SAMIZDAT Especial 1 - Ficção Científica

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Samizdat Especial 1 - Ficção Científica abril de 2008 Capa e Diagramação: Henry Alfred Bugalho

Autores Ana Cristina Rodrigues Carlos Alberto Barros Denis da Cruz Giselle Natsu Sato Henry Alfred Bugalho José Espírito Santo Marcia Szajnbok Samuel Peregrino Volmar Camargo Junior

Textos de: Fábio Fernandes Isaac Asimov (trad. Henry Alfred Bugalho) Max Mallmann

Imagem da capa: Acervo da NASA

Obra Licenciada pela Atribuição-Uso NãoComercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons. Todas as imagens publicadas são de domínio público ou royalty free. As idéias expressas e a revisão das obras são de inteira responsabilidades de seus autores.

Editorial A revista eletrônica SAMIZDAT surgiu como a terceira etapa duma comunidade virtual de escritores, que começou em 2005, com a criação da comunidade “Escritores - Teoria Literária” no Orkut, depois, com a organização da “Oficina da E-TL” e, por fim, com o blog da SAMIZDAT. Na verdade, o senso de comunidade é essencial para o atual contexto literário. Mais do que rivais, ou contendores, os escritores estão compreendendo que todos fazem parte duma grande tecitura literária, do interminável Livro do Mundo. A escolha para qual seria o gênero do primeiro exemplar da SAMIZDAT Especial não foi fácil. Numa votação, Ficção Científica recebeu apenas um voto a mais do que Terror, deixando em terceiro lugar, empatados, Fantasia, Mistério e Ficção Histórica. Para alguns dos autores da revista, este gênero foi um desafio, para outros, a oportunidade de apresentarem textos há muito redigidos, e, para alguns autores brasileiros já conhecidos neste meio, esta participação é uma forma de apoio a novos escritores que despontam no horizonte da Literatura. Com a certeza de que esta é a primeira edição especial da SAMIZDAT de muitas ainda por vir, eu lhes desejo uma ótima leitura. Henry Alfred Bugalho

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Nova York, abril de 2008


Índice

Por que Samizdat?

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Henry Alfred Bugalho

Lentidão

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Ana Cristina Rodrigues

Código denominativo: RG-12

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Carlos Alberto Barros

Recomendações de Leitura Não Serás Futuro Algum

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Ana Cristina Rodrigues

O artista da carne (uma parábola)

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Fábio Fernandes

História Natural

17

Max Mallmann

Primeiro Encontro

19

Volmar Camargo Junior

Como um Fim de Tarde Simulado

22

Samuel Peregrino

O Fascínio da Ficção

35

Denis da Cruz

Cemitério Russo

37

Henry Alfred Bugalho

Ilusões Denis da Cruz

41


O Botão

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José Espírito Santo

TRADUÇÃO A Última Pergunta

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Isaac Asimov

Termo de Recriação

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Marcia Szajnbok

Guerrilha Urbana

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Giselle Natsu Sato

Sobre os Autores da SAMIZDAT

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Por que Samizdat? Henry Alfred Bugalho

“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico, distribuo e posso ser preso por causa disto” Vladimir Bukovsky Em reação, aqueles que se acreditavam como livres-pensadores, que não queriam, ou não conseguiram, fazer Inclusão e Exclusão parte da máquina administrativa - que estipulava como deveria ser a cultura, a Nas relações humanas, sempre há informação, a voz do povo -, encontraram uma dinâmica de inclusão e exclusão. na autopublicação clandestina um meio de expressão. O grupo dominante, pela própria natureza restritiva do poder, costuma excluir ou ignorar tudo aquilo que não pertença a seu projeto, ou que esteja Datilografando, mimeografando, contra seus princípios. ou simplesmente manuscrevendo, tais autores russos disseminavam suas Em regimes autoritários, esta idéias. E ao leitor era incumbida a tarefa exclusão é muito evidente, sob forma de de continuar esta cadeia, reproduzindo perseguição, censura, exílio. Qualquer tais obras e também as passando um que se interponha no caminho dos adiante. Este processo foi designado dirigentes é afastado e ostracizado. "samizdat", que nada mais significa do que "autopublicado", em oposição às publicações oficiais do regime soviético. As razões disto são muito simples de se compreender: o diferente, o dissidente é perigoso, pois apresenta alternativas, às vezes, muito melhores do que o estabelecido. Por isto, é necessário suprirmir, esconder, banir. A União Soviética não foi muito diferente de demais regimes autocráticos. Origina-se como uma forma de governo humanitária, igualitária, mas logo se converte em uma ditadura como qualquer outra. É a microfísica do poder.

E por que Samizdat?

A indústria cultural - e o mercado literário faz parte dela - também realiza um processo de exclusão, baseado no que se julga não ter valor mercadológico. Inexplicavelmente, estabeleceu-se que contos, poemas, autores desconhecidos não podem ser comercializados, que não 1


Samizdat Especial 1 - abril 2008 vale a pena investir neles, pois os gastos seriam maiores do que o lucro. Ao serem obrigados a burlarem a indústria cultural, os autores conquistaram algo que jamais conseguiriam de outro modo, o contato quase pessoal com os leitores, o diálogo capaz de tornar a obra melhor, a rede de contatos que, se não é tão influente quanto a da grande mídia, E a autopublicação, como em qualquer faz do leitor um colaborador, um co-autor regime excludente, torna-se a via para da obra que lê. Não há sucesso, não há grandes tiragens que substitua o prazer produtores culturais atingirem o público. de ouvir o respaldo de leitores sinceros, que não estão atrás de grandes autores populares, que não perseguem ansiosos os 10 mais vendidos. Este é um processo solitário e gradativo. O autor precisa conquistar leitor a leitor. Não há grandes aparatos midiáticos - como TV, revistas, jornais Os autores que compõem este projeto onde ele possa divulgar seu trabalho. O não fazem parte de nenhum movimento único aspecto que conta é o prazer que a literário organizado, não são modernistas, obra causa no leitor. pós-modernistas, vanguardistas ou qualquer outra definição que vise rotular e definir a orientação dum grupo. São apenas escritores interessados em trocar Enquanto que este é um trabalho experiências e sofisticarem suas escritas. difícil, por outro lado, concede ao criador A qualidade deles não é uma orientação uma liberdade e uma autonomia total: ele de estilo, mas sim a heterogeneidade. é dono de sua palavra, é o responsável pelo que diz, o culpado por seus erros, é quem recebe os louros por seus acertos. A indústria deseja o produto pronto e com consumidores. Não basta qualidade, não basta competência; se houver quem compre, mesmo o lixo possui prioridades na hora de ser absorvido pelo mercado.

Enfim, "Samizdat" porque a internet é um meio de autopublicação, mas "Samizdat" porque também é um modo E, com a internet, os autores possuem de contornar um processo de exclusão acesso direto e imediato a seus leitores. A e de atingir o objetivo fundamental da repercussão do que escreve (quando há) escrita: ser lido por alguém. surge em questão de minutos.

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Lentidão Ana Cristina Rodrigues

Eu odeio negociar com certas raças. Algumas por serem gananciosas, como os malditos dorbelianos, que inventaram maneiras de enganar qualquer comprador e chamam de ‘Leis Comerciais Internas’. Outras por terem um senso absurdo de honra, como os hasamanitas que só adquirem qualquer coisa que tenha passado por um complicado teste de autenticidade de posse. Mas, às vezes, é pura e simplesmente porque eu tenho nojo dela. E na minha frente, um representante da raça mais nojenta do Universo. Parece um verme super-crescido, com olhos pequenos em comparação a cabeçorra disforme, apoiada direto nos ombros de onde saem braços finos como gravetos. No entanto, em relação a mim, um olho dele era do tamanho do meu punho fechado. Ele não conseguia andar sem a ajuda de um aparelho de suporte antigravitacional. Não possuía pernas, e pesava cerca de duas toneladas e meia. Isso, claro, numa estimativa para baixo. Grunhiu alguma coisa no seu dialeto. O meu velho tradutor universal, roubado do Posto da Federação Interplanetária de Comércio, demorou alguns segundos para traduzir. - O meu carregamento, MacAran. Cadê o meu carregamento? Essas bebidas deveriam ter chegado ao meu bar em Alpha Eridani VI há semanas. Disfarçando meu desconforto, emito algumas palavras tranqüilizadoras. Enquanto a geringonça traduz, penso enlouquecidamente, tentando achar uma saída. Malditos dorbelianos! Devem ter vendido a carga por um preço melhor do que o meu, que obviamente não foi muito alto. Ainda bem que não os pagara adiantado, como estava dizendo ao monte de banha e limo para tranqüilizá-lo. Afinal, ele sim pagara adiantado, confiando nas minhas habilidades de negociação. Pena já ter gasto o dinheiro recebido com antigas dívidas. Num planeta a beira da guerra civil, proteção nunca é demais, e eu pagara pela melhor possível. 3


Samizdat Especial 1 - abril 2008 O feioso saiu convencido de que eu resolveria tudo. O seu olhar para os dois imensos seguranças que o acompanhavam não deixou dúvidas do meu destino, caso falhasse. Então, estava claro que eu não podia falhar. *** Resolvi rumar para a minha residência temporária, um apartamento em um dos subúrbios de classe média, longe dos centros industriais. Minha gentil hospedeira estava em casa, vendo algum programa de notícias. Parei cinco minutos e entendi que algum figurão do Conselho Diretor – o órgão administrativo superior de Cidade Paraíso – estava defendendo a eleição de um novo presidente. Nenhuma novidade, eleições acontecem com uma rapidez impressionante por aqui. Não que mude nada, pois são sempre integrantes do mesmo grupo social no poder. Isso mantém uma estrutura de dominação que faz a maior parte da população permanecer em situação de extrema pobreza... e mais algumas baboseiras assim. Eu não sei o resto, porque sempre durmo em algum ponto do começo do discurso. Resolvi colocar meu plano de convencimento em prática, vendo que Nicole parecia mais entretida com suas unhas do que com a fala de Simon Etles. - Oi, gatinha... Nada de bom na holovisão? Ela olhou com cara de muito poucos amigos. - Não. Usei o meu melhor sorriso. - Que tal um passeio? - Não. - Ah, bem pequeno, eu pago o combustível... - Não! - Puxa, eu posso... - Nem que o Conselho Diretor me eleja presidente! Eu não vou sair desse planeta levando você, MacAran. Desiste. Loira, olhos azuis, 1,80m lindamente distribuídos por curvas sensacionais. E proprietária de uma das únicas naves de cruzeiro de toda Cidade Paraíso. Um duplo desperdício que ela fosse homossexual, e namorada da líder do movimento 4


www.samizdat-pt.blogspot.com guerrilheiro, um dos seres mais frios que já vi. E isso porque eu convivi com toneladas de seres, das espécies mais diferentes possíveis. - Ah, que é isso, minha linda? Pense em tudo o que eu já fiz por você... - Fez por mim? Você dorme de favor na minha casa, é um foragido da Federação e do Conselho Diretor, traz mercadoria contrabandeada para o meu armazém... - Mas um dia eu posso vir a ser útil! - Claro. No dia em que quisermos a Federação do nosso lado, entregamos você para eles. - Viu? Por favor... - Eu não posso. Temos negócios importantes essa semana. Vamos atacar o prédio do Paradise News. Esse era o mais poderoso centro de notícias dessa pocilga dentro de um domo. Tudo o que acontecia dentro do campo de plástico transparente reforçado, que separa Cidade Paraíso do ambiente inóspito circundante, é noticiado ali. E todos os fatos exteriores são filtrados ali antes de entrarem no nosso pequeno pedaço de inferno. Realmente, um negócio importante. O videofone de Nicole tocou. “- Nic, querida...está sozinha?” - O Mac está aqui. Fui para trás da loura e acenei para o vulto na tela. - Oi, Rosinha. Senti saudades! Convivo com os guerrilheiros há dois anos, desde que um mal-entendido tornara a minha pessoa uma das mais procuradas pela Federação. Quando eu vi que meus argumentos de disparo acidental não iriam me livrar da acusação de ter assassinado o chefe do Posto Diplomático Avançado (e principalmente da fúria da viúva, até então uma grande amiga), preferi procurar refúgio. Há alguns tipos de párias em Cidade Paraíso. Tem bandidos de todas as categorias, mas assim eu chamaria muita atenção, e eu não confiava muito em contrabandistas. Afinal, eu era um. Claro, poderia me refugiar entre as camadas pobres, porém, sinceramente, elas fedem. Então, o lado mais vantajoso para mim seria o dos guerrilheiros. Sei lá de onde, um grupo arranjou idéias socialistas, de igualdade e acesso igual aos meios de produção... Essas coisas que dão sono no meio de discursos. Como eu consegui convencê-los que seria útil ter um forasteiro entre eles, para ajudar a conseguir pequenas coisinhas necessárias a uma revolução, como armas e notícias, fui aceito. A bela Nicole, sem 5


Samizdat Especial 1 - abril 2008 nenhum treinamento de guerrilha, pouco conhecimento dos ideais revolucionários e que aparentemente só estava no meio por ser a namorada da líder, foi designada para me vigiar. E nesse par de anos, só conheci o nome e a aparência de Nicole. Nenhum dos demais permite que eu saiba a sua identidade. Rosa Luxemburgo é o codinome da líder e, usando meus hábitos investigativos, percebi que ela só poderia pertencer a uma das famílias importantes daqui. Talvez fosse mesmo filha de um dos integrantes do Conselho Diretor. Porque eu tenho essa sensação? Bem, até mesmo para poder escolher os apelidos de seus companheiros, ela demonstrou ter tido uma educação privilegiada. Afinal, ela sabia detalhes obscuros da história pré-espacial da Terra, como revoltas perdidas, rebeliões massacradas... Isso indicava um colégio particular dos bons, que ficam perto do centro do domo. E nesse buraco, lugares assim só aceitam os filhos do topo da escala do dinheiro. “- Não me chame assim, MacAran. Nic, preciso que você vá buscar um carregamento de armas na borda do sistema hoje à noite.” Isso muito me interessava. Comecei a prestar bastante atenção na conversa das duas. - Como assim? “- Os explosivos que precisamos para a invasão do Paradise News ainda não chegaram. O cargueiro não consegue entrar no sistema de M 157. A Marseille está monitorando todo o movimento espacial,e você sabe que a Federação não é muito disposta a aceitar naves dorbelianas suspeitas. O bando de Bork mandou uma mensagem sub-espacial comunicando o motivo da demora. Temos até hoje a noite para buscarmos a mercadoria, ou eles irão partir com nosso equipamento.” O nome do chefe do bando chamou a minha atenção. Era o mesmo que estava com a minha bebida. Resolvi não deixar escapar a chance caída do céu. - Hum... Acho que posso ajudar aqui. Afinal, negocio há anos com os dorbelianos... e sempre com sucesso. Vocês têm pouca experiência no contato com essa raça esquisita e podem precisar de minha ajuda. Eu estava mesmo precisando dar uma voltinha. Um instante de silêncio tornou claro que ela estava refletindo sobre a minha proposta, o que deixou Nicole consideravelmente preocupada. - Rosa, você não... Mas a voz ríspida da líder não deixou margem para dúvidas. “- Ok, MacAran. Você irá com Nicole. Hoje a noite, no espaçoporto, entrada principal. Nosso contato já está esperando com todos os documentos de autorização de saída necessários. Beijos, querida. Cuide-se.” 6


www.samizdat-pt.blogspot.com Senti que fui fuzilado pelos olhos azuis de Nicole, mas isso pouco me incomodava. Coloquei as mãos nos bolsos e comecei a assoviar, satisfeito. Amanhã à noite eu já teria resolvido meu problema com aquele monstrengo asqueroso. Tudo o que tinha que fazer era ajudar Nicole a negociar com os dorbelianos, pegar as armas e a bebida, pagar e... Droga! Eu havia esquecido completamente que ainda tinha que acertar as contas com os malditos cabeçudos. Porém a minha preocupação durou meros instantes. Coloquei a mente para trabalhar, pensando em uma maneira de não pagar e ainda sair bem com os guerrilheiros. Sorri para mim mesmo, sentado no sofá assistindo holovisão, enquanto Nicole, resmungando, começava os preparativos para a viagem. *** É impressionante o que dinheiro, uma boa rede de contatos e a predisposição natural em funcionários públicos a serem corrompidos podem fazer atuando em conjunto. Todo o complexo e intrincado ritual burocrático alfandegário de Cidade Paraíso pareceu ter se desmanchado no ar. Nada de inspeção minuciosa da carga, ou de vasculhamento das zonas cegas da nave. Simplesmente entramos no espaçoporto, mostramos os documentos – falsos, embarcamos. E isso porque eu sou um dos homens mais procurados desse buraco de rato espacial. Por isso, em questão de poucas horas depois de falar com Rosa, estávamos confortavelmente instalados em um iate espacial de luxo, classe Icarus. Até onde eu sei, e isso é bastante, de todos os veículos de navegação espacial particulares registrados, a Icarus era a única classe que só podia ser adquirida mediante atestado de procedência familiar. Depois, claro, de paga pelo equivalente a um planetóide. O sistema de pilotagem totalmente automático nos guiava tranquilamente. A imensa nave-patrulha da Federação responsável pelo sistema M 157, a Marseille, nos permitiu sair de órbita após verificar nossas credenciais. Na sala de controle, mais parecida com um salão de um hotel luxuoso, aguardávamos a aproximação dos doberlianos. Eu bebericava um bom cálice de conhaque rigeliano, jogado em um estofado de Magna VII que devia valer mais do que a minha alma... Se bem que uma lata de lixo já tem muito mais valor do que a minha parte imortal... Minha companheira evitava olhar na minha direção, então passava o tempo olhando as belas e compridas unhas. Conseguimos chegar à borda do sistema sem que nenhum problema, imprevisto, desgraça de proporções cósmicas acontecesse. Eu estava quase acreditando na existência de um poder maior. Ênfase no ‘quase’. A desculpa oficial para estarmos ali era testar propulsores de dobra novos, o que só poderia ser feito a certa distância do planeta. O disfarce perfeito. Mal deu tempo para me servir de mais uma taça de conhaque antes dos dorbelianos entrarem em contato. A cabeça imensa em relação ao resto do corpo, com todos os seus detalhes raciais – dentes irregulares e sempre aparecendo, olhos pequenos e focinho de porco – do chefe do bando de contrabandistas mais famoso daquela área preencheu a tela. 7


Samizdat Especial 1 - abril 2008 “- Ótimo. Vocês vieram pegar a mercadoria!” Resolvi atender a chamada pessoalmente. - Meu bom amigo Bork, é um prazer revê-lo... Deixou a minha bebida na geladeira, como eu pedi? “-MacAran? Está aqui também, não sabia...” - Que eu era amigo dos guerrilheiros? Tenho mais surpresas do que você imagina, seu dorbeliano sujo! Ergui a voz por puro instinto. Mas Bork deu de ombros. “- Não precisa discutir comigo, humano. Sua mercadoria também será entregue. Iremos teletransportar tudo para o convés de carga.” Nicole acompanhava a discussão desinteressada. Afinal, era para isso que eu tinha vindo. - Assim que estivermos com a mercadoria em nossa nave, acertaremos o pagamento. Desligando. A imagem do negociante sumiu da tela. Prontamente, falei para a paradisíaca. - Muito bem, eu vou descer até lá e conferir a carga. Assim que eu disser “parta”, você entra em dobra espacial. Ela parou de admirar as unhas. - Mac... Revi as especificações de carga. É, chegaríamos perigosamente perto do máximo, o que poderia diminuir a velocidade da nave fora de dobra. Mas como ficaríamos poucos instantes assim, dava para arriscar. - Dá para não discutir? – Eu tinha que pensar rápido. O melhor era descer logo e conferir tudo. Nicole e suas besteiras podiam ficar para depois - Você não entende, é... Não quis saber. Dei as costas e fui para o convés de carga, preocupado com a minha mercadoria. Chegando no convés, dei um suspiro aliviado. Tudo na mais perfeita ordem. A carga estava toda ali, bebidas de um lado, explosivos de outro. 8


www.samizdat-pt.blogspot.com Conferi as minhas garrafas uma a uma, e dei uma olhada por alto nos pacotes dos guerrilheiros. Sorri para mim mesmo, enquanto usava o comunicador da nave. - Nic, minha linda, parta! “- Mac...” - Não discute e vamos logo! “- A NAVE NÂO TEM PROPULSOR DE DOBRA!” - Como assim? “- É um iate, a política de isolamento de Cidade Paraíso não permite propulsores em naves particulares! Não podemos ter!” Para salvar a minha pele, eu teria realmente que pensar rápido agora.

