Musa Calíope Ed 4 - Consciência negra - Volume I

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EXPEDIENTE Fundador-Presidente: Roberto Aguilar M. S. Silva Editora-Chefe: Stael Moura da Paixão Ferreira (MEF / UFMS) Consultora Linguística: Rosangela Villa da Silva (UFMS) Conselho Editorial: Thiago Coppola, Eliney Gaertner, Balbino de Oliveira, Benedito C.G. Lima Colaboradores: Hélio Moreira, Rubenio Marcelo, Eritânia Brunoro, Gerson Morais e Fazedores e Amigos das Artes em Angola, Brasil e Portugal. “Unidos Pela Arte” (Movimento Lev´arte). Arte / Design: Maximiliano G. Lima Apoio: UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), ALEC (Academia De Literatura e Estudos de Corumbá-Ms), Núcleo Cultural de Ladário, ANE - (Associação dos Novos Escritores de Ms), Associação Amigos da Cultura, CEMPER (Centro Padre Ernesto de Promoção Humana E Ambiental) Realização: Instituto de Comunicação Social do Brasil

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Revista Eletrônica Internacional de Letras, Arte e Poesia “Musa Calíope” Corumbá - MS, Brasil. Edição n° 4 – Novembro/Dezembro de 2011 - Volume I

EDITORIAL Milagres do Povo Quem descobriu o Brasil? Foi o negro que viu a crueldade bem de frente E ainda produziu milagres de fé no extremo ocidente Ojú Obá ia lá e via Ojuobahia Xangô manda chamar Obatalá guia Mamãe Oxum chora lágrima alegria Pétalas de Iemanjá Iansã-Oiá ria Ojú Obá ia lá e via Ojú Obá ia Obá VELOSO, Caetano. Milagres do Povo. Gravadora Gapa , 1985

C

aros leitores,

Primeiramente, gostaria de tecer algumas considerações acerca dessa 4ª edição , relativa ao segundo semestre de 2011, marco de nossa história editorial. Trata-se de uma publicação muito especial, em que pudemos refletir e constatar a questão das múltiplas identidades nacionais. Ainda que se reconheça ser praticamente impossível a eliminação do preconceito, é possível socialmente "eliminar a organização dos preconceitos em sistema, sua rigidez e – o que é mais essencial – a discriminação efetivada pelos preconceitos" (Heller, O cotidiano ... p. 59). Enfim, é preciso reconhecer que o brasileiro é múltiplo, podemos dizer que a sua alma é composta por inúmeras influências , lendas, crenças, ritos, danças, ritmos, cores e até sabores. E nesta grande mistura não nos distinguimos mais. Somos simplesmente multirraciais. Desta maneira, é com orgulho e com grande alegria que apresentamos aos nossos leitores mais uma publicação bem sucedida. Trata-se, para nós, de um momento glorioso que é ao mesmo tempo, uma celebração do percurso que trilhamos até este momento e uma abertura de outros caminhos a trilhar. Sabemos que o Projeto, por si só já nasceu ambicioso, mas também tivemos a felicidade de reunir os mais destacados trabalhos sobre o tema, sendo que os artigos e poemas selecionados para esta Edição, já denotam a excelência dos nossos autores colaboradores, em relação à qualidade dos trabalhos apresentados.


Prof.ª Stael Moura Editora da Revista Musa Calíope staelmoura@hotmail.com

Grande parte dos artigos, ora apresentados, resultaram da contribuição de nossos valorosos parceiros que, de forma entusiasta, aceitaram em encaminhar o material para esta Edição. Contamos com as contribuições de artigos de vários pesquisadores, autores e consultores, professores, mestres, doutores e membros de comunidade científica sobre a temática em geral. Além do envolvimento total do corpo editorial, convidamos educadores, militantes do movimento negro para contribuir a nossa pauta. Desta forma, agradecemos, imensamente, às doutoras Zilá Bernd, Ana Beatriz Gomes, Augusta Schimidt, Elizabeth Brose, ao técnico angolano de artes cênicas Sr. José Lumango e, em particular, ao meu grande Mestre e amigo Prof. Ilzver de Matos Oliveira, que com seus trabalhos, sempre nos direcionam a reflexões mais amplas. Convém destacar que graças à quantidade de material recebido e as inúmeras discussões em torno do tema, esta edição traz uma novidade: a apresentação em dois volumes. Comprovou-se com esta publicação que existe uma crescente difusão da leitura inclusive, em sua maioria, no cenário internacional. Infere-se que este periódico procura disseminar a produção literária e científica de alto nível, sobre temas relevantes. Enfim, gostaríamos de agradecer a colaboração de todos que acreditaram na proposta da Revista Internacional Musa Calíope e tornaram possível a publicação de mais essa Edição que trouxe como tema: “MUNDO NEGRO: A CONSCIÊNCIA E SUA PERCEPÇÃO EM MILHARES DE VOZES.” Desta forma, a Revista Eletrônica Musa Calíope encerra o ano de 2011 com a sensação de missão cumprida, e com muitas razões para agradecer: pelos autores e suas contribuições substanciais e criativas; pelas pareceristas que com muita competência e cuidado ajudaram à difícil seleção dos trabalhos; pela Conselho Editorial e demais avaliadores convidados, sempre presentes e dispostos; enfim , a todos, nossos agradecimentos. Muito obrigada e boa leitura!

Muito obrigada e boa leitura! Prof.ª Stael Moura Editora da Revista Musa Calíope staelmoura@hotmail.com

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caraeculturanegra.blogspot.com


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ttp://iurirubim.blog.terra.com.br

! " SAROBÁ "

Lobivar Matos (1915/1947)

Bairro de negros, negros descalços, camisa riscada, beiçolas caídas, cabelo carapinha; negras carnudas rebolando as curvas, bebendo cachaça; negrinhos sugando as mamas murchas das negras, . negrinhos correndo doidos dentro do mato, chorando de fume. Bairro de negros, casinhas de lata, água na bica pingando, escorrendo, fazendo lama; roupa estendida na grama; esteira suja no chão duro, socado; lampião de querosene piscando no escuro; negra abandonada na esteira tossindo e batuque chiando no terreiro; negra tuberculosa escarrando sangue, afogando a tosse seca no eco de uma voz mole que se arrasta a custo pelo ar parado. Bairro de negros, mulatas sapateando, parindo sombras magras, negros gozando, negros beijando,

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negros apalpando carnes rijas; negros pulando e estalando os dedos em requebros descontrolados; vozes roucas gritando sambas malucos e sons esquisitos agarrando e se enroscando nos nervos dos negros. Bairro de negros chinfrim, bagunça, Sarobá. JornaldaCidade.Net


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Sarobá era nome de um bairro de negros, em Corumbá, que Lobivar descreve com muito realismo. Um lugar rigorosamente construído em que penetramos, por meio do primeiro poema, e vamos estabelecendo uma rede de informações que tece o contexto social da época. Se por um lado o texto choca, por outro vai envolvendo o leitor numa atmosfera densamente poética.

Lobivar Matos, mais conhecido como Lolito, nasceu em Corumbá, a 11 de janeiro de 1915. Filho de Manuel Augusto de Matos, maquinista de navegação,

e Brasília

Nunes de Matos, costureira profissional, o menino franzino descobriu o universo da poesia, ainda que precocemente, e traçou sua trajetória que iniciou na Rua 13 de Junho, 615. Lolito teve vida simples, de menino comum, perambulando pelas ruas da “Cidade Branca”, como chamou Corumbá. No entanto, tinha uma peculiaridade que o diferenciava dos demais: era contemplativo, vagava sozinho, ainda em tenra idade, pelos sopés dos morros observando a beleza simples e profunda que emanava da natureza. Seguindo o curso da vida, fez curso secundário no Ginásio Municipal de Campo Grande e tornou-se Bacharel em Direito pela Faculdade Nacional da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1941. Também atuou como jornalista na antiga capital do país, além de colaborar com a imprensa de Cuiabá, Corumbá e Campo Grande. Foi funcionário público, poeta e crítico literário. Patrono da cadeira 24 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ocupou a cadeira 26 da Academia Corumbaense de Letras, cujo patrono é seu tio Osório Gomes de Barros. Mas, foi no Rio de Janeiro, em 27 de outubro de 1947, que o poeta faleceu em cirurgia tentando se livrar de uma úlcera. Faltava menos de três meses para completar 33 anos. Suas obras: Areôtorare – poemas bororos – 1935 – Rio de Janeiro. Sarobá– poemas – 1936 – Rio de Janeiro. Minha Livraria Editora, 1936. 98 p

http://www.citypictures.net


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! Mãe, nunca vi um anjo negro. Não há anjos negros, mãe? Todos os anjos são brancos. Não há anjos como eu? Olha, todas as asas são brancas. Como os anjos que estão no céu. Mãe, eu nunca vou ter asas? Não há anjos como eu? Mãe, não há meninos negros entre os anjos. Onde estão os meninos negros anjos, mãe? Mãe onde fica o nosso céu? Queria ser um anjo, mãe. Não posso … Não há anjos como eu.

http://catedral.weblog.com.pt/arquivo/132386


giovannaalexiadn.blogspot.com

PRECONCEITO Jane Baruki Ferreira

Fala-se tanto em preconceito, mas, o que realmente quer dizer? Pré-conceito: vem de ti, ou do meu próprio ser? Todos nós podemos ser enganados, pelos sentidos aprisionados. Ao invés de vermos a real-unidade, percebemos só as extremidades. Tudo e todos, somos diferentes, conforme a nossa excepcionalidade. Mas mesmo nessa multiplicidade, é possível encontrar uma só verdade.

