Gotaz #02

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ARTE, MÚSICA, POLÍTICA, FOTOGRAFIA,MODA, DESIGN, MENTIRAS E MIRONGAS


ÍNDICE 02: - Beijando a Lona --------------------------------- Pg: 02 - O Hobby ------------------------------------------- Pg: 24 - Aufklärung ----------------------------------------Pg: 32 Revista Gotaz 02# Capa: Estudio Gotazkaen

- O Universo em Desencanto -------------------Pg: 34 - Luta e Cineclubismo na terra da realidade Pg: 42 - A não-coisa 1 ------------------------------------- Pg: 46 - A bola da vez ------------------------------------- Pg: 50 - Das Distâncias ----------------------------------- Pg: 54

EDITORIAL 02:

Realmente foi uma incrível luta suada, sangrenta, sedenta e sem fim para que pudéssemos terminar e colocar no ar a segunda edição da revista Gotaz. O tema proposto para essa edição foi LUTA, a partir dai recebemos diversas propostas e visões sobre o que seria lutar, desde a luta através do contato físico, ou seja, a vitoria e a derrota do corpo, até a luta de olhares determinados a vencer seu oponente, sem que haja sequer uma troca de palavras, da luta que as pessoas devem travar se quiserem ser um coletivo e a luta que as consomem por que são sozinhas, a criação de significados para que permaneçam lutando por sua existência e a visão de uma luta em futuro onde podemos não mais existir. A edição de nº 02 da revista Gotaz traz pra você todos esses múltiplos olhares da palavra LUTA, esperamos que ela cumpra o objetivo pensado para essa edição, que seja fonte de inspiração para que todos nós continuemos lutando e vencendo as batalhas de todo dia.


COLABORADORES 02

diana figueroa

daniel zuil

fabricio de paula

Fotógrafa, Diana Figueroa largou a vida na Tribo indígena Asuriní para assumir o posto de sócia no estúdio de design e fotografia Gotazkaen. Defende o consumo racional e sustentável dos recursos da vida, sendo sua pagina inicial o Ecoogler. diana@gotazkaen.com

Designer gráfico, ilustrador e baterista. Sua profissão é invadir o campo do “tremo” para apostar corridas de onde tira seu sustento. Sócio do estúdio de design e fotografia Gotazkaen, vem trabalhando em propostas alternativas para divulgação de idéias novas, e assim que possível vai morar no Butão. daniel@gotazkaen.com

Jornalista, mestrando em comunicação Social na Universidade de Aveiro em Portugal. Fabricio já fez história em Belém como editor chefe de varias publicações. Colaborador assiduo da revista Gotaz. fabricio.depaula@gmail.com

davi jose´ Professor, Advogado, tarado por sebos, defensor da pena de morte para os “achismos”, “você que sabe”, “qualquer um serve”, estudioso de assuntos importantes mas que ninguém se importa por que tem um Re-Pa ou um filme do Chuck Norris na Televisão, nas horas vagas musico perplexo com a quantidade de porcaria que toca no rádio. davisilva.adv@gmail.com

guilherme pedreiro

juliana de oliveira

Imagemaker. Ocupa-se com trabalhos experimentais em fotografia e letras, focando nas tecnologias e linguagens em vídeo, com base em linhas de pensamentos construídos através de observações contemplativas das realidades. No mercado capitalista fornece serviços nos mesmos aparatos tecnológicos através de linguagens adequadas ao mundo do comercio. pedreito@hotmail.com

Futura representante do Clube do Nadismo em Belém e aspirante a escritora de livros infanto-juvenis. julianadoliveira83@gmail.com

APJCC maecio monteiro (mael)

alessandro tunas buss

Designer gráfico e atua como professor de Computação Gráfica e Multimídia em Brasília e desenvolvendo projetos freelancer com design, ilustração e vídeo. maeciomonteiro@gmail.com

Formado em Arquitetura, Brasileiro, 32 anos, natural de Campinas SP, declarado paraense desde criança. Desde muito cedo desenha, gosta de ilustrações de ficção e material bélico em geral, sempre nas horas vagas estudando, pois hoje a ilustração digital e CG, em geral se afirmam como um novo conceito limpo literalmente de expressão, artística, técnica, ou ambas. altbuss2006@hotmail.com