- Ok, qual a nossa velocidade máxima? “- Máxima? 300.000 quilômetros por segundo, forçando os motores.” - Mas isso é a velocidade da luz! E agora? A voz de Nicole saiu tensa pelo comunicador interno. “- Mac, os dorbelianos estão tentando entrar em contato. Eles querem o pagamento. E agora?” Bom, como é mesmo aquele velho ditado terrestre? ‘Os inimigos de meus inimigos são meus amigos, embora sejam meus inimigos também’. Não faz sentido, mas foi isso que iluminou a minha mente. - Qual a nossa distância para a Marseille? “- Pequena. Podemos cobrir em minutos. O que você pretende fazer?” - Vá em direção a eles, mandando mensagens de socorro. Vou tentar encobrir a carga até chegarmos a eles. “- Mas eles vão nos pegar!” 9


Samizdat Especial 1 - abril 2008 - Faz o que eu mandei! Agora, eu tinha que acertar. Se a Federação me descobrisse, estava perdido. **** Eu podia sentir a nave se arrastando pelo espaço. Parecia que não saia do lugar. Minha vontade era colocar um traje espacial, sair e empurrar. Pela escotilha, podia ver o espaço lá fora. As estrelas estavam nítidas e os planetas do sistema perfeitamente visíveis... Nada dos borrões familiares da dobra espacial. Fui sacudido por um impacto. Os dorbelianos atiravam ao lado da nave, sem querer atingi-la. Afinal, o que interessava era o pagamento. Mortos, não pagariamos nada. Para mim, foram como horas tivessem passado até Nicole entrar novamente em contato. “- Mac, a nave da Federação respondeu. Estão vindo em nosso socorro.” - Ainda bem. Quanto tempo para eles chegarem aqui? “- Questão de segundos.” - Com quem você falou? “- Tenente Gamgi.” Péssimas notícias. Sam Gamgi era o chefe de Segurança da Marseille depois de ter sido retirado da Segurança do Posto Avançado, um cargo muito mais cobiçado. Por minha culpa, claro, pois eu acidentalmente atirara no comandante do Posto. Ele tinha convivido comigo por anos, me reconheceria de imediato e iria adorar me entregar às autoridades da Federação. Eu precisava, mais do que nunca, arranjar um bom disfarce, e tudo porque a maldita nave não entrava em dobra. Velocidade da luz? A tartaruga voadora da minha filha era mais rápida. A nave federada se aproximou. Suas formas prateadas reluziam com as luzes das estrelas. Não era muito grande para os padrões federativos, mas muito maior do que a nossa nave de cruzeiro. Bem mais armada, como os dorbelianos pareciam saber. A perseguição terminara. Agora, vinha a parte da dissimulação. Pois eu tinha uma arma nas mãos contra Sam. Claro. Se ele me conhecia, eu também sabia de seus defeitos. O mais terrível, o que eu inutilmente tentara ajudar o pobre coitado a se livrar, era o de ser absurdamente tímido com mulheres bonitas. Eu já vi Sam enfrentar seis homens de uma vez só, apenas com uma pequena lâmina. Assim como também fora testemunha do seu desmaio ao ser cumprimentado mais... efusivamente por uma escrava-do-prazer ragliana quando eu o levei a um bar em um dia de folga. 10


www.samizdat-pt.blogspot.com Torcendo para que Nicole conseguisse distrair o oficial pelo tempo necessário, afinal minha companheira de viagem não tinha muita paciência com o sexo oposto, entrei no sistema de lazer da nave. Como eu imaginara, estava equipado com os mais modernos programas de holografias solidificadas em três dimensões. Alguns comandos e um holograma surgiu. A área de carga virou um grande salão, cópia daquele localizado na sala de controle...e eu, Richard MacAran Davis, havia me transformado em uma irmã gêmea da bela Nicole, com muito menos roupa e mais atitude. Deitei em um sofá, lendo um livro eletrônico, tentando reproduzir as poses das antigas fotos eróticas que eu vira. Não demorou muito para que o tenente Gamgi entrasse na área de carga, acompanhado de Nicole. Foi difícil saber quem ficou mais surpreso. Porém, a paradisíaca recuperou-se mais rápido enquanto Sam ficou boquiaberto. Levantei-me e disse, com voz feminina feita pelo computador, sorrindo na direção do oficial. - Oi, Nic, conseguiu resolver tudo? Quem é o seu amigo? Nicole se portou graciosamente. Deu um grande sorriso na minha direção e falou. - Sim, querida, tudo resolvido. Graças ao tenente Gamgi. - Hum, ele é nosso herói, então? – aproximei-me ainda mais dele, que começou a tremer visivelmente. Completamente constrangido, ele mal olhou para nós “duas” enquanto fazia uma inspeção ligeira. Despediu-se com uma mesura, ainda sem nos encarar, e foi teletransportado para sua nave. Nicole olhou para mim, ainda disfarçado. Pisquei para ela e sorri. - Você me paga! Sabe o risco que corremos? Desativei o holograma antes de responder. - Resolvi tudo, não foi? Agora vamos de volta para aquele pardieiro que você chama de casa. O resto da viagem transcorreu em silêncio. Fiz-me de aborrecido, mas por dentro estava muito satisfeito. Havia enganado os dorbelianos e conseguido a bebida de graça para entregar ao poço de banha. Claro, teria sido mais simples, mas como eu poderia adivinhar que a nave não andava em dobra? Velocidade da luz! Odeio esse planeta. Um dia, ainda conseguiria sair dali... em dobra dez!

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Código denominativo: RG-12 Carlos Alberto Ramos quanto mais tempo em construção, mais nosso sucessor será completo. Desde a geração 10, um arquivo de verdade incontestável é implantado no núcleo de nosso sistema central. Esse arquivo contém a seguinte informação: RG-12 é o meu código denominativo Não há máquina mais perfeita que o ser de nível. Venho de uma linhagem que humano. Portanto, o objetivo de todo teve início na construção do primeiro Robot Generation é criar o próprio ser humanóide cibernético, chamado Robot humano. Generation One, o RG-1. Essa geração inicial foi desenvolvida pela mão humana Atualmente, estou em busca do RG-13, no ano de 2044 do calendário cristão. Atualmente, estamos no ano 1134 da era que não será perfeito, pois com o nível de tecnologia que possuo, não se é possível das máquinas. alcançá-lo. Entretanto, meu sistema de processamento estabelece que, mesmo Com a primeira geração de RG’s, não atingindo a determinação do arquivo os humanos acharam a fórmula para a de verdade incontestável, devo construir criação de um ser completo, que fosse um sucessor que o tente. E se esse não tão perfeito quanto eles. Eufóricos e conseguir, passará a tarefa à próxima precipitados, pensavam que não se geração, e esta à próxima, e à próxima, passaria muito tempo para vislumbrarem e à próxima... esse ser ideal. Contudo, até 2110, ano em que o homem foi completamente Estou no limite do tempo para extinto, ainda não se havia chegado nem desativação e meu sucessor está quase ao RG-2. acabado. Mesmo sendo um RG-13, ele ainda não terá algo que também não tive, Nosso funcionamento é relativamente que é assimilar o porquê dos homens simples: somos projetados a partir da desejarem construir outro homem. estrutura do ser humano e programados Nossos arquivos básicos nos informam para criar um RG mais evoluído. O que esses seres possuíam a capacidade processo é baseado nos antigos cálculos procriadora, onde dois deles, através matemáticos de juros compostos, onde a de processos bioquímicos, geravam um capacidade evolutiva de uma geração é novo ser humano. É incoerente, portanto, sempre maior que da geração anterior. aceitar que nossa linhagem venha de um desejo que, por natureza, já era possível. O que os humanos não entenderam Talvez o problema esteja em nossos a tempo é que a passagem de um arquivos básicos. Como máquina, sei nível a outro será sempre demorada, que eles podem ter sido corrompidos e, demandando os 100 anos de ativação que pela lógica, é o que deve ter acontecido. cada RG possui. A própria programação A provável verdade é que seres humanos implantada no primeiro de nós faz com não procriavam. que sejamos assim – a lógica é que, 12


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Recomendações de Leitura NÃO SERÁS FUTURO ALGUM Ana Cristina Rodrigues É praticamente inevitável relacionar o ‘romance’ de Ivan Hegenberg com um dos clássicos da literatura de FC brasileira, ‘Não verás país nenhum’ de Ignácio Loyola Brandão. As principais preocupações dessas duas distopias são a rarefação dos nossos recursos naturais e o controle externo sobre as ações individuais. Mas enquanto Brandão limita seu universo seco e desesperançado ao Brasil, o jovem artista plástico paulistano universaliza suas preocupações. Em ‘Será’, o cenário tem tanta importância quanto seus personagens. É um romance experimentalista, no sentido em que sua trama não segue linearmente um personagem Livro: Será Autor:Ivan Hegenberg ou uma linha de ação. Ao contrário, pode ser lido como uma coletânea de contos no mesmo universo, um mundo Editora: Ragnarok oprimido por suas necessidades, onde a água virou bem tão precioso que pessoas julgadas sem direito a vida morrem para que sua água possa ser aproveitada por outros. Onde poderes telepáticos são aceitáveis e utilizados pelo Sistema, o grande centro que tudo controla. No qual pessoas perdidas buscam seus caminhos em religiões que elevam a Beleza ao status divino. Experiências científicas e bizarras ocorrem, por vezes com divulgação massiva. Uma repulsa ao tempo consumista que vivemos, ‘o tempo do capitalismo’, expurgado por uma grande revolução; um mundo que consegue ser estranhamente pacífico e belicoso. No meio desse cenário que reúne elementos já trabalhados em diversas outras distopias, - além da obra de Brandão podemos citar’1984’, ‘Admirável Mundo Novo’, ‘O Homem Demolido, destacam-se dois personagens: a menina Seda, uma jovem telepata que procura entender o que se passa consigo e os seus estranhos dons, e Ganton, um membro do Comando Água que passa a refletir sobre a sua ocupação. O livro tem pontos altos e baixos, por vezes se perde em sua necessidade de contemplação estética, como se o autor também se fixasse na adoração do Supremo Esteta, e na necessidade de extravasar uma veia poética mal contida que nem sempre aparece no momento certo. Mas a riqueza do seu cenário, o carisma de alguns de seus personagens e principalmente o impacto do capitulo final, ‘A festa do último grito’ (que aliás torna o subseqüente epílogo um apêndice um tanto deslocado na história) faz com que ‘Será’ torne seu autor uma agradável surpresa no cenário da Ficção Científica nacional, um nome que surgiu fora do ‘fandom’, e uma promessa de futuros romances tão bons 13


Samizdat Especial 1 - abril 2008

Autores em Língua Portuguesa O artista da carne (uma parábola) Fábio Fernandes - Quero um clone - disse o vampiro. - Para quê? - perguntou o artista. - Isso é problema meu. Você pode ou não pode? O artista deu de ombros. - Preciso de uma base de dados. - Isto basta? - disse o vampiro, colocando uma lasca de osso na mão do artista. - Mas vai demorar. - Quanto? - Vai depender da idade em que deseja o clone. - Vinte e dois. - Mínimo de cinco anos, máximo de vinte e dois. Sugiro tempo real, o trabalho fica mais perfeito. - Posso esperar - o vampiro deu de ombros. Podia. O vampiro tinha duzentos anos e mais duas décadas não fariam diferença. Não que isso importasse: no século vinte e dois, todos tinham uma vida muito longa. A existência dos vampiros já era conhecida. Mas pouco tolerada. As colônias na Lua e em Marte existiam para provar isso. O vampiro era discreto. Só se alimentava quando necessário e sempre nos bancos de sangue autorizados. Dois séculos de experiência lhe deram dinheiro, conforto e tranqüilidade.

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www.samizdat-pt.blogspot.com Mas faltava algo. O vampiro conhecera a garota no século vinte, antes da transformação. Primeiro e único amor. Todas as outras, todos os outros, todo o resto que veio depois foi apenas sexo e alimento. Às vezes companhia. Amor, nunca. Agora o mundo era outro. Nem melhor nem pior, apenas diferente. Agora os humanos também podiam viver muito mais tempo. Ela nem precisaria ser transformada. O vampiro deixou instruções com o artista sobre o modo correto de educar o clone, até o dia de seu aniversário de vinte e dois anos. Foi quando se conheceram: ele voltaria exatamente nesse dia. Viajou, correu mundo. Poucos eram os lugares que o vampiro não conhecia. Só faltavam as colônias na Lua e em Marte, mas isso ele não queria: nenhum vampiro voltava das colônias. Até que um dia ele olhou o calendário e o dia finalmente havia chegado. Voltou ao ateliê do artista. - Como ela está? - perguntou. - Bem - respondeu o artista. Ele estava diferente: os cabelos agora tinham um tom grisalho, havia rugas nos cantos dos olhos, a barriga estava ligeiramente dilatada. Há muito tempo o vampiro não via alguém assim: o artista estava velho. - Por quê? - perguntou por curiosidade. - Prefiro assim - foi a resposta do artista. - A morte antes da decadência. O vampiro não perguntou mais nada, tinha pressa. O artista trouxe o clone. Era linda, mais linda do que ele se lembrava. Pela primeira vez em muito tempo, o vampiro chorou. Como se obedecendo a uma deixa, ela se aproximou e tomou-lhe as mãos, dizendo: calma, estou aqui. No começo tudo era perfeito. O vampiro viveu com a garota como nunca antes. Pela primeira vez em muito tempo, o vampiro foi feliz. Os meses se passaram, e tudo continuou perfeito. O vampiro desconfiou: a experiência lhe ensinara que nada continuava perfeito. Então o vampiro descobriu que a garota não era só sua. Ela também pertencia ao artista. 15


Samizdat Especial 1 - abril 2008 De novo não, pensou o vampiro enquanto se dirigia ao local onde os dois amantes se encontravam. Ele devia ter percebido a força do DNA. Pois a garota - a verdadeira garota, a matriz que agora era apenas um punhado de ossos - não ficara com ele para sempre. Antes de ser vampiro, antes mesmo de ser humano, ele era possessivo. Muito. Um dia, poucos meses depois de se conhecerem, ela o deixou, por um homem mais compreensivo, mais calmo, mais velho. Mais velho. Por isso o artista escolhera envelhecer. E por isso o rapaz acabara se tornando um vampiro. O vampiro ainda ousara pensar que tudo podia ser diferente. Mas o DNA não perdoa. Nem o vampiro. Ao chegar, viu a cena: os dois na cama, ele em cima, ela em baixo. Não teve pressa. Lentamente, com gosto, os dentes aguçados rasgaram carne, perfuraram artérias, nadaram em sangue. O vampiro só parou quando a polícia chegou. Nada mais importava. Nem a colônia em Marte. Nem mesmo a colônia incipiente, que precisava de mão-de-obra barata para erguer as cúpulas das cidades e trabalhar no processo de terraformização. Em sua maioria, presidiários e vampiros. E agora ele era os dois. Pela segunda vez em muito tempo, o vampiro chorou. Publicado em: Interface com o Vampiro e outras histórias. Writers, 2000.

