha dedicada à

Julho 2014 | Georges Didi-Huberman, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta | Teresa Torres de Eça |169


RESENHAS REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. por Jesus Marmanillo Pereira

Nas primeiras páginas do livro O Poder em Movimento, Sidney Tarrow expõe notícias do Internacional Herald Tribune de 17 de março de 1997 e chama atenção para os inúmeros registros de protestos e rebeliões ocorridos na Iugoslávia, Albânia, Sérvia, Bornéu, Zaire oriental e Bélgica. O autor demonstra que todas as situações descritas foram marcadas pelo “poder” constante no confronto político e nos movimentos sociais. Nos diferentes exemplos, o autor observa que “pessoas comuns” irromperam nas ruas e tentaram exercer o poder por meios contenciosos contra estados nacionais ou opositores mais fortes. Essas situações de confronto caracterizam, para o autor, um cenário privilegiado de estudos das condições de emergência de movimentos sociais, ou seja, “seqüências do confronto político baseadas em redes sociais de apoio e em vigorosos esquemas de ação coletiva e que, além disso, desenvolvem capacidade de manter provocações sustentadas contra opositores poderosos” (p.18).

Título: O Poder em Movimento: movimentos sociais e confronto político Autor: Sidney Tarrow Ano: 2009

Nessa perspectiva, ele compreende a ação coletiva como base dos movimentos sociais, enfatizando a necessidade de que essa seja estudada de acordo com um amplo quadro analítico composto de contribuições da história, sociologia, ciência política e antropologia. Tal abordagem interdisciplinar foi pensada para contextos caracterizados por situações de “mudanças nas oportunidades e restrições políticas” capazes de gerar nos participantes, uma série

Editora: Editora Vozes

de incentivos materiais, ideológicos e partidários. Para tanto, considera fatores

Local de publicação: Petrópolis, RJ

como: os desafios coletivos, as redes sociais ativadas, os quadros interpretativos

320 páginas

construídos e a construção de solidariedades associadas a tais ações.

ISBN: 978-85-326-3828-1

Expondo, inicialmente, estudos teóricos de autores como Karl Marx,

Lenin e Gramsci, Sidney Tarrow observa a relação entre eles e as teorias recentes sobre ação coletiva. Nesse sentido, aponta como os estudos sobre ação coletiva foram tornando-se mais aprimorados e complexos, descobrindo a cada tempo, novos fatores e condições para a emergência e permanência dos movimentos sociais. Para tanto, demonstra uma serie de perspectivas teóricas e formas de abordagens desenvolvidas ao longo das quatro últimas décadas, destacando: a teoria da escolha racional, a teoria da mobilização de recursos, a perspectiva sócio construtivista e o viés da sociologia histórica.

170 | Jesus Marmanillo Pereira | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Julho 2014


fundamentais do livro, que é a noção de estrutura de oportunidades políticas. Contrariamente a perspectiva da mobilização de recursos, voltada para explicação dos fatores e condições existentes no interior dos movimentos de reivindicação, a perspectiva da estrutura de oportunidades políticas inseriu o elemento político e histórico na analise das ações coletivas de confronto, garantindo assim uma abordagem mais estrutural. Com esse viés analítico, buscou sintetizar às principais contribuições dos estudos sobre ação coletiva de confronto, a fim de criar um modelo analítico que considerasse os condicionantes internos e externos para o desenvolvimento da mesma. Ao discorrer sobre a ação coletiva modular, o autor destaca a dimensão

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Ao falar sobre as condições da luta política, destaca um dos pilares

histórica e cultural dos repertórios de ação, desenvolvendo uma explicação pautada em duas perspectivas: a orientação dos detentores de poder e o âmbito da ação (local e nacional). Empiricamente analisa antigos e novos repertórios desenvolvidos na Europa ocidental e na América do Norte, de onde extrai as noções de repertórios tradicionais e repertório modular. Grosso modo, pensa os dois tipos de repertórios: 1) em relação à capacidade de utilização em diferentes contextos, 2) considerando a forma como se desenvolvem tais ações, por encenações, boicotes, ações violentas, e 3) quanto às características da ação coletiva- propósitos comuns, solidariedade etc.. Ao valorizar a dimensão histórica, Sidney Tarrow enfatiza que os movimentos sociais como são conhecidos hoje datam desde os séculos XVIII, com forte influência de mudanças estruturais, como a da imprensa comercial e dos novos modelos de associação e socialização, relacionadas ao capitalismo. Entre outras coisas o autor percebe que essas possibilitaram a difusão de informações entre pessoas de diferentes regiões e processos associativos conhecidos como coalizões interclasses. Por meio de um estudo comparativo, o autor demonstra a utilização da noção de estrutura de oportunidades, tomando como exemplos da França, E.U.A e Inglaterra, onde se deteve sobre as diferenças nos padrões de construção do Estado e nas repercussões disto em termos de incentivos e constrangimentos para a formação de movimentos sociais, ou seja, para entender o que fazia as

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pessoas arriscassem suas vidas nas ruas para clamar seus direitos é necessário não só conhecer fatores sociais e econômicos experimentados por elas, mas também as oportunidades políticas estruturadas de acordo com as características dos Estados “fortes” ou “fracos”. Para destacar a importância das mudanças nas oportunidades e restrições políticas em relação ao fomento de mobilizações coletivas, o autor exemplifica os diferentes efeitos da crise de 1930 em países com diferentes características de estados - França, Inglaterra, E.U.A e Alemanha e enfatiza elementos específicos como o Popular Front Francês e o New Deal, considerando sempre o engajamento dos trabalhadores precarizados. Com mais detalhes, Sidney Tarrow utiliza seu modelo teórico para interpretar as mudanças ocorridas na U.R.S.S e Sérvia, elencando

pontos

explicativos cruciais como: abertura política, realinhamento político, aliados fortes, divisões no interior das elites, o efeito polarizador da violência, a dinâmica das manifestações e as rupturas pacificas não impositivas - que combinavam confronto e convenção. Em relação à forma de regime político, destaca as diferentes influências da democracia e dos regimes repressivos sobre os confrontos. Para o autor, a primeira possibilita um numero maior de mobilizações pacificas, mas retira dos mesmos, o elemento da “indignação” - valorizado nas segundas situações onde as ações coletivas são radicalizadas e unificadas em alvos centralizados. Com a democratização, a associação entre reivindicação e partidos políticos tende a aumentar, e com isso, as eleições passam a ter um papel fundamental na conquista e manutenção de valores, direitos. Apesar das mobilizações serem explicadas, também, por tais condicionantes, o autor ressalta que nem sempre configuram movimentos sociais. É necessário que sejam reconhecidos tanto pelos apoiadores como pelos oponentes, que ocorram a ativação de redes, coalizões, de um modelo organizacional, de símbolos e formas de percepção ou enquadramentos interpretativos capazes de constituir pontos de conexão e formar laços identitários em grupos heterogêneos. Com a utilização dos enquadramentos interpretativos conhecidos também como frames, o autor valoriza as variáveis das análises sócioconstrutivistas relacionadas a autores como Erving Goffman, David A.Snow e Robert D. Benford. Outro tema abordado por Sidney Tarrow é a ampliação do confronto em ciclos gerais. Por meio de uma analogia entre ciclo de confronto e ciclo revolucionário, o autor elencar algumas características a respeito da dinâmica dos ciclos de confronto, por meio de algumas fases como as de “difusão” e “desmobilização”. Para tanto, destaca que as primeiras reivindicações podem

