Formação dos Trabalhadores para o SUS

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Boletim do Instituto de Saúde Nº 48 – Novembro de 2009 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Formação dos trabalhadores para o SUS


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BIS - números já editados

A Abrasco e a formação de trabalhadores para o SUS............................................................................. 3 José da Rocha Carvalheiro

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Algumas considerações sobre tendências pedagógicas e educação e saúde ................................................ 5 Ausonia Favorido Donato

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Avanços e Perspectivas na Política de Gestão de Recursos Humanos: Desenvolvimento de Pessoas e Qualificação dos Profissionais do SUS/SP ............................................................................................ 15

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Boletim Instituto de Saúde Nº 47 – Abril de 2009 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Boletim do Instituto de Saúde Edição Especial 20 anos do SUS ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Paulo Seixas

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Relações de gênero, processo saúde-doença e uma concepção de integralidade ........................................ 26 Wilza Vieira Villela

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Competências e Aprendizagens Diversas: a complexidade da formação técnica em Saúde .......................... 31 Paulo H. Nico Monteiro

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Formação dos trabalhadores para o SUS: olhar sobre a atenção básica .................................................... 37 Maria Helena M. de Mendonça, Maria Inês C. Mendonça, L. Giovanella

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Atualização profissional em aconselhamento em alimentação infantil: uma experiência de avaliação .............. 41

Envelhecimento & Saúde

Kátia Cristina Bassichetto, Marina Ferreira Rea, Ausônia Favorido Donato

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O perfil de formação das Escolas Técnicas do SUS em São Paulo ............................................................ 46 Paulo H. Nico Monteiro

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Nº 47 - 04/2009 Envelhecimento & Saúde

O processo de educação permanente em saúde: percepção de equipes de saúde da família ....................... 51 Gabriela dos Santos Buccini, Maria Cezira Fantini Nogueira Martins, Maria Teresa Cera Sanches

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Iniciativa Hospital Amigo da Criança: uma reflexão sobre a contribuição de processos educativos para a implantação de práticas apropriadas de atenção a mães e recém-nascidos no Estado de São Paulo .............. 55

Saúde Sexual e Reprodutiva

Nº 46 - 12/2008 Saúde Sexual e Reprodutiva

Edição Especial - 09/2008 20 Anos de SUS 17/10/2008 17 01 49

Tereza Setsuko Toma, Sonia Isoyama Venâncio, Marina Ferreira Rea

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Qualificando para a assistência de enfermagem: projeto “Tecendo a SAE em São Paulo” ............................. 61

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Ana Aparecida Sanches Bersusa

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Direitos humanos, cidadania e preconceito institucional na área de saúde: A necessidade de capacitação para a mudança .............................................................................................................................. 67 Tânia Margarete Mezzomo Keinert, Tereza Etsuko da Costa Rosa

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Como e por que qualificar inspetores, fiscais sanitários e outros profissionais para o monitoramento das estratégias de marketing dos produtos que competem com a amamentação ..................... 70 Tereza Setsuko Toma, Marina Ferreira Rea, Rosana M. P. F. De Divitiis, Jeanine Maria Salve

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Iniquidades em saúde: experiências de um curso para profissionais de saúde ............................................. 75 Anna Volochko, Jorge Kayano, Suzana Kalckmann, Tereza Etsuko da Costa Rosa, Maria do Carmo Sales Monteiro

BIS – Boletim do Instituto de Saúde Nº 48 – Novembro de 2009 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529 Publicação quadrimestral do Instituto de Saúde www.isaude.sp.gov.br Rua Santo Antonio, 590 – Bela Vista São Paulo-SP – CEP: 01314-000 Tel.(11) 3293-2222 / Fax: (11) 3105-2772 e-mail: boletim@isaude.sp.gov.br Tiragem: 2000 exemplares

Expediente:

Nº 45 - 08/2008 Saúde Mental

Editor Samuel Antenor Editores convidados Kátia C. M. Pirotta Paulo H. Nico Monteiro Suzana Kalckmann Administração Bianca de Mattos Santos

Boletim do Institut o de Sa úde Nº 42 – Agosto de 2007 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Biblioteca Carmen Campos Arias Paulenas Ana Maria da Silva

Nº 44 - 04/2008 Juventude e Raça

Nº 43 - 12/2007 Saúde Bucal

Boletim do Instituto de Saúde No 41 Abril de 2007 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Capa Fernanda Kalckmann

Secretário de Estado da Saúde de São Paulo: - Luiz Roberto Barradas Barata

Conselho Editorial Ausonia F. Donato, Belkis Trench, Carlos Tato Corizo, Fernando Szklo, José da Rocha Carvalheiro, José Ruben Bonfim, Luiza S. Heimann, Nelson Rodrigues dos Santos, Samuel Antenor, Sonia I. Venâncio, Suzana Kalckmann, Tania Keinert e Tereza Etsuko da Costa Rosa.

Diretora do Instituto de Saúde: - Luíza Sterman Heimann Diretora Adjunta do Instituto de Saúde: - Sonia Isoyama Venâncio

Divulgação: Núcleo de Comunicação Técnico-Científica CTP, impressão e acabamento: capa tecnologia.p65

* É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação, desde que sejam mantidos os créditos dos autores e instituições. ** Os dados, análises e opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus autores.

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Nº 42 - 08/2007 Tecnologia e Autonomia em Saúde 21/8/2008, 15:01

Nº 41 - 04/2007 Saúde, Cultura e Subjetividade

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Edições disponíveis no site www.isaude.sp.gov.br SECRETARIA DA SAÚDE

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Nº 40 - 12/2006 Juventude e Vulnerabilidades


Formação dos Trabalhadores para o SUS

Editorial

No ano em que comemora 40 anos de atuação, o Instituto de Saúde busca não apenas reafirmar sua missão, de produzir conhecimento científico e tecnológico e gerar subsídios para a formulação de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida da população, como também renovar suas ações. Isso significa dar um passo além, inaugurando uma nova fase em suas atividades. O aprimoramento do trabalho do Instituto no âmbito da pesquisa e do ensino em Saúde Coletiva, somado às novas possibilidades, que incluem a Avaliação de Tecnologias de Saúde (ATS), tendem a qualificar e dar maior significado institucional ao IS. Nesta nova etapa, surge também a necessidade de reposicionamento de sua imagem institucional, por meio da comunicação e da divulgação de suas pesquisas, constituindo as bases para uma mudança efetiva da percepção do papel social do Instituto de Saúde. Esse reposicionamento não é mera figura de linguagem, visto que, no próprio organograma da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES), foi feita uma alteração significativa, por meio do decreto 55, de 9 de novembro de 2009, que qualificou a inserção do Instituto de Saúde na estrutura da SES-SP, vinculando-o diretamente ao Gabinete. Com isso, o Instituto de Saúde ganha a possibilidade não apenas de adequação organizacional às atuais necessidades, mas também, considerando o texto do próprio decreto, de “consolidar o conhecimento científico e tecnológico no campo da saúde coletiva e promover sua apropriação para o desenvolvimento de políticas públicas que melhorem a qualidade de vida e de saúde da população”. Aliado a isso, o desenvolvimento de diferentes meios para a divulgação de sua produção, impressos e eletrônicos, também permitirá ao Instituto colocar em prática uma política de difusão do conhecimento, tornando acessível a diferentes públicos o conteúdo técnico-científico produzido na instituição. Nesse intuito, esta edição do Boletim do Instituto de Saúde (BIS) também apresenta algumas mudanças, ainda incipientes, mas que deverão ser acentuadas, a partir de 2010. A primeira delas está no formato do Boletim que, apesar de manter um núcleo temático, também garantirá a possibilidade de publicação de artigos e ensaios referentes a outros temas, a cada edição, colocando-se aberto a contribuições de pesquisadores e trabalhadores interessados. Também passamos a divulgar, a partir deste número, as regras para publicação, de acordo com os novos parâmetros a que o BIS está sujeito, visto que passou a integrar a base de dados eletrônica da Bireme-BVS, que segue o modelo do Scielo, biblioteca eletrônica de publicações científicas. Com isso, a partir do site do Instituto de Saúde, o BIS passa a ser acessado Boletim do Instituto de Saúde

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na Internet diretamente na plataforma desenvolvida para abrigar, em formato eletrônico, as publicações dos demais Institutos de Pesquisa vinculados à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Com a nova metodologia de publicação e acesso, o BIS ganha facilidade de busca, garantindo maior visibilidade para seu conteúdo. O núcleo temático desta edição trata da formação dos trabalhadores para o Sistema Único de Saúde (SUS), considerando as mais diferentes necessidades, possibilidades e significados dessa formação. A questão da formação se justifica, nesse momento, pelas inúmeras ações que vêm sendo empreendidas pelos gestores dos diversos níveis de organização do SUS, tais como a Política de Educação Permanente em Saúde e o reposicionamento do nível estadual na condução e articulação dessa política; as variadas propostas de graduação e pós-graduação em Saúde Coletiva que estão sendo desenvolvidas no País; os programas de formação técnica, assim como as múltiplas ações de formação de trabalhadores do SUS desencadeadas por diferentes atores. Sabe-se que essas ações muitas vezes carecem de uma melhor articulação, o que tende a levar à fragmentação do processo formativo. Nesse sentido, esperamos que a diversidade de temas abordados nos artigos possa contribuir para que a formação seja vista como o resultado de um conjunto de fatores que, à primeira vista, podem passar despercebidos. Os resultados de pesquisas, as reflexões e discussões teóricas, assim como os relatos de experiências aqui apresentados têm como objetivo contribuir com esse debate, a fim de estimular a reflexão dos trabalhadores em saúde sobre seu próprio processo de trabalho e inserção no Sistema. Vale mencionar ainda que este número do BIS, além dos 40 anos do Instituto de Saúde, marca também o centenário de nascimento de seu fundador, Walter Leser, a quem o Instituto presta aqui uma singela homenagem. Boa leitura.

Katia Cibelle M. Pirotta Paulo H. Nico Monteiro Samuel Antenor Suzana Kalckmann

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A Abrasco e a formação de trabalhadores para o SUS José da Rocha CarvalheiroI

Níveis de atuação Tendo em vista a diversidade de atividades no âmbito da saúde, podemos considerar como principais níveis de atuação: (1) Formular políticas; (2) Atuar na gestão e na gerencia; (3) Exercer ações de saúde em diversos níveis de complexidade. A cada uma dessas importantes atividades corresponde um mecanismo formal, ou informal, de formação. Sendo notável assinalar que no aparentemente mais nobre desses níveis, o da formulação de políticas, não existem regras legais que inibam a contribuição de qualquer cidadão capaz. A chamada “política pública baseada em evidências” esbarra na realidade concreta do exercício do poder político, esta sim uma verdade baseada em evidencia empírica. Um dos eminentes economistas do século passado, Lord Keynes, chegou a afirmar que “o que os poderosos mais odeiam é uma realidade política muito bem enunciada cientificamente, isto limita sua margem de manobras”. Nos demais níveis, especialmente no terceiro, profissões regulamentadas são uma constante. A harmonização internacional das profissões, em particular na saúde, é um processo em curso e palco de inúmeras disputas de interesses conflitantes. Em nosso caso, vamos nos restringir ao Sistema Único de Saúde (SUS), com um universo de aproximados 10 milhões de pessoas no mercado de trabalho. É nossa idéia tecer algumas considerações a respeito da capacitação desses trabalhadores e do papel que desempenha a Abrasco nesse processo. Processo formal de capacitação A origem da Abrasco está ligada à pós-graduação, senso lato e senso estrito. Na década de 70 do século passado, a Saúde Pública brasileira tinha como principal articuladora a Sociedade Brasileira I

Médico, Professor Titular de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, foi Presidente da ABRASCO e Vice-Presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da FIOCRUZ.

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de Higiene e Saúde Pública (SBH), que se mostrava incapaz de seguir contribuindo de forma criativa para a complexidade de momento, em plena ditadura. Esse campo, político, teórico, metodológico e conceitual, foi motivo de grande disputa, tendo prevalecido duas novas instituições, Abrasco e Cebes, ambas de origem semelhante nos meios acadêmicos e intelectuais. Era o momento do estabelecimento formal da Pós-Graduação senso estrito no País. Os programas existentes de pós-graduação senso lato (especialização em Saúde Pública e residência em diversas profissões, especialmente na medicina) foram os que se credenciaram imediatamente para criar mestrados e doutorados numa área nova. À falta de melhor designação e para não confrontar os ícones do sanitarismo brasileiro (da SBH), chamou-se Saúde Coletiva. Esta designação pragmática exigiu que se construísse, a posteriori, todo um sofisticado campo de teoria e prática na área da saúde, essencialmente multidisciplinar e com forte influência das ciências humanas e sociais. Portanto, a Abrasco surge como “Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva”, nome que conserva até hoje embora atue, muito além do que esse nome faz supor, tanto no ambiente acadêmico quanto no dos serviços e da política de saúde. A realidade do sistema de saúde é o principal mote para a atividade da Abrasco nos cursos de pós-graduação senso estrito de seus sócios institucionais (quase 50 programas distribuídos por todo o País). A maioria desses sócios institucionais está também envolvida em pós-graduações senso lato e em programas de graduação de diversas profissões. Além do ensino e, obviamente, da pesquisa, os programas se envolvem na gestão, na gerência e nas ações concretas nos diversos níveis de complexidade da SUS. Dessa atuação deriva o papel político da Abrasco, como entidade científica. Exercido pelos pronunciamentos da entidade e pela presença de BIS#48/Novembro_2009

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seus associados que, cada vez com frequência maior, ocupam cargos relevantes na estrutura do SUS. Merecem especial destaque, como meio de formulação política, os Congressos da Abrasco e os Seminários de suas Comissões e GTs. Essas instâncias contam sempre com expressiva presença de trabalhadores do SUS. O mesmo se diga da produção científica na área, publicada não apenas nos periódicos científicos da Abrasco, Ciência e Saúde Coletiva e Revista Brasileira de Epidemiologia, ambos presentes no SciELO e em outras bases de referência. Regulamentação versus acreditação É um fato notável, na atualidade de qualquer área de atividade, a existência de profissões regulamentadas e a consequente disputa do mercado de trabalho. A reserva de mercado para determinadas ações é uma garantia buscada na vida real e, geralmente, questionada por competição entre profissões. O sistema “mestre e aprendiz” há muito foi superado e geralmente existem legislações específicas regulando o exercício profissional. É um debate atualíssimo, no Congresso Nacional e no seio da profissão, o da exigência de diploma para exercer o jornalismo. Em nosso caso, a disputa entre biomédicos e farmacêuticos para realizar exames laboratoriais foi extremamente álgido no século passado. E a emergência de cursos de graduação em saúde coletiva poderá vir a se constituir em conflito semelhante. Menos rigorosa do que a regulamentação por lei é a chamada acreditação, exercida por instituições de prestígio que fazem o reconhecimento das demais. É uma espécie de retorno à política das “corporações”, que persiste como no tempo dos mestres e seus aprendizes. No caso da formação em Saúde Pública, existe um modelo europeu de acreditação. Já houve tentativa de introduzi-lo no Brasil por meio da Abrasco, que reluta em assumir esse papel. Por falta de estrutura e por insuficiente debate a respeito de ser esse o seu papel institucional.

para a formulação de políticas de saúde. Nossas apresentações divergiram das demais no sentido de nos considerarmos, devido aos egressos de nossos programas de capacitação, essencialmente integrados na estrutura do SUS. Construímos, por dentro do sistema, um meio compartilhado de formulação das políticas, mais do que atuar meramente como “advogados”. Em nosso novo logotipo estão três páginas de livro, representando a Ciência (Pesquisa), a Saúde (SUS) & a Academia (Ensino). “Advocacy” não! Lembramos Elomar, numa letra de música que enumera as três coisas mais desejadas: “viola, furria e amor, dinheiro não”.

Associações de Saúde Pública e a “advocacy” Em recentes congressos internacionais, na Europa (da European Public Health Association e da Association of Schools of Public Health in the European Region - EUPHA/ ASPHER) e na Turquia (da World Federation of Public Health Associations - WFPHA), houve oportunidade de discutir a característica especial da Abrasco no âmbito da chamada “advocacy” 4

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Algumas considerações sobre tendências pedagógicas e educação e saúdeI Ausonia Favorido DonatoII

A intenção deste artigo é reconhecer algumas concepçõesIII e tendências presentes nos campos da educação no contexto da saúde. Inicio pelas tendências pedagógicas, por estas constituirem-se, em minha trajetória profissional, num alvo de preocupação constante, de instigação e consequente questionamento. Em seguida, aponto brevemente as aproximações entre o campo da educação e da saúde, no âmbito da sua institucionalização. Algumas questões educacionais Esse subtítulo poderá suscitar no leitor um certo estranhamento, por parecer pretensioso, isto é, uma tarefa extremamente difícil. Por isso, desejo de antemão esclarecê-lo. Não se trata, aqui, de apresentar uma análise exaustiva e sistemática, mas, tão somente, anunciar caminhos para possível crítica de determinadas tendências existentes na área da educação em saúde. Para tanto, recorrerei ao pensamento do Professor Dermeval Saviani, que, ao interpretar a questão da marginalidade relativa ao fenômeno da escolarização, apresenta o posicionamento das teorias educacionais diante dessa situação. Convém lembrar que se trata de uma abordagem mais esquemática, apresentando apenas algumas tendências atuais e, embora muito importante, não leva em consideração a perspectiva histórica que norteia tais tendências. Pode-se dizer que, no que se referem à questão da marginalidade, as teorias educacionais podem ser classificadas em três grupos: teorias não-críticas, teorias críticoreprodutivistas e teoria crítica20. A distinção entre I

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Extraído de “Trançando Redes de Comunicação:Releitura de uma práxis da educação no contexto da saúde”. Tese apresentada ao Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutor em Saúde Pública, 2000. Educadora, mestre e doutora em Saúde Pública. Diretora do Núcleo de Formação e Desenvolvimento Profissional do Instituto de Saúde. Segundo dicionário, concepção é entendida como uma “operação pela qual o sujeito forma, a partir de uma experiência física, moral, psicológica ou social, a representação de um objeto de pensamento ou conceito.” (grifo nosso) (JAPIASSU, H. MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 2º ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar ed. 1991)

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esses grupos reside na forma de compreender as relações entre educação e sociedade. As teorias não-críticas, por alguns denominadas de concepções redentoras de educação ou de otimismo pedagógico, ou, ainda, de otimismo ingênuo, concebem a educação com grande margem de autonomia em relação à sociedade e, portanto, procuram entender a educação por ela mesma. A sociedade é vista como um todo harmonioso e que pode apresentar alguns “desvios” — desvios estes que devem ser corrigidos pela Educação. Assim é, que a marginalidade é percebida como um desses desvios. A escola, por exemplo, surge dentro desta perspectiva para “redimir” os marginais, para equalizar as oportunidades sociais, enfim, para resolver os problemas da sociedade. A educação tem aqui um caráter supra-social, isto é, não está ligada a qualquer classe social específica, mas serve indistintamente a todas. São três as Pedagogias ou Escolas que contemplam as teorias não-críticas: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista. A seguir, exporei, muito resumidamente, as características mais significativas de cada uma, para o meu propósito. Pedagogia tradicional No início do século passado, surgem os sistemas nacionais de ensino. Esses sistemas foram originalmente constituídos sob o princípio orientador: A Educação é direito de todos e dever do Estado. Assumindo o poder com a Revolução Francesa e intencionando nele se consolidar, a burguesia defende a constituição de uma sociedade democrática, ou seja, a democracia burguesa. Para ascender a um tipo de sociedade fundada nos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade entre os indivíduos, era imprescindível vencer a barreira da ignorância. Somente assim seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em indivíduos livres porque BIS#48/Novembro_2009

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esclarecidos. Tal tarefa só poderia ser realizada através da escola. Nesta perspectiva, a marginalidade é identificada com a ignorância ou, na nova sociedade burguesa, o marginal é o ignorante. A escola é vista, portanto, como o instrumento para resolver o problema da ignorância e, portanto, da marginalidadeIV. Dentro deste quadro, o papel da escola é o de transmitir os conhecimentos acumulados pela humanidade. A escola tem a intenção de conduzir o aluno até o contato com as grandes realizações da humanidade — aquisições científicas, obras primas da literatura e da arte, raciocínio e demonstrações plenamente elaborados. Esta escola realça os modelos em todos os campos do saber. O professor é o responsável pela transmissão dos conteúdos, é o centro do processo educativo. Deve, portanto, ter domínio dos conteúdos fundamentais e ser bem preparado para a transmissão do acervo cultural. A experiência relevante que o aluno deve vivenciar é a de ter acesso democrático às informações, conhecimento e ideias, podendo, assim, conhecer o mundo físico e social. Enfatiza-se a disciplina intelectual, para o que se necessita de atenção, concentração, silêncio e esforço. A escola é o lugar por excelência onde se raciocina e o ambiente deve ser convenientemente austero para o aluno não se dispersar. O professor tem poder decisório quanto à metodologia, conteúdo e avaliação. Procura a retenção das informações e conceitos através da repetição de exercícios sistemáticos (tarefas). Há a tendência de tratar a todos os alunos igualmente: todos deverão seguir o mesmo ritmo de trabalho, estudar os mesmos livros-texto, no mesmo material didático e adquirir os mesmos conhecimentos. Aqui, a concepção de educação é caracterizada como produto, já que estão pré-estabelecidos os modelos a serem alcançados. Não se destaca, portanto, o processo. São privilegiadas as atividades intelectuais. A transferência da aprendizagem depende do treino, sendo imprescindível a retenção, a memorização, para que o aluno responda a situações novas de forma semelhante às situações anteriores. Em resumo, pode-se afirmar que nesta pedagogia há uma redução do processo educativo a, exclusivamente, uma de suas dimensões: a dimensão do saber. Retomemos as duas ideias principais desta pedagogia: a vocação de oportunizar a todos o acesso à 6

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escola, no sentido de transformar marginais (sinônimo de ignorantes) em cidadãos e a total autonomia da educação em relação à sociedade. Pedagogia nova Já na primeira metade deste século, educadores apoiados nessas ideias se põem veementemente a criticar essa Escola, a partir daí denominada Tradicional, considerando-a totalmente inadequada. Segundo esses críticos, a Pedagogia Tradicional não alcançou sua meta principal, ou melhor, nem todos os indivíduos tiveram acesso a ela, nem todos os que nela ingressaram foram bem sucedidos. E, além disso, nem todos os que foram bem sucedidos nessa escola se ajustaram à sociedade que se queria consolidar. Dito de outro modo, esta escola falhou! Há que se mudá-la! Surge um grande movimento, cuja expressão maior foi o chamado Escolanovismo ou Escola Nova. Trata-se, em resumo, de mudar toda a lógica da Pedagogia Tradicional. Inicialmente, o escolanovismo é implantado no âmbito de escolas experimentais. Segundo a Pedagogia Nova, o marginalizado deixa de ser visto como o ignorante. Passa a ser o rejeitado. Alguém, segundo esta Escola, se integra socialmente não quando é ilustrado, esclarecido, mas quando se sente aceito pelo grupo. É interessante registrar que as primeiras manifestações desse movimento se deram com crianças excepcionais e deficientes mentais, fora da instituição escolar. Lembremo-nos, por exemplo, da pediatra Maria Montessori e do médico Ovíde Decroly. Ambos preocupados com a individualização do ensino, com a estimulação às atividades livres concentradas, baseados no princípio da auto-educação. A partir dessas experiências, generalizam-se os procedimentos pedagógicos para todo o sistema educacional. Quero salientar, também, a grande influência da Psicologia para a Escola Nova, através do uso intensivo de testes de inteligência, de personalidade, dentre outros. Por fim, não podemos nos esquecer de que princípios foram transportados quase que mecanicamente da chamada Terapia Centrada no Cliente, de RogersV, para a sala de aula. Daqui decorre o princípio norteador da Escola Nova: a nãodiretividade e seus correlatos, como congruência, aceitação incondicional do aluno, respeito. IV

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Nas relações escola – ignorância - marginalidade e escola – conhecimentos acumulados, seria necessário esclarecer o que é compromisso para “superar a ignorância” ou tão somente manutenção de uma perspectiva formadora imbuída de claros interesses de classe. Em Rogers C. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros; 1972.

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A educação atingirá seu objetivo — corrigir o desvio da marginalidade —, se incutir nos alunos o sentido de aceitação dos demais e pelos demais. Contribui assim para construir uma sociedade em que seus membros se aceitem e se respeitem em suas diferenças. Esta nova forma de entender a Educação, como já dissemos, leva necessariamente a uma mudança, por contraposição à Pedagogia Tradicional, nos elementos constitutivos da prática pedagógica. Assim é que o professor deixa de ser o centro do processo, dando o lugar ao aluno. O professor deixa de ser o transmissor dos conteúdos, passando a facilitador da aprendizagem. Os conteúdos programáticos passam a ser selecionados a partir dos interesses dos alunos. As técnicas pedagógicas da exposição, marca principal da Pedagogia Tradicional, cedem lugar aos trabalhos em grupo, dinâmicas de grupo, pesquisa, jogos de criatividade. A avaliação deixa de valorizar os aspectos cognitivos, com ênfase na memorização, passando a valorizar os aspectos afetivos (atitudes) com ênfase em auto-avaliação. Desloca-se o eixo do ato pedagógico do intelecto para o sentimento, do aspecto lógico para o psicológico. Em resumo, as palavras de ordem da Pedagogia Tradicional são alteradas. Desta forma, esforço, disciplina, diretividade, quantidade passam a interesse, espontaneidade, não-diretividade, qualidade. Há, também, em decorrência desse ideário, uma mudança no “clima” da escola: de austero para festivo, alegre, ruidoso, colorido. Reduz-se, assim, o processo de ensino a uma de suas dimensões — a dimensão do saber ser. É preciso assinalar que este tipo de Escola, devido ao afrouxamento de disciplina e à negligência com a transmissão de conteúdos, além de não cumprir o objetivo a que se propunha — tornar aceitos os indivíduos rejeitados — prejudicou os alunos das camadas populares que têm nela o único canal de acesso ao conhecimento sistematizado. Acentuou-se o problema da marginalidade. Pedagogia tecnicista Diante da constatação de que também a Escola Nova não cumpre seu objetivo, há que – mais uma vez – mudar-se a escola! Agora, não se percebe o marginalizado como o não informado (Pedagogia Tradicional), tampouco como o rejeitado, o não aceito (Escola Nova), contudo, marginalizado passa a ser sinônimo de Boletim do Instituto de Saúde

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incompetente, ineficiente, de improdutivo. Temos, como consequência, que as principais premissas desta Pedagogia passam a ser a eficiência, a racionalidade e a produtividade. O centro do ensino não é mais o professor, nem mais o aluno, mas as técnicas. Daí o nome desta Pedagogia: tecnicismo ou escola tecnicista. Partindo dela, reorganiza-se o processo educativo no sentido de torná-lo objetivo e operacional. As escolas passam a burocratizar-se. Exige-se dos professores a operacionalização dos objetivos, como instrumento para medir comportamentos observáveis, válidos porque mensuráveis, porque controláveis. Dissemina-se o uso da instrução programada (auto-ensino), das máquinas de ensinar, testes de múltipla-escolha, do tele-ensino e múltiplos recursos audiovisuais. A Tecnologia Educacional, por coerência, é a grande inspiradora da Pedagogia Tecnicista. Esta pedagogia é sustentada por um dos paradigmas da Psicologia: o behaviorismo ou comportamentalismo. Os behavioristas ou comportamentalistas valorizam a experiência ou a experimentação planejada como a base do conhecimento. Skinner pode ser considerado como um dos principais representantes da “análise funcional” do comportamento. Segundo ele, “uma análise experimental do comportamento humano deveria, por natureza, retirar as funções anteriormente atribuídas ao homem autônomo e transferi-las, uma a uma, ao ambiente controlador”22 (p. 155). O tecnicismo é também suportado pela informática, cibernética e engenharia comportamental. Correndo o risco de redundar, assinalo que, mais uma vez, o papel do professor é alterado: de transmissor de conteúdos e centro do processo na Pedagogia Tradicional, passando a facilitador da aprendizagem do aluno, que é centro, na Escola Nova; agora, no tecnicismo, é um arranjador das contingências de ensino. Há muitos incentivos e recompensas às atividades desenvolvidas pelos alunos, levando a uma grande competitividade entre eles. Reduz-se aqui o processo educativo a uma de suas dimensões: a dimensão do saber fazer. O tecnicismo, tendo rompido com a Escola Nova, acentua ainda mais o caos no sistema de ensino. Claro, esta Escola também não conseguiu atingir sua grande meta: transformar os marginalizados em indivíduos competentes, produtivos, para atuar no mercado. A simples razão para esse fracasso é a inexistência de articulação direta entre a escola e o BIS#48/Novembro_2009

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processo produtivo. Teorias crítico-reprodutivistas No final da década de 1970, surge no cenário educacional um corpo de teorias, aqui denominadas crítico-reprodutivistas, mas também conhecidas como pessimismo pedagógico ou pessimismo ingênuo na Educação. Têm como baliza a percepção de que a Educação, ao contrário do que pensam as teorias não-críticas, sempre reproduz o sistema social onde se insere, sempre reproduz as desigualdades sociais. Seu nome, crítico-reprodutivista, advém do fato de, apesar de perceberem a determinação social da educação (críticas), consideram que esta mantém com a sociedade uma relação de dependência total (reprodutivistas). Para os crítico-reprodutivistas, a Educação legitima a marginalização, reproduzindo a marginalidade social através da produção da marginalidade cultural, advindo daí o caráter seletivo da escola. Não é, portanto, possível compreender a Educação, senão a partir dos seus determinantes sociais. Diferentemente das teorias não-críticas, as críticoreprodutivistas não possuem uma proposta pedagógica; limitam-se às análises profundas da determinação social da Educação. Por isso, irei apenas listá-las, bem como a seus representantes: Teoria do Sistema de ensino enquanto violência simbólica, de Bourdieu e PasseronVI Teoria da escola enquanto aparelho ideológico do Estado, de AlthusserVII, e Teoria da escola dualista, de C. Baudelot e R. EstabletVIII. Como vimos neste breve recorte histórico, a questão da marginalidade permanece. Teoria crítica A partir do início dos anos 1980, alguns educadores têm-se colocado como questão: é possível uma visão crítica da Educação, ou seja, perceber os determinantes sociais da Educação e, ao mesmo tempo, entendê-la como instrumento capaz de superar o problema da marginalidade? No sentido de dar resposta a esta questão, uma nova perspectiva vem sendo gestada: a teoria crítico-social dos conteúdos. Admite ser a Educação determinada pela sociedade onde está situada, mas

Em Bourdieu P, Passeron JC. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves Editora; 1975. Althusser L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Editorial Presença. s.d. VIII Baudelot C, Establet R. L’école capitaliste en France. Paris: François Maspero; 1971. VI

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admite também que as instituições sociais apresentam uma natureza contraditória, donde a possibilidade de mudanças. Assim é que a Educação pode, sim, reproduzir as injustiças, mas tem, também, o poder de provocar mudanças. Dentro desta perspectiva teórica, estamos num movimento que busca resgatar os aspectos positivos das teorias firmadas no cotidiano escolar (as teorias não-críticas), articulando-os na direção de uma transformação social. Assim, resgata-se da Pedagogia Tradicional a importância da dimensão do saber; da Escola Nova, a dimensão do saber ser, e da Pedagogia Tecnicista, a dimensão do saber fazer. Em essência, sua proposta pedagógica traduz-se pelos seguintes princípios: • o caráter do processo educativo é essencialmente reflexivo, implica constante ato de desvelamento da realidade. Funda-se na criatividade, estimula a reflexão e ação dos alunos sobre a realidade; • a relação professor/aluno é democrática, baseada no diálogo. Ao professor cabe o exercício da autoridade competente. A teoria dialógica da ação afirma a autoridade e a liberdade. Não há liberdade sem autoridade; • o ensino parte das percepções e experiências do aluno, considerando-o como sujeito situado num determinado contexto social; • a educação deve buscar ampliar a capacidade do aluno para detectar problemas reais e proporlhes soluções originais e criativas. Objetiva, também, desenvolver a capacidade do aluno de fazer perguntas relevantes em qualquer situação e desenvolver habilidades intelectuais, como a observação, análise, avaliação, compreensão e generalização. Para tanto, estimula a curiosidade e a atitude investigadora do aluno; • o conteúdo parte da situação presente, concreta. Valoriza-se o ensino competente e crítico de conteúdos como meio para instrumentalizar os alunos para uma prática social transformadora. A educação é entendida como processo de criação e recriação de conhecimentos. Professor e aluno são considerados sujeitos do processo ensinoaprendizagem. A apropriação do conhecimento é também um processo que demanda trabalho e disciplina. Valoriza-se a problematização, o que implica uma análise crítica sobre a realidade-problema, desvelando-a. É ir além das aparências e entender o real significado dos fatos. Cito como principais representantes desta tendênBoletim do Instituto de Saúde

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cia pedagógica no Brasil, Professor Paulo Freire9, Professor Dermeval Saviani20,21, Professor José Carlos Libâneo17,18 e Professor Moacir Gadotti10. Isto apresentado, passo a expor um breve histórico da Educação em Saúde, tendo como propósito situar a trajetória do sujeito-pesquisador. Breve histórico da educação em saúde no Brasil Por entender que, para realizar uma releitura da práxis educativa com preocupação comunicativa na área da saúde, faz-se necessária a explicitação dos domínios próprios da educação e da saúde, é que apresento um breve histórico da Educação em Saúde no Brasil. Além desta observação, cabem-me mais duas: o histórico ora apresentado se refere apenas à institucionalização da educação sanitária; as referências de que me valho prendem-se a um período muito profícuo de discussão, análises, estudos, pesquisas, em que estive ligada ao Serviço de Educação de Saúde Pública (SESP), do Instituto de Saúde, onde muito aprendi com meus companheirosIX. As preocupações com a transmissão de conhecimentos sobre saúde para a população aparecem no final do século passado. E, por diversas vezes, foram expressas oficialmente. Em 1894, por exemplo, um decreto federal atribuía ao chefe do Instituto Sanitário Federal a responsabilidade de formular “conselhos higiênicos, em época de perigo sanitário, indicando recursos de preservação no caso de moléstias transmissíveis, e as precauções necessárias para que essas não se disseminem, empregando, paraiísto, os meios idôneos da propaganda”. Mas, antes deste decreto, em 1889, na tentativa de controlar as epidemias de febre tifóide, peste bubônica, tuberculose e febre amarela que assolavam a então capital do Império, foram amplamente distribuídos à população impressos sobre formas de profilaxia, e publicadas notas na imprensa oficial. Em 1920 aparece, pela primeira vez, na legislação federal, a expressão “educação sanitária”, importada dos Estados Unidos da América do Norte pelo professor Geraldo Horácio de Paula Souza, titular da cadeira de Higiene da Faculdade de Medicina de São Paulo e diretor do Instituto de Higiene. O Professor Paula Souza vai se contrapor à perspectiva bacteriológica vigente na época, que se baseava nas campanhas sanitárias, na polícia sanitária e IX

Emprego este termo no seu sentido etimológico: “compartilhar o mesmo pão”.

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na desinfecção terminal. Propõe ações permanentes de educação sanitária, partindo do princípio de que a população não executava ações de higiene por falta de conhecimento. Esta concepção norteará a reforma do Serviço Sanitário no Estado de São Paulo, em 1925, criando a Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde. Segundo este serviço, “... a educação sanitária se fará de modo a impressionar e convencerX os educandos, a implantar hábitos de higiene” Passa-se a considerar o indivíduo como principal fator causal da doença e, por isso, tem que ser submetido a um processo de inculcação para adquirir novos hábitos e tornar-se fonte de ações saudáveis, que influenciem o meio ambiente. A principal responsabilidade da Educação Sanitária passa a ser a propaganda de hábitos de higiene19. A proposta dessa Educação Sanitária cresce, se desenvolve, vai se implantando nos programas e projetos das Instituições de Saúde, e culmina com a formação de educadores sanitários, com a criação do 1o curso, em 1925, no então Instituto de Higiene de São Paulo. Esse curso preparava professores primários para o exercício da educação sanitária nos Centros de Saúde e para o ensino nas escolas normal e primária. Pressupunha, pois, uma formação pedagógica para os alunos, especializando-os para o exercício da educação sanitária através das disciplinas biomédicas. Tais profissionais (educadores sanitários) atuavam como professores de saúde junto à população usuária dos serviços de saúde pública, aos normalistas e às crianças das escolas primárias5. A finalidade desse ensino era a de despertar a “consciência sanitária” dos indivíduos, através da difusão dos preceitos e normas ditados pelo discurso higienista. O que era muito coerente, pois se atribuía quase que exclusivamente aos indivíduos a responsabilidade de não se dispor de melhores condições de saúde, considerando que a existência dos problemas sanitários era conseqüência da “ignorância” das pessoas e que, na medida em que tivessem acesso aos conhecimentos, os problemas estariam resolvidos. Nesta concepção, o indivíduo “educado” deveria, assim, deter todo esse saber acumulado para desempenhar bem seu papel. Dentro dessa ideologia, a educação sanitária assumia uma função privilegiada, na medida em que se tinha uma visão que se caracterizava por indução de mudanças no modo de pensar, sentir X

O grifo é nosso.

