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A PURA LINHAGEM DA CULINÁRIA

REPRESENTANTE DA GASTRONOMIA JAPONESA EM BRASÍLIA, CRISTIANO KOMIYA RECEBEU DO PAI ISSEI A MISSÃO DE MANTER A ANCESTRALIDADE, ONDE OS INGREDIENTES SIGAM A CONEXÃO COM TERRA, AR E MAR

POR GIOVANNA PEREIRA « FOTOS JP RODRIGUES

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“A comida japonesa é muito mais do que se vê por aí. É sobre criar conexões. É uma relação de respeito e energia com a Terra”. É assim que o chef Cristiano Komiya define a culinária nipônica. No comando de um dos mais tradicionais restaurantes do tipo em Brasília, o New Koto, carrega em sua trajetória muita história e respeito aos antepassados. Especialmente pelo seu grande mentor, o pai, o issei Ryozo Komiya, fundador do restaurante, falecido há sete anos.

Issei é aquele que nasce no Japão. E é lá que começa a história. “Minha família é do ramo de restaurantes. Ainda jovem, meu pai trabalhou por anos em um banco de Tóquio para juntar dinheiro e pagar uma

escola de culinária. Quando conseguiu, se destacou. Ganhou uma bolsa na França, trabalhou no Ritz de Paris e viajou pelo mundo”, lembra-se, orgulhoso, do pai.

De volta ao país natal, Ryozo recebeu, em 1976, um convite especial para ser membro oficial da equipe diplomática do Japão. Assim, conheceu o mundo até que, finalmente, chegou a Brasília. Em 1978, na comemoração dos 70 anos da imigração japonesa no Brasil, em uma visita imperial, o príncipe herdeiro Akihito e a princesa Michiko vieram à capital e Ryozo teve a honra de lhes servir. Mas o que o fez ficar no quadradinho? Ryozo se apaixonou por uma brasileira e, em 1979, nascia o primeiro filho, Cristiano. “Quando meu pai chegou aqui, as pessoas não apreciavam a comida japonesa, era muito diferente. No entanto, ele insistia e dizia: será a comida do futuro”, contou Cristiano.

Aos 42 anos e hoje um itamae san – chef da cozinha japonesa –, a jornada de Cris, como é conhecido, começou em um momento difícil. Ele tinha apenas 12 anos quando um problema de saúde afastou Ryozo dos negócios. “Da noite pro dia, fiquei responsável pelo restaurante, peguei as chaves e a maleta do meu pai e comecei. Eu era muito novo, fiz tudo errado e foi aí que percebi que eu, afinal, não sabia nada sobre os negócios e quis aprender”. Recuperado, o mestre, então, dedicou-se a ensinar seu filho.

Primeiro, o Koto, na 201 Sul; anos mais tarde o Kosui, na antiga academia de Tênis; em seguida o Takê, no que antes era o Hotel Torre; e, finalmente, em 2009, o New Koto, esses foram os palcos para as aulas de Cristiano. No sistema de ensino japonês, na culinária é preciso ser rigoroso. Ele vivenciou uma espécie de rito de passagem no negócio familiar. “Eu passei por todas as áreas: pela limpeza, descasquei camarão, depois treinei cortes para pegar a habilidade com a faca”, exemplifica.

Parte da característica de seu povo é a tradição. “Sinto que estou trabalhando e dando continuidade a uma história. Não são todos que se engajam nos negócios da família. No meu caso, por ter uma linhagem na família do Japão e meu pai sempre muito apaixonado pela gastronomia japonesa, eu sinto que consigo manter vivos os meus antepassados. Ainda hoje consigo ouvir a voz dele me falando e me ensinando como fazer e como melhorar, e isso é muito especial”, conta.

Até a morte do pai, em 2014, atuava como um dos cozinheiros do restaurante. Só então passou a ocupar o posto de principal sushiman da casa. “É muito importante manter a culinária japonesa viva, ela é muito especial. Inclusive, é patrimônio imaterial da humanidade pela UNESCO, tanto pela beleza, quanto pelo sabor, mas principalmente pela saúde. É uma culinária bem complexa e bem completa, ao mesmo tempo que é simples por seus ingredientes”, explica.

CONEXÕES

“A comida japonesa é uma forma de energia que vem da terra, é uma conexão com o mar, com o ar. A forma como a culinária japonesa trabalha é a fim de evoluir sem manipular o ingrediente, sem muitos temperos”, esclarece. Quanto mais fresco, melhor, assim, “nada precisa ser feito com um bom ingrediente, apenas a limpeza e, então, comemos cru”.

Conhecidos por servirem no restaurante o que há de mais tradicional e exemplar da culinária nipônica, Komiya comenta que o preparo é muito equilibrado e saudável. Sempre bem pensando, cada ingrediente exerce uma função de harmonia e nutrição. “É importante entender que todos os ingredientes, a preparação e forma como são montados os pratos têm um porquê. Uma base fundamental e evoluções de acordo com o que está disponível na natureza, sempre pensando em manter o alimento o mais saboroso e saudável possível”.

No Brasil, fizemos algumas adaptações ao introduzir os sabores orientais, se isso pode ou não, o chef se mostra cauteloso ao comentar. “Cada um sabe o verdadeiro gosto da comida de seu país, imagine uma feijoada de frango, seria realmente uma feijoada? É o mesmo pensamento com a comida japonesa, ao colocar queijo e frutas se retira o equilíbrio nutricional e os fundamentos do sushi, por exemplo. Pode não ser ruim, mas não podemos chamar de comida japonesa o que se vê por aí”, opina.

SAKEYO

Em 2019, Brasília ganhou seu primeiro izakaya – tradicional bar japonês. Ao lado do New Koto, o Sakeyo é um ambiente menor, que se desprende dos sushis e sashimis para focar em pratos mais comuns da culinária japonesa, como o lámen, o shumai (massa cozida no vapor e recheada por lombo de porco), cogumelos, karaage (frango frito) ou um omelete japonês. O bar é um espaço repleto de ornamentos familiares, como o uniforme que o mestre Ryozo usava nos treinos de baseball quando ainda morava na Terra do Sol Nascente, e, claro, sabores típicos e bebidas deliciosas. Um toque especial que Cristiano buscou para homenagear o mestre.

“Trabalho pensando na tradição milenar da culinária japonesa, mas sempre inovando e reinventando para dar continuidade aos ensinamentos. Sem abrir mão da tradição, da saúde e da conexão”, finalizou o chef. De fato, Cris, seu pai tinha razão, é a comida do futuro.

@newkotooficial @izakayasakeyo