Em dezembro de 2008, através da união de alguns integrantes de alguns cineclubes undergrounds de Belém, nasce a APJCC. Uma silhueta excitada com uma câmera na mão é o símbolo da Associação. Resolvemos extravasar política e poeticamente nossa paixão pelo cinema; e, através de 5 ações (Cinema na Casa, Cine UEPa, Cine EGPa, Sessão Maldita e Cineclube Aliança Francesa). Muita experiência foi adquirida - entre angústias e alegrias. Novos passos se ensaiam, o futuro se apresenta. 1 ano de APJCC, muita coisa foi feita, muita coisa por fazer. mateus_hc@hotmail.com


Fotos: Diana Figueroa / Texto: Juliana de Oliveira

O

cartaz no muro sobre uma luta de box chamou sua atenção. Passava pelo local com alguma constância, mas era a primeira vez que via o anúncio. O combate aconteceria no fim de semana. Mesmo sendo a disputa pelo cinturão latino americano dos pesos médio, parecia um título importante, não conseguiu lembrar de qualquer propaganda na TV. Pensou no quanto o esporte deveria ser violento. E, agora, ali, diante do ringue iluminado, a arquibancada no escuro, só pensava em como era bonito, e até mesmo carinhoso. Definitivamente precisava contar o que vira. Fim do primeiro assalto. O juiz se aproxima e separa os competidores. Desmanchados em suor e com as mãos postas à frente dos rostos para defesa, os socos freqüentes do início da luta terminavam numa proximidade de corpos, lembrando um abraço desengonçado. Isso não é uma reportagem, não tenho falas dos lutadores, nem opiniões de especialistas sobre o esporte, apenas um relato que não é meu. Como cheguei nele?




















Agradecimentos: Associação Ulysses Pereira e a todos os lutadores que q participaram dessa competição. ç


Ilustrações: Alessandro Tunãs Buss / Texto: Diana Figueroa


ALESSANDRO BUSS É UM PAULISTA CRIADO EM BELÉM, ARQUITETO, FÃ DE FICÇÃO CIENTÍFICA E CONCEPT ART. SEU TRABALHO DE ILUSTRAÇÃO ENVOLVE DESENHO, COMPUTAÇÃO GRÁFICA E VISÕES FUTURÍSTICAS, DURANTE A SEMANA TRABALHA COM APRESENTAÇÕES DE PROJETOS, MAS É NO SEU TEMPO LIVRE QUE SE DEDICA AO QUE MAIS AMA, FAZER ILUSTRAÇÕES, COMO AS QUE PUBLICAMOS NESTA EDIÇÃO DE GOTAZ.


Quando começaste a ilustrar? Sempre desenhei, mas só na universidade (formou-se como arquiteto em 2000 pela Universidade da Amazônia (Unama) comecei a estudar mais isso, lendo livros, vendo portfólios de vários lugares e fazendo apresentações de projetos de arquitetura. Isso me ajudou a dar uma alavancada na parte conceitual, que são as ilustras de agora. Depois disso parei um tempo e voltei a desenhar em 2004, já com os suportes digitais. Como trabalhas e quais são as tuas referências? Em geral, as idéias surgem, imagino o que quero e faço uso referências, às vezes. Na verdade esse tipo de ilustração conceitual é muito usada em filmes, mídia publicitária e games. Sou muito fã de ficção científica, de boa parte do pessoal do Art Concept, da ILM, e de quadrinhos mais conceituais, como o “The light and darkness war”, do Ton Veitch e Kan Kennedy e o

“Storm”, desenhada pelo Dow Lawrence. Tu costumas freqüentar muitos sites, pesquisar o trabalho de outros artistas? Eu pesquiso muito, principalmente fora do país. Em sua maioria, pesquisa artistas dos Estados Unidos, como o DUSSO, Ryan Church, Feng Zhu, Erik Tiemens. Procuro muito nos making off de filmes, na parte da concepção. Stoary board? Sim, acabei migrando de quadrinhos para isso. E do Brasil? Não conheço brasileiros ilustradores de concept, mas deve ter. No Brasil, eu gosto muito dos artistas da área de 3D e computação gráfica, como Alceu Baptistão, Carlos Saldanha da Pixar e outros que sempre se destacam nessa área.


