Curitiba: Visões

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CURITIBA|VISÕES

Fotos NANI GÓIS – Organização GEHAD HAJAR

Edições Guairacá Curitiba/2013


© 2013 Edições Guairacá - Divisão de Publicações da Guairacá Cultural Gehad Ismail Hajar - Produção Editorial Adriane Baldini - Editoração, Diagramação e Arte-Final Sirlei Bassan (In Memoriam) - Projeto Gráfico e Tratamento de Imagens Dayenne Correia - Revisão e Preparação de Originais Mariane Ribeiro Zwierzikowski - Catalogação e Registro Juliano de Paula Santos - Acompanhamento Editorial Nani Góis - Fotografias Capa: Em sentido horário, Calçadão da Rua XV, na altura da Avenida Luiz Xavier, a menor avenida do mundo; Ipês em flor da Praça Santos Andrade em setembro; Estrutural Oeste, crepúsculo a partir do monte da Vista Alegre; Bebedouro do Largo Enéas ou Largo da Igreja da Ordem; Jardim Botânico Francisca Maria Garfunkel Richbieter. Contracapa: Rosácea Paranista, baseada no pinhão geométrico de Lange de Morretes. www.guairacacultural.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida por nenhuma forma ou por qualquer meio sem a expressa permissão escrita dos editores. Impresso no Brasil.

I83g Hajar, Gehad Ismail (org); Curitiba: Visões / Organizado por Gehad Ismail Hajar; Fotografias de Nani Góis. Curitiba: Edições Guairacá, 2013. 168 p.; 21 cm. ISBN: 978-85-67060-01-9 1. Curitiba. 2. Literatura. 3. Fotografia. I. Hajar, Gehad Ismail. II. Góis, Nani. III. Título CDU: 77: 869.0(816.2)


Há 41 anos, o Positivo acredita na educação e trabalha para que ela seja a verdadeira força transformadora da sociedade. Curitiba, sua cidade-sede, foi berço e inspiração de suas atividades no Brasil e em mais de 40 países nos quais a sua marca está presente. Na busca permanente da excelência na educação, o Positivo promove o desenvolvimento não só da cidade em que nasceu, mas também de todas as localidades em que atua, ajudando na formação de cidadãos comprometidos com os seus valores: saber, ética, trabalho e progresso. Hoje, o Positivo contribui significativamente para o crescimento de Curitiba e do Brasil, por meio dos produtos e serviços desenvolvidos pelas suas empresas nas áreas de Ensino, Soluções Educacionais, Cultura, Tecnologia e Indústria Gráfica. Junto com Curitiba, o Positivo cresceu e se desenvolveu. Hoje são cerca de 10 mil colaboradores que, com suas famílias, aqui residem e trabalham diariamente para cumprir a sua missão de construir um mundo melhor por meio da educação de qualidade, do desenvolvimento da tecnologia e da promoção do conhecimento.


Apresentação

Neste livro, Nani Góis, mestre fotógrafo paranaense, revela o brilho do seu olhar sobre nossa cidade de Curitiba. Nós que a amamos, reforçamos as suas Visões, em textos referenciais. O menino de Sertanópolis venceu na vida com determinação, bom caráter e sensibilidade. Do jornal “Panorama” em Londrina, onde começou, à revista Placar, Jornal do Brasil, O Globo, Folha de Londrina, revista Veja, até nossa assessoria na Prefeitura de Curitiba, e do Palácio Iguaçu no governo Jaime Lerner, Edevanir Moreno Gois cumpriu competente trajetória profissional comprometida com o registro da história contemporânea do Paraná. “Prêmio Esso de Jornalismo”, com foto mundialmente famosa, registro da mudança dos colonos desajolados pelo alagamento das barracas do rio Paraná quando do fechamento das comportas da usina de Itaipu, Nani Góis também documentou alguns dos momentos mais bonitos da nossa Prefeitura (1993-1996), na auspiciosa ocasião do terceiro centenário de Curitiba. Entre eles, os concertos de José Carreras e Paul McCartney na Pedreira Paulo Leminski; o assentamento dos primeiros moradores do Bairro Novo do Sítio Cercado; a lua cheia da Páscoa, sobre a glorieta, o penhasco e a cascata do Parque Tanguá; o processo de montagem, pelo genial artista Sérgio Ferro, da “Capela dos Fundadores” no Memorial de Curitiba do Largo da Ordem. Sem as fotografias de Nani Góis, seriam menos eloquentes nosso livro “Curitiba – uma Prefeitura aos 300 Anos da Cidade” (1996), e o livro de Margarita Sansone – Fundação Cultural de Curitiba no Limiar do Novo Milênio (2000). Acerta a editora “Guairacá”, dedicada por Gehad Ismail Hajar a nossa Terra e à nossa Gente, em publicar este livro. Gehad Ismail Hajar, que conheci ainda piá durante as Festas dos 300 Anos da nossa cidade, reafirma seu compromisso com a evidente necessidade da Memória Urbana. Seu saber sobre a curitibanidade é elucidador. Curitiba, nossa “Polis”, nossa “Civitas”, anima, berço e caminho, merece novo alento deste advogado, empreendedor e produtor cultural, como se não bastassem os endereços do Teatro Cine Glóriah – na praça Tiradentes, e dos Teatros Ittala Nandi e Rafael Greca, na pitoresca rua de São Francisco. Aqui, no texto de 76 personalidades, e nas fotos de Nani Góis, Visões capazes de revelar as mentalidades do nosso tempo a quem, no futuro, queira estudar Curitiba e o Paraná. Rafael Greca de Macedo Já Prefeito de Curitiba, Ministro de Estado, Deputado Estadual e Federal, Engenheiro Urbanista, é da Academia Paranaense de Letras.



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Prefácio Como posso dar minha visão de Curitiba, se ela está dentro de mim. Seria como um exame de imagem, ressonância de todas as visões captadas pelo Nani Góis e Gehad Hajar. A minha rua, a rua Barão do Rio Branco, onde nasci, a rua da estação de trem, da estação de bondes, da Câmara Municipal, das fábricas, das lojas, dos hotéis, do jornal, da Prefeitura – onde fiz meu curso de realidade. Dos cinco Irmãos Queirolo, das Estações de Rádio – onde fiz meu curso de fantasia. Aqui, aprendi a andar em cada pedra de petit-pavé. Aqui, aprendi a olhar o céu, através do contorno dos lambrequins. Aqui, onde o povo de Curitiba faz de sua história um “estilingue que, quanto mais fundo se puxa, mais longe se alcança”. E onde, no seu dia a dia, se tece um compromisso constante com a inovação. Jaime Lerner

Arquiteto Urbanista, Ex-Prefeito de Curitiba e Ex-Governador do Paraná

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Breve História da Formação de Curitiba Gehad Ismail Hajar

A história da ocupação humana da região dos Campos de Curitiba inicia, aproximadamente, há oito mil anos atrás, quando os Xetás (ou Botocudos), primeiro grupo étnico, ocupa a região. Ironicamente, foram estes os últimos a serem contatados e dizimados nos anos 50 do século XX, na Serra dos Dourados. Mais tarde, há quatro mil anos, os Tupis se instalam na região e, por último, os Kaingangues há dois mil anos. A região dos planaltos do atual Paraná era conhecido pelos indígenas como Curitin, pela versão Tupi, ou Curi-Atibá, pela versão Kaingang que significaria “corra, vamos lá”. Ou pela versão Guarany, Coritiba, sendo Coré (porco, cateto, caça, comida) e Tiba (muito, abundância, fartura) quando a região era conhecida como terra da fartura, da abundância, da muita caça. Mais tarde surge uma corruptela das nomenclaturas anteriores o nome Curitiba, (Curi, pinhão), então, terra dos pinheirais, do muito pinhão, pinhais. Essa última grafia coexistiu com Coritiba até a 1919. Ainda que pese a questão dos porcos domésticos terem aparecido no Brasil em 1512, a intromissão de europeus espalhou esses animais pelo território, e certamente a analogia vernacular os fez chamar os porcos domésticos do mesmo nome dado aos porcos-do-mato. Como o mais antigo registro em mapa chama a região de Queretiba – outra corruptela –, a primeira vez que grafou-se Coritiba / Curitiba foi em 1668, isto é, mais de um século e meio após a entrada dos suínos domésticos no continente e tempo suficiente para que os indígenas os conhecessem. Há uma tradição oral indígena observada na região de oeste do Paraná que interpreta Cori como os semoventes, e Curi como os alimentos de origem vegetal. Em busca de metais preciosos nas proximidades do império Inca, parte de Cananéia uma expedição liderada de Pero Lobo, em 1531, que procura o caminho de Peabirú e possivelmente é o primeiro europeu a acessar os Campos de Curitiba. A expedição foi trucidada pelos índios no meio do caminho. Em 1542 Dom Alvár Nunez Cabeza de Vaca, espanhol, acessa os Campos de Curitiba, advindo do sul com destino ao adelantado de Assunção, onde governaria. Foi o primeiro europeu a vislumbrar as cataratas do rio Iguaçu. O Tratado de Tordesilhas dava à Portugal a porção territorial a leste, configurando uma efêmera faixa litorânea que, do território do atual Paraná, se resumia aos hoje municípios de Paranaguá, Antonina, Morretes, Guaratuba, Guaraqueçaba e Pontal do Paraná. Todo o oeste, de Curitiba à Foz do Iguaçu, era posse da Coroa Espanhola, bem como todo o interior e sertão do Brasil. Em 1549 os primeiros lusos acessam a baía de Paranaguá, e se instalam na Ilha da Cotinga, e em 1578 já havia uma pequena capela à Nossa Senhora do Rosário. Aos poucos houve contato com os índios Carijós do continente, e conseguintemente a ocupação donde primeiro descobriu-se ouro na América. Esse ouro de aluvião era colhido por faiscadores nas margens do rio Nundiaquara, e a lógica era de existir as minas auríferas serra acima, na região de Curitiba. Nesse ínterim, os espanhóis ocupavam vagarosamente o oeste paranaense, fundando a Republica Teocrática Del Guayrá, com reduções para a catequese dos silvícolas, tendo a frente o Pe. Antonio Ruiz de Montoya, em 1612. Como na época as coroas de Portugal e Espanha estavam unidas pela dinastia de Bourbón, a União Ibérica, desconsiderou-se provisoriamente a vigência de

Tordesilhas, facilitando o trânsito entre a fronteira já esgarçada. Após petição, Antônio Aguiar Barriga, representante do Conde de Monsanto (donatário de São Vicente) emite concessão de sesmaria ao sul de São Paulo, nos Campos de Coritiba, em favor de Matheus Luiz Grou, em 4 de julho de 1639, consagrando a jurisdição portuguesa sobre o torrão curitibano, contra os hispânicos. Motivados pelo garimpo do ouro e, sub-repticiamente, pela expansão territorial além de Tordesilhas, agrupamentos de faiscadores lusos formaram expedições e fundaram arraiais em torno do rio Atuba, a partir da década de 30 do século XVII. A primeira expedição oficial e representando o Rei com esse afã e de averiguação do ouro foi a 10 de setembro 1648, comandada pelo general das canoas-de-guerra Eliodoro Ébano Pereira (1588-1669?), a mando do Governador do Rio de Janeiro (que acumulava função de administrador geral das minas das repartições do sul) Duarte Correa Vasqueanes (1570?-1650) e com ajuda de recrutas da Vila de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá. Um desses arraiais de faiscadores formou a antiga Vila de Nossa Senhora da Luz e Bom Jesus dos Pinhais, a mais próspera e duradoura, que segundo Júlio Moreira seria onde hoje é uma praça no Bairro Alto, local conhecido como vilinha, e que ainda no início do século XIX havia vestígios. Em 1654, o cartógrafo real João Teixeira Albernaz (?-1662) traceja um mapa com a baía de Paranaguá, onde relata o caminho serra acima, e o povoado de Queretiba (Curitiba). Nesta época, ocorre o início da transferência do núcleo urbano das margens do rio Atuba para a região do rio Ivo, atual praça Tiradentes, centro. É criada a Capitania de Paranaguá, em 1660, pelo governo do Rio de Janeiro, já com os territórios que outrora compunham a Capitania de Sant’Anna, incluindo os Campos de Coritiba. Em 24 de junho de 1661, o governador do Rio de Janeiro Salvador Correia de Sá Benevides (1602-1688) concede uma sesmaria às margens do rio Barigüí em favor de Baltazar Carrasco dos Reis (1617-1697), já morador há alguns anos do povoado de Curitiba. Para impor e oficializar o poder político e jurídico português sobre a região, além de demarcar território, erigiu-se um Pelourinho em 4 de novembro de 1668 (nas proximidades da atual praça José Borges de Macedo), com a instituição de um Capitão-Mor, Mateus Martins Leme (1619-1697), para a administração das justiças, empossado que foi por Gabriel de Lara (?-1682), Capitão-Provedor de Paranaguá desde 1646, ano que, inclusive, descobre ouro nos campos de Curitiba, em cinco ribeiros, que chamou de “Minas de Peruna”. Esse ato do Pelourinho faz o povoado se transformar em Vila de Nossa Senhora da Luz e do Bom Jesus dos Pinhais, ou Vila de Curitiba. O primeiro batismo é registrado em 1684, e o demasiado crescimento demográfico – o povoado já contava com mais de mil habitantes – e a expansão do raio tutelar do pelourinho, cidadãos reúnem-se para pugnar frente ao capitão-mor, a criação dos poderes da vila, a fim de administrar o povoado. A 29 de março de 1693, após aceitar a petição dos homens bons, Mateus Leme promove a primeira eleição dos edis e a instalação da Câmara Municipal. As possessões à oeste de Tordesilhas só foram reconhecidas com o firmamento dos Tratados de Madri (1750), Del Pardo (1762) e Ildefonso (1777), que tiveram por


base as posses lusitanas em território espanhol, a começar por Curitiba. Assim foi legitimado ao Brasil os territórios de Mato Grosso, Goiás, Amazonas, etc. Além do alargamento das fronteiras ao sul, incluindo o atual Uruguai. Em 1713 começam os registros paroquiais de casamento, e com o crescente desenvolvimento da urbe, Curitiba recebe a visita do Ouvidor Rafael Pires Pardinho (1670-1761), em 1721, que faz correições na vila e infunde normas para a urbanização, administração e higiene. Curitiba vivia seu momento bandeirante, com inúmeras expedições de reconhecimento e conquista dos sertões brasileiros, mas a vida era parca. O primeiro ciclo econômico vem com a carne, via tropeiros e suas matulas que cruzavam os campos para Sorocaba e Minas Gerais, dando sustentação ao ciclo do ouro que se desenvolvia naquelas plagas. Cristóvão Pereira de Abreu (1678-1755) manda abrir um caminho que ligasse os campos de Curitiba para o sul. Surge o Caminho das Tropas, depois Viamão. Esse ciclo persiste até o século XIX, quando a madeira e o mate possuem participação mais intensa. Com a disputa pela posse do atual Paraná, pelos descendentes do Marquês de Cascais (1590-1674), a comarca de Coritiba e Paranaguá é levada à leilão, sendo comprada pela própria coroa lusitana, em 1711, e a administração fundida com a de São Paulo. Essa contração veio a atrapalhar o desenvolvimento de Curitiba, que manteve-se acabrunhada. A partir de então, os Campos de Curitiba são preenchidos por povoados entre fazendas, que começam a se separar do termo de Curitiba, formando as atuais cidades do segundo e terceiro planalto do Paraná. Em 1812 é feita a transferência da sede da comarca, de Paranaguá para Curitiba. Nessa época, João Pedro Mulato, um escravo curitibano, torna-se o primeiro pintor brasileiro com a aquarela “Sinhazinha de Curitiba indo pra Missa”. A primeira escola seria a de meninos, e viria às portas da Independência, em 1821. Quinze anos depois surgia a de meninas. O Liceo Coritibano viria em 1846, hoje Colégio Estadual do Paraná. Em 1842, através de lei, o governo paulista eleva a Vila de Curitiba à categoria de Cidade. No mesmo diploma legal, Paranaguá também se torna Cidade. Com a crescente propaganda emancipadora, e os interesses políticos do império, a comarca de Coritiba é elevada à província, com o nome de Paranã e sendo instalada em 19 de dezembro de 1853. Embora Paranaguá fosse maior e Guarapuava fosse mais bem posta no sertão, Curitiba foi escolhida a ser capital do Paraná por escolha do primeiro Presidente da Província, Zacarias de Góis e Vasconcelos (1815-1877), confirmado pela Lei n. 1 de 26 de julho de 1854. Surgem as primeiras profundas preocupações urbanísticas, através do estudo de retificação viária de Pierre Louis Taulois, em 1855, e depois aprimorado por Cândido de Abreu em 1913 e Alfred Agache em 1943. Em 1857, Cândido Lopes cria a imprensa e o primeiro jornal. Curitiba chegou a ter quinze jornais e revistas circulando na virada do século XIX para o XX. Surge o palco oficial da cidade em 1884, com o nome de Theatro São Theodoro – hoje Teatro Guaíra, e depois a criação da Escola de Artes e Ofícios, em 1887, primeira do gênero artístico na cidade, pelo trabalho de Mariano de Lima (1858-1942) e Mariquinha Aguiar. Depois a escola de canto orfeônico pelo suíço Leo Kessler (1882-1924), que veio a ser a atual FAP. A pacata Curitiba recebe levas de imigrantes que vieram miscigenar aquela base étnica afro-ibérica inicial. Trabalhadores eslavos, bávaros, suábios, itálicos, médioorientais, entre outros, constituíram colônias ao arredor da vila, chegando a 20% do total de habitantes, formando a maioria dos atuais bairros e configurando o típico curitibano. Puxado a burro, a linha de bonde ligando a rua 13 de maio ao Batel inaugura o transporte público da cidade em 1883.

Curitiba é dos livres pensadores, gente anticlerical de forte base intelectual que formam cenáculos literários. O Templo das Musas, ainda de pé e construído e concebido 1909, reunia os intelectos neo-pitagóricos que realizavam festas estivais. Não raras as antigas imagens de curitibanos e curitibanas vestidos de gregos no Prado Velho ou no Batel, em jogos de recitações e declamações poéticas e filosóficas. Curitiba torna-se um centro do movimento simbolista, surgem as primeiras grandes obras de arte. Emiliano Pernetta (1866-1921) escreve a primeira peça infantil do Brasil, a opereta A Vovozinha, Augusto Stresser (1871-1918) lança a primeira ópera paranaense, Sidéria, e Benedito Nicolau dos Santos (1878-1956) sedimenta a música paranaense com inúmeras peças de caráter regional. Nesta azinhaga o projeto de Rocha Pombo (1857-1933), de 1892, para a criação de uma universidade concretiza-se em 1912, sendo a Universidade do Paraná – hoje UFPR, a primeira universidade do Brasil. Ao lado clerical, em 1929, um grupo de jovens católicos fundam o Círculo de Estudos Bandeirantes, germe da atual PUCPR. Duas comprovações da nascitura identidade curitibana são presenciadas. Em 1913 a tristeza quando do enterro de Brasílio Itilberê da Cunha, criador da música brasileira, e a indignação da disputa pelo título de Miss Brasil, em 1929, perdida pela curitibana Didi Caillet à Olga Bergamini. À revelia da história de Curitiba, Romário Martins escolhe a data de instalação da Câmara Municipal como a de fundação de Curitiba, e desde 1906 comemora-se 29 de Março como a data municipal. Em 1919 foi positivada a grafia do topônimo Curityba, e com a reforma ortográfica de 1943, perdeu-se o ípsilon. Nos anos 10 e 20 a cidade é eletrificada. O núcleo urbano expande-se. Os primeiros arranha-céus são vistos: Palácio Avenida e Garcez. Longínquas colônias tornam-se populosos bairros nos anos 50. Água Verde, Portão, Cajuru, Cristo Rei, Mercês, Juvevê, Bigorrilho, Capão da Imbuia, são arruados e eletrificados pelas décadas a frente. Avança o ciclo do mate, dando ares aristocráticos aos arrabaldes do Batel e São Francisco, e firmando Curitiba como uma capital do seu tempo. Em 1948 é fundada a Escola de Música e Belas Artes do Paraná e em 1959 o Ateliê de Alfredo Andersen. No transcurso dos anos 50, o modernismo influiu a curitibanidade. Governador Bento Munhoz da Rocha Netto (1905-1973) durante os festejos do centenário de emancipação política do Paraná, ergue importantes obras, como o novo Teatro Guaíra, a nova sede da Biblioteca Pública, e o Centro Cívico, concentrando os poderes estaduais num só espaço. A concepção do Centro Cívico de Curitiba teria inspirado e influenciado Juscelino Kubitscheck na construção de Brasília. Surge o IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, pelas mãos do prefeito Ivo Arzua Pereira (1925-2012), entidade exemplo de insulamento burocrático que rendeu ótimos e pioneiros frutos. Uma prova da importância de Curitiba foi ter sido Capital do Brasil em 1969, por quatro dias, durante o governo militar do presidente Costa e Silva. Todos os ministérios foram instalados no Palácio Iguaçu, de onde despachou o presidente da república. Na década de 70, Jaime Lerner coloca em ação sua ousada ideação de organização espacial da cidade, através de um pioneiro plano diretor. Industrialização maciça e crescimento demográfico marcam a cidade. Curitiba entra num ciclo de constantes transformações urbanas e culturais, com a criação de ícones, monumentos, parques, intervenções urbanas que notabilizaram a cidade, tendo por pináculo a prefeitura de Rafael Greca de Macedo com sua verve cultural e os Faróis do Saber.


