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MERAVIGLIOSO

UM SONHADOR DESTEMIDO QUE CHEGOU À ALTA GASTRONOMIA APRENDENDO O OFÍCIO, ENQUANTO CONTAVA HISTÓRIAS PARA A CLIENTELA. JUSCELINO PEREIRA TRAZ O PISELLI PARA A CAPITAL FEDERAL, ACOMPANHADO DE AROMAS, SABORES E

CARISMA POR MARCELLA OLIVEIRA « FOTOS LUARA BAGGI

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Oendereço era uma padaria na Zona Oeste de São Paulo. Um lugar simples. Ali, um menino de 17 anos vindo do interior do estado se aventurava no primeiro emprego. A cada cliente atendido e a cada lanche preparado, lembrava o que tinha aprendido em casa: era importante agradar. “Foi o início da minha carreira de atendimento personalizado”, brinca Juscelino Pereira. Mais de trinta anos depois daquela primeira experiência profissional, o empresário segue com a filosofia herdada da família. “Sempre tive em mente que precisava surpreender”, diz.

Basta um pouco de conversa no salão da unidade brasiliense do seu restaurante, o Piselli, para ver esse dom em ação. Se foi o tête-à-tête que conquistou

a clientela por onde passou, não é diferente em seu próprio negócio. “Eu vim de uma família simples e eu não perdi a simplicidade”, afirma. Era assim desde o princípio: fidelizou clientes decorando nomes, seus pratos preferidos e suas histórias.

Aliás, sua marca registrada, pode-se dizer, é contar histórias. A principal delas é relatada na primeira página do cardápio: um jovem morador de um sítio em Joanópolis, no interior de São Paulo, queria viver de plantar ervilhas e se decepcionou na primeira safra. “Deixei passar o tempo de colheita. Quando fui entregar a mercadoria que eu havia pré-vendido, o comprador me disse que não servia. Perdi tudo, foi muito triste. Fiquei decepcionado e desisti delas. Já tinha um convite de um amigo do meu pai para trabalhar em São Paulo. Peguei minhas coisas e fui”, lembra.

E como certa vez uma pessoa brincou com Juscelino: “Deus escreve certo por ervilhas tortas”. Começou atendendo no balcão, fazia sanduíches, servia almoços. Limpou mesas, equilibrou bandejas. “As pessoas ficavam maravilhadas com meu atendimento e iam me dizendo que era para eu tentar algo nos Jardins”, conta. De restaurante em restaurante e de cliente em cliente, saiu da Zona Oeste e chegou aos estabelecimentos do conceituado bairro paulistano. Foi garçom, maître, sommelier, gerente. Trilhou seu caminho aproveitando as oportunidades. “O ofício não é só servir, é dar carinho. A clientela foi me empurrando e me ajudando a crescer”, conta.

A chegada ao conceituado Fasano foi em 1992, para ocupar uma vaga como ajudante de sommelier. Foi lá que sua vida se cruzou com a Itália. Até então, ele não sabia de uma ligação que hoje parece quase umbilical. Dois anos depois, com a abertura do Gero, foi transferido para o novo restaurante do Grupo Fasano. Mergulhou ainda mais na cultura italiana. Passou a viajar para o país para conhecer vinícolas e fazer cursos. E também explorar os sabores.

Enquanto executava com maestria sua função, carregava consigo um bloquinho de anotações em que registrava tudo que aprendia, vivia ou encontrava. Tornou-se referência para clientes e amigos, que pediam a ele roteiro de restaurantes italianos. As folhas desse caderninho foram pouco a pouco se transformando em um esboço do seu próprio restaurante.

“Estava bem profissionalmente, mas me lembrei de um ensinamento do meu avô de que um homem tinha que ter seu próprio negócio aos 35 anos. Então, em uma aula de italiano, aprendi a palavra piselli, que significa ervilha. Lembrei da plantação que não deu certo e que me levou para São Paulo. Meu coração disparou. Estava escolhido o nome do meu restaurante”, lembra. “Inaugurei o Piselli exatamente no dia 31 de julho de 2004, no meu aniversário de 35 anos”, conta, sobre a coincidência. Nascia, então, a casa nos Jardins.

Onze anos depois, um cliente assíduo fez um convite ousado. O empresário Carlos Jereissati ofereceu um nobre espaço no Iguatemi da Faria Lima para o Piselli, batizado de Piselli Sud, que privilegia a gastronomia do sul da Itália. Em 2021, abriu uma terceira unidade na Rua Boa Vista, antes da chegada a Brasília, em junho. “Feliz em estar na terra de Juscelino Kubistchek, afinal, meu nome foi escolhido porque meu avô era um grande admirador do ex-presidente”, revela.

A casa na capital segue o design das demais: clean, com fachada aberta e bar para uma proposta de alta gastronomia com ambiente descontraído. Parte do menu homenageia a região da Toscana. E o toque brasiliense? A sala exclusiva, batizada de JK. “Grandes decisões já aconteceram no Piselli de São Paulo e eu espero que o mesmo aconteça em Brasília”, diz.

A ervilha, vilã naquela época da história, hoje é símbolo de sorte. Está no paletó dos uniformes, na louça verde, no boursin do couvert, no risoto. “E você já percebeu que não dá para falar Piselli bravo?”, brinca. A ervilha tornou-se uma espécie de amuleto. E a Itália, sua devoção. Fluente no idioma, sua palavra preferida é o seu bordão em português: meraviglioso (maravilhoso).

Um cara de boas histórias, Juscelino cita seu filme preferido. “La Cena (O Jantar)”, enfatiza. O longa-metragem italiano, de 1998, que retrata o mundo que acontece em cada mesa de um restaurante, nos bastidores, nas relações entre garçons e cozinheiros, das pessoas que atuam no salão. “É um filme que mexeu comigo por mostrar a nossa realidade. Diariamente, vivemos histórias que se eternizam no meu livro de memórias: a minha cabeça”, diz. Entre mesas, sabores e bons papos, Juscelino mostra que, assim como um bom italiano, não há nada mais prazeroso do que criar histórias em volta de uma mesa e de um bom prato.