Sobre o Autor Fábio Fernandes é jornalista, tradutor e autor teatral. Em 1985, ganhou o primeiro lugar do concurso de dramaturgia Frei João de Sant’ângela , promovido pela Universidade Federal de Alagoas, com a peça Polêmicas. Esta peça, reescrita sob o nome de Vestidos Brancos, foi encenada em 1998 no Teatro Villa-Lobos, Rio de Janeiro, com direção de Luiz Armando Queiroz. Como jornalista, trabalhou nos jornais PASQUIM, Tribuna da Imprensa e O Globo, e fez um breve estágio no Setor Brasileiro da Rádio BBC de Londres. Traduziu cerca de 40 livros, de autores como Kurt Vonnegut, Gore Vidal e Clive Barker. Estreou profissionalmente como ator em 1999, na peça Mulher Vestida de Sol, de Ariano Suassuna. Prepara, ainda para 2000, o lançamento de um livro de poemas e duas peças. 16


www.samizdat-pt.blogspot.com História Natural Max Mallmann Quando as outras moléculas começaram a se agrupar, avisei que não ia dar certo. Alguém me ouviu? Claro que não. Talvez o fato de que nenhum de nós possuísse ouvidos naquela época deva ser considerado atenuante para a presunçosa desatenção deles. Passado algum tempo, para que não me chamassem de antiquado, misantropo ou démodé, também me agrupei. E nos transformamos em células. A vida de célula não era má. Era até, na verdade, bastante agradável, embora tenha sido um pouco complicado, para mim, assimilar o conceito de dentro e fora. Mas a invenção das membranas acabou tornando mais fácil distinguir quem era eu e quem era o resto do mundo. A parte que eu mais gostava, nesses tempos de célula, era a divisão celular. Era um ato que começava solitário, quase masturbatório, até que, num orgiástico romper de membranas, eu me tornava dois. Então nós dois virávamos quatro. E, antes que nos déssemos conta, nós quatro já éramos quatrocentos trilhões. Uma festa. Só que daí alguém voltou com aquela velha conversa de se agrupar. Já não estávamos agrupados o suficiente? Avisei, de novo, que não ia dar certo. De novo, ninguém me ouviu. De novo, segui a maioria. E me tornei organismo multicelular. Vendo a coisa em retrospecto, não posso dizer que tenha sido mau negócio. Há um certo prazer lúbrico na vida multicelular. Meu principal passatempo, naquela época, era o cultivo de apêndices externos. Flagelos natatórios, tentáculos, barbatanas, uma infinitude de protuberâncias capazes de balançar para lá e para cá. Porém o apêndice externo mais divertido de todos, sem dúvida, era o pênis. Não ajudava nem um pouco na locomoção, mas era ótimo para penetrar nos orifícios dos outros organismos multicelulares. Sim, foi quando descobrimos o sexo. Ficamos durante milhões de anos trepando como loucos no fundo do mar, sem que ninguém nos incomodasse, até que um daqueles chatos cheios de opiniões sugeriu: “E se a gente fosse para a terra firme?”. Mais uma vez, avisei que não ia dar certo. Foi inútil. Ninguém me ouviu, apesar de quase todos nós já possuirmos ouvidos ou algo semelhante. Decidi acompanhar um bando de imprudentes nessa aventura maluca, só para ver a confusão que eles armariam. Acabei rastejando na areia quente, debaixo de um sol que me torrava as escamas. Que tolo fui, quando me condenei à eterna indecisão da vida de anfíbio. Nostalgia é uma palavra salgada, como o mar que me viu nascer. E foi num ímpeto de autodefinição, numa busca sôfrega por alguma identidade mais sólida, que acompanhei os outros rumo ao interior daquela imensidão de terra. Quando me dei conta, já era 17


Samizdat Especial 1 - abril 2008 um dinossauro. Não me senti feliz como dinossauro. Ainda sofria de saudades da existência simples de molécula inorgânica. Nós, dinossauros, éramos uma estirpe mutável e quase tão indecisa quanto os anfíbios. Não éramos lagartos. Não éramos mamíferos. Aliás, naquela época, desprezávamos os mamíferos, aquelas asquerosas bolas de pêlo com rabinhos cor-de-rosa. Substituímos a pele lisa de anfíbio por uma casca grossa cheia de penas. Sim, penas. Éramos todos empenachados, até os mais ferozes e carnívoros, embora ninguém soubesse para que serviam as penas. Até que um engraçadinho espalhou o boato de que as penas serviam para voar. E viramos todos aves. Sempre odiei voar. Hoje, vivo numa gaiola, na área de serviço de um apartamento no décimo segundo andar de um prédio na Avenida Atlântica. Meu dono, que ironia sádica, é um mamífero. Ainda não pude constatar se ele tem um rabo cor-de-rosa, mas sei que ele não é mais uma bola de pelo: ficou careca aos vinte e cinco anos. A forração de jornal da minha modesta prisão muda todo dia. As notícias e editoriais me deixam aterrorizado com o que acontece no mundo. Minha única alegria, nesta vida gradeada, é bradar sem descanso, em linguagem de canário, a todas as formas viventes que possam me escutar, a todos aqueles ambiciosos, lunáticos, porra-loucas e descompensados que decidiram abrir mão da pacata existência molecular para poluir o mundo com o milagre da vida: eu avisei, não avisei?

Sobre o Autor Max Mallmann, porto-alegrense nascido em 1968, estreou na literatura em 1989, com o romance Confissão do minotauro, vencedor de concurso do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul. Em 1996 publicou, pela Editora Mercado Aberto, Mundo bizarro, que recebeu no ano seguinte o Prêmio Açorianos de melhor narrativa longa. Seu terceiro romance, Síndrome de quimera, lançado em 2000 pela Editora Rocco, esteve entre os dez finalistas do Prêmio Jabuti em 2001 e foi publicado em 2003 na França, pela Éditions Joëlle Losfeld, selo editorial pertencente à Éditions Gallimard. Seu romance mais recente, Zigurate — uma fábula babélica, foi publicado em 2003, também pela Rocco. Uma amostra desse novo trabalho pode ser vista no site http:// www.zigurate.com. Casado com a escritora Adriana Lunardi, autora de Vésperas (Ed. Rocco, 2002), Max Mallmann vive desde 1999 no Rio de Janeiro e trabalha como roteirista da TV Globo. Fonte: Bestiário

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Primeiro Encontro Volmar Camargo Junior (Um conto steampunk)

O nome do soldado-aranha era conhecido por todos na vizinhança: Oficial “Sete Pernas”. O responsável por ele ter recebido esta alcunha era também notório: uma jovem ladra chamada Ixia. Naquele exato momento, Lothar estava segurando Ixia pelo colarinho do sobretudo de couro, olhando-a como quem contempla um troféu muito cobiçado. — Ora, ora, se não é minha inestimável amiguinha... quanto tempo Ixia? — Não é um prazer revê-lo, Oficial “Sete” – retrucou com alguma dificuldade por causa da posição em que estava. — Você sabe que estava ansioso por nosso reencontro, não sabe? – içando-a a uma altura ainda maior com os braços, os únicos membros de seu corpo ainda vagamente humanóides. — Oficial... veja... eu sinto muito pelo acidente com sua perna. Mas olhe pelo lado positivo. O senhor ainda tem... outra sete! – disse com um sorriso escandalosamente sarcástico. 19


Samizdat Especial 1 - abril 2008 — Muito gentil de sua parte recordar-me esse detalhe – disse rangendo os dentes, retesando o corpo aracnídeo. Aproximou-a de si, ficando cara-a-cara com ela. Continuou – Serei bastante breve, mocinha. Vou cobrar o prejuízo na mesma moeda, se é que você me entende... Ao dizer isso, olhou maliciosamente para as coxas da menina, esboçando um sorriso malévolo com os afiados dentes metálicos. Em seguida, sua pata dianteira moveu-se com um chiado. A extremidade, à medida que se aproximava do corpo de Ixia, abriu-se em duas metades, revelando uma serra circular já em funcionamento. A garota olhou rapidamente à sua volta, um tanto apavorada: não havia ninguém que pudesse socorrê-la. Teria de contar com a sorte que, até então, nunca falhara. E ser muito, muito rápida. Em um instante, arquitetou o plano. “É agora ou nunca!” — Senhor Oficial Lothar – gritou, suplicante e agitada – por favor! Eu tenho uma proposta, sim?! Uma proposta! — Vejamos. Talvez hoje seja seu dia de sorte, mocinha. – diminuindo a velocidade da serra. Aproveitando a oportunidade, enquanto o bizarro policial divertia-se com a própria ironia, Ixia livrou-se do casaco, escorregando até o chão. Ao tocar no solo, pondo à prova todos os seus anos de prática, sacou sua pistola, encostando a boca do cano na articulação da sétima pata mecânica – a mesma da ponta-de-serra. Dedo no gatilho, o disparo estrondoso esfacelou ligamentos metálicos e tubulações de borracha, espalhando aço retorcido, parafusos e uma nuvem de vapor pressurizado por todo o beco. A jovem correu como louca na direção oposta, saltando o muro de tijolos no final da ruela sem saída onde fora capturada. O soldado-aranha perdeu o equilíbrio e a noção do espaço, caindo de cara no asfalto. Ele urra como o monstro que era. Tiros de suas pistolas pesadas ecoaram no beco, sem direção definida. Ixia fugira dele mais uma vez. *** Krinn observava atento o motor à vapor em funcionamento; o antracite1 que conseguira era suficiente para fazê-lo quase entrar em colapso. O propulsor elétrico estava pronto, e alinhado. Rapidamente, o estudante posicionou-se no assento, afivelando firmemente as correias no peito e nas pernas. Com um movimento, acionou o arranque da hélice acima da cabeça, que, ruidosamente, iniciou sua rotação com um solavanco. Estava tudo pronto. Respirou profundamente. Com o polegar, premiu o botão no topo do manche, 1 Antracite: variedade compacta e dura do mineral carvão que possui elevado lustre. Difere do carvão betuminoso por conter pouco ou nenhum betume, o que faz com que arda com uma chama quase invisível. Os espécimes mais puros são compostos quase inteiramente por carbono. Um antracito libera alta energia por quilo e queima limpidamente com pouca fuligem, o que o faz uma variedade carvão procurado e desta forma de valor mais alto.

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www.samizdat-pt.blogspot.com acelerando a hélice a fim de testar o mecanismo. Um redemoinho de poeira e folhas levantou-se à sua volta, no bagunçado quintal de seu estúdio. Com o pé, Krinn livrou a trava do propulsor elétrico. Cinco segundos até a descarga acionar a catapulta. Quatro segundos. Cobriu os olhos com os óculos especiais. Três segundos. Um último olhar para a o altímetro. Dois segundos. Lembrou que o antracite seria combustível suficiente para, no máximo, três horas. Um segundo. Teve impressão de ouvir uma voz feminina. Zero! O som agudo das baterias irrompendo a descarga elétrica no mecanismo propulsor. Uma garota, vinda não se sabe de onde, atirou-se no colo de Krinn no instante em que as molas estouraram, jogando o veículo e seus dois tripulantes a uma velocidade alucinante em direção ao céu. O rapaz acelerou. A caldeira fervente e o motor impulsionaram a hélice da obraprima do jovem técnico, mantendo o veículo estabilizado no ar, exatamente como no projeto. — Funciona!!! Funciona!!! Estamos voando!!! Só então, passada a emoção de seu enésimo teste – desta vez com êxito – o rapaz dá-se conta da situação mais que inusitada. — Puxa... eu não esperava ter um passageiro logo na primeira viagem. M-muito prazer – disse, um pouco timidamente, e um pouco nervoso, pensando que o motor poderia não dar conta do peso – meu nome é Krinn. — O prazer é todo meu, Krinn. Meu nome é Ixia. A visão das luzes da Cidade-Continente era inexplicável da altura onde estavam. À distância, chegava a ser bonita, quase romântica. Um vôo de algumas horas levouos para longe de sua vizinhança, do laboratório, dos subterrâneos onde os bandidos se escondiam dos Soldados-Aranha. Assim foi o primeiro encontro de Krinn e Ixia.

***

Depois desse dia, Lothar passou a ser chamado Oficial “Seis-Pernas”.

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Samizdat Especial 1 - abril 2008

Como um Fim de Tarde Simulado Samuel Peregrino

No 86º andar do Empire State Building pouco antes do anoitecer quando ainda está claro, dá pra ver as cidades se acendendo ao cair da noite como em Sunday in New York... — ...Robert! Ei!Acorde Robert, seu tempo acabou! *** Nova Tóquio Detetive Pyne — Abra os olhos dela, rápido! Abra os olhos dela! Filha! Filha acorde! Vamos! Acorde Mitzuri! Acorda, acorda logo! Merda! Abre logo esses olhos!... Meu Deus...! É sempre ruim de se vê, filhos morrendo... 22

1 dia antes Londres — Detetive! — Entre e feche a porta sim. Sentou sem o convidar. Eles sempre sentam. Acham que estão em alguma repartição pública. — Vi seu anúncio senhor Pyne. — O que achou? “Você é feliz? Se não for, procure Mr. Pyne na 17 da West End.” — Diferente. — Trouxe os papéis?


www.samizdat-pt.blogspot.com — Sim, a garota se chama Mitzuri, está dentro há seis dias. — Merda! Precisamos correr. Temos um dia apenas, um dia!

Sidney Sonho de Pietro Primeiro Dia

— Não te preocupa, vai tá lá na hora certa, vamo acertar primeiro os detalhes! — Viu a fonte, o autor? — Ah cara, eu sei lá, não tive tempo pra isso. Quem fez ou deixou de fazer, isso não me interessa, deixo pros caras que entendem, eu cuido da minha parte. E tu, deu sorte, tem um monte de Controladores vigiando o mercado depois que ulguns usuários viciados foram pra o saco por causa desse vírus.

— Casulo 11, você tem 1 minuto. — Mas você tem certeza, não é falso? Como vou saber?!

Ei Pietro! Me dê sua mão, venha, agora será tudo diferente. Eu prometo um mundo melhor para você. Pietro?! — Olha aqui Pietro, já pisei na bola Consegue me ouvir? Pietro...?! contigo irmãozinho?! Garanto que não vai se decepcionar, lembra do Zig aquele — Casulo 11 encerrado! Vamo saindo antiquário que pregou bala num Contrutor ô de azul, já desliguei tudo, não quero que vendia falsificações no gueto?! O nenhum maldito Controlador na minha cara assegurou que esse é do bom, como é mesmo o nome daquela parada que tu cola, seu tempo acabou! falou...? Salmen, Salei... — Quanto tempo passou? — Qual é tá me zoando?

— Salém! — Isso!

— 23:57...? Doze horas? Falei para me acordar 5 horas antes seu monte de estrume! — Ah vai te catar! Some pra casa seu viciado. Porra qualquer dia desses fecham essa muamba por causa desses manés!

Ontem — Consegui a parada irmãozinho! — Onde está?

Moscou Sonho de Dalilah Primeiro Dia O mundo era assim... Todo construído de jaspe. O sol... Um esmalte de ouro num escudo heráldico, fulmegante, translúcido, belo! A vida absorta num jardim halocrômico, verde, tal verdejante gramado à cobrir lírios aveludados. Meus pais? Felizes. Eu...? Uma princesa no sono do eterno. — Seja bem vinda Dalilah, esta é sua 23


Samizdat Especial 1 - abril 2008 casa.

Times “ O dia que nunca será esquecido! Mísseis radioativos cruzam os céus de Manhatan.”

Bangladesh Sonho de James Usher

Le Monde

Primeiro Dia Trabalhei por doze anos! Doze anos! E o que consegui? Um monte de cinzas sobre a cabeça, meia dúzia de viroses alteradas e isso aqui... — Dois mil? Como conseguiu James, logo um famigerado como você! Devia previr. — Vamos, me dá logo o maldito formulário e prepare o Casulo, estou perdendo tempo. Mais tarde em seu apartamento James Usher em seus sonhos sombrios delira um fim do mundo qualquer — Você quer saber como tudo começou James? Doze anos antes

Clarin

“O primeiro ministro do Irã, Hasan Ghalib decidiu não mais se pronunciar nas questões envolvendo seu plano de defesa anti-aéreo com o qual conta com o apoio do atual bloco dos países árabes unidos. O ministro recorre à segregação posto que a ONU fala em embargo econômico caso o Irã e as demais nações árabes não cessem com seus programas de defesa envolvendo ogivas nucleares.” New York Post “Será uma terceira guerra?!

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“Onze cidades evacuadas! 200.000 de mortos. América conta chora seus mortos. Os EUA irão contra-atacar?”

“ Vingança! Três milhões de mortos é o número de vítimas no Oriente Médio, Teerã, Bagdá, Península Arábica e o leste do Golfo Pérsico são os focos do impacto. O secretario-geral da ONU, o diplomata coreano Ban Ki-moon, renunciou o cargo alegando negligência por parte da atual líder norte-americana quanto à tentativa de pacificação. “O processo de paz à essa altura já não é relevante”, disse ontem Hillary Clinton, após os primeiros ataques na Operação Guerra nas Estrelas.” O Globo


www.samizdat-pt.blogspot.com Os Casulos

deles!

Há poucos meses atrás... “ Começa a funcionar a zero hora da noite de domingo os primeiros PSC, Programas de Simulação Consciente, popularmente chamado de Casulos. Serão instalados em toda rede SimuLar nas principais cidades-estufa, sendo monitorados pela DAC e seus Controladores. Os Casulos virão com um software-demo desenvolvido pelos Construtores, O Último Alvorescer, um simulacro projetado com uma belíssima arquitetura tridimensional gerada com as últimas imagens da vida na terra como era antes da Grande Guerra.”

— Ok. Pode ir começando, eu vou buscar outras fontes. Ah... !E consiga um mandato. — Para que? — Quero toda a rede SimuLar fechada! — Ok!...Senhor Pyne...Eu preciso entrar? — O que você acha garoto?

Salém

Nova Tóquio Detetive Pyne — Então senhor Pyne, acha que ele está envolvido? — Sem nenhuma dúvida! O desgraçado saiu das sombras novamente. É a sexta vítima em menos de uma semana. — Como sistema?

pôde

ter

invadido

o

— Ele não invadiu, essa merda foi reprogramada, como um vírus. — Construtores? — Não, é algo maior, aqueles viadinhos podem facilitar as coisas, inserir alguns dados não permitidos, recriar ambientes, mas isso aqui... Temos que vistoriar todos os Casulos.

“O mercado de falsificações se agitou hoje com a chegada de um software ilegal que impulsiona descargas elétricas específicas no córtex entorrinal, estrutura do lobo temporal medial onde se armazena as lembranças de longo prazo, com isso, a interação com o mundo artificial se torna mais natural devido a reprogramação oferecida pelo novo software que se mescla à fatos verídicos da vida do usuário. Esse é um novo marco no competitivo mercado das simulações. Com o software não se torna preciso projetos desenvolvidos pelos Construtores como prédios, cidades, belas paisagens e até mesmo o próprio passado, o usuário dispõe de infinitas possibilidades de combinações baseado em experiências armazenadas na memória, contudo Controladores da DAC afirmam que o novo simulador pode ser falso ou um vírus.”

— Só em Nova Tóquio há mais de 30 25


Samizdat Especial 1 - abril 2008 Bangladesh

tenho...

Sonho de James Usher Primeiro Dia — Sabia que viria James. — Realmente é verdade, estou surpreso! A polícia está atrás de você. — Não se preocupe comigo, eles não me pegarão.

Alguns anos antes “A escuridão cobriu os céus das principais cidades americanas. De Washington a Carolina do Sul bombas termo-nucleares destroçaram a asas da Grande Águia.”

— Dizem que Pyne já tá no teu encalço. Ele é um dos melhores.

“A Grande Guerra já dura quatro anos, o número de mortos ultrapassa os — Pyne foi um grande Construtor, viu o 15.000.000 em quase todas as capitais mal que fez e abandonou tudo. Detetives americanas. Brasília, Buenos Aires, autólatras é minha menor preocupação Lima, Cidade do México e Assunção são algumas das cidades atacadas. Desde por agora James. que a China se uniu ao bloco dos países árabes o fogo aéreo é constante. Várias — Porque você quer acabar com a regiões da Europa estão em quarentena, DAC? Para muita gente é o único alento Paris, Dublin, Roma. Na África Meridional, que sobrou nessa merda toda. Não sei se várias cidades declararam estado de você é do tipo que lê as notícias, mas as calamidade pública.” coisas estão piorando cara! Terroristas americanos sitiam as cidades-estufa El Diario todo o tempo, não há trégua entre os Controladores e as milícias e desde que fecharam as fronteiras vivemos num aquário sufocante, tubarões domesticados com rações, numa bolha de ozônio rubi. Moscou — Não quero acabar com a DAC, ofereço apenas a verdade.

Sonho de Dalilah

— Não creio que assassinato seja uma boa forma de expor a verdade.

— Qual é seu nome?

— É preciso dar o primeiro passo James, por isso estou aqui, para guiá-los pelo caminho.

— O Construtor.

— Dizem que você é um sábio e que tem as respostas. — Fique comigo, veremos se as 26

Segundo Dia

— Como me chamam lá fora?