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e agir dos indivíduos, realizando um trabalho de formação e transformação das consciências e práticas individuais. Esse discurso normativo, que se transformava em regras para a vida, era tido, portanto, como verdadeiro e apropriado por todos, e embora devesse ser prioritariamente seguido pelos amplos setores desfavorecidos. Para esse tipo de pensamento, as condições concretas de existência não tinham relações determinantes com dada situação de saúde e de educação da população. Pouca reformulação à proposta original da educação sanitária ocorreu entre os anos 1930 e 1945, a não ser o fato de ter assumido um caráter mais autoritário, em função do movimento eugenista, procurando preservar uma raça sadia e hígida. Pautas doutrinárias ganham expressão e passam a nortear a educação sanitária, no sentido de enfatizar a formação de hábitos sadios, o controle pré-nupcial e pré-natal da população, persistindo a difusão dos conteúdos formais sobre saúde estabelecidos pelos higienistas7. É nesse período que é criada, em São Paulo, a Seção de Propaganda e Educação Sanitária (SPES), cuja atribuição era a de “difundir, no Estado de São Paulo, a educação sanitária, usando para isso de todos os meios modernos de propaganda, para ensinar ao povo as noções primordiais de Higiene” (Decreto N0 9322 de 14.07.1938 - artigo 20). As ações pedagógicas desenvolvidas por esta Seção refletiam as concepções vigentes na época, atribuindo ao indivíduo a culpa de ter ou não saúde e desvinculando esta problemática do contexto social: “a culpa da pobreza é dos próprios pobres que são doentes porque não se preocupam em ter uma alimentação sadia que têm vermes porque são preguiçosos e não constroem latrinas, não usam sapatos e não vão ao médico...” Esta postura autoritária tinha todas as condições favoráveis para sua disseminação: a burguesia consolidava-se no poder, impondo a associação da riqueza com o indivíduo bonito, rijo, saudável, conhecedor dos problemas e das soluções, por um lado e, por outro, associando a pobreza à preguiça, à tristeza, à feiúra, à anormalidade, à ignorância e à doença. A pedagogia vigente na época, herança da Revolução Francesa — com seu entendimento de que marginalidade se identificava com ignorância —, era totalmente pertinente, adequada para a “ação educativa” que se pretendia: combater a ignorância, difundir a instrução, transmitir conhecimentos e hábitos de higiene cientificamente elaborados. 10

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Os materiais utilizados e produzidos pela Seção de Propaganda e Educação sanitária, por exemplo, refletiam esta maneira de pensar que era divulgada através de folhetos, cartazes, livretos, filmes, dentre outros. As mensagens contidas nestes materiais eram passadas de forma autoritária e, como já disse, enfatizando a formação de hábitos sadios, controle pré-nupcial e pré-natal da população. A título de ilustração das ideias acima, julgo oportuno mais algumas considerações. A partir de 1939, produzem-se coleções “Publicações Populares do SESP”, tendo como primeira publicação o “Livro da mãezinha’, que apresentava os seguintes objetivos: “... divulgar os conhecimentos modernos de puericultura, ensinando as mães o que precisam saber para criar filhos sadios, informando-as principalmente no sentido de evitar erros alimentares de consequências funestas. Se os que vão receber este livreto aplicarem bem os conselhos que ele contém, temos a certeza de que a cifra da mortalidade entre nós cairá rapidamente” Seguindo esta coleção, vários livretos foram publicados, como “A última caçada” (sobre raiva), “Pacto com o Demônio” (sobre o alcoolismo), “O gigante invisível” (sobre tuberculose). Alguns folhetos e cartazes produzidos nesta época continham ilustrações aterrorizantes, como, por exemplo, o cartaz sobre sífilis, que trazia um enorme morcego como símbolo da doença. Os folhetos sobre a mesma doença traziam o seguinte apelo: “Já é do conhecimento da maioria do povo o grande perigo dos males venéreos. Arruinando a saúde, produzindo destruições, às vezes irreparáveis para o organismo, e multiplicadores para o corpo: diminuindo a capacidade de trabalho, estancando as fontes de geração humana ou contribuindo para o nascimento de seres estigmatizados, tarados, anormais e até monstruosos - as doenças venéreas são uma ameaça para a mocidade e para os agrupamentos humanos, constituindo tremendo ônus para a Nação. Evitá-las é grande obra social de patriotismo e acauteladora da felicidade individual”. Deve-se notar que este modo de pensar não é restrito ao SPES. Assim é que, nesta época, surge o almanaque “Jeca Tatu”’, de Monteiro Lobato, e, através de sua história, as ideias vigentes na época podem ser claramente observadas: Jeca Tatu - pobre, feio e doente Mulher - magra, feia e doente Boletim do Instituto de Saúde

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Filhos - pálidos, tristes e doentes Solução para seus problemas: o médico e o remédio Num passe de mágica, torna a família: forte, rija, bonita e rica Por trás de todas as ideias, a intenção de assustar ou emocionar para, em seguida, aproveitando o impacto e o medo, proporem hábitos de higiene, reforçando-os com a imagem de riqueza, saúde e prosperidade individual. Em 1950 ocorre a primeira mudança na formação dos educadores sanitários. A Fundação do Serviço Especial de Saúde Pública, criada na década de 1940, tinha como um de seus encargos formar educadores sanitários nos Estados Unidos. O curso de formação dos educadores sanitários (Health Educators) era oferecido como especialização para profissionais das áreas das Ciências do Comportamento. As teorias da cultura da pobreza, que tentavam explicar a marginalidade urbana, serviam para explicar a doença como resultado dessa cultura enquanto doenças da pobreza. Era necessário conhecer os fatores sócio-econômicos e culturais da população marginalizada para vencer os entraves que essas populações ofereciam à ordem e ao desenvolvimento social. Tais pressupostos deslocavam o campo de conhecimento da Educação sanitária do biomédico para o sociológico, ainda que permeado pelo conceito epidemiológico do “círculo vicioso” da pobrezadoença-pobreza. Assim, os substratos sociais sobre os quais a ação da Educação Sanitária deve incidir, são vistos enquanto marginais, desintegrados, desordenados, apáticos, ignorantes e cheios de superstições e tabus. A Educação Sanitária seria, assim, um dos meios de integrá-los na sociedade, chamando-os à participação através de técnicas de desenvolvimento e organização da comunidade. Com este objetivo são utilizadas as técnicas dos meios audiovisuais. O curso de especialização para professores primários é suspenso em 1961. Em 1967 é criado um novo curso segundo os moldes norte-americanos. Seus alunos vêm preferentemente das áreas das ciências do comportamento. Os programas educativos passam a ser compreendidos no interior da nova racionalidade dos serviços de saúde — a do planejamento, da produtividade e da relação custo-benefício. O novo profissional, agora, será o planejador e o Boletim do Instituto de Saúde

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supervisor das ações educativas. Deve diagnosticar os problemas educativos e planejar o seu tratamento através de ações educativas. Não mais educadores sanitários para não haver confusão com o antigo profissional, mas educadores de saúde pública. O termo Educação em Saúde (pública, escolar) passa a substituir a educação sanitária. A educação sanitária passa a dar ênfase ao planejamento do componente dos programas de saúde. Suas atividades eram embasadas na corrente pedagógica tecnicista, que buscava planejar a educação de forma a torná-la mais objetiva e operacional, minimizando as interferências subjetivas que pusessem em risco sua eficiência. Tendo como sustentação a teoria behaviorista, o ponto central é levar as pessoas a aprenderem a fazer e a mudarem seu comportamento. Foi o momento em que os educadores se debruçavam horas, com muito afinco, para operacionalizarem seus objetivos comportamentais. Eram listas e listas de verbos adequados para tal fim. O sentido deste esforço? Não se questionava muito! Há uma mudança qualitativa, ainda que incipiente, do papel do educador. Os profissionais do serviço devem desenvolver as ações educativas planejadas a partir do diagnóstico realizado pelo educador. Essas mudanças, mais de forma do que de fundo, mantém o mesmo pressuposto anterior — a população carece de educação: é preciso pois, educá-la. Entretanto, tem surgido um grande esforço no sentido de se melhorarem as práticas dos programas educativos. Essas tentativas têm como fundamentação teorias pedagógicas preocupadas com a questão metodológica, a busca de novas formas de educar que possam se configurar numa prática libertadora, comprometida com as classes populares. Entre 1970 e 1975, realizam-se quatro jornadas brasileiras de estudo de educação em saúde onde as seguintes questões foram identificadas: os profissionais ligados diretamente à educação em saúde apontam as grandes dificuldades de se implantar em programas de educação em saúde e relacionam como principais causas para tais dificuldades: a resistência dos “outros” profissionais; a racionalidade dos programas e a resistência da população aos programas. A concepção dominante de educação em saúde nesses setenta anos de existência é a de que as ações pedagógicas são separadas das práticas de saúde, exigindo-se para sua realização momentos e locais específicos. Assim, vista como uma ação distinta das demais ações, exige um espaço próprio BIS#48/Novembro_2009

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para a sua realização. Disso resulta a ideia de que a educação pode ou não ser realizada, em função da disponibilidade dos profissionais de saúde. Ao se dicotomizarem as práticas pedagógicas em saúde e as práticas de saúde, surgem equívocos tanto das análises mais críticas da educação em saúde quanto das que se pretendem mais inovadoras. A integração das ações pedagógicas nos programas de saúde é sempre vista enquanto ações específicas que se acrescem às ações de saúde. A mudança de conhecimentos, atitudes e de comportamentos é sempre colocada para a população, pressupondo que as causas dos insucessos dos programas de saúde se devem em grande parte às barreiras que a população cria em relação aos programas. Essas barreiras se manifestam através do desconhecimento, de atitudes negativas e de comportamentos indesejáveis por serem prejudiciais à saúde.XI A doença decorre desse fracasso com o cuidado com os seus corpos.XII É preciso pois, além de atendê-las através dos cuidados médico-sanitários, ensiná-las a cuidar “corretamente” de seus corpos e mentes. Apesar da visão tecnicista da educação continuar hegemônica, outras concepções de educação em saúde vêm sendo formuladas a partir de trabalhos concretos e do avanço das críticas teóricas sobre as determinações sociais da saúde-doença e da educação. A relação pedagógica se dá, portanto, internamente na instituição e em todo e qualquer contato da equipe profissional com a população. A educação em saúde tem buscado construir estratégias que favoreçam uma ação coletiva da equipe e a participação da população no planejamento, controle, execução e avaliação das ações de saúde. Esses postulados podem dar mostras da integração da prática do Educador em Saúde Pública à política nacional de saúde. Para finalizar este histórico, me remeto às diretrizes para a educação em saúde, elaboradas em 1984 pela então Divisão Nacional da Educação em Saúde do Ministério da Saúde. Segundo essas diretrizes, “a educação em saúde é compreendida como processo de transformação que desenvolve a consciência crítica das pessoas a respeito de seus problemas de saúde e estimula a busca

de soluções coletivas para resolvê-los. A prática educativa, assim entendida, é parte integrante da própria ação de saúde e, como tal, deve ser dinamizada em consonância com este conjunto, de modo integrado, em todos os níveis do sistema, em todas as fases do processo de organização e desenvolvimento dos serviços de saúde.” Como a práxis em análise se desenvolve no campo da Saúde, faz-se necessário reconhecer, de forma sucinta, as concepções e tendências presentes no mesmo. No campo da Saúde, mais especificamente no campo da Saúde Pública, apresentarei, muito sucintamente, as principais tendências da explicação do processo saúde-doença. A primeira tendência, ainda hoje hegemônica, é denominada médico-biológica ou biomédicaXIII. Faz-se presente no conhecimento epidemiológico, enraizado no modelo clínico da medicina, construído em bases biológicas, das Ciências Naturais. Nessa tendência, parte-se da ideia de que saúde-doença constitui, essencialmente, um processo biológico, natural, que ocorre nos indivíduos. Segundo Fritjof Capra6, o modelo biomédico tem sua raiz no paradigmaXIV mecanicista da vida, sob forte influência do pensamento cartesiano-newtoniano. Cito o autor para precisar melhor sua idéia: “A influência do paradigma cartesiano sobre o pensamento médico resultou no chamado modelo biomédico, que constitui o alicerce conceitual da moderna medicina científica. O corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em termos de suas peças; a doença é vista como um mau funcionamento dos mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia celular e molecular; o papel dos médicos é intervir, física ou quimicamente, para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo enguiçado.” Continuando, o autor acrescenta em outro trecho: “Ao concentrar-se em partes cada vez menores do corpo, a medicina moderna perde frequentemente de vista o paciente como ser humano e, ao reduzir a saúde a um funcionamento mecânico, não pode mais XIII

Fritjof Capra (1982) denomina de modelo biomédico para distinguí-lo dos modelos conceituais de outros sistemas médicos, “como o chinês”, por exemplo. Thomas Khun, em sua obra, A estrutura das Revoluções Científicas, identifica três sentidos para o termo “paradigma”: como padrão de referência ou ‘modelo”, como instrumento para o pensamento, uma moldura, um quadro e, por último, como uma visão de mundo. Khun, respondendo as críticas formuladas por diversos autores, considera o “paradigma”como “matriz disciplinar”, isto é, “disciplinar’ porque se refere a uma posse comum aos praticantes de uma disciplina particular; ‘matriz’ porque é composta de elementos ordenados de várias espécies, cada um deles exigindo uma determinação mais pormenorizada”(1992: 226).

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Esta concepção é mais conhecida na Saúde, como modelo “KAP” - Knowledge, Attitude and Practice”., predominante nas décadas de 1960 e 1970, muito embora seu uso seja empregado até hoje. XII “Mens sana in corpore sano”, também chamado de modelo de estilo de vida. XI

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ocupar-se com o fenômeno da cura. Essa é talvez a mais séria deficiência da abordagem biomédica.” Para uma compreensão maior deste paradigma biomédico, recorro ao estudo desenvolvido por Arouca em 19751, em sua tese de doutorado, que, ao analisar a história natural das doenças, assim se expressa: “A história natural das doenças, em sua geometrização, está baseada em um esquema cartesiano em que no eixo da abcissa temos o tempo e a ordenada divide dois espaços segundo a presença ou não da enfermidade. Ao mesmo tempo está associada uma dimensão histórica, ou seja, não é uma simples cronologia em que estivéssemos interessados em medidas de duração, mas é, sim, a história do processo saúde/doença em sua regularidade. Assim, o sistema das ordenadas da história natural ganha uma dimensão basicamente qualitativa e a divide em dois momentos. O primeiro momento cabe num espaço de tempo qualquer que se acha na ruptura do equilíbrio do hospedeiro, submetido a fatores determinantes da enfermidade, e envolvido pela capa misteriosa do ambiente. O aparecimento das doenças está determinado, neste primeiro momento, pela relação estabelecida entre os três elementos: o homem, o ambiente e os fatores determinantes das doenças. Estas relações são entendidas pelos autores dentro de um enfoque nitidamente mecanicista, onde os homens — os agentes — são vistos como os pratos de uma balança e o ambiente como fiel da mesma, interferindo em que sentido a balança se inclinará. O ambiente é considerado como uma combinação homogênea entre os níveis físico-químico, biológico e social, que jogariam um idêntico papel na determinação mecânica do equilíbrio. O segundo momento define a evolução do processo saúde-doença já visto no espaço interior do indivíduo, ou seja, em termos de sua fisiologia interna, em que este processo é acompanhado em sua regularidade para um ponto de resolução, seja a cura, óbito ou outro estado intermediário. Estudando o primeiro momento, verificamos a construção de uma segunda estrutura, que é importada diretamente da epidemiologia, ao estabelecer as relações entre as características (variáveis) de três elementos: agente, ambiente e hospedeiro.” Portanto, a explicação desse processo é dada pelos seguintes fatores: agente (que pode ser um vírus, Boletim do Instituto de Saúde

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bactéria etc.); hospedeiro (que pode variar conforme as características de idade, sexo, procedência, nível sócio-econômico etc.) e ambiente. O entendimento do ambiente é apreendido em duas dimensões: a dimensão natural (natureza física) e a dimensão social. Cabe, neste momento, uma observação: o “meio social” é considerado apenas como mais um fator coadjuvante na explicação do fenômeno saúdedoença. A sociedade é vista, assim, como mero agregado de indivíduos, desconsiderando-se toda a dinâmica social. O equilíbrio ou desequilíbrio no organismo humano, por exemplo, pode ser explicado a partir da interação entre estes fatores citados. Neste sentido, saúde é um estado relativo e dinâmico de equilíbrio entre estes fatores e doença representa, por conseguinte, o seu desequilíbrio. Esta concepção é amplamente discutida na literatura e, ao tomar como referência a doença, e não o sujeito portador, tem como modelo descritivo e prescritivo a história natural da doença, desenvolvido por Leavell e Clark16. Esse modelo de explicação causal é mais conhecido como a “teoria” da multicausalidade do processo saúde-doença, em contraposição a outra, a da unicausalidade. Outra tendência no campo da Saúde Coletiva, historicamente mais recente, pode ser denominada de Epidemiologia Social ou Crítica. A marca que diferencia esta tendência da anterior, reside no fato de esta considerar a incorporação do social na determinação do processo saúde-doença, não apenas como atributo dos indivíduos, mas como processo complexo, coletivo e histórico. Ressurge, assim, uma abordagem mais crítica, em oposição à tendência, até hoje hegemônica, de “biologização” da saúde coletiva, à fragmentação da realidade (fatorização), dando relevo à dimensão histórico-social do processo saúde-doença. Assim sendo, os estudos relativos ao processo saúde-doença na perspectiva da Epidemiologia Crítica ou Social têm buscado explicações para as diferenças na produção e distribuição das doenças. Destaco, dentre outros, os trabalhos de Goldberg11, Laurell12,13,14,15, Breilh e Granda2,3, Breilh4, Castellanos8. Esta tendência, em seu processo de construção, enfrenta ainda problemas teórico-metodológicos cruciais para o avanço do conhecimento da saúde coletiva. Referências bibliográficas 1. Arouca ASS. O dilema preventivista: contribuição para a BIS#48/Novembro_2009

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Avanços e perspectivas na política de gestão de recursos humanos: desenvolvimento de pessoas e qualificação dos profissionais do SUS/SP Paulo SeixasI

Os Campos da Política de Recursos Humanos As políticas de recursos humanos são destacadas pelos formuladores e gestores como prioritárias para a consecução de um sistema de saúde universal, equitativo e eficiente. No entanto, essas políticas, mais do que mecanismos de vinculação e distribuição de Recursos Humanos (RH) devem ser formas democráticas de responsabilização e mobilização que propiciem maior adesão às novas missões desempenhadas pelo SUS. Tais políticas representam escolhas sobre cursos de ação e procedimentos que interessam à razão pública e a determinadas noções de bem estar público – social e econômico – que se relacionam com a regulação da distribuição dos seguintes bens: • serviços oferecidos pelos prestadores aos usuários, constituídos do ponto de vista de Recursos Humanos, pelo conjunto e o perfil dos trabalhadores, com suas respectivas, competências, habilidades, atitudes articulados entre si no trabalho de prestação do cuidado à saúde nos diferentes tipos de serviço • empregos (oportunidades de trabalho), salários, remunerações, incentivos, oportunidades de carreira e formação avançada, oferecidos pelos empregadores aos trabalhadores; • oportunidades educacionais e de acesso ao sistema das profissões, tanto no sentido individual quanto no coletivo, oferecido pelas instituições formadoras aos respectivos profissionais; • títulos de direitos exclusivos e dos títulos e certificados reservados que conferem direitos legais de propriedade sobre campos de trabalho e reservas de mercado, entre outros, oferecidos pelas instâncias certificadoras aos profissionais. I

Médico Sanitarista, Mestre em Administração de Empresas pela EAESP/FGV, Professor do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Coordenador de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; Coordenador da Estação de Trabalho Observatório de Recursos Humanos -SUS-SES/SP-CEALAG-EAESP/FGV.

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Ao considerarmos as questões relativas à produção e distribuição destes bens, estamos nos referindo a dois sistemas fundamentais: o da “produção” de recursos humanos – que envolve componentes referentes à gestão da educação, tais como formação/ preparação para o trabalho; e o da “utilização” de recursos humanos relacionado à gestão do trabalho. Entremeando estes dois sistemas, há de se considerar o modo como as profissões de saúde se organizam e garantem seus campos de prática e seus espaços dentro do mercado de trabalho, delineando então o que poderia se tomar como um subsistema de regulação das profissões. Conformando e intermediando a definição e a implementação da política para esses dois grandes campos, consideramos a ação regulatória e a função de planejamento como integrantes fundamentais desse processo. Entretanto, o exercício dessa ação regulatória pública depende de vontade política específica nesta direção, na medida em que os agentes responsáveis pela oferta daqueles bens (prestadores de serviços, empregadores, instâncias formadoras e instâncias certificadoras/autorizadoras das práticas) não são necessariamente agentes públicos e, mesmo quando são, podem não estar sob a mesma jurisdição. No caso brasileiro, as bases legais que legitimam a ação do setor saúde (Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde) estão expressas no artigo 200, inciso III, da Constituição Federal que estabelece, como uma das atribuições do SUS, a ordenação da formação de recursos humanos para o sistema. Na sequência, a Lei 8.080/90 explicita a necessidade de articulação entre as esferas de governo para a formalização e execução da política de recursos humanos. No campo da gestão a Lei 8.142/90 institui a exigência de comissão de elaboração de planos de cargos e carreiras como critérios para repasse de recursos financeiros do governo federal para estados e municípios. Entretanto, em que pese o mandato Constitucional BIS#48/Novembro_2009

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previsto pelo artigo 200, este não se institui automaticamente. A dificuldade para implementação de políticas e intervenções eficazes neste campo é decorrente em grande parte por um conjunto de externalidades relacionadas que atuam sobre o campo de recursos humanos em saúde. Assim, na área de preparação de pessoal, o mandato de regulamentar boa parte do processo de formação e capacitação de pessoal é por excelência do Ministério da Educação. É nesta instância que são definidas as diretrizes e normas dos processos formadores, bem como os critérios para autorização de funcionamento e instrumentos de avaliação das instituições formadoras e os mecanismos de certificação dos processos de aprendizado. No campo específico da preparação, tais externalidades na regulamentação não chegam a ser limitantes tão significativos como àqueles que se apresentam para o campo de gestão de pessoal, principalmente para a gestão pública, ou para o campo da regulação das profissões. Entretanto, ainda que não de forma definitiva, permanece o distanciamento entre agentes formadores e as necessidades dos serviços. Por outro lado, as diversas possibilidades de formação, a implantação de estratégias de qualificação em serviço, as estratégias de educação á distância, orientados, por exemplo, pelos princípios da educação permanente, da formação baseadas em competências, etc. abre possibilidades significativas para articulações ensino serviço altamente produtivas. A Política de RH e a conjuntura do SUS Entretanto as políticas de recursos humanos, ainda que apresentem campos específicos de atuação, não se constituem como políticas autônomas em si mesmas. A política de gestão de pessoas deve sempre dar suporte a macro-política setorial. Após um processo importante e radical de descentralização/municipalização das ações, caracterizado como base do projeto universal e público do SUS, vem se buscando ao longo dos anos, por meio das NOBs, NOAs e mais recentemente com o Pacto de Gestão, a promoção da integralidade das ações com equidade. Para tanto, prol da racionalidade da distribuição de recursos, tais ações vêm sendo desenvolvidas por meio da definição dos papéis dos diferentes níveis de gestão e de sua atuação pactuada e solidária, e da organização da rede de forma regionalizada e hierarquizada. A construção desta regionalização integrada, equitativa e pactuada tem sido, ao longo dos últimos anos, o grande desafio do sistema. 16

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Esta redefinição de papéis tem consequências drásticas na estruturação e funcionamento das secretarias, em particular da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Esta redefinição, entretanto, não gera apenas reordenamento no trabalho, mas exigem inovações e adaptações gerenciais significativas na operação da máquina pública. Não são apenas novas funções, novas formas de olhar, novas estruturas – o que requer todo um aprendizado específico, mas também novas formas e regras de trabalho e novos processos de gestão, frente a um sistema cada vez mais complexo. Neste sentido, um componente fundamental para a gestão da política e aperfeiçoamento dos processos gerenciais em Recursos Humanos é a organização de uma estrutura que permita identificar tendências e experiências de gestão de pessoas, do trabalho e da educação; realizar estudos e investigações, e gerar conhecimento para subsidiar a implementação de novas políticas na área de RH. Integrando a Rede Observatório de Recursos Humanos em Saúde do Brasil, apoiada pela Organização Panamericana de Saúde e pelo Ministério Saúde, a Estação Observatório de Recursos Humanos em Saúde de São Paulo - ObservaRHSP é resultado de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e instituições com expertise em investigação na área da saúde – o Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (CEALAG) e o Centro de Estudos em Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – GvSaúde. Esta estação foi constituída face à necessidade de investigar problemas e gerar conhecimentos relativos à gestão e regulação de Recursos Humanos, a partir da perspectiva da gestão pública em saúde, buscando indicações capazes de orientar políticas no setor. As pesquisas desta estação estão concentradas em quatro eixos de investigação: Formação e Mercado de Trabalho em Saúde, Gestão de Recursos Humanos no Sistema Único de Saúde, Recursos Humanos em Atenção Básica à Saúde e o Programa Saúde da Família e Inovações e tecnologia em Gestão de Pessoas. No eixo “Formação e Mercado de Trabalho em Saúde” o Estudo da migração de médicos egressos de Programas de Residência Médica no Estado de São Paulo objetiva, em particular para a categoria médica, conhecer os padrões de deslocamento espacial dentre os ex-residentes a partir das localidades de graduação e de registro profissional ativo. Boletim do Instituto de Saúde

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Em Caracterização da Residência Médica no Estado de São Paulo - 2003 é realizado um mapeamento da capacidade instalada da Residência Médica no Estado de SP, e em Estudo das necessidades de médicos especialistas no Estado de São Paulo, é levantado o “estado da arte” sobre metodologias para dimensionamento de médicos especialistas. O estudo sobre A inserção dos egressos dos Programas de Residência Médica financiados pelo Governo do Estado de São Paulo no mercado de trabalho foi estruturado a partir das respostas dos questionários respondidos por uma amostra de 3.400 médicos egressos de PRM’s financiados pela SES/SP no período entre 1990 a 2002, com vistas a conhecer a inserção no mercado de trabalho; considerando a permanência na especialidade de formação, o perfil da clientela em termos do financiamento ao acesso e perfil de vínculo empregatício. No segundo eixo, “Gestão Recursos Humanos no Sistema Único de Saúde”, a pesquisa Rotatividade de Cargos na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo-SP / SES vislumbra identificar o perfil de mobilidade e de rotatividade dos postos de trabalho (cargos e funções) da SES/SP, a fim de identificar os distintos padrões de sua ocorrência entre as unidades assistenciais e entre os diferentes profissionais. O Perfil da Força de Trabalho na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo-SP / SES traça o perfil da distribuição etária e de gênero a partir do cargo de ocupação, cargo de admissão, regime jurídico de contratação e unidade administrativa de lotação. A pesquisa Parâmetros para o Planejamento e Dimensionamento da Força de Trabalho em Hospitais Gerais volta-se à discussão de planejamento da força de trabalho no ambiente hospitalar, passando por uma extensa revisão da literatura seguida por uma proposta metodológica ancorada em variáveis como tecnologia incorporada, jornada contratual de trabalho e tempo médio gasto por procedimento; cujo objetivo é instrumentalizar o gestor para tomadas de decisão mais referenciadas. O Estudo das licenças médicas em trabalhadores da saúde vinculados à gestão pública aborda a questão da ausência ao trabalho motivada por episódio de doença e objetiva identificar grupos de funções e de locais de trabalho com maior taxa incidência de licenças e maior taxas de absenteísmo. A pesquisa Recursos Humanos no SUS: Análise das Despesas e Formas de Vínculos Institucionais no Contexto Proposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal nos Municípios do Estado de São Paulo Boletim do Instituto de Saúde

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se propõe ao mapeamento e identificação da força de trabalho existente no setor público, assim como as formas de contratação e as de vínculos (institucionais e trabalhistas) praticados pelo setor público municipal na área de saúde. Outro objetivo do núcleo é analisar a estrutura das entidades gestoras de recursos humanos nos municípios do Estado de São Paulo. Em Instrumentos alternativos na gestão direta de pessoal são relatadas brevemente algumas experiências da SES/SP no que se refere às alternativas formais no enfrentamento de problemas relativos à gestão de pessoal, em termos de contratação e reposição, bem como de remuneração, avaliação e desenvolvimento, associados à expansão de serviços de média e alta complexidade, e à redefinição do seu papel de gestor do SUS. Estes instrumentos permitiram dar maior flexibilidade à gestão de pessoal próprio da SES, amparados em normas legais, visando garantir/preservar a qualidade dos serviços prestados, e a satisfação do usuário do Sistema Único de Saúde. No eixo de investigação “Recursos Humanos em Atenção Básica à Saúde e o Programa de Saúde da Família”, o objeto de estudo é a experiência do PSF no município de São Paulo em dois momentos: na implantação, em 1996 e anos após sua expansão. Objetiva compreender as características das equipes, dos profissionais e suas expectativas nas duas situações apontadas. E, especialmente, captar as mudanças que ocorreram em 10 anos quando o Projeto transformou-se em Política Pública, particularmente as repercussões desse processo sobre o perfil, formação, expectativas dos membros das equipes de Saúde da Família. Além destas pesquisas que formam o portfólio de investigações dos Planos Diretores da estação, há ainda três pesquisas à parte em andamento. O Migramed – Migração Médica no Brasil: tendências e motivações é um estudo desenvolvido em parceria com o ObservaRHSP, Conselho Federal de Medicina – CFM, OPAS e ObservaRH Nesp/ Ceam/UnB. A pesquisa divide-se em duas etapas: a primeira visa analisar o padrão de deslocamento espacial dos médicos com registro ativo no CFM desde o início da alimentação do banco de dados, considerando como variáveis de movimentação a UF de nascimento, UF de graduação, UF que realizou a RM e UF de registro profissional ativo. Associada aos padrões de deslocamento ao longo do tempo, a estação de trabalho ObservaRH Nesp/ BIS#48/Novembro_2009

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Ceam/UnB realizará à análise socioeconômica destes padrões de movimentação, em busca de elementos que a justifiquem. Na segunda fase, as duas estações de trabalho realizarão entrevistas telefônicas com uma amostra de profissionais que apresentaram alguma movimentação ao longo da carreira, procurando identificar em suas declarações as causas para a migração. Por último, em “Inovações e Tecnologia em Gestão de Pessoas”, pretende-se conhecer e aprofundar novas práticas de gestão, em diferentes setores, com vistas a estimular a incorporação e apropriação de novos conceitos e ferramentais como mecanismos de qualificação e inovação de diferentes áreas: captação e retenção de profissionais a partir do perfil de competências e expectativas de atuação, gestão da remuneração e da performance, desenvolvimento de pessoas, e desenvolvimento organizacional: gestão da aprendizagem e do conhecimento. O escopo de atuação da Coordenadoria de Recursos Humanos da SES/SP As ações da Coordenadoria de Recursos Humanos da SES/SP direcionam-se a dois grandes grupos: o público externo - constituído pelo conjunto de gestores e trabalhadores de saúde, particularmente aqueles em atividade nos sistemas municipais de saúde; e o público interno - trabalhadores vinculados a SES que necessitam ser preparados para responder ao conjunto de transformações administrativogerenciais que a SES/SP vem passando nos últimos anos, demandando por desenvolvimento contínuo de estratégias e instrumentos de gestão do trabalho e da educação que possibilitem maior flexibilidade e capacidade de adaptação ao mercado de trabalho e as demandas organizacionais. Em relação ao público externo, destacam-se quatro grandes conjuntos de ação: a organização de um Sistema de Educação Permanente para o SUS-SP, capaz de qualificar maciçamente os trabalhadores do sistema; a Formação Especializada para à Atenção à Saúde (gestão da Residência Médica e do Programa de Aprimoramento Profissional) – o maior sistema de especialização profissional em saúde do país; a Formação Profissional – TEC-SAÚDE; e a Qualificação para a Gestão – curso de especialização em Gestão Pública em Saúde destinado aos municípios e apoio ao desenvolvimento institucional nos municípios por meio de financiamento ao projeto “Apoiadores do COSEMS”. 18

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A Gestão da Política de Educação Permanente para o SUS-SP Uma das áreas onde a ação do estado tem maior relevância em relação ao público externo da Secretaria diz respeito à preparação de pessoal e a sua responsabilidade na estruturação de um sistema de educação permanente para o conjunto de trabalhadores de saúde no estado, particularmente aqueles vinculados ao SUS. O processo de descentralização já referido demanda dos municípios uma significativa expansão de responsabilidades, quer na assistência, quer na gestão dos serviços. Entretanto, sempre caberá ao estado a função de apoio contínuo, e em determinadas situações, a execução ou mediação direta das ações. Esta característica é particularmente importante em uma área que exige certo grau de especialização e sofisticação gerencial como o da qualificação e gestão da educação. Neste processo, o papel do Gestor Estadual é fundamental, mesmo em âmbito regional por um conjunto de razões: a SES é o agente político com maior poder de convocação, decorrente de sua função de agente promotor da equidade distributiva. O estado deve propiciar ao conjunto dos municípios o acesso a bens e serviços referentes não apenas a atenção direta a saúde, mas também á qualificação dos profissionais responsáveis pela prestação destes serviços. Caracteriza-se como principal agente de mediação intermunicipal, bem como indutor estratégico, tanto por ser tecnicamente o principal agente capaz de realizar a crítica regional, identificando aí ações comuns ao conjunto de municípios, como pela capacidade e responsabilidade de atuar como indutor de políticas por meio de financiamentos estratégicos. Neste sentido a constituição de um Sistema de Educação Permanente para o SUS, pressupõe, por um lado, o fortalecimento da capacidade de regulação, coordenação e cooperação técnica da SES em relação aos processos educacionais, como também o esforço contínuo ao desenvolvimento da capacidade de execução dos municípios. Entretanto, cabe pontuar que a Educação Permanente em Saúde só tem potência se articulada com a gestão, obtendo assim capacidade de efetiva para interferir sobre os nós críticos da organização dos serviços e das práticas. Um pressuposto do sistema de Educação Permanente em Saúde é a possibilidade da construção de estratégias que são concretamente levadas à prática. As ações de Boletim do Instituto de Saúde

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formação são parte das soluções desencadeadas e trabalhadas de maneira ativa, contribuindo para a constituição de um novo estilo de gestão: pactos construídos coletivamente e profissionais sujeitos da produção de alternativas. A construção de ações de Educação Permanente no Estado de São Paulo vem sendo desenvolvida há tempo no estado de SP. Os Pólos de Capacitação em Saúde da Família, criados há quase 10 anos, serviram como agentes agregadores entre instituições formadoras, SES e municípios. O papel da SES enquanto ente agregador permitiu a estruturação de parcerias entre estes agentes formadores, que se organizaram inicialmente em cinco Pólos regionais para o desenvolvimento de Cursos de Especialização em Saúde da Família. Este movimento, coordenado pela SES, possibilitou uma inserção mais ampla e regionalizada das instituições de ensino no sistema. Outro desdobramento foi o estímulo ao envolvimento de diferentes departamentos de uma mesma instituição formadora no desenvolvimento dos cursos. Esta ampliação de interlocutores desencadeou projetos de qualificação para além das ações exclusivamente de saúde pública conduzidas tradicionalmente pelos departamentos de Medicina Preventiva e Social, criando a oportunidades de ações de Educação Permanente mais diversificadas frente às necessidades do sistema. A Portaria 198 MS / SGTES em 13/02/2004 orientou a implantação da Política Nacional de Educação Permanente em saúde em todo o País, ampliando o escopo de atuação dos antigos Pólos. No estado SP, a SES e COSEMS/SP pactuaram a implantação daquela Portaria – constituindo a Comissão Bipartite de Implantação e Acompanhamento dos Pólos de Educação Permanente. Neste momento foram implantados oito Pólos no Estado de São Paulo - Grande São Paulo (município e região metropolitana); Leste (Campinas; Piracicaba; SJB Vista); Oeste (Presidente Prudente; Assis; Marília); Sudoeste (Bauru; Botucatu; Registro; Sorocaba); Noroeste (SJ do Rio Preto; Barretos; Araçatuba); Nordeste (Ribeirão; Araraquara e Franca); Baixada Santista; Vale do Paraíba e Litoral Norte. Devido à ampla distribuição de agentes formadores no estado, buscou-se estruturar núcleos regionais relativamente auto-suficientes em termos de possibilidades de oferta e desenvolvimento de ações de qualificação. No período entre 2004 e 2005, as regiões receberam cerca de R$ 10.000,00 qualificando perto de 7.000 trabalhadores/ano. Boletim do Instituto de Saúde

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Entretanto, a mudança de gestão no MS e as criticas ao sistema vigente, cuja operação ainda era muito centralizada e com recursos liberados morosamente por meio de parceria MS/OPAS, deram origem a uma longa discussão entre Ministério da Saúde, CONASS, CONASEMS. Como consequência, o repasse de recursos foi interrompido por dois anos, e a Educação Permanente (EP), neste período, foi financiada integralmente pelo estado. A revisão da Portaria 198 buscaria definir novas diretrizes e estratégias para a implementação da Política Nacional de EP em Saúde, adequando-a às diretrizes operacionais e ao regulamento do Pacto pela Saúde. Na republicação da Portaria 198 destacaram-se algumas mudanças: • alteração da política no sentido de adequação ao Pacto pela Saúde, com maior protagonismo do Colegiado de Gestão Regional (CGR); • descentralização dos recursos financeiros, que passaram e ser transferidos fundo a fundo; • vinculação das ações da Educação Permanente aos planos de saúde, seja nos âmbitos municipal, regional ou estadual. Assim, a condução regional passou a se dar por meio dos CGR’s com o apoio das oito Comissões Permanentes de Integração de Ensino-Serviço (CIES) instituídas no estado de São Paulo. Através de um pacto entre SES e COSEMS, o recurso foi transferido integralmente para SES, e os CGR’s passaram a contar com um volume de recursos a ser liberado mediante a apresentação das propostas aí aprovadas. Dentre os critérios de distribuição de recursos encontram-se: IDH Municipal, população, quantitativo de trabalhadores da Atenção Básica, cobertura por PSF. As frentes prioritárias respeitam a seguinte distribuição: 60% na Atenção Básica, 30% na Gestão do SUS e 10% na organização e estruturação da nova proposta. No ano de 2007, o total de recursos destinados ao sistema de EP foi de R$ 7.978.143,81, distribuídos entre diferentes formas e agentes financiadores: Ministério Saúde – R$ 5.578.143,81 e SES/SP (via recurso hora aula) – R$ 2.400.000,00. Atualmente, o conjunto de capacitações desenvolvidas pelo Sistema de Educação Permanente tem possibilitado a capacitação de aproximadamente 10.000 trabalhadores/ano, em diferentes modalidades, destacando-se aí aquelas destinadas ao pessoal de nível médio, desenvolvidas pelas seis escolas técnicas do SUS ligadas a SES, responsáveis por cerca de 60% desde total. BIS#48/Novembro_2009

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Formação Especializada para a Atenção à Saúde Residência Médica A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) constitui-se em importante agente financiador de Residência Médica no País, financiando cerca de 4.800 bolsas em 44 instituições de diferentes naturezas jurídicas. A maior parte destas bolsas, 78%, estão alocadas em instituições públicas, sobretudo Faculdades de Medicina Estaduais, como a USP, UNESP, UNICAMP, entre outras. Cerca de 40% do total de bolsas de Residência Médica financiadas pela SES/SP estão ocupadas por residentes nas Áreas Básicas, ou seja, residentes em Clínica Médica, Cirurgia Geral, Medicina da Família e Comunidade, Ginecologia e Obstetrícia, Pediatria e Medicina Preventiva e Social. Cerca de 9,5 milhões mensais, totalizando 120 milhões por ano, são alocados pela SES/SP neste sistema. Além de financiar bolsas para residentes em instituições que realizam concursos separados, a SES/SP, em parceria com a Fundação Carlos Chagas, realiza o maior concurso para Residência Médica no País, envolvendo cerca de seis mil candidatos em cada concurso. Os estudos realizados pela Estação Observatório vêm orientando a distribuição de bolsas para formação de especialistas de acordo coma as necessidades do sistema. A Secretaria vem direcionando suas bolsas para 10 especialidades médicas que constituem atualmente cerca de 30% do total de bolsas financiadas. Aprimoramento profissional O Programa de Aprimoramento destina-se aos profissionais formados nas diversas áreas, com exceção de medicina, contemplados na Residência Médica. Como objetivo, vislumbra-se a capacitação do participante por meio do aperfeiçoamento do desempenho profissional, através da oportunidade de acesso a novos conhecimentos teóricos e ênfase nas práticas específicas, estimulando o especializando ao desenvolvimento de uma visão crítica e abrangente do Sistema Único de Saúde. Hoje, o Programa de Aprimoramento Profissional caracteriza-se como o maior programa de formação especializada em serviço para profissionais não médicos, contanto com um volume de 1.176 bolsas de estudo por ano, distribuídas por diversas instituições. 20

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Formação Profissional - Projeto TEC-SAÚDE Outro importante projeto direcionado a formação de pessoal de nível médio, desenvolvido pela parceria entre Secretarias da Saúde, Gestão Pública (Fundap), Secretaria do Desenvolvimento e Secretaria da Educação, é o TEC-SAÚDE. Com a marca de maior projeto público de formação em saúde no País, o TEC-SAÚDE se propõe a formar, em até três anos, cerca de 90.000 técnicos de saúde, com ênfase na progressão de auxiliares de enfermagem para técnicos em enfermagem. Este projeto deve oferecer também especialização em áreas específicas de enfermagem para os atuais técnicos, bem como deve ampliar progressivamente seu escopo de formação à medida que se identifiquem novas necessidades. A parceria referida também tem por objetivo a oferta de complementação do ensino médio para profissionais que não o tenham realizado. A gestão de recursos humanos em uma organização complexa como a SES/SP: o desenvolvimento de pessoas e a qualificação institucional Outro papel da Coordenadoria de Recursos Humanos (CRH) é voltado ao desenvolvimento do público interno da SES, e tem se organizado em torno de três grandes eixos: apoio a humanização da assistência; desenvolvimento de novos instrumentos e estratégias de gestão, direcionados a integração organizacional e o aprendizado coletivo (benchmarkings e disseminação do conhecimento, gestão de projetos etc); e ações de desenvolvimento e apoio à capacidade gerencial (mestrado/especialização, certificação ocupacional/ gestão de competências, consultoria interna em Gestão de Pessoas e apoio institucional aos DRS). Apoio a humanização da assistência Para a SES/SP, a Humanização perpassa toda a instituição de saúde e se faz presente como uma forma de pensar e agir na atenção e gestão nos serviços de saúde, constituindo assim uma Política Pública que se integra aos princípios do SUS. A Política de Humanização da SES visa à recuperação do sentido humano nos serviços de saúde propondo uma nova relação entre usuários, suas redes sociais e os trabalhadores, apostando no trabalho coletivo na direção de um SUS acolhedor e resolutivo. Para tanto, incentiva o aumento do grau de co-responsabilidade Boletim do Instituto de Saúde

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e de comunicação entre os atores envolvidos na produção de saúde. Os princípios que norteiam a Política de Humanização são a transversalidade e a inseparabilidade entre atenção e gestão na produção de saúde. A transversalidade como uma ampliação das formas de conexão intra e intergrupos promovendo mudanças nas práticas de saúde. Tomamos por dispositivos a concretude de operação nos serviços de saúde, visando mudanças nos modelos de atenção e gestão promovendo a produção de saúde e produção de subjetividades. Na SES, atuamos de maneira concreta operando com alguns dispositivos na efetivação do SUS, tais como: Programa Jovem Acolhedor; Conte Comigo; Leia Comigo; Ouvidoria; Cantinho da Beleza; Acolhimento com Classificação de Risco nas Urgências e Emergências; Visita Aberta e Direito a Acompanhante; Comissões de Humanização Trabalho e Redes de Saúde: Valorização dos Trabalhadores de Saúde; Clínica Ampliada e Ambiência. Entendemos que são várias as “portas de entrada” possíveis para abordar e problematizar as questões na área de Humanização. Os Encontros Temáticos enfatizam que nossa proposta é estabelecer uma relação intrínseca e irrevogável entre teoria e prática, separação essa que só é perdoável por didatismo. O investimento da Humanização sugere uma atitude, ou seja, implica em um movimento de experimentar o pensar, o sentir e o fazer no coletivo, com quem está ao lado, criando uma rede mais vital. Como iniciativas nesta área, ainda listam-se: Curso de Formadores e de Apoiadores da Política de Humanização - Parceria estabelecida entre a Secretaria de Estado da Saúde - SP, a Secretaria de Atenção à Saúde/PNH do Ministério da Saúde e o Departamento de Medicina Preventiva da USP. Curso de Humanização: O humano, a humanização e a construção de redes de trabalho em saúde - Parceria com a PUC/ SP, cujo intuito é pensar, no campo da saúde, o humano: sua condição, simultaneamente, complexa, exuberante e problemática. O Programa Jovens Acolhedores é uma das ações específicas que a SES/SP vem desenvolvendo voltada à Humanização da atenção e à melhoria da qualidade no atendimento. O Programa é destinado à participação de estudantes universitários no acolhimento de usuários nas Unidades de Saúde: eles realizam o primeiro Boletim do Instituto de Saúde