Curitiba Ao longo dos anos, Curitiba se firmou como modelo de cidade em que as soluções urbanísticas de vanguarda estão a serviço do bem-estar de seus habitantes. Nossa infraestrutura nas áreas de educação, saúde e transporte está entre as melhores do país, e como provam os índices de desenvolvimento humano, acima da média nacional. Mas queremos avançar mais. Gestora e articuladora da política de assistência social de Curitiba, a Fundação de Ação Social (FAS) atua em várias frentes para melhorar as condições de vida de nossa população mais vulnerável. Da criança ao idoso, os programas e serviços da FAS e de seus parceiros são planejados e executados para combater as desigualdades sociais, oportunizando geração de trabalho e renda por intermédio de qualificação profissional, bem como atendendo às necessidades da população em situação de risco e vulnerabilidade com cidadania. Sem dúvida, há ainda um longo caminho a ser trilhado. Mas com planejamento, seriedade e uma gestão mais eficiente dos recursos materiais e humanos, estamos provando que é possível fazer mais e melhor pela população de Curitiba, transformando a realidade de milhares de famílias. Ações estas que estão ajudando a construir uma Curitiba mais justa, fraterna e humana. A cidade com a qual sempre sonhamos. A cidade da gente. Fernanda Richa Primeira Dama do Paraná e Secretária de Estado do Trabalho e Desenvolvimento Social

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A Melhor Cidade do Brasil

Leminski e seu amor declarado – e contagiante Já ouvi muitas pessoas falarem bem de Curitiba, com razão. E algumas poucas, por puro desconhecimento, falarem mal desta que, para mim, é a melhor cidade do Brasil – e não apenas porque foi lá que meus filhos nasceram. O poeta maior que a cidade já teve, Paulo Leminski, alma de samurai e coração de polaco, uma vez disse que Curitiba é a melhor cidade do interior de São Paulo. Antes que se faça uma interpretação apressada e literal, essa é uma declaração de amor à cidade e não um sinal de autofagia do escritor. Num certo sentido, São Paulo, como dínamo da economia brasileira, é virtualmente a capital do país, para o bem e para o mal. Sendo São Paulo esta espécie de centro do país, tudo ao seu redor é o interior. E o que sustenta isso não é nenhuma predileção pessoal, mas os números concretos da economia. Sendo, como diz o poeta, a melhor cidade do interior de São Paulo, Curitiba seria também a melhor cidade do país, uma vez que a própria cidade de São Paulo, que também amo, está longe de ser a melhor. Creio que quem realmente conhece a cidade, não apenas por cartão-postal, haverá de me dar razão. Quem não conhece bem que poderia aproveitar o final de semana para visitar essa maravilhosa cidade brasileira. Caco de Paula Jornalista

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Aroma Urbano Coré-etuba faz tempo aqui no sul que o inverno reboa no arraial vem cá pra capital pegue seu cachecol procure a luz do sol nos galhos do pinheiral recolha-se bem... Rua das cores de tantos amores de risos e dores e aquele cheiro de café madrugoso Lua e neblina escondem os passos dessas noites frias praças floridas e a gente só No largo antigo os jovens procuram o encontro afinal novas estrelas brotam de seus cobertores Curitiba cidade alegria* teu gosto vem das etnias e dos teus encantos cidade magia cheia e vazia namoro teu jeito tua poesia * na segunda vez cantar: “Curitiba nublada alegria” © Copyright Música: Hilton Barcelos Letra: Reinoldo Atem, Raymundo Rolim e Hilton Barcelos

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Literatura na Madrugada Havia uma loja de revistas na Oliveira Bello. Sim, loja de revistas, porque revistaria é abominável palavrão. Não era banca, mas loja instalada no térreo do Palácio Avenida. Naquela Oliveira Bello da pérgula que ali foi cravada na primeira metade dos anos de 1960, quando virou calçadão. Sobreviveu uns 10 anos, a pérgula, sem que ninguém jamais soubesse a função a que se destinava. Era tão feia quanto a cúpula inconclusa que separa Curitiba de São José dos Pinhais, guarda-chuva que perdeu seus panos. A loja ficava aberta madrugada adentro. Vendia os bons jornais do Rio de Janeiro, O Estadão, as revistas da Abril e da Rio Gráfica, as palavras cruzadas da Ediouro. E livros. Tinha pequeno estoque, mas de qualidade, exibidos em expositores na parede. Era meu refúgio, depois das últimas sessões de cinema, dos cafés baixarem as portas, das conversas nas calçadas da Cinelândia morrerem pelo sono dos circunstantes ou pelas reclamações do velho Nociti, morador de um velho apartamento sobre o Cine Avenida. Havia dois ônibus da linha Rua XV-Seminário a circular de madrugada. O primeiro passava por volta de 1h, o outro às 4h. Se não pegasse o primeiro, três horas estariam a me separar da cama. Na loja, eu filava as revistas, comprava cigarros, escolhia o que levar. Custava mais barato – talvez fosse mais lúdico – aguardar o próximo ônibus sentado, muitas vezes deitado, na beirada do chafariz da Praça Zacarias, lendo o que havia escolhido nas prateleiras da loja de revistas, do que ir de táxi. Que ali havia muitos, esperando quem descia da boate Marrocos, na esquina da Muricy. Uma noite daquelas resolvi levar Os Funerais da Mamãe Grande, de Gabriel Garcia Márquez, bem resenhado pelos críticos. Era sexta-feira. Li boa parte na praça, um tanto no ônibus, o restante na cama. No dia seguinte, insone, descolei algum com meu pai, fui direto comprar Cem Anos de Solidão. Ainda hoje, à frente do pelotão de fuzilamento lembrome com detalhes do Coronel Aureliano Buendía, a quem fui apresentado na loja de revistas da Oliveira Bello, numa madrugada fria como o gelo que seu avô o levou para conhecer em Macondo.

Ernani Buchmann Acadêmico

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Nenhum retrato de Curitiba pode ser inteiramente fiel à realidade de múltiplas cores, formas e conteúdos da nossa cidade. Sempre me encantou em Curitiba sua extrema diversidade humana e cultural, sua capacidade de agregar e sintetizar as mais diferentes origens, experiências e vivências em uma cidade que é única. Ao longo de seus mais de três séculos de existência, Curitiba foi o estuário de inúmeras correntes migratórias, que a acabaram moldando. Curitiba recebeu de coração e braços abertos aqueles que vinham do litoral, de outras regiões do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul, os imigrantes poloneses, ucranianos, italianos, alemães, japoneses, árabes, judeus. Cada corrente encontrou aqui seu espaço e, ao lado de manter seus costumes e tradições, contribuiu para formar o caráter de nossa cidade. A preservação das tradições de cada agrupamento étnico e cultural foi, assim, o contraponto à elaboração coletiva de uma identidade própria e comum, ao mesmo tempo em que Curitiba se afirmava como uma metrópole de renome nacional e internacional. E o destino de uma metrópole com uma história tão rica e múltipla como a de Curitiba é o de se relacionar com o Brasil e o mundo de forma igual, recebendo o que há de melhor em termos de cultura, ciência e tecnologia e dando em troca aquilo que lhe é único, inalienável. E, nesse sentido, Curitiba acumulou uma dívida consigo mesma nos últimos anos. A inércia ou o desinteresse das últimas administrações permitiu que Curitiba se tornasse uma grande consumidora passiva daquilo que é produzido no Brasil e no mundo. Não se abriram espaços para que a cidade produzisse a sua própria cultura e, o que é tão grave quanto, vamos aos poucos perdendo a identidade das nossas tradições. Durante a campanha de 2004, como candidato a prefeito, presenciei um fato revelador. Foi no Umbará, um bairro distante marcado pela imigração, primeiro de poloneses e alemães, depois de italianos. Em frente à igreja construída em 1886, um grupo de adolescentes dançava hip hop, manifestação cultural dos jovens nas ruas de Nova York. Esses adolescentes, provavelmente, estão alheios às tradições dos antigos colonos, mas também não recebem incentivo para produzir as expressões artísticas mais atuais das grandes cidades do mundo e se reconhecer nelas. Uma grande cidade só se realiza plenamente quando, ao lado de prover as necessidades materiais de seus cidadãos, preenche suas necessidades simbólicas por meio de políticas que preservem, estimulem e fomentem a educação, a cultura, o folclore, a história; e, ao mesmo tempo, que criem espaços públicos para a expressão de novas formas culturais. Preservar o passado e produzir o futuro são indissociáveis. Curitiba e seu povo podem e devem olhar para o mundo com altivez. Angelo Vanhoni Deputado Federal

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Amo Curitiba Por Fotografia Olhando bem de longe Curitiba era feia, sombria e gelada. De perto começou a ficar mais bonita. Foi ficando interessante quando Sérgio Sade viu um clarinete (ou era tuba?) numa grama bem verdinha e estava pronto um dos primeiros cartazes da Oficina de Música. Melhorou quando João Urban entrou na casa dos polacos. Quando César Brustolin flagrou passarinhos nos fios dos postes de eletricidade. Quando Nego Miranda deu de ver beleza nas casas de madeira, quando Carlos Magno bisbilhotou a intimidade dos Joãode-Barro e Ricardo Almeida revelou os dramas mais escondidos. Amar Curitiba, pelo bem e pelo mal, desde José Eugenio, Edison Jansen, Carlos Sdroievski, Irmo Celso, Ventelino, Alberto Vianna, Carlos Aguiar “Macacheira”, Geraldo Magela, Portos Ganzela, Ito Cornelsen, Américo Vermelho, Luizinho Stinghen, Carlos Ruggi, Jonathan Campos, Socó e Socozinho, Ivan Bueno, Mário Nunes, Joel Rocha, “Martinha”, Júlio Covelo, Nani Góis, Lucília Guimarães, Fernanda Castro, Denis Ferreira, Orlando Azevedo, Vilma Slomp e Gustavo Rayel. Curitiba soube se fazer fotogênica aos pioneiros como Gluck, Groff e Wischral e aos lambe-lambes da praça. Soube dar a face para uma Rolleiflex, daquelas de se firmar no umbigo do fotoclubista, à digital de última geração. Como não amar também os fotógrafos de Curitiba? Revelo, então: Eu soube que estava grávida pela fotografia. Foi assim: Haraton Maravalhas, ao revelar uma foto minha, 30 anos atrás, parabenizou-me pela gravidez. Fiquei espantada e surpresa. Ele garantiu que eu estava grávida porque minhas feições estavam mudadas. Comparou com fotos anteriores para comprovar os sinais na face, perceptíveis só para fotógrafos. Disse que estava igual a uma foto da mãe de sua filha nos primeiros dias de gravidez. Os testes laboratoriais só viriam a confirmar o que o olhar do fotógrafo já havia detectado: dentro de nove meses eu daria à luz um curitibano. Adélia Maria Lopes Jornalista

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A grande preocupação dos administradores das cidades é a expectativa da passagem em período relativamente curto da condição de município pequeno, com menos de 200.000 habitantes, para um grande, com mais de 1.000.000 de habitantes. Esse foi o caso de Curitiba, que mesmo com área muito pequena tem que ser considerada, com toda a sua área metropolitana, sofrendo, portanto as consequências dessa conurbação urbana. Ao mesmo tempo em que essas dificuldades se apresentaram, provocaram como consequência um planejamento com planos diretores eficientes, que puderam orientar o futuro de nossa Capital. Curitiba teve a felicidade de, por intermédio dos seus bons prefeitos, apoiados pelos órgãos de planejamento como o IPPUC e a URBS, prover as condições necessárias para o seu desenvolvimento, com características modernas e humanas. Fui muito feliz em ser o Prefeito dos curitibanos entre 1975 e 1979, podendo contribuir também para a construção desta cidade símbolo de qualidade no Brasil. Saul Raiz Ex-Prefeito de Curitiba

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Curitiba de Todas as Gentes Pobres cidadãos que morreram sem se divertir com os contos de Trevisan com os versos de Kolody Autores tão renomados de grande inspiração transformaram a Curitiba em prosa, poesia e narração Viva aos cidadãos que admiram a curitibana mulher rica e forte e é claro de inimaginável gana Curitiba dos pinheirais conhecida pelo leite quente que mostra de maneira exuberante que é terra de toda gente Gente essa, cidadã brasileira que luta pelo pão de cada dia que sai pelas ruas às seis da manhã essa é a Curitiba do João e da Maria... Wagner Monteiro Artista

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A Curitiba de um Catarina e Pé Vermelho Quando subi a serra, vindo de Blumenau em direção a Curitiba, tinha certeza de que esta seria a cidade onde iria residir até os últimos dias de minha vida. Depois que me formei engenheiro civil, porém, fui trabalhar em Londrina. Acabei, por alguns anos, transformando-me em um pé vermelho. Mas meu destino mesmo era Curitiba. E hoje aqui estou. Sou catarinense de nascimento, paranaense e curitibano de direito e de fato e um apaixonado pela cidade. Aqui conquistei amigos, oxigeno minha alma e respiro o mais profundo ar da felicidade de bem morar. É assim que vejo minha Curitiba: bonita, elegante, bem administrada, colorida e com qualidade de vida. Assim quero que ela continue a receber, de braços abertos, todas as pessoas de bem que quiserem fazer dela o seu berço natal. Heinz Herwig Ex-Presidente do Tribunal de Contas

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O Que Estou Fazendo Aqui? Ao desembarcar na rodoviária de Curitiba, numa manhã de junho, o vento frio roçou meu rosto e chegou a arrepiar a espinha. Cá, com meus botões, disse: o que estou fazendo aqui. Foi o primeiro grande choque – não apenas de temperatura, onde, na minha Alto Paraná, o sol chega fácil aos 40 graus – mas, também, de cultura. Os dias foram se passando, o vento, a garoa e a chuva continuaram a me empurrar cada vez para o olhar triste à linha do horizonte rumo ao noroeste. Já se passaram alguns anos e não conseguia dar um bico sequer em uma bola, para minha maior tristeza. Mas continuamos a encarar os desafios da cidade grande. Se antes, por várias vezes perguntei a mim mesmo, o que estava fazendo aqui, hoje respondo com orgulho: foi esta cidade que me fez ver, pela primeira vez na vida, a neve; foi Curitiba que me fez gostar do frio, dos bares, da noite. Deixávamos a redação da Gazeta do Povo, lá pelas 23 horas, e batíamos o ponto no Bar Palácio, no Tortuga e em muitos outros que nos aguardavam de braços abertos. Hoje sei o que faço em Curitiba, pois, aqui, constitui minha família e conquistei muitos amigos. Fui frequentador assíduo do Bar do Pasquale, onde levava meu filho a dar pipocas aos macacos, cinema, teatro, praças e parques passaram a fazer parte do cotidiano da vida de um caboclo pé vermelho que, às vezes, queria colocar esses mesmos pés na estrada e retornar à sua cidade. Aprendi a gostar de Curitiba e hoje é, para mim, a melhor e única cidade para se morar. Pedro Ribeiro Jornalista

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Na Curitiba que me habita tem ladrão e beata, carro da pamonha e afiador de faca menino que cheira cola menina que faz do próprio ventre casinha de boneca. tem poste pra amarrar meu burro bosque pra soltar meus fantasmas ruas onde me perco em pensamentos fachada onde fico cara a cara comigo mesmo: Curitiba, esta é a minha casa. no quintal, amores imperfeitos visita de beija-flores, barulho de trânsito, o mico do passeio público, e uma dúzia de grandes amigos cada um habitado por outra Curitiba. centenas, milhares, muito diferentes, mas tão legítimas e verdadeiras quanto a minha, todas rinha e pasto da nossa alforria. Rosirene Gemael Jornalista

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Sou nascida em Londrina, a “pequena Londres do Paraná”, portanto, deveria considerar-me pé verrrrrmelho, com o “r” bem puxado, tendendo mais a paulista do que a paranaense. Mas vim pequena para Curitiba, na carona de meus pais, dispostos a crescer profissionalmente na capital. Naquela época, os curitibanos legítimos ainda eram maioria na cidade. Eu tinha 7 anos e minha mãe me matriculou na escola Estadual Professor Brandão, na avenida João Gualberto. Lembro que tomei o maior susto quando, no primeiro dia de aula, um menino falou uma bobagem em voz alta e toda a turma gritou, em uníssono: ERRRRRRRRRRRRRRRRR! Foi minha primeira experiência com o dialeto das crianças curitibocas, que incluía outros xingamentos como DERRRR, DOENTEEEEE!, com o último “e” pronunciado exatamente como se escreve, e ANIMAAALLL! Me sentia um ser estranho com meu “r” caipira e meu vocabulário diferente. Eu dizia “estojo” e não “penal”; “arquinho” e não “tiara”; “salsicha” ao invés de “vina”; “data” ao invés de “terreno”, e por aí vai. Mas achava meus coleguinhas curitibanos bichos mais estranhos do que eu, antipáticos, fechados em panelinhas, era difícil fazer amizade. Não à toa, minha melhor amiga desde a terceira série do primário é uma gaúcha que “destestaaaaaaa” Curitiba. Hoje, ela já está tão integrada à cidade que dizer que detesta Curitiba é só pra não perder o hábito – eu, ela e outros amigos não curitibanos já admitimos nossa curitibanice, moldada por “anos de praia”. Aliás, quase todos os habitantes desta cidade têm por costume dizer que a “odeeeiiaaaam”, até mesmo os curitibanos. Odiar Curitiba é um jeito de amar diferente, que nós, curitibanos legítimos ou adotados, aprendemos adaptando-nos ao frio cortante, às chuvas incessantes que duram meses, ao céu nublado e cinzento. Eu, por exemplo, jamais me adequaria novamente ao calor de Londrina – para mim, não há nada melhor do que caminhar sábado de manhã pela Rua XV, enfiada em um sobretudo e cachecol de lã, curtindo o frio cortante enquanto tomo um café ou olho a vitrine das livrarias. Em pouco tempo, aprendi a amar inclusive os curitibanos, esse povo meio arisco, mas que quando gosta da gente é amigo para todas as horas. ( Janeiro de 2005) Annalice Del Vecchio de Lima Jornalista

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Em julho de 1945, com doze anos incompletos, saí de minha terra natal, Forquilhinha, em Santa Catarina, uma comunidade de origem alemã, para realizar um grande sonho, meu e de meus pais, de continuar os estudos em Curitiba. Conhecíamos sua fama: cidade ecológica, linda, florida, conhecida como Cidade Sorriso, de clima frio, provida de excelentes colégios e da famosa Universidade Federal do Paraná. Papai havia comprado um terreno no bairro Água Verde, à rua Ângelo Sampaio, e construído um sobrado de madeira para abrigar os filhos durante a sua formação. Rodeava a casa um lindo jardim. De um lado havia um pequeno pomar, horta, e do outro um campo de vôlei e um abrigo, onde jogávamos tênis de mesa. Dez dos treze irmãos estudaram em Curitba – sou a décima segunda. Meus irmãos mais velhos estudavam uns no Colégio Estadual do Paraná, outros no Colégio Sagrado Coração de Jesus, outros ainda no Colégio da Divina Providência. Trabalhavam como professores. Mais tarde, oito dos irmãos se formaram na Universidade Federal do Paraná, inclusive eu, que terminei Medicina em 1959. Ao meio-dia, eu e minha irmã caçula, Zélia, saíamos de casa para pegar o bonde e ir ao Colégio da Divina Providência, de religiosas de origem alemã. Em frente à Maternidade Victor do Amaral, onde alunos da Universidade aprendiam a fazer partos e cuidar de recém-nascidos, trocávamos as meias e os sapatos – não podíamos entrar na sala de aula se não estivéssemos impecáveis. Havia duas linhas de bonde: Emiliano Perneta, que parava na Praça Zacarias, e Barão do Rio Branco, que ia até a Praça Tiradentes, coberta na primavera por uma extasiante nuvem amarela de flores de ipê e donde emergia a linda Catedral de Nossa Senhora da Luz – padroeira de Curitiba –, de estilo gótico. Dando duro durante a semana, no fim dela assistíamos a peças de teatro, íamos ao cinema, no

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Avenida, e participávamos de campeonatos – fui campeã de vôlei do Paraná por três anos seguidos. Participávamos da vida da nossa Paróquia, Coração de Jesus, e da Congregação Mariana da Igreja Bom Jesus, dos padres franciscanos, de onde semanalmente retirávamos livros da biblioteca. Aqui em Curitiba, com seu ar puro e clima frio, embalei minha família e minha profissão como pediatra, sanitarista e educadora, funcionária concursada da Secretaria Estadual de Saúde Pública. Admirei sempre o planejamento urbano extraordinário, desde a década de 1970, que teve à frente o prefeito Jaime Lerner. Até hoje não conheço outra capital do Brasil com melhor qualidade de vida e acesso à saúde, educação, geração de oportunidades. Espero que, cada vez mais, esses benefícios se espalhem por todos os bairros da cidade, gerando harmonia social e paz. Aqui sonhei salvar a vida das crianças pobres e idealizei, em 1983, a Pastoral da Criança, Organismo de Ação Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Ecumênica e suprapartidária, a entidade tem como metodologia comunitária a formação de redes de solidariedade humana, unindo fé e vida, para multiplicar o saber e a solidariedade. Na Pastoral da Criança, ricos e pobres, governo e sociedade, somam forças para diminuir a mortalidade infantil, a desnutrição e a violência familiar. Hoje são mais de 265 mil pessoas voluntárias no Brasil, que acompanham a cada mês mais de 1,4 milhão de famílias, 1,8 milhão de crianças menores de seis anos e 100 mil gestantes de mais de quatro mil municípios brasileiros, projetando-se em outros 16 países. Curitiba teve a felicidade de, ao longo dos anos, ter prefeitos e vereadores que deram continuidade às obras, dentro de uma política que promove a inclusão social, demonstrando maturidade política. A mescla das diferentes culturas, o respeito pela ecologia, a qualidade da educação, o cultivo da espiritualidade, tão necessária para o desenvolvimento integral, fazem com que Curitiba se projete como município de referência nacional e internacional. Zilda Arns Neumann Fundadora e foi, até 2010, coordenadora nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa; foi representante da CNBB no Conselho Nacional de Saúde; Membro do Conselho de Segurança Alimentar e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Faleceu em janeiro de 2010 em atividade da Pastoral em Porto Príncipe, Haiti.