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combatidas por grupos antagônicos, gerando assim uma dinâmica caracterizada, tanto pela difusão, por meio de símbolos, ideologias e de um fluxo maior de informação - que indica uma ativação maior das redes, quanto pela desmobilização relacionada à cooptação e repressão desenvolvidas pelos grupos antagônicos. No decorrer do confronto os custos pessoais inferem nas formas de reivindicação, podendo os líderes optar por formas moderadas ou radicais, de acordo com a manutenção do “grupo”. Além disso, ele percebe a importância do aspecto polarizador da violência, que pode esclarecer antagonismos e definir posições e das ações de facilitação e repressão, que pode desmobilizar ou extrematizar as ações coletivas de confronto. Para exemplificar, o autor discorre sobre o que considera o primeiro ciclo moderno, a “primavera dos povos” ocorrida na Europa. Finalizando o livro, toca em duas questões que também demonstram a complexidade dos movimentos sociais. Primeiramente expõe a dificuldade de estudos pautados nos “resultados” de ações coletivas de confronto (como greves, passeatas etc.), afirmando que para alguns especialistas, estes dependeram do poder de produção de rupturas, aberturas nas oportunidades políticas e obtenção

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ser seguidas como exemplos, por grupos não relacionados ao confronto, ou ser

de recursos internos. Com base em pesquisadores como Charles Tilly (1978), o autor sugere que é preciso uma combinação de fatores – internos e externos organizacionais e políticos, estruturais e estratégicos - para conduzir os movimentos ao sucesso. No processo em que tais fatores se combinam, o autor percebe que há a formação de um aspecto “politizante” que possibilita aos participantes a aquisição de certas habilidades e que influência vida pessoal dos mesmos, na estrutura familiar ou nos custos que causam. Para exemplificar, Sidney Tarrow discorre sobre os protestos de estudantes na França (1968) e de mulheres nos E.U.A(1960). A outra questão é a da transnacionalidade do confronto. Para explicála, o autor interpreta o caso do fechamento da Renault na Bélgica, em 1997, e a repercussão disso no mundo dos trabalhadores. Nota como as manifestações (Eurostrike) da cidade de Vilvorde (BEL) difundiram-se, alcançando também os trabalhadores franceses. Para explicar essa difusão transnacional, expõe aspectos como: a expansão do mercado e globalização, as tecnologias de informação como televisão, computador, fax, a força dos estados nacionais. Para o autor todos esses aspectos favorecem uma abertura nas oportunidades políticas, ou seja, a capacidade de mobilização, aquisição de incentivos de contextos transnacionais fortalecem confrontos locais. Sem abrir mão das principais contribuições dos estudos sobre movimentos sociais, o livro “O Poder em Movimento: movimentos sociais e

Julho 2014 | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Jesus Marmanillo Pereira |173


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confronto político” representa um esforço de traçar uma morfologia complexa desse fenômeno social. Dessa forma, os elementos culturais de identidade coletiva, históricos e políticos recorrem às contribuições de importantes autores europeus e norteamericanos como: Alberto Melucci, Erving Goffman, Karl Max, Barrington Moore Jr, Eric J.E. Hobsbawm Charles Tilly, Doug McAdam, John D. McCarthy, Mancur Olson e outros. Enfim, Sidney Tarrow apresenta empiricamente por meios dos processos históricos esquema e modelos interpretativos interdisciplinares que tornam evidente seu bom diálogo entre teoria e prática. Considerando a multidimensionalidade de tais fenômenos sociais contribui significativamente na produção de conhecimento e no refinamento epistemológico das ciências sociais.

Referência TILLY, Charles. From Mobilization to revolution. New York, Ramdom House, 1978.

174 | Jesus Marmanillo Pereira | Ações coletivas: Processos e condicionantes necessários. | Julho 2014


SECÇÃO ESPECIAL Homenagem a

Elliot Eisner


Homenagem a

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Elliot Eisner Evocación de Elliot Eisner por Fernando Hernández-Hernández Universidad de Barcelona

En 1993 había llegado a Estados Unidos para un sabático que fue clave en mi trayectoria personal, pues tomar distancia permite ver la realidad propia desde otros puntos de vista y con menos solemnidad. Pero como he escrito en algún lugar, me sirvió de manera especial para apreciar que la Educación Artística necesitaba repensar su sentido e incorporar los conocimientos y propuestas que emergían de los debates posestructuralistas, los estudios culturales, los estudios visuales y los estudios de género. También de los cambios que en el sentido del arte y de la práctica artística se planteaban a raíz del debate que agitó la postmodernidad. Finalmente, y en la educación, para tener en cuenta un sentido cultural de la noción de sujeto, que cuestionaba el determinismo de la psicología sobre la linealidad del desarrollo y replanteaba el aprendizaje reivindicando poner lo que se aprende en contexto para que tenga sentido. Esto fue una parte lo que me llevé cuando regresé a Barcelona. Pero en el camino tuve encuentros que me ayudaron en mi reflexión y que me abrieron a autores y experiencias. Y, sobre todo, a una manera de pensar la educación y el papel de las artes en la educación desde lugares diferentes a los que hasta entonces ocupaban mi interés. En especial fueron importantes las conversaciones con los colegas del Departamento de Educación artística de Ohio State University (Michael Parsons, Vesta Daniel, Terry Barret, Arthur Efland, Patricia Sthur y Sydney Walker). También con los encuentros con Kerry Freedman, Graeme Sullivan y,… Elliot Eisner. A Elliot Eisner lo escuché por vez primera ese mismo año, en una conferencia que impartió en el congreso de la NAEA en Chicago en la que intentaba evidenciar que no había estudios que mostraran una correlación entre el desarrollo de actitudes artísticas y el rendimiento en otras materias del currículo. Lo que me pareció relevante de su reflexión fue que cuestionaba la manera en cómo se hacían estos estudios comparativos, tratando de relacionar dominios a los que se evalúa con criterios diferentes. Una colega de la Universidad de Ohio nos presentó durante el congreso. Nos saludamos con cordialidad y le conté que iba a estar unos meses en Estados Unidos. En Atlanta fue ese año el congreso de la AERA y coincidió con su presidencia de esta asociación de investigación en educación. Al cruzarnos por los pasillos entre los dos hoteles en los que se celebraba el evento nos encontramos y nos invitó al presidential party. Algo que me sorprendió, pues solo habíamos intercambiado unas palabras en Chicago, pero que le agradecí, pues me permitió

176 | Fernando Hernández-Hernández | Evocación de Elliot Eisner | Julho 2014


En 2002 nos encontramos en Barcelona y en Madrid,

alto de uno de los hoteles, sino compartir el ambiente que

durante su estancia sabática en la universidad Complutense,

se respira en una circunstancia como esa.

y proseguimos con nuestras conversaciones. Por entonces,

Unos meses después nos encontramos de nuevo en el congreso mundial de InSEA en Montreal. Allí tuvimos ocasión de conversar con calma en más de una ocasión y pude escuchar sus comentarios mientras asistíamos a las presentaciones de algunos de los ponentes invitados. Todavía guardo los temas de algunas de estas conversaciones y la agudeza e ironía de sus observaciones.

algunos estábamos tratando de poner en relación la orientación de la Educación Artística con la Cultura Visual. Eisner, seguía las aportaciones de colegas como Kerry Freedman, Paul Duncum y yo mismo, y escribiría su punto de vista sobre esta perspectiva en “El arte y la creación de la mente: El papel de las artes visuales en la transformación de la conciencia” (2012). En aquella ocasión me señaló la importancia de abrir nuevos caminos, pero sin dejar de lado

Uno de los días del congreso, mientras comíamos, hablamos

la experiencia que comporta la práctica de las artes. De no

de nuestra educación. De lo importe que para él había

convertir la educación artística en un hablar del arte.

