2011 graphica brod

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ESPAÇO DIGITAL PARA EXPERIMENTOS DE ANAMORFOSE: UM ESTÍMULO AO PROCESSO CRIATIVO Gustavo Alcantara Brod UFPel – GEGRADI – Grupo de Estudos para o Ensino / Aprendizagem de Gráfica Digital gustavobrod@gmail.com

Adriane Borda UFPel – GEGRADI – Grupo de Estudos para o Ensino / Aprendizagem de Gráfica Digital adribord@hotmail.com

Estela Maris Reinhardt Piedras UFPel – GEGRADI – Grupo de Estudos para o Ensino / Aprendizagem de Gráfica Digital estelapiedras@hotmail.com

Luciano Vasconcellos UFPel – GEGRADI – Grupo de Estudos para o Ensino / Aprendizagem de Gráfica Digital arqvasconcellos@yahoo.com.br

Resumo A técnica de anamorfose se baseia nos conceitos de projeção linear e vem estudada desde a Idade Média, bastante presente na arte e na arquitetura desde então, tem o objetivo de simular no espaço bidimensional efeitos de ilusão tridimensional. Atualmente este artifício pode ser visto em instalações e pinturas como as dos artistas Julian Beever e Felice Varini, que exploram a visualização fora do comum e intensificam a relação do observador com a obra. Os experimentos relatados neste artigo estudam uma abordagem gráfica digital para obtenção desses efeitos com objetivo de recriá-los no espaço virtual controlado. A compreensão e o domínio desta técnica através de ferramentas computacionais proporciona um novo instrumento de estimulo ao processo criativo de estudantes e profissionais das áreas de arquitetura, artes e design, bem como uma abordagem digital para o ensino e aprendizagem dos conceitos perspectiva linear e projeção de sombras. Palavras-chave: anamorfose, perspectiva linear, processo criativo, gráfica digital.


Abstract / resumen The anamorphosis technique which is based in the concepts of linear projection has been studied since the Middle Ages and it has been greatly used in art and architecture in order to simulate tridimensional illusions in bidimensional spaces. Nowadays this system can be seen in installations and paintings by artists such as Julian Beever and Felice Varini who explore the unusual visualization and intensify the relationship between the observer and the art work. The experiments recorded in this paper study the digital graphics approach to acquire these effects, aiming to recreate them in the controlled virtual space. The understanding and control of this technique by means of computer tools provide a new instrument to stimulate the creative process of students and professional in the areas of architecture, arts and design, as well as a digital approach to teaching and learning the concepts of linear perspective and shadow projection. Keywords: anamorphosis, linear perspective, creative process, digital graphics.

1 Introdução Este trabalho tem como objetivo registrar experimentos gráficos que buscam reproduzir no espaço digital as técnicas de anamorfose, tendo como referência os trabalhos dos artistas Julian Beever (Figura 1) e Felice Varini (Figura 2), explicando as etapas e analisando os resultados encontrados.

Figura 1: “Make Poverty History”, Edimburgo – RU, Beever, 2005. Fonte: <http://users.skynet.be/J.Beever/>

Figura 2: “Huit Carres”, Versales – França, Varini, 2006. Fonte:< http://www.varini.org/>


O processo de anamorfose foi sistematizado no fim do Século XV e caracteriza-se pela distorção da imagem, de tal maneira que esta somente assume sua real forma quando observada de um ponto de vista específico, e que ao mesmo tempo confirma e desafia as regras da perspectiva linear. (COLLINS, 1992) Em seu trabalho Anamorphosis and the Eccentric Observer, Dan Collins (1992) utiliza o termo “observador excêntrico” para caracterizar o observador que reconhece as características obliquas e o ponto de vista particular da representação anamórfica e que, além disso, entende seu papel na construção da imagem idealizada. A obra Os Embaixadores de Hans Holbein,1533 (Figura 3) é provavelmente o exemplo mais conhecido de anamorfose na arte. (COLLINS, 1992) No centro da pintura um elemento disforme posicionado em um ângulo inclinado esconde a representação de uma caveira que só pode ser observada como tal quando visualizada a partir da lateral direita da pintura, o que implica na participação ativa do observador em um processo de interação com a obra.