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contato, com encaminhamentos precisos e dando informações corretas. Procuram evitar esperas desnecessárias, falhas de comunicação e mesmo encaminhamentos equivocados (que tomam mais tempo do paciente e do próprio sistema) que são problemas extremamente desgastantes. Neste sentido, os estudantes realizam o que denominamos escuta aberta, buscando compreender as necessidades dos usuários. Trata-se de um projeto inovador, cujo mérito maior é encontrar um ponto de convergência entre os interesses da administração pública, das faculdades particulares e dos jovens universitários. É um programa no qual todos ganham: os universitários, porque ganham bolsa de estudos e um conteúdo formativo onde têm noções de saúde pública, cidadania, como e por que se adoece etc; as escolas, porque os alunos continuam estudando; mas, principalmente, os usuários do SUS, porque têm um atendimento de melhor qualidade. O Programa Jovens Acolhedores conta com uma média de 6.000 inscritos/ano e durante este período contemplou 2.720 estudantes com bolsas Integração organizacional e o aprendizado coletivo Um dos grandes desafios para uma instituição com a abrangência e complexidade da SES/SP se traduz na integração entre unidades, atividades e pessoas. Tradicionalmente, a SES/SP produz uma diversidade de informações que são disponibilizadas sob formato de jornal, revista, manuais técnicos, boletins informativos dentre outros canais de comunicação. Tais veículos de informação, todos necessários e desejáveis, muitas vezes apresentam um escopo de circulação restrito à especificidade do públicoalvo e centram-se, essencialmente, no conjunto de conhecimentos formais e explícitos da instituição. Os desafios de se vencer as barreiras da comunicação intra-setorial demandam por estratégias que integrem e socializem o conhecimento tácito de uma organização complexa como a SES/SP. Neste sentido, um conjunto de Mostras e Seminários foi organizado a partir de 2007, visando disseminar e partilhar conhecimento ente o conjunto da SES. Assim, foi constituída a I Mostra SES/SP como um espaço propício ao compartilhamento de experiências e estabelecimento de redes sociais, ensejando divulgar estas práticas de qualidade e projetos inovadores realizados por dentre suas diversas unidades e setores. BIS#48/Novembro_2009

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Ainda dentro dessa perspectiva de valorização da práxis no contexto da gestão em saúde que a SES/ SP realizou o Seminário Internacional “Inovações na Gestão do Setor Saúde”, que destacou as melhores práticas de gestão dos sistemas e serviços de saúde. Em 2008, ano em que o SUS comemorou seus 20 anos, a SES/SP organizou um ciclo constituído por simpósios temáticos, um seminário internacional e a II Mostra SES/SP. O primeiro evento realizado foi o “Simpósio Internacional de Gestão em Recursos Humanos no Setor Saúde – SES/SP”. Os temas abordados foram: Descentralização na gestão do trabalho; Desafios na fixação de profissionais nos serviços; Gestão integrada em organizações complexas; Competências para gestão nos serviços e sistemas de saúde; Influências do setor suplementar na dinâmica do mercado de trabalho; Planejamento de médicos especialistas para sistemas de saúde; Cooperação Sul-Sul: a experiência da Rede ObservaRH. Um dos aspectos trabalhados neste projeto institucional da CRH/SES destaca a importância da troca de idéias e experiências em lugar a da transferência pontual de conhecimento. Desta forma, tanto antes como após o simpósio, foram realizadas oficinas de trabalho com várias das instituições palestrantes, como a Petrobras, SES/MG, SES/GO, Secretaria de Gestão Pública/SP, OMS, OPAS, Institut d´Estudis de La Salut – Catalunha e Universidad de Las Palmas de Gran Canária; no sentido de potencializar a capacidade de cooperação nacional e internacional. A II Mostra SES/SP, que ocorreu na sequência do Seminário Internacional “20 Anos do SUS”, foi estruturada de acordo com o portfólio de programas delineados a partir do Plano Estadual de Saúde. A programação para o Seminário Internacional “20 Anos do SUS” foi organizada a partir de três princípios do SUS – Universalidade, Integralidade e Descentralização, além do tema “Arcabouço Jurídico do SUS”. Além dos debates, o seminário estabeleceu espaço para premiações para trabalhos enviados por Secretarias Municipais de Saúde paulistas e por estudantes de graduação, e homenagens às pessoas e instituições que contribuíram para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde no Estado de São Paulo. Os prêmios “Conhecendo o SUS” - para universitários, e “ O SUS que dá Certo” - para Secretarias Municipais de Saúde, objetivam reconhecer e valorizar trabalhos qualificados que sejam relevantes para o SUS e para a população. A SES/SP, em parceria com os municípios, instituições e sociedade, pretende dar destaque a ações e conhecimentos sobre o SUS 22

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e, ao mesmo tempo, proporcionar a repercussão de um sistema que dá certo e faz valer conquistas significativas na saúde. No campo das homenagens, a SES/SP instituiu a “Medalha do Mérito da Gestão Pública da Saúde Walter Leser”, que se destina a homenagear as pessoas que, no campo da gestão pública da saúde, tenham de fato contribuído para a consolidação do SUS no Estado de SP. Já o “Diploma Entidade Parceira do SUS” homenageou as instituições que trabalharam e apoiaram a SES/SP ao longo do tempo em projetos fundamentais para o sistema de saúde paulista. É por meio deste conjunto e de outras ações que a SES/SP espera aprimorar sua capacidade de transformação do conhecimento, valorizando a criação de redes informais visando à disseminação do conhecimento e do fortalecimento da aprendizagem institucional. Gestão de projetos Articulado a este movimento de incentivo a disseminação do conhecimento, a CRH também vem desenvolvendo uma nova estratégia de gestão interna. Em função das diretrizes estratégicas estabelecidas pela SES/SP, expressas principalmente por meio do Plano Estadual de Saúde – PES, ao adotar um modelo organizacional aproximado do desenho matricial equilibrado, a CRH vislumbra, como principal desafio, introduzir a lógica de gestão de projetos como um mecanismo propício ao desenvolvimento de novas competências organizacionais que fortaleçam tanto os processos internos quanto a própria estrutura da Coordenadoria. Em consonância ao PES e ao seu Plano Operativo, a CRH tem sob sua responsabilidade a gestão do portfólio de projetos do Programa V – Gestão do Trabalho e Educação no SUS/SP. O portfólio do Programa V conta com cinco projetos e 11 subprojetos cuja gestão é apoiada por um escritório de projetos ligado ao Gabinete do Coordenador. A inclusão da gestão de projetos como uma metodologia capaz de operacionalizar com maior eficiência o conjunto de ações a serem desenvolvidas pela Coordenadoria demanda pelo desenvolvimento e maturação de competência em gerenciamento de projetos em três níveis: gerentes, equipes de projetos e Coordenadoria. Neste momento, a CRH estabeleceu uma parceria com a Secretaria de Gestão Pública - SGP com o intuito de transferência de tecnologia nesta Boletim do Instituto de Saúde

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área, propondo-se a ser um projeto piloto na adoção do Sistema de Gerenciamento de Projetos para a SES/SP. Ações de desenvolvimento e apoio à capacidade gerencial Três ações importantes vêm se articulando no sentido de promover a qualificação e a profissionalização dos gestores na SES – o início do Mestrado Profissionalizante em Saúde Coletiva, e dos cursos de especialização em Gestão Pública de Saúde; a instituição da certificação ocupacional para cargos de comando na SES. Mestrado Profissionalizante em Saúde Coletiva Diante da complexidade dos problemas que caracterizam o campo das práticas da saúde coletiva, os profissionais de saúde necessitam desenvolver uma série de habilidades e competências para o desempenho satisfatório de suas funções. De maneira geral, para o funcionamento do Sistema Único de Saúde, há necessidade de formação de gestores de sistemas estaduais, regionais e locais, gerentes de unidades de saúde e especialistas nas diferentes áreas de atuação, tais como o controle de doenças, a programação, a vigilância sanitária e outras. Este mestrado tem como objetivo principal a formação de profissionais capacitados a atuar nas áreas de vigilância epidemiológica e controle de doenças e agravos à saúde; avaliação e gestão de sistemas e serviços de saúde e avaliação de riscos ocupacionais, preparando 20 profissionais de saúde coletiva, em 24 meses, habilitados para a solução de problemas práticos do trabalho através da utilização de investigações científicas e tecnológicas. O programa se destina à profissionais de nível universitário com inserção ou interesse de trabalho em serviços de saúde pública e que tenham, como pré-requisito, especialização na área de Saúde Coletiva ou experiência equivalente. Os interessados no programa devem ter como questão de investigação um problema relativo às práticas de saúde na dimensão coletiva. Do ponto de vista pedagógico, o programa está baseado em atividades presenciais destinadas a fornecer aos alunos o domínio metodológico necessário, atividades de estudo e atividades práticas relacionadas aos temas de investigação. Todas as disciplinas propostas orientam-se no sentido de forBoletim do Instituto de Saúde

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necer aos alunos conhecimentos necessários para o uso de métodos e técnicas científicas na solução de problemas da prática profissional. Iniciado em 2006 formará a segunda turma este ano (total de 40 mestres), prevendo um terceiro curso em 2009 Curso de Especialização em Gestão Pública em Saúde O Curso de Gestão Pública em Saúde é uma ação conjunta da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e FUNDAP, que tem como objetivo contribuir para a consolidação do SUS e para a qualificação do desempenho de seus gestores no nível central e regional e municipal. A primeira etapa foi iniciada em novembro de 2007, a segunda teve início no segundo semestre de 2008. O público alvo é formado por 600 participantes, sendo 200 na etapa já realizada e mais 400 em uma segunda etapa, que envolve participantes dos municípios em sua maior parte (aproximadamente 300 participantes do segundo momento serão dos municípios); envolvendo gestores, coordenadores técnicos e profissionais de saúde das regiões de Saúde e dos Colegiados de Gestão Regional, O curso tem como objetivo central a busca de conhecimento, bem como o desenvolvimento de “ferramentas” e estratégias para a operacionalização conjunta dos Planos Regionais de Saúde e dos pactos de gestão a partir do pensar conjunto da própria equipe de cada região de saúde. Certificação Ocupacional/ Gestão de Competências Um dos problemas frequentes da administração pública referem-se a indefinição nas regras e no contrato de trabalho, particularmente no que se refere às expectativas da organização e entregas realizadas pelos profissionais. Ou seja, no processo de mudanças organizacionais para enfrentar um novo modelo de organização, mudam também as qualificações necessárias para o trabalho. O perfil do novo trabalhador deve, então, adequar-se às novas funções que cada um deverá desempenhar, atentando-se ainda à possibilidade de realocação entre setores. A partir de agosto de 2008, o Governo do Estado de São Paulo institui o processo de certificação ocupacional para seus servidores, que pode ser definido como “o reconhecimento dos conhecimentos, habilidades e atitudes (competências), de domínio do trabalhador, exigidos pelo sistema produtivo, de BIS#48/Novembro_2009

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acordo com padrões socialmente definidos, concedido por entidade reconhecida e/ou autorizada, independentemente do modo como foram adquiridos e mesmo que não tenha o candidato passado por um processo formal de ensino/aprendizagem”. Neste movimento, pode-se entender competência como a capacidade de mobilizar diferentes aquisições aprendidas e armazenadas durante o processo de vida, através de uma sinergia de conhecimentos, habilidades e atitudes, gerando um agir responsável, verificável na ação, em situações concretas, que agrega valor econômico a organização (ou qualidade na prestação de serviços) e valor social às pessoas. Conforme aponta o referido Decreto, o processo de certificação será composto das seguintes etapas: I - estabelecimento dos padrões de competência, que compreende a definição do perfil adequado ao exercício do cargo em comissão, função ou emprego de confiança; II - avaliação de competências, destinada a verificar se o candidato atende aos padrões indicados para o exercício do cargo em comissão, função ou emprego de confiança; III - desenvolvimento de competências, que consistente na capacitação dos avaliados que já exerçam cargo em comissão, função ou emprego de confiança e que não tenham obtido a certificação. A Certificação Ocupacional proporcionará aos gestores e aos ocupantes do cargo certificado uma visão concreta das funções desempenhadas, das competências necessárias para desempenhá-las e das redes de relações que se estabelecem entre o executor das ações, seus superiores e seus clientes internos e externos. Por um lado, tal processo permite iniciar um movimento de gestão por competências dentro da instituição, onde as entregas esperadas ficam mais claramente definidas, entre seus diferentes setores, possibilitando o desenvolvimento de instrumentos de avaliação mais ajustados, projetos de desenvolvimento individual e organizacional mais focados, estabelecimento de padrões de remuneração mais equitativos e baseados em desempenho, bem como apoio e sustentação organizacional a diferentes trajetórias profissionais. Neste sentido, programar um processo de gestão por competências pressupõe atuar em diferentes níveis da organização de forma a desenvolver as competências necessárias para concretização das declarações estratégicas organizacionais; contribuir no levantamento de novas competências organizacio24

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nais requeridas e no desenvolvimento das existentes; e desenvolver as competências individuais e de equipes para que as pessoas possam apropriar-se de seu trabalho e agregar valor a si próprias e à SES. As duas etapas iniciais do processo de certificação já foram implementadas para alguns setores da SES e, em função das orientações daí decorrentes, optou-se por oferecer ao conjunto dos envolvidos um processo de desenvolvimento adequado ao seu desempenho, independentemente da obtenção ou não da certificação. Dentre as estratégias de desenvolvimento do quadro dirigente da SES/SP, prevê-se processos individualizados, a partir de consultoria interna em Gestão de Pessoas da CRH, e processos coletivos de qualificação, desenvolvidos com instituições que tenham expertises nos campos de gestão, atenção à saúde e gestão do conhecimento e aprendizagem. Por outro lado, a incorporação das metodologias de gestão por competências permitiu à CRH o desenho de atributos relativos aos Articuladores da Atenção Básica, bem como a organização de seu processo de avaliação, bem como a revisão e implementação de novos modelos de avaliação e concessão de Prêmios Incentivos Especiais. Apoio institucional aos Departamentos Regionais de Saúde e Colegiados de Gestão Regional Outra importante iniciativa em desenvolvimento na SES se dá por meio da estruturação de um processo de apoio institucional, realizado por oito centros universitários de reconhecida competência na discussão da gestão de políticas de saúde do Estado de São Paulo (Faculdade de Saúde Pública, Escola de Enfermagem da USP, Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP/RP, Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da USP/SP, Departamento de Medicina Social da FCM Sta Casa de São Paulo, Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UNESP/Botucatu, EAESP/FGV – GVSaúde, Núcleo de Políticas Públicas e Faculdade de Medicina da Unicamp). Esta parceria teve início em 2007, quando da elaboração do Plano Estadual de Saúde e do Pacto de Gestão. As Universidades, atuando por meio de tutores e preceptores, apoiaram os Departamentos Regionais de Saúde no diagnóstico regional de saúde, bem como na estruturação dos 64 Colegiados de Gestão Regional. A partir de 2008, institui-se, por meio de convênio, um projeto Boletim do Instituto de Saúde

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com duração prevista de 30 meses para o acompanhamento permanente destas instituições junto aos Colegiados de Gestão Regional, visando fortalecer sua capacidade de gestão, apoiando-os nos diagnósticos específicos necessários a estruturação das redes regionais de saúde, visando a elaboração de um Plano de Qualificação do Sistema Regional da Saúde, bem como o reforço de conteúdos e conceitos junto aos municípios, em transição frente a mudança dos gestores. Em 2010, espera-se o inicio da implementação dos respectivos Planos, com o devido apoio das Instituições. Considerações finais Este conjunto de ações descritas dá, em linhas gerais, a dimensão da política de gestão da educação na SES-SP. Inúmeras outras atividades de capacitação complementam permanentemente esta ação. Conforme apontado, o sistema de educação permanente vem passando por um ajuste muito mais adequado aos princípios da E.P., com a identificação das propostas de intervenção e desenvolvimento realizadas muito mais próximas aos próprios serviços e aos Planos Regionais de Saúde. Cabe, entretanto, dar o passo seguinte, desenvolver capacidade de execução das ações de forma mais descentralizada e menos dependente dos agentes formadores tradicionais. Por outro lado, as grandes políticas de especialização profissional – Residência Médica e Aprimoramento – passaram a ser mais bem orientadas frente aos estudos provenientes do Observatório de Recursos Humanos. São estes estudos que devem também direcionar o grande programa de qualificação de Técnicos em Saúde. Neste sentido, consolida-se também a perspectiva de que o Observatório deva aprimorar sua capacidade de prospecção continuada do mercado de trabalho, inclusive loco-regional como direcionador das políticas públicas de desenvolvimento de pessoal. Já no ambiente interno da Secretaria foi possível multiplicar, de forma significativa, as oportunidades de especialização em gestão, potencial este ampliado pelas parcerias recentes com o Hospital Sírio-Libanês e Hospital Albert Einstein, decorrentes das exigências da legislação para as isenções de filantropia. A articulação com novos agentes formadores e instituições tem possibilitado também a incorporação de novos instrumentos de gestão de pessoas, em particular o de gestão por competências, o que Boletim do Instituto de Saúde

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deve orientar de maneira mais adequada as políticas de desenvolvimento interna, tanto para projetos de capacitação mais gerais como para propostas mais individualizadas. Não são poucos os desafios colocados tanto pela dimensão do conjunto de trabalhadores de saúde no SUS-SP como pela complexidade da organização SES. Entretanto, a experiência do caminho percorrido, as novas articulações e projetos em curso, a capacidade de descentralização e a disponibilidade de parceiros bem escolhidos vêm proporcionando bases bastante sólidas, direcionalidade e diversidade de ação para dar conta de uma Política de Gestão da Educação que contribua para o pleno desenvolvimento daqueles que constroem cotidianamente o Sistema de Saúde em São Paulo.

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Relações de gênero, processo saúde-doença e uma concepção de integralidade Wilza Vieira VillelaI

Introdução Refletir sobre a abordagem do processo saúdedoença a partir das relações de gênero pode parecer supérfluo. O campo da saúde coletiva se constrói na articulação entre as ciências humanas e sociais, a epidemiologia e a política, disciplinas que, por vocação, têm-se debruçado sobre os efeitos das diferentes desigualdades sociais na produção das doenças e da experiência de bem-estar e satisfação entendida como saúde. Não se tem, portanto, a pretensão de reiterar aquilo que, de alguma forma, já é sabido: o gênero, enquanto um dos eixos estruturantes das identidades humanas, define para mulheres e para homens padrões diferenciados nos “modos de andar a vida”, marcados pela supremacia masculina em várias esferas da vida social, como o acesso ao poder e a riquezas. A vida, o adoecimento e a morte de mulheres e homens são organizados a partir das desigualdades de gênero, que contribuem para um perfil específico de morbimortalidade, distinto para mulheres e para homens, embora igualmente injusto7. As reflexões presentes neste texto visam, assim, aprofundar algumas das ideias apontadas acima, sublinhando os avanços que a abordagem as relações de gênero têm trazido para o campo da saúde coletiva e apontando dúvidas e lacunas que ainda persistem. Gênero e processo saúde-doença Gênero, categoria originada no pensamento feminista para desconstruir a explicação anátomofisiológica da subordinação social das mulheres, rapidamente foi incorporada pelas ciências humanas e sociais, na perspectiva de que só é possível compreender o fato humano a partir da teia de relações I

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Médica, coordenadora do GT gênero e saúde da ABRASCO entre 2004 e 2008, professora visitante do Programa de pós-graduação em Saúde Coletiva da UNIFESP e docente do programa de pós-graduação em Promoção da Saúde da UNIFRAN.

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que transformam o homo-sapiens em sujeitos. Dentre estas, as relações sociais de sexo, o gênero, assumem importância inquestionável. Gênero aponta para uma relação, dado que um suposto “feminino” só existe em oposição à um suposto “masculino”. Aponta também para a relação entre os atributos “feminino” e “masculino” e os sujeitos identificados como mulheres ou homens. Gênero tem sido um dispositivo amplamente utilizado na análise de comportamentos e práticas individuais e de grupos, embora este tipo de uso exija que também sejam consideradas as capacidades individuais de agenciamento da própria vida. Estas, mesmo que atravessadas pelo gênero, trazem a marca da singularidade dos sujeitos. Outra das potencialidades da aplicação dessa categoria é a análise de situações coletivas, nas quais a atribuição de lugares sociais diferenciados para homens e mulheres se expressa como uma moldura que configura a vontade e a ação do sujeito, mesmo que este não o perceba. Esta produção de símbolos e signos demarcatórios dos lugares sociais de homens e de mulheres contribuiu para a reprodução das desigualdades entre os gêneros no âmbito das relações interpessoais. Um bom exemplo disto é a organização das práticas de atenção básica, que privilegia as mulheres e o cuidado com a reprodução, reforçando de modo simbólico a redução do sujeito mulher a uma função social e possibilitando que, no âmbito das relações interpessoais, seja também entendido que a casa – lócus de reprodução social – é fundamentalmente um espaço de responsabilidade das mulheres. Apesar da sua importância na determinação social da vida cotidiana, Gênero não atua de forma isolada. Existe uma complexa sinergia entre gênero, classe social e etnia na produção das desigualdades sociais. Não se pode pensar em desigualdades de gênero sem situar o sujeito também em relação à sua classe social e ao seu pertencimento étnico, e Boletim do Instituto de Saúde

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deve-se considerar que o peso de cada um destes determinantes varia em função de cada sujeito e da sua história particular. Gênero também atua de modo complexo em relação à sexualidade, em especial no que diz respeito à diversidade sexual. O sentido binário da categoria gênero não dá conta de abarcar a multiplicidade de identidades sexuadas que os sujeitos podem assumir. Gênero - pensado como masculinidade e feminilidade, traz a perspectiva do heterossexismo e se ancora na biologia reprodutiva com a qual pretende romper. As relações de poder que se estabelecem entre homens e entre mulheres a partir de relações não heterossexuais não são plenamente explicadas por gênero, do mesmo modo que esta categorização exclui as pessoas que não se sentem exatamente homens ou mulheres, como os transexuais e travestis. Estes dois últimos pontos assumem especial importância no Brasil hoje. A promoção da equidade, diretriz que deve nortear as ações do Sistema Único de Saúde (SUS), exige que se reconheçam as necessidades específicas dos grupos mais desfavorecidos, como as mulheres negras ou as pessoas trans, por exemplo, de modo a garantir o seu acesso não apenas aos serviços de atendimento à doenças, mas também à saúde de modo mais amplo – a supostas sensação de bem-estar e satisfação que deriva do sentir-se respeitado e acolhido! No SUS, o reconhecimento das desigualdades de gênero para a promoção da equidade é um compromisso derivado da responsabilidade que o sistema toma para si, de produzir saúde, e não apenas tratar doenças. Tarefa complexa, pois saúde é algo que diz respeito à experiência do sujeito na sua relação consigo mesmo, e que não deve ser tomada como a contraface de uma situação objetivável que se denomina “doença”5. Embora no âmbito da saúde coletiva seja assumido que existe um processo dinâmico entre saúde e doença, que assim poderiam ser olhadas como os pontos limites de um continuum, de fato esta não é a experiência dos sujeitos, que em geral estabelecem claras divisões entre estar saudável e estar doente, mesmo que nem sempre conforme a nosologia médica. Sem avançar nesta pertinente discussão, parece adequado refletir como Gênero tem sido apropriado no campo da Saúde Coletiva Brasileira e pelo Sistema Único de Saúde. Dada a sua origem na teoria feminista, gênero começa a ser usado nos estudos da saúde coletiva tendo como foco as mulheres e as suas vivências no campo Boletim do Instituto de Saúde

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da reprodução. O sentido destes estudos estava, portanto, diretamente relacionado ao objetivo político de desnaturalizar a reprodução, ou seja, a gravidez, o parto, a amamentação são fenômenos sociais, pois são vivenciados por mulheres que portam uma história e uma subjetividade, e são fortemente significados nas diferentes culturas e sociedades. Logo, gênero passou a ser utilizado nos estudos sobre homens e sobre masculinidades, na perspectiva de poder-se entender melhor sobre mortalidade masculina decorrente de vários agravos evitáveis, como a violência, o uso de substâncias, a Aids. No campo da saúde coletiva, a categoria gênero é utilizada, embora de modo distinto, tanto pelos estudos de ciências sociais e saúde como nos estudos epidemiológicos e de planejamento em saúde9. No SUS, o processo de incorporação da dimensão de gênero nas políticas, planos e programas tem sido mais lento, dado que uma categoria de interpretação da realidade não se traduz facilmente em ações programáticas. Um primeiro esforço foi a substituição dos programas de atenção materno infantil pelo Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, sendo que, neste contexto, “integral” significava um reforço à necessidade de reconhecimento das mulheres como sujeitos inteiros. Após muitos anos, um segundo passo está sendo dado, com a elaboração de uma política de saúde integral para os homens. Experiências pioneiras, como de ambulatório para atendimento de transexuais em São Paulo, também são iniciativas que buscam reconhecer a dimensão de gênero na produção da saúde e da doença e promover saúde a partir de uma ação do SUS. Dado que a construção de uma política pública com perspectiva não é simples ou já sabida, vale a pena consideramos as propostas e inflexões do pioneiro Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, o PAISM, de 1984. Gênero e Integralidade A idéia de Integralidade aparece como uma das proposições orientadoras do PAISM, em 1984, significando a oferta de assistência às mulheres em todas as fases da vida, e o reconhecimento das mulheres como sujeitos dos seus corpos e das suas vidas. Desta forma, o PAISM buscava promover mudanças na atenção à saúde das mulheres e promover mudanças na relação das mulheres consigo mesmas. A redefinição das ações de saúde dirigidas às mulheres correspondia às novas demandas de saúde BIS#48/Novembro_2009

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decorrentes das transformações na condição social das mulheres, ocorridas na segunda metade do século XX. Transformações que possibilitavam que as mulheres, com acesso à renda e à contracepção, pudessem ocupar outros espaços sociais, e não apenas o espaço doméstico. Para que esta ocupação de novos espaços não se traduzisse em uma tarefa a mais, e sim na conquista de maior autonomia, era necessário uma mudança de mentalidades. Neste sentido, na proposição do PAISM são enfatizadas as ações educativas, consideradas estratégicas na promoção de cidadania das mulheres. A relação provedor-usuária deveria estar marcada pelo reconhecimento das desigualdades de gênero e seus efeitos sobre a saúde das mulheres4. Os esforços de implantação do PAISM caminharam pari-passu com a Reforma Sanitária brasileira, que culminou com a criação do SUS. As propostas de extensão de cobertura, regionalização e hierarquização da assistência, integração de serviços, ações de cuidado, prevenção e promoção de saúde e o pressuposto de que processo saúde-doença é decorrente das situações que cada um enfrenta no cotidiano da vida, contidas no PAISM, foram incorporadas ao SUS. Ao longo dos mais de 25 anos desde o momento de elaboração do PAISM, novas mudanças ocorreram na vida das mulheres. O SUS também cresceu e modificou, dadas as mudanças que tem passado a sociedade brasileira e o aprendizado decorrente do seu processo de implantação. Neste percurso, a idéia de integralidade e de atenção integral à saúde, apoiadas sobre as práticas concretas dos serviços, ganha um largo escopo de interpretações e sentidos, como princípio e prática3. A atualização da agenda de saúde das mulheres deve, simultaneamente, buscar maior proximidade das demandas mais recentes das mulheres brasileiras e da agenda do SUS. Isto exige atenção para o trajeto percorrido por este sistema e a tradução do ideário político do PAISM em ações que possam ser operacionalizadas nos serviços. É necessário garantir às mulheres meios para evitar gestações, quando elas querem ter sexo sem reproduzir, e oferecer bom acompanhamento à gravidez e ao parto, para quem deseja ter filhos. E como as mulheres têm sexo ao longo da vida, é necessário garantir a prevenção do câncer do colo uterino, das DST e do HIV. No entanto, prestar uma boa assistência à saúde sexual e reprodutiva das mulheres é o mesmo que desenvolver uma política de saúde com perspectiva de gênero? 28

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A persistência de óbitos maternos, de gestações indesejadas e de abortos inseguros no País demonstra que a atenção à saúde reprodutiva deve ser uma prioridade para os gestores, entendendo-se que a produção de novos seres é uma tarefa que beneficia a sociedade, logo o cuidado com a saúde reprodutiva é uma ação para a sociedade, e não apenas para as mulheres. Ao mesmo tempo, o envelhecimento da população e a maior sobrevida das mulheres, o aumento dos casos de obesidade, de diabetes e de doenças cardiovasculares entre mulheres, o aumento dos problemas de saúde mental e do uso de substâncias, são agravos à saúde cada vez mais frequentes entre a população feminina, e que também devem ser considerados no planejamento e organização das práticas de saúde. Acrescente-se a isto os problemas decorrentes da violência contra mulheres que desembocam nos serviços sob forma de sintomas físicos e mentais variados, como mais um item do rol de problemas de saúde que devem ser enfrentados na busca de uma atenção integral. Agregar outros componentes da atenção à saúde, como ações voltadas para o processo de envelhecimento, específicas para mulheres e para homens, ações para as jovens adolescentes, ou mesmo a ampliação de ofertas, com atenção nutricional e fisioterapia, talvez também não resolvam o problema. Embora seja necessário reconhecer que mulheres e homens têm demandas distintas de saúde, isto talvez não seja suficiente para promover equidade e reduzir os agravos à vida e à saúde, que têm origem nas desigualdades de gênero. Qual deveria ser, portanto, a articulação entre atenção integral e abordagem de gênero? À exceção do direito ao aborto seguro, as reivindicações do movimento feminista no campo da saúde têm sido atendidas e incorporadas à agenda governamental. Ao mesmo tempo, novos movimentos sociais, como o movimento de luta contra a Aids, o movimento de luta antimanicomial, o movimento LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros) e o movimento negro eclodem com demandas específicas ao SUS, apontando necessidades particulares das mulheres de cada um destes segmentos. Mulheres negras são mais mal atendidas nos serviços de saúde que as brancas, mulheres que vivem com HIV têm seus direitos sexuais e reprodutivos pouco respeitados, mulheres lésbicas são invisíveis nos serviços de saúde, por exemplo. Ou seja, a demanda por uma política de atenção integral à Boletim do Instituto de Saúde

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saúde das mulheres, que busque atender as diferentes necessidades de diferentes mulheres não está mais restrita aos movimentos feministas, e a promoção da equidade assume outros conteúdos além da redução das desigualdades de gênero. Desigualdades que pouco têm se modificado, em que pesem as mudanças na condição social das mulheres. O trabalho fora de casa não tem reduzido significativamente a sua carga de trabalho doméstico, sua remuneração não é equiparada à remuneração de um homem com a mesma qualificação. À pouca valorização do seu trabalho se soma o pouco respeito ao seu corpo, traduzido na violência sexual, na violência doméstica e mesmo na maneira como alguns serviços de saúde lidam com as queixas femininas. Está fora do escopo de ação do setor saúde garantir salários iguais ou impedir a violência, mas está rigorosamente dentro da sua esfera de ação reconhecer os sintomas físicos ou mentais relacionados ao excesso de trabalho ou à violência, tratando-os não apenas como uma questão de saúde individual, mas como um problema social e coletivo que se reflete sobre indivíduos. Esta, portanto, é uma integralidade que imediatamente se articula à promoção da equidade de gênero. É integral aquele serviço que oferece alternativas terapêuticas para doenças, mas que também é capaz de oferecer alternativas para os problemas de saúde das mulheres, como a sobrecarga de trabalho, a violência, as dificuldades em lidar com a própria sexualidade, e tantas outras situações que perturbam o seu bem-estar. É integral também o serviço que considera o sujeito a partir a sua história, e não o fragmenta como apenas um corpo ou um sintoma. Ao serem reconhecidas como sujeitos, as mulheres passam a interagir como tal. Na perspectiva de fazer avançar a integralidade na atenção à saúde das mulheres, em 2004 o PAISM é incorporado na Política Nacional de Atenção á Saúde da Mulher, PNAISM, formulada visando atender os princípios de horizontalidade e respeito à autonomia dos municípios que regem o SUS e ampliar suas áreas estratégicas de atuação2. Pouco depois, em 2008, foram elaborados os princípios da Política Nacional de Saúde do Homem, considerando que o não reconhecimento das necessidades de saúde dos homens acaba por reforçar estereótipos de força/fragilidade relacionados ao masculino e ao feminino, o que tem trazido consequências negativas para a saúde de ambos. Nas duas iniciativas, abre-se o desafio de buscar Boletim do Instituto de Saúde

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recuperar a dimensão pedagógica da atenção à saúde, no sentido da produção do outro como sujeito a partir do seu reconhecimento como tal. A existência de uma Política de Saúde do Homem, ao lado de uma Política de Saúde da Mulher, pode ser entendida como mais um passo no caminho da construção de propostas de atenção integral e também de promoção da equidade de gênero. O discurso da integralidade é retomado no pacto pela saúde, em 2006, na perspectiva da “efetividade, eficiência e qualidade da resposta do sistema”, como ênfase na garantia do acesso da população a todos os níveis do sistema, e também nos instrumentos que buscam dotar as práticas em saúde das perspectivas de humanização e cuidado1. Estas propostas não fazem menção ao compromisso de promoção de equidade de gênero, e são elaboradas como se as demandas de saúde de mulheres e homens fossem semelhantes. O mesmo ocorre com as proposta de promoção de saúde. Embora estas se apresentem como os espaços privilegiados do SUS para a realização de uma pedagogia de cidadania, as orientações sobre autocuidado e o cuidado com o outro e o incentivo à participação social e comunitária não levam em conta as necessidades distintas de homens e mulheres. Algumas hipóteses podem ser aventadas para a redução progressiva da prioridade dada à dimensão pedagógica das ações em saúde voltadas para a equidade de gênero no período que se seguiu à formulação do PAISM até os dias atuais. Dentre estas, deve-se destacar aspectos da organização dos serviços e da formação dos profissionais. O esforço para acolher toda a demanda, ampliada quantitativa e qualitativamente desde a implantação do SUS, e a orientação de que não é legítimo negar aos usuários do SUS o acesso aos avanços tecnológicos da biomedicina e da indústria farmacêutica nos últimos anos, têm criado pressões sobre serviços, profissionais e mesmo usuários. Embora não seja impossível atender a estas demandas incorporando com ações resolutivas de acolhimento com caráter educativo, na perspectiva da promoção da equidade de gênero, não têm sido essa a tendência. Falta de tempo para o atendimento, falta de espaços adequados, falta de profissionais têm contribuído para que a atenção à saúde em muitos serviços assuma um caráter marcadamente medicalizante e medicalizado8. Ao mesmo tempo, durante a sua formação, os profissionais de saúde têm pouquíssimo contato com discussões que os capacitem a lidar com os deterBIS#48/Novembro_2009

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minantes sociais do processo saúde-doença e com as desigualdades de gênero. Ademais, a formação do profissional de saúde tem assumido cada vez mais um caráter tecnicista, descolado da dimensão pedagógica inerente ao trabalho em saúde e da abordagem do sujeito na sua singularidade humana. O aprendizado do profissional de saúde toma como referente um corpo biológico, sem história, sem subjetividade, e sem distinção entre homens e mulheres. Este é um contrasenso. As mulheres são as principais usuárias das unidades básicas de saúde e dos núcleos de saúde da família, NASFs. Sem maior reflexão crítica, dá-se por suposto que as necessidades reprodutivas das mulheres respondem por esta procura, o que é um equívoco. As mulheres procuram os serviços talvez porque se sintam adoecidas, ou talvez porque as pressões do cotidiano, a sobrecarga de trabalho e a reiterada desqualificação das suas potencialidades as façam sentirem-se distantes da ideia de bem estar e de satisfação, a saúde. E os homens? Não adoecem, não se sentem adoecidos ou os serviços não estão conformados para acolher suas demandas? Até que ponto a Política de Atenção Integral à Saúde dos Homens conseguirá favorecer o acesso desta parcela da população aos serviços de saúde sem interferir na organização dos serviços de tenção básica em saúde, em especial nos horários de funcionamento, nos fluxos e rotinas de trabalho? Considerações finais Tomar gênero como categoria analítica para a compreensão das diferenças do processo saúdedoença é um caminho que tem sido trilhado por diferentes pesquisadores do campo da saúde coletiva, com resultados significativos, em especial no sentido de apontar que gênero não está referido a mulheres, unicamente, mas relações sociais que deixam as mulheres em desvantagem, e expõem mulheres e homens a riscos desnecessários à saúde. A tradução destes resultados em ações programáticas no campo da saúde também tem sido buscada, apesar dos desafios trazidos pela utilização de uma categoria teórica e abstrata na organização de ações práticas, e da falta deste tipo de reflexão durante a formação profissional em saúde. A diretriz de integralidade presente no SUS estimula os esforços de enfrentamento deste desafio. Cabe aos pesquisadores continuar provendo gestores e sociedade civil de informações que facilitem o reconhecimento das interações entre desigualdades de gênero e processo saúde-doença; cabe aos formadores de recursos humanos para a 30

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saúde incorporarem a discussão sobre as desigualdades de gênero e seus impactos sobre a saúde de mulheres e homens nos currículos profissionais; e cabe às mulheres e homens usuários do SUS continuarem buscando as formas de diálogo e participação social previstos constitucionalmente, de modo a tornar claras as suas demandas, possibilitando que os serviços de saúde sejam, de fato, promotores da equidade de gênero, condição intrínseca para a produção de saúde e de cidadania. Referências bibliográficas 1. BRASIL, Ministério da Saúde. Diretrizes operacionais dos pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão. Brasília (DF); 2006. 2. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília (DF); 2004. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). 3. Camargo Jr., K. R. Apresentação. In: Pinheiro, R., Mattos, R.A., organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ/IMS/ Abrasco; 2001. p.11-16. 4. Costa, A.M. Integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Saúde Soc. 2004; 13 (3): 5-15. 5. Gadamer, H.G. O Caráter oculto da saúde. Petrópolis: Vozes; 2006. 6. Marques, O. As mulheres e os serviços formais: o que mudou na década de 1990? Revista Núcleo Transdisciplinar Estudos de Gênero. 2007; 6 (2): 59-77. 7. Oliveira, E. M., Villela, W. V. O campo da saúde coletiva à luz das relações de gênero: um diálogo difícil e conflituoso. In: Swain, T., Munis, D. organizadores. Mulheres em ação: práticas discursivas, práticas políticas. Belo Horizonte: PUCMINAS/Mulheres; 2005. p 101-120. 8. Villela, W. V., Cardoso E, Cuginotti A, Ramos, L. R., Ribeiro, S.A., Hayana, E. T., Brito, F. C. Desafios da Atenção Básica em Saúde: A Experiência de Vila Mariana, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública 2009; 25 (6):1316 – 1324. 9. Villela, W.V., Monteiro, S., Vargas, E. A incorporação de novos temas e saberes nos estudos em saúde coletiva: o caso do uso da categoria gênero. Ciência e Saúde Coletiva. 2009; 14(4): 997-1006.