sido participar como niño en las comidas familiares. De la importancia que en su familia tuvo la participación y la escucha de todos, también de los niños, en la mesa. Algo que le hacía sentir a la vez importante y responsable. Me sorprendió lo fácil y fluida que resultaba la conversación y de cómo poco a poco me llevó a explicarle mi trayectoria e intereses, mis impresiones sobre la NAEA e InSEA saltando de un modo personal de un tema a otro, pero con la extraña cualidad, supongo que como le sucedía a él en esas comidas familiares, de hacerme sentir el centro de la conversación. Recuerdo que me señaló sus esfuerzos para que la educación artística no fuera sólo un campo de experiencias sino también de investigación. Con el paso de los años coincidimos en varios congresos. Recuerdo de manera especial su comentario en el congreso de NAEA en Huston en 1995, cuando después de la presentación que hice en un simposio con Kerry Freedman y Brent Wilson, se acercó para felicitarme y señalarme que tener en unas transparencias el texto de mi intervención había ayuda a hacerla más comprensible. Me pareció una

REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

no sólo contemplar la ciudad desde un apartamento en lo

La última vez que nos vimos fue en otro congreso de AERA, de nuevo en Chicago. Me alegró verlo, intentando moverse entre la multitud con cierta dificultad, debido a los efectos de su enfermedad. Me conmovió su coraje y entusiasmo. Su firme voluntad de seguir presente y no recluirse. Pensé que su presencia había servido para dar otro sentido a la educación artística. Para que el currículo y la evaluación se configuraran desde posiciones de diálogo entre campos de conocimiento. También para que la investigación no fuera considerado sólo como aplicación del método científico. Para valorar que el espacio de la experiencia es clave en la investigación en educación,… y en artes. Recordé su esfuerzo para que la mirada de las artes se proyectara en la educación y la investigación. Esas imágenes, como flashes que se suceden se agolparon en el momento en el que después de despedirnos me giré, y le vi dirigiéndose con paso lento hacia alguna sesión en la que pudiera seguir aprendiendo de los otros y aportando su saber.

forma amable de decirme que junto a mi entusiasmo era importante que mejorase mi inglés. Julho 2014 | Evocación de Elliot Eisner | Fernando Hernández-Hernández |177


Homenagem a

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Elliot Eisner Elliot Eisner na arte-educação global e em Portugal por Elisabete Oliveira CIEBA-FBAUL. Portugal Elliot Eisner viveu de 10.03. ’33, em família de Judeus Russos emigrada em Chicago, até à morte de Parkinson a 10.01.’14. Com gratidão e saudade recordo o primeiro encontro com esse meu Professor, na sua Sabática e minha PósGraduação no Instituto de Educação da Universidade de Londres, ‘79-80. Este contacto permitiu, em ’80, termos o privilégio de uma formação de 50 professores e inspectores na FCG - Lisboa, com o Ministério da Educação, por Eisner, em que o assisti. A sua obra começara a ser conhecida em Portugal nos anos ’70, por referências nossas e de Alfredo Betâmio de Almeida - vinda de Londres a sua obra Educating Artistic Vision (’72) -, nas Bibliografias dos Programas e nas Acções de Formação de Professores no país, quando do lançamento destes. E pelos anos ’78 – ‘88/’89, no Gabinete de Apoio à Educação Visual do Ministério da Educação, a Inspectora Irene Sam Payo traduziu excertos dessa obra, difundidos aos Professores. Em Portugal, Eisner foi ainda crucial no reconhecimento da APECV – Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual (’88-), como RNO – Representative National Organization, secundado por John Steers que, em ’90, lhe reconheceu uma abrangência e operacionalidade que ultrapassavam a da anterior, a APEA – Associação Portuguesa de Educação através da Arte (desde ’57-). Foi Eisner quem impulsionou que propuséssemos a 3ª Conferência de Investigação/3º Congresso Europeus da INSEA para Lisboa (‘94); e, ainda, convidou Portugal (três especialistas), à International Conference on the Future of Arts Education. GlobalPerspectives for the New Millennium. N. York. 1999. Desde a Conferência Mundial de Investigação INSEA, Roterdão ’81, (Figura 1) participei com Eisner em numerosas Conferências de Arte-Educação pelo mundo: ele, Presidente da INSEA (’88-’91), com Vice-Presidência antecedente e sequente; e eu, Conselheira Mundial (‘88-’97). Constatei como valorizava os contextos em que intervinha, em empático diálogo: exº, a 1ª Conferência de Investigação Africana INSEA, Lagos-Nigéria ’88, onde optou por formar para uma investigação ali enraizada em vez de difundir modelos de investigação externos. Com comunicabilidade penetrante, conversava com o profundo empenho de valorizar o arte-educador e chegando, na sua dedicação, a disponibilizar artigos actualizantes. A foto de Pablo Scagliola (Figura 2) espelha o seu rigor científico; e gosto de brincar, com profundo vislumbre. Numa noite cultural nigeriana, Eisner foi chamado ao 178 | Elisabete Oliveira | Evocación de Elliot Eisner | Julho 2014


Em Art in Mind: An Agenda for Research (Stanford

eu não voltar, contem à minha mulher! Aspergiram-lhe a

Keynote. ‘00), explicita que a mente é um processo cujo

cabeça com sangue de um galo sacrificado e declararam-no

crescimento é influenciado pelo seu uso, pela cultura

imortal: Agora noutra dimensão, consumou a imortalidade,

(modo antropológico, de vida partilhada; ou biológico, de

pela dádiva de centenas de artigos e 15 livros estruturantes

fazer crescer coisas). As escolas desenvolverão a mente para

de Arte-Educação e Educação.

que as pessoas se reinventem ao longo da vida, arquitectas

Educating Artistic Vision (’72), com a sua visão curricular triangular (dimensões produtiva, critica e cultural), terá fundamentado: (1) Abordagens triangulares, como a de Ana Mae Barbosa (eixos produtivo, crítico e histórico-cultural) ou a nossa (dimensão, D material – Função, F tecnológica; D Social – F comunicativa; D ontológica – F de organizaçãode-vida); (2) A Cultura Visual no currículo escolar - que em Portugal se afirma nos Programas desde ’74-‘75, após a pacífica revolução de 25 Abril ’74, em interacção com a explosão da imagem em liberdade de expressão após quatro décadas ditatoriais -, em graffitis, cartazes, cartoons, banda desenhada e fanzines; nas campanhas culturais e de alfabetização do Movimento das Forças Armadas nas aldeias; ou no teatro, cinema e circo sem censura. Uma semelhante liberdade defende Eisner para a concepção da Educação – ao enunciar os objectivos expressivos, para além dos de imitação/mestria ou do 2º grau/de transferência ou design, em The Educational Imagination. On the Design and Evaluation of School Programs (‘79); e considerando, para lá do currículo expresso e do oculto, o

da própria educação. Às artes cabe o pensamento sentido, expressando a descoberta no curso da acção. O modelo dos meios precedendo os fins será útil ao planeamento, mas em situações complexas os objectivos podem derivar da aplicação dos meios, imprevisivelmente. Com esta visão, converge o nosso uso de referenciais em vez de modelos;

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palco, em peúgas; disse, no seu modo optimista lúcido: Se

e a verificação em investigação campo, da necessidade e eficácia do processo de auto-eco-compatibilização contínua. Investigámos que, até à adolescência, pelo final do 9º ano, os alunos não atingem geralmente a autonomia de critério crítico; e em diálogo com Michael Parsons, este confirmou não ser frequente encontrá-la antes dessa idade. Nesta base, defendemos que a escolaridade obrigatória, até ao final do 9º ano, deve incluir a Educação Visual/criatividade no core-curriculum, seja qual for o grau de flexibilidade ou autonomia reconhecido à escola. Eisner presidiu ainda às Associações Profissionais NAEA, AERA e John Dewey Society; e recebeu numerosos Prémios de Professor de Arte e Educação na Stanford University e Mundiais/Nacionais de carreira.

nulo – daquilo que se inibe que possa ser experimentado ou se faça (não) acontecer. E daqui derivando, defende uma arte da avaliação formativa em The Art of Educational Evaluation. A personal view (’85): o professor prosseguirá uma investigação-acção qualitativa cujo criticismo será de natureza artística. Em polémica com Howard Gardner, abre caminho a que até uma novela possa ser defendida como tese.