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Curitiba, Linda! Eu adotei Curitiba. E considero-me também adotada pela cidade pra onde me mudei há quase duas décadas. É um bemquerer incondicional por tudo daqui. Adoro a Curitiba ensolarada, cheia de vida, pulsante. Mas ela é de um charme especial nos dias nos quais a temperatura cai bruscamente e vem aquela névoa fininha cobrindo a cidade. Às vezes, prenúncio de um sol que sai vagarosamente lá de trás das nuvens e logo ilumina o dia. Se o inverno é rigoroso, a gente reclama um pouquinho. Mas quando demora a chegar, a gente estranha. Se demora a ir embora, também... Há alguns lugares que, particularmente, me encantam em Curitiba. Tanta área verde purificando o nosso ar... Entre os muitos e belos parques, o Barigüi, pertinho de casa. Um pulmão verde que tem de um lado o paredão de concreto do eixo estrutural, um ar de metrópole. Do outro, a mata em contornos de araucária, a nossa árvore-símbolo. Gosto muito desse parque encravado na urbanidade da terra dos pinhões. Ah, e a Feirinha do Largo da Ordem? Uma paixão! O colorido do artesanato caprichado, os sons variados, o chorinho tradicional, as comidas típicas, o burburinho de gente entre as barracas. Os nossos artistas-artesãos que pacientemente esperam e atendem os turistas de todos os cantos do mundo. De todos os cantos do Brasil e do mundo encontramos especiarias no Mercado Municipal. Outro lugar que a-do-ro! Bom encontrar “Seo” Osvaldo – creio que o mais antigo comerciante do lugar – com seu jeito calmo e carinhoso, em sua banca de cereais, a esposa dele, e a filha Sissi no quiosque de iguarias onde se pode comprar desde frutas secas a temperos importados. Uma família super simpática! As sempre dispostas Júlia e Helena, de olhinhos puxados, cabelos penteados iguais (parecem gêmeas. São? Não sei, nunca perguntei!) com suas bancas repletas de frutas tropicais, outras tantas exóticas! Em cada cantinho do mercado, expondo seus produtos e a seu modo, todos sempre recebem os fregueses muito bem. Isso faz com que a gente se sinta em casa, acolhido. Curitiba tem peculiaridades que não encontramos em nenhum outro lugar. A cada dia há um novo detalhe a ser descoberto na paisagem. A retocar o que se julgava comum. Basta prestar atenção. Dulcinéia Novaes Jornalista

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Lembranças de uma Infância no Água Verde Lá pelos idos dos anos de 1950, quando éramos crianças, de brincadeiras inocentes e de alegrias rotineiras, das búricas, das amarelinhas, do betes, das bonecas de pano e das pedrinhas-do-céu, o bairro do Água Verde era feito em boa parte de banhados e de gente muito boa. Aliás, no meu entender de criança, todos eram muito boa gente, uma italianada que tomava seu vinho religiosamente, comia polenta de hora e meia ou metros de macarrão caseiro ao sugo de galinha caipira na panela de ferro, com temperos do quintal. O pão era alimento presente em todas as refeições. E por falar em pão, lembro-me que deixávamos a sacola pendurada no trinco da porta pelo lado de fora e o padeiro sabia o que colocar, geralmente o pão sovado que saboreávamos com manteiga verdadeira e muito mel. Não me lembro de que alguma vez tenham roubado o pão ou o leite que ficavam expostos na pequena varanda até que o primeiro da casa se levantasse. O padeiro, na sua rotina diária, ao som do tropel e do cincerro do cavalo, concorria com os passarinhos que também anunciavam o amanhecer. Da Avenida Getúlio Vargas se avistava o campanário da igreja Santa Terezinha. Hoje, se passarmos distraídos nem percebemos a igreja escondida entre os arranha-céus do Batel. Essa foi a Curitiba de nossa infância, de nossa mocidade e de nossa família. Os banhados do Água Verde se transformaram em garagens subterrâneas de altos prédios e condomínios. As paredes úmidas e esverdeadas insistem em revelar, sem o coaxar dos sapos dos finais de tarde, o que foi um dia. No presente, essa memória simples de um tempo de menina, a cidade e eu vemos entre as estruturas de metal e os envidraçados que refletem o céu cinza-azulado de nossa Curitiba, que de menina donzela, hoje, é senhora vaidosa de ser, a cidade que é. Das muitas histórias que tenho para contar de você, Curitiba. Elisabete Turin Professora e Diretora da (extinta) Casa João Turin

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Curitiba Brilha! Uma das grandes alegrias de minha mãe, a alagoana mais carioca que já conheci, era visitar Curitiba. Morar não, por causa do “assustador e fantasmagórico” frio curitibano. Mas passear, a pé, de ônibus, de carro como copiloto ou dirigindo o nosso “fusquinha” anos 1960 fazia com que seus verdes olhinhos brilhassem de felicidade. “Vamos passear, mãe? Vamos passear, sogra? Vamos passear, vó?” Não precisava falar a segunda vez. Estava pronta. Em pleno verão, munida de cachecol e touca. No inverno, um verdadeiro embrulho. Mas um embrulho atento a tudo. O que mais gostava, dizia, era passear pelos bairros e sentir o capricho e a limpeza do povo curitibano. “Eles (ou elas) lavam frequentemente as calçadas... os supermercados parecem vitrines brilhantes e não têm cheiro de mercado”, dizia. E assim por diante, admirando, não somente o lado arquitetônico, ecológico, o plano ideal de transporte coletivo ao qual eu sempre me referia com tanta admiração, mas também, e principalmente, a índole cidadã do povo curitibano, cioso e orgulhoso (no bom sentido) de sua cidade. Uma manhã saímos do Cabral e fomos passear pelo Bacacheri. Surpreendi minha mãe olhando pasma e boquiaberta um funcionário da Prefeitura que, com um tipo de vassoura de grande cabo, molhava as cerdas no balde, e esfregava com energia um Orelhão, cuidando para não molhar o telefone. E ainda cantava ao realizar este serviço. Foi demais. Ouvi a frase que nunca mais esqueci: “É, esta terra que você escolheu é incrível... Que bom que seu marido a trouxe para cá! Aqui não se contentam em lavar as orelhas... lavam também os Orelhões!”. O povo de Curitiba é assim. Discretamente, nas menores coisas, ministra lições de cidadania e patriotismo que essa abençoada terra curitibana tem para “dar e vender”. Regina Casillo Diretora do Solar do Rosário e Cidadã Honorária de Curitiba

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Curitiba: um Perfeito Mosaico A teoria de Gaia prega ser o planeta um grande organismo onde cada um de nós é uma de suas células. Se assim for, nós formamos um órgão chamado Curitiba, que com outros 398 formam o sistema Paraná, vital para o ser Brasil... Qualquer colapso dentro desse organismo pode comprometê-lo por inteiro. Por isso, a minha certeza de que Curitiba cumpre, mais do que bem, seu papel vital. Para isso, suas células precisam ser especiais, distintas, e se sentirem únicas frente às células demais... mas... ser uma célula curitibana é somente ter sido gerada aqui? Não... ser curitibano é mais do que uma simples natalidade, pois acredito que para ser verdadeiramente nato de uma terra temos que nos sentir parte dela. Comemos os seus frutos, vivemos sobre ela, somos a sua prole. Porém, poucas coisas fazem alguém mais curitibano do que sentir o aperto no coração, quando a deixa, e festejar quando a ela retorna. Marejar os olhos ao sentir o hino municipal, deslumbrar-se com nossas frondosas e jurássicas araucárias, reparar as belas mocinhas da cidade, e solfejar, recordando Nhô Berlamino e Gabriela. É ver a cidade como um imenso buquê verde, onde as árvores nativas cinamomos, tarumãs, caaingás, butiazeiros, bracatingas e a milenar imbuia do capão – que deu nome ao bairro – contrastam com os apaixonados ipês-amarelos plantados na cidade pelo engenheiro Adriano Gulin, à sua amada Rosita, já que o dia de floração era o mesmo do seu aniversário. É perambular pelos arrabaldes, crédulo das suas histórias, causos e tradições... Se na região sul, ouvir as eternas brigas entre Maias e Santanas. Região de passagem dos tropeiros, que levavam carga para alimentar toda a mineração do sudeste. A qualidade do gado era tamanha que, o autoritário Conde de Assumar, quando governador das terras paulistas e mineiras, preferia a carne dos “Campos de Coritiba”, a partir de 1720. Se no norte, aludir-se às pedreiras e colônias que legaram a folclórica ‘Guerra da Bandeira’, onde os polacos respondiam a pauladas quem insultava sua terra não independente: “não temos bandeira, mas temos pau de bandeira pra bater”.

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Se na região oeste – onde foram as primeiras sesmarias – perguntar-se: Onde estaria escondido o tesouro do pirata Zulmiro, o inglês fugido que se abrigou neste recanto? Será mesmo que seu espírito vaga por estas bandas como o da grávida da praça da Ucrânia? Se no leste, contemplar as milenares árvores, que ainda estão lá, testemunhas da vilinha onde esta cidade surgiu, como núcleo de faiscadores que, sem se darem conta, invadiram o lado espanhol do Tratado de Tordesilhas, forçando sua revogação. Fazendo, de Curitiba, um marco inicial da expansão brasileira a oeste. Curitiba é um marco civilizador da pátria brasileira. Se no centro, imaginar como foi a tomada pelo exército com três tanques, quando da ‘Guerra do Pente’. Pensar nos túneis enigmáticos debaixo dos nossos pés... Nos mistérios das ruínas de São Francisco... As histórias são muitas! É amanhecer com a névoa e a umidade das reservas remanescentes, e anoitecer com o magnífico crepúsculo do Vale do Barigüi. É comer pinhão, beber a nossa champagne (gengibirra), conhecer as moradas dos melhores sabores. É saber que o nosso pioneiro planejamento urbano não é só glória dos contemporâneos, mas que começa em 1855 quando Pierre Toulois apresenta seu arrojado plano, tal como Alfred Agache, em 1943, cujo legado é visto no Mercado Municipal, Centro Politécnico, Distrito (cidade) Industrial, Centro Cívico, dentre outros aditamentos. É lembrar que somos um povo de opinião, um povo laboratório. A prova está nos produtos e espetáculos sempre lançados primeiramente aqui desde os anos de 1940, quando as indústrias jogavam doces e picolés de aviões teco-tecos, fazendo a cidade de 143 mil habitantes provar de suas novidades. É discordar dos que consideram os curitibanos “fechados” sem compreenderem nossa fidalga educação, e perpetuar as opiniões do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire que – quando de passagem por nosso rincão em 1821 – escreveu que na fisionomia dos curitibanos está impressa a bondade e a inteligência. E em especial às mulheres, disse que muitas são de extrema beleza, e que a delicadeza dos traços das curitibanas ele não encontrou em nenhuma outra brasileira... afinal, ser uma curitibana é estar na vanguarda acadêmica e civil, sempre ao lado ou à frente de seus companheiros, gerando, gerindo e produzindo a sociedade. Imortais os nomes de Enedina Marques, a negra que se tornou primeira engenheira e Maria Falce, primeira professora catedrática da nação. Mas se é homem curitibano, cria o Brasil em fábricas, obras, escritórios... e faz uso de nossa ágora: Boca Maldita, maldizendo tudo o que nos aflige e dando solução a tudo que apresentar problema. De fato, o único lugar onde fofoca masculina não faz feio. Orgulhamo-nos da limpeza, da organização e de nossos pioneirismos, da Luiz Xavier, menor avenida do mundo; do Rio Iguaçu, que aqui surge e aqui forma o maior parque urbano do planeta; da Universidade Federal como a primeira do Brasil; do Museu Paranaense, o terceiro mais antigo; do nosso Aeroclube, também pioneiro, só para citar alguns dos exemplos que ufanam cada vez mais nosso passado e vivências paranistas. Oh, Curitiba querida! Mesmo que não sejam reconhecidos todos os seus altos títulos, lauréis e referências, para sempre serás amada. Nascemos sobre tua abençoada terra. A ela, um dia, devolveremo-nos, gratos pelo amor que exsurgiu recíproco. Gehad Ismail Hajar Historiógrafo, Editor e Produtor Cultural

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A Poesia da Desatenção Quando um curitibano reclama de sua cidade, vê-se que o ser humano é capaz de se queixar de qualquer coisa. Há indivíduos que torcem o nariz até para o pão do céu, o alimento dos anjos, o maná. Os tais indivíduos dizem: “Que aborrecimento! Ô, maná, caia mais pro lado de lá, e não encha o saco”. Há de tudo neste mundo sem porteira. Há pessoas que somente conseguem sentir o aroma e o gosto do vinho se fizerem um desses cursos de degustação, que não tornam sensíveis os insensíveis; apenas lhes dão o diploma de burocratas do paladar. Há os que aprendem a dançar em escolas de dança de salão, e delas saem dançarinos plastificados. Coisa horrível é o gajo aos rodopios, tonteando a dama, e, de esguelha, perscrutando a admiração da plateia. Há personagens que não conseguem meditar se não frequentarem um curso especializado em meditação. Pode? Legal mesmo é o cozinheiro do ar, aquele que dá uma sapeada em um livro de receitas, que percorre as bancas de frutas e verduras, que inventa sabores. Bacana é o observador desatento, como define o arquiteto Gustavo Penna. Troço mais chato é observador atento, o cara que vai à Europa e fotografa tudo o que lhe aparece. O aludido cidadão só consegue enxergar um pouco, do muito que não viu, quando abre o visor da câmera digital. O observador desatento é surpreendido pelo inesperado: uma folha caindo, dançando na brisa; depois, a folha repousa, suavemente, perto de uma bicicleta amarrada à árvore, na sombra em que brincam crianças. O observador desatento lê, sim, um guia de viagens, mas o deixa no quarto do hotel antes de ir às ruas. São raros os que têm o olhar desatento de um Nani Góis, e captam, no acaso da vida, a poesia desse encanto que é Curitiba. Trabalhamos juntos, na revista Veja. Nani é a desatenção mais competente que conheci, ao vivo e em cores, nos meus trinta e tantos anos de jornalismo. E Curitiba? Bem, o povo é geralmente ensimesmado, às vezes casmurro. Mas não importa, Essa gente ergueu uma civilização urbana sem paralelo em toda a lonjura que vai do Oiapoque ao Chuí. A cidade não está livre das mazelas brasileiras, de jeito algum. Mas, ah! Se todas fossem iguais a você, que maravilha seria viver neste Brasil, lindo e trigueiro. Valério Fabris Jornalista, residente em Belo Horizonte (MG), morou nas cidades de Cachoeiro de Itapemirim (ES), Hornell (EUA), São Paulo (SP), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Brasília (DF) e Florianópolis (SC).

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Viajar é do meu trabalho. Estou sempre voltando para Curitiba como voltam as garças para os ninhais nas árvores do Passeio Público ao entardecer. Cultuo algumas referências que me acompanham por onde quer que vá. Por exemplo: gosto de saber de onde estou, para que lado o Sol nasce e se põe. Acompanho as variações de trajetórias das fases da Lua, assim me localizo em relação a Curitiba. Também tenho por companheiras algumas estrelas que as busco logo ao anoitecer. (Uma confissão para o Nani. Tenho por hábito dar bom dia ao Sol e, antes de dormir, pela fresta da cortina, dar uma olhadinha na Lua e nas estrelas e dizer-lhes boa noite...) Mas tem o vento também...gosto de caminhar com um, que nos dias de junho, às vezes julho até agosto, vem acompanhado de uma garoazinha que faz lembrar de pinhão e cozinha quentinha da casa da gente... Dos sabiás, que altas horas da madrugada começam com um trinar leve, como quem chama o bando, para em seguida desatarem em cantos até o amanhecer (próximo de minha janela tem um ninho). Dos bem-te-vis, a quem sempre respondo: tô aqui... Do andar alegre dos joões-de-barro nos jardinetes e calçadas. De aviões que chegam e saem cruzando a cidade e lavando o pensamento para lugares distantes... Mas que sempre me tragam de volta a Curitiba. José Adair “Gogo” dos Santos Gomercindo Repórter Fotográfico

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Algo de Bom Essa Cidade Tem (Devo Admitir) Mesmo depois de uma convivência de mais de 20 anos, não sei dizer se gosto de Curitiba. Não se trata de esnobismo de uma pessoa que nasceu na grande Peabiru (é claro que isso poderia ter me subido a cabeça, não fosse eu uma pessoa de caráter forte), mas sim de uma dúvida sincera. A família está aqui, muitos bons amigos também e isso cria o vínculo mais forte e neutraliza meus sentimentos pela cidade. Se não sou uma entusiasta, daquelas que falam “daqui só saio morta” ou “não me imagino vivendo em outro lugar”, sou uma defensora de Curitiba quando se trata das muitas asneiras que se fala sobre ela. Quando se diz, por exemplo, “isso é coisa de curitibano, que é muito fechado” para se referir a um comportamento que já vi tantas vezes em outras cidades onde morei. Tantas idiossincrasias são classificadas como coisa de curitibano quando são apenas “coisa” do ser humano! Mas sei que lá em São Paulo, em Belo Horizonte e em Recife também fazem esse tipo de comentário sobre seus conterrâneos. Tem gente que realmente acredita que sua aldeia é o mundo, originalíssima e única em suas manias. Também defendo Curitiba quando dizem que o frio daqui é terrível. Terrível mesmo, só uns 10 dias por ano. O que são dez dias num infindável ano de 365 dias? Pouco mais que 2,7%! O clima daqui é péssimo? Quando ouço isso, retruco: — A que hora do dia o clima é péssimo? Na hora do almoço é sempre quente... Para que essa minha confissão seja totalmente sincera, tenho que admitir que há uma parte de Curitiba que admiro e que elogio em qualquer oportunidade. É o Cascatinha, esse bairro quase rural povoado por antigos chacreiros e por paulistas exilados nos condomínios e que os demais curitibanos parecem nem saber que existe. Onde tucaninhos verdes voam sobre nossas casas e jabutis (ou seriam cágados?) se arriscam a atravessar uma rua (certa vez atropelei um que, felizmente, sobreviveu). Onde existe uma igrejinha de madeira linda, que organiza almoços de domingo deliciosos e baratinhos – de vez em quanto tem até bingo! Em resumo, um lugar maravilhoso, o Cascatinha. Essa Curitiba, eu amo. Marleth Silva Jornalista

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Curitiba Imprevisível Nós imaginávamos que serias eternamente assim: pequena, gentil, com estações do ano sem surpresas, o mundo girando em torno daqueles teus faróis sólidos – o Colégio Estadual do Paraná, a Catedral Metropolitana, a Rua XV, os poucos prédios com elevadores como o Santa Julia, o Garcez, o Marumbi, o Curitibano, majestoso, na Barão do Rio Branco... Nós te queríamos assim, como em 1953 de nossa infância. Queríamos, redivivos, o João Mazzarotto, o Mossurunga, o Miguel Wouk e a Maria das Dores Wouk, o Gaillit, o Martenetz, o Francisco Gomes Ribeiro – uma seleção nunca mais montada de mestres-educadores (Salve Leopoldo Scherner, meu amigo e mestre!). O tempo passou, passa sempre, única certeza. A megalópolis não deixa lugar a evocações saudosistas. Tem pressa, pisa no passado recente, tem que diplomar gentes, educar, nem sempre; constrói arranha-céus, acha demodés os lambrequins e os cafés da tarde dos polacos e poloneses; os bairros étnicos foram engolidos pelos despejados dos campos tomados pela mecanização agrícola... Tempus fugit!. Mas que não apague, Curitiba, tuas mais claras impressões digitais de “Cidade Sorriso”. Que se guarde pelo menos o “leite quente” como sinal de que há vigilantes guardadores de uma herança única. (Janeiro de 2006) Aroldo Murá G. Haygert Jornalista

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Curitiba Também é a Cidade da Velocidade Para a maioria das pessoas, Curitiba é sinônimo de organização, limpeza, segurança e beleza. Concordo 100%, felizmente vivemos em uma cidade espetacular, com uma população acolhedora, dedicada e que trabalha muito. Mas como piloto não poderia acrescentar que ela também é a cidade da velocidade! Não digo aqui do nosso ritmo de vida ou dos nossos motoristas no trânsito, mas sim dos muitos pilotos curitibanos que fizeram e fazem sucesso nas pistas do Brasil e do mundo! Nasci em uma família curitibana que tem o vírus da velocidade nas veias. E aos 11 anos passei a me dedicar ao esporte, onde felizmente conquistei muitos títulos e vitórias desde a época do kart. É um orgulho representar Curitiba, o Paraná e o Brasil em todos os autódromos do mundo. O automobilismo também me levou a viver alguns anos fora do Brasil e a saudade de Curitiba era imensa. Não via a hora de voltar. Morei em belas cidades, com infraestrutura fantástica, alto nível de desenvolvimento e organização, mas confesso que não há nada como a casa da gente, e Curitiba não deixa nada a desejar para muitas cidades de primeiro mundo. Atualmente, Curitiba é referência nacional e internacional em planejamento urbano e qualidade de vida. Temos um dos melhores índices de área verde do país, além de ser a melhor capital do Brasil no índice de condições de vida. Com mais de 1 milhão e meio de habitantes, temos uma população formada principalmente por imigrantes e descendentes de italianos, poloneses, alemães e ucranianos. Vivemos em uma capital, mas que soube manter as coisas boas da vida de interior, como a proximidade entre as pessoas, a simpatia e o respeito. Todos quando chegam aqui ficam encantados com a beleza de Curitiba, sua limpeza e não acreditam ao ver tanta organização, seja nos pontos de ônibus, no trânsito, nos restaurantes ou shoppings. Basta um passeio a pé pelas ruas para ver que nossa cidade é diferente! Até mesmo o nosso friozinho europeu tem lá o seu encanto. Adoro minha cidade e, para mim, Curitiba será sempre o centro do mundo! Tarso Marques Piloto de Formula 1

