Caminhos da Educação Integral no Brasil

Page 4

34

Jaqueline Moll e colaboradores

redes de ensino que orientaram esse mais tempo, mais educação para reforçar o treinamento dos estudantes para sair­‑se bem nas ameaçadoras provinhas, provas e provões, para elevar a média e passar na frente das outras escolas e das outras redes de ensino. Mais lamentável ainda, aproveitar o turno extra para que os docentes não sejam punidos pelos baixos resultados dos seus estudantes, para que, aumentando as médias nas avaliações por resultados, sejam merecedores de bônus. Esses usos e abusos de programas sérios como o Programa Mais Educação, Escola de Tempo Integral e Escola Integrada são tentados a entrar nas lógicas tradicionais que regem nosso seletivo sistema escolar, a se adaptar às lógicas e valores que outros programas impõem como a política nacional de avaliação por resultados, por comparações competitivas entre escolas e redes ou por medo e incentivos aos mestres. Bônus, prêmios e castigos. As políticas e o sistema escolar operam como um todo por vezes desvirtuando programas específicos bem­‑intencionados. Diante da rigidez estruturante do nosso sistema escolar, a experiência mostra que programas isolados têm dificuldade de se afirmar quando se contrapõem a políticas de Estado e aos valores e lógicas estruturantes do nosso sistema: o que aconselha a elevar esses programas à condição de políticas de Estado com força mais compulsória. Podemos constatar que uma maioria de professores e professoras das escolas que estão implementando os Programas Mais Educação, Escola de Tempo Integral e Escola Integrada não os reduzem a mais um tempo de treinamento para as provas, mas para garantir o direito a mais educação. Outra educação.

Moll_Ok.indd 34

A precarização dos tempos­‑espaços do viver Para não cair nessas interpretações tão reducionistas desses programas, será necessário manter como orientação a pergunta: por que aumentou a consciência popular do direito a mais educação e mais tempo de escola? Por uma constatação seríssima: a infância­‑adolescência popular está perdendo o direito a viver o tempo da infância. O direito a tempos dignos de um justo viver passou a ser visto como um dos direitos mais básicos. Do Estado exige­‑se espaços públicos de tempo de um viver digno da infância­‑adolescência. Situados esses programas nessa direção, seremos obrigados a tentar entender por onde passa a negação do direito da infância­‑adolescência a um digno e justo viver. O direito a uma vivência digna do tempo da infância é precário quando as condições materiais de seu viver são precárias: moradia, espaços, vilas, favelas, ruas, comida, descanso. Ou quando as condições e estruturas familiares de cuidado e proteção se tornam vulneráveis, inseguras ou são condenadas a formas indignas de sobrevivência. As relações humanas, familiares, de cuidado e proteção dos tempos da infância são ameaçadas quando as condições sociais, materiais e espaciais se deterioram. A mãe, as irmãs, os irmãos, os parentes são forçados a buscar longe as formas de sobrevivência, a procura de trabalho e de comida para uma infância desprotegida, ameaçada por formas tão indignas de viver. Sabemos que nas últimas décadas um dos movimentos mais marcantes nas periferias urbanas tem sido o movimento de luta pró­ ‑creche, pró­‑educação infantil, pró­‑mais

27/9/2011 12:58:09


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.