Já citaste alguns termos para estilos de trabalho, qual a definição do teu? Ilustração conceitual, que abrange tudo, desenho, ilustração, computação gráfica, quadrinhos, etc. Falaste que fazia isso como hobby, no teu dia-a-dia trabalhas com o que? Acabou virando hobby, porque no Brasil tal mercado não existe, pelo menos não conheço. Eu trabalho com arquitetura, com apresentações de projetos em 2D e 3D, onde as técnicas são quase as mesmas, mas no fim os resultados são outros. Isso é o que realmente me sustenta desde que me formei.

O que pode surgir é uma ilustração para um livro. Não existe uma demanda. Então eu procuro trabalhar com outras coisas. Posto no meu site os meus trabalhos de ilustrações que produzo em casa, registro a imagem e pronto.

Fala um pouco da “Luta” que estas mostrando na revista. É como se eu estivesse na ilustra contando uma história, pode ser passado, presente ou futuro. Se observares, todas elas encontram certos conflitos, estão lutando por algo. O Insectus Robô é uma luta em um futuro distante, quando as civilizações não teriam rinhas de galo e sim esses robôs com os quais os gladiadores lutam e as pesPensas em levar o teu trabalho com ilustras para frente? soas fazem suas apostas. Nela se decidem muitas coisas Sim, se surgirem propostas de trabalho será ótimo, caso com muito dinheiro envolvido. Sobre o Lancaster, é uma contrário continuo na área de arquitetura. Em Belém, homenagem ao mais famoso bombardeiro britânico da esse mercado de ilustração (art concept) não existe. 2º Guerra Mundial e por aí vai.






Le Gateau


Texto Davi Silva (Professor e Advogado) / Ilustração: Daniel Zuil

A

s eleições presidenciais norte-americanas deram um exemplo do exercício da cidadania, cujos atributos são capazes de mudar os destinos e rumos de uma comunidade democrática que se autodetermina. Se hoje é algo comum participar de eleições, a conquista da cidadania foi conseqüência da luta pelos ideais universalistas do Iluminismo que, com seu progressivo iluminar-se (Aufklärung), derramou sangue nas Revoluções Burguesas (Francesa e Americana) para que os ideais universalistas fossem realizados. A cidadania não se resume apenas à mera titular idade de direitos, em votar e ser votado, antes, ela demanda o exercício pleno das liberdades individuais e de participação política. Habermas1 explica que para o gozo efetivo da autonomia privada (gozo das liberdades individuais, tais como livre expressão, locomoção, etc.), há de se pressupor a autonomia cívica (participação política nos processos de tomada de decisão). Para que ambas sejam exercidas em sua plenitude, são necessárias condições sociais suficientes para que os direitos não deixem de ser exercidos ou seja manipulados por aqueles que têm alguma vantagem, tais como poder econômico por exemplo. Assim, para que uma comunidade política possa se autogovernar, em seu sentido republicano – os destinatários da lei devem se reconhecer como autores dela – é preciso que o cidadão não abandone a sua autonomia política. Aqui nós podemos fechar o raciocínio: que belo exemplo foi dado pelos cidadãos americanos que agüentaram filas de mais de cinco horas para exercer sua autonomia cívica. Sem maiores fissuras, sem bocade-urna, sem ameaças de que o processo havia sido viciado. A mais antiga democracia do mundo deu o exemplo de como o processo democrático pode dar a volta por cima e atender os anseios dos cidadãos, in casu, não apenas os americanos, mas todos nós que desejamos mudanças. Lute pelos seus direitos e o exerça seu lugar político.

[1] Habermas, Jürgen. Era de transições. Tradução de Flávio Siebneichler. Tempo Brasileiro, 2003.