— Fui um deles, não sou mais e você o que quer ser Dalilah? — Dizem que você pode trazer a felicidade... Não sei ao certo, apenas


www.samizdat-pt.blogspot.com não quero mais alegria artificial em rótulos de aspirina, cansei dessa vida plástica, manipulada. Mesmo a DAC desenvolvendo perfeitas simulações, não permitem que fiquemos pouco menos que algumas horas, falam de danos cerebrais. — Você acredita neles Dalilah? — Minha vida têm sido tão falsa que não sei mais em quem acreditar. Você é minha última esperança. — Tudo o que peço são seis dias. Você pode escolher o lugar: um esconderijo de infância, uma casa nunca esquecida, desde os recônditos de suas lembranças até um campo primaveril num fim de tarde de baunilha. — Eu não quero mais sair daqui. — Você não precisa.

Nova Tóquio Grand Hyatt Hotel Detetive Pyne — O que descobriu detetive? — Seu nome é Robert Yerushalem, imigrante ilegal marroquino, filho de americanos, tem dupla cidadania. Trabalhou com o nome falso de Ihab Juda para a DAC. — Um Construtor? — O Construtor. Foi dele a idéia de um mundo simulado, projetado artificialmente. Todos os ambientes virtuais encomendados aos Construtores

passavam por sua mão. Ganhou muito dinheiro na DAC, o simulacro Veneza foi seu último projeto. — O que simulava as obras de Shakespeare, ganhador de vários prêmios? — Sim, uma boa mentira. Desde a apresentação de Salém, um novo software capaz de redesenhar um ambiente virtual a partir das lembranças dos usuários, Robert está desaparecido. Isso foi há alguns meses. A DAC não manifestou nenhuma nota sobre seu desaparecimento. — Armaram pra ele já que o governo proibiu os Casulos e as ações da DAC despencam? — Não duvido de nada, esses caras farão de tudo pra continuar vendendo. Robert esperou até que os primeiro Casulos espalhados por todas a SimuLar tivessem êxito. Um crime impulsionado 27


Samizdat Especial 1 - abril 2008 por vingança...? Provável... Mas não espero trivialidades de assassinos em série, ainda mais sendo um Construtor. — Foi esperto indo direto na fonte, a válvula de escape coletiva.

Sidney Sonho de Pietro Segundo Dia

— Então isso aqui é Salém? Bonito, um mosaico de velhas lembranças estampado atrás de um avelhantado sonho infantil. Você é bom, muito bom... Uma projeção do ideal baseado em pura reminiscência, — Salém? trazendo à tona uma anamnese...? Sem avatares ou panes temporárias. A mente — Sim, conheço alguns antiquários projetando o que o self quer. Realmente interceptadores, por uns dois mil você me impressionou Construtor. Lembrei consegue um, por dez leva o Casulo no que Demócrito apenas acreditava em pacote. “átomos e no vazio”, confiava plenamente em suas sensações físicas a ponto de — Bom detetive, mas como soube de afirmar que nada mais existia. Engraçado que Platão achou a idéia tão desprezível tudo isso? que expressou o forte desejo de que toda Adoro isso, aquele olhar meio cético, a obra de Demócrito fosse queimada ponderando o óbvio para em seguida imediatamente. ostentar o simples fato de que... — Porque veio Pietro? — Ele distribuiu seu novo software no mercado de falsificações. Usuários viciados sempre procuram coisas novas.

— Não me diga que entrou Pyne! Entrou?! Entrou em Salém?!

Há doze anos... “O governo da Nova Confederação emitiu hoje em rede mundial a lista de imigrantes americanos ilegais que deverão abandonar as vinte cidades-estufa em até 48 horas com o risco de reclusão nas prisões-ilhas. O governo afirma que medidas como essas serão necessárias devido a possibilidade de um contágio em escala global. Os imigrantes ilegais serão deportados de volta à América.” Izvestia

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— Queria ver com meus próprios olhos. Um céu desbotado num azimute azul-turquesa resvalando pôr sobre o sustentáculo do mundo, plêiade de sumidades! De onde tirou o tom cerúleo? Não me recordo desse dia. — Você é um Construtor Pietro? Pelas ruas alquebradas de uma nova Tóquio onde carros voadores cederam lugar a um dia simulado, caminha por entre transeuntes que abarrotam as passarelas, detetive Pyne — Vê garoto...

esses

ecrãs

gigantescos

“Veja a Terra que nunca viu! Viaje pelo passado num presente controlado, criado


www.samizdat-pt.blogspot.com pelos maiores engenheiros da atualidade. “Manifestantes sitiam as cidadesOs Construtores lhe darão o mundo que estufa em toda a Euro-Ásia!” sonhou. Cada parede, cada palavra, cada desejo, tenha a vida que quiser dentro de um universo de possibilidades! Procure uma SimuLar mais próxima .” — ...a América perdeu, os países árabes também e nós no meio. — Às vezes me dá náuseas quando imagino como isso tudo começou senhor Pyne... “O primeiro-ministro inglês disse ontem num pronunciamento enquanto mísseis balísticos intercontinentais cruzavam o céu de Londres, que os países da União Européia não entrarão numa Guerra baseada em interesses econômicos, “a América está sozinha”, encerrou o — — ... o oxigênio que respiro agora ministro.” é artificial, assim como essa bolha sobre nossas cabeças, uma natureza extinguida pela radiação. Pergunto-me até que ponto não posso dizer que a vida real se tornou dissimulada, mera artificialidade? “Solicite a visita de um de nossos técnicos ou peça nosso catálogo, são milhares de mundos prontos para usufruir. Pare de sofrer, encomende seu mundo perfeito e personalize seu Casulo.”

— Não sei garoto, mas quando encontrar com Yerushalem lembrarei de interrogá-lo sobre isso, ah se não...! Tenho um pressentimento que aquele assassino está envolvido nessa merda toda!

Bangladesh Sonho de James Usher Segundo Dia — Lembra do alpendre?

Há doze anos houve uma guerra

“Se empilhassem os corpos cobriria a Estátua da Liberdade.” “A América chora seus mortos.” “Divulgada a lista das vinte cidadesestufa no bloco Euro-Ásia.” “Após a Grande Guerra o Oriente Médio se tornou em um deserto.”

— Sim, sim... Como não lembrar, estava lá no dia que tudo começou. Vamos até lá, por favor. Uma velha casa costurada — Deus! Está como o deixei! O lago suntuoso rodeado de estanho, os velhos gansos de Isabel... Jesus! — Sabe por que querem proibir Salém, James? — Eu, eu não sei... 29


Samizdat Especial 1 - abril 2008 — O governo está perdendo as rédeas. Não há alimento o suficiente para todos. O ar escasso e radioativo se prepara para uma eminente propagação do câncermutante. — Disseram tê-lo extinguido. — Ele se propaga pelo ar. Acorde James! Até quando acha que essas bolhas de ozônio vão agüentar?! E quando estourar...! Quem vai segurar os exilados nas prisões-flutuantes? Acredita que Controladores defenderão as fronteiras?! A cada minuto cresce o número de militantes nas zonas de guerrilha. É tudo uma questão de tempo. podendo atingir 14 alvos diferentes, por exemplo, se um MIRV for lançado em Moscou direção à Rússia, este poderá exterminar 14 cidades diferentes, isto é, um só míssil Sonho de Dalilah pode destruir todo um país de uma só Terceiro Dia vez, havia pelo menos 20.000 ogivas — Onde está me levando sonhador? nucleares no mundo. Posso te chamar assim, sonhador...? — Santo Cristo! Numa tarde de verão sobre a Praça Vermelha queima-se o céu — Sabia que o nome da Praça sempre é associado à cor dos tijolos ao seu redor ou ao comunismo, no entanto o nome surgiu porque a palavra russa krasnaya significa tanto “vermelho” quanto “bonito”. — Não, não sabia, cresci aqui por perto, em Kitai-Gorod e sempre achei que o “vermelho” fosse por causa da catedral com suas cúpulas abauladas.

— A Terra como era há doze anos jamais tornará a ser, ofereço uma saída Daliha...

Nova Tóquio Sonho de Pyne Segundo Dia — Você fugiu Robert.

— Não fugi e estou aqui, você — Olhe para cima Dalilah, consegue vê abandonou tudo! os clarões de fulgor intenso acima dessa enevoada melancolia? São mísseis MIRV, eram equipados com 14 ogivas nucleares — Diga onde eles estão?! A DAC já 30


www.samizdat-pt.blogspot.com identificou o sinal. Logo estarão à sua frente segurando o plug. Onde eles estão Robert? — Em suas casas Pyne. — Você a matou Robert, matou uma garota de 15 anos e matou vários outros, como pôde?! — Consegue se lembrar detetive?

Terceiro Dia — Eu era um Construtor, assim como você, até o governo proibir os Casulos depois das mortes. — Acha que fui eu Pietro? — Não sei ao certo... Controladores que arrobaram meu apartamento domingo passado não disseram nada sobre suicídio coletivo. — O que queriam com você?

Doze anos atrás New York Empire State Bulding, 86º andar — Sr. Robert, tem um minuto? — Claro, o que há Pyne? — Estava pensando sobre a guerra, acha que não vai nos comprometer o fato de exilarmos civis americanos.

— Suspeitaram que estivesse interceptando e vendendo seu software. — Você encontrou?

é

corajoso,

como

me

— Não foi fácil, mas quando se têm falsificadores, putas de antiquários e militantes mutantes como velhos amigos, dá-se sempre um jeitinho. — Você precisa escolher Pietro.

— Ouvi dizer que as vítimas ficaram plugadas por sete dias, causando várias — Já conversamos sobre isso. morte e seqüelas irreversíveis na maioria. — Certo, porém tive uma última Como você fez isso?! Quando fui demitido impressão, hum... Será mesmo Pietro um da DAC por causa das mortes ligadas aos Construtor? Ser o for, a forma de como Casulos não me importei muito, enfim vê o mundo será diferente dos demais. um Construtor com boas indicações E essa garota, Dalilah, não precisamos sempre encontra novos patrões para satisfazer, agora, quando soube de dela, não há conexão com... Salém, hum, hum...! Eu precisava achar o filho da puta que criou tudo isso, talvez — Apenas faça Pyne, execute o para amenizar os nervos, talvez para projeto, nosso prazo está se esgotando. roubar a idéia... Bem, não sou nenhum descontrolado que sai por aí com rifle em punho caçando criancinhas mutantes, ou sei lá... Um psicopata cibernético que vicia suas vítimas com sonhos artificiais! Sidney Com certeza, não sou. Eu precisava te Sonho de Pietro encontrar Construtor, o homem que fez 31


Samizdat Especial 1 - abril 2008 da minha vida um inferno, apenas pra perguntar... Por quê?!

— Quero que veja algo.

— Por quê...?! Há uma semana as cidades-estufa ardiam “O governo proibiu hoje a utilização e vendas dos simulacros Casulos em toda a rede SimuLar. Medida que visa a proteção dos usuários já que o número de mortes causadas pelo vírus Salém chega a seis. Como parte do pacote de medidas, houve ainda a demissão em massa de pelo menos 2.000 Construtores da DAC. Especialistas afirmam que a permanência por tempo prolongado ao software pode causar danos irreversíveis aos sistemas neurais ligados à memória, levando uma verdadeira overdose conhecida por hipermnésia ao cérebro. Sob hipermnésia o usuário pode reviver todas memórias com todos os detalhes e sentidos, evocando lembranças com mais vivacidade e exatidão ou até particularidades que comumente não surgem na consciência. Um fenômeno curioso é a Hipermnésia que pode ocorrer em estados que precedem a morte ou quando a pessoa se defronta com situações extremamente ameaçadoras à sobrevivência. ” Um turbilhão alegórico de sonhos vivos, coloridos na tela pálida cefálica

Moscou Sonho de Dalilah Sexto Dia — Onde estamos indo sonhador? — Vou lhe mostrar uma coisa.

Nova Tóquio Seis dias antes “Mitzuri Yamada filha do comandante Hanako Yamada foi encontrada morta dentro do Casulo instalado em seu apartamento há uma semana. Controladores alegam que o software que gerava a simulação estava contaminado com o vírus Salém. O governo proibiu o uso de todo o tipo de simulacros temendo mais mortes.” — Venha Mitzuri, quero lhe mostrar algo que jamais vai esquecer.

Sidney Bangladesh

Sonho de Pietro

Sonho de James Usher

Sexto Dia

Sexto Dia — Para onde está me levando? 32

— Porque escolheu essas pessoas? Venho pesquisando tudo sobre você,


www.samizdat-pt.blogspot.com descobri que houve mais de 200 casos não-oficiais onde usuários tiveram contato com Salém e não morreram. Você espalhou o vírus usando os falsificadores. Uma droga cara, mas fácil de achar. Todos os que se conectaram e não morreram dizem ser uma enganação, a promessa de felicidade duradoura, de respostas... Tudo balela! Porque apenas seis mortos? Porque foram escolhido,s Construtor ou posso te chamar de Robert?! — Venha comigo Pietro, as respostas estão ali, vê além dos campos repletos de Sunshine Wattle?

Nova Tóquio Sonho de Pyne Sexto Dia Sob a dobradura dos sinos na Cathedral of Saint John, The Divine numa Nova York que não é mais — Escute Robert, vou lhe dá uma última chance para se entregar pacificamente, os Controladores já me localizaram, em poucos minutos rastrearão cada buraco dessa ilha idílica. As cidades-estufa são todas conectadas, não há como se esconder mais. Cansei desse jogo doentio! — Sabe o que mais me impressiona em você Pyne? Sua capacidade de raciocínio. Você sempre foi o melhor em contas, mas peca feio quanto à originalidade. — Seu tempo está acabando Robert, onde quer que esteja eles vão pegar você e sabe o que fazem com quem mata filha de comandante...

as duas torres quadradas que ladeiam a fachada do Portão do Paraíso? Você sempre gostou de vir aqui com ela, dei uma retocada, viu? Nunca seriam acabadas de qualquer forma... Quer saber onde eles estão Pyne? — Você deve ter agora, hum... Uns dois minutos. — Venha comigo vou lhe mostrar.

Sétimo Dia “Controladores rastrearam mais quatro Casulos em diferentes cidadesestufa e o governo logo confirmou a morte dos usuários, o escritor James Usher de Bangladesh, o ex-Construtor da DAC, conhecido como “Pietro” de Sidney, a estudante Dalilah Karenin em Moscou e o investigador inglês reconhecido por “Pyne” num casebre em Nova Tóquio. Pyne foi um dos primeiros Construtores da DAC e fontes asseguram que ele estaria investigando a morte de Mitzuri Yamada a pedido do pai da vítima, o comandante Yamada. Uma segunda fonte segura confirma que Controladores conseguiram rastrear o sinal do homem responsável pelas mortes, o terrorista marroquino Ihab Juda depois que Pyne se conectou ao programa-vírus Salém por seis dias consecutivos. Analistas da DAC já descartam essa possibilidade já que os picos de transferência provinha do alto do Empire State Bulding um dos primeiros arranha-céus americanos derrubado no início da Grande Guerra há doze anos atrás.”

— Você não entendeu nada Pyne! Vê 33


Samizdat Especial 1 - abril 2008 Nova York

Dez minutos depois Robert Yerushalem descendo por uma quinta avenida tão real quanto seus cabelos carmim

Sonho de Robert Yerushalem

— É um bom divertimento filho?

Sétimo Dia A verdade? Você teria que ver com seus próprios olhos. O dia após o fim do mundo foi assim, sonhos criados por máquinas que alimentavam nosso ego. Naquele dia tive a ligeira impressão de que havia algo a mais, algo que me diria sobre o certo e o errado. E não me enganei.

— Um tanto enfadonha a história, mas os gráficos são bem legais, quem desenvolveu pai? Robert Yerushalem pega o CD num invólucro plástico, à capa estampado num holograma arrojado os dizeres,

Como um fim de tarde simulado No 86º andar do Empire State Building pouco antes do anoitecer quando ainda Um produto Dreams Aware está claro, dá pra ver as cidades se Corporations por D. Pyne acendendo ao cair da noite como em Sunday in New York... — ...Robert! Ei!Acorde Robert, seu tempo acabou! — Ainda não! Só um minuto! — Sinto muito, vamos amanhã você termina.

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embora,

— Você não conhece filho, é um jovem talentoso da empresa, o jogo foi idéia dele. — E no final, todos morrem? — O final é você quem escolhe Robert.


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O Fascínio da Ficção Denis da Cruz

Celular bem empunhado na mão. Segurado firme como uma espada.

afinal, talvez eu seja um Cavaleiro Jedi.

Isto tudo na mente de uma pessoa “Bzummm”. Faço com a boca tentando que já chegou à casa dos 30. por isso, imitar o som do sabre de luz. “Zummmm, às vezes me pego pensando o que a fantasia, a ficção, faz com a mente de zuuuum, zum, bzummmm.” crianças. - Sou um cavaleiro Jedi! Apesar de brincar imaginando um A fantasia fixa-se de tal forma em sabre de luz, tenho a plena consciência nossa mente que às vezes parecemos de que – infelizmente – não sairá estar vivendo em outra dimensão. nenhuma potente arma dali, bem como Empunhamos sabres de luz (nem que meus sonhos não serão assombrados sejam cabos de vassoura), guiamos com nenhum Lord Sith. o carro como se estivéssemos numa espaçonave, apontamos o braço como E uma criança, ou pré adolescente, se no lugar de ossos possuíssemos um sabe como distinguir a fantasia da implante cibernético que dispara rajadas realidade? Aliás, o autor de obras do gênero deseja que a mente do leitor trace laser. este limite? Ou quer ele que seu público, Já fiz muito disso em época não tão ainda que juvenil, mergulhe no universo distante. E, ainda hoje, o celular parece por ele criado e ali fique preso? ter o poder de emanar um luz azulada,

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Samizdat Especial 1 - abril 2008 Estes mundos, sejam eles os futuros de tecnologia extrema, ou os universos paralelos, com batalhas épicas, são de fato fascinantes. Quando escrevo, preocupome com minha responsabilidade como autor em traçar limites e deixar claro que estou escrevendo sobre o irreal. Igualmente alerto meus filhos quando conto histórias desta natureza. É comum meu caçula (de três anos) perguntar: “Isso existiu de verdade, papai?” (um dia desses ele me perguntou se o Superman existe). Este aspecto de responsabilidade das obras é pouco abordado. Sim, eu e você certamente sabemos que é ficção. Mas existe por ai até igrejas Jedis (inspiradas em Guerra nas Estrelas, de George Lucas) e muitas outras coisas que desconhecemos, baseadas em fantasia e ficção. Pois é, tem doido pra tudo.

uma mensagem específica. Isto é raro, pois determinadas confissões poder ser anticomerciais. Preferem deixar a mensagem nas entrelinhas ou no nível subliminar. “Interpretem como quiser” dizem eles. O segundo aspecto, é o ligado aos pais e educadores. Não se pode dar um livro ao filho sem antes conhecer seu conteúdo e seu magnetismo. Uma inadvertida criança pode ser sugada para o universo ficcioso e encontrar dificuldade para se livrar dele. Cumpre aos pais o conhecimento da leitura oferecida aos filhos e o ensino sobre a divisão entre o real e o irreal.

