IDD Entrevista

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ENTREVISTA

11 de Abril 2013

Profilaxia nas Obras Civis e as suas manifestações no Brasil e ao redor do mundo. Por que os profissionais da engenharia civil têm buscado, em maior número, a especialização na área da Patologia? Porque as estruturas estão ficando velhas. O Brasil tem um patrimônio construído significativo e, assim como existe uma especialidade em arquitetura do patrimônio histórico para a conservação de monumentos, nós temos a Patologia nas Obras Civis para a conservação de construções, pontes, viadutos, edifícios, estádios, museus, hospitais, escolas e portos. Todas essas edificações precisam de manutenção após um certo período por apresentarem problemas chamados de manifestações patológicas, área estudada pela Patologia nas Obras Civis que, Paulo Helene* cada vez mais, tem interessado aos engenheiros civis. Esses profissionais têm buscado aprender a inspecionar e a entender esses mecanismos para poderem corrigi-los, trabalho este chamado de profilaxia ou prevenção, para, então, levarem às obras o conhecimento para que seja feito determinado trabalho de forma correta evitando, assim, futuros problemas. Atualidades no Brasil Sobre o caso da boate Kiss em Santa Maria, quais os aspectos relacionados às manifestações patológicas que o senhor destacaria? O que nós verificamos é que existiu ignorância ou omissão no caso. Considerando que omissão seria algo grave que está associada à eventual corrupção, imaginemos que tenha ocorrido ignorância de entidades responsáveis pela fiscalização de edifícios construídos. Elas não têm conhecimento suficiente para perceber que alguma coisa está errada, perceber a normas, as exigências com relação à qualidade e ao comportamento dos materiais. No entanto, o relatório do CREA do Rio Grande do Sul foi muito explícito ao dizer que qualquer empresa de engenharia ou um engenheiro bem qualificado teria percebido as condições do imóvel e não permitiria que a boate funcionasse naquelas condições. Existe uma norma específica para a quantidade de saídas em função da área de construção; outra norma, a 15575, que fala do desempenho das estruturas; uma norma específica de incêndio que fala sobre a utilização de materiais combustíveis, tóxicos e não combustíveis. Então, eu tenho a visão de que precisamos treinar e capacitar permanentemente os engenheiros para que conheçam as normas e tenham essa sensibilidade até quando não estejam trabalhando. O cidadão comum pode identificar falhas em ambientes que frequenta? Para o leigo é muito mais difícil identificar essas falhas, isso é a responsabilidade da área técnica. Mas, o profissional da engenharia civil, por exemplo, que tem um filho e que o leva a uma festa, tem que ter um conhecimento e estar despertado para perceber se alguma coisa está errada, se os órgãos públicos encarregados de autorizar o funcionamento daquele local fizeram o seu papel corretamente. Lamentavelmente, muitas vezes, eles deixam a desejar. www.institutoidd.com.br


No caso do estádio Engenhão no Rio de Janeiro, quais os fatores que contribuíram para que as manifestações patológicas surgissem de forma tão veloz? Existe um movimento de apoio ao Flávio D’alambert, responsável pelo projeto da cobertura do Engenhão, eu o conheço de trabalhos e, de fato, ele é reconhecido como um profissional competente. O fato é que, a maioria das soluções para a construção dos estádios brasileiros são importadas, tanto no quesito engenharia quanto de materiais. Então, o que talvez possa ter acontecido nesse caso foi que, pela pressa e toda a correria para a construção do Engenhão, não houve tempo o suficiente para que houvesse a aclimatação dos produtos. Além disso, o ambiente brasileiro é muito agressivo, muito mais quente e úmido e nas proximidades do mar e cidades litorâneas, como é o caso do Rio de Janeiro, há muita nevoa salina e cloretos na atmosfera, além da poluição normal das grandes cidades. Nas grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e o centro de Curitiba, existe o que se chama de chuva ácida, configurando assim um ambiente quente e úmido, que é propício à deterioração mais rápida das estruturas, principalmente metálicas. Ou seja, uma solução que poderia durar 20 ou 30 anos em um país de clima temperado e com baixa agressividade ambiental, no Brasil pode ter uma duração 10 ou 20 vezes menor, significando que problemas estão sujeitos a aparecer entre dois ou três anos após a construção.

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Outra questão é que, foi noticiado pela mídia um eventual problema no projeto, o que eu não sei se de fato existe, mas tudo o que vi nas fotografias foram deficiências de solda e corrosão nos pontos de solda de forma significativa, tendo ocorrido até a fissura dos perfis metálicos. Eu não acredito que tenha havido um erro grosseiro da parte da engenharia. Penso que é mais provável que não tenha havido tempo o suficiente, porque na época do Pan Americano foi tão corrido como está sendo agora, para que fossem analisadas todas as interferências que têm um projeto novo. Principalmente quando ele é importado sem ter tido experiência em nosso país.

odos os produtos impermeabilizantes [...] importados da Espanha para o Brasil sem que seja feita uma climatização às condições brasileiras, não funcionam.

Qual a observação quanto às principais manifestações patológicas vistas pelo senhor em países como a Espanha e os Estados Unidos em pararelo com o Brasil? Eu vivi em Madri durante um ano. Nesse tempo, choveu muito pouco, cerca de uma ou duas vezes naquele ano e fez frio, com neve, durante uns três dias. Em Berkley, situada em São Francisco, eu vivi um ano e meio e, somando todos os dias de chuva, eu diria que choveu uma semana. Então, a diferença ambiental entre esses locais e o Brasil é muito grande. Todos os produtos impermeabilizantes como, por exemplo, as mantas impermeabilizantes, que eu conheço, importados da Espanha para o Brasil sem que seja feita uma climatização às condições brasileiras, não funcionam. Aqui chove muito mais, a umidade relativa é muito maior assim como o calor permanente, ou seja, as condições de exposição de agressividade e de solicitação de um sistema impermeabilizante ou metálico estrutural, são bem maiores no Brasil do que no exterior, em especial nesses dois países. Para se ter uma ideia, vou contar um caso. Eu me impressionei quando eu cheguei nos Estados Unidos com a qualidade do pavimentos. “Que qualidade. Não é possível que a nossa engenharia não consiga fazer um pavimento como esse”, eu pensava. Aí choveu cerca de cinco dias seguidos e ficou tudo esburacado e logo foi concertado. *Paulo Helene é Professor Titular da Universidade de São Paulo, Educador, Pesquisador renomado e respeitado Consultor. Engenheiro Civil, EPUSP. Especialista em “Patología de las Construcciones”, Instituto Eduardo Torroja em Madrid, Espanha. Doutor em Engenharia, Pós Doutorado na Universidade da Califórnia em Berkeley, USA. Em 2004 recebeu reconhecimento de Brilhante Exercício Profissional da CEF/ANEAC e a Medalha de Colaborador dos 30 anos do LEME conferida pela UFRGS. Em 2003 foi homenageado pela ALCONPAT - Asociación Latino Americana - pela sua Trayectoria Profesional Ejemplar e recebeu o título de Visitante Distinguido conferido pelo Ayuntamiento de Mérida, Yucatán, México. www.institutoidd.com.br


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