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Competências e aprendizagens diversas: a complexidade da formação técnica em Saúde Paulo H. Nico MonteiroI

A formação de trabalhadores para atuarem no setor Saúde segundo os princípios de diretrizes fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS), expressos na Constituição Federal2 e na Lei Orgânica da Saúde4 é um desafio que deve ser encarado como aspecto fundamental para a própria consolidação do Sistema. Os princípios da universalização do acesso e da atenção integral à saúde, dentre outros, exigem uma nova formação, cada vez mais qualificada, de todos os agentes sociais que, independentemente do seu nível de formação, envolvem-se no atendimento da população. Para que tal formação se dê de maneira a possibilitar um melhor atendimento à população, é de fundamental importância que se elaborem e implementem políticas a esse respeito, tanto de âmbito nacional, quanto estadual e municipal, que tragam no seu interior a possibilidade de mudança real no processo de trabalho no SUS. Dentro desse quadro, a questão da formação de Nível Técnico emerge com significativa relevância, na medida em que um número expressivo de trabalhadores no SUS é formado por profissionais com esse nível de formação que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são responsáveis por 75% das ações de saúde junto à população no mundo, principalmente aquelas desenvolvidas pela equipe de enfermagem15. A constatação desse desafio não é nova. Como resposta a esse quadro, e como tentativa de romper com a dicotomia entre a teoria e a prática, problema esse sempre apontado como um dos aspectos que comprometem a formação, foram criadas a partir da década de 1980 as Escolas Técnicas de Saúde, com o fim de profissionalizar os trabalhadores da Saúde, tendo como público inicial os auxiliares de I

Bacharel em Educação Física. Mestre em Ciências (CCD-SES/SP). Doutorando em Educação (FEUSP). Pesquisador Científico do Instituto de Saúde. monteiro@isaude.sp.gov.br

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enfermagem. É a partir desse momento que o setor da saúde toma para si a tarefa de formar seus próprios quadros de nível técnico. As orientações nacionais para essa formação estão expressas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, que definem como educação profissional de nível técnico aquela que “(...) integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir ao cidadão o direito ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social5.”O mesmo documento define também como princípios dessa formação: I - a independência e articulação com o ensino médio; II - o respeito aos valores estéticos, políticos e éticos; III - o desenvolvimento de competências para a laborabilidade; IV - a flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização; V - a identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso; VI - a atualização permanente dos cursos e currículos; VII - a autonomia da escola em seu projeto pedagógico5. Pode-se perceber que na redação desses princípios, preconiza-se uma estreita relação entre Educação e Mundo do Trabalho, trabalho este entendido como possibilidade de produção e inserção social, baseado na idéia de emprego. Essa relação é, de fato, uma relação de dependência e subordinação da Educação, no caso a formação de nível técnico, ao mundo do trabalho. Termos como vida produtiva, laborabilidade e competências expressam claramente essa relação. Tal subordinação está expressa também na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB, quando define o papel da Educação como o de “preparar para o mundo do trabalho3.” Vale ressaltar que é a partir da promulgação da LDB e, principalmente, a partir da elaboração, por BIS#48/Novembro_2009

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parte do Ministério da Educação, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997, que a chamada “pedagogia das competências” passa a ser referência para a escolarização nacional em todos os níveis. Nesse sentido, torna-se um discurso hegemônico, tanto nas instituições escolares e sistemas públicos e privados. Os documentos oficiais que traçam diretrizes e definem objetivos para os diversos níveis de escolarização passam a ter, a partir desse momento, essa pedagogia como pressuposto principal e, em muitos casos, único. Ao criticar o caráter hegemônico da ideia de competência no campo educacional, Frigotto e Ciavatta6 (p.46) apontam que “no Brasil, nos anos 90, praticamente desapareceram, nas reformas educativas os vocábulos ‘educação integral’, ‘omnilateral’, ‘laica’, ‘unitária’, ‘politécnica’ ou ‘tecnológica’ e ‘emancipadora’, realçando-se o ideário da ‘polivalência’, da ‘qualidade total’, das ‘competências’, do ‘cidadão produtivo’ e da ‘empregabilidade’”. Em seus aspectos filosóficos e ideológicos tal pedagogia vem sofrendo críticas de diversos autores que a entendem como a expressão do projeto e do ideário neoliberal na Educação, na medida em que tem como função principal a formação de sujeitos com forte tendência ao individualismo, capazes de realizar seus projetos pessoais, com pouco compromisso com projetos coletivos de caráter emancipatório, portanto, adaptados a essa realidade Nessa perspectiva, a educação é uma educação para, ou seja, não tem um fim em si mesma. Não se constitui como direito fundamental e instrumento de possível transformação social. Está, de fato, a serviço da produção e da formação do trabalhador para esta sociedade e estes meios de produção, na tentativa de formar trabalhadores “empregáveis”, na medida em que se propõe a oferecer condições para a competição no mercado de trabalho. O documento sobre os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico10 em sua introdução utiliza, além do termo empregabilidade, outro termo: “(...) a trabalhabilidade, entendida como componente da dimensão produtiva da vida social e, portanto, da cidadania, é objetivo primordial da educação profissional.” (grifo nosso) Para alguns autores, o conceito de empregabilidade traz, dentro de si, a própria negação do trabalho e da renda como direitos e da educação como possibilitadora da integração dos indivíduos na sociedade. Gentili7 (p.52) afirma que o termo 32

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“(...)‘empregabilidade’ é o eufemismo da desigualdade estrutural que caracteriza o mercado de trabalho e que sintetiza a incapacidade – também – estrutural da Educação em cumprir sua promessa integradora numa sociedade democrática”. Marise Ramos16 ao discutir o paradoxo que existe entre o princípio do trabalho como instrumento de inclusão social (no qual a LDB está assentada) e a atual crise de trabalho e emprego, utiliza-se de Kuenzer ao afirmar que “quando finalmente as exigências de competitividade econômica reclamam o uso intensivo do conhecimento e da educação, estreitando as relações entre educação e trabalho, desaparece a especificidade do vínculo formal com o emprego (...). Embora educação para a cidadania e para o trabalho se confundam, ela é para poucos; cada vez para menos.” (p134) No que diz respeito especificamente à formação para o setor saúde, esse caráter hegemônico fica claramente evidenciado nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico10,11(p.25), que definem “as competências profissionais gerais, a serem necessária e obrigatoriamente objetivadas pelos cursos de educação profissional de nível técnico” A partir desse momento, os documentos que definem as diretrizes de formação dos trabalhadores do setor são estruturados e adotam como ponto de partida a definição do perfil de competências dos trabalhadores que deve ser entendido como balizador das proposta de formação11,12,13,14. Dentre essas competências que o técnico em saúde deve ter desenvolvido, podemos citar as seguintes: • Identificar os determinantes e os condicionantes do processo saúde-doença; • Identificar a estrutura e a organização do sistema de saúde vigente; • Planejar e organizar o trabalho na perspectiva do atendimento integral e de qualidade; • Realizar trabalho em equipe, correlacionando conhecimentos de várias disciplinas ou ciências, tendo em vista o caráter interdisciplinar da área; • Aplicar normas de biossegurança e avaliar riscos de iatrogenias, ao executar procedimentos técnicos; • Interpretar e aplicar normas do exercício profissional e princípios éticos que regem a conduta do profissional de saúde; • Orientar clientes ou pacientes a assumirem, com autonomia, a própria saúde; • Realizar primeiros socorros em situações de emergência5. Boletim do Instituto de Saúde

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Para Ramos17 é possível perceber os seguintes problemas nas orientações e documentos oficiais para os currículos da educação profissional de nível técnico: “a) reduzem as competências profissionais aos desempenhos observáveis; b) reduzem a natureza do conhecimento ao desempenho que ele pode desencadear; c) consideram a atividade profissional competente como uma justaposição de comportamentos elementares cuja aquisição obedeceria a um processo cumulativo; d) não coloca a efetiva questão sobre os processos de aprendizagem, que subjazem aos comportamentos e desempenhos: os conteúdos da capacidade.” (p.407) Adicionalmente, parece-nos claro, a partir da leitura dessas competências (ou comportamentos observáveis), que o que se exige do profissional de nível técnico da saúde são saberes extremamente complexos e de diferentes naturezas. Verbos como usar, identificar, avaliar, planejar e interpretar são exemplos da variedade de saberes que estão envolvidos para que tais competências sejam desenvolvidas. Para que se possa “identificar os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença” são necessárias a mobilização e a articulação de conhecimentos, habilidades e valores que, no nosso entender, são muito distintos daqueles necessários para “interpretar e aplicar normas do exercício profissional e princípios éticos que regem a conduta do profissional de saúde”. Ou seja, para que o trabalhador técnico da área da saúde seja capaz de realizar “competentemente” o que lhe é exigido torna-se necessário que ele desenvolva, por meio de sua formação, competências de distintas naturezas. Somado a isso, a própria especificidade da atuação do trabalhador de nível técnico da Saúde junto à população faz com que ele se depare com situações que exigem a mobilização de conhecimentos, técnicas e valores muito distintos e diversificados para a tomada de decisão que, no final, pode influenciar na condição de vida e de saúde do usuário. Nesse sentido, para que tais competências sejam adquiridas pelos alunos, o processo ensinoaprendizagem desenvolvido em sala de aula deve contemplar conhecimentos e saberes de diversas naturezas. Torna-se, portanto, uma tarefa de extrema complexidade e pressupõe que tanto as propostas pedagógicas dos cursos, quanto a sua execução, através do trabalho dos professores, sejam de excelente qualidade e contemplem dentro de seus currículos essa diversidade. Boletim do Instituto de Saúde

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Entendido como processo, ensino (que diz respeito ao trabalho do professor) e aprendizagem (o referente ao aluno) são indissociáveis. Se não houver aprendizagem, não houve ensino, ou seja, se o professor ensinou e o aluno não aprendeu, não houve, no nosso entendimento, ensino. Por outro lado, se a aprendizagem, qualquer que seja ela, ocorrer independentemente da situação de ensino proposta, não houve intencionalidade no ato educativo, portanto, tal aprendizagem não poderá ser compreendida como curricular. A intencionalidade do ato educativo aparece nas expectativas de aprendizagens. Explícita ou implicitamente, com maior ou menor clareza, todos os atores presentes no processo ensino-aprendizagem (professores, alunos, dirigentes) esperam que, ao final de certo período de tempo, algumas aprendizagens sejam desenvolvidas pelos alunos. Entendemos ser possível classificar, de maneira didática, essas aprendizagens em quatro grandes grupos em função da própria natureza de saberes que essas expectativas explicitam. A dimensão conceitual As aprendizagens de dimensão conceitual dizem respeito ao conjunto de conteúdos que devem ser objeto de estudo em sala de aula e que servirão como arcabouço teórico para a compreensão e problematização da realidade por parte dos alunos. São conceitos, fatos, explicações teóricas, modelos explicativos etc. É, segundo o jargão educacional, a dimensão do saber. O desenvolvimento de conteúdos conceituais visa à aquisição de saberes necessários à apropriação da realidade de modo a desenvolver aprendizagens que possibilitem ao aluno o entendimento das questões relacionadas ao seu trabalho e à sociedade em que vive. Tais conteúdos devem, segundo as Diretrizes para o Ensino Técnico em Saúde11, ser trabalhados em constante relação com a prática dos alunos, realizando dessa maneira a aproximação e a articulação entre educação e trabalho. A aprendizagem conceitual possibilita ao aluno se distanciar do senso comum, na medida em que, a partir do conhecimento científico, viabiliza a articulação dos conteúdos e conceitos novos com as experiências trazidas pelos alunos. É por meio dessa articulação que os alunos adquirem a capacidade de refletir acerca dos seus conhecimentos e podem realizar sua própria revisão e redefinição de conceitos e preconceitos, construindo assim novos conceitos. BIS#48/Novembro_2009

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É a partir da compreensão da realidade em sua complexidade e da possibilidade de problematização dessa mesma realidade e de seu processo de trabalho que o trabalhador da saúde poderá transformar sua prática, tornando-a assim cada vez mais significativa tanto para ele quanto para a população atendida. A dimensão técnica Segundo Japiassú9, o termo técnica se refere ao “conjunto de regras práticas ou procedimentos adotados em um ofício de modo a se obter os resultados visados” e também “os recursos utilizados no desempenho de uma atividade prática.” (p.232) Entendemos como sendo da dimensão técnica o conjunto de aprendizagens que possibilitam ao aluno a melhoria dos seus processos de trabalho, no que diz respeito aos procedimentos e técnicas adotados, às intervenções no cotidiano e às estratégias e protocolos de trabalho. É a dimensão do fazer. Tradicionalmente, muitos cursos de formação de nível técnico enfatizam quase que exclusivamente essa dimensão da aprendizagem, na qual a técnica por si só tem um papel preponderante em relação aos conhecimentos que deveriam ancorar essa prática. Nessa perspectiva, a técnica tem um fim em si mesma, cabendo ao aluno apenas adquirir (muitas vezes mecanicamente e por repetição) um conjunto de procedimentos que deverá utilizar na sua profissão. São os chamados treinamentos, termo esse oriundo da prática esportiva, na qual movimentos são aprimorados ou aprendidos por meio da repetição metódica e sistemática. Não entendemos esse saber técnico como um fazer desarticulado de conteúdos e de reflexão, ou seja, apenas mecânico e, nesse sentido, alienado, mas sim ancorado em conhecimentos e valores que possibilitem a escolha das melhores formas desse fazer. As aprendizagens dessa dimensão devem ser entendidas como um dos diversos aspectos da formação geral do trabalhador, e em especial do nível médio ou técnico, e não como o fim dessa formação. A dimensão ética As aprendizagens da dimensão ética são aquelas que se referem ao conjunto de valores que devem permear as atitudes tomadas pelo profissional no exercício de sua profissão. Vemos essa dimensão como de fundamental importância, pois é a partir dela que se constitui um profissional consciente de seu papel como possibili34

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tador de melhoria das condições de vida e situações de saúde da população. É a partir de um conjunto de valores individuais que os profissionais assumem posturas e atitudes distintas frente às situações do dia-a-dia de trabalho. Essas posturas e atitudes, em se tratando de currículos de formação para trabalhadores do SUS, devem ser pautadas em valores que dizem respeito ao reconhecimento às diferenças individuais e ao entendimento de outro (principalmente o usuário do serviço, mas também os demais trabalhadores) como sujeito de direito e, portanto, possuidor de uma subjetividade que deve ser levada em conta. Vale lembrar que os princípios do SUS estão baseados em um conjunto de valores, tais como solidariedade e respeito, que devem permear a prática de todos os profissionais que nele trabalham. Essa dimensão é quase invariavelmente subentendida ou ignorada nas propostas curriculares, ou seja, espera-se que o aluno/trabalhador tenha uma postura no trabalho baseada em valores como respeito, colaboração e cooperação, mas essas atitudes e valores não são objeto dos currículos, pelo menos explicitamente, dos centros responsáveis pela sua formação. Cabe ao professor, muitas vezes de maneira pouco consciente, trabalhar as questões que se referem à ética a partir de seus próprios valores. Não havendo uma explicitação curricular de que valores são esses e como torná-los objeto de estudo e aprendizagem por parte dos alunos, corre-se o risco de formações completamente distintas a partir de uma mesma proposta, pois tal dimensão fica dependente das idiossincrasias dos professores. Entendemos que, ao explicitar as aprendizagens esperadas nessa dimensão, as propostas, a partir um conjunto de conteúdos e estratégias intencionalmente explicitadas, podem possibilitar a formação integral do trabalhador baseada em valores que são condição sine qua non para a real consolidação do SUS em seus princípios constitucionais. A dimensão política Essa dimensão diz respeito, fundamentalmente, à constituição do sujeito como atuante na sociedade em que vive. Política entendida no seu significado clássico deriva do adjetivo originário de pólis (politikos), que significa tudo o que se refere à cidade, e, consequentemente, o que é urbano, civil, público e até mesmo sociável e social1. Nesse sentido, as aprendizagens Boletim do Instituto de Saúde

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desta dimensão dizem respeito à discussão e ao desenvolvimento curricular de temas que visem discutir o papel do trabalhador do SUS como sujeito de um sistema público organizado para garantir uma série de direitos do cidadão. O trabalhador deve, em sua formação, ter a possibilidade de desenvolvimento de aprendizagens que dizem respeito à cidadania de maneira geral e à sua própria condição de cidadão. Gentili7, referindo-se ao trabalho do sociólogo inglês T. H. Marshall, aponta que se deve distinguir três dimensões na construção histórica da cidadania: a civil, a política e a social, esta última relacionada aos direitos sociais e econômicos (educação, saúde, bem-estar, trabalho etc.). Para o autor, à educação deveria caber a função de ser um mecanismo de difusão, de socialização e de reconhecimento dos direitos (civis, políticos e sociais). Diz ele: “uma ação pedagógica destinada ao aprendizado da constituição e das leis permitiria, por exemplo, consolidar e desenvolver nos indivíduos a autopercepção de sua condição de cidadãos e, consequentemente, o respeito e a proteção do sistema democrático e suas instituições.” (p.71) Ao se explicitar essa dimensão política da ação do trabalhador do SUS pretende-se qualificar o seu trabalho no sentido da manutenção do Sistema como um sistema público (entendido aqui como um projeto político e em oposição à mercantilização da saúde) e da garantia da qualidade do serviço prestado à população como direito do usuário na condição de cidadão. Considerações finais Neste texto, procuramos abordar dois aspectos que entendemos que devem ser objeto de reflexão de todos aqueles que se dedicam à formação do trabalhador para o SUS e especialmente no que diz respeito ao nível técnico. O primeiro é referente à chamada “pedagogia das competências” como perspectiva hegemônica, suas possibilidades e limites para a formação em questão. Algumas questões podem ser postas: na medida em que a proposta está ancorada em ideias como empregabilidade, no sentido de preparar-se para competir no mercado de trabalho, e, nesse sentido, tendo um caráter individualista e competitivo, quais são os seus reflexos em uma formação que é voltada aos trabalhadores que prestam serviço em um sistema responsável pela implementação de uma política pública? Existe algum tipo de incompatibilidade entre essa perspectiva e os princípios Boletim do Instituto de Saúde

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do SUS? É possível uma formação para o setor que esteja ancorada em uma perspectiva mais próxima da natureza do trabalho a ser desenvolvido? O segundo ponto diz respeito à complexidade das atividades que o técnico em saúde deve desempenhar e a necessidade do desenvolvimento de aprendizagens de diferentes naturezas. A partir do momento em que o SUS toma para si a tarefa de formar seus trabalhadores de nível técnico, é esperado que esses centros sejam capazes de oferecer condições para o desenvolvimento dessas aprendizagens. Nesse sentido, deve-se cada vez mais qualificar as propostas formativas, assim como propiciar a qualificação adequada e necessária aos professores para que esses sejam capazes de criar situações em sala de aula propiciadoras desse desenvolvimento. Referências bibliográficas 1. Bobbio, N, Matteucci, N e Pasquino, G. Dicionário de Política. Trad. C Varriale. 4ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. 2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 196. Brasília, DF: Senado, 1988. 3. Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (lei nº9394/96), 1996. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l9394.htm 4. Brasil. Lei Federal nº 8.080/90, de 19 de setembro de 1990. Estabelece a Lei Orgânica da Saúde, 1990. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/ pdf/LEI8080.pdf 5. Conselho Nacional de Educação (CNE) . Resolução CNE/ CEB 4/99. Diário Oficial da União, Brasília, 22 de dezembro de 1999. Seção 1, p. 229. 6. Frigotto, G. e Ciavatta, M. Educar o Trabalhador cidadão Produtivo ou O Ser Humano Emancipado? Trabalho, Educação e Saúde. 2003, 1(1). p.45-60 7. Gentili, P. Três teses sobre a relação trabalho e educação em tempos neoliberais. In: Lombardi, J, Saviani, D e Sanfelice J. (orgs.) Capitalismo, Trabalho e Educação. Campinas, SP: Autores Associados, HISTEDBR, 2002. – (Coleção educação contemporânea). p. 45-60. 8. Gentili, P. Educação e Cidadania: a formação ética como compromisso político. In: Gentili, P e Alencar, C. Educar na esperança em tempos de desencanto. 4ª edição. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 65-95. 9. Japiassu. H e Marcondes, D. Dicionário Básico de Filosofia. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1993. 10. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica Educação profissional. Referenciais curriculares nacionais da educação profissional de nível técnico: introdução. Brasília: MEC, 2000a. 11. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica Educação profissional. Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico: Saúde. Brasília, MEC. 2000b. BIS#48/Novembro_2009

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12. Ministério da Saúde. Perfil de competências profissionais do técnico em higiene dental e do auxiliar de consultório dentário. Ministério da Saúde. – Brasília: MS, 2004a. 13. Ministério da Saúde. Perfil de Competências para os Agentes Comunitários de Saúde. Brasília: MS, 2004b. 14. Ministério da Saúde/Ministério da Educação. Pró-saúde: programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.77 p. – (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). Diário Oficial da União nº 212, Seção I, Página 111, de 4 de novembro de 2005. 15. Pierantoni, CR. Recursos humanos e gerência do SUS. In: Negri, B. e Viana, A LA. (org.). O Sistema Único de Saúde em dez anos de desafio. São Paulo: Sobravime/Cealag, 2002. p. 609-630. 16. Ramos, MN. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001. 17. Ramos, MN. A educação profissional pela Pedagogia das Competências: para além da superfície dos documentos oficiais. Educ. Soc. [online]. 2002, 23(80) pp. 401-422.

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Formação dos trabalhadores para o SUS: olhar sobre a atenção básica Maria Helena M. de MendonçaI, Maria Inês C. MartinsII, L. GiovanellaIII

Introdução Este artigo traz reflexões sobre a gestão do trabalho em saúde com foco em categorias de análise, como a política de formação e educação permanente e a estruturação de parcerias entre gestores das Secretarias Municipais de Saúde e centros formadores para desenvolvimento de recursos humanos voltados para a Estratégia da Saúde da Família, cotejados com a política nacional de atenção básica. As reflexões aqui apresentadas acumulam mais de sete anos de trabalho de um grupo de pesquisadores do Núcleo de Estudos Políticos-sociais em Saúde do Departamento de Planejamento e Administração em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (NUPES/DAPS/ENSP/FIOCRUZ) em torno da avaliação da Estratégia da Saúde da Família. O foco de investigação mais recente são as estratégias de qualificação dentro da Estratégia da Saúde da Família, observadas pelo estudo “Implementação da Estratégia de Saúde da Família em grandes centros urbanosIV”, realizado em 2008-09 e financiado pelo Fundo Nacional de Saúde. Este estudo, de natureza avaliativa qualitativo-quantitativo, atualizou estudos anteriores4 que subsidiaram a definição do Projeto de Expansão da Estratégia da Saúde da Família (PROESF) e o estudo de Linha de base do referido projeto no Estado do Rio de Janeiro9. Contemplou a perspectiva de diferentes atores que compõem e integram a rede de relações de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) em quatro municípios de grande porte, utilizando-se de técnicas diferentes para abordar cada grupo de atores e cada eixo temático investigado – integração da atenção, Socióloga, Doutora em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/FIOCRUZ. Enfermeira, Doutora em Saúde Pública pela ENSP, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/FIOCRUZ. III Médica, Doutora em Saúde Pública pela ENSP, pesquisadora titular da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/FIOCRUZ. IV Giovanella, L; Escorel, S.; Mendonça, MHM ET al. Estudos de caso sobre implementação da estratégia saúde da família em quatro grandes centros urbanos. Projeto de Pesquisa. Rio de Janeiro: NUPES/DAPS/ENSP, 2008. I

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gestão do trabalho em saúde e intersetorialidade. Os resultados observados variam em função das estratégias de enfrentamento da baixa qualificação dos trabalhadores de nível superior em relação à especialização em saúde coletiva, saúde pública e saúde da família, que sustenta a busca por parte dos gestores por novos modelos de qualificação, em parceria com centros formadores, universidades, escolas de saúde. Destacam também a necessidade da formação se alinhar com os princípios ordenadores da Estratégia Saúde da Família (ESF), no sentido de maior comprometimento dos profissionais, sobretudo médicos, com o modelo de atenção básica que se vem implantando. Contexto No processo de implementação da ESF no âmbito do SUS a partir de 1994, a gestão do trabalho em saúde enfrenta limites quanto à necessária ampliação e fixação do quadro de pessoal, sobretudo no nível municipal, diante das responsabilidades assumidas pelo sistema de saúde neste nível de governo. As Reformas Administrativas, efetuadas a partir de 1995, voltavam-se para a redução do papel do Estado e para o controle dos gastos públicos, e favoreciam a desregulamentação das relações de trabalho no setor público. Medidas “flexibilizadoras”, criadas por dispositivos legais complementares, modificaram as condições do uso da força de trabalho, de sua remuneração e de sua proteção, alcançando mesmo as estruturas de representação – sindicatos e Justiça do Trabalho.2 Novas normas jurídicas permitiram que instituições privadas em associação com o Estado cumprissem os objetivos de bem-estar social, em especial a prestação de serviços10. Paralelamente, medidas restritivas para contratação de pessoal no setor público, entre elas a Lei de Responsabilidade Fiscal, resultaram em profunda precarização das relações, remuneração e BIS#48/Novembro_2009

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condições de trabalho dos trabalhadores da saúde e na proliferação de contratos de trabalho pouco regulados, mediados por cooperativas, fundações privadas e ONGs. O Programa de Saúde da Família (PSF), implantado nesse período, foi uma das áreas mais impactadas por este novo arranjo político-institucional, como demonstram diversos estudos que evidenciaram um percentual elevado de trabalhadores de saúde vinculados por meio de entidades diversas10, 4, 8. Estes estudos indicam que, se por um lado essas diretrizes favoreceram a expansão da ESF com a incorporação de novos agentes de saúde, por outro, o arranjo mencionado foi um fator negativo para a consolidação da mesma em termos da inserção e fixação de trabalhadores. Especialmente no que diz respeito à possibilidade de os municípios em garantirem, sobretudo quanto aos médicos, o cumprimento da carga horária integral de 40 horas semanais preconizadas. Os Municípios, seguindo os passos das políticas de incorporação de pessoal do governo federal, entre 1995 a 2004, restringiram os concursos públicos e estimularam outras formas de contratação. O PSF, ao se expandir para os grandes centros urbanos, onde encontra uma estrutura de serviços já consolidada, tem o desafio de combinar diversas estratégias de emprego, utilizando-se de diferentes vínculos trabalhistas que dão margem a conflitos e contestações judiciais. A elaboração de novo perfil profissional, a partir da relação de trabalho e do processo de educação continuada dos profissionais, não excluiu o aproveitamento do quadro estatutário das Secretarias Municipais de Saúde, condicionado a que os profissionais aceitassem a alteração do processo de trabalho e a pactuação de alguma forma de complementação salarial no PSF8. Contudo, esse quadro se alterou a partir de 2005, quando o governo federal passou a se comprometer com a meta da regularização das relações de trabalho no setor público, com reflexos nos municípios. Assim, a tendência de inserção profissional diferenciada, em face da implementação da ESF, vem substituída por formação de quadros próprios, incorporados a partir da realização de concursos públicos, como constatou o estudo nos quatro municípios. Embora em três dos municípios estudados mais de 70% dos Agentes Comunitários de Saúde sejamão contratados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), continua sendo um desafio consolidar a contratação desses trabalhadores no SUS. 38

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O mercado de trabalho no setor saúde obedece a particularidades do processo de trabalho e da estrutura ocupacional no setor público de saúde. Nesse setor, as atribuições das categorias profissionais exigem uma qualificação própria que, em alguns casos, é regulada externamente, mesmo que com o controle do poder público3. A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), aprovada em 2006, estabeleceu a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, com base nos programas de Saúde da Família (PSF) e Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Um dos fundamentos dessa política é valorizar os profissionais de saúde por meio do estímulo e do acompanhamento constante de sua formação e capacitação1. Entre as responsabilidades definidas para cada nível de governo destacam-se as relativas à gestão do trabalho, tanto do ponto de vista da inserção, como da qualificação de recursos humanos para a gestão, para a capacitação e a educação permanente dos profissionais das equipes. O processo de capacitação deve ser concomitante à formação e início do trabalho das equipes, tendo no curso introdutório um meio de educação permanente para todos os profissionais sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde, em parceria com as SMS, seguindo regulamentação dos conteúdos mínimos dos mesmos pelo Ministério da Saúde. A este cabe, especialmente, articular com o Ministério da Educação estratégias que induzam mudanças nos currículos dos cursos de graduação na área da saúde, aproximando-os dos princípios do SUS e do perfil adequado para um processo de trabalho em equipe multiprofissional, que vai desde a promoção da saúde à assistência básica integral e contínua. No âmbito dos Estados, essa articulação com as instituições formadoras deve se voltar ao atendimento das demandas e necessidades de educação permanente, identificadas nos municípios e pactuadas nas Comissões Intergovernamentais Bipartites. Na área da saúde, os avanços da ciência e o desenvolvimento tecnológico acelerado, característicos do novo modo de produção, implicam a necessidade de uma constante atualização de seus profissionais e uma base de conhecimentos interdisciplinar sólida, que lhe permita enfrentar a diversidade e a “adversidade” do processo da saúde no mundo atual. Segundo Machado e colaboradores7, a especialização da categoria médica, no Brasil, é obtida por meio de exame de ordem, feito por sociedades Boletim do Instituto de Saúde

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de especialistas, que pode ser realizado a qualquer tempo ou de residências médicas, cursos de pósgraduação lato senso em tempo integral, por um período de aproximadamente dois anos, regulados pelo MEC/SESU. A Resolução CNS nº 287/1998 estendeu a estratégia de residência como forma de qualificação e especialização dos profissionais de saúde para as demais profissões, na modalidade de Cursos de Especialização, nos moldes de residência, com o objetivo de qualificar os profissionais de saúde para trabalhar na ESF. Esta Residência, de caráter multiprofissional, é orientada pelos princípios e diretrizes do SUS, definida pelas necessidades e realidades locais e regionais e abrange diversas profissões da área da saúde, a saber: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Em 2003, foi aprovada a Residência em Saúde da Família e Comunidade, destinada a formar médicos especialistas na Atenção Primária, com enfoque comunitário, para atuarem na perspectiva da promoção de saúde. Inicia-se, portanto, com atraso em relação à implementação do PSF, um novo modelo de residência médica cujo lócus de atuação foge ao modelo tradicional localizado no sistema hospitalar. A expansão da ESF questiona as formas tradicionais já consolidadas e socialmente reconhecidas de educação, e reforça a exigência de garantir competências e habilidades-chave dos profissionais para cumprir os objetivos definidos do novo modelo de atenção primária – promoção da saúde, integralidade da atenção e do cuidado, garantia do direito a saúde11. Estratégias de formação profissional e educação permanente na atenção primária A vontade política do gestor municipal para formar a força de trabalho da saúde da família, com vistas à sua fixação e qualificação para a atenção primária, é fator explicativo para diferenças de resultados nos processos de implementação da ESF nas diferentes cidades estudadas6. As iniciativas são bem diferenciadas, partindo da gestão local, em alguns municípios (Aracaju, Belo Horizonte e Vitória), e em outro se caracterizando como um programa de extensão da universidade (Florianópolis). Quanto mais os municípios têm um programa de capacitação estruturado, observa-se um Boletim do Instituto de Saúde

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percentual maior de profissionais qualificados na ESF, mesmo porque esse programa visa atender à forte demanda dos profissionais, sobretudo médicos, por formação para a atenção básica e educação permanente voltada para a atenção a grupos específicos. Há ainda, no âmbito estadual, um forte movimento para consolidar as Escolas Técnicas de formação profissional, que vem sendo trabalhado em rede. Destacam-se, assim: A valorização da formação em saúde pública, em medicina familiar ou em saúde da família, com vistas ao melhor desenvolvimento das ações e resolutividade da AB. Nos municípios de Belo Horizonte e Florianópolis se encontram bem estruturadas as iniciativas de parceria entre a SMS e as universidades, para capacitação e especialização na área de Medicina Comunitária e Saúde da Família e residências multiprofissionais. Já Aracaju apresenta fragilidades na formação básica de profissionais de saúde, devido à limitada oferta de cursos e de vagas nas universidades do estado. Contudo, a formação de um Centro de Educação Permanente em Saúde tem focalizado a educação para saúde no município. O Município de Vitoria desenvolve cursos de especialização para os profissionais de nível superior e de formação profissional para os trabalhadores de nível médio em Saúde da Família, firmando parceria entre a própria SMS e instituições acadêmicas, em escala que permite a qualificação em serviço e facilita a adequação do perfil profissional para Estratégia Saúde da Família em menor espaço de tempo. A exigência recente de titulação de especialista em Medicina de Família e da Comunidade como requisito ao ingresso dos médicos, via concurso público, ao quadro permanente da SMS em Florianópolis, ainda que seja uma experiência sem possibilidade de difusão, dado o baixo número de especialistas atualmente existentes no País, possibilitou melhora da qualificação dos profissionais inseridos nas ESF. A formação de enfermeiro para atuação em Saúde da Família deve ser também priorizada. Em parte das cidades, há a necessidade de ampliar a quantidade de profissionais médicos e enfermeiros com alguma formação específica para atuar na Estratégia de Saúde da Família. Em Aracaju, Florianópolis e Vitoria, existe menos de 40% dos enfermeiros têm especialização em Saúde da Família. É diferente a condição dos médicos em Belo Horizonte e Florianópolis, que apresentam mais de 70% dos médicos com especialização em Saúde da Família ou título de especialista em Medicina Familiar e Comunitária. BIS#48/Novembro_2009

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Medidas facilitadoras que se fazem necessárias: • Oferecer formação específica quanto a aspectos técnicos e clínicos voltados para a Atenção Primária para médicos, de forma a garantir maior segurança para esses profissionais quanto aos diagnósticos e à terapêutica, o que contribui para reduzir os encaminhamentos aos especialistas. Essa capacitação, experimentada em Belo Horizonte e Florianópolis, na forma de educação continuada com apoio de equipe de especialistas, é relativamente regular, confrontando o excesso de demandas aos profissionais da ESF; • Qualificar em saúde pública os gerentes das Unidades de Saúde da Família contribuiria para habilitá-los melhor para articular ações coletivas e individuais na unidade básica. A incorporação/ formação de sanitaristas potencializa a vigilância em saúde com monitoramento de indicadores epidemiológicos de cada território, em conjunto com as; equipes; • Capacitar os profissionais para aprimorar tanto a qualidade dos registros nos prontuários quanto as justificativas clínicas para exames e consultas contribuiria para melhorar a continuidade dos cuidados e aumentar a; eficiência; • Desenvolver, em nível local e nacional, estratégias para dar visibilidade ao trabalho dos profissionais de atenção primária como coordenadores dos cuidados e promover a atuação dos profissionais das Equipes de Saúde da Família (ESF), que carecem de reconhecimento e credibilidade, de modo a superar as relações hierárquicas e o isolamento entre atenção básica e especializada; • Implementar estratégias de educação continuada com participação de profissionais dos diversos serviços; • Desenvolver processos de supervisão com abordagem pedagógica e acompanhamento do desempenho dos profissionais e das equipes. A supervisão pode ser feita por gerentes locais e regionais, coordenações dos diversos programas e coordenadorias. Essa estratégia mostra-se exitosa na articulação e integração das atividades específicas dos programas de saúde coletiva pelos profissionais das ESF; As estratégias de educação permanente que privilegiam o espaço de trabalho como de aprendizagem são fundamentais para a qualificação dos Agentes Comunitários da Saúde (ACS). Realizadas por enfermeiros, podem contribuir para que a supervisão se processe mais em espaço de aprendizagem e menos no de controle gerencial. Observou-se, em 40

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Belo Horizonte, que 12% dos ACS declararam não ter recebido qualquer capacitação. Quanto aos temas abordados na capacitação, destacam-se as relativas aos grupos de risco (materno-infantil, hipertensão, diabetes, tuberculose e hanseníase), em todos os municípios. Há um espaço em aberto para a educação e desenvolvimento profissional. Referências bibliográficas 1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, 2006. 2. Cardoso JR. Macroeconomia e Mercado de Trabalho no Brasil: trajetória recente e tendência aparente. [monografia na Internet]. Brasília, DF. [s.d.]. Acesso em 07/10/2008. Disponível em: www.observarh.org.br/nesp/subsecoes. php?subsecao=Gestão&secao=Projetos%20e%20Estudos - acesso em 07/10/2008. 3. Dedeca CS, Rosandiski EM. Carvalho MS, Barbiere CV. Dimensão do Setor de Atendimento à Saúde no Brasil. [monografia na Internet]. Campinas: UNICAMP; 2004 [acesso em 07 out 2008]. Disponível em: www.abep.nepo. unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_426.pdf - acesso em 07/10/2008. 4. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Magalhães R, Senna MCM. Avaliação da implementação do programa Saúde da Família em dez grandes centros urbanos: síntese dos principais resultados. Brasília: Ministério da Saúde/ SPS/DAB, 2002. 5. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Magalhães R, Senna MCM. Avaliação da implementação do programa Saúde da Família em dez grandes centros urbanos: síntese dos principais resultados. Brasília: Ministério da Saúde/ SPS/DAB, 2ª. Edição revisada, 2005. 6. Giovanella, L; Escorel, S.; Mendonça, MHM ET al. Estudos de caso sobre implementação da estratégia saúde da família em quatro grandes centros urbanos. Relatórios de Pesquisa. Rio de Janeiro: NUPES/DAPS/ENSP, 2009. 7. Machado MH, Rego S, Teixeira M. Os males da especialização médica no Brasil, Revista Ciência Hoje. 1997 Ago 22 (130):22-30. 8. Mendonça MHM. O SUS e Política de Recursos Humanos em Saúde. Rio de Janeiro, Saúde em Debate. Cebes; 2007. 9. Mendonça, MHM, Murat, MV; Lobato, MFT; Najar, A; Giovanella, L. Estudo de Linha de Base Do Projeto De Expansão da Estratégia de Saúde da Família no Estado do Rio De Janeiro. Rio de Janeiro: ENSP, 2005. 10. Nogueira RP. Problemas de Gestão e Regulação do Trabalho no SUS. Ver. Serviço Social e Sociedade. [periódico na Internet]. 2006 [acesso em 7 out 2008]. Disponível em:, www.observarh.org.br/nesp/subsecoes.php?subsecao =Gestão&secao=Projetos%20e%20 Estudos - acesso em 07/10/2008. 11. Pierantoni CR, Varella TC, França T. Recursos Humanos e Gestão do Trabalho em Saúde: da teoria à prática. In: Barros AFR, et.al. org. Observatório de Recursos Humanos em Saúde no Brasil: estudos e análises. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

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Atualização profissional em aconselhamento em alimentação infantil: uma experiência de avaliação Kátia Cristina BassichettoI, Marina Ferreira ReaII, Ausônia Favorido DonatoIII

Introdução Nos dois primeiros anos de vida, as crianças vivenciam um acelerado processo de crescimento e desenvolvimento de diversas habilidades, sendo a obtenção de condições nutricionais satisfatórias, nesta fase, fundamental para a saúde individual e coletiva10. Os conceitos sobre alimentação infantil têm sofrido modificações trazendo a necessidade de desenvolver ações educativas continuadas dirigidas aos profissionais de saúde que atuam na atenção à criança. Para dar conta dessa lacuna a OMS propõe um curso de atualização e formação profissional em serviço que integra quatro conteúdos: amamentação, HIV e alimentação infantil, alimentação complementar e aconselhamento com uma duração de 40h, denominado “Aconselhamento em Alimentação Infantil: Um Curso Integrado”, pré-testado na África do Sul, Bangladesh, Gana e Jamaica. O objetivo deste curso é proporcionar o desenvolvimento, nos trabalhadores de saúde, de habilidades básicas em alimentação infantil, para que possam ajudar mães e cuidadores13 . O Curso Integrado necessita idealmente de facilitadores ou docentes que tenham previamente realizado os Cursos de Aconselhamento da OMS14,15,16 ou pelo menos o de Aconselhamento em Amamentação, no qual as habilidades técnicas e de comunicação são detalhadamente trabalhadas. Necessita também facilitadores com experiência nos temas de Alimentação Infantil, incluindo a problemática do HIV. As orientações e informações transmitidas deverão enfatizar a necessidade de proteger, promover e apoiar a amamentação de mulheres em geral, a maior parte das quais HIV-negativo, assim como deverão orientar o uso da alimentação artificial de I

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Nutricionista, Mestre pela UNIFESP, Doutora pela SES-SP, Coordenação de Epidemiologia e Informação (CEInfo) - Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Email: kcbassi@gmail.com Médica, Mestre e Doutora pela FMUSP, Pesquisadora Científica VI, Instituto da Saúde, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo Educadora, mestre e doutora em Saúde Pública. Diretora do Núcleo de Formação e Desenvolvimento Profissional do Instituto de Saúde.