Julho 2014 | Elliot Eisner na Arte-Educação Global e em Portugal | Elisabete Oliveira |179


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Em palavras suas (In: Oliveira E, Educação Estética Visual Eco-ncessária na Adolescência – Entrevista. ’10. - Eu quero reter conjuntamente a generalidade do campo e a sua contribuição para outras áreas da vida e, ao mesmo tempo, reconhecer o que especifica ou unicamente pertence ao campo da arte-educação. (Refere: The Enlightened Eye. ‘91) (…) A energia que tenho alimenta-se na alegria e prazer em dirimir com ideias com as quais venho lutando durante uma vida de trabalho de investigação. (…) Sugeriria aos arte-educadores… Criem uma consciência na vossa vida entre o que está firmado na terra e ao mesmo tempo atinge bem alto, acima do chão para explorar as possibilidades que as artes tornam possíveis nas vidas daqueles que nelas, se empenham e se embrenham na sua realização.

Figura 1 – Conferência de Investigação Mundial da INSEA, Roterdão ’81 Pormenor). (Photo: National Institute for Curriculum Development. Netherlands). A partir da esqª: 1ª fila, 1º, Irein Wangboje (Nigéria); 2ª fila, 3ª, Phylis Gluck (NY); 5ª, Andrea Karpati (Hungria); 7º, Brian Allison (UK); Elisabete Oliveira (Portugal); 3ª fila: 4º, EISNER (Stanford); 4ª fila: 2º, Peter Hon-Chiu (Hong Kong); 3º, Ralph Smith (Illinois); 4º, Diethart Kerbs (Alemanha) e 9º, Luis Errazurie (Chile),

180 | Elisabete Oliveira | Evocación de Elliot Eisner | Julho 2014

Figura 2 – Foto premiada de Eisner, por Paulo Scagliola. Blog DIDATICA III


Homenagem a

Elliot Eisner El código paterno del maestro Elliot W. Eisner

En nuestro recorrido profesional surgen personajes que nos marcan de forma decisiva, del mismo modo que en nuestras vidas acontecen sucesos vinculados a personas con las cuales descubrimos cuál es el camino a seguir, gracias a las vivencias que compartimos con ellas y a la confianza que nos transmiten. Esas personas son capaces de elaborar lo que yo llamaría un código paterno, es decir, una cercanía que nos inspira y nos anima, incrementando nuestro deseo de saber y nuestro gozo por transmitir. Nos comunicamos con ellas desde el respeto que les tenemos, en base al reconocimiento moral que se han ganado con su ejemplo. Algunas de esas personas se sitúan cerca, en un sentido físico; su presencia es constante, y sus consejos llegan a nuestros oídos a través de palabras y de gestos, expresiones que conocemos y valoramos. A otras no las tenemos geográficamente cerca, y sin embargo nos transmiten sus saberes y consejos a través de textos, mediante libros que leemos, ofreciéndonos documentos que disfrutamos y adaptamos a nuestra propia realidad. Uno de esos personajes

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por Ricard Huerta Universitat de València

de libro(s) que ha marcado mi trayectoria de manera contundente es sin duda Elliot Eisner. Al igual que él, mi formación está ligada a las artes, ya que estudié música en el Conservatorio Superior, y después Bellas Artes en la Facultad de San Carlos. Pero esa coincidencia la detecté mucho después, gracias a una conversación que pude tener con el maestro en Madrid. Empecé a leer a Eisner estimulado por compañeros de la universidad como Jaume Martínez Bonafé y Fernando Roda, quienes a mi llegada a la Facultad de Magisterio allá por 1990 me recomendaron Procesos cognitivos y curriculum (Martínez Roca, 1987). Este texto sigue conmoviéndome, por su clarividencia y por la destreza con la que elabora su discurso pedagógico. También Roser Juanola y Ricardo Marín me transmitieron su entusiasmo por el maestro, algo que se afianzó con la edición en español de Educar la visión artística (Paidós, 1995). Fue la idea eisneriana de formar a profesorado competente partiendo de cuatro ámbitos la que me animó a elaborar y publicar el libro Art i Educació (PUV, 1995). Según el maestro, las cuatro columnas necesarias para preparar a un buen docente en artes visuales supondrían que este profesional dominase tanto la historia como la crítica de arte (estética), que por supuesto tuviese una buena preparación pedagógica, y que además fuese hábil con las técnicas de taller, es decir, que controlase la parte procedimental de la creación artística. Pudiese parecer que Eisner reclamaba

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una utopía, pero lo cierto es que su DBAE aspiraba a dotar de docentes muy capaces a los centros educativos. Era una aspiración legítima, y coherentemente argumentada. Con El ojo ilustrado el maestro incidía en la importancia que pueden ejercer las artes en la formación de la ciudadanía, del mismo modo que El arte y la creación de la mente (también publicada por Paidós) respondía de nuevo a su preocupación por difundir los valores del arte en la educación. Ahora podemos valorar lo importante que hubiese sido para nuestra área de conocimiento el hecho de haber conseguido profesorado especialista en Educación Primaria cuando tuvimos esa oportunidad al implantarse la LOGSE al inicio de la década de 1990. Del hombre recuerdo su sonrisa jovial, y su emoción al contar anécdotas, que más bien parecían clases magistrales de sabiduría, contención y humildad. Intuyo que su pasión por el arte rozaba un permanente síndrome de Stendhal. Cuando recientemente disfruté viendo la película La Grande Bellezza volví a recordarle y a valorar su legado. Por tanto, reitero mi reconocimiento y mi absoluto agradecimiento a ese gran maestro que ha sido y sigue siendo para nosotros Elliot Eisner.

182 | Ricard Huerta | El código paterno del maestro Elliot W. Eisner | Julho 2014


Homenagem a

Elliot Eisner

por Prfa Dra Roser Juanola UdG A diferencia de otras ocasiones, quiero reconocer que no me ha costado decidir el título que figura en este artículo dedicado al profesor Eisner; tenía previsto escribirlo y esperaba una buena oportunidad, un destino adecuado, como pienso que lo es el de figurar junto a un monográfico de textos en su memoria como el que propone la revista Invisibilidades. ¿Qué publicación mejor para cumplir esta función que la revista que edita la comunidad de profesores de arte y educación? ¿Qué plataforma sino la presente, es la más indicada en este caso, para romper la (in)visibilidad y aunar ambos sentimientos: reconocimiento y gratitud? Sí: creemos que hace falta exteriorizar y reconocer los beneficios que, a muchos y sin lugar a dudas a todos los profesores del campo de las artes, Eisner, nos ha facilitado; nos ha indicado el camino a seguir en un período de tránsito entre el siglo XX y el XXI. El respeto que nuestro profesor, consiguió de sus colegas, tanto psicólogos como pedagogos o de profesores de otras disciplinas, ha

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Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad

abierto expectativas positivas, tanto para el desarrollo de la gestión como para la investigación y docencia en nuestro campo de conocimiento. Reflexionando con posterioridad a librar otros artículos encargados a raíz del fallecimiento de Eisner, teníamos conciencia de que, la prioridad actual, era destacar la palabra gratitud. Substantivo que, por otro lado, se cita escasamente cuando hablamos de otras personas; de manera general, nos cuesta hacerlo emerger. Es frecuente percibir la sensación de gratitud, pero no nos han educado bajo esta perspectiva, en la tan necesaria Pedagogía de la interioridad- que es la que ayuda a interrogarse a uno mismo- como para que sepamos comunicarnos con facilidad cuando hacemos referencia a alguien, en este caso, al profesor Eisner con frases parecidas a: (../..) reconozco la importante huella que me ha dejado, ….participo de sus ideas y sin sus aportaciones, no habría avanzado tanto, ni en el campo de la docencia ni en el de la investigación, …su prestigio ha hecho que aumentara mi

autoestima como profesora de

Educación artística, afectada, por ser esta una disciplina marginal y desprestigiada en nuestro contexto ….me he sentido correspondida cuando he necesitado consultas, le he pedido