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A Curitiba que cabia na palma da mão já não habita mais a memória de quem a conheceu em meados do século passado, quando ainda se pescava lambari do rabo vermelho no Rio Belém, onde a Avenida Luiz Xavier era a menor (e a maior) do mundo e a cidade era Sorriso – paradoxal apodo que se contrapunha à sisudez do curitibano de então. Qualquer tentativa de abordagem da real Curitiba do passado, do que aconteceu com ela e o que dela se espera não soará científico. Curitiba já não é: tornou-se igual a todas as outras – cada qual com suas singularidades, é verdade –, na poluição, na falta de segurança, no trânsito caótico, na ausência de solidariedade e no apego pelas coisas da cidade. Nesse sentido, aliás, o paulistano gosta muito mais de seu inferno do que o curitibano de seu paraíso de qualidade de vida e outros quejandos. É só repetir a pergunta na Vila Pluma, na Vila Audi, na Vila Pantanal. A Curitiba que virá daqui por diante não será a dos sonhos dos que para cá vieram em busca de trabalho, estudo, futuro. Mas será bem parecida com o que o povo organizado reivindicar e sua elite executar. É possível, sim, uma Curitiba melhor, diferente. Menos raivosa, mais cuidadosa com seus pobres. Menos presunçosa, mais amorosa com seus filhos mais fracos. Hoje pode ser o primeiro dia da Curitiba que imaginamos. Nem melhor nem pior que as outras. Mas absolutamente nossa, de todos. Inarredavelmente humana. Ney Amilton Jornalista

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Curitiba A garça continua seu passeio tranquilo e elegante num certo final de tarde num parque da cidade. Ela passaria desapercebida como de outras vezes. Não raro elas fazem sua exibição nesses parques. Desta vez um olho atento a fotografou. O olho atento e treinado registrou esse momento como outros tantos que ela fez nesta cidade. Curitiba é uma cidade que nasceu por intermédio da transformação das mãos caprichosas de sua gente. Sem praias, sem outra espécie de beleza natural, essa gente gestou uma após outra, no passado e no presente, a beleza dos seus parques. Barigüi, Bacacheri, Tingui, Tanguá, Passeio Público, Botânico entre outros. Fez da interação entre o homem e a natureza uma das mais belas capitais para se viver. Curitiba não é somente seus parques, seu transporte coletivo, suas ruas, suas avenidas. Numa mesma rua encontra-se uma casa de madeira, outra de alvenaria, um pouco adiante um prédio. Essa é a cara de Curitiba. Gente bonita anda em suas ruas. Há mistura de todas as gentes: polacos, alemães, italianos, ucranianos, libaneses, suíços. Terra de todas as nacionalidades que construíram essa linda e respirável cidade. Um exemplo exemplar para muitos de como fazer uma cidade que respeita o cidadão. Seus restaurantes típicos, seus inúmeros barzinhos de frequências multifacetadas e músicas também. Ela cresce, ela se moderniza, mas seu charme resiste. Resiste por exemplo à tentação de grandes viadutos e vias expressas que derrubam árvores, demolem histórias e criam grandes cicatrizes numa cidade. É a cidade que escolhi pra viver. Voa garça, voa. Voa Cidade Sorriso. Wanderley D’ Ambrosio Publicitário

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A história, memória e mestra da humanidade.

Direito universal à Verdade: compromisso com a “verdade histórica” (III) Ao concorrer ao cargo de Prefeito Municipal de Curitiba (1962), realizei minha campanha política no estilo do “voto distrital”, pois que, na sua execução, palmilhei cada rua e cada bairro de Curitiba, seja em visita aos respectivos moradores, seja em reuniões públicas, disso resultando que, ao assumir o cargo de Prefeito Municipal de Curitiba, em 15 de novembro de 1962, na oração de posse perante a Câmara Municipal de Curitiba, selei um pacto de honra com o povo desta cidade, ao afirmar: “Mesmo assim, minha caminhada democrática pelas ruas e bairros de Curitiba foi fascinante experiência humana e social, experiência que terá decisiva influência na organização e execução dos planos administrativos que irei adotar na Prefeitura de Curitiba. Como candidato, cumpri dois grandes deveres: 1) Sentindo em toda a sua pungente realidade as angústias e problemas do nosso Povo; 2) Transformando essas angústias em esperança, através de uma Diretriz Geral de Ação equilibrada e humana” a qual, na alínea (b), em seu item 3) Planejamento, estabelecia “o reexame do Plano Urbanístico de Curitiba, para reajustá-lo nos pontos em que o grande progresso da Cidade já recomenda alterações ou novas soluções”. Daí nasceu um fabuloso e alcandorado sonho que, Deus servido, gerou sucessivamente a Assessoria de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – APPUC (Dec. Mun. 1.114 de 31/07/1965), o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC (Lei 2.660 de 01/12/1965) e, finalmente, o exame, debate e aprimoramento democrático do Plano Preliminar

“Deus quis, o homem sonhou, a obra nasceu” (Fernando Pessoa)

de Urbanismo, em reuniões públicas no “Seminário Curitiba de Amanhã”, durante o “Mês de Urbanismo” (Dec. 10.265 de 30/06/1965), e finalmente a discussão e aprovação unânime pela Câmara de Vereadores de Curitiba (30/07/1966), e sanção do Prefeito Municipal (31/07/1966) do novo “Plano Diretor de Urbanismo” (Lei 2828 de 31/07/1966) – vigente até hoje, fontes geradoras das principais realizações da gestão (1962-1966), todas amparadas nos dispositivos técnicos e legais dessa Lei, conforme a seguir sintetizado: a) Renovação do Centro Urbano de Curitiba (Seção IV-Arts). 47, 48 e 49): Av. Mal. Deodoro, Av. Mal. Floriano Peixoto, XV de Novembro; Sen. Luiz Xavier, R: Cruz Machado, Tobias de Macedo, Barão do Cerro Azul, totalizando 2.213m e cerca de 400 desapropriações e demolições no Centro e nos Bairros; b) Conjuntos Habitacionais de Interesse Social (cap. II-Sec.II-Art. 22): Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais (2150 habitações-11/11/66) e Vila Residencial Pilarzinho (100 habitações-26/03/1966); c) Criação dos Setores Educacionais (Cap. II, Sec VII, art. 61, Lei 2.828-31/07/1966): Centro Experimental de Educação Papa João XXIII – o 1.º Grupo Escolar da Rede de Ensino do 1.º Grau de Curitiba (Dec. Mun.1.263-12/09/1963) e mais as Escolas Isolde Schmid, N. S. da Luz, Alto Schaffer, Planta Weigert,Vila Formosa, Vila Rosinha, Jardim Paraná, Vila Guilhermina, Boqueirão, Bela Vista, Vila Isabel, Vila Araçá e outras; d) Criação dos Setores Sanitários (Cap. II, Sec VII, art.


62, Lei 2.828-31/07/1966). Unidades Sanitárias em 3 Bairros em Curitiba (Vila Oficinas, Vila Leão, N. S. da Luz); e) Praças e Alamedas de Uso Preferencial ou Exclusivo de Pedestres (Cap.II, Art.3.º, Item XI): Praça 29 de Março; Praça Conselheiro Zacarias; Praça Bento Munhoz da Rocha Neto (Av. Kennedy), Praça Plínio Tourinho (R. Eng. Rebouças) e muitas outras; f) Grandes Avenidas de Ligação Interbairros (Cap. II, Sec. I, Art.3.º, Item X). Avenida Paraná; Avenida Churchill; Avenida Kennedy; Avenida Mario Tourinho e Extremidades da Rua Brigadeiro Franco; com um total de 19.353m; g) Saneamento Urbano (Cap.II, Sec. III, Art.43, Sec. VII-(60). Dragagem e Canalização dos Rios Ivo (trecho Visc. de Nácar-Carlos Gomes) e Rio Belém (trecho Av. João GualbertoCarlos Cavalcanti). Todas essas rememorações, em defesa da “verdade histórica” relativa ao Planejamento Urbano de Curitiba, foram necessárias para demonstrar, à saciedade, o quão absurdas e inverídicas são as afirmações contidas no seguinte trecho da publicação do IPPUC “Memória da Curitiba Urbana” - Uma Experiência em Planejamento Urbano que, referindo-se ao Plano Preliminar (“que antecede, prévio, preambular, anteprojeto”) de Urbanismo, expressa-se nos seguintes termos: “[...] que nos primeiros anos de sua formulação serviu apenas como instrumento disciplinador,

atuando mais no sentido ordenador e definindo, apenas em alguns pontos, diretriz efetiva para atuação. A partir de 1970, sob a administração do prefeito Jaime Lerner, ex-Presidente do IPPUC, este princípio de modelo de desenvolvimento passou a ser colocado em prática”. Eis porque, encorajado pela conduta exemplar do IPPUC em sua fulgurante trajetória de realizações urbanísticas e em defesa da “verdade histórica”, do que é cintilante exemplo a restauração pública da urna violada na Praça 29 de março, e recentemente, o Presidente do IPPUC Arquiteto Luiz Massaru Hayakawa, pela sua resposta (of.P/349/04)-29/10/2004, à minha correspondência de 29/09/2004, classificando-a como “um testemunho fiel da História do Planejamento Urbano de Curitiba”, sinto-me animado a solicitar-lhe que, em nova e vigorosa demonstração do compromisso do IPPUC com a “verdade histórica”, promova a retificação do trecho acima reproduzido que, por ter sido publicado em documento oficial desse Instituto, induziu ilustres profissionais entidades de classe e até historiadores e acadêmicos a aceitarem aquela inverdade histórica. De qualquer maneira sinto-me plenamente qualificado para repetir Fernando Pessoa: “Deus quis, o homem sonhou, a obra nasceu”.

Ivo Arzua Pereira (1925-2012) Engenheiro Civil e Administrador, Ex-Presidente do IEP e Presidente do Conselho Consultivo, Acadêmico Conselheiro da Academia Nacional de Engenharia, Mérito Estadual de Engenharia (CREA-PR), Mérito Nacional de Engenharia (CONFEA), Engenheiro do Ano 2000-IEP, Benfeitor Emérito de Curitiba – Câmara Municipal de Vereadores de Curitiba.


O Natal se aproximava e cortamos o estado do Paraná, desde Foz do Iguaçu, onde nasci, até os pinheirais que envolviam Curitiba. Isso foi às vésperas do Natal de 1978, eu tinha então doze anos, e me apertava no banco de trás de uma variant vermelha com meus dois irmãos e minha irmã, enquanto os meus pais estavam nos bancos da frente, procurando, além da copa daquelas frondosas araucárias, um horizonte que garantisse aos filhos um futuro promissor. Naquele natal ganhei uma bicicleta com dez marchas, e passei a explorar a minha nova cidade. Ficava horas examinando cada quadrícula de um grande mapa e logo saia pedalando rumo ao meu novo destino. Não teve canto de Curitiba que eu não tenha visitado com a minha bicicleta. Quando meu pai comentava que teríamos que ir a um determinado local, era eu que com orgulho dizia: Eu sei o caminho! Meus lugares preferidos eram o Parque Iguaçu (adorava visitar o Zoológico), as imediações do aeroporto do Bacacheri (buscava sempre um lugar para ficar contemplando os saltos dos paraquedistas), o Alto da XV (de onde contemplava os prédios do centro da cidade) e o Parque Barigüi e seus arredores (que me encantavam com suas araucárias). Claro, tinha algo mais além dos prédios, dos parques, das araucárias, que me fascinava ainda mais, e que completava com imponência a beleza de Curitiba: a serra do mar. Depois dos quinze anos, não

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tinha fim de semana que eu não ia para a “serra”, o dia mal estava nascendo e eu já estava lá no Terminal do Guadalupe ou na Rodoferroviária, esperando o ônibus ou o trem seguir rumo às montanhas. Lá do alto sempre me voltava para contemplar a “minha cidade”. Veio depois a faculdade, naquela época morávamos no Guabirotuba, eu pegava um ônibus até a Praça Rui Barbosa, caminhava até a Praça Osório, e, todos os dias, cruzava com prazer de ponta a ponta a Rua das Flores até a Praça Santos Andrade. Não tinha dia que eu não subia com orgulho a escadaria da Universidade Federal do Paraná para assistir as aulas do Curso de Turismo. O Teatro Guairá, o Largo da Ordem, a Catedral, enfim, o centro da cidade se tornou cada vez mais familiar para mim. Após a minha formatura, ganhei o mundo, comecei a viajar em busca das montanhas. Aconcágua, Everest, K2... Expedições atrás de expedições realizadas em todos os continentes, para depois voltar cheio de saudades para a minha querida Curitiba. Tenho certeza que não conseguiria viver em outro lugar, aqui é o meu refúgio, meu acampamento-base, onde as pessoas me ajudaram a alavancar a minha carreira de alpinista, onde tenho os meus verdadeiros amigos, e, até hoje, o mesmo prazer de seguir com minha bicicleta pelos parques da cidade. Waldemar Niclevicz Alpinista

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Manhã de fevereiro de 1957, chego em Curitiba após cansativa viagem de ônibus vindo de Caxias do Sul. Cansativa pela falta de condições de estradas e do veículo, na bagagem sonhos de oportunidades de um jovem com curiosidade e muita vontade de conhecer o novo eldorado brasileiro. Missão: implantar a venda de carrocerias de ônibus da pequena fábrica Nicola, substituindo o pioneiro Joel Guasque, que havia falecido em acidente no início do trabalho. Inicio de imediato os contatos me instalando nas proximidades da rodoviária da Guadalupe. Em poucos dias, consigo alguns “padrinhos” que ampliam meu entusiasmo, falamme da colonização norte do estado e dos planos de Curitiba para o transporte coletivo. Penso na importância das relações e de transformá-las em negócios e já surgem oportunidades, mas o mercado é dominado pelos grandes da época e vender segurança é um desafio. Segurança de entregar um produto da melhor forma e com qualidade no mínimo igual, com mais vantagens. Não existe chassi para ônibus e as carrocerias são montadas em chassi de caminhões adaptados. Agregar essas dificuldades é um malabarismo que os “padrinhos” acabam ajudando com votos de confiança. Faço contatos com autoridades do setor e me animo com os planos. Finalmente nasce a esperada oportunidade, vendo uma carroceria para o Martini, da Água Verde, para o serviço urbano, e um rodoviário para o Mezzomo da Princesa dos Campos. Ainda não dá para pensar em champagne, mas o vinho gaúcho resolve. Um sentimento incrível de felicidade por ver as portas se abrirem com a chegada dos carros novos as oportunidades se multiplicam e vou para o Norte atrás de novos contatos. Chego a Assai, encontro Virgilio Spuri da Ouro Branco, conquisto mais um “padrinho” e vendo mais um rodoviário. Sigo febril conhecendo todas as dificuldades da colonização, novos amigos, novos negócios. O cônsul da Espanha, permissionário em Londrina, José Lopes, me dá uma grande ajuda com a compra de seis urbanos. O Francisco Francovig se impressiona com as informações e manda tirar pedido de três rodoviários. Já tenho referências e sigo em frente. Retorno a Curitiba com a pasta carregada de pedidos e entusiasmo. Novos contatos, novas realizações. Convenço o Erondy e o Lakomy a confiarem. Chego aos cardeais Alfredo Gulin e Bortolo Pellanda graças as boas referências do “padrinho” José Luiz Franceschi que já rodava urbanos no Boqueirão. A semente é boa e cresce com frutos, isso me permite acompanhar todo o desenvolvimento do setor e os projetos urbanos dos primeiros expressos nas canaletas, os articulados, biarticulados, ligeirinhos e micros. Os rodoviários crescem e as boas relações permitem novos negócios: o Felix da Lapeana, o Jairo e o Antenor da Estrela Azul já têm confiança e aumentam suas encomendas que somadas as do Saul e Wilson, da Penha, gratificam-me e permitem que esteja depondo, hoje, os fortes valores dessas grandes amizades. A Nicola hoje é a potência internacional Marcopolo, com fábricas espalhadas pelo mundo. Continuo a fazer amigos e preparando herdeiros e executivos para perpetuar esse trabalho. São quase 50 anos que valeram a pena. Tenho muito orgulho de tudo isso e com a simplicidade que me caracteriza dou este depoimento ao Nani desejando que seu sucesso continue neste crescente merecedor. Obrigado pela lembrança. (Janeiro de 2006) Hairton L. Romani Empresário

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Curitiba Os olhos são filtros que utilizamos para perceber o mundo. Quando eles recaem sobre a capital paranaense, o que se desvenda? Uma cidade que cresce e transforma-se, renova-se respeitando suas tradições. Já que falamos nas heranças culturais, não podemos deixar de citar os imigrantes que ocuparam a cidade e nessa nova terra se misturaram e deram um tempero novo e inédito: o curitibano. Sim e de fato, o principal de uma cidade é a sua população porque é esta que a ergue, a sustenta, e se adapta às mudanças do mundo. Os curitibanos, conhecidos por seu jeito frio, meio europeu, reservado e tímido, mostram-se orgulhoso quando falam de sua cidade. Muitos atribuem essa característica ao clima e à origem étnica da população, como no inverno, quando se desfaz o nevoeiro matinal surge um lindo dia de sol. Curitiba com suas ruas charmosas, avenidas largas, com seus parques e praças; com um transporte público inovador, consegue cativar a cada dia novos imigrantes, que por sua vez, também se rendem à urbe a qual adotaram. A cidade provinciana do início do século XX se transforma em uma metrópole-modelo, ainda com muito a melhorar, antes da virada do milênio. Sua população duplica, quadruplica, mas o amor que o curitibano tem pela sua terra não muda, só aumenta. Curitiba se orgulha de seu passado, vive seu presente e planeja seu futuro. A cidade pretende ainda ser melhor e mais justa neste novo século que se inicia. Antonio Victor Rodrigues Lobo Arquiteto e Urbanista

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Fernando Henrique Rodrigues Lobo Arquiteto e Urbanista


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Curitiba dá Samba! “São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba”, dizia a música de Noel Rosa. E Curitiba? Dá o quê? Curitiba também dá leite, sim – e quente. Prova disso é que não há melhor expressão para identificar o sotaque da cidade. E mais: Curitiba dá café. Principalmente no inverno gelado, quando os cafés tradicionais da cidade parecem ser os melhores redutos para escapar da umidade que congela até os ossos. A Boca Maldita, ponto do expresso tomado de pé para esquentar as notícias do dia, é o exemplo mais simpático do café que a cidade dá. E o samba? Será que minha cidade “dá samba”? Dá sim. Ao menos se pensarmos no samba como a famosa gíria para algo que “dá certo”. Aí, Curitiba tem muito samba no pé. Lembro quando comecei meu negócio, na Rua Saldanha Marinho, centro da cidade. Éramos uma pequena e simpática farmácia de manipulação. E tínhamos um sonho. Hoje, 29 anos depois, toda vez que entro no Boticário, vejo meu sonho crescendo, internacionalizando-se, tornando-se a cada dia uma realidade mais impressionante. A célebre exigência dos curitibanos, acostumados com uma cidade com qualidade de vida reconhecida, ajudou-me a buscar o padrão de excelência mais alto possível para O Boticário. Curitiba foi o terreno em que construí meu sonho, a terra onde plantei minha empresa. Se em vez de empresário eu fosse músico, como Noel, arriscaria até um samba para Curitiba, tocado em algum café da cidade, na companhia de amigos da terra do leite quente. Miguel Krigsner Presidente d’O Boticário

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Se Dependesse de Mim... Posso definir minha paixão por Curitiba com algumas palavras, principalmente quando não estou em Curitiba. A vontade de chegar. Não existe, para mim, emoção maior quando desembarco na minha cidade depois de alguns dias de viagem. É uma sensação gostosa, de segurança, de rever a família, os amigos e, é claro, o meu futebol, paixão maior da minha vida depois dos meus filhos. Sou curitibano do bairro Água Verde, onde nasci, criei-me, constituí minha família e continuo até hoje. Sou curitibano dos cinemas, teatros e restaurantes. Sou curitibano da Rua das Flores, dos parques e praças e dos estádios de futebol. Sou, sim, curitibano da Rua 24 horas, dos bares de final de tarde e do bom papo com os amigos. Sou empresário de Curitiba e daqui não arredo o pé. Não posso afirmar que na minha cidade não existem problemas porque isso faz parte do crescimento, mas posso dizer, com todas as letras, que aqui existem bons administradores que nos dão perspectivas futuras com qualidade de vida, porque Curitiba é verde, é de todas as raças, é bela, fera e, se dependesse apenas da minha vontade pessoal, gostaria de administrá-la. Joel Malucelli Empresário

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Curitiba Gravada no Olho Curitiba sedutora, com suas longas áreas verdes, suas canaletas sensuais rasgando a cidade e por onde trafegam democraticamente pessoas do mundo inteiro que aqui vieram se misturar em parcerias impossíveis e belíssimas. Curitiba modelo, admirada em todo mundo por suas soluções urbanas esculpidas genialmente por seu filho maior, Jaime Lerner, que com suas acupunturas a tornou mais humana, cosmopolita e única. Curitiba, erudita bailarina que me abrigou em todas as suas estações num tubo futurista e no pior inverno de minha vida casou comigo e com seus olhos azuis me ressuscitou e se tornou para sempre minha casa. Carlos Deiró Empresário