Texto: Daniel Zuil / Ilustração: Daniel Zuil

l

lusão, solidão e a morte, esse é um caminho inevitável ao homem, o que finge que sabe que sabe. Construímos ao longo de nossa existência mecanismos para tentar ludibriar essa verdade tais como a escrita (texto linear), a imagem em superfície (texto bidimensional), maquinas e atualmente programas (softwares) que tentam eternizar nossa existência, criando uma linha real e atemporal de nosso progresso como civilização nesse universo. Essas maquinações feitas para a humanidade não caia no esquecimento tem adquirido tamanha engenhosidade que atualmente nem sequer precisam de matéria física, um “corpo palpável” para existir, estão hiperdivididas e dimensionadas em bits, e pairam sobre o mundo numa rede que conecta a todos nós, totalmente acessível. Essa nova forma de coisas está tão arraigada no homem que o mesmo já começou a existir nesse universo não palpável, um ambiente que acredito não mais ser virtual no sentido do toque e ainda mais real na vida, nos transformando e informando, ou seja, dando forma a nossa existência, criando sentido as nossas tentativas de permanecer ligados a natureza, ou indo mais além, criando uma nova Gaia. Tais afirmações são tão reais que hoje é mais simples e fácil a nossa geração descobrir e dialogar com pessoas novas dentro desse sistema. Quantos amigos você tem no Orkut? 417? Quantas pessoas estão ligadas a você direta ou indiretamente através do email? 2784?

Facebook? Flickr? YouTube? Nós adquirimos muito mais liberdade nesse sistema de coisas, contamos segredos (que se tornam públicos, obviamente), deixamos nossa arte, demonstramos nosso caráter através de vídeos documentais, perfis, interesses, pesquisas e até nossa preferência sexual abertas a qualquer um, e isso é maravilhoso! Finalmente foi programado um refugio real de liberdade. Agora vamos entrar na questão ao qual concerne esse trabalho aqui apresentado. Porque não conseguimos fazer o mesmo nesse mundo sensível? Por que todos os dias milhares de pessoas cruzam nosso caminho tal como na internet, porém apenas lá temos a coragem de dizer, “Oi.” Aqui se apresenta uma das tentativas de resposta. Ainda não temos um vasto conhecimento da maior de todas as redes, ela sim processa bilhões de cálculos por milésimo de segundos, a mente humana. Aprendemos a temer o próximo quando esse está próximo, pois não temos nenhuma informação previa sobre ele como acontece na internet e por isso aprendemos a temer o homem, “o lobo de si mesmo”. Através dessas imagens pretendo ilustrar esse universo desconhecido do próximo, tão próximo, mas tão próximo que as fotos foram feitas em coletivos em Belém, pessoas desconhecidas que assustadas, responderam ao maior de todos os anseios do homem: ser social, para perpetuar sua existência.










Texto: Felipe Cruz, Mateus Moura e Miguel Haoni / Ilustração: Daniel Zuil

Exterior. Dia. Bar. Conversa pelo telefone. -Luta. -Luta? Mas luta de que? -Ah... qualquer luta, desde a física até a luta pelas idéias. Luta... -Ah... beleza. Saquei. Dia 31 a gente entrega então... Gotaz né? -É. Gotaz.

É

inevitável. Toda luta – para o lutador – é inevitável. Está no destino como a locomotiva nos trilhos. É irrefreável. Pode ser ridícula, solitária, ilógica, inútil... só existe, não poderia ser de outro jeito. Falamos aqui de algo irracional, de uma paixão lancinante, de um frêmito físico. O lutador é um apaixonado! Um teimoso! O lutador luta porque acredita que é necessário. Não falamos aqui de possibilidade, mas de necessidade: Fazer ou morrer! Não fazer o que dá para ser feito, mas fazer o que tem que ser feito. E sujar as mãos se for preciso. A nossa luta é pelo cinema. Nossa postura política consiste na divulgação gratuita de uma cultura cinematográfica mundial e na formação de um homem crítico – promovendo não só uma reflexão estética, mas moral, existencial. Acreditamos no Filme como uma fonte inesgotável de vida, de conhecimento, com tudo de infinito que ele pode oferecer. A questão estética se configura para nós como o mais sério de todos os assuntos, e o respeito a ela é fundamental. Apesar da aparente nobreza da causa, muitos são os que a ela se opõem, e como toda luta requer oponentes, achamos justo, neste momento, apontá-los. O cinema, muitas vezes, é visto como algo menos sério. Ou ele é utilizado como ferramenta pedagógica (para chegar aos assuntos considerados mais sérios: política, história, psicanálise, etc.) ou é visto como “mero” entretenimento. Uma das nossas maiores defesas é a questão do tratamento da obra de arte enquanto tal, o respeito à sua autonomia, pelo exibidor e pelo espectador. Utilizar o cinema como ilustrador de conceitos científicos ou exemplificador de casos clínicos é um problema sério na Academia. Somos contra a redução. O público que vai a uma exibição pública confunde os conceitos de “público” e “privado”. Consideram que podem fazer o que quiserem, afinal: “é de todos”. Erram.