Julho 2014 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Roser Juanola |183


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conferencias o otras cuestiones. También cuando ha

Dimensiones abiertas

aceptado venir a mi casa o me ha invitado a la suya O, simplemente

Elliot Eisner, representa

un profesor

muy convencido

de los importantes valores del arte, valores que él elevó

¡! Como nos hemos reído en distintas partes de España,

al mayor nivel Intelectual, a un status que nunca habían

Europa o Estados Unidos!

tenido. Defendió con una gran elocuencia- seguramente emanada de su firme convicción- las artes dentro de la educación como un valor cognitivo imprescindible, lo

Gracias pues, Elliot, de manera personal y en nombre de todos, tanto los que te hemos conocido como los que no, ya que, valorando los significados implícitos que se encierran en

las frases

anteriores u otras parecidas, debemos

reconocer que tus intereses no han sido en ningún caso individuales, sino enfocados y abiertos a la colectividad.

hizo ante toda la comunidad educativa a través de las asociaciones en las que ostentó cargos (……..) y dirigiéndose a numerosas comunidades pluridisciplinares, que tuvieron que reconocérselo. No se separó nunca de los talleres de los artistas, ni de las escuelas de todos los niveles educativos, la acción y la experiencia conjunta, formaban parte de sus intereses básicos. Promocionó artistas jóvenes

Existe además un consenso que proclama que los momentos

desconocidos, reivindicó escuelas anónimas en las que

compartidos con Eisner, están libres sin excepción de la

tenía lugar un trabajo interesante. Su casa era un santuario

menor manifestación de arrogancia o vanidad; su proximidad

de arte de todas las culturas, especialmente la africana, de la

y franqueza dejaba a veces desconcertado al profesorado.

que era un gran admirador y conocedor. A pesar de ello tuvo

Esto ocurrió en algunas ocasiones ante colectivos demasiado

que soportar abundantes críticas que le achacaban falta

rígidos que esperaban de él unas lecciones magistrales y al

de visión multicultural, comentarios sin duda fácilmente

encontrarse con la actitud relajada y próxima de Eisner, se

rebatibles, que solo incidieron en determinados sectores.

les hizo difícil de entender. Me interesa no obstante que la

Desde su posicionamiento sobre la forma de concebir el arte

palabra gratitud vaya acompañada de reconocimiento, que

en diferentes dimensiones (conceptual, creativa productiva,

este sí que se ha ido acumulando con los años, y en especial,

contextual y crítica y estética), Eisner, no dudó en denunciar

a raíz de su muerte. Tal como se merece, casi siempre se

las tendencias que anulaban o aminoraban la imprescindible

destacan sus méritos y su dilatada trayectoria profesional.

práctica artística que tan bien conocía y defendía. Esto

En la revista Española de Pedagogía (rep, n.258-259) se

último quizás es el mejor legado, y al que dedicó sus últimos

han editado recientemente dos artículos en este sentido,

años. No se nos escapa por lo tanto que, nadie mejor que

un artículo obituario, escrito por el también amigo suyo, el

él, después de destacar por la defensa conceptual del arte

profesor José Antonio Ibáñez Martín y el que he publicado

en base a lo anteriormente expuesto, podía hacer creíble

junto con la profesora Mariona Masgrau en el número

la crítica de la falta de práctica artística, proclamada como

del mes de septiembre. En ambos se explicita el privilegio

innovación por algunos modelos educativos.

de participar del amparo, de la amistad y asesoramiento del profesor Eisner, y para ello se citan ejemplos acerca de distintas oportunidades y situaciones. Se destaca que la excelencia del profesor Eisner viniera acompañada de un carácter divertido, alegre y con ganas de ayudar a las personas, independientemente de su perfil profesional o procedencia.

Miradas interiores o como unir sentimientos El artículo obituario que hemos citado, el publicado por el profesor José Antonio Ibáñez Martin, lleva un título claro y sencillo, con tres palabras nos decía: Eisner, mi amigo. La frase que es y quiere ser afectuosa, transpira además de amistad, admiración y añoranza; podemos sin reservas identificamos y sumarnos a este titular, pero nos interesa

184 | Roser Juanola | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Julho 2014


este artículo. Conocedora de la diferencia entre ser alumna o discípula de un profesor, y usando esta diferencia que se basa en que, mientras ser alumna es algo que puede venir asignado por las circunstancias y de manera temporal, lo segundo, sentirse discípula, es consecuencia de la voluntad, del convencimiento e incluso de la reivindicación. Me identifico con lo segundo, en sentirme discípula del profesor Eisner, consciente de que, el profesor de Stanford tuvo, además de luces, algunas sombras como todo el mundo las tiene, pero se manifestó siempre flexible y capaz de aceptar las críticas que recibía Recordamos sus palabras cuando nos decía: en educación siempre todo es revisable, nada puede quedar estático en el tiempo. Haciendo uso de este principio, pensamos que no todas las críticas que se le han hecho pueden validarse, porque algunas, no atienden o alteran el marco de la situación espacio temporal en las que cabría ubicarlas y, además, a determinados argumentos les falta el seguimiento de posteriores declaraciones del autor, es decir, la autorevisión que el mismo Eisner siempre se aplicaba. Estoy segura que Elliot se apuntaría y formaría parte del grupo de profesores que creemos que hace falta fomentar una Pedagogía de la interioridad y que vería con clarividencia que, el arte, puede dar respuesta a estos retos imprescindibles para mejorar el mundo, que puede aportar y desarrollar capacidades que ayuden a radicar los fundamentalismos, las intolerancias e, iluminar, guiar y

flexibilizar a los educadores, en tanto que personas

fundamentales para transformar el mundo. Hemos perdido un aliado pero releyendo sus textos, podemos adecuar todavía mucho de lo que nos ha querido decir. Tal como ya hemos puesto de manifiesto, Eisner no ha escrito para su honor y gloria, lo ha hecho des un sentido de “altredad” y responsabilidad social basada en un gran convencimiento de los valores educativos de las artes. Lo adecuado es pues, corresponderle transformando su legado y orientarlo hacía necesidades presentes y futuras, acciones todas ellas que no pueden dejar de estar impregnadas de un alto reconocimiento y una sincera gratitud.

Bibliografía ARAÑO, J.C (1994) Arte, educación y creatividad. Pixel-Bit: Revista de medios y educación, Nº. 2. http://www.sav.us.es/pixelbit/pixelbit/ articulos/n2/n2art/art25.htm( consultado el 18.V.2014) ARNHEIM, R (1994) The way of the crafts, Design Issues, 10, pp.29-35. AGRA, M.J. (1977, Planes de acción: una alternativa para la Educación Artística, T:Doc. (UCM). BARONE, T, & EISNER, E. W. (1997) Arts-based educational research. In R. M. Jaeger (Ed.), Complementary Methods for Research in Education, 2nd ed.), (Washington: AERA). BARONE, T. y EISNER, E. (2006) “Arts–Based Educational Research”, en J. L. Green, G. Camilli y P. B. Elmore (Eds.) Handbook of complementary methods in education research. ( Washington, DC: American Educational Research Association , pp. 95–110). BARKAN, M (1966) Curriculum Problems in Art Education, In A Seminar in Art Education for Research and Curriculum Development, (Edward L. Mattil. U.S. Office of Education Cooperative Research Project No. V-002. University Park: Pennsylvania State University). BRUNER, J (1960) The process of Education (Harvard University Press, Cambridge).