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A Minha Curitiba A minha Curitiba é meu orgulho. A de hoje, a de ontem, a do amanhã. A dos meus pais, a minha, a dos meus filhos e netos. Nasci atleticano em Curitiba, por isso não me intitulo curitibano. Sou rubro-negro de berço, da velha Baixada, da nova Arena e de um futuro que promete ser ainda melhor. Sou filho do Onha (Leonardo) e da Dona Janina. Ela, polaca vinda de lá, ele polaco de antepassados. Ambos reis da feijoada, em Curitiba, dos anos de 1950 aos de 1990. Pais que deixam imensas saudades. Saudades do Restaurante Embaixador, na Riachuelo, onde me criei e com os amigos jogava bola na calçada (às vezes, bola de meia, noutras, capotão). Nosso playground era o Passeio Público; nossa piscina, o repuxo da Praça 19; nossa praia, a Rua XV. Ah! Que saudades daquela XV dos anos de 1960, com lojas chiques, vitrines chiques e povo idem, fazendo footing, comprando, apreciando, vendo e sendo visto. Bares sensacionais, confeitarias fenomenais, restaurantes ótimos e a antiga Lojas Americanas com seus waffles deliciosos com maple, e aquele cheiro gostoso de leite fervido derramado no fogão... Os tempos mudaram, como a XV. Uma multidão de novas pessoas para cá vieram. Lembro quando tínhamos menos de 500 mil habitantes. Hoje somos cerca de 2 milhões! Aquelas ruas quase sem tráfego, hoje estão cheias de veículos. Aquelas calçadas que permitiam bater bola, hoje estão repletas de transeuntes (que palavra feia). Mas Curitiba continua linda, bem cuidada (graças a bons prefeitos, quase todos eles), bem planejada e urbanizada. Claro que os problemas que eram pequenos cresceram, mas o orgulho de aqui viver também se ampliou. Somos referência nacional e mundial de cidade moderna. De metrópole que está dando certo. Somos um futuro antecipado, bem estruturado, para que possamos viver aqui de uma forma cada vez melhor. A Curitiba dos meus filhos e futuros netos é a cidadela que o Coppola veio ver de perto. Não tem mais os passeios na XV, mas tem o footing nos shoppings cada vez melhores, assim como em bairros que são minicidades (têm de tudo). Cidade de mulheres bonitas (quase 100 mil a mais do que os homens, louvores!). Transportes modernos, bem viver pra todos os lados (bem, quase todos os lados), oportunidades para quaisquer profissionais com competência, cartões postais infinitos, e ainda tem a beleza da Kyocera Arena, onde não perco um jogo do meu Furacão das Américas. Como eu gosto de ser atleticano nascido nesta cidade! Pois, por onde quer que eu ande, me perguntam sempre sobre duas coisas: da minha Curitiba e do meu Atlético. Não é bom demais? João José Werzbitzki Jornalista e Publicitário

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Curitiba – O Encontro Não sou nostálgico, mas procuro uma Curitiba que outrora fora um paraíso, onde em cada ponto eu descobria novidades. Vendendo jornais e revistas nas ruas descobri o mundo, aprendi a me defender e viver onde os meus melhores mestres eram clientes novos de cada dia. Lembro-me de pouca coisa, pois quando se é criança as horas não são medidas no relógio, mas, como trabalhava desde então, acabei convivendo com essa dualidade e isso me fez repensar alguns momentos vividos que merecem destaques e que simbolizam a nossa cidade, pelo menos na época. Certa vez andava pela Rua XV de Novembro quando ainda não era totalmente fechada para pedestre. Uma figura transvestida de mulher me parou e com um sorriso que nunca esqueço me disse: Você já tomou café hoje? Respondi, já. Mentira sua, retrucou ela. Venha, vamos comer uma pizza, mas lhe digo uma coisa, eu não tenho dinheiro e você é que vai pagar! Fiquei assustado e logo ouvi uma gargalhada soando como uma sirene. Falo de Gilda, um travesti sem paradeiro que alegrava as pessoas no dia a dia ameaçando-as de beijá-las se não lhe dessem algo para comer. Enfim, nosso artista das flores da vida. E por falar em artista, meu rumo segue até ao Teatro Guairá, um monumento gigantesco onde muitas coisas aconteciam, como aulas de dança, aulas de teatro, aulas de canto lírico (coral) e espetáculos aos montes que vinham de toda parte. E agora..... Cadê!... Curitiba também tinha suas grandes salas de cinema como o Cine Avenida, Ópera, Arlequim, Vitória etc. e que foram arrastadas para fora do mercado pelos grande shoppings. Procuro uma Curitiba que mantenha os bons costumes, o bom dia do desconhecido, o respeito aos pedestres, o ar puro, as boas coisas deixadas por políticos honestos, sensíveis e culturalmente preparados e com uma visão de futuro. Ah! Curitiba... ainda te encontro! O mundo gira e quando parar no ponto, quero que saiba, vou embarcar porque eu... estou pronto. Wanderley Lopes Bailarino

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Diver-Cidade Curitiba de tantas histórias, de vidas passadas, de encontros e desencontros. Curitiba de tanta chuva. E frio. E chuva. E frio. E chuva. E neblina. Curitiba do presente, um olho no passado, outro na metrópole que bate à porta. Curitiba que se fala bem e mal, aqui e lá fora – depende de quem. Cidade que eu canto, tu encantas, ele decanta. Curitiba, somos a tua vida. Deonilson Roldo Jornalista

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Diálogo e Olhar Segunda-feira, 15 de janeiro de 1973. O relógio da Rodoferroviária, em Curitiba, ostenta as horas: sete e quinze da manhã. Trago comigo tão unicamente uma pequena mala, muito simples, muito tímida, e com ela sou a imagem acabada de quem está chegando sem eira nem beira, para tentar a sorte na cidade desconhecida. Um amigo que mora na Casa do Estudante Universitário virá me buscar. A única coisa acertada é essa: vou passar uns tempos como clandestino na CEU. Meu amigo deveria estar me esperando, mas com toda certeza atrasou-se. Com pouco dinheiro, não me dou ao luxo de esperá-lo tomando um cafezinho. Sei que o que tenho é insuficiente para a sobrevivência – tenho que economizar ao máximo. Também não posso me afastar do portão de desembarque, onde um ônibus da Viação Cometa, vindo de São Paulo, me deixou. O que faço é dar uns inseguros passos de lado a outro. Esses são meus primeiros minutos curitibanos e toda minha história aqui é nada: vim de Sorocaba, onde trabalhei como operário de fábrica de tecidos por quase nove anos e pedi a conta para entrar num pequeno jornal, pois meu sonho era ser jornalista. A experiência foi frustrante; a ideia de vir a Curitiba surgira no escritório de uma amiga advogada e, colocando em prática um plano que estava nascendo, mandei um telegrama ao meu amigo pedindo informações sobre cursos de Jornalismo. Agora estou aqui. Tenho uns trocados no bolso, poucas mudas de roupas e um par de chinelos na mala. Pela frente, toda uma vida a ser vivida. Atravesso o pequeno espaço que me separa da frente da rodoviária. É muito difícil para mim o termo “rodoferroviária”. Pessoas passando, táxis estacionados. Donde estou olho intuitivamente à minha esquerda, imaginando que para esses lados fica o centro da cidade. Começo, então, a dialogar com a terra que me recebe. Digo para Curitiba que estou chegando de longe, que vim para ficar. Vim para conquistar aquilo que muito almejo: ser jornalista. Então, estou aqui, meu nome é José Carlos, e não tenho sentimentos de guerreiro. “Não estou aqui para vencê-la, não proponho uma luta, mas a harmonia”. Tudo o que quero é repetir a mesma história sorocabana, onde deixei muitos amigos, eles são amados por mim e eu por eles. Gente de todas as idades, de variadas posições sociais, de horizontes mais amplos, de tímidas perspectivas. O que almejo, digo à cidade, é essa vastidão de ternura e, no dia em que me ausentar daqui, quero sentir a mesma dor que estou sentindo, pelos que deixei. Meu pacto vislumbra laços afetivos entre eu, forasteiro, e a cidade posta e plena em sua manhã. Isso aconteceu pouco mais de 7 e 15 da manhã de 15 de janeiro de 1973. De vez em quando me lembro dessa cena e é impossível não ter um olhar de ternura para a longa estrada que caminhei desde então, tendo sempre Curitiba como solo de sustentação e aconchego para as idas e vindas, no mapa do meu destino. Zeca Leite Jornalista

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Curitiba por Opção Cheguei a Curitiba pela primeira vez em março de 1961, pouco antes de completar 13 anos. Na época, a viagem de Sertanópolis – onde nasci – para a capital era quase uma aventura, ainda não existia a Rodovia do Café. Era praticamente um dia inteiro para vencer a distância de quatrocentos e tantos quilômetros de poeira, no calor, e lamaçal, na chuva. Curitiba não tinha mais que 200 mil habitantes. Hoje, dizem que a Curitiba dos anos de 1960 era uma cidade provinciana. Aos meus olhos de adolescente que viera à capital para estudar e trabalhar, era a cidade grande, onde todos andavam apressados, em todas as direções, os homens de paletó e gravata, alguns de chapéu. Demorou um pouco até que me acostumasse com aquele turbilhão. Mais difícil foi se familiarizar com o frio. Quando começou o outono, pensei que já era inverno, o termômetro apontando cinco graus e o vento gelado das manhãs que já prenunciavam a geada. No final de agosto, ouvi meu tio dizendo, assombrado, que o presidente da República havia renunciado, não queria mais ficar no cargo. Não entendi muito bem e fiz até uma confusão de nomes: primeiro, falavam de Jânio – que eu sabia que era o presidente –, depois começaram a se referir a um tal de Jango, de quem o prefeito Iberê de Mattos falava muito bem no rádio. Em 1963, ao entrar no Senac e me inscrever no Grêmio Estudantil, passei a entender tudo aquilo um pouco melhor, instruído pelos alunos mais velhos, todos eles muito politizados. Por meio do Senac, comecei a conhecer melhor Curitiba, especialmente o bairro Rebouças, que concentrava várias indústrias, concebido originalmente, no plano Agache, ainda nos anos de 1940, como o Distrito Industrial da cidade. Adorava passar por lá nos finais de tarde para sentir o saboroso cheiro de café que emanava de uma indústria de torrefação, enquanto ouvia os apitos do trem que saída da estação, ali pertinho. Não muito longe dali ficava o estádio do Atlético, a velha e querida Baixada. Como todo adolescente, eu me tornara fanático por futebol desde que o Brasil havia conquistado o bicampeonato no Chile, em 1962. Minha paixão pelo rubro-negro foi instantânea. Mas só em 1970 pude comemorar o primeiro título paranaense do Atlético. Voltei de Paranaguá, onde o Atlético goleou o Seleto por 4x0 para se sagrar campeão, com um troféu nas mãos: o par de meias do Sicupira, maior ídolo atleticano. Nos anos seguintes, houve idas e vindas, encontros e reencontros com a cidade. Retornei ao interior, fincando um pedaço da minha existência em Campo Mourão, morei vários anos em Brasília a trabalho e, antes disso tudo, tive uma rápida e singela passagem por Ponta Grossa. Mas Curitiba permaneceu como o centro de gravidade. Não foi por acaso que eu e Rose tivemos aqui o Ricardo, nosso terceiro filho, nascido a 28 de junho de 1988. Sem desdenhar de minhas raízes – e mantenho ligações de afetividade com os lugares em que nasci ou por onde passei –, hoje sou curitibano por opção, assim como muitos outros que para cá vieram realizar seus sonhos e aspirações. Rubens Bueno Deputado Federal

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“De que vale o banho de sol na beira do mar se temos o banho de lua na beira de Curitiba.� Manoel Carlos Karam (1947-2007) Dramaturgo

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Curitiba é província e tem mais de milhão de habitantes. Ela é cidade pequena e grande ao mesmo tempo. Por isso, é amada nos detalhes. Quem vem de fora, lá de cima principalmente, primeiro sente frio, mas depois descobre rápido o quanto há de quentura envolvendo uma temperatura de zero grau. Falar mal de tudo aqui é esporte. Mas isso é prova de amor dos eternos. Porque podia ser melhor, porque essa menina merece, principalmente porque estamos aqui, sentindo-a. Quando se vai dar uma volta ali na megalópole do lado é que a coisa vem. Primeiro, a saudade. Meu Deus, como é bom flutuar pela Avenida das Torres e ir penetrando-a devagar, com carinho. Como é que não reparamos estas ruas limpas? A Vila Pinto ao pôr-do-sol contra a parede de edifícios do Centro. Ali, onde está o Cachorro na placa do bar do bife/queijo/verde e todas as figuras da Rua XV, incluídos velhinhos da Boca Maldita e garotos do trotoir noturno da Praça Osório. Sim, o Vampiro Dalton Trevisan sempre estará por aqui. Mas bom mesmo é ficar de frente para uma das janelas de sua casa na esquina da Ubaldino com a Amintas de Barros imaginando-o escrever nossas histórias, a dos Joões e Marias de sempre. Que circulam nestes ônibus e dentro de canaletas que, ao invés de aprisionar, libertam. O olhar a cidade e sempre encontrar o velho armazém e boteco da família de várias gerações. Sempre está ali, depois que você dobra a esquina. Dá para comer sossegado o pão com “chachicho”, tomar gasosa e notar que na casa da frente tem lambrequim com um jovem lá dentro ligado ao mundo pelo computador e com comunidade própria no Orkut. A cidade foi inundada por bares, restaurantes, serviços de primeira. Mas como é bom ficar na ponta dos pés para espiar o bosque que aquele sujeito mantém quase na esquina da Mateus Leme com a Roberto Barroso. Ninguém acredita que alguém possa morar no Centro Cívico e sair de calção cedinho para passear no Bosque do Papa, com esticada, pela ciclovia, ao Parque São Lourenço. Abraça-se então uma araucária com duzentos anos de vida e, dependendo do dia, é preciso respirar bem para acreditar que tudo isso existe. Então, olha-se, com os olhos e com a alma. E ama-se. Porque a cidade merece. Liz Wood Fotógrafa

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Os Dois Meninos O menino me olha com seus olhos de vidro e tenho vontade de lhe dizer: Êi, eu também sou menino, sou curitibano, nascido de parto de parteira num sobrado da Rui Barbosa. Curitiba era, então, um paraíso perdido. Ali pelo centro andava-se de bondinho elétrico, e as mocinhas, muito elegantes, faziam footing nas calçadas da XV de Novembro, atrás de compromisso. Na praça, duas vezes por ano, instalava-se o Circo Thiany – até hoje tenho pesadelos com o túnel de assombrações, um dia eu e meus primos fizemos até concurso pra ver quem ficava mais tempo sem gritar. Não, não sou um velho do começo do século passado, nasci na década de 1950, não faz tanto tempo assim. Uma luz suave, ambarina, banhava o quarto de vovó quando dei o primeiro grito. Dois membros ilustres da família – Raquel e Raul Mensing, do Instituto Mensing de Piano, localizado bem ao lado, no Largo Alfredo Parodi – tocaram alguma coisa, Bach ou Chopin, para celebrar. Ouvi, em português, alemão e num terceiro idioma, estranho, enrolado, uma expressão que sintetizava o sentimento da casa: “À vida!”. Muitos anos depois, diante do menino que enfiara sua cara dentro do meu carro, duas e meia da tarde, em pleno centro, eu iria descobrir que tudo tinha mudado. — Rápido, filho da puta, o dinheiro ou eu te dou um tiro na cara. — Ele me disse. Coitado, uma criança, como eu. As coisas eram diferentes, o mundo era diferente. Os meninos eram diferentes, na Rui Barbosa em que eu nasci. Jamil Snege (1939-2003) Escritor

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Eu sou do tempo em que os dias tinham 24 horas. Hoje eles são mais curtos. Acho que a terra gira mais rápido e o tempo evapora... Algum cientista ainda vai provar que isso é verdade... Eu sou do tempo em que Curitiba – acreditem – tinha carnaval. Os antropólogos ou arqueólogos também provarão essa afirmação. Os desfiles aconteciam na Avenida Luiz Xavier (que meu pai chamava de Avenida João Pessoa). Desfilavam blocos, com fantasias honestas, animação legítima e ritmo. Sim, eles tinham ritmo. E as famílias curitibanas gostavam. E jogavam confete e serpentina durante os desfiles. Nos anos de 1970, os blocos viraram “escolas de samba”, como ditava a moda vinda do Rio de Janeiro. O desfile mudou de rua e o carnaval virou o que todos conhecem. Mas isso é outra história... A avenida, ou rua em questão, era o local onde ficavam os cinemas da cidade. E era onde eu ia às matinadas nas manhãs de domingo. Os anos de 1970, aqueles do “milagre econômico”, além de aniquilarem o carnaval de rua de Curitiba, motorizaram o Brasil. A classe média sonhava e se endividava para ter um Volks Sedan, um TL, um Corcel, uma Variant ou ainda um impressionante Opala. Por conta dessa invasão de automóveis, a cidade precisou se modernizar. E um dia essa rua virou um estacionamento público. Já que os parquímetros eram coisa que só se via em filmes norte-americanos (ainda hoje é assim), inventamos um estacionamento numa via pública. Era o jeitinho brasileiro com sotaque curitibano. A coisa não durou muito. E num fim de semana a principal rua do centro virou uma calçada e expulsou os carros. Coisa de louco, comunista ou de inca venusiano! (Naquela época não existia o termo alien ou extraterrestre, existiam os incas venusianos e os seres abissais e ponto). Fato é que a história da cidade pode – para quem viveu o cataclismo - ser dividida em antes e depois do calçadão. Aliás, acho que são duas cidades diferentes. Quando as pessoas passaram a andar pelo meio da rua, elas reconquistaram um território perdido para a máquina e fundaram uma nova sociedade. Passo a passo, os curitibanos foram ficando mais íntimos da cidade. Aquela rua de comércio, por onde as pessoas passavam sem prestar muita atenção, virou quase alguém da família. Os painéis de comerciais que escondiam belas fachadas foram retirados e revelaram uma cidade de cara limpa. Prosaica, interiorana e ainda assim revolucionária. Que tinha coisas que outras cidades não tinham. Os curitibanos então se apaixonaram por uma cidade que desconheciam. Nasceu assim uma espécie de orgulho que os curitibanos não tinham. Os nativos passaram a adorar aquela cidade outrora sem graça. E fazer muxoxo quando alguém fala mal da “cidade laboratório do Brasil”. Os parques, as praças, o sistema de transporte, o planejamento urbano e outras traquitanas pesam na balança. Mas se hoje o curitibano acha que mora na melhor cidade do sistema solar, a culpa é da Rua XV. Ela é o nosso Arco do Triunfo, nossa Estátua da Liberdade, nosso Big Ben. O Coliseu. É a rua que cada curitibano pode dizer que é sua.

