Reforma da educacao

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João Batista Araujo e Oliveira

Reforma da Educação: por onde começar?


Para Bruno Silveira Lo fece natura e poi rupo lo stampo.1 Ariosto, Orlando Furioso, X,84

1. A natureza o fez, depois perdeu o molde.


Prefácio Considero-me um profissional de sucesso. A maioria das pessoas que divide comigo este ponto de vista, provavelmente, avalia este sucesso pela posição que ocupo como Presidente para a América Latina de uma grande empresa multinacional, ou ao meu status sócio-econômico, ou à imagem naturalmente associada à de um empresário bem-sucedido. A minha métrica difere substancialmente disto. Considero-me um empresário de sucesso muito mais pela minha trajetória do que pelo estágio atual alcançado. Explico: originário de uma numerosa família de baixa renda dos grotões do interior de Pernambuco, tenho total consciência de que a longa trajetória iniciada desde Arcoverde, há várias décadas, só pôde ser trilhada com sucesso devido às oportunidades que se me apresentaram de freqüentar escolas públicas que propiciavam um ensino de qualidade. Eu sou um produto da escola pública brasileira! Todavia não desta escola pública de hoje, mas de algo bem distinto que já existiu em um passado distante. Longe de ser uma escola ideal, no entanto, para aqueles que a conseguiam acessar, era eficaz, ou seja, o aluno tinha uma real possibilidade de aprendizagem. Sou testemunha de inúmeros casos similares ao meu, de contemporâneos oriundos de mesma classe social e que conseguiram galgar posições de sucesso no mundo empresarial, acadêmico, artístico e político, tendo como única plataforma uma educação de qualidade obtida nas bancas das escolas públicas. Hoje, posso assegurar: é praticamente impossível para um jovem de baixa renda e “educado” em escola pública ascender social e economicamente até o topo da pirâmide. Uma análise dos resultados das avaliações realizadas em nossas escolas públicas do nível fundamental (1a à 8a série) indica que nos últimos 20 anos a aprendizagem nivelouse em um patamar extremamente baixo, algo equivalente a uma nota 3 em uma escala de 0 a 10. Como conseqüência, 40% dos alunos da 4a série são analfabetos e os que concluem a 8a série têm o domínio de conteúdos da 4a série. Não surpreende, pois ao termos acesso ao resultado de pesquisa realizada pelo Instituto Social Ibope, tomamos conhecimento de que 65% da população brasileira não consegue ler e interpretar um texto de mediana complexidade (O Estado de São Paulo – Março 2006). Afinal, o que se passou com a educação pública brasileira, especialmente no seu ensino básico, para produzir tamanha catástrofe e a sociedade manter-se em estado cataléptico durante décadas?


O autor, João Batista Araujo e Oliveira, em seu estilo peculiar que mescla um profundo conhecimento da ciência da educação construído no Brasil e no exterior, com uma fina ironia crítica, não apenas esclarece com precisão as causas, mas também sinaliza os caminhos para que a sociedade brasileira se mobilize em torno da revolução que se faz necessária para uma profunda transformação do ensino fundamental no Brasil. A má qualidade do ensino afastou das escolas públicas a classe média e segmentos da classe alta que, em outros tempos, a freqüentavam, criando entre os nossos jovens um apartheid intelectual e social. A escola democrática do meu tempo, quando convivi com colegas de todas as classes sociais do Recife, abrindo-me uma ampla janela de relacionamentos e amizades impossíveis de serem construídas em outro ambiente, não mais existe. Urge, pois, a sua recriação como a única forma, por meio do provimento de uma educação de qualidade a todas as crianças e jovens brasileiros, de elevar os valores éticos da sociedade, produzir capital intelectual e desenvolvimento tecnológico e produzir crescimento econômico com eqüidade, permitindo assim ao Brasil elevar-se de seu eterno patamar de país para um patamar de nação. Tenha uma boa leitura e que esta o estimule a se juntar ao rol dos advogados da causa da educação, oriunda de um programa de governo, suprapartidário, com uma clara governança e com políticas de curto, médio e longo prazos pactuadas com a sociedade. Neste contexto, a classe empresarial detém um papel extremamente importante pois, cada vez mais, a valoração de uma empresa dá-se pelo seu capital intelectual e menos em função dos seus ativos tangíveis. Capital intelectual pressupõe conhecimento e, até hoje, não se inventou outra forma de produzi-lo, senão através da educação.

Marcos A. Magalhães Presidente da Philips para a América Latina


Sumário Síntese executiva I - Diagnóstico

..................................................................................................................................7

...............................................................................................................................11

1. O problema: a qualidade do Ensino Fundamental....................................................................12 2. A educação vai mal: um breve panorama.......................................................................................14

II - Causas

...............................................................................................................................24

3. Por que temos essas políticas educacionais?................................................................................25 4. Montando uma escola pública que não funciona como escola......................................27

III - Reforma da educação: por onde começar

............................................31

5. Fazendo a escola funcionar.......................................................................................................................32 6. Uma agenda de reformas............................................................................................................................34

IV - Considerações sobre implementação

............................................49

7. Quanto custa?......................................................................................................................................................50 8. A sociedade bloqueada ...............................................................................................................................52 9. A ação dos empresários na educação: como tornar produtivo o esforço do setor produtivo................................................................54

V - Apêndices

...............................................................................................................................57

Introdução....................................................................................................................................................................58 Anexo 1. Reformas no Ensino Médio e Juventude..........................................................................59 Anexo 2. Reformas no Ensino Superior...................................................................................................61 Anexo 3. Comentários sobre a proposta do FUNDEB....................................................................62 Anexo 4. Privatização e vale-escola: uma saída?.............................................................................63