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añadir otro, en coherencia a todo lo que exponemos en

BROUDY, H. S (1972) The real world of public schools. (New York. Harcourt Brace Jovanovich). CASSIRER E (1986) Filosofía de las Formas Simbólicas. ( México, Fondo de Cultura Económica, S.A ). DEWEY, J. (1923) The schools as a means of developing a social consciousness and social ideals in children, Journal of Social Forces I. CHALMERS,F.G. ( 1996) Celebreting pluralism:art, education, and cultural diversity. (Getty Center for Education in the Arts, Santa Monica). EISNER, E.W. (1979) The educational imagination : on the design and evaluation of school programs, (New York: Macmillan). EISNER, E.W. (1995) Educar la visión artística. (Barcelona, Paidós Ibérica, S.A. Coord: R. Juanola). EISNER, E.W. (1992) La incomprendida función de las artes en el desarrollo humano, Revista Española de pedagogía, 50 (191), PP. 15-34 EISNER, E.W, Dobbs,S. M. (1986) The uncertain profession: observations on the state of museum education in twenty American art museums (Getty Center for Education in the Arts, Los Angeles) EISNER,E.W. (1987) Procesos cognitivos y currículum, ( Barcelona, Martínez Roca).

Julho 2014 | Elliot Eisner desde el reconocimiento a la gratitud de una pedagogía de la interioridad | Roser Juanola |185


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EISNER, E.W. (199I) El ojo ilustrado. Indagación educativa y mejora de la práctica educativa ( Paidós, Barcelona). EISNER,E:W (2002), E.W (2002) La escuela que todos necesitamos (Paidós, Barcelona). EISNER,E:W (2002), E.W (2002) El arte y la creación de la mente (Paidós, Barcelona). GARDNER ,H. (1987) Estructuras de la mente. La teoría de las múltiples inteligencias, F.C.E.,México. GIROUX, H (1988) Teachers as Intellectuals Toward a Critgogy of Learning, Toward a Critical Pedagogy of Learning, (Greenwood Publishing Group). GOODMAN, N (1955) Axiomatic Measurement of Simplicity, Journal of Philosophy. GOODSON,I. F. (1990) Curriculum history:knowledge and professionalitation , Curriculum and teaching. GREER, W. D. (1984) Discipline-based art education: approaching art as a subject of study, Studies in Art Education, 25 (4), pp. 212-218. GRAUER, K. (2014) E. Eisner: A Canadian Perspective and Personal Tribute, International Journal of Education & the Arts, 28.02. Salomon (ed.) Distributed Cognitions. Psychological and educational considerations, (Cambridge, Cambridge University). IRWIN, R. (2004) Homenaje A E. W. Eisner el 15/01/2014 a las 12:38 http://boletinclea.bligoo.cl/homenaje-a-elliot-w-eisner (Consultado el 12.05. 2014). JUANOLA, R. & CALBÓ, M (2008) Hacia modelos globales en educación en R. Calaf y O. Fontal (Coords):Comunicación educativa patrimonio:referentes, modelos y ejemplos (TREA Oviedo). JUANOLA, R., MASGRAU, J (2014) Las aportaciones de E. W. Eisner en l educación: un profesor paradigmático como docente, investigador y generador de políticas culturales en revista española de pedagogía, n259, septiembre-diciembre, 2014 Madrid. LANGER, S. (1957) Problems of Art, (Charles Scribner’s Sons, New York). MARÍN VIADEL, R., ROLDÁN RAMÍREZ, J. (2010) Metodologías de Investigación Educativa basadas en las Artes Visuales (Aljibe, Malaga). McFEE, J. K.(1988) Art and Society , In Issues in Discipline-Based Art Education: Strengthening the Stance, Extending the Horizons, 1 (Los Angeles: Getty Center for Education in the Arts). WILSON, B. (1967) Little Julian’s Impure Drawings: Why Children Make Art, Studies in Art Education, 17, 2 pp. 45-61, W 76.

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Homenagem a

Elliot Eisner Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner m.helenavieira@ie.uminho.pt Instituto de Educação – Universidade do Minho. Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) Numa conversa recente com uma professora recebi um elogio envenenado à minha área de trabalho: “que a arte e a música são maravilhosas, e que é muito importante que as crianças também se dediquem a outras actividades, que não apenas as cognitivas, tais como as emocionais e expressivas”. Consegui manter o sorriso agradecido ao elogio, enquanto cá dentro arrumava a um canto a concepção de que as artes vivem afastadas do mundo “cognitivo”. Fez-me lembrar aquele tipo de etiqueta que se costuma colar aos europeus do norte (“que são muito racionais”) e aos do sul (“muito emotivos” e, há quem diga, “menos fiéis” e “mais impulsivos”). Como sabemos, todos os artistas nascem no sul da Europa, e não no norte. Adiante. A construção “oculta” dos terrenos curriculares (Santomé, 1994) assenta, paradoxalmente, em ingénuas concepções elogiosas como a descrita. Muitas dicotomias entre um suposto “privilégio emocional” das áreas artísticas e uma

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por Maria Helena Vieira

predominância do “cognitivo” e “racional” nas áreas científicas não passarão de desvios que a linguagem constrói sobre a realidade, muito mais complexa e híbrida. E isto é um facto em muitos países. Elliot Eisner revelou-se para mim um grande aliado no combate a esta “idade das trevas curricular” quando, pela mão do meu orientador de doutoramento, Professor Varela de Freitas, li o seu livro “Educating Artistic Vision”. Nele, Eisner afirma logo no prefácio: As dicotomias que têm sido estabelecidas entre o trabalho da cabeça e o trabalho da mão são evidentes no papel que é atribuído às artes na escola. Foi meu desejo neste livro fazer a ponte entre essas dicotomias, ao mostrar como a experiência de criação e de apreciação da arte podem ser justamente concebidas como um produto da inteligência. (Eisner, 1972, p. V – Trad. da autora deste texto).

Eisner prossegue explicando que não considera o desenvolvimento artístico como idêntico ao desenvolvimento científico ou das ferramentas discursivas de pensamento, mas que, não obstante, insere o lado afectivo atribuído às artes dentro do que chama “qualitative aspects of intelligence” (id., ibid.). E lá se vai o currículo compartimentado entre cognição e afectos; entre o norte rico e poderoso das ciências e o sul pobre e menosprezado das artes!

Julho 2014 | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Maria Helena Vieira |187


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Aberta esta porta para este poderoso pensamento curricular

automatização dos instrumentos de organização do sistema

de Eisner, parti, encantada, para a leitura de outras obras

escolar, e à consequente deterioração das formas de

suas. Enquanto música e professora de música, ia crescendo

relacionamento humano.

a admiração por um artista e académico que, não sendo músico, era aquele autor em cuja obra encontrava mais eco às preocupações curriculares e de política educativa para o

Não resisto a transcrever as palavras de Eisner sobre as relações que existem entre a escola e a sociedade. Pelo que

ensino da música.

elas têm de actual pelo que tiveram de visionário. Pelo que

Encurtando a história, Eisner passou a ser um autor sugerido

à necessidade da luta pela democratização das artes na

para leitura aos meus alunos de mestrado e doutoramento

escola:

elas exigem de nós em co-responsabilidade no que respeita

na área da música e continuou a contribuir para acender

Como acontece com muitas das inovações

preocupações curriculares e políticas em muitos deles.

tecnológicas,

raramente

compreendemos

na

Há dois anos atrás, no âmbito das minhas funções

altura em que são implementadas quais serão

enquanto membro da Comissão Directiva do Programa de

as suas consequências a longo prazo. Poucas

Doutoramento em Estudos da Criança da Universidade do

pessoas gabaram as longas horas longe de casa e os engarrafamentos de trânsito quando

Minho e Coordenadora do Itinerário de Educação Artística,

as auto-estradas estavam a ser construídas

contactei por e-mail e por telefone com Eisner, no sentido

e a cortar as terras. Trânsito rápido era o

de o convidar para fazer uma palestra na nossa série de

conceito dominante. É impossível não nos

Conferências Doutorais. A idade e dificuldades de saúde

questionarmos se o aumento da quantidade de

impediram-no. No entanto, recordo comovida que ainda

automatização nas escolas contribuirá de facto

me pediu um tempo para pensar e avaliar a possibilidade.

para uma maior humanização do ambiente escolar. (Eisner, 1972, p. 277 – Trad. da autora deste texto).