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crianças filhas de mães HIV-positivo, de acordo com a política brasileira4, sem que esta orientação atinja as crianças da maior parte das mães. Uma das maiores dificuldades em capacitar pessoal de saúde para que se desenvolva, com competência técnica e compromisso ético, as ações de saúde, é a de contar com facilitadores ou docentes experientes para esta função. Como as informações sobre alimentação se renovam e estão permeadas por crenças familiares, práticas culturais e influenciadas crescentemente pela mídia, o profissional de saúde, parte desta cultura, necessita de constantes atualizações. A desatualização deste em relação à evolução de conceitos sobre alimentação infantil pode vir a prejudicar a orientação às mães. Um componente extremamente importante deste curso é o Aconselhamento, conceito difícil de traduzir, uma vez que significa muito mais do que aconselhar. Frequentemente, quando damos conselhos dizemos o que achamos que a pessoa deve fazer11. Neste curso, quando falamos em “aconselhar” estamos nos referindo a ouvir a pessoa e apoiar o seu processo de tomada de decisão de como colocará em prática o que é melhor para ela; estamos também nos referindo a como dar a ela elementos para construir sua confiança para optar dentre as várias sugestões disponíveis, nas suas condições de vida. O êxito no Aconselhamento praticado nos serviços de saúde está, certamente, para além do conhecimento de conceitos e técnicas aplicados pelos profissionais sobre o assunto. A competência para esta prática requer sua aplicação em experiências diversificadas, com possibilidade de reflexão analítica sobre a inter-relação entre desempenho e resultados obtidos, levando em consideração a complexidade que se estabelece nas cenas de atendimento. Observam-se no curso outros elementos da teoria da comunicação humana e das relações interpessoais profissional-cliente, como instrumental para a BIS#48/Novembro_2009

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orientação de práticas saudáveis de alimentação infantil em substituição aos modelos, nos quais os profissionais detentores do saber acabam por estabelecer relações de poder sobre o paciente, que impedem uma comunicação terapêutica efetiva12. Há diversas referências sobre o investimento em processos educativos, focando a melhoria da comunicação profissional-cliente, como suporte para o desenvolvimento de “habilidades para uma boa escuta e aprendizagem”5,6,7,8. Na nossa realidade, o trabalhador do Sistema Único de Saúde (SUS) lida com uma diversidade de clientes, o que exige competência técnica e habilidade de comunicação adequada, que o Curso Integrado poderia propiciar. Assim, justificou-se aplicar em caráter experimental esta metodologia educativa, parte de um projeto mais amploIV; neste artigo, descrevemos o processo de atualização profissional e avaliação utilizados no curso de formação de facilitadores. Metodologia: O projeto original objetivou avaliar a efetividade da “Capacitação de Aconselhamento em Alimentação Infantil: um Curso Integrado”, na transformação de conhecimentos, atitudes e práticas de profissionais que lidam com mães de crianças de 0 a 24 meses da Rede Municipal de Saúde de São Paulo1. Utilizamos todo o conjunto do material didático do curso, que inclui: Guias ou Manuais para o Coordenador, o Facilitador e o Participante, além de materiais audiovisuais, formulários para observação de práticas, listas de conferências e folhas de respostas. Em particular, o Guia do Facilitador detalha toda a formulação do curso, desde sua concepção, habilidades de aconselhamento e todos os conteúdos temáticos a serem trabalhados nas 39 atividades, incluindo quatro práticas13. Seguindo recomendação da OMS, identificamos, inicialmente, uma coordenadora (TST) – profissional com expertise na realização de cursos desta natureza para colaborar no planejamento, preparação e acompanhamento do curso; na seleção das facilitadoras; na organização dos materiais e equipamentos necessários e na identificação de serviços que foram utilizados para a parte prática do curso13. Foram selecionadas facilitadoras que atuam na área de alimentação infantil e acostumadas com conteúdos e métodos pedagógicos. Participaram 11 facilitadoras de categorias e instituições diversas2. IV

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Nº processo – FAPESP 2002/07836-2 e OMS HQ/01/108/103

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Elaboramos um questionário que cobria três dimensões de suas práticas: saber, saber ser e saber fazer9 contendo quatro situações-problemas. Este denominou-se “Roteiro de Avaliação de Conhecimentos” (Anexo 1), e está baseado nos quatro principais conteúdos do “Curso Integrado”: Amamentação; HIV e Alimentação Infantil; Alimentação Complementar e Técnicas de Aconselhamento. Foi aplicado no final do treinamento das facilitadoras (Etapa 1) e após dez dias do término do mesmo (Etapa 2), pelas próprias autoras, com o objetivo de verificar sua capacidade de encaminhar e orientar os casos, da maneira mais adequada possível, de acordo com as habilidades de aconselhamento propostas no curso e seu direcionamento para a prática em saúde. Para a escolha dos conteúdos das situações-problema optou-se pelas que ocorrem com relativa frequência no dia-a-dia dos profissionais de saúde. Para análise, criou-se uma classificação de perfis, segundo um gradiente qualitativo de posicionamento em cada situação-problema, sendo consideradas adequadas (plenamente aptas, aptas e razoavelmente aptas) ou inadequadas (as não aptas), que, portanto, deveriam repetir o treinamento. As aptas e plenamente aptas foram agrupadas visando destacar as melhores performances, comparando-as percentualmente na Etapa 1 com a Etapa 2. Para as situações de 1 a 3, foram consideradas com perfil adequado as facilitadoras que descreveram corretamente as duas primeiras ações condizentes com as aprendizagens previstas. Caso as duas seguintes ações descritas fugissem totalmente do esperado, ela seria considerada inadequada para a função de facilitadora, devendo repetir o treinamento para esta função. Para a situação 4 foram consideradas com perfil adequado as facilitadoras que descreveram quaisquer das “Técnicas para Ouvir e Aprender” e para “Fortalecer a Confiança e Dar Apoio”, recomendadas no Curso Integrado. É importante ressaltar que se optou por perguntas semi-abertas, para não permitir narrativas extensas sobre o assunto, evitar o enviesamento e as escolhas pelo senso comum, por se considerar que quanto maior o nível de problematização, melhor se verifica a competência, porque de outra forma o senso comum o fará. O “Roteiro” foi aplicado às facilitadoras, imediatamente após cada conjunto de sessões sobre aqueles temas já mencionados. Foi reaplicado após dez dias para medir variabilidade intra e inter-facilitadoras. Boletim do Instituto de Saúde

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Foi realizado um grupo focal no final deste processo com o objetivo de conhecer as opiniões e reações destas profissionais ao serem submetidas a um processo de avaliação de conhecimentos. Todo este processo recebeu orientação específica de uma das autoras, profissional da área de educação em saúde (AFD). Este projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Resultados Onze facilitadoras concluíram o processo de avaliação e participaram ativamente da preparação do Curso Integrado, entre pediatras, nutricionistas, enfermeiras e psicóloga. O Quadro 1 mostra resultados da aplicação do Roteiro, com respostas imediatamente após o treinamento e 10 dias depois referentes a 1. Amamentação (AM); 2. HIV e Alimentação Infantil (HIV e Al.in.f); 3. Alimentação Complementar (AC) e 4. Habilidades de Aconselhamento (Hab.acons.). Observam-se respostas bastante diversificadas quanto à aptidão, na medida em que os conhecimentos e experiências de cada uma eram bastante distintos: algumas com experiência específica no atendimento clínico de pessoas vivendo com HIV/AIDS, outras com experiência exclusivamente acadêmica, e havia, ainda, profissionais que já haviam atuado como facilitadoras de cursos de aconselhamento. Como consequência, não se podia esperar o mesmo nível de interpretação e “acerto” às situações-problemas. Desconsiderar isto seria aceitar uma concepção não crítica da educação, por alguns estudiosos também chamada de concepção redentora da educação. Ou seja, que atribui mudanças cognitivas e comportamentais exclusivamente a processos educativos. Esta concepção toma a educação como única responsável pelas transformações individuais ou coletivas, não levando em consideração todas as outras determinações (culturais, educacionais, sociais) na aprendizagem de conhecimentos, habilidades e valores9. Apesar de duas profissionais não terem mostrado perfil adequado para uma das situações-problema, especificamente a situação 3, considerou-se que, no conjunto, apresentavam um conhecimento técnico suficiente para ministrarem aulas específicas. Na reaplicação, ao analisar o conjunto das quatro situações, verificou-se que as facilitadoras apresentaram, na maioria dos casos, uma mudança positiva de patamar. No entanto, é interessante Boletim do Instituto de Saúde

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observar a reação das profissionais às situaçõesproblema específicas: na situação 1 “Aleitamento Materno” – das 11 profissionais, nenhuma inadequação foi identificada e uma delas, razoavelmente apta na Etapa 1, migrou para apta, na Etapa 2; na situação 2 – “HIV-positivo e alimentação infantil” notou-se um desempenho melhor das profissionais da primeira para a segunda etapa; na situação 3 – “Alimentação complementar”, esta melhora foi ainda mais notável, já que se observava um nível prévio mais baixo de conhecimentos, incluindo duas profissionais consideradas não aptas na Etapa 1; em contraposição, na situação 4 – “Habilidades de Aconselhamento” observou-se evidente piora na performance, embora nenhuma tenha sido considerada não apta. Quadro 1 – Avaliação do desempenho das facilitadoras quanto ao enfrentamento de situaçõesproblema referentes à Aconselhamento e Alimentação Infantil, em duas etapas de sua atualização: imediatamente após treinamento e 10 dias depois. São Paulo, 2005 Etapa 1 Etapa 2 Situações 2 4 2 4 1 3 1 3 problema / HIV e Hab. HIV e Hab. AM AC AM AC Facilitadoras al.inf. acons. al.inf. acons. 1

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Nº de profis- 7 7 5 8 8 9 9 5 sionais PA+A (64%) (64%) (45%) (73%) (73%) (82%) (82%) (45%) A=apta; RA=razoavelmente apta; PA=plenamente apta; NA=não apta

Etapa 1 – no final do treinamento das facilitadoras e Etapa 2 – 10 dias depois No grupo focal, as facilitadoras, ainda que tivessem expressado certo grau de insegurança ao se sentirem avaliadas, relataram satisfação com o progresso alcançado e apresentaram uma evolução satisfatória entre as respostas imediatamente posterior à formação e 10 dias após esta, não havendo desistências. As respostas diversificadas foram compatíveis com as distintas experiências profissionais. BIS#48/Novembro_2009

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Comentários O curso de formação de facilitadoras proporcionou atualização de informação em alimentação infantil, tornando-as mais habilitadas a capacitar outros indivíduos e estabelecer relações intersubjetivas. A avaliação deve ser parte constitutiva do processo de ensino-aprendizagem e aplicada em diversos momentos do processo educativo. Um primeiro grande desafio a ser explorado ao identificar profissionais para serem facilitadoras referese à falta de experiência didática na sua prática rotineira de atuação, pois, em geral, são profissionais de saúde que se destacam no tema, sensíveis à necessidade de contribuir para a formação de outros profissionais da área e que aceitam assumir esta função diferenciada, em que pese a falta de didática. São, em geral, profissionais competentes nos seus locais de trabalho e, assim, a dificuldade de se distanciar de suas instituições de origem é evidente, complicando uma participação mais completa. Outro aspecto que merece destaque refere-se à própria característica do curso, que reúne conteúdos diversos e exige uma compreensão sobre as habilidades de comunicação que vai além de conhecimento teórico. As habilidades de comunicação e aconselhamento levam à revisão de nossas próprias relações pessoais, aqui incluída a relação profissional-cliente. Nisto também se destaca a característica comum das facilitadoras envolvidas neste projeto, todas com desejo de adquirir tais habilidades. O desenvolvimento de metodologias específicas para avaliação de facilitadores também pode ser considerado um desafio. A criação e aplicação do Roteiro de avaliação e sua forma de aplicação e análise mostraram-se adequadas, embora em caráter experimental e em número restrito, não permitindo generalizações. Recomendamos sua aplicação em outras pesquisas mais amplas para preencher esta lacuna de conhecimento. Identificar e formar docentes ou facilitadores para atuar no SUS é de fundamental importância em qualquer tema. O curso de formação de facilitadoras em Alimentação Infantil “Curso Integrado” poderia ser absorvido pela Política de Recursos Humanos vigente, conduzida pelo Ministério da Saúde, para consolidação do SUS e melhoria da qualidade e humanização do atendimento 3.

2. Bassichetto KC. Aconselhamento em alimentação infantil – avaliação de uma proposta da Organização Mundial de Saúde para capacitação de profissionais de saúde da cidade de São Paulo [Tese de Doutorado]. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde; 2006. 3. Brasil. Ministério da Saúde - Secretaria de Gestão de Investimento em Saúde. Formação - Qualificação profissional e saúde com qualidade. Projeto de Profissionalização de Trabalhadores da Área de Enfermagem. Vol.1, n.1; Brasília:Ministério da Saúde; 2001. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria 97, de 28/08/95: dispõe sobre a contra-indicação da amamentação para mulheres portadoras do HIV. 5. Claeson M, Gillespie D, Mshinda H, Troedsson H, Victora CG. Knowledge into action for child survival. Lancet. 2003;362:323-7. 6. Garrick C. Teaching for counselling skills. Med J Aust. 1979 Oct 6;2(7):358-9. 7. Kerr FRM. A Relação Médico-Paciente e a Qualidade do Atendimento Médico [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2000. 8. Leite AM, Silva IA, Scochi CG. Comunicação não-verbal: uma contribuição para o aconselhamento em amamentação. Rev Lat Am Enfermagem. 2004 Mar-Apr;12(2):258-64. 9. Libâneo JC. Os conteúdos escolares e sua dimensão críticosocial. Revista da ANDE, n.11, 1986. 10. Marcondes E, editor. Pediatria Básica. São Paulo: Sarvier; 2002. 11. Patterson LE, Eisenberg S. O processo de aconselhamento. São Paulo: Martins Fontes; 2003. 12. Stefanelli MC. Comunicação com paciente: teoria e ensino. 2ª ed. São Paulo: Robe; 1993 13. World Health Organization, UNICEF. Infant young child feeding counselling: An integrated course. Genebra: WHO; 2006. 14. World Health Organization. Complementary feeding counselling: a training course. Genebra: WHO; 2004. 15. World Health Organization. HIV and infant feeding counselling: a training course. Genebra: WHO; 2000. 16. World Health Organization. Breastfeeding counselling: a training course. Genebra: WHO; 1994.

Referências bibliográficas 1. Bassichetto KC, Rea MF. Aconselhamento em alimentação infantil: um estudo de intervenção. J Pediatr (Rio J). 2008;84(1). 44

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Anexo 1 “Roteiro de Avaliação de Conhecimentos” Situação 1 Você é procurado por uma mãe que refere que seu bebê, de três meses, não está ganhando peso, e acredita que seu leite não é suficiente. Mencione quatro ações que você julga imprescindíveis para o adequado encaminhamento deste caso. Por favor, apresente-as em ordem de prioridades. Checar a posição e a pega. Verificar se há alguma doença ou anormalidade física com a mãe ou com a criança. Sugerir alguma conduta baseada na causa do problema. Agendar breve retorno. Situação 2 Você recebe, pela primeira vez, uma mãe que descobriu ser HIV-positivo no momento do parto. Ela foi orientada a não amamentar seu bebê para que evitar que se contamine. Recebeu, ainda na maternidade, leite em pó integral e orientações de como prepará-lo. Neste momento, ele está com 10 dias e ela está angustiada, porque ele não está aceitando bem aquele leite e está com diarréia. Mencione quatro ações que você julga imprescindíveis para o adequado encaminhamento deste caso. Por favor, apresente-as em ordem de prioridades. Colher a história das práticas alimentares com perguntas abertas no sentido de verificar: A1. O significado da não amamentação para esta mãe; A2. A higiene da mamadeira e a qualidade da água de preparo; A3. Como o leite está sendo diluído e oferecido; Sugerir alguma conduta baseada na causa do problema e Agendar breve retorno.

Preencher e analisar o gráfico de crescimento; Incentivar a mãe a falar sobre suas práticas alimentares com o bebê; Sugerir alguma conduta baseada na causa do problema e Agendar breve retorno. Situação 4 Você recebe uma mãe e, ao colher a história alimentar da sua criança, de nove meses, você verifica que ela está cometendo vários equívocos, como, por exemplo: substituir as refeições de sal por mamadeiras e utilizar as sobras da mesma em mamadas posteriores. Este bebê já apresenta sinais de desnutrição. O que você orientaria a esta mãe, tendo como referência as Técnicas de Aconselhamento do Curso integrado? Cite cinco posturas recomendadas: Procure algo positivo na prática alimentar desta criança, que possa ser atribuído à mãe; Evite críticas ao que ela vem fazendo de errado; Demonstre empatia Forneça pouca informação relevante e Dê ajuda prática.

Situação 3 Você está recebendo uma mãe que é sua cliente e que retorna a esta unidade de saúde depois de quatro meses, para pedir ajuda. Ela refere que seu filho, agora com um ano, está perdendo peso e ela não sabe o que está acontecendo de errado. Mencione quatro ações que você julga imprescindíveis para o adequado encaminhamento deste caso. Por favor, apresente-as em ordem de prioridades. Boletim do Instituto de Saúde

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O perfil de formação das Escolas Técnicas do SUS em São Paulo* Paulo H. Nico MonteiroI

A formação de nível técnico para a saúde é conduzida atualmente, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), pelas Escolas Técnicas do SUS (ETSUS) e pelos Centros Formadores de Recursos Humanos (CEFOR). Esses centros de formação são instituições públicas criadas para atender as demandas locais de formação técnica dos trabalhadores que já atuam nos serviços de saúde e tiveram sua origem ligada ao Projeto Larga Escala, iniciado em 1985 e que teve como função principal qualificar os profissionais auxiliares e os antigos “atendentes” de enfermagem. Segundo a Rede de Escolas Técnicas do SUS5, “as Escolas Técnicas do SUS atuam no segmento chamado de ‘educação profissional’, que hoje engloba a formação inicial e continuada (antiga formação básica), os cursos técnicos e os tecnológicos.” Atualmente, existem 37 ETSUS no País, distribuídas, segundo região, da seguinte maneira: quatro escolas na Região Sul; 12 na Sudeste; quatro na Região Centro-oeste; nove na Nordeste e sete escolas na Região Norte. Nesses centros são oferecidos cursos das seguintes modalidades: a) formação inicial e continuada: voltada a profissionais de nível médio, iniciantes nas carreias; b) formação técnica: para trabalhadores de nível médio que já atuam no setor, pode ser realizada concomitantemente com o ensino médio; c) especialização técnica: realizada após o término do Ensino Médio, tem caráter de especialização “pós-médio” e d) pós-graduação (lato sensu): cursos de especialização voltados para profissionais com nível superior (universitário) completo5. É importante ressaltar que grande parte das ETSUS é vinculada ao gestor Estadual/Distrital (34), duas são vinculadas ao gestor municipal (Blumenau e São Paulo) e uma ao gestor federal (FIOCRUZ), o que *

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Texto originário de: MONTEIRO, P H N. As Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo: análise dos currículos / Paulo Henrique Nico Monteiro – São Paulo, 2006. Dissertação (mestrado)—Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Bacharel em Educação Física. Mestre em Ciências (CCD-SES/SP). Doutorando em Educação (FEUSP). Pesquisador Científico do Instituto de Saúde. monteiro@isaude.sp.gov.br

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denota o importante papel da esfera estadual na condução e administração desses centros. O estado de São Paulo se destaca pelo número de Escolas Técnicas existentes e, portanto, pelo contingente de alunos que vem formando. Existem no estado seis ETSUS sob administração estadual (SES) e uma sob administração da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS- SP). São elas: • Centro Formador de RH de Pessoal de Nível Médio para a Saúde - Escola de Auxiliar de Enfermagem – Pariquera-açú (SES-SP) O Centro Formador de Pariquera-Açú foi criado em 1971, como Escola de Auxiliar de Enfermagem. Atua no Vale do Ribeira e em 26 municípios vizinhos, que constituem o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (CODIVAR), e nos municípios do Oeste Paulista e vizinhos, o que perfaz atualmente cerca de 60 cidades. • Centro Formador de Osasco (SES-SP) Fundado em 1995, o Centro Formador de Osasco tem na sua área de abrangência quinze municípios, muitos deles pertencentes à Região Metropolitana de São Paulo (regiões Oeste e Sudoeste), com a população total de cerca de três milhões de habitantes. Vale apontar que essa região possui um grande número de equipamentos de saúde (hospitais, Centros de Referência, Unidades Básicas de Saúde, equipes do Programa da Saúde da Família etc.) que determinam uma grande demanda de formação de trabalhadores. • Centro Formador de Pessoal de Nível Médio para a Área da Saúde de São Paulo (SES-SP) O Centro Formador de Pessoal para a Saúde de São Paulo (CEFOR) foi criado em 1958, como Escola da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Com o fim dessa instituição e antes da criação do SUS, a Escola pertenceu ao antigo INAMPS. O CEFOR teve suas atividades interrompidas em 1970, mas voltou a funcionar em 1978. Sua área Boletim do Instituto de Saúde

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de atuação é extensa, englobando regiões com alto índice populacional, como a capital, os municípios do ABCD paulista, Mogi das Cruzes, Santos, São José dos Campos e Taubaté. • Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Araraquara (SES-SP) O Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Araraquara (CEFARA) foi criado em 1990. Tem uma área de abrangência composta por 192 municípios, dos Departamentos Regionais de Saúde de Araraquara, Barretos, Franca, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto. Já foram formadas classes em aproximadamente 65 municípios. • Centro Formador de Pessoal para a Saúde - Franco da Rocha (SES-SP) O Centro Estadual Interescolar do Departamento Psiquiátrico II foi criado em 1959. A Escola está localizada dentro do Complexo Hospitalar do Juquery. Além das aulas realizadas na sede, oferece cursos descentralizados em 60 municípios. • Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Assis (SES-SP) O Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Assis foi fundado em 1965, como Escola de Auxiliar de Enfermagem de Assis e formou desde a sua fundação por volta de 5.000 alunos. Em 1987, transformou-se em Centro Formador. Já foram desenvolvidos cursos em 50 municípios da região. • Escola Técnica do Sistema Único de Saúde de São Paulo (SMS-SP) A Escola Técnica do Sistema Único de Saúde, vinculada à Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, foi oficialmente criada em junho de 2002, quando recebeu autonomia para a certificação dos cursos de nível médio. Entretanto, atua, desde 1990, com o nome de Núcleo de Formação do Centro de Desenvolvimento dos Trabalhadores da Saúde. Em 2003, a Escola recebeu autorização de funcionamento e criou suas nove unidades descentralizadas em cinco macrorregiões do município de São Paulo. O perfil de formação da ETSUS em São Paulo Em pesquisa realizada nos anos de 2005 e 20064, procuramos identificar alguns aspectos relativos aos currículos que vem sendo desenvolvidos nas escolas sob administração estadual, a fim de identificar qual é o perfil de aluno que esses centros pretendiam formar. Para tanto, foram realizadas entreBoletim do Instituto de Saúde

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vistas com professores e diretores das ETSUS, além da análise dos documentos de referência dessas escolas. No que diz respeito às entrevistas, foram ouvidos os seis diretores das escolas e dez professores, uma vez que em uma das escolas não se justificou fazer as entrevistas com os professores, considerando que, no período, não era desenvolvido nenhum curso e não seria possível o contato com eles. Os dados aqui apresentados se referem às expectativas presentes nos documentos e expressas pelos professores e diretores quanto à atuação profissional de seus alunos; às estratégias pedagógicas mais utilizadas e as razões de sua utilização; à sistemática de avaliação empregada e ao entendimento do processo de formação como um todo. Quanto aos documentos curriculares, encontramos diferenças entre as escolas no que diz respeito ao nível de discussão, elaboração e utilização de referências para os processos de ensino-aprendizagem. Enquanto algumas escolas já haviam elaborado e tomado como referência documentos desenvolvidos pelas próprias equipes das escolas (projeto políticopedagógico - PPP), outras não dispunham de quaisquer documentos nos quais estivessem expressos os princípios e as diretrizes para o trabalho pedagógico. Naquele momento, apenas uma das escolas já havia finalizado e posto em prática o seu projeto político-pedagógico. De fato, as escolas vinham se utilizando das diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde nos diferentes programas que, nos últimos anos, têm sido implementados para a qualificação do trabalhador de saúde do nível médio, em especial para a área da enfermagem2. Também é importante ressaltar que, à época, não existia nenhum documento da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo que definisse os princípios e diretrizes para esse nível de formação. Fica claro, seja nos documentos das escolas, seja nas entrevistas com diretores e professores, que as principais características do perfil de formação dos alunos desses centros eram relacionadas aos aspectos éticos da atuação no SUS. O “marco doutrinal” expresso no projeto políticopedagógico do Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Araraquara (CEFARA)3 mostra bem essa preocupação. Afirma que “o CEFOR deve pautar sua formação nos valores da humanização, da ética e da cidadania para a realização da sua missão na construção de uma sociedade mais justa e participativa.” (p.21) BIS#48/Novembro_2009

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Aspectos como a ‘postura crítica e possibilitadora de mudança’, tanto no seu processo de trabalho quanto no das equipes de saúde, assim como a relação com os usuários dentro da perspectiva da ‘integralidade da atenção’ e pautada pelo ‘respeito ao usuário’ como cidadão de direitos, eram fortemente valorizados por todos os atores. Como exemplo, um dos professores afirmou que o aluno deve “ter uma postura questionadora, reflexiva sempre. Porque você transforma a partir disso, quando você deixa de fazer a coisa de um jeito mecânico” (professor da ETSUS). Entretanto, fato que chamou a atenção foi a grande dificuldade dos professores em precisar o que o aluno necessita aprender para desenvolver esse perfil. As respostas, como a exposta a seguir, se restringiam ao modo de ministrar as aulas e não relacionadas às aprendizagens que o aluno necessitava desenvolver: “mas eu tenho que fazer ele aprender a aprender mesmo (...) eu tenho que dar essa oportunidade, ou pelo menos ativar esse desejo, pra ele também buscar e trabalhar essas especificidades (...) usar uma metodologia ativa” (professor da ETSUS). Somado a isso, existia na fala dos professores uma posição muito forte de negação ao que eles denominam “postura tradicional” de ensino ou “ensino tradicional”. Os professores expressavam essa crítica da seguinte forma: “tem hora que você precisa fazer uma aula expositiva, não tem jeito”; ou então: “eu ainda sigo mais ou menos o caminho tradicional; quando não tem jeito, eu faço uma exposição prévia” (professor da ETSUS-SP, grifos nossos). Esses dois aspectos nos parecem fundamentais para compreender as demais características. Tal posição de negação da “escola tradicional” ou do “modelo tradicional de ensino” e, principalmente, a correlação direta que os professores faziam entre esse modelo e algumas formas e técnicas pedagógicas – em especial a aula expositiva e o registro sistematizado – originavam processos muito pouco formais nas aulas que, no nosso entender, podem dificultar a compreensão de conceitos e conteúdos fundamentais para o desenvolvimento das aprendizagens necessárias ao perfil desejado. Essa correlação direta e, no nosso entender equivocada, imprimia ao processo ensino-aprendizagem 48

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um acentuado caráter não-diretivo e, ao professor, um papel desvalorizado de condutor desse processo. Esse fato torna-se evidente quando das dificuldades que os professores apresentaram em explicitar quais eram suas intenções no que diz respeito às aprendizagens dos alunos. Ou seja, podemos dizer que, de maneira geral, os professores não se viam como propiciadores de aprendizagens para os alunos e tinham pouca clareza do seu papel como organizadores e condutores desse processo. Outro fato emblemático dessa postura foi a auto-definição por muitos professores como facilitadores, traço inequívoco da perspectiva da Escola Nova que tem a não-diretividade do processo ensino-aprendizagem como principal característica.6 No que diz respeito às atividades de sala de aula, existia a preocupação dos professores em levar em consideração os conhecimentos prévios e os interesses dos alunos, tanto para iniciar conteúdos novos, quanto no que tange às estratégias utilizadas, que entendemos ser coerente com essa crítica ao “modelo tradicional” e à perspectiva escolanovista. Por outro lado, essa preocupação nos pareceu, em muitos momentos, exacerbada, o que aponta, mais uma vez, o aspecto acentuadamente não-diretivo do processo ensino-aprendizagem. O trecho a seguir é exemplar a esse respeito: (...) eu pergunto (para os alunos) como é que foi, se eles querem que eu mude, se está bom daquele jeito, se eles querem que eu volte, ou se querem uma outra metodologia, que tipo de aula que eles querem, deixo eles livres pra estar optando também (...) a aula decorre meio solta, não é uma coisa rígida categoricamente. (professor da ETSUS) Cabe-nos perguntar: essa negação de aspectos formais do processo ensino-aprendizagem é relacionada a uma reflexão sobre as alternativas a esse modelo ou apenas a sua negação? Ou, até que ponto essa preocupação é suficiente para propiciar aprendizagens novas para os alunos, e em que medida as situações propostas fazem com que os alunos saiam do senso comum no que diz respeito aos conhecimentos que já trazem? Ou, ainda, quais são os compromissos com os conceitos e conteúdos formais (socialmente reconhecidos) e com o acesso a esse acervo? Quanto à postura do aluno, o que se esperava em sala de aula é que ele fosse participativo, em oposição à postura passiva da “escola tradicional”. Boletim do Instituto de Saúde

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Os professores relataram essa expectativa da seguinte forma: eu busco estimular a participação oral, verbal. É aquela cara de indignação, de curiosidade, não aquele aluno quietinho da escola tradicional. Eu espero reações, a não-passividade (professor da ETSUS-SP). Coerentemente com essa visão, o processo avaliativo (é importante ressaltar que o termo “avaliação” foi entendido, por muitos professores, como sinônimo de “prova” ou de uso de qualquer instrumento formal para a aferição do conhecimento e não como o processo avaliativo) era embasado na participação do aluno em sala de aula. Apresentava poucos registros e critérios muito vagos, havendo, nesse sentido, uma clara desvalorização dos instrumentos e momentos formais de avaliação. A técnica da auto-avaliação, realizada de maneira informal, foi referida por muitos professores como usual e fundamental, o que corrobora essa percepção. Sintetizando, podemos dizer, a partir dessa análise, que o processo ensino-aprendizagem desenvolvido no período investigado era muito pouco diretivo e nos parece que as aprendizagens ou a formalização das mesmas muito pouco valorizadas nesse processo. Um ponto fundamental e de importância para a análise realizada disse respeito às características do vínculo dos professores com as escolas. Por serem trabalhadores do SUS e, portanto, exercerem atividades específicas na assistência, muitas vezes com carga horária completa – 40 horas semanais –, muitos docentes, apesar do interesse pela função, não tinham disponibilidade para vínculos mais efetivos com as escolas. Essa característica (o vínculo com a escola) foi apontada pelos diretores como fundamental para o que eles consideravam “o perfil do professor ideal”. Outro fato relatado pelos diretores foi o de existirem muitos professores com vínculos considerados bons e comprometidos com o projeto da escola, mas que são, de maneira geral, decorrentes de características pessoais. Pode-se dizer que as condições de trabalho que na época eram propiciadas pelo SUS aos professores se constituíam como um fator de limitação no que se refere à possibilidade de maior vinculação dos mesmos às escolas. Esse fato se refletia no processo formativo dos professores. Por serem trabalhadores do SUS vinculados à assistência e com formação específica nas áreas da saúde – na maioria dos casos, no trabalho de Boletim do Instituto de Saúde

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enfermagem – os docentes não possuíam formação específica para a docência. A tentativa de solução do problema se dava por meio da elaboração de cursos de formação, chamados costumeiramente de “capacitação pedagógica”, que eram ministrados para os docentes antes do início dos cursos, geralmente por equipes do nível central da SES. Essa sistemática foi considerada importante, mas insuficiente pelos diretores, que propunham, dentro das possibilidades de cada escola, complementar essa formação. Na medida em que não existiam condições de maior vinculação dos docentes às escolas, parecenos que a sua formação também ficava comprometida, pois não existiam, ou eram muito remotas, as possibilidades de acompanhamento e supervisão do cotidiano que possibilitasse a formação desse docente a partir da reflexão sobre seu próprio trabalho em sala de aula. Apesar dos aspectos expostos, existia uma unanimidade, na percepção dos atores envolvidos, no que diz respeito à formação de melhor qualidade realizada nessas escolas. Fato recorrente nas falas dizia respeito à comparação dos alunos formados nesses centros com os egressos de outras escolas, especialmente das instituições privadas. A trecho a seguir reflete claramente essa percepção: “em termos desse tipo de formação que essa escola se propõe (nível técnico), não tem pra ninguém, porque eu passei por outras escolas. Eu acho que a gente tem que caminhar muito ainda, sempre, mas eu acho que a gente tem um grande diferencial, somos bem melhores que as outras” (professor da ETSUS). Essa avaliação por comparação pode apontar não apenas para uma boa formação propiciada nas ETSUS, mas também para uma importante deficiência na formação oferecida pelas demais instituições. Há que se ressaltar o envolvimento e o compromisso dos atores envolvidos com a formação. Contudo, parece-nos necessário que sejam estabelecidos mecanismos, condições de maior vinculação e sistemáticas de trabalho que possibilitem a esses atores uma sólida formação no que diz respeito às questões educacionais e pedagógicas. Algumas considerações Pela análise dos dados obtidos nos documentos e nas entrevistas, pode-se dizer que a ênfase da formação desenvolvida pelas ETSUS em São Paulo, BIS#48/Novembro_2009

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à época da pesquisa, recaíam no desenvolvimento de aprendizagens ligadas aos aspectos éticos, e muitas vezes políticos, do trabalho do SUS. Contudo, ao detectarmos a pouca diretividade presente no processo ensino-aprendizagem desenvolvido, a dificuldade dos professores em expressar quais são as aprendizagens necessárias para que o perfil de formação desejado seja alcançado, e as frágeis condições de vínculo e ausência de processos de formação e supervisão do corpo docente durante o decorrer dos cursos, podemos dizer que havia evidências da existência de lacunas entre o perfil desejado para o trabalhador de nível técnico da saúde e processo ensino-aprendizagem efetivamente desenvolvido nas Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde em São Paulo. Entendemos que os princípios constitucionais do SUS1 expressam um determinado entendimento de sociedade e que alguns valores devem fazer parte desta. A saúde como direito, o caráter democrático da sua gestão e a universalização do acesso não podem ser entendidos como naturais ou consensuais, assumindo, muitas vezes, um caráter contra-hegemônico. Devem, portanto, ser objeto de trabalho dos professores e de aprendizagem pelos alunos. Na medida em que lidam com trabalhadores que já exercem funções no SUS, as Escolas Técnicas do SUS têm grande potencial para a discussão desses aspectos e devem se constituir como espaços privilegiados de formação que possibilitem aos alunos conhecer e se apropriar de conceitos e de técnicas capazes de propiciar o desenvolvimento de aprendizagens que venham ao encontro desses princípios. Para tanto, se faz necessário que sejam elaborados – e postos em prática – processos ensinoaprendizagem que propiciem, de maneira efetiva, o desenvolvimento do conjunto dessas aprendizagens. É de fundamental importância a valorização desses espaços como espaços de excelência na formação do trabalhador de nível técnico para a saúde e que sejam estabelecidos mecanismos de valorização da prática dos diversos atores que estão envolvidos com esse nível de formação. Tais ações são indispensáveis para que se possa, efetivamente, alcançar as mudanças necessárias para a consolidação do Sistema Único de Saúde como projeto político que valoriza, fundamentalmente, a vida humana.

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ponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/ pdf/LEI8080.pdf Brasil. Ministério da Saúde. SGTES/DGES. Caminhos para a mudança da formação e desenvolvimento dos profissionais de saúde: diretrizes para a ação política para assegurar educação permanente no SUS. Brasília, 2003 Centro Formador de Pessoal para a Saúde de Araraquara. Projeto político pedagógico. Araraquara: Cefor Araraquara, 2003. Monteiro, PHN. As Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde do Estado de São Paulo: análise dos currículos / Paulo Henrique Nico Monteiro – São Paulo, 2006. Dissertação (mestrado)—Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Rede de Escolas Técnicas do SUS. Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz. (RETSUS) Disponível em: www.retsus.epsjv.fiocruz.br. Acesso: 03 set. 2009. Saviani, D. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 30ª edição. Campinas SP: Autores Associados, 1995. (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.5).

Referências bibliográficas 1. Brasil. Lei Federal nº 8.080/90, de 19 de setembro de 1990. Estabelece a Lei Orgânica da Saúde, 1990. Dis50

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O processo de educação permanente em saúde: percepção de equipes de saúde da família Gabriela dos Santos BucciniI, Maria Cezira Fantini Nogueira MartinsII, Maria Teresa Cera SanchesIII

Introdução Lançada em 2004, a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS)2 tem buscado a reflexão crítica sobre as práticas de atenção, gestão e formação dos profissionais de saúde. Trata-se de um processo educativo aplicado ao trabalho, apresentando, entre seus objetivos, o favorecimento de mudanças nas relações, nos processos de trabalho, nos atos de saúde e nas pessoas além de uma melhor articulação para dentro e para fora das instituições6. A Educação Permanente em Saúde (EPS) tem como principal dispositivo as instâncias locorregionais de interação ensino-serviço-gestão-controle social 10,8. A EPS extrapola a educação do domínio técnico-científico das profissões, focando também outros componentes importantes para a elevação da qualidade de saúde da população, tais como a consideração dos aspectos epidemiológicos do processo saúde-doença, a organização da gestão setorial e a estruturação do cuidado à saúde7. Para isso, é necessário “coletar, sistematizar, analisar e interpretar permanentemente informações da realidade, problematizar o trabalho e as organizações de saúde e de ensino, e construir significados e práticas com orientação social, mediante participação ativa dos gestores setoriais, formadores, usuários e estudantes” (p. 46)7. É importante que o processo de EPS seja estruturado de acordo com a realidade mutável e mutante das ações e dos serviços de saúde, tornando-se um “lugar” onde se dê a introdução de mecanismos e temas que gerem auto-análise, auto-gestão e mudança institucional. As demandas para construção desse processo nas Equipes de Saúde da Família I

II

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Fonoaudióloga. NASF - São Miguel/SP - APS Santa Marcelina. Especialista em Saúde Coletiva pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia e Aperfeiçoamento em Aleitamento Materno pela UNIFESP. Aprimoramento no Instituto de Saúde. E.mail: gabibuccini@yahoo.com.br Psicóloga. Pesquisadora do Instituto de Saúde. Mestre e Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP. E.mail: mcezira@yahoo.com.br Fonoaudióloga. Pesquisadora do Núcleo de Práticas em Saúde do Instituto de Saúde da SES-SP. Mestre e Doutora em Saúde Pública /USP. E.mail: mtsanches@isaude.sp.gov.br

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(ESF) devem partir, prioritariamente, de problemas do cotidiano com a comunidade, garantindo aplicabilidade e relevância3. Uma das metas da EPS é a de provocar desacomodação e de favorecer a criatividade no que tange às práticas de saúde10,8. Estudos e pesquisas sobre como a EPS tem se concretizado nos vários contextos, contribuindo para o aprimoramento dessa política e trazendo subsídios tanto para uma discussão mais ampla sobre os processos educativos como para o desenvolvimento dos mesmos nos locais específicos. Nesse sentido, este estudo visa fornecer um retrato sobre a forma como as equipes de saúde da família, pertencentes à Supervisão Técnica de Saúde de Pirituba/Perus (SP) têm percebido o processo de EPS. Método Este estudo constitui um desdobramento da pesquisa “Estudo dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo de recém-nascidos de baixo peso ao nascer”, do Instituto de Saúde/SES-SP/FAPESP/ SMS-SPIV, realizado, em 2007, na área de abrangência da Supervisão Técnica de Saúde Pirituba/ Perus, situada na região norte do município de São Paulo, abrangendo os distritos administrativos de Anhanguera, Perus, Jaraguá, São Domingos e Pirituba. O Programa de Saúde da Família dessa região era constituído, no momento da realização da pesquisa, por 58 equipes de Saúde da Família e 564 profissionais (52 médicos, 54 enfermeiros, 116 auxiliares de enfermagem e 341 agentes comunitários de saúde – ACS) distribuídos em 15 UBS, que atendem a 208.283 pessoas cadastradas (37,4% do total da população da região). Como o estudo visava conhecer as percepções dos profissionais, foi utilizada a abordagem IV

Sanches MTC, Rosa TEC, Buccini GS. Estudo dos fatores associados ao aleitamento materno exclusivo de recém-nascidos de baixo peso ao nascer. Relatório final de projeto de pesquisa. Instituto de Saúde-SES/SP/FAPESP/SMS-SP/Supervisão de Saúde de Pirituba/Perus. São Paulo, 2008. 200p.