A educação foi mal dada. É justamente o contrário. Se faz o que se bem entende no privado, o privado é “meu”, “seu” ou “nosso”. O público não é “nosso”, nem “meu”, nem “seu”. O cinema, talvez por ser uma arte que nasceu como parte do espetáculo de curiosidades circenses, encoraja a baderna. O público, muitas vezes desrespeita uma obra de arte e impossibilita a fruição estética de quem foi à exibição, justamente, assistir um filme. Sonhamos que, um dia, falar no celular durante uma sessão ou ficar avacalhando um filme seja tão criminoso quanto riscar um quadro numa galeria de arte ou berrar durante uma ópera. Constatamos uma diferença entre o público e o espectador, e defendemos este último. Somos contra a demagogia. Muitas pessoas utilizam o cinema como ferramenta para auto-promoção no seu círculo social e dizem que amam a sétima arte para ganharem ares de românticos e conquistarem seus companheiros sexuais. Muitos organizam cineclubes e fazem a política da boa vizinhança acatando tudo que o público manda ou sugere. Não há confrontamento, não existe reflexão com o que é exibido, pouco importa a qualidade dos filmes; a máxima é agradar. Ser amados, só querem ser amados. Nós entendemos; só pisam no nosso calo quando utilizam o cinema como remédio para suas frustrações. Há, também, os que lucram - com uma boa dose de pedantismo e mesquinhez. Durante nosso percurso de amadurecimento crítico, muitas (falsas) lendas – que cantam seus 20 anos de crítica em nossa cidade – foram derrubadas. O cineclubismo, chegamos à conclusão, é um sacerdócio – e tem que querer ser um sacerdote para não desvirtuar o Deus (Cinema) em ego. Quanto às questões políticas de exibição e posturas alheias, quando se trata de cinema, estamos prontos a analisar e opinar, a aplaudir e a vaiar. Somos contra uma posição de letargia intelectual ou da lei do silêncio no jogo político. Para nós, ninguém é inatacável. Somos a favor, sempre, de uma postura crítica. É o que chamamos de “liberdade pra falar disponibilidade pra ouvir”. Outro fato sério: Não há amor na burocracia. Os milhares de papéis necessários para fazer um projeto sair do papel não comportam (e nem suportam) a paixão daqueles para quem aquele projeto é vi-


tal, para quem acredita que é preciso fazer, que é preciso se mexer, que é preciso apanhar. E a surra que levamos é pesada e implacável na sua indiferença pela arte. Apanhamos quando exigem que nos retiremos da sala de exibição interrompendo os diálogos “sem importância” que acontecem depois dos filmes. Tiram-nos sangue quando não nos garantem as contrapartidas mais elementares para que as sessões aconteçam (uma caixa de som, um datashow, um dvd). Quebram nossas pernas quando precisamos implorar que nos deixem trabalhar, que nos deixem realizar por completo o nosso amor pelo cinema. E é quando amarram uma corda no nosso pé e nos puxam insistentemente para a realidade do que “pode ser feito” e não do que “tem que ser feito”, que a face mais vergonhosa, cruel e desprezível das instituições que são formadas antes de tudo por pessoas, aparece. Considerando a dimensão dos oponentes apontados, uma questão se impõe para nós: Vale a pena? A resposta nos é dada quando, sob a luz fantasmagórica da sala de exibição, os velhos lutadores que viveram e morreram em função de sua arte e ofício, sentam ao nosso lado e sussurram com a câmera uma verdade inevitável: os últimos 113 anos foram testemunhas de uma história fabulosa na qual o Cinema se impôs, através das mãos destes senhores, como o mais brilhante produto de nosso tempo. Tratamos aqui dos velhos mestres, dos verdadeiros mestres, dos grandes autores de grandes obras. É por eles, e ao lado deles, que