Muitas vezes, as pessoas que mais nos marcam e contribuem para moldar o nosso percurso, não são aquelas com quem convivemos mais tempo ou com

Fica o desafio. Para a luta pela continuidade e sequencialidade

quem tivemos oportunidade de privar. São, precisamente,

das artes no currículo. E o agradecimento, sentido, a Elliot

aquelas cujo pensamento e acção irradiou na nossa vida

Eisner!

com meridiana clareza, independentemente da distância (geográfica ou temporal). As “lutas” de Eisner (por um currículo de “continuidade e sequencialidade” no ensino artístico; pela valorização dos aspectos produtivo, crítico

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

e cultural na aprendizagem; pelo respeito das concepções

Eisner, E. W. (1972). Educating artistic vision. New York: MacMillan.

artísticas da infância; pela acção artística como um “modo

Santomé, J.T. (1994). El currículum oculto. Madrid: Morata.

de inteligência”; pelo desenvolvimento da investigação sobre as pedagogias artísticas e sobre o papel das artes no currículo; pelo discernimento sobre avaliação em artes e em educação artística) continuam a ecoar hoje em muitos países e constituem um apelo fortíssimo à colaboração na construção de um currículo mais equilibrado e mais humano. Um currículo em que a beleza e a construção (necessariamente lenta, longa, persistente e sequencial) das diversas linguagens artísticas se oponha, em diálogo criativo, à presente massificação dos objectivos e procedimentos, à 188 | Maria Helena Vieira | Educando a visão artística. Um agradecimento a Elliot Eisner | Julho 2014


Homenagem a

Elliot Eisner Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner

“The arts are the way of enriching our awareness and expanding our humanity”. Elliot W. Eisner.

Entrar em contato com as proposições para o Ensino de Arte de Elliot W. Eisner foi um marco definidor do contínuo processo de construção de minha prática artístico-pedagógica do movimento expressivo em Artes Cênicas, a saber: Teatro e Dança. Questionar se o corpo em ação pode gerar conhecimento, se há conhecimento no movimento, e se o conhecimento cênico do ator e dançarino poderia estar fundado no corpo em relação ao ambiente foram questões que a leitura desse educador me proporcionou.

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por Mônica M. Ribeiro monicaribeiro@ufmg.br Atriz, dançarina, Doutora em Artes e Professora do Departamento de Fotografia e Teatro da Universidade Federal de Minas Gerais nas Graduações em Teatro, Dança e da Pós–Graduação em Artes da Escola de Belas Artes.

Ao refletir sobre suas lições (Eisner, 2004), fui apresentada a desdobramentos das propostas de J. Dewey, S. Langer, N. Goodman. Esses pensadores atestaram a relação intrínseca entre arte e conhecimento. Arte e cognição. Arte, imaginação e interação. Imaginação como cognição. Incluíram a experiência estética como qualificativo do conhecimento gerado na Arte. Eles afirmaram o lugar da sensibilidade, da percepção e da imaginação como fundamentos do que Eisner chamou de inteligência artística, constituída pela capacidade de atualização, denominada, a partir de Dewey, de flexibilidade de propósito na qual incluo a demanda de atenção, de flexibilidade cognitiva, da empatia cinestésica, da memória, da disponibilidade afetiva, do estado de prontidão. Também foi fundamental perceber, com sua ajuda teórica, que o conhecimento não necessariamente depende da linguagem, o que também reforça sua proposição de um conhecimento somático não mediado por palavras. Tal independência da linguagem não implica sua exclusão no processo de construção do saber, mas ressalta a presença de sentimentos do corpo em ação, que, somados às memórias, às percepções do instante e às associações entre ambas, podem gerar pensamento e conhecimento do corpo. Um conhecimento somático ou conhecimento corporal é oriundo da ressonância de algumas imagens em nós, em nossa imaginação (Eisner, 2004). Para ele, tal conhecimento possibilita a Julho 2014 | Corpo e conhecimento em arte: contribuições de Elliot W. Eisner | Mônica M. Ribeiro |189


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sintonia com a obra e, como consequência, a realização de

campo artístico, substituída, muitas vezes, pelo exercício

ajustes de ordem estética. Esses ajustes se dão no domínio

de problematizar, de inventar perguntas sobre o fazer, de

da imagem e são mediados pelos sentimentos, oriundos de

reajustar a experiência por meio do aprimoramento da

um sistema sensório-motor que gera estados emocionais,

conexão sensação-percepção-ação. O processo enfatiza-se

percepções e atos cognitivos.

sobre os resultados, e a contínua renovação do desejo de

Eisner diz ainda que a arte transforma a consciência.

saber é substituída por desejos de experienciar.

Assim, reflito acerca da relação dessa práxis com a afecção espinosiana. Aproximo ainda palavras de Damásio para reiterar que se pode pensar que os sentimentos do corpo geram conhecimento corporificado, corroborando para a construção de dança-pensamento (Katz, 1994). Trata-se de movimento com subjetividade, ação proveniente da experiência estética consciente do corpo no espaço-tempo. A consciência de Eisner e a subjetividade de Damásio (2010) estão intrinsecamente associadas promovendo o testemunho da experiência. Por outro lado, quando ele considera que a arte pode transformar a consciência, reitera a continuidade arte e

Referências Bibliográficas Damásio, A. (2010). O livro da consciência: a construção do cérebro consciente. Portugal: Temas e Debates-Círculo de Leitores. Dewey, J. (1934). Art as experience. New York: Perigee. Eisner, E.W. (2004). El arte y la creación de la mente: el papel de las artes visuales en la transformación de la consciencia. Barcelona: Paidós. Katz, H. (1994). Um, Dois, três: a dança e o pensamento do corpo. Tese de Doutorado em Comunicação e Semiótica - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.

vida já proposta por Dewey (2005), uma relação corpoambiente. Parece-me fundamental dizer que ele nos lembrou a todo instante que a arte pode transformar a construção de conhecimento em formas de participação. Mencionou aspectos da empatia na experiência artística que me levaram aos estudos do corpo empático na rítmica e do exercício da empatia na improvisação em Dança. Compreendo que a empatia faz parte do processo do conhecer como mediadora na relação com os companheiros durante o fazer artístico coletivo. Eisner considerou a experiência empática como característica da práxis artística que leva a ações de compreensão da alteridade, compaixão, compartilhamento de saberes. Ele também identificou capacidades que a experiência (trans)-formativa em arte proporciona: capacidade de observação, predisposição para tolerar aquilo que é ambíguo, iniciativa de exploração do incerto e, acrescento, capacidade de lidar com o erro aproveitando-o em novas associações. Eisner ainda afirmou que a pesquisa em arte não vai promover soluções, respostas. Desse modo, reiterou o quão problemática é a definição do conhecimento em arte no âmbito dos estudos epistemológicos. A solução é, no