Figura 3: Os Embaixadores, Hans Holbein, 1533, National Gallery, Londres. Fonte: <http://nationalgallery.org.uk/>

Um estudo sobre os princípios de composição em exemplos de projeções anamórficas é feito por Tomás Salgado em Anamorphic perspective and illusory architecture ao analisar o trabalho do artista Andrea Pozzo para a igreja de Sant’Ignazio em Roma, 1691-94 (Figura 4). Por questões financeiras e estruturais a igreja não teve sua cúpula central construída. Por tanto, a idéia de Pozzo foi pintá-la na superfície do teto utilizando para isso técnicas de anamorfose e assim criando a ilusão de um domo. Esta técnica também conhecida como Trompe l’oeil, ou enganar o olho, foi bastante utilizada na Renascença; comum na decoração de tetos de igrejas onde a pintura se mesclava à arquitetura buscando uma sensação de profundidade, com representações


celestiais ou estruturais que vistas de um determinado ângulo conferiam àquele espaço caráter divino. (SALGADO, 2001)

Figura 4: Igreja de Sant’Ignazio, Roma, 1691-94 Fonte: < http://www.casa-in-italia.com/artpx/ignazio/ignazio.htm>

Hoje em dia é possível encontrar exemplos de anamorfose em diferentes âmbitos do espaço construído, seja em sinalizações de transito, pinturas em murais e empenas de prédios, padrões de piso ou na publicidade, exemplos cada vez mais comuns impulsionados pelo advento do computador e de programas de edição de imagem, que possibilitam realizar as distorções anamórficas através da manipulação dos parâmetros dimensionais de uma figura qualquer. (COLLINS, 1992) O Grupo de Estudos para o Ensino/Aprendizagem de Gráfica Digital (GEGRADI) da Universidade Federal de Pelotas vem trabalhando no desenvolvimento de material didático em que meios tecnológicos funcionam como apoio para disciplinas de Perspectiva em nível presencial e a distância. Os exercícios buscam promover uma postura analítica quanto a cada ferramenta, observando os resultados obtidos através do controle preciso dos parâmetros de visualização. Os avanços da informática gráfica atual possibilitam o estudo dos sistemas de projeção de maneira dinâmica, permitindo a obtenção de imagens para diferentes situações projetivas, contribuindo assim para o processo de compreensão de tais sistemas. (BORDA et al, 2004)


Figura 5: Exercício de anamorfose na disciplina de Perspectiva e Sombras, 2009. Fonte: VASCONCELOS et al, 2010

Nas disciplinas de Perspectiva e Sombras o estudo da anamorfose ilustra as regras construtivas utilizadas para a representação de sombras. Em uma atividade realizada com alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPel (Figura 5) os conceitos de deformação causados pela projeção linear são observados a medida que os mesmos fazem a projeção, a partir de meios construtivos, da sombra simulada de uma escada, sendo que a fonte de luz neste caso configura o ponto de observação o que caracteriza o efeito de anamorfose. (VASCONCELOS et al, 2010) É cada vez maior a necessidade da produção de material digital para o apoio de atividades didáticas, ampliando o espaço de ensino/aprendizagem e oportunizando o aprofundamento teórico por meio de atividades extracurriculares. (BORDA et al, 2004) As aplicações artísticas destes conceitos proporciona um caráter lúdico ao ensino e aprendizagem de perspectiva e sombras (VASCONCELOS et al, 2010) e sua abordagem digital caracteriza um espaço para experimentos dos efeitos de anamorfose possibilitando seu uso como uma ferramenta de estimulo ao processo criativo.

2. As representações anamórficas produzidas por Beever e Varini O trabalho de Beever e de Varini tem em comum a relação de seu objeto com o ponto de vista de quem o vê e apesar destes artistas utilizarem diferentes técnicas processuais de representação, ambos criam suas obras no espaço utilizando ferramentas analógicas.

Figura 6: “Swimming pool in the High Street” Glasgow, RU. Beever, 2006. Fonte: <http://users.skynet.be/J.Beever/>


Julian Beever, que trabalha sozinho em suas criações, utiliza uma câmera fotográfica para fixar o ponto de vista e cordas e bastões de giz para marcar as linhas que geram a perspectiva, seu processo é totalmente intuitivo recriando os detalhes de memória pela imagem vista na câmera (Figura 6), a marca registrada de seus trabalhos é uma foto interagindo com a obra e reforçando a ilusão tridimensional. (LOAT, 2006) Já Varini trabalha com uma equipe. Seu aparato técnico é mais sofisticado, o artista faz uso de um potente projetor de luz, que projeta sobre a superfície, imagens estruturadas a partir de linhas. (Figura 7) Esta projeção determina os limites das figuras que serão adesivadas ou pintadas sobre tais superfícies. A preferência por formas geométricas simples tem a função de evidenciar a irregularidade da superfície e as distorções sofridas pela figura. (DEKEL, 2008)