Jane Baruki Ferreira - Psicóloga, Pedagoga, natural de Corumbá MS. Exprofessora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS nos anos 74, 75 e 76. Professora da Prefeitura Municipal de São Paulo. Menção honrosa no concurso: Poesias Encantadas II e III. Autora do livro “O Segredo da Aprendizagem” Transformando a rotina em Ritual e do livro de poesias ”Prelúdio para o Despertar”. http://janocca.blogspot.com/

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ondasdapoesia.blogspot.com

QUEM DISSE QUE EU SOU NEGRO? Benedito C.G.Lima

Quem disse que sou negro? Pode crer se enganou! Negro é aquele irmão que veio da África Acorrentado, Amordaçado e separado da família; Negro é aquele que debaixo do açoite Chorava baixinho nos porões fedidos dos navios; Negro é aquele que foi arrematado no [ Rio de Janeiro; Negro é Machado de Assis Vulto histórico de valor Quem disse que eu sou negro? Certamente não pensou! Negro é aquele que povoava as senzalas Que nas ruas de São Paulo vendia quitutes Que faiscava ouro nas Minas Gerais; Que á noite tocava batuque Buscando mais força que nos Orixás Pra poder se esquecer de sua dor; Negro é o grande Cruz e Souza Cisne Negro – de poemas um cantador! Quem disse que eu sou negro? Pensamento embaralhou! Negro é aquele que após a Lei Áurea Foi ocupar os muros e a sarjetas; Negro é aquele que se travestiu nas cores Da miscigenação: cafuzo, mameluco, mulato Negro é aquele que fugiu aos pares Que enfrentou capitães-do-mato. Negros era dizer mesmo a verdade... Foi o grande zumbi dos palmares! Quem disse que ou negro? Minha gente, nem falou! Negro é aquele crioulo que faz samba! Negro é o pardo que carrega o fardo de [perna bamba! Negro é aquele do sarava e do vatapá Negro é aquele que constituiu o Brasil Com sua força e que misturou as raças! Negro – desperta desse sonho febril E assuma o seu lugar. Ponha atitude! Mostre o valor da negritude Quem disse que sou negro Eu replico, sim senhor Sou um afro-descendente Quero ser libertador!


ODE AO ZUMBI Benedito C.G.Lima

Zumbi bravo guerreiro forte negro lutador venceu diversas investidas foi um bravo defensor libertou negros escravos e os levou para palmares sua força era e fala seu discurso feito bala richote pelos ares mas um negro traidor o deixou nas mãos dos inimigos... Bravo enfrentou perigos mas sua sorte estava lançada zumbi após a sua morte conseguiu deixar data marcada como forma de ciência. Surgiu o dia nacional da consciência! Forte como o peso do balaio reescreve a história do 13 de maio!

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Benedito C.G.Lima


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diegomourao.blogspot.com

APARTHEID Eliney Gaertner

Corações em despedida, Almas unidas em prantos, Das bocas nenhuma palavra, Os olhos é que falavam tanto. O tempo parou; O momento ficou; A alegria morreu; E a vida secou. O instante cruel ficou a bailar, Na aflição da imaginação, Os corações a sangrar. Á distancia, além, sabem... Talvez, o amor encontrar, E a desventura findar.


BLACK OR WHITE Eliney Gaertner

Eu sou um branco-negro, Tenho as cores do Brasil, Tenho o coração em trela, No amarelo, verde e anil. Eu sou um negro-branco, Visto as cores do Brasil, Tenho as mãos calejadas,

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E o cabelo pixaim.

Fui humilhado! Fui acorrentado! Fui massacrado! Fui enganado! Porém, o que mesmo importa; Hoje não sou mais estrangeiro, Em mim, esqueci os maus tratos, Nos cruéis navios negreiros! Pulsa em meu peito a África! Pulsa em meu peito Brasil! Sou como um assaz guerreiro, Sou o povo brasileiro!

Eliney Gaertner – Biólogo, escritor e historiador de Corumbá/MS

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JANELA DA POESIA NEGROS Pedro Bandeira

O racismo ,não está na cor . Mas nos olhos do preconceito . No coração do homem . Homem: pobre animal irracional . A cor da pele não te faz diferente . mas especial,único . Não somos uma raça ,somos uma nação ! Parte do sistema. somos: "o bloco dos excluídos ". Querendo gritar ,desatar o nó da repressão . Rasgar o verbo ,disparar palavras . Somos : "o exército dos figurantes". Que cansaram de serem escondidos por trás das câmeras . Querendo sentir o gosto do protagonismo . Nossas armas não matam ,mas deixam feridos . Ferimos os olhos dos que nos odeiam . Não usando balas ,mas a nossa verdade . Dizem que a verdade dói ,mas a mentira machuca mais . A dignidade parece uma flor ,que não desabrochou .Mas também não morreu . o sol nasce pra todos ,mas a sombra só para alguns . Minha consciência é negra . Não minha cor ,não minha pele .(a pele é a roupa da alma ) . A ALMA NÃO TEM COR (LUTHER KING ). sou Luther King ,Mandela,Zumbi,Pelé... Sou negro,branco,amarelo,vermelho ...sou BRASIL ! Que amanhã ,o mundo acorde menos injusto . Pra que eu possa dormir mas digno .


BRANCOS E NEGROS Pedro Bandeira

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O Brancos são muito diferentes dos negros. Mas depende do branco e depende do negro. Na minha caixa de lápis de cor o branco não serve pra nada. Só o preto é que serve para desenhar. Por isso, os dois são muito diferentes. Tem o giz e tem o carvão. Eles são iguais. Os dois servem pra desenhar. Com o giz, a gente desenha na lousa. Com o carvão, a gente desenha um bigode na cara do irmão, para a festa de São João. Nesse negócio de música, não tem branco. Só tem preto, porque música mora em disco e todos os discos que eu conheço são pretos . Nunca ví um disco branco. O papel é branco. Papel preto é chamado carbono e copia por baixo tudo o que a gente escreve por cima. A noite é preta, mas o dia não é branco. O dia é azul. Então o preto da noite é só da noite Não é igual nem diferente de nada. O leite é branco e o café é preto. De café eu não gosto, Também não gosto de leite, quando ele está branco. Prefiro misturar com chocolate. Aí o leite fica marrom. Marrom como minha amiga. Outro dia me disseram que ela é negra, mas ela é marrom. Eu estou com raiva dela, porque ela tirou uma nota melhor que a minha na prova do mês. Mas eu não quero ser diferente dela. Vou estudar bastante. Na próxima prova, eu e ela vamos ficar iguais. Pedro Bandeira é o autor de Literatura Juvenil mais vendido no Brasil e, como especialista em técnicas especiais de leitura, profere conferências para professores em todo o Brasil.

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REFERÊNCIA ANTOLOGIA DE POESIA AFRO-BRASILEIRA: 150 ANOS DE CONSCIÊNCIA NEGRA NO BRASIL. ! Em 1992 foi publicada a antologia Poesia negra brasileira, com organização de Zilá Bernd. Tal trabalho visava o resgate da memória social do negro no Brasil através das manifestações poéticas publicadas a partir de 1859, contemplando obras editadas até o ano 1990.

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Em virtude da Lei n°. 10.639/03, que objetiva estimular o ensino da história e da literatura afro-brasileiras na Educação Básica, decidiu-se atualizar a referida antologia, introduzindo modificações em seu título: Antologia de poesia afrobrasileira: 150 anos de consciência negra no Brasil. Enquanto a apelação “literatura negra” poderia levar à identificação da produção literária com a cor da pele do autor, a apelação “afro-brasileira” remete à origem étnica da maioria dos autores, descendentes de escravos ou ex-escravos, e à comunhão de valores associados à herança cultural africana, deixando de significar/ remeter à existência de uma essência negra. A antologia, que ora vem a público, re-edita os poetas selecionados para a primeira edição da antologia e repertoria a produção poética de 1990 a 2010, realizando o levantamento biobibliográfico dos autores que produziram nestas últimas duas décadas, bem como comentários críticos sobre os poemas selecionados. A seleção se pautou pela representatividade dos poemas em termos de resgate da memória coletiva e da afirmação identitária.


POESIA NEGRA OU AFRO-BRASILEIRA ? racismoepreconceito.wordpress.com

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No Brasil, a partir da década de 1970, iniciou-se um debate sobre como denominar a literatura caracterizada pela emergência de um eu enunciador que se assume como negro, identificando-se com a preservação do patrimônio cultural de origem africana. Foi a partir dessa época que se passou a adotar o termo literatura negra. O século XXI trouxe a consolidação do uso dos termos afrobrasileiro e afrodescendente (do inglês afro-descendent), visto que o termo negro poderia indicar a epidermização do conceito, isto é, a definição de uma expressão artística pela cor da pele dos autores. Segundo Sueli Meira Liebig, “afro-brasileiro é o termo politicamente correto para designar a pessoa da chamada ‘raça negra’, nascida em nosso país” (2003, p. 21). Revendo os títulos das principais antologias e obras teórico-críticas, publicadas entre 1980 e 2010, a respeito dessa literatura, é possível afirmar que, com o passar do tempo, a expressão literatura negra vem sendo substituída pelo termo literatura afro-brasileira, embora ambas as denominações coexistam. Entre diversas obras já publicadas verificamos, a título de exemplificação, a variação de nomenclatura nos títulos: Antologia contemporânea da poesia negra brasileira (1982), Negro e cultura no Brasil (1987), Negritude e literatura na América latina (1987), Introdução à literatura negra (1988), Brasil afro-brasileiro (2001), Poéticas afro-brasileiras (2002), Identidades negras no romance brasileiro contemporâneo (2009), Antologia de Literatura afro-brasileira (site Literafro, 2004), Dicionário de personagens afrobrasileiros (2009). Esses títulos confirmam que ainda hoje ambas as expressões são tomadas como sinônimos por muitos, cabendo ao autor, seja teórico ou ficcionista, a escolha da expressão que melhor corresponda a seu posicionamento. De acordo com estudos realizados em diversos autores teóricos a respeito da singularidade da literatura negra, é possível afirmar que a literatura negra ou afro-brasileira apresenta especificidades, entre as quais: a) a temática dominante é o negro na sociedade, o resgate de sua memória, tradições, religiões, cultura e a denúncia contra o drama da marginalidade do negro na sociedade brasileira devido, sobretudo, à persistência de diferentes formas de preconceito; b) o ponto de vista é o do negro que emerge no poema como o eu enunciador, assumindo as rédeas de sua enunciação; c) a linguagem possui vocabulário próprio associado à oralidade da cultura negra;


