Diários Gráficos em Almada

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Ilustração: Pedro Fernandes (PeF)

que na sua maioria se interessam por uma observação directa do mundo, sendo que no entanto nalguns casos nos deparemos com desenhos de análise de imagens, actuais ou históricas, desenhos que jogam mais conscientemente com explorações ou reinvenções de memórias, desenhos diagramáticos, etc. De certa forma, estamos aqui a falar de um acto de desenhar que compreende um processo paradoxal que implica por um lado, uma recusa do desaparecimento (de uma situação particular, da singularidade e irrepetibilidade de um momento, do tempo que nos escapa a cada instante que passa); e por outro lado, uma aceitação da inevitabilidade do desaparecimento (do instante, de uma experiência irrepetível, de um tempo que a cada momento torna-se imediatamente passado). Mas regressando à tal predisposição ou atitude primordial que os desenhos nestes diários evidenciam, pode-se dizer que a recusa do instantâneo assume-se aqui através de um acto deliberado de envolvimento numa experiência que se exprime não só num olhar mais atento para qualquer coisa, mas também numa investigação sistemática sobre uma consciência da própria experiência de ver. Ainda que o desenhador declare que desenha sem propósitos específicos, ou que desenha apenas pelo ‘gosto de desenhar’, o acto de desenhar sistematicamente, essa necessidade, aponta para uma consciência ou pelo menos para uma intenção (mesmo que ‘inconsciente’) de colocar permanentemente em questão a experiência do olhar e da mediação do olhar. Pois essa acção ‘repetitiva’ e inesgotável que, página após página, exprime uma atitude de interrogar e redescobrir as mediações e modos de ver o mundo, materializa simulta-

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