Figura 7: “Cercle et suíte d’éclats” Varicorin, Suiça. Varini, 2009. Fonte:< http://www.varini.org/>

Considera-se que os procedimentos empregados por tais artistas atribuem a característica artesanal aos trabalhos. Entretanto os resultados demonstram a potencialidade destas técnicas em transformar os espaços e ampliar repertórios de profissionais de arquitetura, artes e design. Neste trabalho investiu-se na identificação de técnicas computacionais de simulação de anamorfoses, buscando delimitar uma metodologia que promova a difusão destas técnicas nos contextos de graduação e pósgraduação de formação dos profissionais referidos. A busca por parâmetros digitais que simulem tais tipos de representação contribuem não só para a compreensão das técnicas de projeção linear e anamórfica, mas também para o enriquecimento do vocabulário e repertório geométrico daqueles interessados nas potencialidades e aplicabilidades das ferramentas gráficas computacionais em processos criativos.


3 Metodologia Para realização deste estudo primeiramente foram identificadas as técnicas de representação gráfica digital que permitem simular a anamorfose fazendo uso de ferramentas computacionais. Para simular o trabalho de Beever utilizou-se o tutorial Anamorphic 3-D Images with Photoshop (INSTRUCTABLES, 2010) que indica passo a passo as etapas para obter efeitos de anamorfose sobre um único plano horizontal. A reprodução digital da obra de Varini foi possibilitada através do aplicativo Glue (ItooSoftware) para 3DS Max (AutoDesk), que possibilitou experimentos de projeção de uma imagem sobre diversos planos, em diferentes posições no espaço. As etapas para a obtenção de imagens projetadas sobre um único plano, com efeitos de anamorfose similares aos produzidos por Beever, a partir dos recursos digitais foram realizadas na seguinte sequência (Figura 8):

Figura 8: Etapas de desenvolvimento de imagens anamórficas em superfície bidimensional.


1 – obtenção da imagem a ser projetada: representação de um objeto tridimensional a partir do sistema cônico de projeção. Esta representação foi realizada a partir do programa 3DS Max, controlando-se a posição desejada para o ponto de projeção (ponto de vista ou observador). 2 – representação do plano de projeção: a partir de uma ferramenta de edição de imagem, programa Photoshop (Adobe), criou-se uma malha regular e ortogonal. Esta malha foi duplicada, sobreposta a primeira e deformada para representar um efeito similar a uma perspectiva cônica com um ponto de fuga. Logo a imagem em perspectiva é associada a esta malha deformada. 3 – preparação da imagem projetada: a malha deformada que contém a imagem foi esticada verticalmente e horizontalmente, voltando a sobrepor a malha original. Com isto a imagem em perspectiva é totalmente deformada. 4 – impressão da imagem e visualização do efeito: após a impressão foi possível experimentar a visualização sob diferentes pontos de vista, identificando àquele que corresponde com a imagem que um observador, localizado nas mesmas coordenadas determinadas no espaço virtual, obteria do objeto tridimensional representado.

Figura 9: Etapas de desenvolvimento de imagens anamórficas em superfície tridimensional.


As etapas para a obtenção de imagens projetadas sobre vários planos, com efeitos de anamorfose similares aos produzidos por Varini, a partir dos recursos digitais foram realizadas na seguinte sequência (Figura 9): 1 – representação digital tridimensional dos planos sobre os quais a imagem será projetada: a representação foi realizada a partir do programa 3DS Maxl. 2 – seleção e projeção da imagem: através do aplicativo Glue a imagem selecionada foi projetada sobre o modelo tridimensional, considerando-se que para este aplicativo o observador está posicionado perpendicular à imagem a ser projetada, desta maneira o modelo foi rotacionado de acordo com o planejamento do efeito de anamorfose a ser gerado. 3 – obtenção do modelo físico: após obter as projeções sobre cada um dos planos o modelo foi levado para o AutoCAD, realizando-se procedimentos de planificação do modelo e impressão, para a execução da maquete física. 4 – visualização do efeito: a maquete foi visualizada sob diferentes pontos de vista experimentando-se identificar a localização do ponto em que foi projetada a imagem no espaço virtual.