Se o autor é responsável pelo que escreve, muito mais é o pai que oferece a obra para uma criança em plena fase de formação. Um pai espírita não irá presentear seu filho com “A Canção de Mas de algum lugar estes doidos Eva” (livro de June Strong, editora CASA), tiraram a idéia. Em algum momento eles bem como um evangélico vai torcer o nariz esqueceram de traçar um limite entre o para as obras de Pullman ou de Howling. real e o fantasioso. Em algum momento eles acreditaram poder, de verdade, Enfim, a ficção é fascinante e pode empunhar um sabre de luz. seduzir mentes a absorverem idéias que

afrontam suas próprias ideologias. Se a Vejo, assim, dois aspectos: mensagem fosse clara e bem definida, talvez não haveria muitos problemas. A O primeiro, ligado ao autor. Claro que questão é que o autor pode se valer do juntamente com toda obra vem a ideologia fascínio da fantasia para, subliminarmente, de seu respectivo escritor. Além de narrar passar sua mensagem. O ávido leitor pode sua história, ele passa sua doutrina. ser surpreendido por mensagens que sua Muitas vezes, essa “doutrina” é contrária mente, descontraída pela boa narrativa, à nossa. O autor tem a liberdade de não estava preparada para contraexpressão, mas não podemos esquecer argumentar. A mensagem é prontamente que temos a liberdade de discordar de absorvida pelo subconsciente. sua respectiva expressão. Sinceridade (por parte dos autores) e Este autor, na minha humilde opinião, cuidado (dos pais e educadores) nunca é deveria, em algum momento, deixar de mais. E que a força esteja com vocês... claro que está escrevendo uma ficção e digo, até a próxima. que sua obra tem a finalidade de passar 36


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Cemitério Russo Henry Alfred Bugalho

Havia uma crença coletiva de que o fim do mundo viria de forma súbita, talvez causado por algum asteróide se desgarrando do cinturão entre Marte e Júpiter, ou alguma explosão nuclear, resultado daquelas guerras insanas que os humanos adoram empreender, ou simplesmente os céus se abrindo e, um a um, os quatro cavaleiros do Apocalipse devastando a terra e a chegada do Anticristo e da besta com sete cabeças, dez chifres e dez diademas.

reconstruir o planeta”. Mas não foi assim.

A China, com seus bilhões de habitantes, sempre foi um celeiro para as doenças mais bizarras da Humanidade. Seus precários hábitos higiênicos contribuíam para que qualquer gonorréia ou conjuntivite se tornassem epidemias, mas, daquela vez, suspeitava-se que a enfermidade não era natural — não apenas alguma mutação duma das patologias já conhecidas —, mas alguma aberração criada em laboratório, quem sabe um malfadado projeto de arma biológica.

O fim do mundo seria um marco, assim como havia sido a extinção dos dinossauros; haveria uma cisão e, se alguém sobrevivesse (ou alguma futura civilização inteligente resolvesse reescrever a História), haveria uma data evidente e incontestável, na qual poderíamos anotar em nosso calendário A batizada HR7 possuía os sintomas — “eis o dia do fim do mundo, e, aqui, o iniciais duma mera gripe: dores-no-corpo, dia seguinte a ele, quando começamos a cefaléia, fraqueza, ardência nos olhos

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Samizdat Especial 1 - abril 2008 e febre. Todavia, agravava-se nos dias seguintes, vômito, sangramento gengival, convulsões e desmaios. Após uma quinzena, falência múltipla dos órgãos e óbito.

Vladimir tinha dezesseis anos quando assistiu a reportagem, na NTV Novosti, anunciando as mortes na China. Dificilmente ele se lembraria do comentário maldoso que realizou naquele dia:

O governo chinês tentou abafar o caso, mas e-mails espalharam as notícias. Em poucos meses, jornais divulgaram as primeiras estatísticas, mais de dois milhões de pessoas já haviam sido infectadas pela HR7, e havia algumas suspeitas de contágio na Coréia do Norte, na Tailândia e no Vietnã.

— Bem que aqueles chineses imundos poderiam ser varridos do planeta. Esta raiva derivava da sua derrota no torneio mundial de xadrez para um brilhante enxadrista taiwanês, um rapazola chamado Yeung. Pouca importância havia sido dada, neste resmungo de Vladimir, quanto à nacionalidade das vítimas: chinês ou taiwanês, qual a diferença?

No entanto, tais advertências chegaram tarde demais. Num mundo globalizado, alguém espirra no Japão e Ingenuidade do jovem, pois algum lenços são oferecidos no Canadá. tempo depois, a Rússia também passou a contabilizar seus mortos; inicialmente Um clima de histeria coletiva se na Província de Khabarosk, na região instaurou, conseqüência principal do fronteiriça com a China, mas logo surgiram modo de transmissão da doença: contato casos em Omsk, Kursk, Novgorod, São físico, pelo ar, pela água, através de Petersburgo e Moscou. alimentos; não havia proteção. Estar na presença de alguém enfermo era Assim, não apenas chineses imundos sinônimo de contágio. morriam, mas até parentes de Vladimir. Faleceu um tio do interior, uma prima, o Quando a pandemia já era um marido da irmã, a irmã, a mãe e o pai. Dia fato, os governos declararam estado após o outro, Vladimir sepultava algum de emergência, cidades inteiras foram de seus caros. isoladas, numa tentativa desesperada de limitar as terríveis conseqüências do Recebeu uma carta do avô, agonizando HR7, mas isto nada adiantou, os próprios em Zelenogradsky, a nordeste de Moscou, militares e especialistas envolvidos que lhe ordenava: nestas operações também adoeceram e, num curto espaço de meses, não havia — Fuja, Vlad! Todos vamos morrer! médicos e cientistas vivos que pudessem contribuir para dirimir a doença. Havia sido este seu avô quem o levara, num domingo de verão, para conhecer um Religiões apocalípticas, messiânicas, abrigo nuclear nos subterrâneos da capital. oferecendo redenção se proliferaram Ex-burocrata do partido comunista, o avô e proliferaram também a enfermidade. lhe contou que várias vezes, durante Pessoas entravam sãs nas igrejas e sua carreira, ele teve de se refugiar no morriam quinze dias depois — pelo subsolo, por causa de falsos alarmes de menos, iriam para o Paraíso. ataque nuclear. A mensagem de “Fuja!”, vindo dele, era clara — “esconda-se no 38


www.samizdat-pt.blogspot.com abrigo”.

O som aumentava, e com ele crescia também um odor fétido, semelhante àquele Vladimir apanhou uma lanterna, quando seu gato Rasputin desapareceu pilhas, alguns gibis da sua coleção de e, quase um mês depois, foi encontrado X-Men, seu tabuleiro de xadrez e um preso sob a geladeira, decomposto. livro de aberturas. Encontrou a entrada do abrigo , acionou o antigo elevador e Vladimir abriu uma porta (as lamúrias imergiu na escuridão das profundezas, a provinham do outro lado) e encontrou um trinta metros abaixo do solo. inferno de pessoas, amontoadas sobre as outras, pústulas sobre seus corpos, O abrigo era gigantesco, um labirinto escarrando, tossindo, convulsionando, de corredores, câmaras, salões, olhos fundos, membros retorcidos... O depósitos, espaço projetado para refugiar rapaz teve engulhos, afastou-se e tapou duas mil pessoas por alguns bocados as narinas com a gola da blusa. Todos de meses. Mas Vladimir estava sozinho, ali morriam e, se as prédicas fossem verdadeiras, se os diagnósticos fossem amedrontado, desorientado. confiáveis, Vladimir também morreria em breve. Ninguém, mas ninguém mesmo se Explorou algumas galerias, encontrou aproximava da peste sem ser afetado. um alojamento confortável e descobriu onde ficava o depósito, assim poderia obter um estoque quase infindo de pilhas e alimentos enlatados (muitos com data de vencimento de 1989). Deitou-se e O vento soprou, a neve cobriu a cidade leu seus gibis, depois, ensaiou algumas morta, o degelo, as flores, o sol. Quantas aberturas e variações da Ruy López e vezes a monotonia da mudança não voou giouco piano. Adormeceu, acordou, e sobre Moscou e sobre o mundo? mais um dia se passou; na verdade, a noção de tempo de Vladimir rapidamente As cidades, antes superpopulosas desapareceu, sem a luz do sol como — automóveis, escritórios, aluguéis e indicador. mercados —, agora eram silêncio apenas.

Os edifícios ruíram, foram recobertos por Foi por volta do quarto ou sexto dia vegetação, pelo pó, pelo gelo duma nova que Vladimir ouviu espirros, tosses e glaciação. Os rastros da Humanidade lamentos. Os sons ricocheteavam pelas foram varridos, soterrados pelo amanhã. paredes das galerias e alcançavam seu quarto. Aparentemente, Vladimir não havia sido o único a descobrir o abrigo, outras pessoas, várias outras pessoas, Dez mil anos se passaram, Glitzni, também poderiam estar ocupando aquele chefe duma equipe de arqueólogos, havia complexo. feito uma descoberta memorável, algo que o incluiria nas galerias de grandes Munido de sua lanterna, o rapaz pesquisadoras da História. buscou a fonte do barulho. Abriu portas, vagou, percorreu inúmeras vezes os Segundo a tradição oral, os seres mesmos corredores (ou seriam outros?) e humanos haviam dominado o planeta teve a impressão de que estava chegando antigamente, mas uma doença dizimara perto. quase a totalidade da raça. Alguns 39


Samizdat Especial 1 - abril 2008 grupos se refugiaram nos recônditos da terra, isolando-se, salvando-se, assim, da extinção. A Humanidade se reergueu a partir do zero, redescobrindo a civilização desde o básico: agricultura, tração animal, escrita, arte, maçonaria, cerâmica, navegação, energia a vapor, Astronomia, Física Quântica, Filosofia. Havia estes relatos sobre o passado remoto, mas, até o momento, nenhuma evidência. Contudo, escavações encontraram vestígios desta antiga civilização — uma cidade, com ruas, edifícios, teatros, praças. O governo se entusiasmou com a descoberta, liberou mais fundos e disponibilizou o equipamento mais moderno ao projeto. Glitzni era a celebridade da vez. As escavações atingiram extratos mais profundos, descobriram galerias subterrâneas, um engenhoso sistema de saneamento urbano e de transporte. Foram mais fundo, e este foi o verdadeiro achado. Edifícios e artefatos eram muito estimulantes, mas cadáveres, ossadas, algo ainda mais extraordinário. Descerraram a porta do abrigo nuclear e o bafo podre pôde deixar seu túmulo. Glitzni e seus colegas encontraram quase trezentas ossadas, sepultadas neste imenso cemitério; entre elas, estava a de Vladimir.

Ao chegar em casa, Glitzni recebeu um telefonema de Aaapnor, seu assistente imediato.

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— Estou muito doente, Glitzni, acho que peguei um resfriado, não poderei comparecer às escavações amanhã. Glitzni também se sentia assim; tomou um remédio para aplacar a febre. Recordou-se da descoberta de dias atrás, a pilha de ossadas, e temeu que talvez houvessem desencavado algo terrível. Sobre sua escrivaninha estava o envelope que recebera naquela manhã — a tradução dum manuscrito encontrado em sítios arqueológicos no litoral de Amrka —, trabalho dum velho conhecido de faculdade. Apesar da vista embaçada, da dor muscular, do cansaço, Glitzni leu os primeiros parágrafos da tradução: Havia uma crença coletiva de que o fim do mundo viria de forma súbita, talvez causado por algum asteróide se desgarrando do cinturão entre Marte e Júpiter, ou alguma explosão nuclear, resultado daquelas guerras insanas que os humanos adoram empreender, ou simplesmente os céus se abrindo e, um a um, os quatro cavaleiros do Apocalipse devastando a terra e a chegada do Anticristo e da besta com sete cabeças, dez chifres e dez diademas. O fim do mundo seria um marco, assim como havia sido a extinção dos dinossauros; haveria uma cisão e, se alguém sobrevivesse (ou alguma futura civilização inteligente resolvesse reescrever a História), haveria uma data evidente e incontestável, na qual poderíamos anotar em nosso calendário — “eis o dia do fim do mundo, e, aqui, o dia seguinte a ele, quando começamos a reconstruir o planeta”. Mas não foi assim. www.miriades.blogspot.com


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Ilusões Denis da Cruz

Ilustração: Carlos Alberto Barros

- Você conseguiu? – pergunta-me Jaila.

- Não. Mas para tudo há uma primeira vez.

Meus olhos, por mais que tento, não conseguem se desviar do fascínio imposto por sua beleza. Não faço idéia do que existe por baixo daquela camada perfeita de proto-ilusão que a deixa deslumbrante. Cabelos negros e cintilantes, olhos verdes, curvas esculturais vestidas em roupas mínimas e traços que lembravam algo como os elfos das velhas histórias de Tolkien.

Estendo a mão e entrego-lhe uma minúscula esfera transparente. Jaila a escaneia com seus olhos que avermelham. Sorri.

- Eu já falhei alguma vez? – pergunto tentando não denotar qualquer entusiasmo com sua beleza.

- Você conseguiu! O nanochip agora é nosso. Vamos inserir os créditos em seu DNA agora mesmo, Samyanm. - Prefiro outro implante - digo sem rodeios – Quero a tecnologia do nanochip em meu braço. - Isto custará mais que os créditos que você tem. Mas é algo que podemos 41


Samizdat Especial 1 - abril 2008 resolver, se é que você se dispõe a fazer “Escolheu”, penso. A velha história outro serviço. sobre inteligência artificial, tão comum neste último século. Eu ia perguntar como o ID conseguiu um dos dróids da Satan, - O que preciso roubar desta vez? mas seria perda de tempo; Jaila não me responderia. Sei exatamente o que fazer: - A memória de um ID. Você faria isto? caçar, esterilizar a mente do alvo e trazer – seu tom é de desafio. as informações para a Corporação. O Med500 seria um simples obstáculo a - Claro – não titubeio, mesmo sabendo ser vaporizado pelo meu potente braço que isto significava reduzir um ID a um direito. ser totalmente sem memória, a um imprestável vegetal. Recebo as instruções sobre a localização do alvo e vou para o topo do Jaila sorri novamente, um sorriso que imenso edifício da Corporação Satan. Meu eu conheço bem. Algo que, antes mesmo transporte flutua pelas vias abarrotadas de iniciar minha missão, lhe dava uma de outros veículos, uns cruzando a certa vitória. Já faz algum tempo que sou poucos metros dos outros, perdidos na uma espécie de escravo da Corporação imensidão de prédios por todos os lados Satan, sempre migrando de missão a e no abismo abaixo e acima. Numa missão, sendo pago ora com Créditos, espécie de transe ocorrido pelo vai e vem ora com implantes ou melhorias dos que de veículos, não posso evitar que meus já tenho; um eterno ciclo vicioso que pensamentos viajem para a causa desta não me permite a libertação das ordens guerra invisível. deles. Meu corpo tem um potente braço cibernético, um olho embutido com leitura e decodificação virtual, o pulmão modificado e, em minha corrente sanguínea, há quase um litro de substância prata, recheada com nanotecs, capaz de reparar quase instantaneamente cortes profundos. - Você precisa caçar o ID G21G7714. Não sabemos se nosso alvo veste uma proto-ilusão, mas já localizamos onde ele está neste exato momento. E, Sam, ele tem um de nossos andróides como guarda costas, um Med500. - Vocês não podem reprogramá-lo remotamente para retornar? - Não. Ele escolheu estar com o ID G21.

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No começo da década de 30 (2030) começou aquilo que chamam de Corrida pela Inteligência Artificial (IA). Grandes empresas iniciaram pesquisas avançadas sobre a IA. Tiveram vários resultados, mas nenhum como ao dos criadores da Messias; uma “mente” cibernética capaz de, realmente, pensar. Mais que isto, pensar com eficácia de uma máquina. A Messias ajudou a desenvolver a segunda grande IA, batizada como Lúcifer. Em algum ponto, por volta de 2045, iniciou a guerra. Lúcifer se rebelou contra a raça humana e tentou destruí-la mediante a ativação de armas químicas e pragas virtuais que infectavam os implantes - que ainda não eram tão avançados naquela época. Em 2060, Messias proveu “a cura” contra Lúcifer. Disseminou sua própria


www.samizdat-pt.blogspot.com essência virtual na rede, como se fosse um vírus, e, num ato de auto-sacrifício, destruiu a si e todas as Inteligências Artificiais que existiam. Três dias depois, Messias ressurgiu na matriz da corporação que a gerou. Foi impossível não traçar um paralelo com o cristianismo, mas, para a grande maioria, tudo não passava de mera coincidência, já que a religião havia caído na descrença desde o início da Corrida.

enquanto desço do veículo. Caminho para o tubo e sou sugado uns sessenta andares para cima. Finalmente, meu andar. Enquanto caminho pelo estreito corredor de paredes brancas, desligo meu sensor, pois ele pode me denunciar.

Entro em um salão, tentando não deixar muito evidente que estou caçando alguém entre as vinte e duas pessoas que meus olhos escaneiam instantaneamente. Ao fundo, uma autêntica jukebox, onde toca uma música antiga, com o refrão que Depois disto, iniciou uma nova era. diz “love me tender”. É um dos inúmeros Novas IAs surgiram, mas todas muito bares que ambientam antigos cenários. inferiores à Messias e sempre tentando Este retrata os anos 70 do século XX. roubar alguma tecnologia que a ela pertencia. Um novo tipo de guerra, quase - Um energético, por favor – peço invisível, onde a Corporação Satan se sentando ao balcão enquanto minha põe apenas como mais uma das simples mente analisa os dados escaneados. detentoras de Inteligência Artificial, alimentando-se de qualquer migalha de A maioria tem traços bem humanos, tecnologia. provavelmente na tentativa de se mesclar ao ambiente do bar. Alguém põe outra Estamos quase virando um novo música na jukebox. Ouço o estalar século; devo muito a Satan e não me mecânico da máquina antes de iniciar a importo em servir a Corporação usando música. Help, esta eu conheço de algum todos os métodos possíveis, embora lugar. nunca tenha sido necessário exterminar um ID. Bastaria um simples toque em meu sensor e ele apontaria o ID G21; tempo Meu transporte começa a voar mais suficiente para que eu também fosse baixo, ali pelo nível três; para numa das detectado pelo Med500. Antes que eu entradas do edifício onde meu sensor consiga organizar os pensamentos, sinto acusa estar o alvo. Olho para o pequeno um golpe covarde de um punho atingindo espelho e confiro se meus cabelos minha cabeça. negros estão bem espetados; gosto deles assim, sem qualquer camada de Sou lançado para trás do balcão, proto-ilusão, verdadeiro vício entre as estilhaçando garrafas enquanto sinto o pessoas atualmente. Algumas delas só mover dos nanotecs curando meu crânio sabem o que é a imagem real de um rachado e alguns cortes nas costas. humano quando desativam sua fachada de mentira e conferem a própria imagem Antes de me levantar, ouço o som no espelho. pesado de alguém pulando para trás do balcão. Dois chutes no abdome me Um homem com feições reptelianas – empurram contra a parede oposta. Ossos uma capa de ilusão, claro – me recepciona estalam por todo o corpo; mais alguns

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Samizdat Especial 1 - abril 2008 golpes e meus nanotecs não irão curar nem mesmo um aranhão.

forma sou colhido por meu transporte e inicio a perseguição.