Almir Feijó Jornalista

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E o Maurício Fruet foi conhecer a Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU) No início de seu mandato o Prefeito Maurício Fruet, por iniciativa do então Presidente do IPPUC, Alcidino Bittencourt Pereira (foi talvez o Presidente do Instituto que melhor interagiu com os funcionários), que tinha recém-chegado de seu exílio na Europa (foi deportado na Revolução de 1964), resolveu ir à Brasília para mudar algumas metas e obras do saldo do convênio EBTU/BIRD, do qual Curitiba fazia parte junto a outras oito capitais. Como meu setor respondia pelo convênio como representante do IPPUC, fui convidado para acompanhá-los. Ao chegarmos à sede da EBTU, ficamos um curto espaço de tempo na antessala do Diretor Presidente, Dr. Gil César Moreira, que depois enveredou pelo caminho político e hoje ainda deve ser deputado federal por sua Minas Gerais. Lá se encontrava o pessoal técnico de Salvador que tinha o prefeito Mario Kerstz, em sua primeira gestão. Os baianos contaram que tinham ido à Brasília para solicitarem o financiamento pelo convênio de uma “fábrica de placas”. O Maurício gostou da ideia, e ao sermos recebido pelo presidente da empresa, foi logo pedindo uma fábrica de placas igual ao dos baianos para Curitiba. O Gil César, que é um grande gozador, já emendou ao nosso prefeito, que não só financiaria a dita fábrica como uma meia sola para o sapato do prefeito que apresentava um senhor furo em sua sola direita. Com dois grandes gozadores, não mais restou ao Alcidino B. Pereira e ao Augusto Canto Neto viabilizarem o projeto. Quanto à meia sola, não sei como ficou resolvido. Essa fábrica operou de 1984 até 1998 na Secretária de Obras Públicas do município, órgão pelo qual tive a honra de representar de 1989 a 1996. Fabricava na diretoria da então OPIT mais de 1000 placas por mês, com custo muito menor do que o mercado. Inclusive o senhor, que desenhava e cortava as placas especiais com o desenho de animais para o Zoológico de Curitiba, descobrimos que era analfabeto. Em um ano foi alfabetizado em um curso que implementamos com o apoio da Secretaria de Educação do município. Só que isso é outra história de nossa Prefeitura Municipal. Canto Neto Engenheiro

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Napoleon Potyguara Lazzarotto: para sempre Poty Um artista além de seu tempo, um imortal

Curitiba – Napoleon Potyguara Lazzarotto, ou simplesmente Poty. Em uma de suas últimas entrevistas, talvez a última, Poty se derrama em poesia e reminiscências. Um homem incrível, maior do que o seu tempo, imortal pelo patrimônio que deixa, generosamente, à Curitiba e ao mundo. Morre o homem, mas permanece o mito de um artista universal, que se confunde com a própria cidade em que nasceu. Poty e Curitiba comemoravam aniversário no mesmo dia 29 de março há mais de meio século, desde 1924. Brincalhão, pregou uma peça à cidade: ao morrer, no dia 7 de maio de 1998, frustrou o brilho da festa desse ano. Poty jamais dizia a idade que tinha. Mas a indeterminação do tempo era um direito adquirido, ao longo dos anos, pelo universo de suas obras espraiadas por toda Curitiba, identificando ambos no mesmo espaço e em um único abraço. Poty e Curitiba se tornaram griffes internacionais. O artista influenciou toda uma nova geração de profissionais: poetas, escritores, jornalistas, artistas, urbanistas e até arquitetos. Com Poty, formou-se um novo traço que identifica, une e transcende espaços e tempo. Criou-se uma nova cultura regional que ultrapassou fronteiras, imaginações e desafios. Mas, modesto e simples como os grandes gênios, Poty tentava explicar: “Em matéria de amigos, circunstâncias e fatos, sempre tive muita sorte. Nasci empelicado . Nada de extraordinário, todas as oportunidades apareceram no momento exato”. Como se fosse comum uma criança ler aos quatro anos de idade, como ele o fez, na tentativa de saciar a própria curiosidade pelas estranhas e atraentes figuras dos livros de história antiga, que transbordavam uma banheira antiga que existia na casa de seus pais. “Essa banheira é a minha mais remota memória de infância”, diz maroto. Uma imagem ficou registrada em seus primeiros desenhos que reproduzem cenas históricas de assírios, egípcios e romanos, cenas que nada tinham a ver com o bairro em que nasceu. “Nasci no suposto Cajuru e depois minha família se mudou para o suposto Capanema. O bairro continua no mesmo lugar. Mas hoje leva o pomposo nome de Jardim Botânico”, ironiza. Nada do bairro lembra o tempo em que os meninos, como Poty, levavam as vacas leiteiras para o campo dos Kemps. Poty se deixa embalar pelas lembranças e sorri, deixando escapar o menino que ainda guardava em algum cantinho dele. E o menino se torna real nas lembranças do artista. “Esse era um tempo bom e feliz”, testemunha. Era um tempo em que a zona urbana de Curitiba terminava na Rua João Negrão. “O resto era um só banhado”, atesta satisfeito, absorto na infância perdida. Menino, já era fascinado pela vida. Observava o cotidiano e se deslumbrava com as luzes e as sombras, o preto e o branco. E registrava tudo o que via: histórias, guarda-freios, visitadores de locomotivas, tudo... “Imagine a perspectiva 

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de uma criança de oito anos que vê, pela primeira vez, um bonde. Ah! Eu acho que as crianças de hoje nem percebem seus traços. As cidades são mutantes...”, resume, sob um leve traço de tristeza. Mas nem as rápidas transformações urbanas lhe tiraram a sensibilidade. “Sempre tive a noção exata da miséria do povo”, reflete comovido. Fragmentos de vida eram contados, em reminiscências, como as sucessivas enchentes que aconteciam na cidade. “A gente acordava no meio da noite com a água invadindo a casa. O refúgio era o sótão”, conta, deslumbrando o ouvinte. “Hoje, o inimigo é outro e variado”, acrescenta em uma análise lúcida sobre o seu próprio tempo. A rua – a que se referia – era a Avenida Capanema, atual Affonso Camargo. “Quando as águas baixavam, era uma lama só e uma trabalheira danada”, recorda, perdido em um mundo distante. As marcas de uma dessas enchentes ele carregou para sempre: um ferimento grave em um dos olhos. O menino Poty entrou em uma tina de lavar roupa e foi navegando, aventureiro, naquele novo rio. Na volta, a tina afundou e ele ficou preso em uma taquara que lhe atingiu um olho. Mas nem a fatalidade lhe roubou a vontade de viver. O sofrimento e o tampão no olho não o impediram de assistir, junto com as primas, a todos os filmes que quis. Adorava cinema. Não entendia nada do enredo, mas confessa que ficava fascinado. Os filmes eram em preto e branco e era o que importava. “O colorido nunca me impressionou”, ressalta. Não que ele não apreciasse os pintores das cores. “É que a minha natureza me leva para o preto e o branco”, explica. Para ganhar uns trocados, foi distribuir o jornal Diário da Tarde. Logo depois, já publicava os seus primeiros desenhos no mesmo jornal. Assim, em quadrinhos, surgiu Haroldo, o Homem Relâmpago. Poty tinha apenas 14 anos. Nesta época, o acesso aos livros de pintura, principalmente aos europeus, era muito difícil. Apesar das dificuldades, conheceu Goya e Rembrandt. A cor da pintura era verde. “Era tudo verde”, relembra rindo. Logo depois viajou, estudou e chegou mais perto “desse mundo encantado e mágico”. Em 1954, casou-se com uma mineira, Célia Neves. “Ela não possuía uma beleza clássica. Mas bastavam dois minutos de conversa e ela se tornava belíssima”, conta orgulhoso e feliz. Com a morte da mulher, veio a solidão que ele desdenha com um balançar de ombros. Poty ensina que a ausência é apenas física. As pessoas permanecem na memória e no coração do outro, da outra, do cidadão e da coletividade. E para quem duvida, basta passear pela cidade para ver Poty em cada canto, parede e monumento. Curitiba e Poty se abraçam, confundem-se, e se fundem, em uma única obra de arte e de humanidade, generosamente. Para sempre. Vania Mara Welte Jornalista (Entrevista concedida à jornalista por Napoleon Potyguara Lazzarotto, Poty, poucas semanas antes de sua morte, em 1998.) Empelicado - Ao nascer, o corpo é coberto por uma película que não é a placenta. Esta película é chamada pelos italianos de “palo”, uma proteção de sorte. De acordo com crenças na Idade Média, nascer empelicado era determinante de um nascimento mágico. E era costume guardar essa película em um saquinho de poder, que jamais saia do pescoço do ‘escolhido’. Há informações de que Sigmund Freud, o mestre da Psicanálise, também nasceu com essa película. (Dicionários BUARQUE de HOLANDA, Aurélio; MICHAELLIS; WIKIPEDIA; e FREUD, Sigmund.)

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Curitiba, “A Metrópole das Artes” Sonho sempre com a Curitiba que será não a de antes de Dalton Trevisan, nem a de hoje de Wilson Bueno. Sonho com o que mais me inspira e que mudará para sempre a história curitibana. A Curitiba programada terá grandes teatros com espetáculos vindos de todo o planeta, haverá apresentações nas praças, nos parques, nas ruas, nos mercados, nas fábricas, nas escolas, nos bares, nos trens-balas, nos pequenos becos e em cada esquina. Nada será impune à Arte: ouvir-se-á músicas, sons e textos; sentir-se-á cheiro de tintas das telas e de barro das esculturas; apreciar-se-á corpos dançando, equilibrando-se, nas mãos tomadas por mímicas, pantomimas e malabares; derramar-se-á nas linhas de Machado de Assis e Helena Kolody; deliciar-se-á com Chaplins, curtas, médias e longas de todo o canto desse mundo. Ah!!!! Sonho ver crianças, velhos e jovens se alimentando dessa fonte eterna das criações e ilusões humanas. Curitiba finalmente exportando Arte para as TVs, para os cinemas e para os palcos afora. Finalmente o artista curitibano sendo aclamado, sendo seguido e prestigiado. Nossos ídolos para sempre e eternamente reconhecidos. Nada mais será como antes, nada. Creio que tudo mudará, inclusive as nossas tardes frias e chuvosas. Elas terão as cores, os sons, os cheiros e as formas de inesquecíveis dias de verão. Aquele verão em que você se deixa levar, somente pela sensação plena de existir! Eleonora Greca Bailarina

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A Educação Como Pilar da Projeção de Curitiba Abençoada a cidade que une gente de grande parte das etnias e credos. Bendita Curitiba que também acolheu 193 instituições religiosas dos quadrantes da terra, a maioria dedicadas à educação. Curitiba é a metrópole brasileira da diversidade cultural, onde todos convivem pacificamente e vivem o bem-estar físico, social e espiritual. A excelência da educação ministrada nos três níveis é seu alicerce, a qual embasa a evolução regional, o desenvolvimento nacional e a projeção internacional. Daí sua gênese, atualidade, valores e dimensão histórica.

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Na esfera econômica, as inovações são compatíveis e adequadas às características de sua estrutura produtiva, educacional e configuração sociocultural. Políticas públicas convergentes, planejamento urbano, transporte coletivo, parques ecológicos e complexos industriais modernos a distinguem. Com segurança, é cidade pós-tecnológica. Mais uma vez, a educação deu o tom do progresso, a qual potencializa e ilumina o seu futuro promissor, mantém moderno e empreendedor o cidadão, globaliza manifestações testadas e experimentos inéditos. Sem ostentação, Curitiba transpira eficiência e competência; sem fulgor, inspira paradigmas e qualidades agregadas. Curitiba sempre foi movida por certa euforia, justificada pelo seu patrimônio e imponência cultural, arquitetônica, artística e educacional. Literalmente, é um laboratório de Primeiro Mundo, a melhor definição para essa gente que dialoga em alto nível com o mundo. De forma concreta, a educação cria unidade, consciência e orientação humanística. A intelectualidade sábia constrói obras belas e perenes, traça fundamentos e consolida horizontes planejados estrategicamente. O cunho de seriedade no ensino público e a proficiência dos estabelecimentos educacionais mantidos por congregações religiosas são bases e respostas para muitos fatores da florescente expansão industrial e comercial. O projeto educacional implantado pioneiramente no Brasil pela PUCPR, a partir de 2000, por exemplo, tem o condão de formar cidadãos solidários e profissionais tecnicamente capacitados para atuar em qualquer ponto do planeta. Desde a sua chegada a Curitiba, em 1925, os Irmãos Maristas mantêm na cidade a PUCPR, colégios, um conglomerado de veículos de comunicação, hospitais e obras assistenciais. Adotam processos pedagógicos inovadores e destinam parte de seus recursos e esforços para inserir socialmente adolescentes e jovens desfavorecidos social e financeiramente. Ao mesmo tempo, como ideal e metodologia para superar essa complexidade, exercitam produtivamente o diálogo entre educação, fé, ciência e caridade. Em vista do futuro, a Curitiba para a qual todas as forças vivas devem empenhar-se daqui para frente, inclusive a Igreja, não é para a Curitiba moderna, pioneira e conquistadora de prestígio internacional. Essas competências e talentos ela já conquistou. Agora, a Curitiba que queremos necessita voltar seu olhar intensamente para contingentes crescentes de pessoas que ainda não são assistidas em seus direitos e nem configuradas em sua dignidade humana. Precisamos assumir a natureza e as limitações dessa gente. No futuro, será essa história de amor e fraternidade que vamos relatar e justificar para as novas gerações. Bendita a cidade que cuida de toda a sua gente, investe na educação, na saúde, nas tradições culturais e religiosas, nos bons costumes e nas comunicações. (Janeiro de 2006) Clemente Ivo Juliatto Ex-Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). É pós-doutor em Administração Universitária pela Harvard University, em Cambridge, Massachusetts, EUA.

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Um Adeus Para a Curitiba Polaca Curitiba deixou de ser polaca. — Quando? — Há pelo menos três décadas. Quando se despejou no norte do Paraná a geada negra que pôs fim aos verdes pés de café que brotavam da terra roxa. O ano era o de 1975, coincidentemente o ano da última neve na capital. Depois da tragédia que dividiu a história do Paraná em antes e depois da geada, a população das novíssimas cidades do norte paranaense viu-se obrigada a procurar outros cenários para a realização de suas esperanças, pois o homem não se faz vivo sem esperanças. Com exceção de três grandes centros urbanos, Maringá, Londrina, Curitiba – e mais tarde Foz do Iguaçu, com a construção da usina de Itaipu – as cidades paranaenses começaram a minguar, quando não a desaparecer por completo, principalmente as dependentes da monocultura cafeeira. À medida que a região setentrional se esvaziava, com rotas migratórias definidas para regiões do Mato Grosso e outros estados mais ao norte do país, uma grande leva de ex-agricultores saiu de suas cidades para engrossar as franjas urbanas, notadamente a de Curitiba, capital do estado com vocação acadêmica, administrativa e habitada por mais de século por povos oriundos da Europa. Assim, em bairros predominantemente polacos, habitados por italianos e poloneses – São Brás, Campo Comprido, Órleans e até mesmo Santa Felicidade – que se colocavam no caminho da planejada Cidade Industrial de Curitiba, cresceram os conjuntos habitacionais e as sub-habitações, conhecidas como favelas. Com a industrialização resolveu-se em parte o problema do emprego. Curitiba não mais era somente dos estudantes e dos funcionários públicos e os antigos bairros bucólicos ganharam massas de operários e trabalhadores com um sotaque bem brasileiro que se funde aos antigos dialetos. O curitibano fala hoje uma nova língua que ainda está em processo de formação, com uma gramática própria, que incorpora expressões polacas, gaúchas, mineiras, catarinas e paulistas. A Curitiba do “leitê quentê” é como um velho cartão postal amarelado da Praça Tiradentes ou do Passeio Público. Em nossos dias, a polaca da pele alvíssima e olhos azuis só tem existência garantida nas páginas dos contos do Dalton Trevisan. Ela, se ainda existir, não vai à panificadora comprar “salame, vina, pão bengala e cuca”. A polaca, esta nova polaca, vai para a padaria cantando um pagode e compra mortadela, salsicha, pão e bolo. Broa com banha nem pensar. Os tempos são outros, pão com margarina será a pedida. José Fernando da Silva Jornalista

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Escolhi Curitiba. Cheguei por sorte. Fiquei por gosto. Faz tanto tempo que vivo aqui que o casal de jabuticabeiras que eu plantei já está duas vezes mais alto que eu. Aqui aprendi a usar ciroula. E a falar ciroula em vez de minhocão. Das minhas três filhas, três são curitibanas. E eu internalizei tanto o lugar que, como bom e velho curitibano, só sairia daqui se fosse pra ir morar na praia. Acho graça quando falam que os curitibanos são antipáticos. Um povo “fechado”. Curitibano sabe que dar oi pra desconhecidos em dias nublados pode ser perigoso. (A maioria dos dias está nublado). E sabe qual é o valor de um oi. Não desperdiça à toa. Só diz oi quando este trouxer junto um “Tudo bem?”. E outro “Tudo, e você?”. Curitibano não sai cumprimentando todo mundo porque sabe respeitar o espaço dos outros. Mesmo motivo porque respeita fila. E porque sabe que pra realmente acolher uma pessoa, oi não basta. Nem simpatia. Morar em Curitiba exige um processo mais lento, mas que finca raízes mais fundas. E daí... como são doces as jabuticabas. Carlos Ruggi Repórter Fotográfico

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A Lente do Artista Sobre a Cidade A reprodução visual da realidade por intermédio da fotografia é um ofício de artista. No foco genial das lentes consagradas de Nani Góis, a cidade de Curitiba, a partir do lançamento desta obra, passa a contar com um novo “estatuto” da imagem, à altura da sua versatilidade e encanto. Ela é irresistivelmente encantadora, conseguindo albergar na sua diversidade humana e cultural a sua vertente cosmopolita, sem abdicar do charme citadino e da esquina que inspira o poeta e conspira em favor dos encontros e desencontros. Na sequência das fotos exibidas neste livro, o competente Nani nos proporciona visões e ângulos fascinantes da capital paranaense, tradução literal da cidade aqui retratada. Álvaro Dias Senador, Ex-Governador do Estado do Paraná nascido em Quatá (interior de São Paulo) e curitibano oriundo de Maringá.

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Uma questão de paixão Ela é fascinante e sedutora. E justamente por ser assim vem se tornando mais atraente a cada dia que passa. Ela seduziu e atraiu e continua seduzindo e atraindo gente de todos os rincões do estado e do país, até do exterior, todos irremediavelmente apaixonados. E o resultado desse encantamento acabou se tornando uma das características mais marcantes e agradáveis da cidade: Curitiba não é de ninguém e de nenhum grupo em particular, mas sim de todos nós, tanto os que aqui nasceram como os paranaenses, brasileiros e também estrangeiros que por ela se encantaram. E que, mais do que aquele amor natural que têm os que aqui nasceram, nutrem por ela um sentimento mais intenso – a paixão, que o talentoso Nani Góis, mais um curitibano vindo do interior, tão magistralmente revela em suas fotos.

Leonardo Henrique dos Santos Jornalista oriundo de Londrina, há 25 anos em Curitiba

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Que Pena! Virou Adulta Ele me ligou umas três vezes e eu esqueci. Pedia para escrever sobre Curitiba, para acompanhar o desfile das belas fotos deste livro. O Nani não é um intelectual, graças a Deus. O Nani é um repórter o dia inteiro. A Cida e seus olhos claros que o digam. O Nani é companheiro, eu que o diga. Que viajei o Paraná e o Brasil com ele. Quando ele me pediu para escrever, quase desabei. Esse cara, amigo e companheiro desde as épocas da revista “Veja”, despejava seus olhos na Nikon e seus segredos. Olhos de fotógrafo são diferentes. Manjam umas coisas que a gente não vê. Só eles. Como escrever sobre algo que só eles veem? E ele, agora, viu Curitiba. Perguntei se só era “boniteza”, e ele me respondeu que não, tinha carrinho de recuperadores (atenção vereadores, “recuperadores” são os caras que vivem de uma economia papeleira e recheada de restos de alumínio, e moram, salvo exceções, em favelas). Que coisa! Favelas. Favelas em Curitiba? Favela pro Jaime Lerner deve ser urbanizada, mas quem procurou e conseguiu a urbanização da Vila Pinto foi o Maurício Fruet, sem marketing, entretanto, que deve estar gozando dos moradores de hoje debruçado no purgatório, vendo os assaltos nos cruzamentos. Purguemos o Jaime, seu jeito bonachão, baiano-curitibano, e passeemos nas vielas de seus parques e nas suas canaletas exclusivas. Pensa nisso, Beto! O Ribas, amigão, disse-me no intervalo de uma salada que tinha pão torrado com alface num boteco da Comendador (a rua chique tem boteco, sim senhor!), que Curitiba precisa de um ”choque calçadista”. Taí, Beto, as velhinhas não caem mais, as gostosas não enfiam os saltos altos que empinam a bunda nos intervalos do “petit-pavé”. Marketing da calçada. Escrevi uma vez sobre a saudade dos piás, dos piões, da bola de búrico, do pular sela, narrando o que seria um sonho de um velho curitibano acocorado sobre os calcanhares numa rua de um bairro em que o asfalto engoliu o saibro e o macadame. O Cássio Taniguchi me disse que falar nisso era olhar para trás. O japa queria saber era de tecnologia e inovação. Mora em Florianópolis, parece. O Requião, ex-prefeito, dá porradas verbais, porque há de se pensar na periferia, onde tem votos. Prefere, porém, o Bigorrilho (ou seria Jardim Schaffer?) e o cavalgar do Canguiri. O burguês de olhos de lagarto, dominador da telinha, preocupado com a patuleia? Que é isso, companheiro? Ah, Curitiba, que pena você ter crescido. Bela infância, bela adolescente. Mas por que ser adulta? Você não merece. Nem nós. Fotos nela, Nani. Helio Teixeira Jornalista

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Na Missa “Maria de Nazaré, Maria me castigou...” O Júnior me olhou fixamente, segurando o riso no meio da missa. Mas quem estava por perto também ouviu. Aliás, provavelmente quem estava dentro da grande igreja da Paróquia Imaculada Conceição deve ter ouvido – afinal, eu não era das mais discretas. Por volta dos cinco anos, gordinha, baixinha, metidinha e afinadinha, eu costumava cantar bem mais forte do que a média dos fiéis católicos do Guabirotuba. Mas meu forte não era a fidelidade com as letras dos cânticos entoados nas longas missas do padre Bruno. Ninguém gargalhou, mas imagino que deve ter sido difícil controlar o riso entredentes e manter a concentração nas pregações – tarefa que já não era das mais fáceis com a oratória do padre, com uma voz grave, monocórdia e um ritmo lento, no rosto sisudo de um corpanzil que impunha medo. Que o padre Zezinho nunca descubra, mas desde aquele dia, nunca mais consegui cantar “Maria de Nazaré” com a letra certa, sem lembrar do “Maria me castigou”. A música, que traz uma bonita mensagem política do papel doce e forte da mãe de Jesus, fala daquela que ensinou o Menino a falar, a andar, a enfrentar o mundo. Assim, diz o padre Zezinho, “Maria me cativou”. Mas, àquela altura do início da minha formação católica, achava empiricamente que o “temor” a Deus e a todos os que o acompanhavam tinha algo a ver com castigo, arrependimento, medo. Claro que essa não era apenas a visão de uma menina de cinco anos. Quantos ainda hoje ainda não pregam a fé pelo medo? Bem, mas não era sobre isso que eu ia escrever. Eu ia mesmo lembrar que os cantos e as orações na infância têm essa ingenuidade bonita e engraçada. Em outra ocasião, uma outra música dizia: “Um rei fez um grande banquete, o povo já foi convidado, a mesa já está preparada, já foi o cordeiro imolado.”...“Imolado”? Que raio é isso? Não deve ser assim. Claro que eu improvisei com uma palavra bem mais própria ao meu vocabulário infantil: “Já foi o cordeiro embolado” – pra ser comido no jantar, é claro! Uma outra música falava algo do tipo “vamos ver que pão é Jesus”, não lembro muito bem. Mas lembro que “pão” era uma espécie de gíria da época que as mulheres usavam pra falar de homens bonitos. “Nossa! Que pão é aquele Toni Ramos!” E eu pensava, com um medo de que o próprio pensamento fosse pecaminoso, que a música se referia de alguma forma à beleza física de Jesus... Mas eu não era a única protagonista dessas gostosas histórias religiosas. Minha irmãzinha Michele – “minha” mesmo, porque ganhei-a de presente da minha mãe quando ela nasceu... mas isso é assunto pra uma outra história – não gostava de ir à missa. Assim como não gostava de ir à escola e de cumprir pequenas regras tácitas. Com a missa a implicância era a seguinte: “A gente fica num senta-levanta, senta-levanta, senta-levanta! Por que não sossegam?” Mas talvez a mais engraçada tenha vindo de fora da família. Na aula de catequese, a professora mandou a lição de casa: escrever, in-tei-ri-nho, o Pai-Nosso. Um colega mandou ver, com toda a fé: “Pai Nosso, cristais no céu...” Deus sabe (deve saber mesmo!) qual era a imagem bucólica que ele fazia do Paraíso. Talvez com um Deus-gigante caminhando por entre enormes cristais, com um arzinho glacial soprando em direção ao nada. Claro que a mãe dele guarda até hoje o caderno da catequese... Adriane Werner Jornalista