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Homenagem a

Elliot Eisner O ensino de Artes sob a égide da complexidade contemporânea

Ao iniciar o exercício da docência no ensino superior no curso de Artes Visuais – Modalidade Licenciatura (UFPel, RS, Brasil), em 2009, me deparei com a seguinte questão: Se pretendemos desenvolver novas mentalidades, pluralistas e interativas, como educar os futuros educadores? Sabia que o momento não era para críticas, como costumávamos fazer quando estudantes, mas, sim, o tempo para colocar em prática anos de estudo. No entanto, os questionamentos se somavam: Como agir? Como colaborar para a construção do conhecimento sem repetir os modelos vigentes, ultrapassando as barreiras da racionalidade cartesiana e adentrando no mundo da sensibilidade e da poética, da ética e da estética? Na busca por um rumo a seguir, recorri aos teóricos que trazia na bagagem, assim como Edgar Morin (2002), uma “herança” do mestrado em Educação Ambiental. Morin argumenta que as universidades têm um papel basilar

REVISTA IBERO-AMERICANA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES | #6 | ISSN 1647-0508

por Cláudia Mariza Brandão attos @vetorial.net Universidade Federal de Pelotas, UFPel

no desenvolvimento de sociedades com maior qualidade de vida, defendendo a ideia de que, diferente de separar o conhecimento em “compartimentos”, fragmentando-o, devemos pensar em como a complexidade pode levar a uma conexão entre os vários modos de ponderar e ver o mundo ao redor. Parti do lugar concreto de minha experiência, num exercício autorreflexivo, que me fez perceber o caráter processual da formação. Optei por um projeto educacional que estimulasse a relação dos estudantes com a realidade imediata, e permitisse que eles adentrassem no reino da sensibilidade simbólica regido pela Arte. E foi nesse momento que Elliot Eisner surgiu em minha vida. No entendimento de Eisner (2005), para a compreensão da aprendizagem em artes é fundamental o entendimento dos modos de criação, e de como vemos as formas da natureza e conhecemos os aspectos que concorrem para a compreensão das intrínsecas relações da vida em sociedade. Tal pensamento expõe a consciência acerca da complexidade de um cotidiano cada vez mais visual. Ou seja, o autor entende que o sujeito faz parte da comunidade, e essa faz parte dele por meio de suas normas, linguagens e culturas, agindo ao mesmo tempo como produtos e produtores da sociedade. Identifiquei aí uma relação profunda entre o pensamento de Eisner e Morin, pois esse é um dos princípios da epistemologia da complexidade, para a qual a parte está no todo, assim como o todo está na parte, que mesmo preservando suas características próprias e

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individuais, contém a totalidade do real, seja nas vivências ou em suas representações/interpretações.

As obras resultantes de tais processos de ensino-aprendizagem se caracterizam como narrativas

Morin discute sobre a complexidade não apenas

autobiográficas metafóricas que, para além da qualidade

como um conceito, mas como um modo de enxergarmos a

estética, destacam-se como fruto de práticas reflexivas, que

realidade, o que aponta para os desafios que são colocados

acredito serem fundamentais para a formação docente. A

aos sujeitos no momento da ação, uma visão da realidade

importância desses exercícios estético-reflexivos repousa

indispensável ao conhecimento incompleto que possuímos

na potencialidade oferecida para o desenvolvimento de

da mesma. Por sua vez, Eisner entende que a história de

múltiplas aprendizagens decorrentes da ponderação crítica

vida, as experiências, as necessidades e a perspectiva de

sobre o mundo, fragmentado em suas (re)apresentações

abordagem do sujeito face a uma determinada situação

artísticas. Através deles os sujeitos se afirmam pela diferença,

concreta, são “estruturas de referência” que afetam a

dando vazão a um campo polissêmico de sentidos, além de

percepção visual do mundo ao redor.

valorizarem a educação como um espaço relacional.

Sem a pretensão de extrair das práticas uma

Para Eisner o significado não é fruto de uma

teoria sistemática ou um conjunto unificado de teses, eu

descoberta, sim, o resultado de uma construção

estipulei como objetivo dialogar, teórica e poeticamente,

influenciada pelas referências que se tem acerca de

através do poder criativo das linguagens artísticas sobre

determinada situação. Portanto, a participação ativa na vida

a essência do humano. Acima de tudo, busquei/busco

em sociedade, em comunidades de discurso, pressupõe

apresentar/problematizar as marcas comuns que compõem

a partilha de modos de codificação e decodificação dos

a identidade de cada um, tal e qual uma sintaxe visual que

significados, de modo que no processo sejam ampliadas as

expõe a complexidade do todo.

capacidades de sistematização da ação e do pensamento.

Frente ao desafio de (re)formar os futuros (re)

Através dos ensinamentos de Elliot Eisner, entendi

formadores, e por conseqüência a própria estrutura da

que por meio das representações visuais ampliamos nossos

educação básica, acredito que as aprendizagens devem

conhecimentos acerca da complexidade do humano que

contribuir para que os estudantes utilizem as suas

as constrói. Por esse motivo o autor se tornou um dos

diferentes estruturas de referência, como quer Eisner,

meus fiéis companheiros, amparando as minhas ações

na experimentação e compreensão da realidade. E isso

pedagógicas rotineiras.

extrapola a visão racional que temos da vida em sociedade, pois o conhecimento prévio que os indivíduos têm acerca da arte pode condicionar a percepção daquilo que foge

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

de seus conjuntos de referenciais. Logo, as aprendizagens estão diretamente relacionadas às experimentações como possibilidade de ampliação das estruturas de referência.

Contaminada pelas ideias de Morin e Eisner, e

acreditando que “ver é adquirir sentido visual através da

ELLIOT, E. (2005). Educar la Visión Artistica. Barcelona: Paidós Edicador. MORIN, E. (2002). O método 5: a humanidade da humanidade. Porto Alegre, RS: Sulina.

experiência” (Eisner, 2002:9), direcionei minhas práticas no sentido de instigar aprendizagens teóricas a partir do exercício das linguagens visuais, da pesquisa estética associada à ética das relações. Através do estímulo à razão sensível, os docentes em formação não só descobrem significados ocultos nas estruturas formais que povoam o cotidiano contemporâneo, mas percebem as imagens em interação com o seu contexto social e histórico.

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#8 Chamada de trabalhos Convocatoria de artículos Número #8 Artes e Educação, Significados Sociais para un Mundo Novo Artes y Educación, Significados Sociales para un Mundo Nuevo Data limite para envio de trabalhos: Fecha límite para el envío de artículos:

30/ 03 / 2015

Editor do nº 8 : Professor Juan Carlos Araño Usualmente identificamos las Artes con simbolismos basados en iconografías que nos llevan a reflexionar sobre identidades, conciencias colectivas y otras construcciones culturales que manifiestan la potencia creadora individual y social. La importancia de la Educación Artística reside precisamente porque pone de relieve el valor de las dimensiones intencional y afectiva de las significaciones sociales, incentivando, a la vez, el valor de la imaginación en la construcción de conocimiento. A la vez, nuestro tiempo está configurando un mundo complejo y veloz en el que las construcciones culturales son los modos más eficaces para organizarse y habitar en el. La Revista Invisibilidades pretende contribuir a poner de relieve las aportaciones que distintos investigadores realizan sobre estos tópicos, además de centrar el debate en cuestiones que contribuyan a poner de relieve la importancia de las Artes en la Educación de modo operativo y eficiente. Agradecemos um ampla divulgação desta chamada de trabalhos. Gracias por una amplia difusión de la llamada de trabajos. Registo, normas e submissão das propostas através da plataforma: Registro, normas y presentación de propuestas a través de la plataforma:

http://invisibilidades.apecv.pt O/El comité Editorial inVISIBILIDADES

Julho 2014 | Chamada de Trabalhos |193


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