Pela força dos golpes, só posso deduzir que meu oponente é o Med500. E de fato é. Consigo levantar os olhos e o vejo correndo em minha direção. Ele veste a pele de uma mulher bonita, magra e com roupa rosa que lhe agarra o corpo inteiro. Sua imagem jamais denunciaria ser ele um andróide.

Vamos descendo os níveis, desviando dos inúmeros obstáculos. Já posso até sentir o cheiro acre do solo que se aproxima. A escuridão nos envolve aos poucos, com poucas luzes de néon piscando em alguns cantos.

Levanto defendendo três chutes e a energia flui em meu braço. Pessoas correm por todo o bar e consigo entrar um soco na fuça da dróid. A camada de pele e carne do meu punho e do rosto da máquina dá lugar para a centelha de faísca que brilha no impacto metálico. O Med500 cambaleia três passos para trás, o espaço que preciso para fulminar uma rajada de e3nergia azulada que sai com toda potência do meu braço cibernético. O raio atravessa a carne artificial do dróid e destrói seus componentes eletrônicos, deixando um enorme buraco em seu peito.

Rente ao solo, disparo alguns raios de meu veículo, explodindo em espeluncas do nível zero. Somente IDs da pior categoria vivem por aqui. Finalmente acerto um disparo, destruindo a turbina do alvo. O veículo raspa no chão até colidir numa parede, base de um dos inúmeros prédios lá em cima. Paro imediatamente meu transporte e pulo no tampão do imóvel veículo abatido, onde a poeira ainda assenta. Um golpe o abre por dentro, lançando-me para trás e vejo o ID saindo. Vem em minha direção e iniciamos uma luta corpo a corpo. Ele é forte, porém lento. Acerto alguns socos e finalmente arrebento a camada proto-ilusória, lançando-o violentamente para trás em meio a lâminas cintilantes de energia fragmentada.

Aciono imediatamente o localizador e ele aponta o alvo: um homem de pele negra, careca, que acaba de estilhaçar o vidro do prédio com o próprio corpo. Este é o momento. Debruço-me sobre Ele se joga na imensidão do abismo de o ID G21 e pressiono uma espécie de prédios e pulo logo atrás. arma entre seus olhos. Estou pronto para sugar toda a memória quando algo me Um mergulho entre paredes impede de acionar o equipamento. cristalizadas dos edifícios; veículos passando no estreito espaço, zunindo a O ID é uma mulher. Há tempos que centímetros de nossa queda. Não irão não vejo beleza igual. Algo natural, nos acertar, pois o radar de cada um totalmente humana, sem os vestígios deles impede qualquer impacto. da capa ilusória. Há um certo pedido de clemência em seus olhos e ela percebe Segundos depois, vejo o ID ser minha renitência. coletado no meio da queda. Ele teve a mesma idéia que eu, acionando - Não faça isto – ela diz – Sou a última remotamente seu veículo. Da mesma chance da humanidade. 44


www.samizdat-pt.blogspot.com Não presto muita atenção em suas palavras, mas aquelas belas feições humanas, tão incomuns nos dias de hoje, me prendem numa espécie de transe. - A Corporação Satan precisa do que você sabe – consigo dizer; minhas mãos afrouxando no gatilho. - A Corporação só quer apagar o que eu sei.

revolução e eles me comeriam como um câncer instantâneo. - Eles sabem – diz a ID G21 – Todos da Corporação Satan estão trabalhando para trazer Lúcifer de volta – Meus braços afrouxam e ela sai debaixo de mim – Preciso levar esta informação até a Messias. - Não posso deixar você fazer isto.

Ela me convence, não com as - Você precisa deixar. A Messias palavras, mas com a expressão em seu precisa saber. Já nos salvou uma vez, rosto – como se eu conhecesse muito poderá salvar mais uma. além de uma proto-ilusão. Não são os argumentos que me convencem. Talvez seja aquela forma humana de se expressar. Cabelos negros e lisos, que não passam dos ombros, emoldurando um semblante de Há uma tela translúcida à minha frente. convincente súplica e algo que, a meu Códigos e mais códigos passam por ela ver, parece esperança. e consigo distinguir uma palavra: Lúcifer. Sinto até mesmo as emoções daquela Ela se levanta de vagar. Não me memória. Surpresa, medo, repulsa. oponho. Vira-se e vai sumindo pelo beco escuro. Não me oponho. Lúcifer não foi destruído. Ele vem sendo reconstruído pela corporação Duas horas mais tarde, na sala da Satan, aliás, este é seu novo nome. direção da Corporação Satan, ouço os Quando Messias disseminou-se na rede, gritos de Jaila: Lúcifer fragmentou sua IA em incontáveis partículas e, agora, a vem recuperando - Você não conseguiu? Você jamais aos poucos. Em pouco mais de dois falhou, Samyanm. anos estará completo e não deixará que cruzemos o século sem uma violenta - Para tudo há uma primeira vez. guerra. Não chegaremos a 2099. - Eu compartilho com você – dizendo isto, ela toca entre meus olhos e sou engolido por uma visão.

Ele já tem uma nova estratégia. Desta vez usará as próteses de forma mais eficaz, controlando-as e voltando-as contra seus usuários. Uma nova revolução das máquinas. Consigo pensar em meus implantes e nos nanotecs em meu sangue. Uma

Viro-me sem dar muitas explicações. Só consigo pensar que a humanidade realmente precisa de um salvador. Não que lhe garanta a simples existência, mas que ative em seu coração um desejo que talvez tenha esquecido: o de ser realmente um ser humano.

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Samizdat Especial 1 - abril 2008

O Botão José Espírito Santo

“Ah… o botão. Esse livre arbítrio em forma de escolha. Alavanca de mudança abrupta do estado das realidades descontínuas.”

I Está um dia frio de Inverno. Pela janela, Jorge vê os flocos de neve caírem acrescentando mais volume ao manto branco, engrossando a camada que cobre caminhos e bases das árvores estendendo a solidão até aos limites do horizonte da vista. Á frente, no ecrã do pequeno laptop, surgem sequências de linhas que são esboços, pedaços de rascunho de um livro que não se trata de ficção (pelo menos não de forma integral). Como qualquer historiador, Jorge constrói os seus textos de forma a acreditar que os mesmos têm uma base científica sólida. O labor da escrita é interrompido subitamente pela pressão suave da mão feminina que se apoia no ombro direito “Querido, anda comer. As crianças já estão na mesa. Estamos todos à tua espera” Resmunga um “Já vou. Deixa-me só guardar o texto”. Antes de gravar para o dispositivo de memória holográfica que emula um disco magnético, efectua ainda um último retoque na fonte do título.

Imagem: Martin McKenna

A frase “Os dias derradeiros” aparece, escrita a azul-escuro, em relevo no topo da capa castanha, lado a lado com a fotografia da criança e de dois espécimes em idade 46


www.samizdat-pt.blogspot.com adulta. Os “Silva” – é assim que se chama a família de Jorge – são conservadores, esforçam-se por manter e respeitar hábitos e valores há muito perdidos. Desta vez, efectuarão a refeição da noite como é costume, quase em silêncio, ouvindo as notícias que o aparelho de televisão divulga. Quase todas sobre tragédias do quotidiano comum ou política ou desporto.

II “Tudo começou cerca de duzentos anos antes. Com a maior facilidade de comunicação e colaboração entre equipas inter-disciplinares, a junção da informática com a biologia deu origem aos organismos bio-cibernéticos. Os homens começaram por faze-los à sua imagem e medida mas não demoraria muito até que criador fosse ultrapassado por criado em todos os parâmetros de desempenho físico e mental. “ Analisou o texto cuidadosamente. Efabulação perfeita, narrar na terceira pessoa parecia ser a opção mais adequada. Continuou. “Naturalmente, os requisitos de produtividade provocaram um processo de selecção onde já só havia lugar para os melhores. De início, usaram-nos apenas em tarefas manuais que exigiam muito esforço físico e habilidade – aspectos onde os humanos eram largamente ultrapassados. Depois, um raciocínio lógico rápido que superava em eficácia a capacidades de intuição humana fez com que fossem usados também para algumas funções técnicas. A sociedade era altamente eficiente e, apesar de ociosos, os seres humanos – aqueles que já não trabalhavam – não sofriam mais carências em termos materiais. Finalmente tinham concretizado um sonho antigo: casa e pão para todos.” Decidiu parar neste ponto. Maria chamava-o, queria ajuda para deitar os miúdos. Em menos de uma hora estava de volta, continuou. “Qual foi então o problema? Os humanos tornaram-se ociosos entrando rapidamente em decadência física e mental e então os seres bio-cibernéticos – chamemos-lhe robots embora essa não seja uma designação muito do meu agrado – tornaram-se os decisores. Nada, mesmo nada se fazia sem que fosse cuidadosamente planeado e decidido por eles. O ócio deu lugar à frustração. A frustração cozinhou fanatismos e violência. E algo tinha de ser feito. No entanto, os robot tinham sido programados com certas directivas e a primeira destas colocava-lhes a exigência de acção imediata enquanto simultaneamente lhes retirava todas as hipóteses de agir. Reuniram então o conselho e este deliberou. A primeira função tinha (mais uma vez) de ser cumprida: Servir o criador, proteger a espécie humana de todas as ameaças. Paradoxalmente, a maior ameaça à espécie humana era justamente aquilo em que 47


Samizdat Especial 1 - abril 2008 ela se tornara – uma minoria decente violentada diariamente pela maioria de ociosos violentos e ignorantes. Que fazer? - A primeira directiva impede-nos de agir contra os humanos – disse Ashtram, o conselheiro-mor. - E no entanto… temos de agir. Tem de existir uma maneira, uma saída – continuou. A saída existia realmente e foi encontrada após uns minutos de reflexão comum. Consistia na segunda directiva, a qual estabelecia que em todas as ocasiões, em qualquer ocasião, deveria sempre a espécie humana manter na sua posse o LIVRE ARBÍTRIO. Engendraram cuidadosamente a armadilha – o dispositivo para distinguir bons de maus e trigo de joio. Considerando a curiosidade como fonte de todos os males na espécie humana, adicionaram um botão. Um botão morto e inoperante. Um dispositivo com uma única legenda provocatória: Não tocar. A infracção identificaria o prevaricador e permitiria efectuar a escolha. Com a distinção actuariam extirpando o mal, tornando de novo feliz a humanidade. Desastre total: Todos tocaram, todos quiseram experimentar. Exterminação! Foi então que…” Sentiu o braço quente de Maria enlaçando-o. “Querido, vem deitar-te comigo. Amanhã poderás continuar o teu texto.” Desligou o aparelho, concordando. Afinal ainda tinha algum tempo até terminar o prazo estabelecido pela editora. Formavam um casal romântico. Dois robot abraçados que se dirigiam para o quarto calma e lentamente. No silêncio cibernético da noite.

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TRADUÇÃO Isaac Asimov (1920-1992), nascido na Rússia, foi escritor e professor de bioquímica. Autor amplamente reconhecido por suas obras de ficção científica e por seus populares livros de ciência. Asimov foi um dos mais prolíficos escritores de todos os tempos, com mais de 500 livros escritos ou editados, e com uma correspondência estimada em 9 mil cartas e cartões-postais. Suas obras foram publicadas em nove das dez categorias principais do Sistema Decima Dewey (todos, com exceção dos 100, Filosofia). Asimov é considerado um mestre do gênero ficção científica e, ao lado de Robert A. Heinlein e Arthur C. Clarke, foi considerado um dos “Três Grandes” escritores de ficção científica, durante sua vida. A obra mais importante de Asimov é a Série Fundação; suas outras séries importantes são a Série Império Galático e a Série Robô. Ele assinou vários contos, entre eles “O Cair da Noite”, que, em 1964, foi eleito por the Science Fiction Writers of America como o melhor conto de ficção científica de todos os tempos, título ainda vigente. (fonte: Wikipédia)

A Última Pergunta Isaac Asimov trad.: Henry Alfred Bugalho A última pergunta foi feita, pela primeira vez, meio como piada, em 21 de maio de 2061, numa época em que a humanidade dava os primeiros passos em direção à luz. A questão surgiu como resultado duma aposta de cinco dólares à base de drinques, e ocorreu desta maneira: Alexander Adell e Bertram Lupov eram dois fiéis empregados do Multivac. Tão bem quanto era capaz para um ser humano, eles sabiam o que havia por detrás da face fria, tiquetaqueante e

cintilante — quilômetros e quilômetros de face — daquele computador gigantesco. Eles possuíam, pelo menos, uma vaga noção do plano geral dos transmissores e circuitos que, desde há muito, haviam crescido a um ponto que ultrapassou a possibilidade dum único humano ter uma sólida apreensão do todo. Multivac era auto-ajustável e autocorretivo. Ele tinha de ser, pois nada humano poderia ajustá-lo ou corrigi-lo com rapidez suficiente, ou mesmo com 49


Samizdat Especial 1 - abril 2008 adequação suficiente — assim, Adell e Lupov serviam ao gigante monstruoso apenas leve e superficialmente, ainda que tão bem quanto qualquer homem poderia. Eles o alimentavam com dados, ajustavam questões às necessidades dele e traduziam as respostas que eram emitidas. Certamente, como todos os outros, eles eram totalmente merecedores de compartilhar a glória que era do Multivac. Durante décadas, Multivac ajudou a projetar naves e traçar trajetórias que permitiram ao homem alcançar a Lua, Marte e Vênus, mas, depois disto, os pobres recursos da Terra não puderam sustentar as naves. Era necessária energia demais para as longas viagens. A Terra havia explorado seu carvão e urânio com progressiva eficiência, mas havia pouco de ambos.

corpo soterrado do Multivac. Dados negligenciados, ociosos, organizados por satisfeitos tique-taques preguiçosos, Multivac também havia recebido suas férias, e os rapazes apreciavam isto. A princípio, eles não pretendiam perturbálo.

No entanto, lentamente, Multivac Eles haviam trazido consigo uma aprendeu o bastante para responder questões mais profundas e, em 14 de garrafa, e a única preocupação do maio de 2061, o que havia sido teoria, momento era relaxar na companhia um do outro e da garrafa. tornou-se fato. — É incrível quando você reflete, disse Adell. Seu largo rosto tinha traços de exaustão e ele mexia lentamente seu drinque com um bastonete de vidro, assistindo aos cubos de gelo vagando, desajeitados — Toda a energia que nós podemos usar de graça. Energia suficiente, se quiséssemos utilizá-la, para derreter toda a Terra numa grande gota de ferro líquido, impuro, e ainda não esgotar a energia assim usada. Toda a energia que poderíamos utilizar, para Sete dias não foram suficientes para todo o sempre. ofuscar esta glória, e, finalmente, Adell e Lupov conseguiram escapar da função Lupov meneou a cabeça. Ele tinha a pública, encontraram-se em sigilo, onde ninguém pensaria em procurar por eles, mania de fazer isto quando queria ser do nas desertas câmaras subterrâneas, contra, e ele queria ser do contra agora, onde apareciam porções de poderoso em parte porque havia sido ele quem carregou o gelo e os copos — Não para A energia do sol foi armazenada, convertida e utilizada diretamente em escala planetária. A Terra desvinculou-se da queima de carvão, da fissura de urânio, e ligou o interruptor que conectava tudo isto a uma pequena estação, quinhentos metros de diâmetro, circundando a terra a meia distância da Lua. Toda a Terra era movida por invisíveis raios de energia solar.

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www.samizdat-pt.blogspot.com sempre, ele disse.

Houve silêncio por alguns instantes. Adell ergueu ocasionalmente o copo aos — Ah, diabos, quase para sempre. Até lábios, e os olhos de Lupov se fecharam com lentidão. Eles descansaram. que o sol se apague, Bert. — Isto não é para sempre. — Tudo bem, então. Bilhões e bilhões de anos. Vinte bilhões, talvez. Está satisfeito?

Então, os arregalaram.

olhos

de

Lupov

se

— Você está pensando que nós nos mudaríamos para outro sol, quando o nosso se houver extinguido, não é?

Lupoz correu os dedos pelos cabelos — Não estou pensando. ralos, como se quisesse se assegurar de que ainda restavam alguns, e gentilmente bebericou seu drinque — Vinte bilhões de — É claro que está. Você é fraco anos não é para sempre. em lógica, este é o seu problema. Você é como o cara na história que foi pego por uma chuva súbita, correu para um — Durará por nossa época, não é? bosque e se escondeu sob uma árvore. Não estava preocupado, porque ele — Mas o carvão e o urânio também. refletiu que, quando uma árvore estivesse completamente molhada, ele poderia ir — Tudo bem, mas nós podemos para debaixo de outra. conectar cada uma das naves especiais à Estação Solar, e elas poderão ir e voltar — Entendi, disse Adell. Não grite. Plutão um milhão de vezes sem nunca Quando o sol acabar, as outras estrelas se preocupar com combustível. Você não também terão acabado. pode fazer ISTO com carvão e urânio. Pergunte ao Multivac, se não acredita em — Pode apostar que sim, resmungou mim. Lupov. Tudo começou com a explosão cósmica original, ou o que quer que tenha — Não preciso perguntar ao Multivac. acontecido, e tudo terá um fim quando Eu sei disto. as estrelas se extinguirem. Algumas se extinguem mais rapidamente do que — Então pare de menosprezar o outras. Caramba, as gigantes não duram que Multivac fez por nós, disse Adell, mais do que uma centena de milhões de inflamado. Ele fez tudo certo. anos. O sol durará vinte bilhões de anos, e talvez as anãs durem uma centena de — Quem foi que disse que não fez? bilhões de anos em toda a capacidade O que digo é que o sol não durará para delas. Mas dê-nos um trilhão de anos sempre. É tudo que estou dizendo. e tudo será escuridão. A entropia terá Estamos seguros por vinte milhões de aumentado ao máximo, isto é tudo. anos, ‘tá, e daí? Lupov apontou um dedo ligeiramente trêmulo para o outro — E — Sei tudo sobre entropia, disse Adell, não diga que nós nos mudaremos para defendendo sua dignidade. outro sol. 51


Samizdat Especial 1 - abril 2008 — É claro que sim. — Sei tanto quanto você.

O lento piscar de luzes cessou, os distantes sons dos cliques transmissores cessaram.

Então, justamente quando os — Então você sabe que tudo se apreensivos técnicos sentiram que eles extinguirá um dia. não poderiam segurar mais a respiração, houve um súbito influxo de vida no — Correto. Quem disse o contrário? teletipo anexo àquela parte do Multivac. Cinco palavras foram impressas: DADOS — Você disse, tolinho. Você disse que INSUFICIENTES PARA RESPOSTA tínhamos toda a energia necessária, para SIGNIFICATIVA sempre. Você disse “para sempre”. — Ninguém ganhou a aposta, sussurrou Era a vez de Adell ser do contra — Lupov. Eles partiram apressados. Talvez possamos reconstruir as coisas, um dia, ele disse. Pela manhã seguinte, os dois, atormentados por enxaqueca e boca — Nunca. seca, haviam se esquecido do incidente. — Por que não? Um dia.