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qualitativa de pesquisa 11,14 através de grupos focais. O grupo focal, assim como a maior parte das técnicas qualitativas para a coleta de dados, requer uma amostra intencional (não aleatória) de seus participantes. Neste estudo, a amostra foi constituída por equipes, pois se buscou compreender não só as percepções e as práticas dos profissionais por categorias, isoladamente, mas também como esses aspectos se revelam nas equipes. Foram consideradas potenciais participantes todas as equipes completas de Saúde da Família (médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e ACS) há no mínimo seis meses. Ao final do processo de seleção da amostra, as sete ESF selecionadas foram divididas em dois grupos focais (quatro equipes no grupo A e três equipes no grupo B). Para a análise do material, foi empregada a técnica da análise temática, que propõe a obtenção de núcleos de sentido/temas centrais apresentados pelos grupos11,12. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Contou com a participação voluntária dos profissionais de saúde, mediante assinatura do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Resultados: A análise do material obtido nos grupos focais, no recorte correspondente ao tema do processo de EPS, deu origem a quatro categorias: 1. Formação dos profissionais de saúde 2. Gestão setorial 3. Participação popular e controle social 4. Práticas atuais de educação continuada Formação dos profissionais da saúde Os participantes dos grupos consideraram que a formação recebida durante a formação na graduação e/ou pós-graduação foi muito especializada, não favorecendo atitudes e habilidades ligadas à tarefa de “cuidar” da população de forma integral e singular. “... eu acho que o que está faltando é... capacitação, porque senão como é que você vai saber se você não sabe, não tem o conhecimento teórico para isso, eu sou formada há muito tempo, mais sou formada em ginecologia... Lógico que quando 52

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estou com algum problema, eu pego o pessoal lá no posto que fez pediatria e peço uma ajuda. Graças a Deus, lá tem um pediatra, um endócrino, tem eu de ginecologia e o outro que é homeopata... “ Este é um aspecto já ressaltado por Campos e Belisário5 quando apontam para o fato de que os profissionais atualmente em atividade foram formados a partir de uma visão tecnicista e especializada, que privilegia a atuação centrada no modelo médicohospitalar, baseada, principalmente, nos aspectos biológicos e tecnológicos da assistência. Por isso, os profissionais vêm enfrentando dificuldades para lidar com questões amplas da atuação (prática) no SUS, como, por exemplo, trabalhar em equipe, atuar como equipes generalistas e desenvolver uma atuação conjunta com a família e com a comunidade. Embora, na atualidade, tenhamos propostas inovadoras no tocante à formação dos profissionais de saúde, os que estão trabalhando há mais tempo nos serviços de saúde foram formados dentro de um modelo conservador, que não levou em conta vários aspectos relacionados ao tema da saúde, tais como: o SUS; a produção de subjetividade; a produção de habilidades técnicas e de pensamento7. Gestão setorial Embora a gestão setorial tenha sido considerada pelos participantes dos grupos como um dispositivo importante para mudar as práticas de saúde, alguns profissionais destacaram que os gestores privilegiam a cobrança de produção/metas, revelando pouco interesse em estimular os profissionais a participar ou desenvolver algum projeto de educação permanente. “É uma questão gerencial... é uma questão de coordenação de unidade. Eu acho que quando se forma uma equipe, aquele que vai coordenar é que vai definir como será feito isso; porque quem está na equipe está correndo o tempo todo... então quem vai coordenar e fazer uma programação é a gerência... se a gerência entender que isto é importante...” “No PSF, eles só vêem número, eles só querem saber da situação em números, do que a gente faz, é o que eles falam: ‘atingiu a meta, não atingiu a meta’ Mas... se você está atendendo bem, o que você está fazendo... não estão nem aí.” Nesse contexto, a gestão para a Educação Permanente em Saúde torna-se um dispositivo imBoletim do Instituto de Saúde

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portante para promover mudanças nas práticas, estabelecendo espaços para diálogo, negociação, identificação das necessidades e construção de estratégias políticas. Para isso, foram criados, no estado de São Paulo, os Pólos de Educação Permanente em Saúde2, depois transformados em Comissões de Integração de Ensino-Serviço (CIES), que constituem o espaço de articulação, negociação e pactuação dos procedimentos recomendados para operacionalizar o Plano Estadual de Educação Permanente em Saúde do Estado de São Paulo. Dentre os vários aspectos a serem trabalhados visando à integralidade da atenção em saúde, estão: acolhimento, resolutividade, vínculo entre usuários e equipes, responsabilização, desenvolvimento da autonomia dos usuários. Os CIES devem trabalhar com planos regionais de educação na saúde dos colegiados de sua área de abrangência. Busca-se, assim, uma nova inteligência de gestão capaz de produzir conhecimentos a partir das questões locais, de tal forma que o cotidiano do trabalho em saúde e da realidade da população esteja implicado nos processos de aprendizagem, absorvendo as diretrizes do SUS, como a descentralização do sistema e a construção de capacidades no âmbito locorregional8. Participação popular e controle social Os profissionais participantes dos grupos focais destacaram, no geral, a importância de continuar a se aprimorar, para realizar um atendimento com qualidade à população. No entanto, relataram que em suas unidades de origem não há um incentivo e nem reivindicações por parte da população para que isso aconteça. Segundo as ESF, os usuários se limitam a fazer reclamações e solicitar mais atendimentos médicos. Os profissionais das ESF alegam que não se sentem valorizados e estimulados para se aprimorarem e culpabilizam o excesso de cobrança pela produção (número de consultas, atendimentos e visitas domiciliares), não apenas pela gerência, mas, também, pela população/ comunidade adstrita. Diante deste fato, tal como no estudo de Trad e Espiridião13 percebe-se que a participação popular e controle social são incipientes; assim, não se dá um espaço de reflexão, debate e reivindicação pelas reais necessidades sociais por saúde da comunidade. Nesse sentido, as ESF têm papel fundamental no incentivo e esclarecimentos a respeito da importância da participação popular para geração de mudanças. Boletim do Instituto de Saúde

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“É um absurdo continuar cobrando a gente desse jeito. Cobrança permanente... Se fosse estabelecido um dia (por exemplo, sexta-feira) para ficarmos fazendo curso. Se falar isso para o paciente, ele também vai reclamar, então é muito difícil, é cobrança atrás de cobrança. Até quando a gente está na reunião, o paciente bate na porta, nós falamos que estamos em reunião, ele acha ruim ter que ficar esperando...“ No Brasil, a população tem assento nas instâncias máximas da tomada de decisões em saúde, por isso a denominação controle social dada à participação da sociedade no SUS. Controle social, no sistema de saúde brasileiro, quer dizer direito e dever da sociedade de participar do debate e da decisão sobre a formulação, execução e avaliação da política nacional de saúde. Porém, apesar do avanço Constitucional, desde a Reforma Sanitária, com a nova forma de reorganização do SUS e a correlação entre Atenção, Gestão, Participação e Controle Social e também com o Planejamento Estratégico Situacional, percebe-se que é ainda grande a distância entre a construção dos direitos e o seu efetivo exercício pela população, que está assim, distante da consolidação do exercício da cidadania. O mecanismo de controle social precisa ser aperfeiçoado e consolidado, a partir de um “empoderamento” da população que, assim, estará cada vez mais ciente de sua co-participação na direção da melhoria da qualidade de vida. Práticas atuais de educação continuada Na prática, a educação permanente resumese, conforme os participantes dos grupos focais, à realização de reuniões para discussão e à troca de informações — sobre temas variados e pertinentes à realidade que os circunda — entre os membros das equipes. “... e o que a gente deixa assim um pouquinho é a parte técnica, estudo de casos, este é um dos objetivos que a gente está deixando pra trás, a gente está muito atrás de ‘apagar incêndio’ ainda, e a gente deixa esta parte técnica do conhecimento, o meu conhecimento quanto enfermeiro, o conhecimento dele enquanto médico, do agente comunitário [ACS]... Então a gente não está conseguindo isso, confesso que a gente não consegue evoluir.” BIS#48/Novembro_2009

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Em relação à troca de experiências ou conhecimentos adquiridos após a participação em cursos por algum membro da equipe, os participantes dos grupos assinalaram que o profissional não consegue passar as informações para a equipe pelas dificuldades operacionais e institucionais já apontadas (questões gerenciais e de planejamento). E quando esse compartilhar acontece, é em um contexto verticalizado. Além disso, comentaram que a transmissão de informações, muitas vezes, parece não ser fidedigna e fica empobrecida já que dificilmente os profissionais tem os mesmos recursos pedagógicos e a mesma preparação ou domínio sobre o assunto, para transmiti-lo com a mesma qualidade. Conforme os profissionais participantes dos grupos, alguns cursos oferecidos são distantes de seu exercício cotidiano, sendo, portanto, de difícil aplicação na prática. Assim, estão revelando que nem sempre a EP tem oferecido oportunidade para uma aprendizagem significativa, que é aquela que promove e produz sentidos e que ocorre quando há uma reflexão crítica sobre as práticas reais, concretas, efetivadas nos serviços de saúde9, bem como a implicação do processo de trabalho nesse contexto. Na tentativa de buscar novos caminhos para viabilizar o processo de educação permanente para as Equipes de Saúde da Família (ESF), aos poucos, experiências vêm sendo divulgadas1. Um exemplo é a realização das capacitações sequenciais, que podem ocorrer com toda equipe, tendo momentos específicos, nos quais se pode trabalhar a necessidade de cada categoria profissional separadamente. Além disso, a realização de encontros (mensais ou trimestrais) entre as ESF foi sugerida, como espaço importante de trocas de experiências e busca coletiva de soluções1. Conclusão O estudo revela que há ainda uma grande distância entre o que é proposto na Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) e a realidade local pesquisada. As dificuldades encontradas vão desde questões institucionais e gerenciais até questões que envolvem os processos de trabalho e a participação popular. A partir do enfrentamento dessas dificuldades, poderão surgir possibilidades de ação e caminhos a serem trabalhados para o fortalecimento da PNEPS que, por meio de estratégias planejadas e estruturadas nas reais necessidades das ESF, das famílias e da comunidade podem gerar mudanças nas práticas de atenção à saúde. 54

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Referências bibliográficas 1. Bernardino MTSM, Conversani DTN, Bógus CM, Feliciano AB. Consensos e divergências: a capacitação profissional das equipes de saúde da família no município de São Carlos. Trab. Educ. Saúde 2005; 3(1):75-89. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão e da Educação na Saúde. Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS. Brasília, 2003. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção á Saúde. Departamento de Atenção Básica. Portaria nº 648/GM, 28 de Março de 2006. Política Nacional de Atenção Básica. Disponível em URL: http://portal.saude.gov.br/portal/area. cmf?id_area=169. Acesso em: 27/03/2007. 4. Campos FE, Belisário SA. O Programa de Saúde da Família e os desafios para a formação profissional e a educação continuada. Interface Comunic. Saúde Educ. 2001 5:133-142. 5. Carotta F, Kawamura D, Salazar J. Educação Permanente em Saúde: uma estratégia de gestão para pensar, refletir e construir práticas educativas e processos de trabalho. Saúde soc. 2009; 18(supl.1):48-51. 6. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área da Saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Rev. Saúde Coletiva 2004; 14(1):41- 65. 7. Ferla AA, Schaedler LI, Bilibio LFS, Ceccim RB, Rodrigues ET, Herrera HT, Santos L, Vanderléia LP, Daron VLP. Educação Permanente e a regionalização do sistema estadual de Saúde na Bahia. Saúde soc. 2009; 18(Supl.3):137. 8. Haddad JQ, Roschke MA, Davini MMC (ed.). Educación permanente de personal de salud. Washington: OPS/OMS, 1994. 9. Hormanez S, Bassinelo GH. O território e o processo saúde e doença: articulando as bases de ação. Saúde soc. 2009; 18(Supl.3):135. 10. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8ªed. São Paulo: Hucitec/ Rio de Janeiro: Abrasco, 2004. 11. Nogueira-Martins MCF, Bógus CM. Considerações sobre a metodologia qualitativa como recurso para o estudo das ações de humanização em saúde. Saúde soc. 2004; 13(3):44-57. 12. Trad LAB, Esperidião MA. Gestão participativa e corresponsabilidade em saúde: limites e possibilidades no âmbito da Estratégia de Saúde da Família. Interface - Comunic., Saude Educ. 2009; 13(supl 1):557-70. 13. Turato ER. Métodos qualitativos e quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus objetos de pesquisa. Rev Saúde Pública 2005; 39(3): 507-14.

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Iniciativa Hospital Amigo da Criança: uma reflexão sobre processos educativos para a implantação de práticas apropriadas de atenção a mães e recém-nascidos em São Paulo Tereza Setsuko TomaI, Sonia Isoyama VenâncioII, Marina Ferreira ReaIII Introdução As rotinas hospitalares e as práticas de profissionais da saúde há muito tempo têm sido apontadas como um dos fatores determinantes do desmame precoce em todo o mundo. O cuidado médico-hospitalar e o desenvolvimento da pediatria, ao longo do século passado, acabaram por criar regras que tornaram mais difícil a prática do aleitamento materno. Medidas higiênico-sanitárias equivocadas levaram à separação desnecessária entre mães e bebês. Estes passaram a ficar confinados em berçários, sendo levados para mamar em horários fixos e suas mães orientadas a limpar exageradamente as mamas. Ao interferir no processo natural da relação mãe-bebê no início da vida, tais procedimentos contribuíram para o surgimento de dificuldades na amamentação e consequente perda da autoconfiança materna3,12. Até hoje, um dos principais motivos alegados pelas mulheres para oferecer leites de outros animais e deixar de amamentar é o “leite fraco” ou “leite insuficiente”. Embora vários fatores possam contribuir para a não amamentação, sem dúvida, os cuidados prestados às mulheres e às crianças nos primeiros dias após o parto são fundamentais. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), lançaram em 1989 o documento “Promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno: o papel especial dos serviços de maternidade”. Nele se discute a influência negativa de certas práticas hospitalares e se propõem “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, procedimentos mínimos que deveriam ser adotados pelos serviços de saúde7. Medidas isoladas, como a implantação do sistema de alojamento conjunto, já vinham sendo I

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Médica pediatra, Doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Instituto de Saúde, avaliadora da IHAC e membro da IBFAN Brasil. E-mail: ttoma@isaude.sp.gov.br Médica pediatra, Doutora em Saúde Pública, pesquisadora e vice-diretora do Instituto de Saúde, membro do Comitê Nacional de Aleitamento Materno. E-mail: soniav@isaude.sp.gov.br Médica sanitarista, Doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Instituto de Saúde, avaliadora da IHAC, membro da IBFAN Brasil e do Comitê Nacional de Aleitamento Materno. E-mail: marinarea@isaude.sp.gov.br

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divulgadas e adotadas. Os Dez Passos, no entanto, pareciam difíceis de sair do papel. Então, em 1992, OMS e UNICEF lançam a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), uma estratégia mundial destinada a facilitar a incorporação dessas recomendações nas maternidades. A IHAC funciona como um sistema de acreditação, no qual o serviço de saúde que implanta todos os passos recebe uma certificação de Hospital Amigo da Criança (HAC). Desta forma, ele pode ser reconhecido pela comunidade como um hospital no qual se oferece o que há de melhor quanto à promoção, proteção e apoio do aleitamento materno2,5. A concepção da IHAC e sua implementação no Brasil Nos últimos 15 anos, cerca de 20.000 hospitais em 156 países receberam o título de HAC. No Brasil, de 1992 a 2008 foram credenciados apenas 352 hospitais2, dentro de um universo de quase 4000 hospitais com leitos de maternidade. Acredita-se que a adição de 5 critérios em 1996 e de 10 critérios criados pelo Ministério da Saúde em 2004, em particular a exigência de redução nas taxas de cesarianas, tenha freado sua expansão5. Os Dez Passos e o Processo de Certificação da IHAC São dois os objetivos da IHAC: 1) transformar as práticas hospitalares por meio da implantação dos Dez Passos e 2) não permitir que as maternidades aceitem a prática das empresas de doação ou venda a baixo custo de substitutos do leite materno aos serviços de saúde2. A seguir, estão descritos, de maneira resumida a relevância e como interpretar cada um dos passos4. Passo 1. Ter uma política escrita de aleitamento materno que seja rotineiramente transmitida a toda a equipe de cuidados de saúde. A existência de uma política documentada é fundamental para que a equipe como um todo saiba o BIS#48/Novembro_2009

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que precisa ser feito e atue de forma mais consistente. Isto também permite o monitoramento e a avaliação dos avanços alcançados. A política deve contemplar os Dez Passos e os tópicos pertinentes do Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno (Código) e da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL). Espera-se que esse documento seja redigido em linguagem simples para ser facilmente compreendido por todos os funcionários e pelos usuários. Passo 2. Capacitar toda a equipe de cuidados de saúde nas práticas necessárias para implementar esta política. Para que se consiga realizar as mudanças necessárias e implantar os Dez Passos é fundamental que todos os funcionários sejam informados sobre a política de aleitamento materno que está sendo implementada. A IHAC exige que os profissionais que lidam diretamente com gestantes, mães e bebês (serviços de pré-natal, pré-parto e parto, alojamento conjunto, unidade neonatal, ambulatório de seguimento após a alta) recebam pelo menos 20 horas de capacitação para o manejo do aleitamento materno, incluindo no mínimo três horas de atividade prática com supervisão. Passo 3. Informar todas as gestantes sobre os benefícios e o manejo do aleitamento materno. Este passo se aplica aos hospitais que têm um serviço de atenção pré-natal, seja para atender gestantes de baixo ou alto risco e/ou aqueles que têm enfermaria para internação de gestantes de alto risco. As gestantes devem ser informadas sobre a importância de realizar a testagem para o HIV, caso não a tenham realizado. Todas as gestantes, exceto as HIV-positivo, devem ser informadas sobre os benefícios do aleitamento materno e como praticá-lo. As gestantes HIV-positivo devem ser orientadas quanto à alimentação de substituição do leite materno de maneira individualizada, com privacidade, levando em conta suas condições de vida. Passo 4. Ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia hora após o nascimento. Todos os recém-nascidos sadios devem ser colocados em contato pele a pele com suas mães imediatamente após o parto e assim permanecer por pelo menos 1 hora. Se o bebê manifestar sinais de prontidão para mamar, as mães devem receber a ajuda necessária para amamentar. Todos os procedimentos médico-hospitalares de rotina devem ser adiados. 56

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Passo 5. Mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação, mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos. Todas as mães devem receber apoio para amamentar, aprender a avaliar os sinais de prontidão do bebê, aprender a posicionar o bebê para que faça uma pega adequada e aprender a realizar ordenha manual das mamas. As mães separadas de seus bebês por qualquer razão justificável devem receber o apoio necessário para manter a produção do leite e oferecê-lo ao bebê com copo, se apropriado. Passo 6. Não oferecer aos recém-nascidos bebida ou alimento que não o leite materno, a não ser que haja uma indicação médica. A amamentação exclusiva deve ser praticada durante todo o período que mãe e bebê permanecerem internados. A grande maioria dos bebês pode mamar assim como a grande maioria das mães pode amamentar. Há poucas razões médicas aceitáveis para substituição parcial ou total do aleitamento materno. Estas informações devem estar facilmente acessíveis a todos os funcionários. Nessas situações de exceção, o substituto do leite materno deve ser prescrito e a justificativa anotada no prontuário hospitalar. Esse substituto deve ser comprado pela unidade de saúde como qualquer medicamento. A orientação da mãe que necessita usar um substituto do leite materno deve ser feita de maneira individualizada. Passo 7. Praticar o alojamento conjunto (permitir que mães e recém-nascidos permaneçam juntos, 24 horas por dia). Mães e bebês sadios devem permanecer juntos durante todo o período de internação hospitalar. A IHAC aceita breves períodos de separação para eventuais procedimentos médico-laboratoriais necessários. A grande maioria dos procedimentos pode ser realizada junto ao leito materno. Passo 8. Incentivar o aleitamento materno por livre demanda. Amamentação por demanda significa dar de mamar sempre que o bebê mostrar sinais de prontidão ou, no caso de bebês que dormem mais, a mãe pode acordá-lo para amamentar quando sentir que suas mamas estão cheias. Não se deve colocar qualquer restrição quanto ao intervalo entre as mamadas e a duração de cada mamada. Passo 9. Não oferecer bicos artificiais ou chupetas a lactentes. Recomenda-se que bebês em amamentação não recebam qualquer tipo de bico artificial, uma vez que Boletim do Instituto de Saúde

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isso pode levar a amamentação menos frequente e interferir na sucção. A diminuição na frequência da amamentação e uma sucção menos eficiente podem atrasar ou diminuir a produção de leite materno. Um bebê que se habitua a sugar outros bicos pode provocar traumas mamilares na mãe. Passo 10. Promover a formação de grupos de apoio à amamentação e encaminhar as mães a esses grupos na alta da maternidade. É responsabilidade da equipe do hospital dar um adequado encaminhamento da mãe à alta para que busque ajuda se tiver problemas na lactação. Isto pode ser viabilizado através de um ambulatório próprio, unidades básicas de saúde, PSF ou grupos de mães da comunidade. Todas as mulheres devem ser informadas sobre onde conseguir o apoio necessário para manter a amamentação. Cumprimento do Código/NBCAL A Maternidade deve mostrar cumprimento aos artigos referentes as práticas da maternidade de não aceitar doações nem fórmulas infantis a preço reduzido, nem mostrar a presença de propagandas de produtos da abrangência da Norma. Na maioria dos países, a adoção dos Dez Passos pelos hospitais é uma atitude voluntária, a partir da compreensão do seu custo-benefício pelo gestor e equipe de saúde. No Brasil, para ser credenciado com o título de Hospital Amigo da Criança (HAC), além dos Dez Passos, é necessário que os hospitais cumpram os 10 critérios adicionais1 apresentados no quadro anexo. O processo de credenciamento no Brasil2 envolve as seguintes etapas: 1. Realizar uma auto-avaliação das práticas hospitalares mediante o preenchimento do Instrumento de auto-avaliação hospitalar. Se todos os requisitos não forem cumpridos a equipe deve continuar trabalhando no sentido de alcançar as exigências da IHAC. Se a auto-avaliação mostrar o cumprimento de todos os requisitos, pode-se solicitar uma pré-avaliação à Secretaria Estadual de Saúde (SES); 2. Ser submetido a uma pré-avaliação realizada por avaliadores capacitados e indicados pela SES, mediante visita ao hospital e entrevistas com gestantes, mães e profissionais de saúde. Se nem todos os requisitos são cumpridos a equipe deve continuar trabalhando no sentido de alcançar as exigências da IHAC. Se a pré-avaliação mostrar o cumprimento de Boletim do Instituto de Saúde

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todos os requisitos, a SES solicitará uma avaliação global ao Ministério da Saúde (MS); 3. Ser submetido a uma avaliação global realizada por avaliadores capacitados e indicados pelo Ministério da Saúde, mediante visita ao hospital e entrevistas com gestantes, mães e profissionais de saúde. Se nem todos os requisitos são cumpridos a equipe deve continuar trabalhando no sentido de alcançar as exigências da IHAC e firma um certificado de compromisso com prazo para efetivar as mudanças. Se a avaliação global mostrar o cumprimento de todos os requisitos, o MS concederá o certificado de HAC, com validade de três anos. 4. Depois do credenciamento, o hospital deverá manter um sistema de monitoramento para sustentar as mudanças alcançadas. A SES deverá promover a reavaliação do serviço anualmente e o MS a cada três anos. O hospital que não conseguir manter o padrão esperado pela IHAC poderá ser descredenciado. O novo conjunto de materiais instrucionais da IHAC A IHAC conta com um conjunto de materiais que foram elaborados para efetivar sua implementação. Estes materiais foram atualizados em 2004-6, incorporando as evidências científicas surgidas depois do lançamento da Iniciativa e os consensos sobre alimentação de lactentes e crianças pequenas, incluindo as situações de exceção como os bebês nascidos com baixo peso e o HIV/Aids2. O presente conjunto da IHAC inclui os 5 módulos abaixo, que foram traduzidos ao português por profissionais do Instituto de Saúde e da IBFAN Brasil,IV com apoio financeiro do UNICEF. Este material foi disponibilizado para os países da África de língua portuguesa. Uma versão adaptada à realidade brasileira encontra-se disponível no site do Ministério da Saúde na seção Saúde da Criança e Aleitamento Materno.V Módulo 1. Histórico e Implementação - oferece orientações sobre os processos revisados e opções de ampliação no país para a atenção à mãe no pré-parto/parto/puerpério, em unidades básicas de saúde e comunidade, enfermarias de pediatria, e módulos opcionais para áreas com alta prevalência de HIV. IV

V

A IBFAN – International Baby Food Action Network – é uma rede internacional de defensores da alimentação infantil saudável. No Brasil, a coordenação tem sede em Jundiaí (SP). Mais informações podem ser obtidas em http://www.ibfan.org.br http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1251

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Módulo 2. Fortalecendo e Sustentando a Iniciativa Hospital Amigo da Criança: um curso para gestores – adaptado do curso da OMS de 1996, este material pode ser usado para sensibilizar os tomadores de decisão de hospitais (diretores, administradores, chefes de setores, etc.) e criadores de políticas sobre as diretrizes da IHAC e os impactos positivos que pode gerar. Tem como objetivo conquistar o comprometimento desses dirigentes com a promoção e a manutenção das ações “amigas da criança”. Módulo 3. Promovendo e Incentivando a Amamentação em um Hospital Amigo da Criança: um curso de 20 horas para equipes de maternidade pode ser usado para fortalecer o conhecimento e a qualificação das equipes, no sentido de uma boa implementação dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno. Módulo 4. Auto-avaliação e Monitoramento do Hospital - oferece instrumentos que podem ser usados por gerentes e equipes para ajudar a determinar se as unidades de saúde estão prontas para se submeter a uma avaliação externa e, assim que credenciadas, a monitorar a adequação aos Dez Passos. Módulo 5. Avaliação e Reavaliação Externas oferece orientações e instrumentos para avaliadores externos, a serem usados inicialmente para avaliar se os hospitais atendem aos Critérios Globais e, portanto, se respeitam integralmente os Dez Passos. Posteriormente, podem ser utilizados para reavaliar, regularmente, se as unidades de saúde mantêm os padrões requeridos. Este material está disponível apenas para os avaliadores externos. A implementação da IHAC no Estado de São Paulo Em dezembro de 1997 havia 94 HAC no país, dos quais apenas 4 no estado de São Paulo e nenhum na capital. Estudo realizado com dados obtidos de 45 hospitais públicos e privados do município de São Paulo apontou que a implantação dos Dez Passos era praticamente nula9. Como explicar que uma iniciativa internacional elaborada com base em evidências científicas e incorporada no Brasil como uma política pública de saúde, pudesse ter tão pouca adesão no estado de São Paulo? Apesar dos esforços do Ministério da Saúde em capacitar os profissionais de saúde para implementação dessa política e de todos os cursos 58

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realizados no Estado, qual seria a justificativa para tão baixa resposta dos hospitais? Um estudo que avaliou o treinamento em aleitamento materno oferecido pelo Centro de Lactação de Santos/SP e seu impacto sobre a implantação dos Dez Passos nos fornece algumas pistas. Segundo esta pesquisa, várias dificuldades de ordem políticoinstitucional, como a falta de apoio da direção do hospital e a falta de inserção da IHAC no contexto administrativo dos serviços interferiam negativamente no processo de implantação14. Esses resultados nos remetem ao seguinte questionamento: “A capacitação de profissionais de saúde que atuam diretamente no atendimento de mães e bebês em maternidades é uma estratégia suficiente para a promoção das mudanças desejáveis?” No “caso” IHAC, essa pergunta, feita no estado de São Paulo no final da década de 1990, tinha aparentemente uma resposta negativa. Dessa forma, definiu-se uma nova estratégia para a efetivação da proposta, tendo como foco o envolvimento dos gestores (diretores das regionais de saúde, diretores de hospitais/maternidades, além das chefias dos serviços de obstetrícia, neonatologia e enfermagem). Esta preocupação era universal. Por isso, a OMS e o UNICEF elaboraram em 1996 um curso destinado a sensibilizar gestores ou “tomadores de decisão”, por meio da apresentação de evidências científicas a favor da IHAC, incluindo os estudos de custo-efetividade que mostram suas vantagens econômicas. O material foi traduzido ao português sob coordenação do Instituto de Saúde (IS)6. Em 1998, o Curso para Gestores sobre a IHAC foi aplicado aos dirigentes de hospitais em um projeto de intervenção realizado pelo Instituto de Saúde, com apoio da Coordenadoria de Planejamento da Secretaria de Estado da Saúde (SES), envolvendo 12 hospitais públicos da Grande São Paulo. Após o curso, a cada 6 meses as práticas hospitalares foram avaliadas e os resultados discutidos em reuniões com as equipes desses hospitais. Ao final do projeto em 2000, após três avaliações realizadas, observou-se significativa mudança nas práticas, embora apenas um dos hospitais tivesse implantado todos os passos8. Posteriormente, cinco desses hospitais foram credenciados como HAC. O entusiasmo da equipe do IS com estes resultados levou a um outro projeto, concebido no âmbito da então Coordenadoria de Saúde do Interior (CSI) que envolveu, na sua execução, as regionais de saúde do estado. Foram realizados 17 cursos para Boletim do Instituto de Saúde

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gestores, de forma descentralizada, envolvendo cerca de 280 hospitais públicos e filantrópicos, no período de 1998 a 200110. Em continuidade aos investimentos realizados, a equipe do Instituto elaborou uma proposta para formar multiplicadores em “Manejo da lactação”, convidando todos os hospitais que haviam participado dos Cursos para Gestores, para capacitar suas equipes para a implantação dos Dez Passos. Entrevistas realizadas com profissionais de 108 hospitais que aceitaram participar do novo projeto mostraram que 74% deles estavam em processo de implementação da IHAC11. Na sequência, esses cursos para formar multiplicadores em todo o estado foram realizados por meio de projeto de convênio entre Instituto de Saúde e Ministério da Saúde. Os quatro cursos realizados nos municípios de Araçatuba, São Paulo, Taubaté e Sorocaba contaram com a participação de 118 técnicos de 57 municípios13. Desde o primeiro Curso para Gestores em 1998, o número de hospitais amigos da criança triplicou em São Paulo. Atualmente o estado conta com 35 hospitais credenciados, figurando como o segundo estado com o maior número de HAC no país, em que pese apenas 21% dos nascimentos do Estado ocorrerem nesses hospitais. Vale registrar que nos últimos anos não houve credenciamento de qualquer novo hospital em São Paulo, e que a reavaliação realizada em 2009 nos existentes mostrou que muitos voltaram atrás na prática dos Dez Passos. Conclusão Mais do que um relato sobre o que é e como funciona a Iniciativa Hospital Amigo da Criança e a experiência do Instituto de Saúde na capacitação de profissionais de saúde e gestores para sua implementação, parece importante analisar como diferentes estratégias educativas podem impulsionar os processos de implementação de políticas e levar à mudança nas práticas e qualificação da atenção à saúde. O percurso da implantação da IHAC no Brasil e, particularmente no estado de São Paulo, pode servir de base para uma reflexão sobre a efetividade das estratégias propostas, especialmente os cursos de manejo e para gestores. A experiência mostrou que aliar a estratégia de envolvimento dos gestores à capacitação de profissionais de saúde, como já vinha ocorrendo, parece ter potencializado os esforços para a expansão da IHAC no estado. Ou seja, as estratégias educativas que visam à implementação de Boletim do Instituto de Saúde

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mudanças na atenção à saúde, quando inseridas em um contexto político-institucional favorável, parecem ter mais chances de sucesso. Infelizmente, os avanços têm sido mais lentos e, pelo menos em parte, as dificuldades para o cumprimento dos critérios estabelecidos pelo MS podem ter significado um entrave importante. Porém, olhando para a trajetória da IHAC no estado de São Paulo, podemos formular a seguinte questão: Embora iniciativas como as do Instituto de Saúde, parte integrante da SES-SP, tenham buscado manter a IHAC na pauta de gestores e demais profissionais de saúde, a descontinuidade desse projeto observada no contexto mais amplo de uma política estadual de saúde da criança e da mulher, pode ter contribuído para essa estagnação? Investigações que levem estas indagações em conta seriam importantes para nos dar respostas e apontar melhorias e correções necessárias à implementação dessa política. Referências bibliográficas 1. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria SAS/MS nº756 de 16 de dezembro de 2004. Estabelece as normas para o processo de habilitação do Hospital Amigo da Criança integrante do Sistema Único de Saúde – SUS. Diário Oficial. 17 dez 2004; Seção 1:99. 2. Brasil. Ministerio da Saúde. Secretaria de Atenção a Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. A Iniciativa Hospital Amigo da Criança no Brasil: histórico, situação atual, ações e perspectivas [monografia na internet]. Brasília (DF); 2009 [acesso em 17 mar 2009]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto. cfm?idtxt=29931&janela=1 3. Colameo AJ. A ética profissional, a amamentação e as indústrias. In A legislação e o marketing de produtos que interferem na amamentação: um guia para o profissional de saude perspectivas [monografia na internet]. Brasilia: Editora do Ministério da Saúde, 2009, pág.15-24. [acesso em 14 de setembro de 2009]. Disponível em: http://portal.saude. gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1460 4. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Iniciativa Hospital Amigo da Criança : revista, atualizada e ampliada para o cuidado integrado : módulo 2 : fortalecendo e sustentando a iniciativa hospital amigo da criança : um curso para gestores / Fundo das Nações Unidas para a Infância, Organização Mundial da Saúde [monografia na internet]. Brasília : Ministério da Saúde, 2009. [acesso em 17 jun 2009]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/ portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29931&janela=1 5. Lamounier JA, Bouzada MCF, Janneu AMS, Maranhão AGK, Araújo MFM, Vieira GO, Vieira TO. Iniciativa Hospital Amigo da Criança, mais de uma década no Brasil: repensando o futuro. Rev Paul Pediatr. 2008;26(2):161-9. 6. Organização Mundial da Saúde e Fundo das Nações Unidas para a Infância. Promoção do aleitamento materno nas instituições de saúde: curso intensivo para planejadores e gestores de saúde. Rea MF (coord.). Instituto de Saúde, 1999. BIS#48/Novembro_2009

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7. Organização Mundial da Saúde. Proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno: o papel especial dos serviços de maternidade. Uma declaração conjunta OMS e UNICEF. 1989. 8. Rea MF, Toma TS, Venancio SI. O papel do Curso de promoção do aleitamento materno nas instituições de saúde OMS/Wellstart na implementação de uma política de aleitamento materno na região metropolitana de São Paulo. In: VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, 2000, Salvador. VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva: Livro de Resumos, 2000. p. 369-369. 9. Toma TS, Monteiro CA. Avaliação da promoção do aleitamento materno nas maternidades públicas e privadas do Município de São Paulo. Rev. Saúde Pública 2001;35(5):409-14. 10. Toma TS. Situação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança no Estado de São Paulo. In CD Anais do XII Encontro Paulista de Aleitamento Materno, Marília, SP, 2003

11. Toma TS, De Divitiis R, Cruz VM. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: implementação dos Dez Passos em maternidades públicas e filantrópicas do Estado de São Paulo. In BIS nº 27, agosto de 2002. pág. 13-4. 12. Venancio SI. Dificuldades para o estabelecimento da amamentação: o papel das práticas assistenciais das maternidades. J Ped 2003;79(1):1-2. 13. Venancio SI e col. Relatório do projeto Proteção, Promoção e Apoio ao Aleitamento Materno no Estado de São Paulo (convênio nº2898/2003). Instituto de Saúde/SES-SP, 2005. 14. Westphal MF, Taddei JAC, Venancio SI, Bogus CM. Breastfeeding training for health professionals and resultant institutional changes. World Health Organ Bull 1995;73(4):461-8.

Quadro 1 – Critérios adicionais para que o estabelecimento de saúde possa ser habilitado como Hospital Amigo da Criança1 1. Comprovar o cadastramento no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde; 2. Comprovar o cumprimento à Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras; 3. Não estar respondendo a sindicância junto ao Sistema Único de Saúde; 4. Não ter sido condenado judicialmente, nos últimos dois anos, em processo relativo à assistência prestada no pré-parto, parto, puerpério e período de internação em unidade de cuidados neonatais; 5. Dispor de profissional capacitado para a assistência à mulher e ao recém-nascido no ato do parto; 6. Garantir, a partir da habilitação, que pelo menos 70% dos recém-nascidos saiam de alta hospitalar com o Registro de Nascimento Civil, comprovado pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIH); 7. Possuir um Comitê de Investigação de Óbitos Maternos, Infantis e Fetais implantado e atuante, que forneça trimestralmente ao setor competente da Secretaria Municipal de Saúde e/ou da Secretaria Estadual de Saúde as informações epidemiológicas e as iniciativas adotadas para a melhoria na assistência, para análise pelo Comitê Estadual e envio semestral ao Comitê Nacional de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal; 8. Apresentar taxa de cesarianas conforme o estabelecido pelo Gestor Estadual ou Municipal, tendo como referência as regulamentações procedidas do Ministério da Saúde. Os hospitais cujas taxas de cesarianas estão acima das estabelecidas pelo gestor estadual ou municipal deverão apresentar redução dessas taxas pelo menos no último ano e comprovar que o hospital está adotando medidas para atingir as taxas estabelecidas. 9. Apresentar tempo de permanência hospitalar mínima de 24 horas para parto normal e de 48 horas para parto cesariano; 10. Permitir a presença de acompanhante no Alojamento Conjunto. 60

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Qualificando para a assistência de enfermagem: projeto “Tecendo a SAE em São Paulo” Ana Aparecida Sanches BersusaI

O que é SAE? A sigla SAE significa Sistematização de Assistência de Enfermagem, um instrumento cientificometodológico do cuidar, baseado na solução de problemas resultando em intervenções profissionais de enfermagem nos problemas de saúde e nos processos vitais dos indivíduos, família e comunidade. É uma atividade privativa do Enfermeiro, buscando a integralidade das intervenções profissionais, prevista na Lei 7498 de 25 de Junho de 19862 que gera ações de cuidado multiprofissional para a própria equipe de enfermagem e também intersetorial. SAE é o termo mais utilizado na atualidade, podendo também receber outras denominações como processo de enfermagem, consulta de enfermagem e metodologia de assistência. Como se operacionaliza esse processo? O primeiro momento da SAE é o levantamento de dados sistematizados, denominado de histórico de enfermagem. Para sua execução, a enfermeira utiliza o exame físico e a entrevista como instrumentos para sua obtenção. A seguir, esses dados coletados são agrupados e nomeados: trata-se do diagnóstico de enfermagem. Há várias taxonomias que norteiam esses agrupamentos. Uma delas é NANDA- North American Diagnoses Association6, que se tornou a mais conhecida e utilizada pela enfermagem brasileira, nas últimas décadas. Poderíamos, grosso modo, comparar a taxonomia com o CID – Código Internacional de Doenças – utilizado pelos médicos para encontrar descrições padronizadas para as patologias. A diferença, para a enfermagem, está em que sinais e sintomas são denominados de características definidoras relacionadas com problemas de saúde individuais, familiares e coletivos e não, especificamente, com a doença. I

Enfermeira, mestre em enfermagem pela EEUSP, pesquisadora científica do Instituto de Saúde. anab@isaude.sp.gov.br

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Desta forma, em enfermagem, um mesmo individuo pode ter vários diagnósticos, que vão exigindo condutas específicas de cuidado. A esta etapa denominamos prescrição de enfermagem. São individualizadas e devem ser cumpridas por todos os profissionais da equipe: auxiliares, técnicos de enfermagem e enfermeiro, que registram em suas anotações as respostas dos indivíduos frente ao cuidado executado. A análise das respostas do paciente aos cuidados de enfermagem prestados denominamos evolução de enfermagem. Como fica o processo de trabalho na enfermagem com a SAE? O processo de trabalho da enfermagem resulta em uma transformação quando a instituição tem a SAE implantada em suas unidades. As escalas de atividades diárias para os trabalhadores da equipe de enfermagem não poderão mais ser centradas nas “tarefas” e sim por pacientes. Por exemplo: o sr Fulano de Tal, auxiliar de enfermagem da enfermaria X do hospital Y será responsável por assistir aos pacientes A do quarto 1, N do quarto 2 e G do quarto 3, com prescrições de cuidados específicas realizadas pela enfermeira, em vez de cuidar: da verificação de sinais vitais de todos os pacientes da ala ímpar, todos os banhos de leito da ala par, dos curativos dos pacientes dos quartos 2, 3 e 4. Dessa forma, ele visualizará o paciente integralmente, e não a tarefa. Este tipo de organização do trabalho exige do profissional raciocínio e não só o cuidado mecânico. Sabemos hoje que, quando a organização do trabalho é fragmentada, por tarefas, as falhas humanas relacionadas a erros de medicação exibem números alarmantes. Ao contrário, quando o profissional conhece o paciente, a chance de haver trocas na hora da administração dos remédios pode diminuir muito. Na SAE, o cuidado é individualizado, integral. Há integração entre a equipe de enfermagem, o BIS#48/Novembro_2009

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paciente e a família, neutralizando os efeitos do Taylorismo, ou seja, da prática fragmentada, tarefeira (funcionalista), que conduziram a enfermagem ao trabalho impessoal e mecânico. A SAE direciona as ações de enfermagem e prepara o usuário para o autocuidado. Portanto, com a SAE, a assistência torna-se, inevitavelmente, mais humanizada. Os enfermeiros sentem-se mais autônomos, respeitados e responsáveis pelo seu trabalho, fatores estes que contribuem para sua satisfação profissional. Quanto aos auxiliares e técnicos de enfermagem, tornam-se mais seguros porque lhes é oferecido um planejamento de cuidados para o seu trabalho. A SAE também facilita o processo de comunicação da equipe, pois se torna instrumento de: direcionamento para a passagem de plantão, implantação/ implementação do processo de informatização da área da enfermagem, além de subsidiar a auditoria de enfermagem. A enfermagem passa a buscar novos conhecimentos para embasar a reflexão sobre sua prática, constituindo um referencial teórico específico para sua área. A implantação/implementação da SAE também pode gerar dificuldades que, após serem identificadas pelo grupo responsável pela implantação devem ser saneadas. As principais dificuldades encontradas pelos grupos que já têm longa experiência em implantação são: conflitos com outros profissionais ainda não habituados a ter prescrições de enfermagem; prontuários mais volumosos (mais instrumentos), que necessitam de espaço maior para sua guarda; necessidade de readequar internamente o quadro da equipe de enfermagem, para incrementar ou iniciar esse processo; enfrentar a falta de envolvimento de alguns enfermeiros no processo4. Qualidade da assistência de enfermagem A qualidade da assistência de enfermagem faz parte das metas a serem alcançadas pela maioria das instituições de saúde. A Secretária de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP), também vem discutindo a qualidade e traçando estratégias a fim de melhorar o serviço prestado a população do SUS. Na enfermagem, tais discussões levaram à reflexão sobre a SAE, já que esse processo resulta na melhoria da qualidade da assistência, que de anônima e impessoal passa a uma abordagem personalizada e individualizada, consequentemente humanizada5. Para Bersusa, Aly e Rocha1, o grande 62

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desafio que se coloca é a implantação e manutenção desse processo. A complexidade pode ser atribuída à especificidade das etapas de planejamento considerando o contexto em que ele será desenvolvido (hospital, ambulatório, atenção básica). Para tanto, o programa de implantação/implementação pode passar por constantes adequações e modificações até ajustar-se à meta desejada. Tecendo a SAE em São Paulo A fim de enfrentar o desafio de implantar/implementar a SAE nos hospitais e ambulatórios vinculados a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em 2003, foi concebido o projeto “Tecendo a Sistematização de Assistência de Enfermagem (SAE)”, em parceria, pelo Instituto de Saúde (IS), pela Coordenação dos Serviços de Saúde (CSS) e pela Coordenação de Recursos Humanos (CRH), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP). O termo “Tecendo” caracteriza adequadamente a construção desse projeto: coletivo e subsidiado pela própria rede de serviços de saúde do estado de São Paulo, tanto no apoio científico-metodológico quanto na provisão de recursos necessários à sua implantação. O projeto foi dividido em várias etapas, algumas sequenciais, outras concomitantes: 1) Diagnóstico da SAE em todos os hospitais (35) e ambulatórios (14) do estado de São Paulo; 2) Análise e discussão dos resultados do diagnóstico da SAE com especialistas da área; 3) Planejamento da implantação/ implementação, com: 3.1) Sensibilização dos diretores institucionais e diretores de enfermagem, 3.2) Criação de rede de interlocutores locais, 3.3) Capacitação das equipes com déficit em SAE; 4) Definição de indicadores para monitoramento do processo com: 4.1) Implantação do monitoramento e 4.2) Supervisão local. Capacitação SAE A capacitação foi, portanto, uma das etapas de um projeto maior desenvolvido na SES–SP, e foi planejada e desenvolvida subsidiada, principalmente, pelo resultado do diagnóstico da SAE institucional5. Esses dados apontavam que 25,7 % citaram o déficit de capacitação como o problema para a implantação da SAE; 43,5% dos enfermeiros desenvolviam como atividade principal, no cotidiano de seu trabalho, ações burocráticas, 17,1% apontam falta de envolvimento com esse processo de Boletim do Instituto de Saúde

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trabalho, e a maioria dos enfermeiros (56%) utiliza como referencial teórico de sua prática a NANDA3 e Wanda HortaII. As enfermeiras reconhecem que a SAE é um processo essencial para o progresso e autonomia da profissão, além do reordenamento do seu trabalho na equipe, mas alegam várias dificuldades para não realizá-la, tais como: falta de tempo, déficit de pessoal, dentre outros motivos. Acreditamos que essas dificuldades são apontadas para mascarar a real situação de não saberem enfrentar a operacionalização desse processo no seu cotidiano de trabalho. Foi pensando em dar o subsídio da “prática desse processo” que a Capacitação de Profissionais de Enfermagem na implantação/implementação SAE foi planejada e desenvolvida fazendo com que a equipe de enfermagem dessas unidades refletisse sobre o seu processo de trabalho, reordenando as suas atividades cotidianas, tendo como eixo norteador o método científico (SAE) e a integralidade do cuidado. A capacitação ocorreu no período de 8/7/2007 a 9/11/2007, com carga horária total de 101 horas. Os encontros foram no Centro Formador de Recursos Humanos para o SUS – Cefor SP e nos hospitais Ipiranga e Dante Pazzanese, para o desenvolvimento da prática em exame físico. O curso foi planejado para ser desenvolvido em quatro módulos que exploraram temas relevantes para a capacitação de auxiliares/técnicos de enfermagem e enfermeiros em SAE, preparando esses profissionais a serem multiplicadores nas instituições de origem. Participaram 132 trabalhadores da rede, 50 auxiliares de enfermagem, 10 técnicos de enfermagem e 72 enfermeiros, representantes de 31 hospitais da Grande São Paulo, 1 em Sorocaba, 2 em Itu e 1 em Pariquera-Açu. O módulo I foi planejado e desenvolvido respondendo ao problema citado no diagnóstico, de que os enfermeiros desenvolvem muitas atividades burocráticas, e o tema central explorado foi o Processo de trabalho da equipe de enfermagem sendo desenvolvido com uma carga horária de 20 horas, 12 horas em dias sequenciais (dois dias de seis horas) e oito horas após um período de dispersão de 20 dias em três turmas, distribuídas II

No Brasil a sistematização das ações de enfermagem marca as décadas de 1970-80, com Wanda de Aguiar Horta. Esta brilhante enfermeira brasileira propôs uma metodologia assistencial de enfermagem baseada na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Maslow, sob a classificação de João Mohana, à qual denominou de Processo de Enfermagem e foi disseminada em todas as escolas de graduação no Brasil e nos primeiros cursos de pósgraduação em enfermagem.