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d) o imaginário que corresponde ao conjunto de representações que uma comunidade tem de si mesma e mediante o qual se opera a paulatina construção identitária. A lei 10.639.03

A partir da promulgação dessa lei torna-se obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileiras em todas as escolas do país. Em que pese o enorme ganho político que tal lei representa para as comunidades negras, que sempre almejaram ver esta inclusão realmente efetivada desde as primeiras séries do ensino Básico, a lei pecou por não prever a importante questão da capacitação docente para a inclusão destas novas disciplinas. Os cursos de formação de professores não foram modificados 1 e, com isso, a grande maioria dos professores não tem a capacitação necessária para se adaptar à mudança curricular. Buscando preencher essa lacuna, apresenta-se a proposta de utilizar a antologia de literatura afro-brasileira como ferramenta para viabilizar a aplicação da lei. Disponibilizar a professores e bibliotecas escolares uma antologia de poesia afro-brasileira, das origens aos dias de hoje, pode contribuir para fornecer os subsídios necessários para a aplicação da lei, além de servir como material para enriquecer aulas e apresentações de alunos. Considerando-se as dificuldades para obter este material, devido ao fato de a maioria dos autores da literatura afro-brasileira editar em pequenas editoras sem distribuição nacional, verifica-se o potencial de funcionalidade que uma antologia traz em seu bojo. Cumpre também pensar na literatura como o lugar privilegiado de gestação e reatualização da consciência negra e de re-construção da subjetividade. Projetos de elaboração de antologias temáticas sobre literatura afro-brasileira podem se constituir em contribuição fundamental a esse processo. Tomada a poesia como forma privilegiada de extravasar a consciência negra, é possível afirmar que a inclusão da literatura negra na educação contribui não só para o (re)conhecimento da cultura negra e suas origens entre os alunos, mas também para que os demais possam conscientizar-se do preconceito que perdura até hoje na sociedade brasileira, como legado da escravidão.

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Em mensagem ao Presidente do Senado Federal, o Ministério da Educação manifestou a decisão pelo veto parcial do então “Projeto de Lei nº 17, de 2002”. Um dos dispositivos vetados acrescentava o Art. 79-A à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, com o texto “Os cursos de capacitação para professores deverão contar com a participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e de outras instituições de pesquisa pertinentes à matéria”.


AS TENDÊNCIAS IDENTITÁRIAS Relendo os cerca de 150 poemas de mais de trinta autores aqui reunidos, é possível apontar tendências distintas de construção identitária que não se apresentam em termos diacrônicos, isto é, em uma perspectiva de « evolução » no tempo, mas que por vezes de entrecruzam e convivem no âmbito da poética de um mesmo autor. São elas: - tendência ao enraizamento identitário

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afugadeideias.blogspot.com

A poética resultante dessa tendência alicerçase na afirmação identitária a partir da recuperação de resíduos memoriais que podem unir a comunidade negra em sua luta contra preconceitos e até discriminações remanescentes na sociedade brasileira ainda hoje. Esse processo pode tender a construções identitárias redutoras – de raiz única - já que o quadro de referências nos quais se apoiam irá limitar-se aos limites da comunidade negra.

Se por um lado, em determinados momentos da caminhada rumo à plena afirmação das subjetividades, essas ações afirmativas fazem-se necessárias, há o risco desse tipo de identidade construir-se sem levar em consideração as alteridades da nação brasileira, que se auto-proclama mestiça - criando barreiras e cordões de isolamento.


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Cultura negra ariano afago sobre a suposta acocorada infância nossa a cor sim e não reelabora elegbara orixás não tomam chás de academias tampouco em mídia sui-seda cedem poema de negrura exposta tece vida na resposta abrindo a porta enferrujada de silêncio explode um coice o bode entre folclóricas nuvens e teses de negócios afagos alvos a-tingidos desesperam em busca de tambores ritos puros mitos em águas paradas de poemas pardos que lhes salvem da chuva de negrizo Cuti (Luiz Silva) In: Cadernos negros 19, 1996.


- tendência ao enraizamento dinâmico ou relacional Aqui a base da argumentação é o conceito criado por Michel Maffesoli de « enracinement dinamique » que, ao mesmo tempo em que considera fundamental a afirmação da identidade, preconiza sua construção no respeito à diversidade e na abertura para a relação com o outro. Trabalha com a perspectiva de que vários níveis de identidade podem ser contemplados simultaneamente e que o sujeito negro é também brasileiro, profissional, que pertence a um gênero e desempenha um papel na sociedade que ele quer igualitária e solidária. Alguns falam de enracinerrance ou seja prefiguram movimentos identitários em constantes processos de mobilidade e de abertura às demais culturas em presença no Brasil e nas Américas. Segundo Rita Godet, enracinerrance (« enraizerrância ») é um neologismo que funde os termos enraizar e errância, segundo o escritor haitiano Jean-Claude Charles. « Esse termo expressaria a abertura ao outro e ao alhures (ailleurs em francês), mas a partir de si e para voltar a si » (Godet, 2010, p. ). Citando nesse mesmo artigo o historiador canadense, Jocelyn Létourneau, Rita Godet afirma que a enracinerrance « é uma pssagem libertadora, mas também sofrida em direção ao outro como uma etapa necessária ao ciclo de reprodução do eu que comporta uma dimensão crítica sobre si capaz de conduzir à mudança (Létourneau, apud Godet, 2010, p.)

Sílaba Outra língua alicia o palato, não se quer instru-mento de suicídio. Não pode ser engolida para selar o desejo. É para uso desobediente, sendo mais livre quanto mais nos pertence. A essa língua não se veda o devaneio, uma vez afiada a vida é tudo o que se queira. Não está na boca e nela se arvora. Testa o sentido, duvida de si mesma. Vai ao baile, está nua ao meio-dia. Não é língua do suplício nem do vexame, desenrola os signos e se pronuncia. [Edimilson Almeida Pereira, “Iteques”, 2003]

Zilá Bernd é internacionalmente conhecida por seu trabalho de pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em linguagens comparadas nas Américas, Literatura Comparada, Americanidade e identidade, estudos culturais e relações literárias interamericanas. Doutora pela USP com pós-doutorado em Montreal, trabalha com interdisciplinaridade em transferências culturais nas Américas e hibridação literária. É coordenadora do Grupo que com a participação de cerca de 100 pesquisadores do Brasil, França e Canadá, conduziu pesquisa na formação do Dicionário de Figura e Mitos Literários das Américas, tem 28 livros publicados como autora direta ou organizadora e 58 capítulos de livros publicados, estudando inclusive a negritude americana. Presidiu o Conselho Internacional de Estudos Canadenses, em Ottawa. Responsável pela edição de vários CD-ROM sobre temática das relações culturais e literárias inter-americanas, principalmente Transcultural translators; Mediating Race, Indigeneity and ethnicity in four nations (Rockefeller Center, 2003), e Figures et mythes littéraires des Amériques (Montreal: McGill 2005). Sua investigação partiu da heterogeneidade das literaturas, consciente de que a proposta de adesão a uma identidade continental pode corresponder a um anseio de afirmação identitária mais abrangente. BERND, Zilá (org.) Antologia de poesia afro-brasileira: 150 anos de consciência negra no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2011. Coorganização: Emilene Corrêa Souza e Plmio Correa Jr.


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EL LLANTO DE ÁFRICA AGOSTINHO NETO - (1922-1979)

El llanto durante siglos en sus traidores por la esclavitud de los hombres en el deseo alimentado entre ambiciones de soplos románticos en los tambores llanto de África en las sonrisas llanto de África en los sarcasmos en el trabajo llanto de África. Siempre el mismo llanto en nuestra alegría inmortal mi hermano Nguxi y mi amigo Mussunda en el círculo de las violencias aun la magia poderosa de la tierra y de la vida fluyente de las fuentes y de todas lpartes y de todas las almas y de las hemorragias de los ritmos de las heridas de África hasta en el florecer aromatizado de la selva hasta en la hoja en el fruto en la agilidad de la cebra en la sequedad del desierto en la armonía de las corrientes o en el sosiego de los lagos hasta en la belleza del trabajo creador de los hombres. El llanto de siglos inventado en la esclavitud en histerias de dramas negros almas blancas perseguidas y espíritus infantiles de África las mentiras llantos verdaderos en sus bocas. El llanto de siglos donde la violada verdad se consume en el círculo de hierro en la deshonesta fuerza sacrificadora de los cuerpos cadavéricos enemiga de la vida cerrada en los estrechos cerebros de máquinas de contar en la violencia en la violencia en la violencia. El llanto de África es un síntoma. ¡Nosotros tenemos en nuestras manos otras vidas y alegrías desmentidas por nosotros en los lamentos falsos de sus bocas! Y amor. Y los ojos secos.

Antonio Agostinho Neto nasceu em Icola e Bengo, Angola. Estudou medicina em Portugal. Foi um dos dirigentes do movimento de independência de seu país e, triunfante, foi o primeiro presidente da nova república. Biografia política controversa e uma obra literária reconhecida internacionalmente.