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Curitiba Não é Mais Só Dos Curitibanos Curitiba, não faz muito tempo, era apenas cidade de passagem, no máximo, local de parada para um pernoite. Turismo? Desconhecia-se o alcance desse nicho da economia. Felizmente, hoje o cenário é mais alvissareiro. E sobram motivos para otimismo! A cidade ganhou atrativos (parques, monumentos, memoriais). Recebeu equipamentos modernos para eventos (o ExpoTrade, o Estação Convention Center). Surgiram novos hotéis de todos os tipos (econômicos, intermediários, de luxo; de bandeiras locais, nacionais e internacionais). O roteiro gastronômico passou a acenar com sabores de todas as nacionalidades. Foram criados entes para fomentar e divulgar a atividade turística (a exemplo do Curitiba Convention & Visitors Bureau e, neste ano, do Instituto Municipal de Turismo). A cidade, como se diz, fez a lição de casa. Curitiba, por consequência, colhe os resultados desse esforço. Gentes as mais diferentes circulam pela capital, hospedam-se em hotéis, passeiam pelos principais pontos turísticos, movimentam restaurantes e bares, utilizam todos os tipos de serviços, fazem circular divisas, ajudam a gerar empregos. A cidade do leite quente se abriu para mundo: em todos os cantos é comum ouvir outros sotaques e idiomas. Curitiba não é mais só dos curitibanos. E o bom disso é que se pode avançar mais ainda. Com um trabalho de promoção turística mais consistente, perene, ousado, os números do turismo podem ser incrementados. Nesse contexto, é preciso deixar evidente que aqui, turista não é só turista, é também um cidadão temporário que merece todo o respeito e a melhor acolhida. Júlio Cézar Rodrigues Jornalista

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Farol do Saber, meu lugar preferido em Curitiba Ao contemplar, no Museu Vaticano, a impressionante estátua do Faraó Ptolomeu Philadelfo – aquele mesmo, amigo das letras, criador da Biblioteca de Alexandria – enquanto um grupo de crianças, liderado por uma freira contadora de estórias, passava entre nós e a gigantesca efígie, meu amado Rafael, prefeito eleito de Curitiba, anotou em seu caderno de ideias: “Novembro-1992: Faróis do Saber. Réplicas, releitura, do Farol de Alexandria, grande obra do criador da primeira biblioteca. A ser reproduzida, em minha adorada Curitiba, em múltiplos, exatamente no momento em que surge a internet.” E assim nasceu a ideia das bibliotecas de bairro, os Faróis do Saber, que passaram a iluminar Curitiba com as luzes do conhecimento. Rafael Greca governou a cidade, voltado para a chegada da nova era do conhecimento, nos dias marcados pela epifania da internet e da multimídia. Sabíamos que aquele era o tempo em que se cumpriria, com toda sua força, a profecia de Jó: “O homem é o que o homem conhece...As pessoas são aquilo que elas sabem...O povo será levado cativo enquanto lhe faltar conhecimento...”. Era preciso lutar contra o “apartheid” digital, o novo analfabetismo, a somar a esse flagelo o ainda não superado pela sociedade brasileira, a avareza com a cultura. Por isso, demos à nossa capital uma rede de bibliotecas e telecentros para compartilhar o conhecimento com todos os cidadãos, em especial, os mais excluídos, os mais carentes, os que tinham maiores necessidades e mais sede de saber. Surgiram os Faróis do Saber, um em cada bairro da cidade, privilegiando os mais carentes com 7 mil livros abertos para o saber e 10 computadores ligados à internet. No Brasil, os primeiros terminais públicos de acesso aos livros eletrônicos e à informação globalizada. Cada Farol apoiado num livro aberto, arquitetura muito simples, a chamar as crianças – de todas as idades – e os cidadãos de todo tempo, para a leitura. A biblioteca com os livros tradicionais, de papel impresso

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no pórtico, perto da rua, e a biblioteca eletrônica a ela superposta, uma rede de Faróis do Saber, bibliotecas públicas com duas faces: a porta da rua e a varanda envidraçada para o pátio da escola. Hoje, Curitiba é a cidade brasileira e da América do Sul com o maior número de bibliotecas públicas disponíveis para servir a todos, sem distinção. Talvez seja a cidade com maior número de bibliotecas públicas no mundo, pois a grande metrópole europeia Berlim, capital da poderosa Alemanha, tem apenas uma biblioteca de bairro, além da grande e centenária biblioteca central, conforme disse, em Curitiba, a própria diretora da Biblioteca Nacional de Berlim. Aqui, temos 48 Faróis do Saber tradicionais, e outras 27 bibliotecas localizadas em parques, bairros e instituições, num total de 75 bibliotecas públicas municipais – além da nossa Biblioteca Estadual, criada pelo governador Bento Munhoz da Rocha, em 1953, para marcar o centenário do Paraná. Em 1996, último ano em que Rafael foi prefeito, estavam listadas perto de 250 mil retiradas de livros ao mês, somando perto de 3330 mil retiradas mensais, por Farol. Com 250 mil livros consultados ao mês, multiplicados por 12 meses, chegávamos a 3 milhões de livros retirados por ano, em toda a rede. Esta é a sabedoria. Num templo junto ao Monte Abu, no lugar mais sagrado da Índia, um dia lemos: “O que não se compartilha , se perde.” Eis o Farol do Saber, meu lugar predileto, em qualquer dos bairros de Curitiba. Aqui fotografado pelo talento e pela sensibilidade do fotógrafo Nani Góis, autor deste belo álbum. Margarita Sansone Curitibana, fundadora da Fundação de Ação Social, do Instituto Pró-Cidadania de Curitiba, foi presidente da Fundação Cultural de Curitiba (1997-2000), preside o Instituto Farol do Saber, é jornalista e formada em Economia. Compartilhou com o prefeito Rafael Greca o “World Habitat Award 1996”, “Prêmio Mundial do Habitat”, da ONU, pelo conjunto das ações sociais da Prefeitura de Curitiba (1993-1996).

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O Sangue das Varizes Não é Vermelho O sêmen do homem nu – na praça de cheiro inesquecível – joga seus filhos pelo meio-fio, arrasta-os feito restos destes lados de C., cujas sombras desconheço e muito me assustam. É nesta praça que afio a faca na lima redonda a rodar sob meu comando. Prendo-a com força contra a pedra. O sol faz a lâmina brilhar, sem ofuscar os resquícios de vida que voam dos meus olhos. Do outro lado da rua estão aquelas mulheres, sempre sozinhas, encostadas na parede, com suas crateras na carne à mostra na minissaia. Tenho nojo e pena dessas mulheres, que sufocam a cada ônibus vermelho que lhes arranha a pele gasta. Nos ônibus, espreme-se a horda. Ainda nos dizem que são felizes. Muito duvido. Estes animais já estão em extinção. Mas pouco me importam estes que aí estão apenas de passagem. Afio a lâmina, turvo a minha memória nestas névoas nodosas. Preparo o fio que, lento, vai dilacerar meu peito. Em C. há regras em excesso. Faltam-lhe o improviso, o falseio, tudo é inerte, tal o corpo esquecido no caixão a se espremer no crisântemo. Vou subverter as regras, pular os arames que cercam a cidade, abrir o meu corpo e deixar o coração neste banco. O sangue vai se misturar ao sêmen e entupir os bueiros pútridos. À minha volta os arames – malditos arames que fazem desta cidade um vasto campo de penitentes. Os fornos cremam os que se rebelam. O silêncio é nosso fim. As vozes não saem das rachaduras, estrangulam-se. Esta cidade não nos pertence. Foi construída para nós, mas, como areia fina, escapa por entre os dedos rumo ao esquecimento. Seremos também uma invenção, uma criação corriqueira, marionetes neste teatro de neblinas? Talvez nem isso: apenas uma tentativa que não deu certo. Somos um risco malfeito na prancheta do arquiteto. Não há conserto; nossas estruturas estão comprometidas. O som da cidade não nos invade; não o conhecemos. Não construímos C.; fomos construídos para ela. (Quando abri os olhos, já estava aqui. Corria trançado nas mãos de minha mãe pelas imensas ruas. C. sempre foi deste tamanho, nem maior, nem menor. Assim como a vemos agora, com seus carros, suas gentes, loucuras e tristezas. Sempre pensei em C. como um lugar triste, grande e triste. Fomos nos moldando a ela, e ela a nós, num pacto silencioso, como tudo em nossas vidas. Desde a chegada – a manhã nascia na neblina, como seriam muitas outras vezes; a neblina é a cor mais presente em C., dia e noite, sem cessar, como um moto-perpétuo, sem cansar; talvez isso explique um pouco os olhares atentos das pessoas, querendo identificarse mutuamente na névoa, uma névoa triste –, C. sempre fora um mistério

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que tínhamos muito receio de desvendar. Aventurávamos por suas ruas, corríamos sob a fúria dos carros que queriam nos expulsar do asfalto. Minha mãe nos guiava com seus passos analfabetos naquele novelo de ruas, prédios e rostos, suas mãos tornavam-se ainda mais duras ao agarrar-nos pelos braços, ombros, cabelos, numa desabalada corrida a cortar a mais larga das avenidas, em frente ao shopping, onde nunca, nunca, ousamos entrar, pelo menos até a adolescência, quando C. parecia que encolhia. Era apenas impressão — nos sufocava ainda mais.) As lembranças de C. são assim: fragmentadas, como um osso quebrado em vários pedaços. Aqui, nesta cidade, crescemos todos nós (essa nossa pequena família de retirantes). O sorriso amarelo e falhado de C. tenta nos engolir, triturar-nos. Aos poucos, vai conseguindo. Somos acrobatas sem a rede a nos esperar na queda inevitável. Todas as lembranças desta cidade são fragmentos. Nada se sedimenta. Vou colando ao corpo as impressões, os sons, os cheiros, o traçado dos rostos conhecidos e desconhecidos que habitam esse infinito campo de desfigurados. Desde que cheguei, não consigo ver além de uma indelével névoa. Sou um cego nessa terra de visionários e deslumbrados, onde a fé vem embalada numa voz abafada e pastosa deste homem de fala engrolada, como se a mão de Deus o sufocasse, para que se calasse. Para sempre. É nestes escombros que ouço o lamento da mulher encostada no muro: “Tenho medo desses homens que entram em mim como se eu fosse uma casa velha, abandonada. Não pedem licença, os desgraçados. Apenas entram. Arrastam o pó para os cantos, escancaram portas e janelas. Vão embora como os fantasmas que vez ou outra habitam as minhas entranhas”. Perco as esperanças e não me resta outro caminho. Acarinho a lâmina da faca que relampeja às réstias de sol. Enfio bem devagar na altura do peito. O corte deve ser preciso, cirúrgico. A ponta entra e desenha uma fenda na horizontal do lado esquerdo do peito, afasto as costelas (apenas uns fiapos a impedirem que o corpo desmorone ao vento) e, lentamente, corto os vasos da base – aorta, pulmonar e cavas. O sangue jorra sem preguiça pela praça. O homem nu, pétreo, olha com indiferença. Deixo o coração sobre o banco de madeira. C. não existe. Um mínimo gesto e esta cidade esboroa-se. Rogério Pereira Editor do jornal literário Rascunho

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Uma Esfinge Muito Louca no Oráculo de Delphos Certa ocasião, numa das celebrações da cidade num institucional de empresa, várias pessoas, entre jornalistas e publicitários, tentaram definições sobre Curitiba e repeti uma que já havia publicado: ‘’É uma Esfinge que decifra os que tentam devorá-la’’, um espelho sensível e que revela um culto de amor de apache, no qual batemos e somos flagelados numa relação sadomasoquista. Críticos demais em relação à cidade como se ela fosse despojada de qualquer senso de humor ou capacidade de ‘’happening’’ como o demonstrou na Guerra do Pente no fim dos anos de 1950, nas explosões cromáticas do Atletiba, nos “pegas” de carros envenenados nas ruas centrais (consta que o hoje deputado Antonio Anibelli e o seu companheiro Douglas Bukoski atravessavam a Galeria Tijucas fazendo ‘’cavalo de pau’’) nos anos de 1960 e, especialmente, na neve de julho de 1975. Só um detalhe dá a ideia do ‘’degelo’’ comportamental: flanelinhas e engraxates da Boca Maldita trocando arremessos de bolas de neve com executivos do Banco Bamerindus como se houvesse no folguedo o imaginário do nivelamento de classes. No clima eleitoral de 1960, esculpido pela Guerra Fria, uma divisão rígida entre nacionalismo (à esquerda, o que é uma contradição em termos) e o cosmopolitismo (ingresso livre de capitais estrangeiros), houve uma Semana da Pátria em que a Coca-Cola botou um enorme balão justamente diante do palanque das autoridades militares para o desfile. Inconformado, o ‘’nacionalista’’ Zé Nociti, que morava no Palácio Avenida, atirou com uma espingarda da sua janela naquilo que olhava como um símbolo intolerável do imperialismo. As balas atingiam o balão e o perfuravam, mas um dispositivo o reanimava impedindo que murchasse. À noite lá estava a massa, cerca de oito mil pessoas, assistindo o escultor Nelson Cabeleira, Matulevicius, flechar o balão de cima de um ônibus que a multidão fizera parar na esquina da Travessa Oliveira Belo. Até que diante da zoada, os bombeiros intervieram e retiraram o alvo da multidão. E para mostrar o quanto o curitibano é gozar, na aparência de formal e cívico, entoou o Hino Nacional na noite em que gloriosamente venceu o imperialismo. Vejo como num caleidoscópio a Maria do Cavaquinho, à maneira dos seguidores de Ghandi, fechando a Rua XV deitada no meio da pista em que havia duas mãos com o apoio ululante da massa universitária num tempo em que ela decidia a vida e o comportamento dos curitibanos; vejo o Alvino Cruz, o Esmaga, mordendo meio mundo e dizendo para um senador que ele fizera um papel de porco ao virar o cocho em que comera por ter deixado de apoiar Ney Braga que o ajudara a se eleger; o negro Bataclã a fazer corrida pelas ruas, só de calção, mesmo no inverno, antecipando o ‘’Oil Man’’ de agora e pregando o vegetarianismo e o civismo radical. A ‘’Gilda’’, que era de Abreu, a mulher de Vicente Celestino e não a Rita Hayworth, a ameaçar machistas com um beijo na boca que haveria de transfigurá-los para sempre em indecisos sexuais; o poeta populírico Liberalino Estevam, caspa no cabelo imenso como a purpurina dos plebeus, comandando uma biga romana para vender as suas poesias ou conduzindo um burro no qual estava um cartaz ‘’não gosto de poesia, ainda mais rimada’’; vejo o limpador de chaminés que usava uma cartola de Mandrake, o mágico, a anunciar os seus serviços: vejo o jornalista Dicesar Plaisant em discursos veementes em que não faltava um piche na Primeira Dama do Estado.

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E todos nós, atores e público desse espetáculo, pendulares entre o anúncio em neon do ‘’Arqueiro do Rei’’, marca de uísque, ao lado da Catedral, e aquele outro em direção oposta da Caixa Econômica na Praça Osório em que as moedas corriam em direção, sem fim, a um cofrinho. E no meio de tudo o curitibano típico pichando a cidade como se essa tivesse uma densidade de tédio não encontrável em qualquer parte do mundo.E mais aquele perturbado por delírio ambulatório, que anda num comício permanente de ponta a ponta pela Rua das Flores, acompanhado de forte gesticulação, que na noite de 31 de dezembro de 1999, em função do clima que cercava a chegada de um referencial nostradâmico advertia: ‘’Hoje até Deus está que não passa nem uma agulha!’’. Luiz Geraldo Mazza Jornalista e Acadêmico

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Curitiba é o Meu Destino Aristóteles dizia que as cidades se criaram originalmente para tornar a vida possível, mas que seu propósito real é fazer com que a vida valha a pena ser vivida. Este aforisma se lê com ironia hoje em dia, mas Aristóteles tem razão. A mera existência, na defensiva, não pode satisfazer aos seres humanos: temos assim, pois, contribuir para que a vida tenha um sentido, em qualquer lugar, o que implica que devemos continuar a melhorar sempre a vida íntima, as ideias, os ideais e os propósitos. E, como esse aspecto da vida é espiritual, cada alma humana haverá de encontrar o seu destino. Nós, arquitetos e urbanistas, com oportunidades, com imaginação e com habilidade, devemos ajudar aos habitantes das cidades a ganhar batalhas espirituais, concedendo-lhes, mediante inspiradas formas visíveis, os símbolos materiais desses tesouros espirituais invisíveis. Já vivi muitos anos. Já viajei muitas vezes. Conheci muitos e muitos países, quase setenta. Passei por milhares de cidades, aldeias e vilarejos, metrópoles e megalópoles, ruínas, desertos, montanhas e vulcões, cumes nevados, mares e oceanos, rios, canyons e florestas, profundezas marinhas. Cidades-Estados, cidades santas, outras nem tanto, cidades históricas e cidades subterrâneas. Em todos estes lugares, sempre encontrei seres humanos. O espaço reside na essência da vida. Importa nossa sensação de harmonia com estes espaços no decorrer de nossas vivências, enquanto soltos nestes habitats designados para cada um de nós. Nasci em Curitiba e adoro esta cidade que me acolheu. Meu Destino é Curitiba. (Outubro de 2005) Rodolfo Doubek Filho Arquiteto

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Piá Curitibano, Antes de Agarrar o Mundo Sou curitibano sim, e com muita honra. Em minhas andanças pelo mundo, sempre falei de minha cidade, com uma pontinha de orgulho. A melhor cidade brasileira e sul-americana para se viver e símbolo de qualidade de vida, até premiada pelo ONU e modelo para o mundo em desenvolvimento. Aliás, odeio a palavra terceiro mundo, pois significaria que seriamos cidadãos de terceira. E não permito que alienígenas falem mal de Curitiba. Falar mal, somente os que são daqui... Vide o exemplo do Fernando Pessoa Ferreira, fugido às pressas para não ser apedrejado nas ruas, ao escrever sobre uma fria Curitiba. Nasci na antiga maternidade Victor do Amaral, nome de um dos fundadores da Universidade do Paraná, hoje Federal, e onde me formei em Medicina. Quando criança morei na Sete (de Setembro), quase esquina com a Desembargador (Motta), depois na Silva Jardim, daí para o prolongamento da Sete, que na época era um lodaçal. Isso tudo, entremeado com breves passagens por Itu, Rio de Janeiro e Castro, locais para onde meu pai, que era oficial do Exército, havia sido transferido. Na minha infância e juventude, estudei no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, onde minha mãe Avany era professora, e depois no Liceu Rio Branco, do velho Annibal (Carneiro). Minhas irmãs, Eny, professora universitária, e Cleani, artista plástica, sempre me incentivaram e trataram com carinho, já que era o filho caçula e único filho homem. Nessa época, revelei meu pendor pelo jornalismo e com auxílio de alguns colegas e amigos do bairro fundei um jornaleco que era mimeografado, de breve existência e que se mantinha com módico auxílio do comércio local, notadamente velhos armazéns e lojas de bicicleta da pracinha do Batel e adjacências. Nosso tempo era dividido entre “peladas” nos terrenos baldios do bairro, campeonatos de futebol de mesa (ou de botões na casa do Chicão) ou passeios de bicicleta com a minha Raleigh cor de vinho. Quanta saudade da gasosa Cini e sua gengirriba, das balas Zequinha, das pescarias de lambari no Barigüi ou de caçar passarinhos no campo da antiga Cervejaria Providência, ou ainda acompanhar o pintor Guido Viaro em suas andanças pelo bairro para captar as melhores paisagens, ao lado de seu filho Constantino, colega de infância e do curso científico

no Colégio Belmiro César, local onde o Professor Viaro arremessava pedaços de giz nos mais tagarelas durante suas aulas de Desenho. Quanta saudade dos matinées de domingos no Cine Curitiba, onde trocávamos “gibis” e assistíamos a não sei quantos filmes de “bangbang” ou seriados da Republic. Ou da “paquera” das normalistas da Escola Normal, ou das tardes dançantes do Círculo (Militar) e dos Chás de Engenharia. Estes últimos fatos, já quando surgiram os primeiros fios de barba, os quais disputavam espaço com as espinhas comuns aos adolescentes. Ou os passeios de barco no Passeio Público nas tardes de sábados ou os jogos do meu time de coração, o Coritiba, no velho Belfort (Duarte). Já estudante de Medicina, alternava as aulas, com as redações de jornais (Tribuna, depois o Diário – do Paraná), com passagens meteóricas pelos programas esportivos das rádios Guairacá, Marumby e Colombo. Depois vieram os plantões nos hospitais Nossa Senhora (das Graças) e de Clínicas. E as incursões pela Confeitaria Guairacá, Bar Palácio além dos bares Mignon e Triângulo, onde se saboreava o melhor cachorro-quente da cidade após os bailes do Curitibano, das noitadas na Caverna Curitibana (ou em uma das boites estreladas por bailarinas portenhas). Já médico, logo fui a São Paulo para cursos e estágios no Hospital das Clínicas, Dante Pazzanese, onde conheci os professores Décourt, Zerbini, Jatene, entre outros. Casei, tive filhos, Fernanda, que é antropóloga e trabalha no Museu Paranaense, Mario Sergio, especialista em Comércio Exterior, Marcio Luis, administrador de empresas, com passagem pelo Hospital Costantini. Descasei, casei no novo, com Carmen, psicóloga. Ainda tenho um filho adolescente, Leonardo, que estuda na Escola Internacional de Curitiba. Nenhum médico. Não quiseram levar a vida do pai. De lá, Paris de 1968 (do Danny, o vermelho) da revolução de maio, Filadélfia, do movimento hippie, aquele de Woodstock da Joan Baez e do Bob Dylan e a doutrina do faça amor, não a guerra. De volta à Curitiba, dediquei-me à vida acadêmica e à ciência, como médico e professor universitário, tendo atingido os níveis mais elevados de ambas as carreiras. Presidi todas as entidades em minha especialidade: a paranaense, a brasileira, a interamericana (com sede no México) e a Federação