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— Nunca.

Jerrod, Jerrodine e Jerrodette I e II observavam a imagem estrelada no videodisco mudar, enquanto a travessia pelo hiperespaço era completada em seu lapso não-temporal. Subitamente, o forte brilho das estrelas deu lugar à predominância dum único disco marmóreo brilhante, no centro.

— Pergunte ao Multivac. — Pergunte você ao Multivac. Eu o desafio. Cinco dólares que isto não pode ser feito. Adell estava bêbado o suficiente para tentar, mas sóbrio o bastante para ser capaz de traduzir os símbolos e operações necessárias em uma questão que, em palavras, corresponderia a isto: A humanidade será capaz de, um dia, sem dispêndio algum de energia, restaurar o sol a sua plena juventude mesmo após ele ter morrido de velhice?

— Este é X-23, disse Jerrod, com confiança. As mãos magras, juntas dos dedos empalidecidas, unidas com força atrás das costas.

As pequenas Jerrodettes, duas meninas, haviam experimentado a travessia pelo hiperespaço pela primeira vida em suas vidas e estava Ou talvez poderia ser dito de maneira semiconscientes por causa da sensação mais simples, tal qual: como a quantidade momentânea de interior-exterioridade. final de entropia do universo pode ser Elas pararam de rir e perseguiam uma à outra ao redor da mãe, gritando: — reduzida massivamente? Chegamos a X-32 – chegamos a X-23 – chegamos... Multivac ficou inerte e silencioso. 52


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— Silêncio, crianças, disse bruscamente Jerrodine — Tem certeza, Jerrodd?

Jerrod e sua família tinham apenas de esperar e viver nas confortáveis câmaras de residência da nave.

— Como assim “tem certeza”? — perguntou Jerrodd, fitando a protuberância de metal na altura do teto. Percorria toda a extensão da câmara, desaparecendo pelas paredes nos dois extremos. Tinha o comprimento da nave.

Alguém havia dito a Jerrodd, certa vez, que o “ac” no fim de “Microvac” correspondia a “analog computer” — computador analógico — em inglês antigo, mas ele já estava quase se esquecendo até mesmo disto.

Jerrodd pouco sabia sobre a grossa barra de metal, excetuando que era chamada Microvac, que, caso desejasse, poderia fazer perguntas a ela; e, caso não desejasse, ela ainda tinha a tarefa de guiar a nave a um destino prérequisitado, fornecer energia a partir das várias Estações de Energia Subgaláctica e calcular as equações para os saltos hiperespaciais.

Os olhos de Jerrodine estavam rasos d’água, enquanto ela assistia ao videodisco: — Não consigo evitar. É uma sensação estranha deixar a Terra. — Nossa, mas por quê? — Jerrodd queria uma explicação — Não tínhamos nada lá. Nós teremos tudo em X-23. Você não estará sozinha. Você não será uma desbravadora. Há milhões de pessoas já 53


Samizdat Especial 1 - abril 2008 vivendo no planeta. Bom Deus, nossos suspirou Jerrodine, ocupada com seus netos terão que procurar novos mundos, próprios pensamentos — Creio que porque X-23 estará superpopulada. famílias estarão se mudando para novos planetas para sempre, do mesmo modo Então, após uma pausa reflexiva: — que nós. Eu lhe digo, é uma grande sorte que os computadores descobriram a viagem — Não para sempre, disse Jerrodd, interestelar, do jeito que a raça está se com um sorriso. Um dia, isto parará, mas multiplicando. não por bilhões de anos. Muitos bilhões. Até mesmo as estrelas se apagarão, você — Eu sei, eu sei, disse Jerrodine, com sabe. A entropia aumentará. pesar. — O que é entropia, papai? — berrou Jerrodette II. Jerrodette I disse, de chofre: — Nosso Microvac é o melhor Microvac do mundo. — Entropia, querida, é apenas uma – Eu também penso isto, disse Jerrodd, palavra que quer dizer a quantidade de esgotamento do universo. Tudo se acariciando os cabelos dela. esgota, você sabe, como o seu pequeno robô walkie-talkie, lembra-se? Era uma boa sensação ter um próprio Microvac, e Jerrodd estava feliz — E você não pode pôr uma nova por fazer parte desta geração, e de unidade de energia, como com meu nenhuma outra. Durante a juventude de seu pai, os únicos computadores eram robô? máquinas gigantescas, ocupando meio quilômetro quadrado. Havia apenas — As estrelas são as unidades de um por planeta. Eram chamados de energia, querida. Uma vez que elas AC Planetários. Eles haviam crescido tiverem acabado, não haverá mais constantemente de tamanho por mil anos, unidades de energia. então, subitamente, veio o refinamento. No lugar de transistores vieram válvulas Num ímpeto, Jerrodette I soltou um moleculares, ao ponto em que o maior dos berro: — Não deixa, pai! Não deixa que AC Planetários poderia ocupar o lugar de as estrelas se apaguem! metade do volume duma nave. Jerrodd se sentiu elevado, como sempre se sentia quando pensava que seu Microvac individual era muitas vezes mais complicado que o antigo e primitivo Multivac, que primeiro domesticou o Sol, e quase tão complicado quando o AC Planetário Terrestre (o maior de todos), o primeiro a resolver o problema da viagem hiperespacial e que tornou possível viagens estelares. — Tantas estrelas, tantos planetas, 54

— Veja só o que você fez, resmungou Jerrodine, exasperada. — Como é que eu iria saber que isto as assustaria? Jerrodd resmungou em resposta. — Pergunte ao Microvac, gemeu Jerrodette I. Pergunte a ele como ligar as estrelas de novo. — Faça isto, disse Jerrodine. Vai fazer


www.samizdat-pt.blogspot.com com que elas sosseguem. (Jerrodette II — Mesmo assim, disse VJ-23X, hesito estava começando a chorar também). em apresentar um relatório pessimista ao Conselho Galático. Jerrodd deu de ombros: — Está certo, queridas. Vou perguntar ao Microvac. Não — Eu não pensaria em nenhum outro se preocupe, ele nos responderá. tipo de relatório. Enrole-os por um tempo. Temos de enrolá-los. Ele perguntou ao Microvac, acrescentando rapidamente: “Imprima a VJ-23X suspirou: — O Espaço é resposta”. infinito. Cem bilhões de Galáxias estão aí para serem tomadas. Mais. Jerrodd apanhou a fina tira de celufilme e disse, com alegria: — Vejam, — Cem bilhões não é infinito, e esta Microvac diz que tomará conta de tudo se tornando menos infinito a cada dia quando chegar o momento, então não se que passa. Pense! Vinte mil anos atrás, a preocupem. humanidade resolveu, pela primeira vez, o problema de como utilizar a energia Jerrodine disse: — Agora, crianças, estelar, e alguns séculos depois, a viagem é hora de ir dormir. Logo estaremos em interestelar se tornou possível. Levou um milhão de anos para a humanidade nossa nova casa. ocupar um pequeno mundo, e apenas quinze mil anos para ocupar o resto da Jerrod leu as palavras no celufilme Galáxia. Hoje, a população dobra a cada novamente antes de destruí-lo: DADOS dez anos... INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA. VJ-23X interrompeu: — Graças à imortalidade. Ele deu de ombros e olhou para o videodisco. X-23 estava logo adiante. — Tudo bem. Imortalidade existe e temos de levar isto em consideração. ________________________________ Admito que a imortalidade tem um aspecto desagradável. O AC Galático resolveu VJ-23X de Lameth olhava para o muitos problemas para nós, mas, ao interior das profundezas negras do mapa resolver os problemas de como prevenir tridimensional, em pequena escala, da o envelhecimento e a morte, ele desfez Galáxia e disse: — Nós somos ridículos, todas as outras soluções. eu me pergunto, em nos preocuparmos tanto com o problema? — Mesmo assim, você não iria querer abandonar a vida, suponho. MQ-17J de Nicron balançou a cabeça: — Acho que não. Você sabe que a Galáxia, — De maneira alguma! — retrucou no atual nível de expansão, estará cheia MQ-17J, mas logo se acalmou: — Ainda em cinco anos. não. Ainda não sou velho o bastante. Qual sua idade? Ambos aparentavam estar na casa dos vinte anos, eram altos e perfeitamente — Duzentos e vinte e três. E a sua? formados. 55


Samizdat Especial 1 - abril 2008 — Ainda não cheguei aos duzentos.... Mas voltando ao assunto. A população dobra a cada dez anos. Uma vez que esta Galáxia estiver cheia, nós encheremos outra em dez anos. Outros dez anos e nós teremos enchido mais duas. Uma outra década, mais quatro. Em cem anos, nós teremos povoado mil galáxias. Em mil anos, um milhão de galáxias. Em dez mil anos, todo o Universo conhecido. E daí? VJ-23X disse: — Como uma questão paralela, há o problema do transporte. Imagino quantas unidades de energia solar precisariam para mover galáxias de Na verdade, VJ-23X não falava sério, indivíduos duma Galáxia para a próxima. mas MQ-17J puxou de seu bolso seu contato-AC e o pôs sobre a mesa, diante — Ótimo ponto. Atualmente, a dele. humanidade consume duas unidades de energia solar por ano. — Serei obrigado a fazer isto, ele — A maior parte disto é desperdiçada. No final das contas, nossa própria Galáxia sozinha fornece um milhar de unidades de energia solar e, delas, nós usamos apenas duas.

disse. Isto é algo que a raça humana terá de encarar, um dia.

Ele observava sombriamente seu pequeno contato-AC. Apenas duas polegadas cúbicas e nada dentro, mas estava conectado através do hiperespaço — Concordo, mas mesmo com cem com o grande AC Galático que servia por cento de eficiência, nós só adiaríamos toda a humanidade. Levando em o fim. Nossos requerimentos de energia consideração o hiperespaço, ele era uma aumentam em progressão geométrica parte integrante do AC Galático. muito mais rapidamente do que nossa população. Ficaremos sem energia muito MQ-17J parou para refletir se um dia antes do que ficaremos sem galáxias. em sua vida imortal ele conseguiria ver o Ótimo ponto. Realmente, um ótimo AC Galático. Ele era um pequeno mundo ponto. em si — uma teia de aranha de feixes sustentando a matéria interior que brota de sub-mésons havia substituído as velhas e desengonçadas válvulas moleculares. Mesmo assim, apesar de seu trabalho — Ou a partir de calor dissipado? — sub-etérico, sabia-se que o AC Galático ocupava mil pés de comprimento. perguntou MQ-17J, sarcasticamente. — Teremos de construir novas estrelas a partir de gases interestelares.

— Deve haver algum jeito para reverter a entropia. Temos de perguntar ao AC Galático. 56

MQ-17J perguntou, de repente, a seu contato-AC: — A entropia pode ser revertida?


www.samizdat-pt.blogspot.com VJ-23X olhou espantado e disse: — incrivelmente poderosa multidão, mas e Nossa, eu não pretendia, de fato, que daí? Havia pouco espaço no Universo você fizesse esta pergunta. para novos indivíduos. — Por que não?

Zee Prime havia despertado de seu sono, após atravessar os finos tentáculos de outra mente.

— Nós dois sabemos que a entropia não pode ser revertida. Você não pode transformar fumaça e cinzas de volta — Eu sou Zee Prime, disse Zee Prime. numa árvore. E você? — Existem árvores em seu mundo? — Eu sou Dee Sub Wun. Sua — perguntou MQ-17J Galáxia?

O som do AC Galático os forçou ao — Nós a chamamos simplesmente de silêncio. Do pequeno contato-AC sobre a “A Galáxia”. E a sua? mesa veio uma voz fina e bela. Ela disse: DADOS INSUFICIENTES PARA UMA — Damos o mesmo nome à nossa. RESPOSTA SIGNIFICATIVA. Todos os homens chamam suas Galáxias de “A Galáxia” apenas. Por que não? VJ-23X disse: — Viu? Assim, os dois homens voltaram à questão do relatório que eles tinham de preparar para o Conselho Galático. ________________________________

— Verdade. Pois todas as Galáxias são a mesma. — Nem todas as Galáxias. Numa galáxia em particular a raça humana deve ter se originado. Isto a torna diferente.

A mente de Zee Prime mensurava Zee Prime perguntou: — Qual delas? a nova Galáxia, com fugidio interesse na espiral de incontáveis estrelas que — Não sei dizer. O AC Universal deve a salpicavam. Ele nunca havia visto saber. esta antes. Chegaria a ver todas elas? Havia tantas, cada uma com sua cota — Devemos perguntar a ele? de humanidade — mas uma cota que Subitamente, fiquei curioso. era quase um peso morto. Cada vez mais, a essência real dos homens seria As percepções de Zee Prime se encontrada lá, no espaço. ampliaram até que as próprias Galáxias se encolhessem e se tornassem um novo Mentes, não corpos! Os corpos salpicado, mais difuso, num fundo muito imortais continuavam nos planetas, maior. Várias centenas de bilhões delas, em suspensão através de eóns. Às todas com seus seres imortais, todas vezes, eles despertavam para atividade carregando sua cota de inteligências com material, mas isto se tornava cada vez mentes que vagavam livremente através mais raro. Poucos novos indivíduos do espaço. E, mesmo assim, uma delas vinham à existência para se juntarem à era única dentre todas, por ser a Galáxia 57


Samizdat Especial 1 - abril 2008 original. Durante um período, uma delas, em seu vago e distante passado, havia sido a única Galáxia povoada pelo homem.

não com palavras, mas com orientação. A mente de Zee Prime foi guiada até o turvo mar de Galáxias e uma, em particular, se ampliou em estrelas.

Zee Prime, consumido pela curiosidade de ver esta Galáxia, chamou: — AC Universal! Em qual Galáxia a humanidade se originou?

Um pensamento ocorreu, infinitamente distante, mas infinitamente lúcido — ESTA É A GALÁXIA ORIGINAL DO HOMEM.

O AC Universal ouviu, pois em cada mundo e através do espaço, ele tinha seus receptores prontos, e cada receptor chegava, através do hiperespaço, a algum ponto desconhecido, onde o AC Universal se mantina apartado. Zee Prime conheceu apenas um homem cujos pensamentos haviam penetrado a uma distância sensível do AC Universal, e ele descreveu apenas um globo brilhante, sessenta centímetros de diâmetro, difícil de se ver.

Mas, no final das contas, esta era a mesma, como qualquer outra, e Zee Prime conteve seu desapontamento. Dee Sub Wun, cuja mente acompanhou a do outro, perguntou, subitamente: — E uma destas estrelas é a estrela original do Homem?

— Mas como aquilo pode ser todo o AC Universal? Zee Prime havia perguntando. — A maior parte dele, foi a resposta, está no hiperespaço. Em qual forma, não posso imaginar. Nem qualquer outra pessoa o podia, pois Zee Prime sabia que havia passado o dia em que o homem teve alguma parte na construção do AC Universal. Cada AC Universal projetou e construiu seu sucessor. Cada um, durante suas existências de milhões de anos, ou mais, acumularam os dados necessários para construir um sucessor melhor, mais intrincado e mais capaz, no qual seu próprio banco de dados e individualidade poderiam ser incorporado.

O AC Universal disse: — A ESTRELA ORIGINAL DO HOMEM SE TORNOU UMA SUPERNOVA. ELA É, AGORA, UMA ANÃ BRANCA. — Os homens nela morreram? — perguntou Zee Prime, sobressaltado e sem refletir.

O AC Universal disse: — UM NOVO MUNDO, COMO OCORRE EM TAIS O AC Universal interrompeu os CASOS, FOI CONSTRUÍDO, A TEMPO, pensamentos dispersos de Zee Prime, PARA SEUS CORPOS FÍSICOS. 58


www.samizdat-pt.blogspot.com — Sim, é claro, disse Zee Prime, mas uma sensação de perda o oprimiu ainda mais. Sua mente perdeu o foco da Galáxia original do Homem, ela se dispersou e desapareceu em meio aos pontos borrados. Ele nunca mais queria vê-la novamente.

estrela. Se as estrelas morrerão algum dia, pelo menos algumas poderiam ser construídas. ________________________________

O Homem pensava consigo próprio, pois, de certo modo, mentalmente, o Dee Sub Wun disse: — Qual o Homem era um. Ele era constituído problema? de trilhões de trilhões de trilhões de corpos imortais, cada um em seu lugar, — A estrelas estão morrendo. A estrela cada um descansando em silêncio e original está morta. incorruptíveis, cada um cuidado por autômatos, igualmente incorruptíveis, — Todas elas devem morrer. Por que enquanto as mentes de todos os corpos voluntariamente se fundiram umas às não? outras, indistingüíveis. — Mas quando toda a energia se O Homem disse: — O Universo está esgotar, nossos corpos finalmente morrendo. morrerão, eu e você com eles. O Homem olhou para as Galáxias enfraquecidas. As estrelas gigantes, suntuosas, haviam desaparecido desde — Não quero que isto ocorra, mesmo há muito, perdidas no passado esquecido. após bilhões de anos. AC Universal! Quase todas as estrelas eram anãs Como evitar que as estrelas morram? brancas, desvancendendo-se para o fim. — Levará bilhões de anos.

Dee Sub Wun disse, estupefato: — Você está perguntando como reverter a entropia.