DESPEDIDA EN EL MOMENTO DE PARTIR Madre mía (oh madres negras cuyos hijos han partido), me enseñaste a esperar y confiar como tú lo hiciste en las horas del desastre. Pero en mí la vida ha matado esa esperanza misteriosa. Ya no espero más, soy yo el esperado. Nosotros mismos somos la esperanza, tus hijos, viajando hacia una fe que nutre la vida. Nosotros, los hijos desnudos de los matorrales, criaturas sin instrucción que juegan con pelotas de trapo en las llanuras del mediodía, nosotros mismos conchabados para quemar nuestras vidas en los cafetales, negros ignorantes. que deben respetar a los blancos y temer a los ricos, somos tus hijos del barrio de los nativos donde nunca llega la electricidad; hombres que mueren ebrios, abandonados al ritmo de los tam-tams de la muerte, tus hijos, que tienen hambre, que tienen sed, que se avergüenzan de llamarte madre, que tienen miedo de cruzar las calles, que tienen miedo de los hombres. Somos nosotros mismos, la esperanza de la vida recobrada.

Extraído de POESIA AFRICANA DE HOY. Selección y versión de William Shand y Rodolfo Benasso. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1968. Extraído de POETAS AFRICANOS CONTEMPORÁNEOS, org. Fayada Jamis, Virgilio Piñera, Armando Álvarez Bravo, Manuel Cabrera y David Fernándes. (Traductores). Madrid: Biblioteca Jucar, 1975.


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BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA NEGRA Profª Augusta Schimidt

Publicar ainda é difícil para autores negros brasileiros. ! A dificuldade de ingressar no mercado editorial e colocar seus livros à disposição de um grande público talvez seja a principal causa da reduzida visibilidade de escritores afro-descendentes que, em suas obras, retratam a vida e os valores da comunidade negra brasileira. O conceito de literatura negra é polêmico. O professor Domício Proença Filho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), conhecido teórico de literatura e autor de “Dionísio Esfacelado”, considerado um clássico da poesia negra, diz que o uso dessa expressão pode ajudar a manter a discriminação. No âmbito acadêmico, o debate sobre esse tema foi aberto no Brasil por Roger Bastide com a obra “Estudos Afro-Brasileiros”, publicada na década de 1940. Mais tarde, surgiram trabalhos de outros pesquisadores estrangeiros, como Raymond Sayers (“O Negro na Literatura Brasileira”, 1958) e Gregory Rabassa (“O Negro na Ficção Brasileira”, 1965). A partir dos anos 80, essa discussão é reaberta no Brasil com o aparecimento de diversos estudos, com destaque para a obra de Zilá Bernd, doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No livro “Negritude e Literatura na América Latina” (1987), ela critica o estudioso David Brookshaw (“Raça e Cor na Literatura Brasileira”, 1983) por dividir os autores em “brancos” e “negros” que utilizam temática negra. “Tal divisão, meramente epidérmica, não nos parece satisfatória, até mesmo pela dificuldade em saber, num país mestiço como o Brasil, quem é negro e quem não é.” Embora admitindo que, à primeira vista, a expressão literatura negra possa remeter a um conceito etnocêntrico, uma vez que a sensibilidade artística não constitui fator inerente a uma dada etnia, Zilá Bernd afirma existir uma


literatura negra, que se diferencia das obras que apenas tematizam o negro pela apresentação de um “eu enunciador” que se quer negro. Alguns autores Com 67 anos de idade, o paulista Oswaldo de Camargo foi um dos poucos escritores que durante as décadas de 1950 e 60 estabeleceram um elo de ligação entre os autores negros da primeira metade do século passado e uma nova fornada surgida no final dos anos 70. Segundo ele, “essa literatura que o negro produz surge exatamente das experiências particulares dele, mas tem de ser sancionada por um texto literário”. Por isso, a preocupação com a qualidade do texto não é casual. Ela decorre do cuidado em evitar certo paternalismo que levou estudiosos a propor critérios específicos na avaliação dos escritores negros e mestiços, substituindo a apreciação da qualidade literária pela oportunidade histórica, proposta que, na opinião de Domício Proença, pode ajudar a manter a discriminação. Um dos autores negros mais respeitados da geração surgida no Brasil a partir dos anos 1970 é o poeta Cuti, pseudônimo de Luiz Silva, um paulista nascido em Ourinhos, em 1951. Ele diz que a caracterização de uma literatura depende muito do ângulo de visão e do interesse do analista e coloca o foco na subjetividade e na ideologia. “Para mim, literatura negra se identifica pela predominância da experiência subjetiva de ser negro transfigurado em texto”, afirma ele. Mesmo um levantamento superficial mostra na literatura negra brasileira o amplo predomínio da poesia e a quase absoluta ausência de romances. Domício Proença afirma que, por ser uma forma extrema e imediatamente mais mobilizadora da emoção e da reflexão do que a prosa, o poema torna-se o espaço ideal para a concretização de textos centrados basicamente na afirmação da identidade cultural, na preocupação com o direito pleno à cidadania. Já Zilá Bernd afirma que, para a maturação de um romance negro brasileiro, algumas etapas ainda precisam ser vencidas, como o resgate de sua participação na história do Brasil e a definição de sua própria identidade. Um dos poucos romancistas afro-brasileiros com trânsito pelas grandes editoras é o carioca Joel Rufino dos Santos. Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele tem dezenas de títulos publicados. Rufino, no entanto, diz que produz uma literatura culta, impregnada de valores


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ocidentais, tanto na inspiração quanto no estilo e nos temas, e que nesse sentido sua obra não pode ser classificada como literatura negra. Ubaldo, no entanto, diz que isso é possível desde que o critério não seja a cor da pele do escritor, uma vez que se considera "branco brasileiro", talvez numa alusão à intensa mestiçagem existente no país. Aqui no Brasil, uma saída encontrada por muitos escritores negros para furar o bloqueio a eles imposto no meio editorial e fazer suas obras chegarem ao leitor foi a publicação em regime cooperativo. O grupo assumiu a publicação dos Cadernos, recebeu adesões, mas em seguida sofreu uma ruptura, com a saída de Camargo, Colina e Abelardo, que criticavam principalmente a qualidade do material publicado. Na avaliação de Oswaldo de Camargo, a formação do Quilombhoje, sobretudo depois do surgimento dos Cadernos Negros, foi uma experiência necessária para que se formasse um coletivo que tornou possível reunir - como acontece até hoje - autores de todos os cantos do país, definindo um método de trabalho que deixou mapeada a maneira de escrever do negro, suas temáticas, suas buscas. O convite surgiu depois da repercussão que tiveram no meio acadêmico norte-americano os textos de Miriam, Esmeralda Ribeiro e Conceição Evaristo, incluídos na coletânea Fourteen Female Voices, publicada nos Estados Unidos.Outra experiência documentada nos Cadernos Negros é o trabalho do gaúcho Oliveira Silveira. Nascido há 61 !

anos em Rosário do Sul, ele é autor de várias obras, entre as quais a Décima do Negro Peão, em que mostra que o negro foi um dos formadores da tradição gaúcha, trabalhando nas charqueadas desde o século 18, guerreando na Revolução Farroupilha, atuando nas diversas atividades do meio rural daquele estado. Silveira

Para comemorar o aniversário do Quilombhoje, grupo de escritores paulistanos que difunde a

também assina um texto de

arte da literatura negra no Brasil, a Agência

apresentação do livro de poemas

Universitária de Comunicação e Notícias criou

Miragem de Engenho, escrito pelo

cartazes e banners e os autores apresentaram

professor e radialista baiano Jônatas

um seminário sobre a história da cultura afrobrasileira.


Conceição da Silva, que tem poemas, contos e ensaios publicados tanto nos Cadernos Negros quanto em coletâneas dentro e fora do Brasil. Sebastião Uchoa Leite, no artigo “Presença Negra na Poesia Brasileira Moderna”, também publicado na “Revista do Patrimônio Histórico” (25), utiliza um critério que situaria a maioria dos poetas editados nos Cadernos Negros em uma vertente caracterizada pela atuação militante. Uchoa destaca ainda um segmento mais recente da poesia negra, formada por autores que se dedicam à recuperação do universo simbólico, ou experiências lingüísticoformais, no qual inclui um veterano dos Cadernos Negros, Arnaldo Xavier, que faz um trabalho iconográfico totalmente diferenciado da maioria dos poetas negros de sua geração. No plano da recuperação da linguagem afro, Uchoa cita o exemplo do baiano Antonio Risério, que transcriou em português o mundo fascinante dos orikis (versos ou poemas destinados a saudar um orixá) da cultura nagô-iorubá. Márcio Barbosa, que atualmente divide com a esposa, Esmeralda Ribeiro, o trabalho de publicar os Cadernos Negros, avalia que, passados 25 anos da criação do Quilombhoje, há maior interesse acadêmico pela literatura negra, com produção de teses e realização de cursos específicos em algumas universidades, como a Federal de Minas Gerais (UFMG). Apesar disso, os escritores negros ainda trabalham sem recursos, enfrentam dificuldades de mercado e, na maioria das vezes, fazem edições autofinanciadas. Ele detecta na mídia e nas livrarias um “boicote velado” à produção desses autores. Cuti concorda que essa lei favorecerá a literatura negra e diz que as editoras já começaram a trabalhar para aproveitar a demanda criada pela exigência legal.