lutamos. E a cada grande filme que desfila diante de nossos olhos ganhamos para continuar lutando. Porque não temos opção, não temos. Ficar nos nossos quartos para sempre, vendo filmes e discutindo entre amigos não é uma opção para nós. Tanta paixão não aceita ficar retida tem que transbordar. E se continuamos transbordando, mesmo quando fazem de ridículo o bom palhaço, quando tomam por mau palhaço o grande artista, é porque por mais que sejamos espancados, por mais que percamos muitas lutas, nunca ninguém nos derrubou. Porque a resistência maior é continuar. E já nos é impossível deixar de continuar. Epílogo: O final romântico atualmente não agrada boa parte do público. O que podemos fazer? Mais um texto sem esperança? Os experientes dirão que os jovens inocentes não sabem do que falam, que é só uma questão de tempo. A verdade é que não sabemos o que será de nossas vontades, de nossas lutas. Não acreditamos nas nossas verdades. Mentimos. O lutador é um mentiroso, é verdade! Um mentiroso porque diz as verdades em que nem ele acredita. O próprio cinema mente – para dizer a verdade – 24 vezes por segundo. O tesão é a verdade do lutador! A vontade irracional de fazer o que deve. Acima das culpas, das coações, da família, dos inimigos, do gongo. A vida volta à vida. A vida pela vida. O cinema pelo cinema. Este – o texto pelo texto. O lutador é – luta. É inevitável.



Texto: Maécio Monteiro / Ilustrações: Maécio Monteiro

“O HOMEM É UM ANIMAL ALIENADO! É OBRIGADO A CRIAR SÍMBOLOS, E ORGANIZÁ-LOS EM CÓDIGOS,CASO QUEIRA TRANSPÔR O ABISMO QUE HÁ ENTRE ELE E O MUNDO”. (VILÉM FLUSSER)

O

pensamento do filósofo Vilém Flusser é tomado como fundamento para o trabalho de composição experimental do designer Maécio Monteiro, abordando a luta mais sofrida e ingrata que o homem (para se constituir homem) comprou: a busca da significação do mundo. O homem é um projeto contra a natureza, e nasce encurralado por um mundo completamente sem sentido, onde para sobreviver, necessita entrar na batalha da significação. Códigos gráficos elementares que flutuam como bolhas entre rostos submersos; o misticismo da salvação tecnológica e a dualidade do seco (ferro) e do molhado (olho); e os objetos naturalizados como o óculos, são temas específicos das composições.






Texto: Fabricio de Paula / Ilustrações: Diana Figueroa

J

ogar boas idéias numa página e fazê-las chegar às pessoas nunca foi muito fácil. Se antes autores tinham que lidar com censuras religiosas, políticas, a boa vontade do rei e índices pífios de educação, hoje têm pouca voz num cenário preocupado com margens de lucro e bem definido: 40% do valor de capa do livro vai para a distribuidora, 40% com a livraria, 10% para a editora e outros 10% ficam com o criador da idéia, sem contar os impostos. Mas chegou a internet. Blogs, fóruns, comunidades virtuais deram um basta a uma injustiça histórica. Internet, celular e outros meios de comunicação móveis criaram condições para que todos digam ao que vieram. Certo? Mais ou menos. Os blogs, carro-chefe desse ideal, estão passando por uma crise de identidade. É só olhar para as principais empresas americanas que apostaram comercialmente no formato blog. Começaram a fechar as portas ou estão mudando suas metas porque não encontraram um formato que pague a conta no final do mês. Vale dos blogs de fofocas sobre personalidades aos de defesa do consumidor. Os meios convencionais não servem, as novas mídias também não. Então vamos trocar de área, esse negócio de uma idéia na cabeça e um blog na internet não tem muito futuro para todo mundo. Não tem mesmo. Talvez o debate tenha ficado muito tempo voltado