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de acordo com a especificidade de cada hospital (maternidades, hospitais infantis, psiquiátricos etc.). Participaram enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Santos6 discute, em sua tese, a questão das atividades administrativas burocráticas e indaga: “Que fazer enfermagem é esse, que consome até 75% do tempo útil da enfermeira em atividades outras que não o cuidado direto ou na administração e gerenciamento dos cuidados prestados aos pacientes, afastando-o do seu objeto de trabalho?”. Os enfermeiros demandam muito tempo em atividades não diretamente relacionadas aos cuidados assistenciais, desprovidas de ações de enfermagem, em atividade burocrática de preenchimento de papéis, cuja implementação caracteriza-se por rotina, afastando mais do que aproxima o enfermeiro do cuidado do paciente, pela necessidade do cumprimento de tarefa. Para o desenvolvimento do módulo, foram planejados os seguintes objetivos: • Sensibilizar os participantes sobre a proposta de se tornarem multiplicadores desta capacitação em seus locais de trabalho; • Apresentar o Projeto Tecendo a SAE na CSS, a sua importância para a SES e para o SUS e os avanços obtidos a partir da sua implantação; • Problematizar sobre o processo de trabalho da equipe de enfermagem e refletir como os princípios da integralidade e da humanização perpassam as suas ações; • Socializar e problematizar sobre o processo de trabalho da equipe de enfermagem, refletindo sobre os papéis e as relações entre os membros da equipe, o paciente e seus acompanhantes, e as demais instâncias do SUS, responsáveis pela integralidade de sua assistência; • Delinear estratégias de envolvimento das lideranças de enfermagem de cada instituição para a multiplicação deste módulo em cada uma das unidades participantes, visando à reorganização / re-significação da enfermagem. Na prática, aprofundamos a discussão com foco em dois modelos: o modelo Taylorista, tido como funcional e fragmentado, e o modelo integral, que indica um planejamento e execução do trabalho pela equipe. Foram várias as estratégias utilizadas nesse módulo I, a fim de fazer o grupo refletir sobre os modelos de trabalho que vêm realizando em seu cotidiano e de que forma ele pode ser reorganizado, a fim de que SAE seja o eixo norteador. BIS#48/Novembro_2009

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Citarei como exemplo de estratégias adotadas a dinâmica de fabricação de bonecas, adaptada de Santos7, onde tínhamos duas fábricas de brinquedos, a Crow e a Estrela Cadente. Um grupo de trabalhadores, da Estrela Cadente, tinha a missão de construir uma boneca com passos determinados (riscar, recortar, colar, colorir...) sem comunicação um com o outro, como em uma linha de montagem, e o outro grupo, Crow, já preparava a boneca fazendo um planejamento de trabalho em equipe, identificando habilidades e competências dos integrantes. No fim, eles apresentavam a boneca e, em discussão, avaliávamos: o tempo de preparo, a motivação do grupo e a qualidade da boneca. No modelo funcional, a boneca era preparada mais rapidamente, o grupo se declarava desmotivado, a qualidade da boneca era ruim (descolava, não era “bonitinha”). Já no grupo em que o modelo era integral, o tempo para sua construção era maior, porém, o grupo era mais motivado e a qualidade da boneca era muito melhor. A partir desse cenário, o grupo de alunos/ trabalhadores foi relacionando todas as ações realizadas no seu cotidiano, verificando que adotam o modelo funcionalista, fragmentado. No segundo momento havia o reordenamento dessas ações pelos membros da equipe, em um modelo integral, que foi testado no ambiente de trabalho durante a dispersão. Na dispersão, esse processo era reproduzido pelos alunos/trabalhadores em sua instituição (35). No retorno, após 20 dias, apresentavam o resultado desse processo para o coletivo. Essa estratégia foi criada para que o “papel de multiplicador” não fosse apenas um conceito, mas de fato um processo para atingir todos os trabalhadores da área de enfermagem, fazendo com que ele acontecesse quase que simultaneamente com o realizado no nível central. O módulo II foi desenhado considerando o problema da falta de envolvimento do enfermeiro com a SAE e o tema explorado foi “SAE: o papel da equipe de enfermagem”, desenvolvido com uma carga horária de 12 horas, em quatro turmas. Participaram enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Lopes3, ao analisar a experiência de implantação do processo de enfermagem em um hospital público, disse que a divisão do trabalho na enfermagem, hoje, é: o cuidado direto, realizado pelos auxiliares 64

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de enfermagem e trabalho burocrático, realizado pelas enfermeiras. Esta fragmentação do trabalho faz com que a sociedade reconheça no auxiliar de enfermagem o real cuidador e na enfermeira “padrão”, a administradora, aquela que manda. Parece que prestar cuidados diretos ao paciente significaria, talvez, para a enfermeira, perder poder e “status”, diminuir-se hierarquicamente, pois as tarefas ditas burocráticas têm uma importância, dão visibilidade nas instituições de saúde. Este dilema de estar entre a visibilidade institucional e a visibilidade social – o reconhecimento da clientela e seus grupos sociais fazem com que os enfermeiros vivam a constante crise de identidade. O equilíbrio entre o papel de administradora da unidade e a administradora da assistência parece ser o ponto principal a ser trabalhado pelas enfermeiras para que se admita a SAE como um processo de trabalho que lhe traga a identificação com sua profissão. Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos para esse módulo: Oferecer noções básicas para cada etapa da SAE e o “papel” de cada categoria profissional no processo de trabalho; Delinear estratégias para a sensibilização e o envolvimento das diferentes categorias profissionais de enfermagem na multiplicação da SAE. Após a construção e reordenamento das ações de enfermagem construídas pelos trabalhadores no coletivo de cada uma das instituições representadas, esses profissionais discutiram qual seria o papel a ser desempenhado após a implantação da SAE. Diferentes estratégias foram adotadas no alcance desses objetivos, a inicial foi demonstrar os passos para a solução de problemas, tendo como instrumento uma foto do cotidiano de uma comunidade onde os alunos/trabalhadores listavam os problemas que observavam, agrupavam esses problemas nomeando-os, propunham ações para resolvê-los e sugeriam que respostas poderiam obter frente às condutas indicadas. Após esse exercício, os participantes correlacionavam com as etapas da SAE: histórico, diagnóstico, prescrição e evolução de enfermagem. Em seguida, foi ministrada aula abordando os conceitos teóricos dessas etapas sendo aprofundado com leitura e discussão de artigos sobre os conceitos e a operacionalização de cada etapa. Por fim, os alunos trabalhadores dramatizaram situações reais vivenciadas pela maioria dos serviços representados. Boletim do Instituto de Saúde

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A reprodução do processo para o restante dos trabalhadores foi como no modulo I, ou seja, imediatamente após o retorno a instituição e o resultado apresentado em relatório dirigido. O módulo III foi executado somente com a participação dos enfermeiros e teve como tema central “SAE: estrutura, conceitos e práticas”, sendo desenvolvido com uma carga horária de 60 horas, em quatro momentos: 1º momento: (25 horas) Desenvolvimento da etapa de histórico de enfermagem com aprofundamento teórico em semiologia; 2º momento: (10 horas) Prática de coleta de dados em exame físico; 3º momento: (13 horas) Diagnóstico de enfermagem com exercícios teórico-práticos; 4º momento: (12 horas) Prescrição e evolução de enfermagem também sendo incorporada nas discussões à prática contextualizada de cada instituição. Nesse módulo não houve separação de turmas somente para a aula prática de exame físico nos campos do Cefor, Dante Pazzanese e Hospital Ipiranga. Além da discussão do processo de trabalho, também aprofundamos o conhecimento teórico conceitual da SAE, pois a implantação exige do enfermeiro conhecimentos e habilidades que nem sempre foram obtidos na graduação, principalmente dos formados anteriormente à década de 1990, cujo currículo não contemplava essa competência. Com a finalidade de minimizar esse déficit, construímos os seguintes objetivos para serem desenvolvidos nesse módulo: Propiciar apropriação conceitual e estrutural da Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE); Capacitar teórica e tecnicamente os enfermeiros para executarem as etapas da SAE: Histórico, Diagnóstico/Problemas Referenciados, Prescrição e Evolução. A estratégia adotada foi de exposição dialogada. As aulas expositivas eram correlacionadas com a experiência dos alunos/trabalhadores. A aula prática foi para desenvolver as habilidades técnicas da semiologia para a execução de um exame físico em um individuo normal. A estratégia foi a execução do exame entre os pares. As aulas expositivas com slides e orientações para o instrutor foram disponibilizadas para todos os representantes das instituições, sendo oferecida uma cópia, em material digital, para que cada uma delas reproduzisse logo que retornassem à instituição de origem. Boletim do Instituto de Saúde

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Por fim, foi desenvolvido o módulo IV que teve como tema central “SAE: Estratégia de multiplicação da capacitação nos hospitais”, sendo desenvolvido com uma carga horária de 12 horas, em quatro turmas. O objetivo traçado foi de estimular a estruturação de estratégias para multiplicação desta capacitação nos hospitais, visando à constituição de rede de sustentação do Projeto Tecendo a SAE. O grupo de alunos/trabalhadores foi subdividido pela especificidade das instituições representadas, discutiram e formularam um plano estratégico com metas de longo, médio e curto prazo, para implantar/implementar a SAE em sua instituição. Os planos foram socializados e os problemas apontados, que exigiam resolução no nível central, foram encaminhados para os representantes da CRH e CSS. Considerações gerais Essa capacitação propiciou aos alunos/trabalhadores refletir e construir no coletivo as estratégias para o desenvolvimento da implantação/implementação da SAE em suas instituições, respeitando o contexto de cada local. A capacitação foi sendo monitorada, com momentos pontuais de avaliação dos alunos/trabalhadores e dos professores no encerramento de cada módulo. Os resultados dessas avaliações foram norteando o planejamento das atividades a serem desenvolvidas para o aprendizado nos módulos subsequentes. Todo o material de apoio, de todos os módulos, foi disponibilizado na página do portal da SES-SP, na agenda “Processo Tecendo a SAE”. Utilizamos essa estratégia para reduzir os gastos com reprodução do material (artigos, textos complementares, folder e outros) favorecendo a realização de modo descentralizado, em cada uma das instituições. Por fim, acreditamos que dois pontos devem ser considerados para o planejamento de qualquer capacitação: ser subsidiado por um diagnóstico situacional prévio e trabalhar concomitantemente com uma orientação política, que nessa capacitação foi desenvolvida nas etapas iniciais do projeto Tecendo a SAE, como a sensibilização dos diretores. Referencias bibliográficas 1. Bersusa AAS, Aly C M C, Rocha M S Sistematização de Assistência de Enfermagem (SAE) nos Hospitais Estaduais da Grande São Paulo. RECENF 2008; 6(19):161-175. 2. Brasil, Lei n. 7498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do Exercício da Enfermagem e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 26 jun.1986. Seção 1, p.1. BIS#48/Novembro_2009

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3. Lopes M H B de M. Experiência de implantação do processo de enfermagem utilizando os diagnósticos de enfermagem (taxonomia da NANDA), resultados esperados, intervenções e problemas colaborativos. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2000; 3 (8): 115-118. 4. Maria VLR, Dias A M de C, Shiotsu C H, Farias F A C Experiência de sistematização da assistência de Enfermagem num Hospital de Cardiologia. Revista Atualização Cardiológica, 1989; jan-fev:10-22. 5. Mussi FC, Whitaker IY, Fernandes M de F P, Gennari TD; Brasil VV, Cruz D de A LM da. Processo de Enfermagem: um convite a reflexão. Acta Paul.Enf. 1997; 1(10) : 26-32. 6. North American Nursing Diagnosis Association (NANDA). Nursing Diagnosis:definitions&classification:1997-1998, Pittsburg, 1996. 7. Santos I et al Guia curricular para a formação do auxiliar de enfermagem- área hospitalar: área curricular V: participando da organização do processo produtivo em unidades hospitalares. Belo Horizonte. Escola de enfermagem da UFMG/ PRODEn, 1995. 8. Santos M S dos. Informatização de atividades administrativoburocráticas de enfermagem relacionadas ao gerenciamento da assistência. [Tese de Doutorado]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem USP; 2003

Agradecimentos Agradeço a todos os membros da Comissão SAE de 2003 a 2007, que partilharam da construção do projeto Tecendo a SAE na SES-SP, todos os professores, em especial Célia Hiromi Shiotsu, que esteve em todos os momentos da capacitação SAE, aos alunos que participaram da capacitação, bem como a Coordenadoria de Recursos Humanos e Coordenadoria de Serviços de Saúde pelo apoio no desenvolvimento de cada uma das etapas desse projeto, sendo representadas pelas Enfermeiras Maria Cecília Aly Castex e Maria Silveria da Rocha, respectivamente.

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Direitos humanos, cidadania e preconceito institucional na área de saúde: A necessidade de capacitação para a mudança Tânia Margarete Mezzomo KeinertI Tereza Etsuko da Costa RosaII A Constituição da República Federativa do Brasil2 estabelece como seus Princípios e Objetivos Fundamentais o “Direito a ter Direitos”, bem como acolhe Tratados Internacionais relativos aos Direitos Humanos. É enfática quando coloca como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana ao constituir-se em Estado Democrático de Direito (Art. 1, III). Também no Art. 3º, IV estabelece-se que: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Baseada nesses princípios, a legislação subsequente estabeleceu um conjunto de medidas de defesa legal contra a discriminação racial, que reforçam os compromissos internacionais do estado brasileiro, especialmente os assumidos na Convenção Internacional pela Eliminação da Discriminação RacialIII. Esta convenção, em seu artigo I, explicita que “a expressão ‘discriminação racial’ significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência fundadas na raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por fim ou efeito anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos domínios político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.”9 Além disso, a Constituição brasileira, em seu artigo 196, apresenta a Saúde como um “direito de I

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Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Administradora, Mestre e Doutora em Administração Pública pela EAESP/FGV e pósdoutora em Políticas Públicas e Qualidade de Vida pela University of Texas at Austin/EUA. Contato: taniak@isaude.sp.gov.br Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Psicóloga, Mestre e Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo/USP. Contato: tererosa@isaude.sp.gov.br Adotada e aberta à assinatura e ratificação pela resolução 2106 (XX) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 21 de Dezembro de 1965.

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todos e dever do Estado”, tendo de ser garantido “mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Todavia, inúmeros fatores atuam cotidianamente para que tal princípio não se efetive em sua plenitude. Não obstante enormes desafios a serem enfrentados a cerca dos condicionantes do processo de saúde-doença-morte segundo etnia, raça ou cor, nos últimos anos vem se acumulando diversos estudos na temática que constatam uma sobremortalidade de negros relativamente aos brancos, tanto no país quanto nas regiões, bem como em todos os estados da federação3,4. Tais conhecimentos apontam, indiscutivelmente, para a existência de uma desigualdade quanto à saúde e quanto à atenção à saúde. Nesse âmbito, o preconceito institucional1,8,15 encontra-se entre os mecanismos que podem contribuir como entraves, tanto à garantia da dignidade humana na sociedade brasileira quanto ao direito à saúde. Segundo a Comissão Britânica para Promoção da Igualdade Racial (Commission for Racial Equality, CRE/UK, 1999) citado por Kalckmann e col7, o Racismo Institucional é definido “como a incapacidade coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado ou profissional às pessoas devido à sua cor, cultura ou origem racial/étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos, atitudes e comportamentos que contribuem para a discriminação por meio de preconceito não intencional, ignorância, desatenção e estereótipos racistas que prejudicam determinados grupos raciais/étnicos, sejam eles minorias ou não.” No campo da saúde, a naturalização de valores e práticas discriminatórias contra determinados grupos populacionais tem revertido, ao longo do tempo, num quadro-geral de baixa qualidade dos serviços disponíveis, dificuldades de acesso a estes, desajuste entre as demandas dos usuários e a estrutura do sistema de saúde, bem como numa crescente desvalorização BIS#48/Novembro_2009

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das instituições públicas perante os seus cidadãos. Desse modo, ao vincular-se diretamente a aspectos básicos da vida em sociedade, a saúde figura como espaço rico para a avaliação dos efeitos do racismo, por exemplo, na reprodução da desigualdade, e para o consecutivo estabelecimento de propostas e ações determinantes de equidade – princípio caro ao alcance de justiça social e desenvolvimento humano. Na última década, para fazer frente a esse quadro, tem-se verificado o estabelecimento de parcerias entre organizações da sociedade civil, organismos internacionais e instituições governamentais, com vistas ao desenvolvimento de estratégias e implementação de ações de combate ao racismo na saúde. No final de 2006, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Tal política, desenvolvida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ ONU)12, “define o conjunto de princípios, marcas, diretrizes e objetivos voltados para a melhoria das condições de saúde desse segmento da população. Inclui ações de cuidado e atenção à saúde, bem como de gestão participativa, controle social, produção de conhecimento, formação e educação permanente de trabalhadores de saúde, visando à promoção da equidade em saúde da população negra” (Programa de Combate ao Racismo Institucional, PCRI10). (grifo nosso) O papel da educação e a necessidade de formação profissional abrangente Como o sistema de saúde é um subsistema social, partimos da constatação de que o racismo, como forma de discriminação, expõe mulheres e homens negros a situações mais perversas de vida e de morte1,8. Essas situações só podem ser modificadas pela adoção de políticas públicas capazes de reconhecer os múltiplos fatores que resultam em condições adversas, dentre eles, destacamos o preconceito institucional. Estudos empíricos têm demonstrado que, no caso do preconceito racial, “a inexistência da discussão sobre o impacto do racismo na saúde e nos aparelhos de formação, dentre eles nos cursos oferecidos pelos Pólos de Educação PermanenteIV para profissionais médicos, enfermeiros e dentistas, reforçam o racismo nas instituições de saúde7.” IV

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Atualmente os Pólos de Educação Permanente, a que os autores se referem, são denominados, na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES/SP) Núcleos de Educação Permanente em saúde (NEPs), que juntamente com as Comissões de Integração Ensino/Serviço (CIES) e demais órgãos da SES/SP estão voltados à organização e estruturação dos espaços de implementação da Política de Educação Permanente em saúde (EP) no Estado de São Paulo. Essas informações estão disponíveis em: http://www.crh.saude.sp.gov.br/content/croshisted.mmp.

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Ainda que em iniciativas embrionárias, governos, organismos internacionais e organizações não-governamentais têm se esforçado em criar mecanismos para combater situações que se caracterizam como racismo institucional. O PCRI no Brasil é parte de um trabalho regional sobre raça/etnia e visa apoiar, de forma integrada, o setor público no combate e prevenção do racismo institucional e a sociedade civil na avaliação e monitoramento desse processo. Essa iniciativa é uma parceria estabelecida entre o Ministério Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), o Ministério da Saúde (MS), a Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Ministério Público Federal (MPF), a Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Tal programa é formado por dois componentes: um que focaliza ações em saúde e o outro que focaliza a ação municipal. O Componente Saúde (PCRI-Saúde) constitui-se num estudo de caso sobre como o racismo institucional pode ser abordado dentro do Ministério da Saúde, de modo a permitir as necessárias ligações entre a política federal e sua execução nos planos estadual e municipal. O propósito desse componente é contribuir na redução das iniquidades raciais em saúde, colaborando na formulação, implementação, avaliação e monitoramento de políticas efetivamente equitativas dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). O Componente Municipal desenvolve suas atividades, prioritariamente, em Pernambuco e Bahia, nas áreas de educação, trabalho, cultura, acesso à justiça e à auditoria de contas públicas. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Instituto OriAperê aderiu ao esforço há três anos e defende a sensibilização de agentes de saúde para que os negros tenham melhor atendimento na rede pública. O Ori-Aperê faz parte também da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, que possui cerca de 20 núcleos em vários estados brasileiros. Esta articulação, segundo seu coordenador Marco Antonio Guimarães, busca fazer uma ponte entre as lideranças religiosas afro-brasileiras e os gestores em saúde: “Como a rede possui núcleos no Brasil todo, ela permite que haja uma divulgação dessas idéias no país. E o fato de se poder fazer essa conscientização e sensibilização dos profissionais de saúde dá uma possibilidade do estado e do município de mudar um pouco a inserção dos agentes”, afirma Guimarães5. (grifo nosso). Boletim do Instituto de Saúde

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Em Recife, a prefeitura municipal tem promovido cursos de capacitação para agentes de saúde sobre a questão racial. De acordo com a gerente operacional de Atenção à Saúde da População Negra do município, Miranete Arruda, o projeto envolve a realização de oficinas, seminários e trabalhos de grupos e segundo ela, no início, o programa causou polêmica entre os profissionais de saúde. Conta Miranete: “Eles estão sendo preparados para a compreensão da questão da discriminação racial e do preconceito e o que isso dificulta no acesso das pessoas nas unidades para o atendimento aos problemas de saúde (...). Com o tempo e mais informações, eles passaram a ter uma postura de mais abertura, de menos intolerância, e de compreensão do que pode mudar na atitude dos profissionais de saúde nas unidades de saúde, com relação à população em geral e, especificamente, em relação às pessoas de cor preta ou parda, negras, que vêm ao setor de saúde”5. (grifo nosso). As conquistas no campo dos direitos e da cidadania colocam um importante desafio para o sistema educacional, de formação de gestores e de capacitação de conselheiros de saúde à medida que exige a adoção de uma nova postura nas relações interpessoais e na prestação de serviços, baseada na aceitação da diversidade e na criação de uma “competência cultural”V para lidar com as diferenças. A educação, a formação e a capacitação de gestores, funcionários e dos próprios usuários, com ênfase nos direitos humanos, poderão contribuir para minimizar os efeitos prejudiciais de uma prática de discriminação sistemática com base em uma diferença de raça, cor ou etnia. A contribuição desse tipo de formação pode ir além de simplesmente evitar a discriminação, podendo inclusive, prover oportunidades e outros benefícios para pessoas que pertençam a um ou mais grupos específicos. A noção de “direitos humanos” pode ser utilizada como um incentivo à “educação para a justiça” nas organizações de prestação de serviços à saúde onde o preconceito institucional é uma realidade11. A dignidade da pessoa humana já é reconhecida como norma fundamental na ordem

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O termo foi tomado de empréstimo, pela semelhança da idéia que se quer dar, do campo da enfermagem, em sua teoria de diversidade e universidade cultural do cuidado, proposta por Madeleine Leininger, onde o conhecimento de significados e práticas, derivados de visões de mundo, de fatores de estrutura social, dos valores culturais, do contexto ambiental e dos usos de linguagem é essencial para guiar a enfermagem no fornecimento de cuidado culturalmente competente6.

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jurídico-constitucional brasileira. Faz-se necessário, agora, construir sua “função de referencial vinculante para o processo decisório no meio social”14. Referências bibliográficas 1. Batista, LE, Volochko, A, Ferreira, CEC, Martins V. Mortalidade da população negra adulta no Brasil. In: Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da eqüidade. Brasília, DF: Funasa, 2005. p. 237-314. 2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 41.ed. atual. ampli. - São Paulo:Saraiva, 2008. 3. Chor D, Lima CRA. Aspectos epidemiológicos das desigualdades raciais em saúde no Brasil Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 21(5):1586-1594, 2005. 4. Cunha EMGP, Jakob AAE. Diferenciais raciais nos perfis e estimativas de mortalidade infantil para o Brasil. In: Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da eqüidade. Brasília, DF: Funasa, 2005. p. 199-236. 5. FENDH - Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos [homepage na internet]. Brasília, DF; 1996 [acesso em 06 ago 2009]. Disponível em: http://www.direitos. org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=32 78&Itemid=. 6. Gregis, C Martini, JG. Processo de competência cultural nos cuidados de enfermagem a usuários de drogas injetáveis no Projeto de Redução de Danos de Porto Alegre – Brasil. Rev Eletrônica Saúde Mental Álcool e Drogas. 2006; 2(1):artigo 4. Disponível em: http://www2.eerp.usp.br/resmad/ artigos/asp. 7. Kalckmann, S, Santos, CG, Batista, LE, Cruz, Vanessa M. Racismo Institucional: um desafio para a eqüidade no SUS? Saúde Soc. 2007; 16(2): 146-155. 8. Leal, M. C.; Gama, S. G. N.; Cunha, C. B. Desigualdades raciais, sociodemográficas e na assistência ao pré-natal e ao parto, 1999-2001. Rev Saúde Pública. 2005;39(1):100107. 9. ONU-BRASIL. Organização das Nações Unidas no Brasil. [homepage na internet]. [s.d.] [acesso em 05 out 2009]. Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_cs.php. 10. PCRI - Programa De Combate ao Racismo Institucional [homepage na internet]. Brasília, DF: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD/ONU; [s.d.] [acesso em 06 ago 2009]. Disponível em:http://www.combateaoracismoinstitucional.com/index.php?option=com_content&task=view&id =21&Itemid=112. 11. Pereira & Silva, R. Direitos Humanos como Educação para a Justiça. São Paulo: LTr, 1998. 12. PNUD - Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento [homepage na internet]. Brasília, DF; [s.d.] [acesso em 06 ago 2009]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/ projetos/pobreza_desigualdade/visualiza.php?id07=235. 13. Queiroz, RS. Não vi e não gostei: o fenômeno do preconceito. São Paulo: Moderna, 1992. 14. Sarlet, IW. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 15. Williams, D. R. Race and health: basic questions, emerging directions. Annals Epidemiology. 1997; 7(5): 322-333. BIS#48/Novembro_2009

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Qualificação de profissionais para o monitoramento das estratégias de marketing dos produtos que competem com a amamentação Tereza Setsuko TomaI, Marina Ferreira ReaII, Rosana M. P. F. De DivitiisIII, Jeanine Maria SalveIV

O movimento em prol do aleitamento materno As evidências científicas indicam que a substituição do leite materno na dieta infantil impõe uma série de riscos tanto para a saúde da criança quanto da mãe. Ao receber outros alimentos nos primeiros meses de vida, as crianças ficam expostas a adoecer e morrer por diarréia, septicemia e pneumonia13, assim como de desenvolver alguns tipos de câncer, alergias, obesidade, diabetes e hipertensão arterial4. Por outro lado, as mulheres, ao não amamentar, perdem benefícios importantes tais como redução do sangramento pós-parto e proteção contra anemia, nova gravidez, osteoporose e cânceres de mama e de ovário10. O aleitamento materno é, portanto, uma das medidas primordiais para se cumprir o direito humano à alimentação adequada e os governos têm a responsabilidade de implementar uma política abrangente para sua proteção, promoção e apoio. Conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) as crianças devem receber leite materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida e, após esse período até os dois anos de idade ou mais, leite materno e alimentos complementares apropriados e seguros.9 Vários fatores são citados como determinantes da interrupção precoce do aleitamento materno, entre eles o desconhecimento de sua importância e de seu manejo, a participação da mulher no mercado de trabalho, as rotinas hospitalares inadequadas de atenção ao nascimento e parto e a pressão do marketing para o consumo de substitutos do leite materno. O papel do marketing sobre o desmame precoce foi trazido a público pela primeira vez em 1939, pela pediatra jamaicana Cicely Williams durante um

pronunciamento na OMS, no qual ela afirmava que as mortes infantis decorrentes das propagandas dos alimentos deveriam ser consideradas “um assassinato em massa”. Mas, sem dúvida, foi a publicação, do relatório The baby killer (O matador de bebês) em 1974, pela organização não-governamental War on Want, que trouxe visibilidade para o problema. Nesta publicação foram divulgados os métodos abusivos de promoção comercial utilizados pelos fabricantes de fórmulas infantis, especialmente em países da África7. Uma das consequências deste movimento em prol da amamentação foi uma reunião de especialistas convidados pela OMS e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 1979, para discutir a alimentação das crianças pequenas8 e a aprovação, em 1981, do Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno, durante a Assembléia Mundial da Saúde12. O Brasil foi um dos países que participaram de forma importante desta retomada da amamentação, lançando em 1980 o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) no extinto INAN – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição. Entre as ações preconizadas estava o compromisso de colocar em prática as disposições do Código Internacional, aprovando-se a Resolução nº 05/1988 do Conselho Nacional de Saúde – a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes1,6. Concomitantemente, em 12 de outubro de 1979, foi criada a IBFAN – International Baby Food Action Network, com o objetivo de monitorar a adoção do Código Internacional pelos países membros da AMS e o seu cumprimento pelas empresas. A IBFAN é uma rede da qual participam grupos e indivíduos de mais de 150 países em torno da defesa da amamentação e alimentação infantil saudável12.

Médica pediatra, doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Instituto de Saúde e membro da IBFAN. E-mail: ttoma@isaude.sp.gov.br II Médica sanitarista, doutora em Saúde Pública, pesquisadora do Instituto de Saúde e membro da IBFAN. E-mail: marinarea@isaude.sp.gov.br III Cientista social, coordenadora da IBFAN Brasil. E-mail: ibfanbrasil@terra.com.br IV Nutricionista, mestre em enfermagem, membro da IBFAN. E-mail: jeanine.salve@terra.com.br

A implementação do Código e a NBCAL Desde a aprovação do Código Internacional, a IBFAN tem atuado em duas grandes frentes de trabalho: 1. monitoramento do Código e denúncia das

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práticas abusivas de venda engendradas pelos fabricantes e distribuidores dos produtos que competem com o aleitamento materno, entre os quais fórmulas infantis, leites, cereais e alimentos de transição, mamadeiras, bicos e chupetas; 2. fornecimento de subsídios para que os legisladores elaborem leis ou outras medidas de proteção do aleitamento materno, adaptando o Código às realidades nacionais. De acordo com o ICDC – International Code Documentation Centre – membro da IBFAN com sede na Malásia, apenas 30 dos 196 estados membros da OMS adotaram o Código na sua totalidade e outros 33 incluíram boa parte de seus artigos nas leis nacionais. Entretanto, em pelo menos 24 países nenhuma medida foi tomada ou ainda está sob estudo e em 40 o Código ou parte dele é seguido de forma voluntária pelas empresas5. O Brasil é tido como um dos países onde a implementação do Código tem sido bem sucedida, uma vez que aprovou uma legislação abrangente e realiza um monitoramento permanente de seu cumprimento. A IBFAN tem contribuído de maneira significativa para esse resultado positivo12. Considerado um dos grupos mais atuantes, no Brasil ela teve suas bases lançadas pela médica sanitarista Marina F. Rea, que em 1987 viria a coordenar o grupo de trabalho do INAN para a elaboração do código nacional. Conhecido como NBCAL – Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras – o código nacional encontra-se em vigor desde 1988, podendo ser aplicado pelas Vigilâncias Sanitárias (VISA). Ela foi submetida a duas revisões, em 1992 e 2000, havendo um aprimoramento de seus artigos e ampliação da abrangência. Em 2006, ela foi sancionada como Lei 11.265 pelo Presidente da República e aguarda regulamentação3. Após a aprovação da NBCAL, a IBFAN Brasil passou a acompanhar sua implementação realizando monitoramentos a cada dois anos 2. Apenas em 1999, o governo, por meio da Área de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde,1,6 realiza um monitoramento nacional das estratégias de marketing. Em 2005, a Gerência de Propaganda de Produtos da ANVISA realiza um monitoramento nacional com participação de universidades e VISA de quase todos os estados 3. No âmbito governamental, a criação da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária é um fato que tem contribuído para o fortalecimento da NBCAL. Boletim do Instituto de Saúde

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Escopo da NBCAL e Lei 11.265/2006 O objetivo da NBCAL e Lei 11.265/2006 é contribuir para a adequada nutrição das crianças até três anos de idade, por intermédio da regulamentação da promoção comercial e orientações do uso apropriado dos alimentos, bem como do uso de mamadeiras, bicos e chupetas; proteção e incentivo ao aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida e à continuidade do aleitamento materno até os dois anos de idade, após a introdução de novos alimentos11. A NBCAL é constituída de três documentos – uma Portaria do Ministério da Saúde n° 2.051/2001 e duas Resoluções da ANVISA, a RDC n° 221/2002 e a RDC n° 222/2002. A Portaria Ministerial n° 2.051/2001 busca regulamentar as formas de promoção comercial dos produtos que competem com a amamentação nos aspectos relativos à produção de material educativo e técnico-científico sobre alimentação infantil, à atuação dos fabricantes junto aos serviços, profissionais de saúde e suas entidades de classe. A RDC n° 221/2002 versa sobre a promoção e comercialização de bicos, chupetas, mamadeiras e protetores de mamilo. A RDC n° 222/2002 trata da promoção e comercialização dos alimentos para lactentes e crianças de primeira infância. Os seguintes produtos incluídos no escopo desta legislação: I - fórmulas infantis para lactentes e fórmulas infantis de seguimento para lactentes; II - fórmulas infantis de seguimento para crianças de primeira infância; III - leites fluídos, leites em pó, leites modificados e os similares de origem vegetal; IV - alimentos de transição e alimentos à base de cereais indicados para lactentes e ou crianças de primeira infância, bem como outros alimentos ou bebidas à base de leite ou não, quando comercializados ou de outra forma apresentados como apropriados para a alimentação de lactentes e de crianças de primeira infância; V - fórmula de nutrientes apresentada e ou indicada para recém nascido de alto risco; VI - mamadeiras, bicos e chupetas. A seguir são apresentadas, de forma resumida, as principais regras estabelecidas pela NBCAL e Lei 11.265/200611. Promoção Comercial – É proibida qualquer forma de promoção comercial para produtos dos itens I,II,V e VI acima. Para os demais produtos (itens III e IV acima), as promoções comerciais devem vir acompaBIS#48/Novembro_2009

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nhadas de frase de advertência sobre a importância do aleitamento materno, de acordo com a modalidade do produto. Também é proibida a promoção comercial nas instituições de ensino, pesquisa e de serviços de saúde. A promoção se refere não somente ao produto em si, mas também aos cartazes, relógios de parede, calendários, brinquedos, equipamentos, entre outros, que divulguem estes produtos. Patrocínios – A NBCAL e Lei 11.265/2006 regulamentam também as diversas formas de patrocínios. Em relação aos profissionais de saúde, é vedada qualquer forma de concessão de estímulos a pessoas físicas, ou seja, patrocínio financeiro, brindes, presentes, revistas, canetas, blocos de anotação, passagens e diárias para eventos, jantares, entre outros. Os patrocínios financeiro ou material somente poderão ser concedidos às entidades científicas de ensino e pesquisa e ou associativas de classe de âmbito nacional, desde que zelem para que as empresas não façam promoção comercial de seus produtos. Amostras e doações – É proibido o fornecimento de amostras de fórmula de nutrientes apresentada e ou indicada para recém-nascido de alto risco, bicos, mamadeiras e chupetas, para pediatras e nutricionistas, bem como as doações às instituições de saúde. Os demais produtos só poderão ser oferecidos a estes profissionais, por ocasião de seu lançamento, com restrição a uma unidade (uma amostra) por profissional. Doações ou vendas a preço reduzido de fórmulas infantis não são permitidas às instituições que cuidam de mães e recém-nascidos. Informações sobre alimentação infantil – Os materiais educativos que tratam da alimentação de lactentes não podem ser produzidos nem patrocinados por distribuidores, importadores e ou fabricantes de produtos cobertos pela legislação. Além disso, todo material educativo e ou técnico-científico que trata de alimentação de lactentes e crianças de primeira infância, devem conter informações claras em português sobre a superioridade do aleitamento materno, os riscos do uso de bicos, chupetas e mamadeiras, as implicações econômicas da opção pelos substitutos do leite materno e a importância de uma alimentação saudável e culturalmente utilizada pela família. Rotulagem – Diversas regras são estabelecidas para a composição do rótulo de produtos, dentre elas a exposição de frase visível de advertência sobre a importância da amamentação, a idade a partir da qual o produto está indicado e a restrição a determinadas imagens, de acordo com o tipo de produto. 72