Augusta Schimidt, com resumo publicado originalmente na revista Problemas Brasileiros, nasceu em Campinas, onde vive até hoje. Professora, escritora de historia infantil, arriscou algumas poesias e tem vários projetos de sua autoria. Tem participado de várias cirandas na Internet, sites de literatura, tanto aqui no Brasil como em Portugal, Espanha, Alemanha e Estados Unidos. Possui várias publicações em coleções pedagógicas, editadas pela OPET , Editora do Brasil e Fundação Paulo Freire. “Acredito no amor, na felicidade, na humanidade. Adoro escrever e quando crescer quero ser poeta de verdade. “ E-mail: augusta.schimidt@terra.com.br http://anesialoureirogama.wordpress.com/


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LITERATURA AFRO A Revista Musa Calíope reserva esta página para literatura afro brasileira.

destacar e compartilhar trabalho referente a

A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E SEU AUTOR MAIOR: MACHADO DE ASSIS Elizabeth R. Z. Brose ! As noções de literatura afro-brasileira e de literatura negra são discutidas no Brasil há décadas, mas atualmente ainda são consideradas noções em construção no país. Conseqüentemente, os critérios para as seleções de textos literários afro-brasileiros também são variados. Um deles seria o da representação do negro no texto, seja na poesia, em peças teatrais e em narrativas, desde os relatos acerca do Novo Mundo até a literatura contemporânea. Outro critério seria o da cor da pele do escritor que poderia provocar a expressão de uma perspectiva negra e brasileira, caso o escritor assumisse publicamente a sua negritude. Por fim, a proposta deste trabalho é situar a obra de Machado de Assis na discussão sobre literatura afro-brasileira, fundamentando a resposta para essa pergunta nas pesquisas de Eduardo de Assis Duarte, publicadas no livro Machado de Assis: afro-descendente.


REPRESENTAÇÕES DO NEGRO EM HISTÓRIA GERAL DAS GUERRAS ANGOLANAS: EM RELATOS ANTÓNIO OLIVEIRA CADORNEGA E NA TRANSCRIÇÃO DE UMA CARTA DA RAINHA JINGA

O objetivo primeiro da literatura de viagens é revelar todas as informações possíveis sobre os descobrimentos marítimos, tais como: registro de rotas, clima, descrição da costa, enfim, o que possa facilitar as próximas navegações. Além disso, os relatos de viagem esclarecem aos próximos viajantes os caminhos abertos por terra, os habitantes dos lugares desconhecidos, usos, costumes, flora e fauna. Do século XVI, o Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama, atribuído a Álvaro Velho fundamenta

o repertório de textos

chamados de literatura de viagens, assim como a Carta a D. Manuel sobre o Descobrimento do Brasil, de Pero Vaz de Caminha, e História Geral das Guerras Angolanas, de António Oliveira Cadornega. Os relatos de viagem do historiador português António Oliveira Cadornega, datam do século XVII e discorrem acerca da colônia africana de Angola. Cadornega chega em 1639 em Angola e escreve as histórias que ouve e os acontecimentos que testemunha, além de transcrever documentos. Militar e negociante, ele coleta informações que irão auxiliar a milícia e o comércio; e comunica os detalhes de instalações e de seus caminhos como em: “passado este porto, fortaleza e cidade, está Catumbela das Ostras por haver muitas nesta paragem, e mangais, onde passa hum riacho, que ali mette no mar, vindo da terra dentro” (CADORNEGA, 1942, p. 179). Da fauna, ele descreve os “animais ferozes que tem estes reinos, de suas naturezas e préstimos que em si encerrão” (p. 331). Afirma ainda que "têm estes reinos de Angola lioens, tigres e onças; há lions de casta real com gadelha na cabeça e maçaroca na cola como os da África, de que o Autor viu alguns neste reino" (idem).

A nota de rodapé da edição de 1942 explica a

confusão que Cadornega faz, perpetuando a confusão sobre as faunas africana e asiática: "verifica-se que a confusão e erros de nomenclatura existentes no texto de Cadornega ainda hoje prevalecem. Nem o tigre nem a onça existem em Angola, nem sequer na África. São naturais da Ásia" (idem) Apesar de


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alguns deslizes, os relatos de Cadornega informam e auxiliam os negociantes, colonizadores, exploradores e as missões cristãs, pois o autor discorre também sobre as salinas, preços de mercadorias, povos que negociam, sobre o que é vendido, o valor das moedas, religiões, líderes, etc. No texto escrito da perspectiva do europeu que tem como leitor os próximos viajantes, a representação do negro é tema que se inclui no contexto geral das terras descobertas; é uma personagem que está contida na paisagem local. Em seus três tomos da História Geral das Guerras Angolanas, o negro, seus hábitos e costumes são descritos de modo semelhante ao modo como trata da fauna e da flora, isto é, como objeto de um texto, em que se consideram mais as impressões do enunciador e os interesses do leitor europeu do que o objeto em si. Na mesma obra, o historiador português transcreve documentos, um deles é uma carta de autoria da rainha Jinga - uma rainha africana, convertida e batizada como Anna pelos padres. A rainha falava português; liderava seu povo e vendia escravos para os portugueses. Na carta, ela explica as diferenças de comportamento entre os que vendem escravos, os que compram e o que é dito sobre eles. Senhor: Receby a carta de V. Sa. , aqual me entregou o Capitão Frois Peixoto, embaixador de V. Sa., e por ela vejo gosar V. Sa. Saúde, aqual nosso Senhor aumente por largos anos, com muita paz e quietação, como desejo para mim. (...) Não podia V. Sa. mandar-me embaixador que mais me alegrasse, que o Capitão Manuel Frois Peixoto, por saber bem declarar-me tudo pela língua deste meu Reyno. Todos meus grandes estão contentes, que dizem que só ele me traz verdadeira, e fala verdade e tudo o que V. Sa. lhe ordena por seu Regimento e já me considero com a prenda que desejo e com muita paz e quietação esses dias que viver que já sou velha e não quero deixar minhas terras, senão minha Irmãa, não a meus escravos, que haverá muita ruína e não saberão obedecer a Sua Majestade, que Deos Grande, e como minha Irmãa o saberá fazer pois há tantos annos que assiste com os brancos e he tão côa christã como me dizem. (...) Matamba minha Corte treze de Dezembro de mil seiscentos e cincoenta e cinco annos. R. D. ANNA (in História Geral da Guerras Angolanas, António de Oliveira de Cadornega, Tomo II, pp. 500-503)

A rainha Jinga escreve “minha Corte”, referindo-se a um contingente de pessoas sobre a qual é soberana, sem que faça menção da cor. Ela se refere ao povo da Matamba como aquele que compõe “minha Corte”. Da perspectiva


dessa carta de Jinga, brancos são aqueles com quem sua irmã passou anos, os cristãos; são aqueles que a enganaram com promessas de entrega da irmã, refém, em troca de centenas de peças, os

escravos. Ela espera ser atendida

no momento que escreve, mas acredita ter o direito de suspeitar da sinceridade dos negociadores e propõe entregar 130 peças. Cem peças, ela entregaria adiantado. Ao ver sua irmã liberta, entregaria o restante. A rainha Jinga considera-se soberana no mesmo patamar de importância que os líderes portugueses. Assim como os súditos do Reino da Matamba equivaleriam aos subalternos portugueses. Negros ou brancos, ela os divide em fugidos, vendidos, compradores, negociadores, farsantes, honestos, desonestos, portugueses falantes de sua língua e assim por diante. O distanciamento de António Oliveira Cadornega afasta-o daquele sobre o qual trata, aquele que o português situa no cenário exótico. A rainha Jinga agrupa as pessoas brancas e negras sob o julgamento de “quem me quer mal”, fugidos e atrevidos, de um lado, e, de outro, fala como porta-voz de sua Corte sobre “minha gente bamza” e “Minha Corte de Matamba”. Escravos vendidos de Angola são conduzidos às margens sul-americanas, trazendo repertórios de histórias em navios que ligavam costa a costa do Oceano Atlântico. Por isso, Câmara Cascudo (CASCUDO, 2001), escreve que a rainha Jinga chega ao nosso país no imaginário de africanos que formaram o atual universo simbólico afro-brasileiro. A literatura afro-brasileira se origina desse traslado de idéias, da tradução de uma língua para outra, do diálogo das narrativas intercontinentais e de perspectivas diferenciadas.

POR QUE A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA OU NEGRA SERIA HOJE UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO?

Pesquisas de Eduardo Assis Duarte e sua equipe, assinalam, no portal da UFMG LITERAFRO, que a literatura afro-brasileira é um processo e devir. Além de segmento ou linhagem, é componente de amplo encadeamento discursivo. Ao mesmo tempo dentro e fora da Literatura


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Brasileira. Constitui-se a partir de textos que apresentam temas, autores, linguagens, mas, sobretudo, um ponto de vista culturalmente identificado à afro-descendência, como fim e começo. Sua presença implica redirecionamentos recepcionais e suplementos de sentido à história literária canônica. (LITEAFRO:2008)

O espectro constituinte da literatura afro-brasileira é amplo: temas, autores, estratégias, e, sobretudo, ponto de vista identificado com a afro-descendência. A seguir, na redação dos objetivos desse projeto de pesquisa, a adjetivação reduz o foco, pois a finalidade seria: divulgar e estimular a pesquisa e a reflexão a respeito da produção literária dos brasileiros afro-descendentes. Lugar rizomático, elo e ponto de encontro. Mas, também, ambiente lacunar, feito de presenças e ausências, que adquire sentido pelo que apresenta e pelo que ainda está por vir e apresentar. Espaço em construção, aberto sempre a visitas e intervenções. (idem)