para os meios de transmissão de idéias e menos no que as idéias transmitem. Quantidade era a palavra de ordem. Blog, flog, microblog, SMS, revistas eletrônicas, celular, literatura keitai, bluetooth, livro por demanda, Joomla!, P.O.D (print-on-demand), lulu.com, kindle, newsletter, grupos, facebook, comunidades temáticas. Criar e divulgar idéias. Uma nova onda punk, faça você mesmo. O problema é que nesta enxurrada de informação, quem lê tanto e para que? Não por acaso que a pedra filosofal da internet é o Google. Os séculos 18 e 19 também tiveram mega produção de conteúdo e idéias sem precedentes, o que pode ter feito do mundo um lugar melhor por um tempo, mas não evitou guerras e a mais-valia. Você pode argumentar que era uma outra época, que nem todo mundo podia ler um livro. Segundo a última pesquisa do Ibope-NetRatings, 40 milhões de brasileiros acessam a internet. Somos 192 milhões. É muito bom pensar que a Calda Longa de Chris Anderson pode garantir os momentos de felicidade dos apaixonados por fanfarras portuguesas. Mas estas pessoas não vão conseguir manter o custo operacional de tanto conteúdo circulando na web; preço que a cada ano é maior com os crescentes custos de acesso e manutenção de bancos de dados para tanta informação. Essa enxurrada de dados digitais é um dos argumen-


tos usados por Duncan Riley, co-fundador da b5Media, uma das primeiras redes de blogs de caráter comercial nos EUA, para explicar porque o negócio está dando para trás. Segundo ele, é muito mais fácil vender um do que dez blogs, o que representa dizer uma única marca, em um único link, com um único assunto, mas com vários autores. E volta à cena o que é mais importante: o autor. É este sujeito mal remunerado, mal compreendido, que será cada vez mais a diferença. O formato, pouco importa, diz um dos papas da mídia, Rupert Murdoch, ao falar sobre o futuro do jornal impresso. “Eu acredito que jornais vão alcançar novas alturas. Não importa o formato. No século 21, pessoas estão mais famintas por informação do que nunca e também têm mais fontes de informação do que antes. No meio de tanta vozes diversas e que competem entre si, os leitores vão buscar o que sempre quiseram: uma fonte em que confiem.” Confiança aqui pode ganhar vários significados, como qualidade e criatividade, seja dentro de um PSP ou de um jornal impresso. No século 21 ou no 18. Uma história serve para ilustrar. Começou no dia 10 de janeiro de 1776, nos EUA ainda colônia, quando passaram a circular os primeiros exemplares de um manifesto a favor da independência, baseado na

Revolução Francesa e que defendia os direitos humanos. “Não ofereço mais que fatos simples, argumentos óbvios e Senso Comum...” começava o livro de 48 páginas, bancado e publicado anonimamente por Thomas Paine. Um inglês expatriado que tentou levar a vida como pirata, foi vendedor de roupa, virou amigo de Benjamin Franklin e ajudou a construir a independência americana. “Senso Comum” vendeu 100 mil exemplares nos primeiros três meses e outros 400 mil até o final daquele ano. Foram nada menos que 25 edições. Feito impressionante para uma colônia de agricultores, religiosos e aspirantes a capitalistas que não passava de 3 milhões de habitantes. Por onde andou, os escritos de Paine o colocaram de cara com a morte. Fugiu das balas na Inglaterra por suas opiniões contra a monarquia, depois escapou da guilhotinha na França porque discordava do assassinato dos membros do regime deposto. O livro foi uma das produções de Paine. Por oito anos, ele publicou o panfleto “The American Crises”, talvez o primeiro ancestral bem-sucedido do tal marketing viral – para os publicitários – ou de blog – para os blogueiros. Para motivar as tropas americanas, os panfletos eram distribuídos e lidos em grupo até no início das batalhas. “Nós temos em nosso poder começar o mundo no-