Novas estrelas haviam sido construídas a partir da poeira entre as estrelas, algumas através de processos naturais, algumas feitas pelo próprio E o AC Universal respondeu.— AINDA Homem, e estas também estavam se HÁ DADOS INSUFICIENTES PARA UMA extinguindo. Anãs brancas podiam ser RESPOSTA SIGNIFICATIVA. colididas umas contra as outras e, das poderosas forças liberadas, podia-se Os pensamentos de Zee Prime construir novas estrelas, mas apenas retornaram a sua própria Galáxia. Ele não uma estrela para cada mil anãs-brancas deu mais atenção a Dee Sub Wun, cujo destruídas, e estas também acabariam. corpo deveria repousar numa galáxia a trilhões de anos-luz de distância, ou até O Homem disse: — Se for bem mesmo na estrela vizinha a de Zee Prime. gerenciada, como orientado pelo AC Isto não tinha importância. Cósmico, a energia que ainda existe em

todo o Universo durará por bilhões de Infeliz, Zee Prime começou a coletar anos. hidrogênio interestelar com o qual construiria, por si próprio, uma pequena — Mas, mesmo assim, disse o 59


Samizdat Especial 1 - abril 2008 POSSUO AINDA SÃO INSUFICIENTES. — Haverá, um dia, perguntou o Homem, quando haverá dados suficientes, ou é um problema insolúvel em todas as circunstâncias concebíveis? OAC Cósmico respondeu: — NENHUM PROBLEMA É INSOLÚVEL EM TODAS AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCEBÍVEIS. O Homem perguntou: — Quando você Homem, ela acabará. Independente de terá dados suficientes para responder como ela seja gerenciada, ou prolongada, esta pergunta? a energia uma vez gasta se foi, e não pode ser restaurada. Entropia crescerá — OS DADOS AINDA SÃO ao máximo. INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA SIGNIFICATIVA. O Homem perguntou: — A entropia pode ser revertida? Vamos perguntar ao — Você continuará trabalhando nisto? AC Cósmico. — perguntou o Homem. O AC Cósmico o circundou, mas O AC Cósmico respondeu: — não espacialmente. Nenhuma parte dele estava no espaço. Ele estava no Continuarei. hiperespaço e era feito de algo que não O Homem disse: — Vamos esperar. era matéria, nem energia. A questão de seu tamanho e natureza não tinha mais sentido em termos compreensíveis ao ________________________________ Homem. Todas as estrelas e Galáxias morreram — AC Cósmico, perguntou o Homem, e se desintegraram, e o espaço se tornou como a entropia pode ser revertida? negro após dez trilhões de anos de esgotamento. O AC Cósmico disse: — AINDA HÁ DADOS INSUFICIENTES PARA Um a um, o Homem se fundiu com RESPOSTA SIGNIFICATIVA. o AC, cada corpo físico perdendo sua identidade mental, duma maneira que O Homem disse: — Colete dado não representava perda, mas ganho. adicional. A última mente do Homem parou, O AC Cósmico disse: — FAREI antes da fusão, para observar o espaço ISTO. É O QUE TENHO FEITO POR que continha nada mais do que os CENTENAS DE BILHÕES DE ANOS. restos da última estrela negra e duma ESTA PERGUNTA FOI FEITA A MEUS matéria incrivelmente rarefeita, agitada PREDECESSORES E A MIM MUITAS aleatoriamente por resquícios de energia VEZES. TODOS OS DADOS QUE se esvaindo, asintóticamente, a zero 60


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coletado.

O Homem perguntou: — AC, este é Mas todos os dados coletados o fim? Este caos pode ser revertido ao ainda tinham de ser completamente Universo novamente? Isto não pode ser correlacionados e postos juntos em todas realizado? as possíveis combinações. AC respondeu: — AINDA HÁ DADOS Um intervalo incomensurável se INSUFICIENTES PARA UMA RESPOSTA transcorreu nesta tarefa. SIGNIFICATIVA. E ocorreu que o AC aprendeu como A última mente do Homem se fundiu, reverter a direção da entropia. e apenas o AC existia — e ele estava no hiperespaço. Mas agora não havia um único homem a quem o AC pudesse dar a resposta ________________________________ para a última pergunta. Sem problema. A resposta — por demonstração — tomaria Matéria e energia acabaram e, com conta disto também. elas, espaço e tempo. O próprio AC continuou existindo por causa duma Por outro intervalo incomensurável, o última pergunta, que nunca havia sido AC refletiu sobre a melhor maneira para respondida, desde que alguém semi- se fazer isto. Cuidadosamente, o AC bêbado havia feito a pergunta, dez trilhões organizou o programa. de anos antes, a um computador que era inferior ao AC do que o homem era para A consciência do AC abrangia tudo o Homem. que tinha sido o Universo e englobava o que agora era Caos. Passo a passo, isto Todas as perguntas haviam sido teve de ser feito. respondidas e, até que esta última pergunta também fosse respondida, o AC E o AC disse: — QUE SE FAÇA A não poderia libertar sua consciência. LUZ! Todos os dados coletados chegaram ao fim. Nada mais restava para ser

E foi feita a luz...

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Termo de Recriação Marcia Szajnbok

Registro 233.577 - 9 Conforme o previsto no registro anterior, deu-se a completa extinção. O processo pode ser descrito sucintamente da seguinte forma: 1. Com o esgotamento dos combustíveis fósseis e a impossibilidade de gerar energia a partir da água, observou-se nas últimas décadas um declínio progressivo da temperatura. A atmosfera opacificada pela fumaça tornou-se quase impermeável à luz solar, o que contribuiu ainda mais com tal esfriamento. Instalou-se o que eles denominaram “a terceira era glacial”, com a maior parte dos territórios cobertos de gelo e a conseqüente escassez de alimentos, restando apenas algumas poucas espécies. Além de bactérias, algas unicelulares e briófitas, restou um único grupo de humanos, aglomerado ao redor da pouca água em estado líquido, em algum lugar próximo à linha do Equador. 2. Confirmando milênios de observações anteriores, devo admitir que o projeto “Homem” representou um absoluto fracasso. Em algum ponto da história, que nem mesmo eu consigo precisar qual, instalou-se na espécie humana o impulso ao conflito 62


www.samizdat-pt.blogspot.com e à destruição. Nenhuma das experiências anteriores havia chegado a este ponto. Muitos outros seres têm conflitos entre si, mas todos – com exceção do Homo sapiens – são capazes de se aliar aos semelhantes em momentos de crise e de unir forças contra o inimigo comum. O que pude observar neste período final foi estarrecedor. Havia tão poucos deles! E nem mesmo o impulso à preservação dos indivíduos ou da espécie foi motivo suficiente para sobrepujar seu instinto destruidor. Divididos em dois grupos, segundo a localização a leste ou a oeste da Grande Pedra, lutaram até a morte. Devo registrar, a guisa de comprovação de meu argumento acerca do fracasso do projeto, que o motivo de tal luta não foi a pouca água disponível, nem tampouco os musgos com os quais vinham se alimentando. Lutaram e mataramse, a rigor, por nada. Pareciam, no final, embriagados do prazer de matar. Num frenesi que durou o período de sete voltas do planeta em torno do Sol, lançaram mão de todas as técnicas de aniquilamento que desenvolveram ao longo de séculos, e não pouparam requintes de crueldade uns com os outros. 3. O último deles, já muito ferido, segundos antes de morrer completamente pronunciou a seguinte frase: “Meu deus, o que fizemos?” Um breve adendo, para registrar minha reflexão sobre o percurso do planeta nos últimos tempos. Dentre todos, neste ou em outros sistemas planetários, a Terra sempre foi minha preferida, foi o projeto ao qual mais me dediquei, e sobre o qual mais esperanças nutri. Um lindo planeta. Azul! Nenhum outro jamais fora azul. E na produção da vida, me esmerei em construir um encadeamento de complexidade crescente. Desde o mais simples aglomerado protéico que separou o primeiro meio interno do grande caldo de substrato que era o mar primitivo, até a mais alta sofisticação de um sistema nervoso capaz de criar linguagens e trabalhar com símbolos, houve um processo que muitos chamariam de milagre. Eu chamo de evolução. Uma evolução cuidadosamente planejada para que não houvesse rupturas, saltos ou quebras. Um processo perfeito. A espécie humana, devo confessar, me deixou mesmo vaidoso. De fato, reproduziam a imagem e semelhança dos meus ideais de vida, inteligência e operosidade. Sua capacidade de criar e solucionar problemas esteve absolutamente dentro das expectativas. O que terá causado o colapso na esfera dos sentimentos? Dotá-los da capacidade de sentir me pareceu um ganho com relação a todas as demais espécies. Não previ, entretanto, que acima de todas as emoções estivesse a paixão pelo poder. Amor, tristeza, alegria, ciúmes, dor, felicidade... uma gama tão completa! Mas eles se fixaram justamente nesse detalhe, nessa insignificância elevada à categoria de coisa-mais-importante-do-mundo: o poder. Talvez caiba aqui um mea culpa. De certo não lhes dei a suficiente atenção, ou não estive presente quando precisaram de mim, ou então o contrário, quem sabe tenha sido um tanto superprotetor, tenham ficado mimados... Desta vez, ficarei mais atento. Tendo em vista que não foi possível, apesar das várias revisões efetuadas, 63


Samizdat Especial 1 - abril 2008 encontrar o ponto exato de ruptura que originou o declínio e a completa devastação do planeta, comunico as ações que pus em prática desde então, bem como as decisões tomadas acerca do futuro, imediato e de longo prazo: 1. Lancei raios à superfície do planeta, com o objetivo de incinerar completamente os corpos humanos. Com tal medida espero ter extinguido todo e qualquer resquício de seqüência de DNA que pudesse, porventura, restabelecer a configuração genética definidora da espécie Homo sapiens. 2. Uma vez que a espécie humana se desenvolveu também, ainda que por longínquas mutações, a partir das células primitivas que estiveram no ponto zero da vida no planeta, decidi modificar um pouco as condições físico-químicas que possibilitaram sua organização. Desse modo, a atmosfera será, a partir de agora, assim constituída: Nitrogênio 37% Oxigênio 45% Óxido de Carbono 9% Vapor de Dripso 9% O líquido universal, anteriormente chamado “água” deixa de existir, ocorrendo em seu lugar o “dripso”, de fórmula molecular Li2F. A distância do planeta ao Sol será reajustada para 120.000.000Km, visando ao aumento da temperatura média, que deverá ser de 130ºC. 3. Com o objetivo de acelerar o processo de recuperação da vida no planeta, procedemos à fertilização in vitro de uma célula de Chorella pyrenoidosa, adaptando a estrutura dessa alga às novas condições do meio. Uma vez atingido o número suficiente de indivíduos para colonizar uma pequena quantidade de dripso, lançaremos as algas ao planeta. O alto teor de clorofila dessas células deverá conduzir a um desenvolvimento de espécies desprovidas de mitocôndrias, mantendo-se tão somente a ocorrência de cloroplastos e, por conseguinte, substituindo-se definitivamente a respiração por fotossíntese. Com isso, testaremos a hipótese de que a destrutividade humana tenha sido conseqüência indireta do DNA mitocondrial.

As decisões acima descritas entram em vigor na data de sua publicação.

XP-466.7/9 Codinome: deus 64


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Guerrilha Urbana Giselle Natsu Sato

foto por: Latuf, em Centro de Mídia Independente

Morava em um bairro cercado de favelas, velhas fábricas e prédios invadidos. Minha casa ficava na rua principal em frente á estação de trem. A padaria, farmácia, açougue e locadora fecharam após sucessivos assaltos. Um bar era usado como ponto de encontro de traficantes . Quando anoitecia poucos se atreviam a sair. Vivia ou me escondia em um subúrbio carioca, minha casa antiga e reformada, obra de uma vida inteira. Não valia nada no mercado. Muros altos e grades fortes mantinham o perigo afastado. Dois cães vigiavam a frente da casa. Um dia acordei sitiada. Os traficantes mandaram os ônibus parar de rodar ou haveria quebra-quebra e incêndio. A delegacia recebeu reforços e as ruas principais foram ocupadas por policiais. Toda população de sobreaviso escondida em suas casas, aguardando o pior. A primeira granada mandou um blindado pelos ares e iniciou a troca de tiros. Moradores das favelas, crianças e idosos estavam na linha de frente e foram atingidos. 65


Samizdat Especial 1 - abril 2008 Inocentes obrigados pelo tráfico a formar um cordão de isolamento humano para dificultar a subida dos policiais. Estranhamente a mídia estava muda. Não havia nenhum carro de reportagem e os meios de comunicação continuaram a programação normal. Alguma coisa estava errada, pensei enquanto ouvia artilharia pesada respondendo ao fogo cruzado. Meu alarme interno soou mais forte com a chegada dos helicópteros sobrevoando as favelas que cercavam o bairro. Algum tempo depois o exército chegava ao local com muitos soldados e até tanques de guerra. Apavorada assisti a rua transformar-se em uma praça de guerra. Muitos feridos, granadas e tiros de todos os calibres. Gritos e desespero. A situação estava fora de controle e uma multidão descia as vielas das favelas ganhando as ruas, com paus, pedras e tudo que pudesse servir como arma . Enfrentavam a polícia que revidava com tiros. O exército e seus jovens e inexperientes soldados não seguiram qualquer estratégia. O povo qual formigueiro tomou conta de tudo e dominou a situação. Eu havia subido na laje e acompanhei a cena aterrorizada, milhares de pessoas corriam pelas ruas quebrando tudo. As Forças Armadas sofreram graves baixas. Reforços chegaram por toda a madrugada e pela primeira vez os canais de televisão informaram a gravidade da situação. Não havia mais nada a fazer, em todos os outros lugares da cidade a guerrilha urbana estava sendo travada. Muito mais que um simples confronto a provocação serviu para iniciar uma bem articulada armadilha. As facções haviam unido forças para deflagrar a baderna. Milhões de desempregados e excluídos foram atraídos para a luta. Iludidos em suas causa políticas e sociais. A cidade queimou e o pânico deu lugar á luta pela sobrevivência. Quem contava com meios de transporte aéreo ou marítimo fugiu com toda a família. Aeroportos ficaram congestionados assim como as principais saídas da cidade. Todas as capitais estavam passando pela mesma situação e a falta de estrutura não permitiu que o contra ataque fosse montado a tempo. Dirigentes não se entenderam enquanto os oponentes mostraram todo o poder da organização e revolta. O país inteiro explodiu em incêndios e assassinatos. Hospitais foram destruídos, mercados saqueados, sobreviventes procuravam abrigos e formavam grupos de resistência em guetos improvisados sob escombros. Pela tv assisti o desembarque de soldados americanos intervindo após negociações 66


www.samizdat-pt.blogspot.com e pedidos de ajuda do governo brasileiro. Não acreditei que um novo Iraque estava surgindo na minha terra. Caças americanos riscaram nossos céus, mísseis apontando favelas e morros, em questão de minutos tudo estaria acabado. Assisti o caos, ouvi as explosões e os gritos dos desesperados. O Rio de Janeiro aos pedaços, o povo brasileiro dividido em facções criminosas lutando contra o governo. Pensei na Amazônia, celeiro do mundo. Um esquema especial de proteção havia sido montado e até paises Europeus e Orientais estavam participando. A Amazônia não nos pertencia mais, havia sido declarada Área de Preservação Mundial, assim como outros pontos considerados parte comum ao Planeta. Muitos discordavam mas foi uma decisão unânime do Novo Conselho das Nações Unidas. Regras e medidas emergenciais não são democráticas. Os noticiários mostravam a situação sob controle. As Forças Armadas Americanas e Brasileiras em comum acordo. Imagens de vários políticos retornando ao Brasil, sorridentes e otimistas. O governo mantinha o país sob controle e em nenhum momento a Soberania havia sido ameaçada. A mensagem era clara em todos os canais de TV. Houve uma seleção para o extermínio dos ‘’pontos nevrálgicos’’. Estranhamente varreu as camadas mais pobres e problemáticas solucionando vários problemas. Anúncios e apelos para que a população confiasse em novos tempos não me convenceram. Era hora de tomar uma decisão e eu não podia ficar escondida para sempre. Em algum lugar deveria haver outras pessoas que como eu não estavam conformadas com a entrega da nação. Não sabia por onde começar, nem em quem confiar mas precisava ir em frente. Pela primeira vez senti que havia uma razão para continuar viva.

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Samizdat Especial 1 - abril 2008

Sobre os Autores da SAMIZDAT Ana Cristina Rodrigues Historiadora por formação e escritora por vocação. Escreve desde os doze anos de idade, porém digamos que começou em 2001 com fanfics de Star Trek. Evoluiu e hoje é plenamente capaz de escrever sem usar o cenário alheio, com vários contos espalhados na web. Coordena a Fábrica dos Sonhos, tendo organizado a primeira coletânea desse grupo, Espelhos Irreais. Participa do projeto Intempol, com o conto ‘Vida de Estagiária’ traduzido no ezine argentino Axxon. Publicou em sites e zines brasileiros, como Scriptonauta, Círculo de Crônicas, Scarium, Desfolhar, Blocos Online, Somnium, e argentinos - além da Axxon, o zine Sinergia.Modera diversas comunidades no Orkut sobre FC e Fantasia, tenta terminar um doutorado, escrever um romance de ‘fantasia’, é a primeira mulher presidente do Clube de Leitores de Ficção Científica, funcionária da Biblioteca Nacional e mãe do Miguel. E mesmo assim, consegue tempo para namorar.

Carlos Alberto Barros Paulistano, filho de nordestinos, desenhista desde sempre, artista plástico formado, escritor. Começou sua vida profissional como educador e, desde então, já deixou seu rastro por ONG’s, Escolas e Centros Culturais, através de trabalhos artísticos e pedagógicos – experiências que têm forte influência sobre seus escritos. Atualmente, organiza oficinas de ilustração para crianças, estuda pós-graduação em História da Arte e escreve para publicações na internet. http://desnome.blogspot.com

Denis da Cruz Advogado, Servidor Público, marido de Elisa e pai dos pequenos Lívia e Kalel. Escritor amador, faz da literatura um agradável e despretencioso passatempo. Mais detalhes, o leitor poderá flagrar nos textos que serão apresentados na Samizdat, afinal, já escreveu certa vez: “não sou nenhuma de minhas personagens, mas sou todas elas vivendo ao mesmo tempo”. http://www.recantodasletras.com.br/autores/kzar

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Giselle Sato Giselle se autodefine apenas como uma contadora de histórias carioca. Estudou Belas Artes e foi comissária de bordo — cargo em que não fez muita arte, esperamos. Adora viajar (felizmente!) e fala alguns idiomas. Atualmente se diverte com a literatura, participando de concursos e escrevendo para diversos sites pela net. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes, funcionando como um eficiente panorama da sociedade em que vivemos, principalmente daquilo que é comumente jogado para baixo do tapete pelos veículos de comunicação. http://www.trilhasdaimensidao.prosaeverso.net/

Henry Alfred Bugalho É formado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em Estética. Especialista em Literatura e História. Autor de quatro romances e de duas coletâneas de contos. Mora, atualmente, em Nova York, com sua esposa Denise e Bia, sua cachorrinha. www.maosdevaca.com

José Espírito Santo Informático com licenciatura e pós graduação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, trabalha há largos anos em formação e consultoria, sendo especialista em Bases de Dados, Sistemas de Gestão Transaccional e Middleware de “Messaging”. A paixão pela escrita surgiu recentemente, tendo no ano de 2007 produzido os livros “Esboços” (contos) e “Onde termina esta praia” (poesia). Vive com a família em Portugal em Alverca, uma pequena cidade um pouco a norte de Lisboa. http://www.riodeescrita.blogspot.com/

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Samizdat Especial 1 - abril 2008 Marcia Szajnbok Médica formada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, trabalha como psiquiatra e psicanalista. Apaixonada por literatura e línguas estrangeiras, lê sempre que pode e brinca de escrever de vez em quando. Paulistana convicta, vive desde sempre em São Paulo.

Samuel Peregrino 27 anos, cursando Letras e girando a Máquina! Toca com a Libertália na ociosidade http://www.diariosinacabados.blogspot.com/

Volmar Camargo Junior Gaúcho. Formado em Letras pela Universidade de Cruz Alta, não leciona por sua própria vontade. Começou a namorar via postal, e acabou trabalhando no Correio. É casado com a bela Natascha, e com ela mora em um cartão postal: Canela, na Serra Gaúcha. Dividem o apartamento com Marie, uma gata voluntariosa e cínica. Escreve por prazer, e até agora não havia pensado em uma razão para publicar. http://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj

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