No artigo Literatura e Afro-descendência, Eduardo Assis Duarte, (LITERAFRO, 2008), procura as diferenças e semelhanças entre textos escritos por autores brancos e negros. Ele começa com a epígrafe de Roger Bastide: Não existe, na aparência, diferença essencial nos trabalhos dos brasileiros brancos e de cor. Mas justamente não passa de aparência, que dissimula no fundo contrastes reais. Fernanda Arêas Peixoto explica em Diálogos brasileiros: uma análise da obra de Roger Bastide [i] que o francês se opôs à idéia de sincretismo como equivalência à de mistura, à de mosaico, ou seja, à idéia de que objetos discordantes coexistam. Dessa perspectiva, Bastide desconstrói a relação de correspondência das entidades africanas e dos santos católicos, apresentando, por outro lado, a necessidade histórica de dissimulação de crenças dos africanos e de seus descendentes frente aos brancos. Para ele, a vinda de africanos ao continente americano não promoveu a formação de “ilhas culturais” africanas, mas, sim,


propiciou o resultado atual de contatos culturais, cuja produção dissimula a diferença. A partir da epígrafe, em que Bastide sugere contrastes reais dissimulados sob os textos escritos por negros e brancos sem diferenças aparentes, Eduardo de Assis Duarte define a literatura afro-brasileira. Para ele, “a literatura “negra” ou “afro-brasileira” passa necessariamente pelo abalo da noção de uma identidade nacional una e coesa” (LITERAFRO, 2008). Essa falta de coesão seria o motivo de tantas omissões na historiografia literária brasileira que recusaria “muitas vozes, hoje esquecidas ou desqualificadas, quase todas oriundas das margens do tecido social.” (idem) A estética branqueadora ainda teria apagado deliberadamente os vínculos autorais ou textuais com a etnia africana, fomentando assim a idéia de miscigenação pelo apagamento da cor negra. Essa produção literária sofreu impedimentos de divulgação e de publicação e, por isso, as pesquisas atualmente precisam recorrer a textos inéditos, a pequenas edições ou a suportes alternativos. O apagamento desses escritos da história da literatura ou a desvinculação da afro-descendência do autor ou do texto, resulta na ausência de uma seleção de obras literárias que consolidem os estudos da literatura afro-brasileira no país. Para Duarte, tanto no passado quanto no presente, em virtude do número ainda insuficiente de estudos e pesquisas a respeito, apesar do crescente esforço nesta direção. A inexistência de uma recepção crítica volumosa e atualizada, bem como de debates regulares nos fóruns específicos da área de Letras, decorre desses fatores e também da ausência da disciplina “Literatura Afro-brasileira” nos currículos de graduação e pós-graduação da maioria dos cursos de Letras instalados no Brasil. Como conseqüência, mantém-se intacta a cortina de silêncio que leva ao desconhecimento público e vitima a maior parte dos escritores em questão. (DUARTE, LITERAFRO, 2008) Exemplo desse silenciar, de acordo com a introdução de Maria do Carmo Lanna Figueiredo e Maria Nazareth Fonseca (FONSECA, 2002), seria a marginalização do mercado editorial de livros literários, cujos textos tornam-se espaços de


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resistência dos negros. Raras são as publicações consagradas como os Cadernos Negros[ii], com 30 anos de existência. Por outro lado, desde os anos 1980, a historiografia literária tem discutido o corpus, os métodos e os pressupostos a partir das reflexões advindas do feminismo, do movimento negro e de grupos como o Quilombhoje. Duarte cita os principais nomes desse grupo de pesquisadores: Moema Parente Augel, Zilá Bernd, Domício Proença Filho, Oliveira Silveira, Oswaldo de Camargo, Luiza Lobo, Leda Martins, David Brookshaw. Seguindo o pensamento de Eduardo Duarte, nota-se um conflito. Um dos empecilhos para a constituição de uma literatura afro-brasileira seria :nossa constituição híbrida de povo miscigenado, em que linhas e fronteiras de cor perdem muitas vezes qualquer eficácia. As relações inter-raciais e interétnicas constituem fenômeno concernente à própria formação do Brasil como país. Ao longo de nossa história, o fenômeno da mistura de raças e culturas recebeu distintos tratamentos, indo da idealização romântica de uma terra sem conflitos ao mito da democracia racial, por um lado; e da condenação racialista típica do século XIX ao fundamentalismo de muitos segmentos contemporâneos, que rejeitam a mestiçagem e defendem a existência de uma possível essência racial negra, por outro. (idem) Para o autor, somos híbridos e miscigenados, mesmo argumento já citado para justificar esse silenciar: sendo todos afro-brasileiros, o apagamento das diferenças na historiografia literária brasileira seria legítimo. Ainda para Eduardo Assis Duarte, sobrepondo critérios étnicos ou identitários ao da nacionalidade, “nossa literatura seria uma só”, pois ao fim e ao cabo “somos todos brasileiros”. E, se somos todos “um pouco” afro-descendentes, essa discussão não faria sentido. A literatura afro-brasileira não seria sequer uma noção em construção, e sim, nenhuma noção com fundamento. Maria Nazareth Soares Fonseca escreveu no ensaio Poesia afro-brasileira – vertentes e feições (FONSECA, 2008) que os termos “literatura negra” e literatura “afro-brasileira” nomeiam alguns tipos de produções artísticoliterárias que podem estar relacionadas tanto com a cor da pele de quem as


produz, com a motivação dada por questões específicas de segmentos sociais de predominância negra e ou mestiça, e com o fato de nelas serem trabalhadas, com maior intensidade, questões que dizem respeito à presença de tradições africanas disseminadas na cultura brasileira. (FONSECA, 2006) Para a autora, há duas vertentes que decorrem “do modo como se ligam à temática negra ou afro-descendente” (idem). Uma enfrenta o preconceito contra os afro-descendentes e denuncia a exclusão, relacionando a obra literária com o ideário do escritor que se assume publicamente negro e herdeiro de uma história familiar com ascendentes escravos. A outra vertente, também enfrenta o preconceito e a exclusão, mas procura detectar no texto os procedimentos que a escrita propõe para a oralidade e para os ritmos do corpo. Maria Nazareth Soares Fonseca informa que: A discussão de aspectos da obra de escritores que, na época atual, elegem como tema de seus livros aspectos relacionados com as heranças africanas, percebendo-as num jogo intenso com outras tradições informa sobre tensões presentes em textos que, assumem a escrita, mas não pretendem silenciar a profusão de vozes que os invade, advindas dos estratos de predominância oral. Nesse sentido, a análise de algumas antologias literárias, construídas com o propósito de destacar a produção poética de escritores afro-descendentes brasileiros pode se mostrar como um caminho bastante eficaz para a investigação de textos literários que ainda circulam pouco nos meios acadêmicos e nos programas de literatura adotados pelas escolas. (idem) [iii] E “o que seria a Literatura Negra sob a perspectiva semiótica, do dito e do não dito?” Essa é a pergunta-título do ensaio de Silvia Regina Lorenso Castro (CASTRO, 2008). A pesquisadora explica que, em A escrita e os excluídos, Alfredo Bosi (2002) considera escrever um ato de cidadania: tanto colocando o marginalizado como objeto da narrativa - tema, personagem ou situação narrativa – ou como sujeito - enunciador. Para a autora, a semiótica procura o sentido que resulta da diferença entre dois termos ou mais, os quais estabeleceriam pelo menos relações mínimas. Sendo assim, a principal relação entre a literatura brasileira e a afro-brasileira seria que a segunda é silenciada e menos visível do que a primeira. A


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visibilidade da literatura brasileira e a falta de visibilidade da literatura afrobrasileira ou negra, para usar a expressão de Maria Nazareth Soares Fonseca (FONSECA, 2000), caracteriza a relação entre ambas, isto é, o que determina a relação entre as duas literaturas são a visibilidade e a ocultação de sua produção. Rompendo com essa invisibilidade, o movimento social negro brasileiro, nos anos 1970, denuncia publicamente as condições de existência do negro brasileiro. Em 25 de novembro de 1978, a mencionada antologia Cadernos Negros é publicada, tentando superar a geração mimeógrafo e, em 2007, comemora com a publicação do trigésimo volume a inclusão no debate acerca do racismo, da discriminação e do preconceito racial. Além do tema, outra característica constante dos Cadernos Negros é o fato de proporcionar a publicação coletiva como estratégia de resistência semelhante àquela usada nos quilombos com o intuito de oferecer “visibilidade dos autores e de textos afros” (Cadernos Negros, 2007, p. 11). Visibilidade e invisibilidade são duas questões fundamentais da escrita afrobrasileira. Brookshaw (1983:152) trata das estratégias da ocultação da etnia na literatura ao escrever sobre as conclusões de C. L. Innes. Em primeiro lugar, o autor poderia esconder-se atrás de uma espetacular habilidade de escrita, criando obstáculos para que o crítico descobrisse sua origem. Em segundo lugar, o escritor afro-brasileiro poderia escrever com formas dialetais de nativos, com humor e ternura. A terceira opção seria protestar contra a linguagem e a forma literária de tradição européia. Dessas perspectivas, o estudo analisa obras literárias de escritores brasileiros e conclui que Machado de Assis teria produzido textos dissociados de suas origens étnicas; Cruz e Sousa teria feito referências camufladas através de símbolos; Tobias Barreto teria evitado o confronto com as origens raciais através de seu interesse pela filosofia alemã; Domingos Caldas Barbosa teria escrito como nativo, e, finalmente, as obras de Lima Barreto e Luiz Gama não teriam ocultado o protesto.


O QUE SERIA ENFIM UM ESCRITOR AFRO-BRASILEIRO?