Síntese Executiva “Mude. Mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a velocidade.” Clarice Lispector

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O presente trabalho destina-se prioritariamente a três públicos: • Os governadores eleitos e re-eleitos no pleito de 2006 e suas equipes. • Os prefeitos dos municípios e suas equipes responsáveis pelas políticas de educação. • Empresários e lideranças comprometidas com o futuro do país. Por essa razão é escrito de forma sucinta, sem citações ou detalhes. Também pode ser lido por jornalistas, formadores de opinião, educadores e especialistas interessados no tema. O trabalho tem dois objetivos: • Alertar o leitor para a existência e a gravidade da crise do sistema educacional brasileiro – o processo eleitoral de 2006 tornou claro que sequer existe a percepção disso pela população e pelos políticos. • Mostrar ao leitor que as soluções são conhecidas e utilizadas nos países onde a educação dá certo. Mas embora sejam simples, sua implementação requer uma profunda revolução nas políticas e no gerenciamento da educação. Cabe ressaltar nesta introdução os seguintes aspectos: • Além da promoção pessoal e humana, a educação de qualidade é fator central para o desenvolvimento econômico. Por essa razão, o Brasil está se distanciando cada vez mais dos países com os quais compete nos mercados internacionais. • As políticas educacionais em curso – nos níveis federal, estadual e municipal – não se encontram na rota correta. A revolução na educação não se fará com pequenos ajustes nessas políticas – é preciso mudar o rumo. ° A frase acima chama atenção para o problema principal – acertar o rumo. ° Mas depois disso, só depois, será necessário imprimir velocidade. O problema é grave e exige intervenções de caráter urgente. O problema central e prioritário da educação brasileira reside na (má) qualidade do Ensino Fundamental. • Esse problema não é fundamentalmente um problema de falta de recursos, é de mau uso – embora problemas de recursos existam. • Os problemas principais têm a ver com a formação básica do professor, falta de orientações básicas para as escolas, excessivo aparelhamento das escolas e ideologização das práticas pedagógicas. Qualquer solução duradoura requer medidas cujos efeitos nem sempre aparecem em prazos muito curtos. Mas esse conjunto de ações tem que ser consistente, integrado e continuado. Nenhuma medida isolada é capaz de reverter o quadro atual.

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A educação acontece ou deixa de acontecer nas escolas. No Brasil, no entanto, o sistema público parece estar montado para não deixar a escola funcionar. As escolas que funcionam bem: • ou são escolas com regras especiais (colégios seletivos); • ou são escolas cujos diretores não seguem as regras, e fazem o que é preciso fazer, à revelia ou com permissão das autoridades. Isso posto, é preciso ter clareza de que o principal – mas não único – fator para o sucesso escolar do aluno reside no professor. Todas as outras medidas só terão chance de sucesso se houver uma equação adequada para formar, atrair e manter bons professores na rede de ensino. A função das políticas públicas e dos sistemas educacionais deve ser uma só: FAZER A ESCOLA FUNCIONAR. O QUADRO adiante resume a Agenda de reformas que o autor considera necessárias para colocar a educação na rota do futuro. Esse elenco de reformas nada tem de criativo ou original – apenas aplica, à situação do Brasil, aquilo que funciona nos países onde a educação dá certo. Este não é um trabalho acadêmico. É o testemunho de um educador com mais de 40 anos de experiência como professor, consultor, pesquisador e executivo em organizações governamentais e não-governamentais na área da educação. E fruto de leituras, reflexão, ação concreta e idéias testadas na prática. Não se trata de uma caminhada solitária, e registro, de modo particular, as convergências das idéias apresentadas com colegas de caminhada, especialmente Cláudio de Moura Castro e Simon Schwartzman. A eles, ao prefaciante e a Gustavo Ioschpe e Cláudio Mendonça, os agradecimentos do autor pelas sugestões. Trata-se de uma provocação para desencadear desconforto no leitor e mudança de atitudes e ações concretas. Destina-se às pessoas que, mesmo não sendo especialistas na área, são ou se consideram responsáveis pelos rumos da educação em nosso país. Eventuais citações de trabalhos do autor poderão sugerir ao leitor fontes adicionais de referência. O autor fica à disposição dos leitores para continuar esta conversa (jm@terra.com.br).

Brasília, novembro de 2006

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Quadro 1. Reforma da educação: por onde começar? Desafios

Propostas

I - Professores: atrair, formar, manter e qualificar bons professores

1. Definir conteúdos e competências para formação. 2. Certificar competências. 3. Reformular as carreiras de magistério. 4. Criar incentivos para a carreira e para o desempenho dos professores. 5. Criar incentivos para os atuais professores migrarem para novas carreiras.

II - Fazer a escola funcionar

6. Estabelecer um marco regulatório para operação de escolas. 7. Estabelecer Programas de Ensino. 8. Aprimorar o Programa Nacional do Livro Didático. 9. Aprimorar o Sistema de Avaliação. 10. Explicitar as autonomias e a responsabilização das escolas. 11. Intervir nas escolas de fraco desempenho.

III - Articular políticas com financiamento

12. Vincular financiamento a políticas públicas: um “Plano Marshall” para a educação. 13. Premiar escolas com bom desempenho.

IV - Ações de caráter emergencial

14. Corrigir o fluxo escolar. 15. Assegurar a alfabetização das crianças nas duas séries iniciais do Ensino Fundamental de 9 anos.

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I Diagnóstico 1. O problema: a qualidade do Ensino Fundamental 2. A reforma da educação não começou

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