Figura 10: Exemplos de anamorfose trabalhados em oficina prática na FAURB – UFPEL, 2010

Os experimentos foram sistematizados e permitiram configurar um material didático, com uma proposta de metodologia para a compreensão e aplicação do conceito da anamorfose. Este material foi validado através de sua aplicação em uma oficina que foi realizada com alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Universidade Federal de Pelotas, em setembro de 2010 (Figura 10). Com o titulo “Exercícios de Anamorfose para o Projeto de Arquitetura”, a oficina teve o objetivo de explorar as técnicas de anamorfose com estudantes, mesmo os que tivessem apenas o conhecimento básico dos programas utilizados, como meio de introduzir o tema ao repertório criativo para projetos.


4 Considerações finais Foi possível compreender e reproduzir, a partir do espaço digital, os processos empregados por Beever e Varini. Deve-se destacar que o produto destes experimentos tem como maior diferença em relação ao processo real, a escala, que quando reduzida dificulta a visualização dos efeitos propostos. No entanto a técnica de fechar um dos olhos facilita a percepção, e com o auxílio de uma câmera fotográfica o resultado fica ainda mais evidente. Observou-se que embora os dois artistas façam uso da mesma técnica projetiva se apóiam em processos inversos. Beever projeta uma imagem de objetos tridimensionais sobre o espaço bidimensional enquanto que Varini projeta uma figura bidimensional sobre o espaço tridimensional. Apesar

dos

artistas

estudados

não

utilizarem

artifícios

essencialmente

computacionais em seu trabalho, pode-se observar que a utilização de meios digitais para a obtenção de projeções anamórficas é uma ferramenta que deve ser explorada quando se busca diferentes meios de interação do observador com o espaço em que ele está inserido. A apresentação das técnicas estudadas aos alunos de Arquitetura e Urbanismo ilustrou a relação do processo de projeção anamórfica com os conceitos estudados por eles na disciplina de Perspectiva e Sombras, especialmente no estudo de sombras. Mesmo para os estudantes que já conheciam os trabalhos dos artistas referidos percebeu-se que uma abordagem digital para explorar estes efeitos de forma dinâmica motivou a configuração de mais um espaço de experimentação para o projeto. A busca do espaço digital para realização destes experimentos traz a prática artística para o ambiente controlado e parametrizado da computação gráfica agregando ao vocabulário projetual de arquitetos, artistas e designers, novas formas de revelar imagens que emergem no espaço.

Referências BORDA, Adriane; SILVEIRA, Paula; TORREZAN, Cristina. Materiais didáticos para o ensino presencial e não presencial de perspectiva. SIGraDi 2004 - Proceedings of the 8th Iberoamerican Congress of Digital Graphics Porte Alegre, 2004 COLLINS, Dan. Anamorphosis and the eccentric observer (part 1 and 2). Leonardo Journal, São Francisco, CA, EUA. v. 25, n. 1 e 2, p. 73 – 82, 179 – 187, 1992. DEKEL, Gil. I’m a Painter - Interview with Felice Varini. POETICMIND, 2008. Disponível em: <http://www.poeticmind.co.uk/interviews-1/i-am-a-painter/>. Acesso em: 14 de ago. 2010


INSTRUCTABLES. Anamorphic 3D Images with Photoshop. Instructables, 2010. Disponível em: <http://www.instructables.com/id/Anamorphic-3-D-Images-withPhotoshop>. Acesso em: 14 de ago. 2010. LOAT, Sarah. Pavement Picasso - Interview with Julian Beever. BBC, 2006. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/birmingham/content/articles/2006/01/27/pavement_picasso_feature .shtml>. Acesso em: 14 de ago. de 2010. SALGADO, Tomás García. Anamorphic perspective and illusory architecture. In: GENERATIVE ART INTERNATIONAL CONFERENCE, 4. Milão, Itália, Dezembro 2001. VASCONCELOS, Tássia B.; MONTAGNER, Beatri;, NUNES, Cristiane S.;PIRES, Janice F.; BORDA, Adriane. Representação de sombras e aplicações de anamorfose. XIX CIC / XII ENPOS, XII Congresso de Iniciação Científica da UFPEL, UFPEL, Pelotas, 2010.


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