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Estrutura do curso de capacitação para o monitoramento da NBCAL e Lei 11.265/2006 A experiência de participar dos projetos coordenados pelos grupos internacionais foi fundamental para o desenvolvimento de propostas de capacitação e monitoramento. Em 1985, realiza-se pela primeira vez no Instituto de Saúde um curso para formar profissionais de saúde sobre o tema objeto deste artigo e capacitá-los para o monitoramento no país. Naquela época esta atividade era parte de projeto coordenado pela rede internacional, quando ainda se utilizava o Código como instrumento de referência para verificar o que era considerado promoção comercial abusiva de substitutos do leite materno. Após a aprovação da NBCAL, o curso e os instrumentos para coleta de dados que versavam sobre as disposições do Código Internacional foram adaptados e passaram a incorporar as disposições da legislação nacional. As principais adaptações do curso ao longo do tempo foram a redução na carga horária de quatro para três dias e a extensão das atividades práticas. A experiência adquirida nos monitoramentos, por sua vez, levou a modificar e criar novos formulários para direcionar o monitor na obtenção de dados sobre infrações à legislação. Ao mesmo tempo, os 21 formulários que foram elaborados ajudam o monitor a conhecer e interpretar mais facilmente os artigos da legislação e suas especificidades conforme o produto. Diversos cursos foram realizados no país após a aprovação da NBCAL, atingindo todos os estados, tanto para a capacitação de técnicos das Vigilâncias Sanitárias Municipais e Estaduais quanto para a formação de novos ativistas, que no caso são cidadãos que tem consciência que existindo um instrumento legal é nosso dever conhecê-lo e fazê-lo cumprir. Esse investimento na qualificação de pessoal, principalmente ligado ao SUS, foi possível graças a apoios financeiros inicialmente do UNICEF, Geneva Infant Feeding Association (GIFA), ICDC, fundações de ajuda da Holanda e da Suécia. Posteriormente, os recursos passaram a ser provenientes do Ministério da Saúde (Área de Saúde da Criança e Aleitamento Materno, ANVISA), do Fundo de Direitos Difusos do Ministério da Justiça, além de governos municipais e estaduais3,6. O curso está desenhado para sensibilizar profissionais de saúde e vigilância sanitária para a importância da proteção legal da amamentação, dar visibilidade a NBCAL e contribuir para a efetivação Boletim do Instituto de Saúde

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de seu cumprimento por meio do monitoramento das práticas dos serviços de saúde, do comércio e do setor produtivo. O conteúdo introdutório aborda questões acerca das vantagens da amamentação, malefícios do uso de bicos e chupetas, situação do aleitamento materno no Brasil e as implicações do marketing sobre a amamentação. Além disto, tópicos sobre ética e conflitos de interesse provocam reflexões sobre qual deve ser a postura dos profissionais de saúde frente ao constante assédio das indústrias farmacêuticas e de alimentos, especialmente visando à proteção do consumidor mais vulnerável, a criança. Na parte prática os participantes têm contato com diversos materiais e situações para que possam observar o cumprimento ou não da NBCAL nos mais diversos segmentos, utilizando os formulários citados anteriormente. O conteúdo do curso trata dos seguintes aspectos: Rótulos de alimentos, bicos, chupetas e mamadeiras Nesta seção os participantes manuseiam os rótulos dos produtos, analisando o teor dos dizeres e o cumprimento às exigências da NBCAL, como frases de advertência, destaques e proibições. Sabe-se que apesar de o consumidor nem sempre estar atento aos dizeres dos rótulos, esses ainda são a principal fonte de informações sobre o produto, portanto seu conteúdo deve ser preciso e objetivo. É obrigatório que a informação contida nos rótulos de alimentos infantis seja clara, acurada e em linguagem adequada e os mesmos não devem idealizar ou incentivar a alimentação artificial e o uso de mamadeira. Mercados e drogarias Durante as aulas expositivas, os profissionais recebem informações sobre os diversos tipos de práticas de promoção comercial encontradas nos supermercados, farmácias, drogarias e outros estabelecimentos que comercializam os produtos abrangidos pela NBCAL. O curso prevê uma visita pedagógica a pontos de vendas do comércio cuja finalidade é observar o estabelecimento e de que forma os produtos são apresentados ao consumidor, levantar dúvidas e aprimorar a interpretação dos achados e seu enquadramento na legislação. Nessas visitas os participantes podem perceber em que medida a legislação é conhecida e cumprida pelos comerciantes. Sabe-se que em alBoletim do Instituto de Saúde

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guns locais, tarefas como arrumação de prateleiras e reposição de estoque são realizadas por funcionários das empresas fabricantes e não do comércio. A observação participante é um bom método para interagir com os gerentes e funcionários do local. Durante a visita, os participantes têm a oportunidade de entrevistar o responsável técnico e verificar o seu conhecimento acerca da NBCAL e Lei 11.265/06, se a compra e venda destes produtos são efetuadas levando em conta a legislação, se fornecem orientações sobre a alimentação infantil ao público em geral. Serviços e profissionais de saúde Visita pedagógica a serviços de saúde também são realizadas e têm como objetivo observar o ambiente hospitalar, além de entrevistar profissionais da administração, enfermeiros, médicos, nutricionistas e outros que trabalham diretamente com mães e bebês. Busca-se com o conteúdo das entrevistas, analisar de que maneira as empresas, especialmente as de fórmulas infantis, atuam no interior da instituição e junto aos profissionais. Materiais educativos e técnico-científicos Nesta seção os participantes analisam cartilhas, folderes, artigos de revistas e o conteúdo técnico dos encartes distribuídos pelas empresas aos médicos e nutricionistas. O objetivo é verificar a existência de estratégias promocionais dos produtos, seja nos folhetos distribuídos em supermercados, seja nos folhetos técnico-científicos disponíveis nos consultórios de pediatras, hospitais e clínicas. Comentários finais A importância de defender a amamentação contra os interesses comerciais daqueles que visam lucros com a venda de produtos para substituir essa prática natural é o eixo norteador da metodologia de capacitação profissional aqui descrita. Com esta clareza em mente, tem-se conseguido qualificar os profissionais, notadamente os oficialmente responsáveis pelo cumprimento de uma legislação da natureza da NBCAL, quais sejam, os inspetores e fiscais sanitários das VISA e ANVISA. A adesão desses profissionais ao trabalho em prol da amamentação é absolutamente essencial para protegê-la das promoções comerciais não éticas realizadas por muitas empresas. Trata-se de um grupo de profissionais do SUS cujo trabalho é da maior relevância. Embora esses cursos sejam realizados há muitos BIS#48/Novembro_2009

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anos e a implementação de uma norma ou código para proteção do aleitamento materno em nosso país seja visto como exemplar, não se tem uma avaliação do impacto destas ações.

13. Victora CG, Smith PG, Vaughan JP, Nobre LC, Lombardi C, Teixeira AM, et al. Evidence for protection by breast-feeding against infant deaths from infectious diseases in Brazil. Lancet 1987; 2:319-22.

Referências bibliográficas 1. Araujo MFM, Rea MF, Pinheiro KA, Schmitz BAS. Avanços na norma brasileira de comercialização de alimentos para idade infantil. Rev Saúde Pública. 2006;40(3):513-20. 2. De Divitiis R, Salve J, Toma TS. Monitoramento 2006: um resumo [monografia na internet]. São Paulo: IBFAN Brasil, 2006 [acesso em 15 ago 2007]. Disponível em URL: http://www.ibfan.org.br/monitoramento 3. De Divitiis R, Toma TS. Violando as normas 2008: relatório das violações à Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras. Edição comemorativa dos 20 anos da NBCAL. 1 ed. Jundiaí:IBFAN Brasil, 2008. 4. Horta BL, Bahl R, Martines JC, Victora CG. Evidence on the long-term effects of breastfeeding: systematic reviews and meta-analyses [monografia na internet]. Geneva : World Health Organization, 2007 [acesso em 01 jun 2007]. Disponível em URL: http://www.who.int 5. International Code Documentation Centre (ICDC). State of the Code by Country: a survey of measures taken by governments to implement the provisions of the International Code of Marketing of Breastmilk Substitutes & subsequent World Health Assembly resolutions. Malaysia; 2009. 6. Monteiro R. Norma brasileira de comercialização de alimentos para lactentes e crianças de primeira infância: histórico, limitações e perspectivas. Rev Panam Salud Publica. 2006;19(5):354-62. 7. Müller F. Proteger a prática de amamentar: uma preocupação internacional. In: A legislação e o marketing de produtos que interferem na amamentação: um guia para o profissional de saúde [monografia na internet]. Brasília (DF); 2009, pag. 7-13 [acesso em 14 set 2009]. Disponível em URL: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area. cfm?id_area=1460 8. Organização Mundial da Saúde, Fundo das Nações Unidas para a Infância. Reunião Conjunta sobre alimentação de lactentes e crianças na primeira infância. Genebra, 1979. 9. Organização Mundial da Saúde. Estratégia global para a alimentação de lactentes e crianças de primeira infância. [monografia na internet]. Jundiaí, SP; 2005 [acesso em 11 agosto 2007]. Disponível em: http://www.ibfan.org.br/documentos. 10. Rea MF. Os benefícios da amamentação para a saúde da mulher. J. Pediatr. 2004; 80(5): 142-146. 11. Salve J. A NBCAL e a Portaria nº2.051/2001: o papel do profissional e das instituições de saúde. In: A legislação e o marketing de produtos que interferem na amamentação: um guia para o profissional de saúde [monografia na internet]. Brasília (DF); 2009, pag. 25-32 [acesso em 14 set 2009]. Disponível em URL: http://portal.saude.gov.br/portal/ saude/area.cfm?id_area=1460 12. Sokol EJ. The code handbook: a guide to implementing the international code of marketing of breastmilk substitutes. 2. ed. Den Haag: ICDC, 2005 74

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Iniquidades em saúde: experiências de um curso para profissionais de saúde Anna VolochkoI, Jorge KayanoII, Suzana KalckmannIII, Tereza Etsuko da Costa Rosa IV, Maria do Carmo Sales MonteiroV

Nas últimas quatro décadas, o Brasil sofreu enormes transformações socioeconômicas e demográficas. Em 1960, 55% da população economicamente ativa (PEA) labutavam na agricultura e, em 2000, apenas 19%, ao passo que a empregada no setor serviços passou de 27% para 60%, e a da indústria cresceu de 17% a 21% no mesmo período. Essa redistribuição econômica implicou em urbanização muito acelerada. A população urbana, totalizando 45% em 1960, passou a 81%, em 2000. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu de US$ 2.060 per capita em 1960 a US$ 5.250 per capita em 2000. O crescimento econômico foi intensamente alavancado pelo setor industrial cuja participação no PIB passou de 18% a 42%, um aumento de 1727%. Embora crescendo 209% no período, a agropecuária reduziu sua participação de 25% a 8,9% no PIB6. O extraordinário aumento de riqueza, contudo, não alterou a distribuição de renda no país, que continua entre os 10 piores do mundo nesse quesito, como mostra o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento através do índice de GiniIV. A renda dos 20% mais ricos da população é 26 vezes maior que a renda dos 20% mais pobres, e 24% da população economicamente ativa recebe menos de US$ 2 por dia6. Ao contexto econômico e político articulam-se as categorias relativas à posição socioeconômica: estrutura e classe social, definidoras de condições de educação, ocupação e renda e ainda as determinações étnico-raciais, de gênero e geração15. Médica sanitarista, Mestre em Saúde Pública e Doutora em Ciências. Pesquisadora do Instituto de Saúde. Médico sanitarista, Pesquisador do Instituto de Saúde. III Bióloga, Mestre em Epidemiologia e Doutora em Ciências. Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde. IV Psicóloga, Mestre e Doutora em Saúde Pública. Pesquisadora Científica do Instituto de Saúde. V Enfermeira, Especialista em Saúde Pública e em Pedagogia para Educação Profissional na área da Saúde. Assistente técnica do Núcleo de Educação do CEFOR-SMS-SP. VI Índice de Gini: Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula. I

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Embora se tenha reduzido o analfabetismo (de 40% em 1960 para 13,6% em 2000) a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio de 2006 mostrou que ele era de 7,6% na região Sul e 22,1% no Nordeste, e variava de 1,3% para pessoas com renda maior que dois salários mínimos mensais a 10,4% para quem ganhava menos de meio salário mínimo6. Apesar da maior escolaridade feminina, os salários das mulheres continuam sendo menores que os dos homens, mesmo quando executam a mesma função. A análise dos indicadores socioeconômicos referentes à população negra confirma sua situação desfavorável em relação à população branca quanto à escolaridade, às oportunidades de trabalho e ao diferencial de salários e renda17. O egresso do mercado de trabalho da população aposentada acarreta perda substancial de sua renda, agravada pelos gastos crescentes com problemas crônicos de Saúde. “A economia é baseada no lucro; é a este, na prática, que toda a civilização está subordinada. O material humano só interessa enquanto produz. Depois é jogado fora”1. Variações de ocorrência de problemas de saúde são universalmente reconhecidas2,12,14 dependendo do grupo populacional considerado. Estudos sobre mortalidade evitável demonstram grandes desigualdades entre distintos grupos econômicos, raciais, geracionais e de gênero, sugerindo não apenas a reprodução das iniquidades sociais como seu aprofundamento no interior dos serviços de saúde16,17. Nancy Krieger e colaboradores mostraram que a redução (entre 1966 e 1980) e posterior aumento (de 1980 a 2002) de iniquidade da mortalidade prematura nos Estados Unidos estavam inversamente associados ao volume de financiamento dos serviços de saúde direcionados aos grupos sociais vulneráveis9. Grande parte dos trabalhos empíricos, contudo, não aprofundam análises conceituais, tratando as BIS#48/Novembro_2009

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noções de equidade e igualdade e seus opostos desigualdade, diferença, diversidade e iniquidade como sinônimos e diversos trabalhos teóricos apresentam confusões terminológicas15. As imprecisões conceituais têm consequências na formulação de políticas públicas de redução das desigualdades na saúde14. A Constituição de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, fundamenta-se no reconhecimento dos direitos individuais e também dos direitos coletivos11 ao implantar políticas públicas como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o direito à propriedade coletiva da terra da população quilombola. A propositura do SUS a partir do artigo 196 da Constituição objetivou a elaboração de políticas sociais e econômicas de redução do risco de doença e outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações para sua promoção, proteção e recuperação3. Diversas análises apontam para a melhoria na distribuição de recursos, oferta e utilização de serviços de Saúde, mas também relatam a persistência de desigualdades e a emergência de disparidades antes desconhecidas5. A permanência de iniquidades na saúde é reconhecida tanto pelo Plano Nacional de Saúde – Um Pacto pela Saúde no Brasil4, quanto pelo Plano Estadual de Saúde de São Paulo, 2008-201113, indicando que, além das desigualdades de condições de vida da população usuária, de oferta e financiamento de serviços de saúde desiguais, constatam-se práticas discriminatórias nos serviços de saúde10,8. Inspirados pelos conceitos de capacidade de compreensão de si e de capacidade de compreensão do contexto articulados aos conceitos de capacidade de agir sobre si mesmo e de agir sobre esse contexto dos sujeitos individuais e coletivos5 uma equipe multidisciplinar do Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, em parceria com o Centro de Formação e Desenvolvimento dos Trabalhadores da Saúde (CEFOR) da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, considerou oportuno organizar um curso sobre Iniquidades em Saúde, inserido em uma série de cursos (CURSUSVI) desenvolvidos pela instituição. O curso objetivou fornecer informações e discutir os conceitos de diferenças, diversidades, desigualdades e iniquidades em saúde considerando as perspectivas: condições socioeconômicas, gênero,

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CURSUS: cursos de aperfeiçoamento e de atualização para os trabalhadores do SUS realizados pelo Instituto de Saúde. Mais informações: www.isaude.sp.gov.br

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raça/cor e envelhecimento; reconhecer a existência de práticas discriminatórias nos serviços de saúde e discutir formas e propostas de superação dessas práticas rumo à equidade nos serviços de saúde. Em síntese, fornecer informações, para sensibilizar e instrumentalizar os participantes e também, propiciar espaços para reflexões sobre a própria prática, além de estimular discussões sobre a responsabilidade de cada um no enfrentamento das iniquidades no cotidiano dos serviços. A metodologia utilizada é de base Freiriana, a partir de observações do cotidiano familiar, social e profissional dos alunos, buscando evidências de comportamentos discriminatórios; aprofundando as percepções e ampliando os conhecimentos através de leituras e de palestras dialogadas com especialistas de áreas específicas como direitos humanos e saúde, direitos reprodutivos, raça/cor e envelhecimento. Incentivou-se a desconstrução dos estereótipos e a socialização das diversas perspectivas por meio da discussão, esperando que desenvolvam estratégias para o enfrentamento das iniqüidades em suas realidades7. O conteúdo e as características gerais do curso foram previamente discutidos pelos coordenadores de cada eixo temático, tendo o seu planejamento propiciado uma maior integração e aproximação entre os membros da equipe, que apesar de atuarem há anos na mesma instituição, nunca tinham se reunido em torno de um projeto comum. O curso foi divulgado nas páginas do Instituto de Saúde e das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde de São Paulo e atraiu ampla gama de profissionais de saúde, como médicos, enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeuta, historiadoras, sociólogo. Houve também diversidade de função/atividade dos profissionais, dos quais diversos eram ligados a movimentos sociais. O curso contou com participantes dos municípios de Hortolândia, Marília, Salesópolis, Santo André e São Paulo. Essa primeira experiência ocorreu nos meses de agosto e setembro em cinco sessões de oito horas de aula, durante cinco semanas, e reuniu 15 alunos. Vale salientar que o número de inscritos superou o número máximo e alunos por curso (40), contudo, como a inscrição foi pessoal, e não institucional, muitos não compareceram, pois tiveram impedimentos para tal, como falta de apoio para a locomoção, não dispensa do serviço etc. As avaliações dos coordenadores temáticos e dos alunos foram bem positivas, como mostram os Boletim do Instituto de Saúde

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depoimentos abaixo, tendo resultado na criação de um grupo de discussão na internet e na constituição de um grupo de pesquisa sobre o tema. O entendimento geral é que o curso deve ser replicado, aprofundado e ampliado para outros profissionais de saúde, e também para representantes de grupos sociais vulneráveis, como, por exemplo, lideranças e/ou membros de conselho de saúde, como forma de contribuir para o controle social. A sessão final do curso buscou recuperar os principais conceitos, reflexões, discussões e propostas de mudança da situação atual de práticas discriminatórias nos serviços. Além da avaliação do conteúdo abordado e da metodologia adotada, os alunos foram convidados a participar deste artigo enviando depoimentos, através do grupo de discussão na internet, até uma semana após o término do curso. Dos 15 participantes nove enviaram seus depoimentos, transcritos a seguir. “Podemos concluir que os principais determinantes das iniquidades estão relacionados ao complexo processo de reprodução social da vida, nas respostas que sociedade e Estado constroem face às necessidades sociais. As iniquidades apresentam múltiplas faces, com impacto significativo na saúde da população brasileira. Nós profissionais de saúde e cidadãos temos um papel importante na busca de uma sociabilidade mais justa e igualitária em que direitos sejam observados e garantidos universal e integralmente. Considerando que a Saúde não é determinada apenas pelo setor saúde, é preciso buscar as articulações intersetoriais na busca da equidade.” Vandymeire G. Santos/ Assistente Social das Clínicas Leste e São Miguel. “O Curso de Iniquidades em Saúde foi o marco de uma revolução pessoal no sentido de ‘acordar’ para problemas raciais, de gênero e geração, concretos, injustos e desnecessários. Me fez perceber quão forte é a cultura preconceituosa que maximiza as diferenças e enraíza imperceptivelmente os estereótipos, nos fazendo, inconscientemente, reproduzir e perpetuar os preconceitos. Revolucionou também minha vida profissional, pois trabalho na Coordenadoria de Planejamento de um município paulista e faço parte do Comitê Técnico de Saúde da População Negra. Agora é mais do que meu dever lutar por políticas públicas igualitárias e efetivas. Em suma, o curso fez de mim uma pessoa melhor e uma profissional mais comprometida com a equidade. Boletim do Instituto de Saúde

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E cito Boaventura Souza Santos: ‘Direitos iguais quando a diferença inferioriza e direitos diferentes quando a igualdade descaracteriza’.” Carolina Soares Ronconi/Santo André. “O curso nos fez refletir sobre tudo o que presenciamos no cotidiano profissional, sem nos dar conta de que precisamos e podemos mudá-lo. As iniquidades não são normais e sim grandes injustiças.” Maria Lidia L. Pedroso Tejero. Coordenadora de Recursos Humanos de Marilia. “O negro tem dificuldade em admitir que foi vitima do racismo, pois isso causa uma dor muito grande. É uma ferida que nunca cicatriza. Por isso muitas vezes buscamos apagar, outras vezes preferimos não reconhecer o preconceito, por medo de sermos excluídos da sociedade, medo de aceitarmos nossa verdadeira identidade, medo de admitirmos que somos negros e sofrermos muito mais. Muitos camuflam sua cor e inventam uma cor cada vez mais clara acreditando que assim não sofrerão mais. Mas dessa forma já é vitima do preconceito, negando-se a si e às suas raízes.” Rosilei Conceição de Melo.Auxiliar de enfermagem de unidade da Zona Leste de São Paulo. “Cada vez mais nos damos conta de ações injustas que podem ser evitadas no cotidiano. Mas são tão presentes que viraram rotina. Na saúde essas iniquidades são explícitas. Vemos múltiplos preconceitos em relação à idade, sexo, cor, etnia, opção sexual e não percebemos que é nosso dever, como profissionais e cidadãos, não permitir que essas injustiças ocorram e se propaguem. Devemos nos mobilizar e nos comprometer para transformar este desarranjo social causado por nossas ações egoístas e confortáveis.” Eduardo Ferreira Santana. Aprimorando do Instituto de Saúde. “De acordo com o debate no Sistema Único de Saúde sobre acesso equânime à saúde, uma das alternativas para que se possa avançar é a busca de novas propostas para reduzir desigualdades. Neste sentido, o método utilizado no CurSUS – espaço aberto para participação coletiva, possibilitou problematizar e visibilizar as injustiças sociais existentes em nossa cultura e a construção de comportamentos discriminatórios baseados nas diferenças (raça, gênero, etnia, velhice). Possibilitou também a ressignificação dessas diferenças a BIS#48/Novembro_2009

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mento e nos serviços de saúde efetiva e perpetua a discriminação e os preconceitos. Um curso de ‘iniquidades em saúde’ que de maneira didática e dinâmica desperta os profissionais para essas questões; fazendo emergir diferenças invisíveis ao longo dos anos nos mostra que o primeiro passo na transformação desses profissionais em aliados na superação das iniquidades foi dado.” Rebecca Alethéia.

partir das discussões suscitadas”. Rosana Coglinian. Aprimoranda do Instituto de Saúde “As práticas de saúde são intrinsecamente ligadas aos determinantes sociais, muitas vezes desconhecidos por seus agentes. Muitas vezes os prestadores de serviços, por preconceito ou por sua naturalização reproduzem as iniquidades em suas práticas, nas suas lógicas de organização e na oferta de serviços. O curso trouxe grandes contribuições por possibilitar um espaço de reflexão teórica (regado pela vivência dos participantes). Uma experiência a ser replicada pelo estado”. Deivison Nkosi. Santo André.

“Hoje, quando pensamos sobre a defesa de uma causa, não podemos mais brigar somente por ela, porque o sistema neoliberal se alastra pelo mundo impondo o livre mercado, a competitividade, a concorrência desenfreada e, consequentemente, a retirada dos direitos universais.” Cristiane Alves Tiburcio.

“A experiência no curso Iniquidades em Saúde reafirmou o que penso sobre meu papel como educadora. Ao escolhermos um método problematizador e participativo optamos por uma ação educativa política com o objetivo expresso de contribuir para mudar as práticas de saúde. Essa escolha, política e ideológica, reflete nossa concepção de mundo e revela nossas afiliações, e o que esperamos de nós mesmos e do nosso estar no mundo. Ao convidarmos os alunos a mergulhar nas ‘iniquidades em saúde’ re-atualizamos nossa postura face à concepção de saúde e ao modelo de gestão da saúde. Por isso, entendo o ato educativo como ato político, pelo seu potencial de construir e reconstruir os significados da realidade, prevendo a ação de homens e mulheres sobre esta realidade. Assim estive presente no curso, em contínua formação enquanto educadora comprometida com a construção de práticas coletivas de fazer saúde. Esta é uma opção que passa pelo exercício da democracia e pela vivencia dos conflitos inerentes à escolha. É através de experiências dessa natureza que compreendo melhor minhas escolhas de vida.” Maria do Carmo, Sales Monteiro, CEFOR. SMSSP

Considerações finais A forma de inscrição dos alunos no curso, espontânea e não institucional, selecionou profissionais com inquietações pessoais sobre as desigualdades em saúde, ou seja, sensibilizados, formando um grupo bastante homogêneo que se “abriu” às propostas do curso. Assim, os alunos ousaram refletir sobre suas práticas e sobre as práticas de seus ambientes de trabalho e reconhecer comportamentos apressados, desinteressados, pouco empáticos e solidários. Para estes “alunos”, predispostos, a experiência foi transformadora e enriquecedora enchendo os “professores” de satisfação. Como reagirão os profissionais desinteressados? E os que nunca pensaram no assunto? De qualquer forma, o reconhecimento e a discussão das práticas discriminatórias no interior dos serviços de saúde é uma etapa a ser percorrida na busca da equidade em saúde. Estamos dispostos e desejosos de avançar na discussão dessa temática replicando e aprimorando essa experiência educativa nesta e em outras instituições. O desafio que se coloca, nem sempre fácil, é “Abafa-se a voz do oprimido, como ampliar as articulações com outras instâncias Com a dor e o gemido, da Secretaria de Estado da Saúde, por exemplo, por Não se pode desabafar” meio do GTAEVII e outras instituições, e desenvolver Cartola – O samba do Operário em conjunto estratégias para chegar aos municípios, serviços, profissionais e conselhos de saúde que são “Citando o samba, reconheço que a valorização das particularidades raciais, de gênero, orientação sexual, cultural, social e outras, é um passo GTAE: Grupo Técnico de Ações Estratégicas da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, formalizado por meio da Resolução SS – 282, de 3-8-2007, têm como objetivo forfundamental para a superação das iniquidades mular políticas públicas e apoiar técnica e financeiramente os municípios para que produzam em saúde. A negação das diferenças no atendirespostas suficientes e qualificadas que diminuam as iniqüidades. VII

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refratários a essas discussões e onde provavelmente ocorrem, mais frequentemente, iniquidades. Se ao realizarem cursos os profissionais o fizessem em nome e com aval de suas instituições, as possibilidades de desdobramentos e/ou de colocarem em prática as intervenções que acreditam serem necessárias seriam muito maiores. Agradecimentos especiais Aos outros professores do curso: Olinda do Carmo Luiz - Departamento de Medicina Preventiva FMUSP, Maria Aparecida Bento- Diretora do CEERT, Dulce Senna -Diretora do Centro de Saúde Escola FMUSP, Kátia Pirotta - Pesquisadora do Instituto de Saúde, Silvia Bastos - Pesquisadora do Instituto de Saúde, Tania Margarete Mezzomo Keinert - Pesquisadora do Instituto de Saúde, Luís Eduardo Batista - Pesquisador do Instituto de Saúde, Coordenador da Área Técnica Saúde da População Negra GTAE Nilson Resende Lara - Diretor do Departamento Regional de Saúde de Registro, Gustavo Ungaro - Diretor da Fundação ITESP - Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, Lydia Hirao - Gerente de Desenvolvimento Humano, Fundação ITESP, Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania e Roseli de Oliveira - Coordenadora de Política para População Negra e Indígena da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo; aos alunos e à equipe do Instituto de Saúde que tornou possível a sua realização.

8. Kalckmann S, Santos CG; Batista LE, Cruz, VM. Racismo institucional: um desafio para a equidade no SUS? Saúde Soc. 2007; 16(2):146-155. 9. Krieger N, Rehkopf DH, Chen JT, Waterman PD, Marcelli E, Kennedy M. The Fall and Rise of US Inequities in Premature Mortality: 1960-2002. PLoS Medicine [periódico na internet]. 2008 [acesso em 15 ago 2008]; 5(2):227-241. Disponível em: www.plosmedicine.org 10. Lopes F. Para além da barreira dos números: desigualdades raciais e saúde. Cad Saúde Pública. 2005; 21(5):1595-1601. 11. Luis, OC. Direitos e eqüidade: princípios éticos para a saúde. Arq Méd ABC. 2005; 30(2): 69-75. 12. Marmot M, Ryff CD; Bumpass LL; Shipley M; Marks NF. Social inequalities in health: next questions and converging evidence. So Sci Med. 1997; 44:901-10. 13. Souza RR, Mendes JDV, Portas SLC, Barros, S, Vallim S. Plano Estadual de Saúde 2008-2011 [monografia na internet]. São Paulo: Secretaria da Saúde; 2008 [acesso em ]. Disponível em: http://www.saude.sp.gov.br/resources/ geral/agenda/pdfs/plano_estadual_de_saúde_13fev.pdf acessado em 5/10/2009. 14. Vieira da Silva LM, Paim JS. Costa MCN. Desigualdades na mortalidade, espaço e estratos sociais em uma capital da região nordeste. Rev Saúde Pública. 1999; 33:187-197. 15. Vieira da Silva LM, Almeida Filho, N. Equidade em saúde: uma análise crítica de conceitos. Cad Saúde Pública. 2009 Supl 2; 25:s217-s226. 16. Volochko A. Contribuição dos provedores de serviços na eliminação das desigualdades na saúde. Bol Instituto de Saúde. 2003; 31:21-22. 17. Volochko A. Mortalidade evitável na região Sul do Brasil, 2.000: desigualdades raciais e sexuais [tese de doutorado]. São Paulo: Programa de Pós Graduação da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde; 2005.

Referências bibliográficas 1. Beauvoir S. A velhice. Editora Nova Fronteira. RJ 1990. Tradução em português do original La viellesse. Paris: Editions Gallimard; 1970. 2. Black D, Morris JN, Smith C, Townsen P. Inequalities in health: the black report. New York: Penguin/London: Pelican; 1982. 3. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.607, de 10 de dezembro de 2004. Aprova o Plano Nacional de Saúde/ PNS: um pacto pela saúde no Brasil [portaria na internet]. [acesso em ago 2009]. Disponível em: http://dtr2004. saúde.gov.br/susdeaz/pns/arquivo/Plano_Nacional_de_ Saude.pdf 5. Campos GWS. Reflexões temáticas sobre equidade e saúde: o caso do SUS. Saúde Soc. 2006; 15(2):23-33. 6. CNDSS - Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais na Saúde. Causas sociais das iniqüidades em saúde: relatório final [monografia na internet]. Rio de Janeiro; 2008 [acesso em ago 2009]. Disponível em: http://www. cndss. fiocruz.br.pdf/home/relatório.pdf. 7. Freire P. Educação como prática da liberdade. 13 ed .Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1982. Boletim do Instituto de Saúde

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Informações básicas e instruções aos autores O Boletim do Instituto de Saúde (BIS) é uma publicação quadrimestral do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Com tiragem de dois mil exemplares, a cada número, o BIS apresenta um núcleo temático, definido previamente, além de outros artigos técnico-científicos, escritos por pesquisadores dos diferentes Núcleos de Pesquisa do Instituto, além de autores de outras instituições de Ensino e Pesquisa na Área da Saúde Coletiva. A publicação é direcionada a um público leitor formado, primordialmente, por profissionais da área da saúde do SUS, como técnicos, enfermeiros, médicos e gestores da Saúde, em todo o Estado. Fontes de indexação: O BIS está indexado como publicação da área de Saúde Pública no Latindex e como publicação da área de Saúde Coletiva na Bireme/BVS. Na Capes, o BIS está nas áreas de Medicina II e Educação. Copyright: É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação, desde que sejam mantidos os créditos dos autores e instituições. Os dados, análises e opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus autores. Patrocinadores: O BIS é uma publicação do Instituto de Saúde, com apoio da Secretaria de Estado da Saúde. Submissão: os artigos submetidos para publicação devem ser enviados para o e-mail boletim@isaude.sp.gov. br e ter até 20.000 caracteres com espaço no total (entre 5 e 6 páginas em Word Times New Roman, corpo 12, com espaçamento simples), incluídas as referências bibliográficas, salvo orientações específicas dos editores. O arquivo deve ser enviado em formato Word 97/2003, ou equivalente, a fim de evitar incompatibilidade de comunicação entre diferentes sistemas operacionais. Figuras e gráficos devem ser enviados à parte. Título: deve ser escrito em Times New Roman, corpo 12, em negrito e caixa Ab, ou seja, com letras maiúsculas e minúsculas.

Transcrições de trechos dentro do texto: devem ser feitas em Times New Roman, corpo 10, itálico, constando o sobrenome do autor, ano e página. Todas essas informações devem ser colocadas entre parênteses. Citação de autores no texto: deve ser indicado em expoente o número correspondente à referência listada. Deve ser colocado após a pontuação, nos casos em que se aplique. Não devem ser utilizados parênteses, colchetes e similares. Citações de documentos não publicados e não indexados na literatura científica (relatórios e outros): devem ser evitadas. Caso não possam ser substituídas por outras, não farão parte da lista de referências bibliográficas, devendo ser indicadas somente nos rodapés das páginas onde estão citadas. Referências bibliográficas: apenas a bibliografia citada no corpo do texto deve ser inserida na lista de referências bibliográficas. As referências devem ser ordenadas alfabeticamente e numeradas, no final do texto. A normalização seguirá o estilo Vancouver. Espaçamento da bibliografia: deve ser igual ao do texto, ou seja, Times New Roman, corpo 12, com espaçamento simples e 6 pts após o parágrafo. Termo de autorização para publicação: o autor deve autorizar, por escrito e por via eletrônica, a publicação dos textos enviados, de acordo com os padrões aqui estabelecidos. Obs.: no caso de trabalhos que requeiram o cumprimento da resolução CNS 196/1996 será necessária a apresentação de parecer de comitê de ética e pesquisa. Avaliação: os trabalhos são avaliados pelos editores científicos e por editores convidados, a cada edição, de acordo com sua área de atuação. Instituto de Saúde – www.isaude.sp.gov.br

Autor: o crédito de autoria deve estar à direita, em Times New Roman, corpo 10 (sem negrito e sem itálico) com nota de rodapé numerada informando sua formação, títulos acadêmicos, cargo e instituição a qual pertence. Também deve ser disponibilizado o endereço eletrônico para contato (e-mail). Subtítulos do Texto: nos subtítulos não se deve usar números, mas apenas letras, em negrito e caixa Ab, ou seja, com maiúsculas e minúsculas. Corpo do Texto: o corpo do artigo deve ser enviado em Times New Roman, corpo 12, com espaçamento simples e 6 pts após o parágrafo.

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BIS - números já editados

A Abrasco e a formação de trabalhadores para o SUS............................................................................. 3 José da Rocha Carvalheiro

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Algumas considerações sobre tendências pedagógicas e educação e saúde ................................................ 5 Ausonia Favorido Donato

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Avanços e Perspectivas na Política de Gestão de Recursos Humanos: Desenvolvimento de Pessoas e Qualificação dos Profissionais do SUS/SP ............................................................................................ 15

Boletim do Instituto de SaÏ de 1 ' H ] H P E UR G H , 661 2 Q / LQ H

Boletim Instituto de Saúde Nº 47 – Abril de 2009 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Boletim do Instituto de Saúde Edição Especial 20 anos do SUS ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Paulo Seixas

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Relações de gênero, processo saúde-doença e uma concepção de integralidade ........................................ 26 Wilza Vieira Villela

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Competências e Aprendizagens Diversas: a complexidade da formação técnica em Saúde .......................... 31 Paulo H. Nico Monteiro

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Formação dos trabalhadores para o SUS: olhar sobre a atenção básica .................................................... 37 Maria Helena M. de Mendonça, Maria Inês C. Mendonça, L. Giovanella

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Atualização profissional em aconselhamento em alimentação infantil: uma experiência de avaliação .............. 41

Envelhecimento & Saúde

Kátia Cristina Bassichetto, Marina Ferreira Rea, Ausônia Favorido Donato

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O perfil de formação das Escolas Técnicas do SUS em São Paulo ............................................................ 46 Paulo H. Nico Monteiro

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Nº 47 - 04/2009 Envelhecimento & Saúde

O processo de educação permanente em saúde: percepção de equipes de saúde da família ....................... 51 Gabriela dos Santos Buccini, Maria Cezira Fantini Nogueira Martins, Maria Teresa Cera Sanches

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Iniciativa Hospital Amigo da Criança: uma reflexão sobre a contribuição de processos educativos para a implantação de práticas apropriadas de atenção a mães e recém-nascidos no Estado de São Paulo .............. 55

Saúde Sexual e Reprodutiva

Nº 46 - 12/2008 Saúde Sexual e Reprodutiva

Edição Especial - 09/2008 20 Anos de SUS 17/10/2008 17 01 49

Tereza Setsuko Toma, Sonia Isoyama Venâncio, Marina Ferreira Rea

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Qualificando para a assistência de enfermagem: projeto “Tecendo a SAE em São Paulo” ............................. 61

Boletim do Instituto de SaÏ de 1 ' H ] H P E UR G H ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Ana Aparecida Sanches Bersusa

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Direitos humanos, cidadania e preconceito institucional na área de saúde: A necessidade de capacitação para a mudança .............................................................................................................................. 67 Tânia Margarete Mezzomo Keinert, Tereza Etsuko da Costa Rosa

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Como e por que qualificar inspetores, fiscais sanitários e outros profissionais para o monitoramento das estratégias de marketing dos produtos que competem com a amamentação ..................... 70 Tereza Setsuko Toma, Marina Ferreira Rea, Rosana M. P. F. De Divitiis, Jeanine Maria Salve

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Iniquidades em saúde: experiências de um curso para profissionais de saúde ............................................. 75 Anna Volochko, Jorge Kayano, Suzana Kalckmann, Tereza Etsuko da Costa Rosa, Maria do Carmo Sales Monteiro

BIS – Boletim do Instituto de Saúde Nº 48 – Novembro de 2009 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529 Publicação quadrimestral do Instituto de Saúde www.isaude.sp.gov.br Rua Santo Antonio, 590 – Bela Vista São Paulo-SP – CEP: 01314-000 Tel.(11) 3293-2222 / Fax: (11) 3105-2772 e-mail: boletim@isaude.sp.gov.br Tiragem: 2000 exemplares

Expediente:

Nº 45 - 08/2008 Saúde Mental

Editor Samuel Antenor Editores convidados Kátia C. M. Pirotta Paulo H. Nico Monteiro Suzana Kalckmann Administração Bianca de Mattos Santos

Nº 43 - 12/2007 Saúde Bucal

Boletim do Instituto de Saúde No 41 Abril de 2007 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Boletim do Instituto de Saúde Nº 42 – Agosto de 2007 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

Biblioteca Carmen Campos Arias Paulenas Ana Maria da Silva

Nº 44 - 04/2008 Juventude e Raça

Capa Fernanda Kalckmann

Secretário de Estado da Saúde de São Paulo: - Luiz Roberto Barradas Barata

Conselho Editorial Ausonia F. Donato, Belkis Trench, Carlos Tato Corizo, Fernando Szklo, José da Rocha Carvalheiro, José Ruben Bonfim, Luiza S. Heimann, Nelson Rodrigues dos Santos, Samuel Antenor, Sonia I. Venâncio, Suzana Kalckmann, Tania Keinert e Tereza Etsuko da Costa Rosa.

Diretora do Instituto de Saúde: - Luíza Sterman Heimann Diretora Adjunta do Instituto de Saúde: - Sonia Isoyama Venâncio

Divulgação: Núcleo de Comunicação Técnico-Científica CTP, impressão e acabamento: capa tecnologia.p65

* É permitida a reprodução parcial ou total desta publicação, desde que sejam mantidos os créditos dos autores e instituições. ** Os dados, análises e opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus autores.

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Nº 42 - 08/2007 Tecnologia e Autonomia em Saúde 21/8/2008, 15:01

Nº 41 - 04/2007 Saúde, Cultura e Subjetividade

Nº 40 - 12/2006 Juventude e Vulnerabilidades 24842001_capa.indd 1

Edições disponíveis no site www.isaude.sp.gov.br SECRETARIA DA SAÚDE

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Boletim do Instituto de Saúde Nº 48 – Novembro de 2009 ISSN 1518-1812 / On Line: 1809-7529

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