Para definir a produção poética de escritores afro-descendentes brasileiros o investigador precisa de critérios referentes a esse autor adjetivado. Retomando o pensamento de Moema Parente Augel, escritores afro-brasileiros seriam os: 1.

escritores brasileiros que se nomeiam escritores negros, e que

proclamam a literatura negra, isto é, afro-brasileira, ressaltando sua africanidade. 2.

são intérpretes e porta-vozes dos anseios, dos sentimentos e

ressentimentos da maioria anônima dos brasileiros de origem africana. A afro-brasilidade seria, então, segundo Moema Parente Augel, uma questão ligada aos estratos sociais, mas não idêntica a eles. Sendo a cor da pele negra o critério que deflagra a noção de escritor afro-brasileiro, vejamos o verbete correspondente: o dicionário Houaiss explica que afro-brasileiro é o adjetivo que se refere concomitantemente à África e ao Brasil, que apresenta um amálgama das duas culturas, refere-se ao brasileiro de ascendência africana, e refere-se também ao negro brasileiro. Já pardo é um vocábulo datado de 1526 que adjetiva o indivíduo filho de pai branco e de mãe preta (ou vice-versa); que ou aquele que descende de brancos e negros; que ou aquele que apresenta traços das raças (sic) negra e branca; que ou aquele que não apresenta traços raciais definidos; mestiço de negro, índio ou branco, de pele morena clara ou escura; que ou aquele que tem cor parda, acastanhada. A afro-descendência não coincide, portanto, com a cor negra, o que resultaria em um vasto elenco de autores do repertório de obras como o da representação literária. Contemporaneamente, acrescentaram-se dados e descobertas à discussão sobre raças humanas. Dois manifestos sobre raça, afro-descendência e racismo no Brasil foram publicados e divulgados amplamente em 14 de maio de 2008. Retiro e grifo da edição da Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, páginas 4 e 5, os próximos trechos assinados, cada um deles, por centenas de


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intelectuais e líderes de movimentos populares e negros, e entregues ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes: Do manifesto intitulado Cidadãos anti-racistas contra as leis raciais: Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas raças humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de dez genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: "O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das "raças" deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais. Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de "raças". Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O "racismo científico" do século 19 acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar "científico" de sustentação da ideologia da "missão civilizatória" dos europeus, que foi expressa celebremente como o "fardo do homem branco". Os poderes coloniais, para separar na lei os colonizadores dos nativos, distinguiram também os nativos entre si e inscreveram essas distinções nos censos. A distribuição de privilégios segundo critérios etno-raciais inculcou a raça nas consciências e na vida política, semeando tensões e gestando conflitos que ainda perduram. (...) (Cidadãos anti-racistas contra as leis raciais: 2008) Do Manifesto em defesa da justiça e constitucionalidade das cotas, o quesito “Raça e inclusão” afirma que: A parte do documento (citado acima) dedicada à genética é particularmente confusa e inútil, além de contraditória para os seus próprios objetivos. Seu interesse é minar a realidade da diferença entre os seres humanos pelo fenótipo e demonstrar a mestiçagem genética que caracteriza a todos nós. Com isso, pretendem invalidar a possibilidade de que se adotem cotas para negros nas universidades ao


"demonstrar" que "cientificamente" não existem negros. Para tanto, passam a afirmar que há negros com carga genética mais européia que africana, obviamente, uma carga genética que não se revela na aparência física da pessoa. (...) os defensores das cotas jamais falaram em raça no sentido biológico do termo. Somos nós que defendemos políticas públicas para a comunidade negra, que enfatizamos ser o racismo brasileiro o resultado histórico de uma discriminação dos brancos contra as pessoas de fenótipo africano.

O Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para a Eliminação do Racismo trabalha justamente nesta direção: a escravidão é considerada, como o Holocausto, um crime contra a humanidade imprescritível e por isso insta os países da diáspora africana nas Américas e no Caribe a desenvolver políticas de ações afirmativas para os descendentes de africanos escravizados. Prestar conta do seu passado racista, colonialista e genocida diante dos escravizados e dos povos indígenas originários é uma discussão política que atravessa os cinco continentes (...) (Manifesto em defesa da justiça e constitucionalidade das cotas: 2008) Os dois documentos, embora discordem quanto à política pública das cotas universitárias, concordam que o racismo existe no Brasil, e é praticado para determinar hierarquias sociais, financeiras, culturais, estéticas, etc. Sendo assim, a afro-brasilidade de autores e de suas obras centra-se na idéia de racismo e não de raça. O racismo, em uma família composta por múltiplas cores, pode ser sentido até pelo filho branco que esconde a identidade de sua família ou viceversa como indicam as questões de visibilidade e invisibilidade.

Então a

visibilidade que é apagada ou revelada pelos autores e por suas obras literárias refere-se à identidade daqueles e com aqueles que sofrem o racismo, assumindo publicamente as conexões com a exclusão ou com o imaginário afrodescendente. Estaríamos assim mais próximos das questões que a literatura afro-brasileira suscita. Moema Parente Augel afirma que a representação da África na literatura brasileira representa a origem e também o sonho de evasão que Cuti evoca em seu poema “Vento: Vem da África/ soprando a gente por todos os poros do mundo/ Vem de lá/ Vem do chão/ do vulcão/ na maré/ esse vento de fé” (CUTI, 1982, p.46). Para Augel, não é possível que se pense nação,


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identidade e pertencimento, sem que se pense em África. E isso inclui todos os brasileiros, não só os afro-descendentes.

E MACHADO DE ASSIS COM ISSO?

Machado era mulato, neto de escravos. Órfão, foi criado por uma mulher também mulata. Para sobreviver, Machado vendia na rua quitutes, que sua madrasta preparava. Assim cresceu aquele que mais tarde se intitularia de “um escritor caramujo”, ou seja, aquele que usou mais de dez pseudônimos, que jogou com a ironia e com o riso, que são procedimentos dissimuladores e não panfletários. Segundo Nei Lopes, em Dicionário Escolar Afro-Brasileiro, Machado de Assis estréia aos quinze anos na literatura pela mão do também afro-brasileiro, o editor Paula Brito, começando uma carreira duplamente promissora: a de jornalista e a de escritor. Machado nunca teve um escravo, não era rico ou descendente da burguesia, mas um funcionário que, pelo mérito de sua obra, convive de igual para igual com a elite do império. Em crônicas, ele chega a relatar que no dia 13 de maio festejou a abolição nas ruas. As obras mais lidas de Machado de Assis certamente se utilizam de estratégias que, segundo Eduardo de Assis Duarte, compõem “uma literatura de brancos, uma literatura para os brancos” (DUARTE, 2008). Literatura, na fala de Duarte, é uma noção que integra o leitor à obra. O primeiro recenseamento feito no Brasil, por volta de 1876, aponta que 84% dos brasileiros eram analfabetos. A elite branca consumia seus textos e, por isso, o tema afro-brasilidade teria surgido apenas nas brechas do texto, de modo dissimulado

em obras

publicadas inicialmente em revistas femininas. Machado, o autor de Pai contra mãe, escrevia, portanto, para um pequeno grupo de alfabetizados, explicando vez por outra como viviam outros grupos sociais, como a penúria levava um homem a caçar escravos fugidos e por que a Roda dos inocentes era uma solução para o filho que uma costureira e um rapaz sem profissão não poderiam sustentar.


Harold Bloom, pesquisador de Yale, reconheceu, ao ler obras de Machado de Assis, que elas constituíam a produção do maior escritor afro-descendente de todos os tempos e fariam parte de uma literatura acima das questões do racismo. Harold Bloom elencou a obra de Machado de Assis em Gênio - Os 100 Autores Mais Criativos da História da Literatura, ed. Objetiva, 2002. Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Caderno Mais, 27 de janeiro de 2008, também disponível no site http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/ fs2701200808.htm, Harold Bloom conclui do que leu: Eu tive uma grande surpresa quando li o cubano Alejo Carpentier (1904-1980). Pensei que ele fosse negro, porque questões de raça estão de alguma forma colocadas, mesmo de modo sutil e às vezes inconsciente, em "El Reino de Este Mundo" (1949). Já a literatura de Machado não traz traço algum de raça. Então pensei que ele era branco e Carpentier, negro. Curiosamente, ao final, descobri que se tratava do contrário. Machado foi o maior escritor "afro" que conseguiu escrever na língua do Novo Mundo sem trazer a questão da raça para seus textos. A sensibilidade que teve para ver uma certa decadência do homem define sua escrita. Não uma decadência do ponto de vista negativo, mas como um dado posto. E isso está acima da questão racial. (BLOOM, 2008) Mas há muitos textos de Machado que são desconhecidos do público em geral brasileiro e estrangeiro; por exemplo: as crônicas que tratam das condições de existência do negro. Elas foram recuperadas de jornais do século XIX, guardados na Biblioteca Nacional e em outros acervos e pesquisadas pelo autor do livro Machado de Assis afro-descendente. Nesse livro, Eduardo de Assis Duarte trata do envolvimento do cronista e escritor de Memórias Póstumas de Brás Cubas com a luta pelo fim da escravidão. Mesmo assunto de um dos capítulos do estudo de Raimundo Magalhães Júnior Machado de Assis Desconhecido, 1957. Em crônicas, Machado se utiliza de pseudônimos como Lélio, João das Regras, Policarpo, Dr. Semana e outros. Esconder sua assinatura é uma estratégia de proteção para seu cargo de funcionário público, já que ele era homem de confiança do governo imperial. Isto em uma época em que amigos do imperador foram demitidos por publicarem textos pró-abolição.