vamente”, dizia Paine, resumo de algo familiar para muita gente hoje: a de que qualquer pessoas, sem grandes recursos ou poder político, pode dizer o que pensa, de graça, e mudar a forma como as outros olham o mundo. Paine reuniu em um livro, com idéias diretas, argumentos inteligentes e de fácil compreensão, o sentimento de um povo inteiro. Sabia fazer isso, era um revolucionário profissional, um agitador e panfletário, naquilo que estas palavras têm de melhor. A tecnologia barateou o acesso das pessoas ao conteúdo e a sua produção. Misturou, inclusive, acesso e produção. Mas isso não resolve tudo. É como a campanha da Unicef de incentivo à leitura, que tem o Felipe Massa como garoto-propaganda. O piloto ganhou inclusive uma biblioteca com sem nome em São Paulo. Durante a inauguração, admitiu que “não é de ler”. Nada contra ele, mas associar livros a uma celebridade não cria mais leitores. Se a tecnologia, por um lado, oferece tantas alternativas para dizer o que pensamos, ela resgatou a importância do autor dentro de circuitos comerciais que só olham para lucros cada vez maiores e abriu espaço para um novo caminho, onde menos pode significar mais.


Texto: Guilherme Pedreiro / Foto: Diana Figueroa


N

ão existe o completo entender. Certamente existem focos de atenção. Neste momento são dois rapazes que, acuados, foram embora. Estou sentado em uma praça de alimentação de um shopping, em Belém. Sim. A atenção. Foco só eles, mesmo após terem ido a lugares sem o alcance de meus olhos. Não os olhava nos olhos, poucas foram as vezes. Quando o fiz, não existira intenção que não fosse a observação. Joguei meus olhos ao infinito do lugar que não enxergava, pois os dois são a minha atenção. Ameaçados, invadidos. Foram o que certamente cogitaram. Um deles é moreno e delicado, com os cabelos lisos e traços macios. Sua pele também sedosa, sem barba. Os olhos? Negros. É um afeminado, inseguro, de ato. O outro, já não é um jovenzinho. Mais velho do que o primeiro, possui traços ásperos, misturados a uma pele opaca e barba mau feita. Ambos, julgadores vis. Os dois estavam sentados na mesa atrás de onde estou. Mais a direita. Os notei assim que chegaram, enquanto lia “A hora da estrela” da tia Clarice. Talvez tenha olhado o primeiro através de um filtro sexual vil. Uma imagem já quebrada. A observação se tornou passatempo, degustação. Torcido para trás, jogado na multiplicidade, com foco nas ações dos dois, vi a pobreza. Coisas pessoas são firmes. A integridade é tão frágil quanto o contínuo respirar. É força de permanecer, viver. Os dois criaram. Projetaram a realidade ameaça em minha observação. Preciso dizer que não fui grosso, ou perturbador. Estava aberto. As forças que vazavam de mim os hipnotizaram,

e eles a mim. Por isso escrevo. Simples. Estou enfeitiçado. É fluido. Para eles foi pontiagudo. Interferência suja, por mais que não fosse. Os dois, eram um casal. Gays. Envolve sexo, não amor, no caso deles. Na imagem deles em mim, eu fui invasor paquera. Me resumiram a uma imagem que não fui ou sou, nem eles. O peso dessa imagem foi tão corrosivo que o tempo dos dois se tornou insuportável ali, sentados. Em meio aos infinitos movimentos ali presentes, os dois me transformaram em uma pedra incomoda. Logo eles pararam de falar em voz alta, mesmo não sendo possível ouvi-los. Eram muitos falantes naquela área. O suficiente para que as mesas não se ouvissem. O segundo, mais velho, me olhava como que um animal protegendo sua posse, sua carne, seu alimento. Mesmo sem cruzamento de olhares sua energia me dizia: Aqui, não. Mas, aqui não o que? Calados, imóveis, se olhavam com alguma resposta. Que na verdade não tinham. Uma falsa certeza. O celular logo se tornou o meio de comunicação dos dois. Um escrevia no aparelho, o outro lia. Deslocados, sorriam vazios. Tensos, levantaram. Duros, foram embora. Como duas presas sem predador. Limitados em um entendimento gelado, infértil, sem curiosidades e prévio. O feitiço em mim, sem escolha, se transformou em texto. Neles, a magia se tornou gelo distância.


Revista Gotaz #02 email: revistagotaz@gotazkaen.com fone: (+55 - 91) 3222-6082 // (+55 - 91) 3081-7614


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