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A crônica Duelo de Filantropia (DUARTE, 2007, p. 27) que se encontra sem assinatura nas edições Jackson e Nova Aguilar foi publicada pela primeira vez no Diário do Rio de Janeiro em 1864. O texto é um bom exemplo de como tratar o tema da escravidão. Dele extraímos o primeiro parágrafo para ilustrar: Era um leilão de escravos. Na fileira dos infelizes que estavam ali de mistura com os móveis, havia uma pobre criancinha abrindo os olhos espantados e ignorantes para todos. Todos foram atraídos pela tenra idade e triste singeleza da pequena. Entre outros, notei um indivíduo que, mais curioso que compadecido, conjeturava à meia voz o preço por que se venderia aquele semovente. Travamos conversa e fizemos conhecimento; quando ele soube que eu manejava a enxadinha com que revolvo as terras do folhetim, deixou escapar dos lábios esta exclamação: -Ah! (...) É para a liberdade! (ASSIS, in DUARTE, 2007, p. 27) Por causa da sutileza das obras mais conhecidas e das estratégias de invisibilidade, o Movimento Negro, em 1930, avaliou o trabalho de Machado como uma obra em que as questões do negro estão ausentes. Em 2007, contudo, a pesquisa de Duarte afirmou o contrário. Em outra crônica, sob o pseudônimo de Dr. Semana, Machado escreve sobre a prostituição exercida pelas mulheres escravizadas, o que era comum no período colonial e durante o século XIX. Fato este, que fundamentou o mito do erotismo exagerado de mulheres negras e mulatas. A crônica apresenta o apreço de Machado pelos pró-abolicionistas mesmo antes da campanha se fortalecer. Ele sublinha a louvável atitude do Sr. Dr. Miguel Tavares “contra as mulheres que forçam escravas à prostituição” e “seu principal objetivo era a punição dos traficantes. Um bravo ao nosso denodado colega” (MACHADO, in DUARTE, 2007, p. 30). Outra característica da obra de Machado é a de não defender o racismo por meio da estereotipação do negro. Ao contrário, sua obra denuncia o racismo ao contar sobre as relações assimétricas entre escravos e senhores e as injustiças


praticadas contra os negros. A conclusão de Duarte é que a obra de Machado mostra o negro como qualquer outro ser humano: com altos e baixos, com verdades e com mentiras, com honestidade e com desonestidade, com ingenuidade e com esperteza, ou seja, alguém que é humano como qualquer outro ser humano, não é nem mais nem menos. Este é o ponto e já aí há uma distância enorme entre Machado de Assis e vários outros escritores da época que viam o negro como um ser humano de segunda categoria. Este é um ponto. Acho que ele dá um tratamento digno ao negro, ao escravo e vê inclusive em determinados gestos de rebeldia, ou de astúcia, do próprio escravo, como gestos de legítima defesa. Eu creio que neste ponto ele se destaca, porque é diferente de muitos, que inclusive faziam a campanha abolicionista, como Aloísio de Azevedo que, no seu livro “O cortiço”, coloca a negra de uma forma completamente estereotipada, que via o branco como uma raça superior. (idem) Machado, por ter sido um excelente escritor, utilizou técnicas variadas e gêneros diversos para tratar da igualdade entre os brasileiros e dos abusos contra os afro-descendentes. Machado não elaborou personagens negras através de estereótipos. Foi um autor afro-descendente que escreveu contra o sistema escravista através de artigos, cuja visibilidade era mascarada por pseudônimos ou pelo anonimato. Tais textos, felizmente, estão sendo disponibilizados para o público, pois pesquisas recentes revelam o Machado de Assis escondido como um caramujo. A obra de Machado de Assis, portanto, é considerada afro-brasileira. Elizabeth R. Z. Brose Licenciada em Letras/UMESP, frequentou a Georg-August-Universität Göttingen, possui diploma do nível superior de alemão – KDS pela Ludwig-Maximilians-Universität München e Instituto Goethe, fez doutorado em Teoria da Literatura sob a orientação de Regina Zilberman, PUCRS e Universität zu Köln. Tese publicada, "Máscara de Múltiplas Faces", sobre obras do escritor angolano Pepetela. A tese está também acessível em site para os membros da AIL – Associação Internacional dos Lusitanistas. Lançou os livros Metodologia do Ensino de Literatura (2009) e Leitura e Literatura (2009), escritos com a profa. Dra. Marília Fichtner e a profa. Me. Ana Paula Charão . Em 2009, recebeu homenagem da Pró- Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da PUC-GO o diploma de Mérito Editorial. Coordenou com a profa. dra. Beatriz Viégas-Faria e a psiquiatra e editora Betina Mariante Cardoso o livro Kate Chopin: contos traduzidos e comentados - Estudos LIterários e Humanidades Médicas (2011). Participa do grupo de pesquisa Educomafro, da PUC-RS; assessora grupos de fomento à leitura, ministra cursos de formação de professores. Publica ensaios críticos em livros especializados, entre eles Ficções do Século XXI, coordenado pela Profa. Dra. Helena B. Couto Pereira, ed. Mackenzie (2011). Lançou o livro de ficção Memórias de um Corpo Eviscerado pela Luminara Casa Editorial (2011). A tradução de Memórias de um Corpo Eviscerado para o francês será lançada em março de 2012, em Paris, em parceria com a Edition Yvelines.


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NORMAS INTRODUÇÃO Este documento tem como objetivo estabelecer diretrizes para os colaboradores, explicitando a linha editorial da Revista Musa Calíope e as características de suas publicações.

CHAMADAS PARA PUBLICAÇÃO. A Revista “ Musa Calíope” está recebendo trabalhos para compor o primeiro número do Ano 2012, que terá como tema: “CULTURA BRASILEIRA: IDENTIDADE, DIVERSIDADE E PLURALISMO” Para publicação: Os poemas, crônicas e contos passarão por uma comissão de leitura e seleção; os textos não selecionados ficarão em nossos arquivos, podendo ser publicados posteriormente. Não será permitida publicação de trabalhos que não sejam da autoria do remetente. No caso de POEMAS: Envie seu trabalho a ser publicado junto com seus dados (nome, e-mail, cidade/estado, breve biografia (com no máximo 150 palavras), foto) para: poemas@icsdobrasil.org.br No caso de outras narrativas: CONTOS e CRÔNICAS: Envie seu trabalho a ser publicado junto com seus dados (nome, e-mail, cidade/estado, breve biografia (com no máximo 150 palavras), foto) para: narrativaspoemas@icsdobrasil.org.br . Envie 4 poemas, e/ou 1 prosa, e/ou 1 conto pequeno (máximo 2 páginas sendo digitadas em Word 6.0, fonte VERDANA, tamanho 12. A temática será livre (O texto deve estar dentro de padrões morais e éticos aceitáveis). Os textos apresentados aqui devem estar revisados e são de direito e responsabilidade de seus autores. 3. Existem critérios de julgamento distintos no que se refere às poesias e contos que ficarão a cargo da comissão de leitura e seleção classificar. Será observado respeito às normas gramaticais básicas.


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4. Os ARTIGOS, ENSAIOS, RESENHAS deverão ser enviados, EXCLUSIVAMENTE, para o e-mail artigos@icsdobrasil.org.br No final do texto, colocar breve biografia (com no máximo 150 palavras), foto. Deve-se colocar os dados do autor: Nome completo, Endereço completo (com CEP), e-mail, Titulação (se houver) e Instituição de origem (se houver), e-mail ou telefone de contato. 5. Os ARTIGOS, ENSAIOS e RESENHAS devem ser INÉDITOS, sendo digitados também em Word 6.0, fonte VERDANA, tamanho 12. Para as citações destacadas, com mais de 4 linhas, usar a mesma fonte em tamanho 10. Se a citação tiver menos de três linhas deverá ser feita no interior do parágrafo, marcada apenas por aspas duplas no início e no final do trecho reproduzido. 6. Deve-se usar PARÁGRAFO MODERNO, isto é, sem deslocamento na primeira linha, espaço simples entre linhas e duplo entre parágrafos. Não numerar as páginas. Estas devem ser configuradas no formato A4. A publicação do periódico é SEMESTRALL, com acesso GRATUITO. Entretanto, temos publicações especiais neste intervalo. 7. Os textos serão enviados para pareceristas integrantes da Comissão Editorial da revista eletrônica. A cada número, será organizado um dossiê. Os artigos e ensaios deverão ter no mínimo 02 páginas e no máximo 03 páginas, resumo em português e em outra língua estrangeira, de no máximo 250 palavras e 03 palavras-chave, também em português e na outra língua escolhida. As resenhas deverão ter, no máximo, 02 páginas. Os artigos não aceitos para publicação NÃO serão devolvidos. 8. A primeira página deve incluir: a) o título centralizado, em caixa alta, com negrito; o(s) nome(s) do(s) autor(es), com letras maiúsculas somente para as iniciais, duas linhas abaixo do título à direita, com um asterisco que remeterá ao final do texto para identificação da instituição a que pertence(m) o(s) autor(es) e da função que nela ocupa(m). 9. Subtítulos: sem adentramento, em maiúsculas, numerados em algarismos arábicos; a numeração não inclui a introdução, a conclusão e a referência bibliográfica. 10. As Notas: devem aparecer ao final do artigo, utilizando-se os recursos do Word 6.0, corpo 10 e numeradas na ordem de aparecimento; a chamada (o número referente à nota) deve estar sobrescrita; os destaques (livros, autores, artigos, categorias, etc.) devem ser colocados em itálico, conforme a necessidade. 11. Referências no texto: seguir normas da ABNT: a) Para títulos de livros, usar negrito; b) Subtítulos, sem negrito; Capítulos de livros do mesmo autor, usar a expressão In:, seguida de 5 travessões: In: _____. c) Para Organizadores e Coordenadores (Org.). ou (Coord.).; d) Após a citação, colocar o sobrenome do(a) autor(a) em caixa alta, seguido do ano e do nº. da página. P. ex.: (SOUZA, 2006, p. 105). 12. Anexos: caso existam, devem ser colocados antes das referências, precedidos da palavra ANEXO, sem adentramento e sem numeração. 13. Só serão aceitos artigos de autores que tenham seu currículo cadastrado e atualizado na Plataforma Lattes do CNPq. OBS.: Os textos que não apresentarem as normas estipuladas para publicação, notadamente as de formatação das referências, NÃO serão avaliados.


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