Mundial de Cardiologia, com sede em Genebra, além de presidir os congressos regionais, nacionais e internacionais, como o Interamericano no Rio, em 1989, e o Mundial, também na ex-cidade maravilhosa, em 1998. Fundei e presidi o Rotary Clube Batel. Cheguei a ser Superintendente Regional do INAMPS-PR, quando o órgão tinha prestígio e dinheiro. Lembro que os prefeitos do interior vinham à Curitiba, visitavam o Palácio Iguaçu, a Assembleia e o Inamps. Dinheiro e transporte para as campanhas de vacinação só lá. Os secretários de saúde da época que confirmem. Hoje, criei o Instituto Qualivitae, uma OSCIP (ou ONG), dedicado à prevenção e ao controle das doenças relacionadas ao estilo de vida inadequado, fruto do progresso, do desenvolvimento, da urbanização e da globalização, e causa do alarmante aumento das doenças crônicas (cardiovasculares, diabetes, obesidade e até o câncer) em nosso planeta. Com ele, refiz em seis meses o que me custou 20 anos, ou seja, a rota de Curitiba à Genebra, sede da Organização Mundial da Saúde, onde sou consultor e colaborador. A Curitiba que amo e que ainda vive nos meus sonhos já não é a mesma. As lembranças povoam a cidade dos tipos estranhos retratados por Dalton Trevisan, povoada de polaquinhas, vampiros e com seu cemitério de elefantes e morte na Praça. O progresso e o desenvolvimento deterioraram aquela aldeia de cerca de 300 mil almas, e que agora é uma metrópole com todos seus problemas e mazelas. Hoje, está mais para aquela retratada pelo escritor e marqueteiro Jamil Snege, que demonstrou como e quando se tornar invisível em sua própria cidade. Eu me senti, muitas vezes, o personagem dessa indiferença, contrastante da acolhida fraterna e amiga com que sou obsequiado por indianos, chinas e outros asiáticos de olhos oblíquos, sem falar de mexicanos, e quem diria, até os muy amigos argentinos...! Convidam-me mais para palestras do que aqui em nosso país. Por isso, sinto-me feliz me imaginando o próprio Marco Polo ao agarrar o mundo e seus cinco continentes, que povoaram minha juventude como leitor de Júlio Verne e Kipling, que conheci, sem nunca tê-lo imaginado, para um piá curitibano. Mario Maranhão Médico

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A Falsa Fria Ou A Fria Que Satisfaz Irra-ti, irra-ti, te-ra querida. Sou de Irati. Ou de Irra-ti como está nos discos do hino do seu cinquentenário. (Quem mandou botar polacos e ucranianos no coro?) Repito, sou de Irati. Lá nasci, lá me criei, lá estudei até o final do falecido ginásio. E se fosse mais independente então, lá estaria até hoje – “um velho ignominioso a filar drinques dos desavisados? Feliz ou infelizmente, meus pais se mudaram pra Curitiba. E me trouxeram sob mudo, impotente protesto. Pra fazer o científico no “Estadual”. Que nostalgia! Que saudades senti! O banzo durou anos. Não, não odiava Curitiba nem os curitibanos: acolheram-me prontamente, de primeira – sem preconceitos ou complexos de superioridade. Provas? Frequentei a casa do Juarez Tavares Portugal, na rua São Sebastião perto do quartel da PM, o melhor aluno do Colégio; fui levado ao Thalia pra jogar basquete; treinei com os “cobras” do Coritiba no ginásio do “20” , no Bacacheri. (Por timidez, não peguei carona; como ignorava os caminhos coletivos, vim a pé pra casa, na Rui Barbosa. Cheguei de madrugada. O banzo continuava.) No ano seguinte, meus pais voltaram pra Irati. Fiquei livre, leve, solto “na província, cárcere, lar”. Pra admiração, inveja dos que moravam sob a férula da família. Tornei-me espécie de ídolo da turma...modestamente... O banzo recuava. Nas férias do 3.º ano, tchantchantchan... Um dia acordei com saudades da cidade, dos seus sons, ritmos, luzes, do seu asfalto, cheiros, das suas madrugadas de garoa&manhãs de neblina nas carrocinhas puxadas a cavalo, sua limpeza, seu ar, seus ternos&gravatas, do seu “orgulho, da sua cabeça baixa”. E eis-me convertido, curitiboca. Sem falsa modéstia. Carlos Alberto Pessoa Jornalista

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O Paraná e a FEB No momento de aflição, com o mundo em agonia, o Brasil foi dar a mão, pela paz e a harmonia. Foi pra guerra sem tardança o febiano varonil, um penhor de esperança e o orgulho do Brasil. Foi tão triste e dura a luta, foi tão cruel a disputa como pior nem sei se há, mas entre os heróis da raça, os mais fortes na desgraça partiram do Paraná! Nylzamira Cunha Bejes Escritora e poetisa, ocupa a cadeira nº 30 da Academia de Letras dos Campos Gerais

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Curitiba é uma cidade que cedo aprendeu a conviver com a dicotomia. Ela atrai os mais diferentes sentimentos. Há os que a adoram, há quem não tanto. Há os que nem sempre a adoram e quem às vezes tenta até odiá-la. Por ser uma típica cidade plural, é difícil ficar neutro ao encará-la. O que nela é muito bom. Passou a ser vista não apenas como um ser inanimado. Ganhou força. Ganhou vida. Ganhou humanidade. E tornou-se especial no Brasil e no mundo. É falada, é comentada, é discutida. É invejada. Tem suas peculiaridades, que a fazem diferente de qualquer outra. Tem suas universalidades, que a fazem semelhante a tantas outras. E, sobretudo, tem marcas registradas, de rara beleza, que lhe garantem o carinho de um livro. A capital paranaense vem sendo construída aos poucos. E com uma vantagem sobre outras grandes cidades. Sua história não apresenta ruptura mais profunda, apesar dos grupos políticos diversos que se alternaram na tentativa de orientar seu destino. Seus contrastes sempre foram destacados. E continuarão. O atendimento social sempre foi questionado. E continuará. Mas não tira da população nativa o orgulho de declarar, em alto e bom tom, sua naturalidade. Os que a adotaram ao longo do tempo estufam o peito na hora de dizer que moram em Curitiba e, não raro, declaram-se curitibanos. É o privilégio de viver em uma cidade que aprendeu a ser substantivo e não se restringir a um adjetivo, que optou por ser sujeito e não predicado ou objeto da história. Evandro Fadel Jornalista

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Vila dos Sapos, Catuporã, Curitiba Lenda entre os povos dos fraldas do Himalaia, nos caminhos onde o Sol se põe, oeste do mundo, havia uma terra onde, de doença morrer, nunca se morria. Lá não existia as tão comuns malária, filária, gripe, varíola, que de tempos em tempos dizimavam civilizações. Terra boa onde árvores gigantes se projetavam em direção ao céu azul, enfeitado pelas noites claras e pelas atraentes estrelas do cruzeiro do sul, dona de abundante água limpa onde sapos comedores de insetos se reproduziam felizes. Na linguagem guarani, terra catuporã (catu, “boa”; porá, “terra”, “terra boa”) e bonita. Habitada pelo Tingui, (tin, “nariz”; gui, “fino”, “índio do nariz fino”). Na chegada dos europeus, o coachar dos sapos os impressiona e a “Vila dos Sapos”, o nome que dão à aldeia em formação, e mesma Curitiba, (curi “pinheiro”; tiba, “muitos”, “terra de muitos pinheiros”), a mesma Catuporã dos Guaranis. Curitiba, terra dadivosa onde nasci. Moysés Paciornik (1914-2008) Médico

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Curitiba, 23 de setembro de 2005 Qual das paisagens da adorada cidade vou eleger? Ipês floridos na Praça Tiradentes, moldura de primavera da Catedral do meu batismo? O Largo da Ordem, buliçoso abrigo das nossas festas populares? Ou o Bosque do Papa, Memorial Polonês, com as casas de troncos sem pregos, a nos inspirar tanta serenidade? Quem sabe os Faróis do Saber, bibliotecas com terminais públicos da internet, evocação da sabedoria e do Farol de Alexandria, nos bairros de Curitiba? Talvez as Ruas de Cidadania, tão coloridas, úteis endereços para servir nosso povo dos bairros? Os dois gigantes de pedra, a sustentar a torre do Paço Municipal, edifício símbolo de Curitiba? Ou a fonte da Maria Lata d’Água, na perspectiva florida das Arcadas do Pelourinho? Mas há ainda o Bosque Alemão, o Memorial Árabe, a Fonte de Jerusalém? Lampadários de esferas armilares a iluminar poesias, no Bosque de Portugal? O traço da Linha Pinhão, trilha da memória, visto de cima, sobre as calçadas de pinhas estilizadas, arte de Lange de Morretes, no calçadão da Rua das Flores? Poderia ser o conjunto dos murais de mestre Poty na travessa Nestor de Castro? Ou o reflexo nas pedras úmidas das luzes dos lampadários, evocação republicana que espalhei pela cidade toda? Quase fico com imagem dourada da Virgem da Luz, na perspectiva colonial da velha rua de São Francisco. Tenta-me escolher o cavalo de bronze, a atravessar o granito, escultura de Ricardo Tod revogando o tempo marcado pelo Relógio das Flores. E também pinheiros centenários do Bosque da Fazendinha, e a Imbuia de mil anos, que batiza o famoso Capão. Que tal as magnólias da Inácio Lustosa, a rua da minha infância, endereço de ternura, casa de meus pais? Quem sabe a silhueta azul da Serra do Mar, arrematando a linha do horizonte do alto da Rua XV?

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Fico com a cascata e o belvedere do Parque Tanguá. A paisagem que tive a alegria de criar. Numa manhã do venturoso tempo em que exerci a Prefeitura de Curitiba, voei de helicóptero sobre a cidade, para depois me dirigir a um atelier de projetos no IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Vi a pedreira abandonada, ao lado do alto Rio Barigüi, perto do Pilarzinho, da Ópera de Arame e da pedreira Paulo Leminski. Vi também, no limite com Almirante Tamandaré, a triste paisagem da favela do Morro da Formiga. Temi pelo futuro do rio e da área. Perguntei a que se destinava, já que havia movimento de máquinas perto do paredão de granito. Responderam-me que seria o futuro depósito de lixo industrial da cidade. Tive a alegria de revogar, de pronto, este sinistro destino. Vislumbrei a cascata, o lago, a gruta perfurada no rochedo, os pinheirais e bosques preservados, tudo coroado por um belvedere, similar ao dos jardins do Vaticano. Imaginei uma gôndola que nunca houve, a singrar a água despejada do penhasco. Pedi ao arquiteto Rodolfo Doubek que me ajudasse a dar forma ao sonho. Escolhi o nome, Tanguá, baía das conchas. E criei um dos lugares que mais gosto em Curitiba. Rafael Greca de Macedo Foi Prefeito de Curitiba, Ministro de Estado dos Esportes e Turismo, Deputado Federal, Deputado Estadual, Chefe da Casa Civil do Paraná, Secretário de Estado e Vereador de Curitiba

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Alma de Lambari Longe de mim tal pretensão, a de ser um vampiro de almas e descobrir o que faz do curitibano essa figurinha tão carimbada, uma bala Zequinha, em todos os sentidos e em todos os cantos do mundo. O curitibano carregaria dentro de si um himalaia de timidez. Arrisco, porém, acreditar – e creditar – que tal idiossincrasia vem de um exercício solitário, salutar e sagrado, passado de geração a geração, a irremovível vocação de ser um eterno pescador de lambari. Essa paixão pelo silêncio e pela reclusão está na matriz de seu DNA. E como era verde o meu vale, ou melhor, como era fácil pescar lambari em Curitiba. Nem precisava sair da cidade. Atrás do hoje Shopping Muller, lá pela década de 1950, havia um menino loirinho (alemão? um polaquinho?) que pescava lambari do rabo vermelho, conforme descrições de cronistas. O Rio Ivo corria à céu aberto, cortava a cidade, límpido e sem amarras da poluição.

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Para quem ousava ir mais longe, as cavas além do ponto final do ônibus do Uberaba garantiam uma bela pescaria. De lambari e cará – ou acará, como quiserem. Dava para ir de ônibus ou de bicicleta. Um gasosa vermelha da Cini, pão com “xaxixo” e banana no embornal. Varinha de bambu e uma linhada pronta. Operava-se diante do curitibano o milagre da multiplicação dos peixes. Peixes pequenos, é claro, mas suficientes para alimentar a alma dos humildes. Ah, as cavas do Iguaçu... A intimidade era tanta que lambari era chamado de lamba: — Que tal, vamos pegar lamba no sábado? Hoje ainda tem sábado, mas onde pescar lambari? Impossível até mesmo no supermercado mais próximo. Francisco Camargo Colunista

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Conversa de Cães Num Bosque de Pinheiros O dia em que chegamos a Curitiba, vindos do Norte vermelho, o pai, que era o único que lia, leu numa parede da estação de ferro o cartaz que anunciava, para dali a um dia, no Água Verde, uma conversa de cães num bosque de pinheiros. Na pensão da Eufrásio Correia, no mesmo dia seguinte, logo cedo fomos ver a fonte no meio da praça – como se ela fosse um triunfo. Mulheres nuinhas enroladas em peixes que vertiam água pela boca verdoenga de limo. Mas sobre isso, o pai lembrou, o cartaz da estação de ferro não tinha falado coisa nenhuma. O pai disse que iria levar as crianças para ouvir a conversa dos cães no bosque de pinheiros assim que desse a hora aprazada. Eu e meu irmão não sabíamos o que era hora aprazada, mas mesmo assim esperamos comportados como meninas. No dia seguinte ao dia seguinte, o pai disse que era o dia. E seguimos num ônibus, que tinha a frente feito fosse um grosso nariz comprido. O Água Verde demorou a aparecer. E quando o Água Verde apareceu, foi um assombro. Tinha casas de madeira e ruas de pedrinhas que nem a nossa aldeia caipira. Onde descemos do ônibus havia pipoqueiro e vendedor de algodão-doce. Espantou-nos apenas que fossem azuis. Nunca tínhamos visto algodão-doce azul na vida. Mas o que queríamos mesmo era escutar a conversa dos cães no bosque de pinheiros que o cartaz da estação de ferro anunciava no dia em que chegamos a Curitiba. Mas já era muito tarde, começava a escurecer, e além do algodão azul o pai não nos comprou mais nada, sempre falando da conversa dos cães igual que ela fosse um pudim, salada de frutas, vitamina. Mas já era muito tarde e só sei que andamos a pé até chegar, quase noite alta, de volta à pensão da Eufrásio Correia. Antes de domir, o pai disse que se nos comportássemos, no dia seguinte além de irmos de novo à fonte, a gente ia escutar, no Água Verde, agora sim, a conversa dos cães no bosque de pinheiros. Wilson Bueno (1949-2010) De Jaguapitã (PR), Autor de inúmeros títulos, entre eles “Amar-te a ti nem sei se com carícias” (Planeta, 2004) e do livro de fábulas “Cachorros do Céu” ( Planeta, 2005).

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Heróis Curitibanos Há uma majestosa Curitiba, limpa, adornada de flores e festejos. De um povo pouco extrovertido, contudo excessivamente educado. Há políticos sérios, educação primordial, saúde aceitável. Nessa Curitiba, por vezes, pende uma densa e estranha névoa que a engole. Então, toldados pela escuridão, espreitam das calçadas, cantos e telhados, seres avarentos, tomados por uma intensa ira antissocial. Seres que dilapidam o patrimônio alheio, o erário público, a vida humana. Para combater diuturnamente esses seres, surgem os heróis curitibanos. São verdadeiras máquinas trajadas em cáqui, cinto equipado de parafernália, armamento eficaz. Utilizam suas técnicas e inteligência para se oporem contra esses seres que exaustivamente fazem uso de seus poderes de invisibilidade, de solércia, de intimidação. A guerra é sesquicentenária, mantém a cidade em um bom nível de civilidade. Como todo herói, por vezes é incompreendido. Por vezes erra, em outras age com rigor necessário, adota medidas drásticas, quem sabe? Há a política que avilta ações corretas, há o fraco herói que decai para o lado dos seres obscuros... Entretanto, há aquele uniformizado que morre pela sociedade e, muitas vezes, não recebe ao menos uma bandeira honorífica sobre seu caixão. Há aquele que nem sequer consegue viver com dignidade, mas seu coração é cáqui, verde e amarelo. Ele é um herói, sonhou em sê-lo quando criança e, sem perceber, muitas tantas o veem como tal. Há uma Curitiba de heróis. De heróis que não se importam em morrer, pois prometeram sacrificar sua vida em prol da sociedade. Isso não é ficção. Durante a madrugada, quando luzes vermelhas pairam girando sobre a névoa maldita, maculando as paredes das residências curitibanas, eles saem, agem e retornam para seus quartéis-generais. Às vezes, eles voam por sobre os telhados, somem favela adentro, lutam como guerreiros medievais... Às vezes, morrem como heróis. Waldick Alan de Almeida Garrett Oficial da PMPR, Advogado e Professor

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Agitos de Curitiba Tem uma patota aí que só fala besteiras: que Curitiba só tem duas estações, a rodoferroviária e o inverno e que o curitibano é antes de tudo um bobalhão, incapaz de tomar uma atitude cívica e que sua timidez endêmica é a marca de ferro em brasa que o acompanha do berço à sepultura. Pois em mil novecentos e Araci de Almeida eu vivia no Rio de Janeiro e os jornais todo dia noticiavam as brigas de rua com a polícia, o povo protestando contra o aumento do preço da carne. Pouco depois, no governo Bento, estudantes e populares promoveram um quebra-quebra reagindo ao aumento das passagens de bonde, de duzentos para trezentos réis. Quem não se lembra da Guerra do Pente? E dos enfrentamentos entre universitários e tropas de choque da ditadura, impedindo, na marra, a implantação do ensino pago? O busto do magnífico reitor Flávio Suplicy de Lacerda foi parar nas águas barrentas do Rio Belém. E a batalha do Centro Politécnico rendeu o Prêmio Esso ao fotógrafo Edson Jansen. O primeiro comício das Diretas Já foi realizado em Curitiba em abril de 1984, uma campanha que empolgou o país do Oiapoque ao Chuí. E o Fora Collor foi detonado pela massa estudantil, reunindo milhares e milhares de jovens em Curitiba, sem qualquer resquício de liderança ou participação de partidos políticos. É por essas e outras que nos ufanamos de sermos curitibanos e os que falam mal dessa cidade-modelo não passam de meia dúzia de despeitados. Curitibocas! “A gratificação é também uma sensação subjetiva resultante de tarefa bem realizada em área que nos apraz. A Curitiba que temos é uma destas áreas bem feitas que nos alegra, tranquiliza e dá prazer. A tarefa bem realizada que resultou nesta cidade que nos gratifica e da qual muito nos orgulhamos, deve-se aos habitantes e aos governantes que sempre se empenham na diferenciação desta Capital, primeira inclusive na altitude geográfica”. Milton Ivan Heller Jornalista

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Curitiba me lembra uma história vivida em Tóquio pelo Francisco Camargo, o Pancho, autor de Rolmops & Chucrut, engraçadíssima tira publicada no caderno de cultura da Gazeta do Povo. Pois bem: em sua temporada na capital japonesa, um gaúcho funcionário de uma companhia de turismo explicou ao Camargo como conhecera Curitiba: — Você é daquela cidade que tem a esquina da Monsenhor Celso com a Rua XV onde faz um vento filho da puta! Acho que a nossa cidade tem um estigma fabuloso: é o espanta baiano. Um deles, de tanto ouvir falar de Curitiba, veio visitá-la em pleno inverno sem nunca antes ter sabido dos seus rigores gelados. Desceu no Afonso Pena e já começou a tremer. Pediu um táxi com aquecimento. Quis saber de um hotel com calefação e acabou no Caravelle. Pediu à portaria que mandassem comprar um pulôver, manta, meia de lã, ceroula e sobretudo... Vestiu tudo e correu de volta para o aeroporto, jurando: “Curitiba nunca mais”. Cansam de falar que Curitiba é uma cidade fria – isto é, que sua população é fria, não demonstra calor humano ao se comunicar com estranhos. Aí me pergunto: Quem é mesmo de Curitiba? Os mais ilustres curitibanos que conheço não nasceram aqui. Inicio com o ex-governador Ney Braga: era lapiano. O nosso Pessutão (agora Pessutinho, depois do rigoroso regime) é filho de Califórnia, Norte do Paraná. O jornalista Fábio Campana é de Foz do Iguaçu; o igualmente famoso jornalista e radialista José Wille é de Mandaguari. Temos ainda o combativo jornalista Luiz Geraldo Mazza, parnanguara da gema. É de Juiz de Fora (MG) o grande professor Belmiro Valverde Jobim Castor. Todos eles, sem exceção – assim como os filhos de Morretes, dentre os quais me incluo – têm algo em comum: são intolerantes com os chatos e inconvenientes que ousam falar mal da nossa cidade. Aqui, ou eles passam a amar Curitiba ou não se “criam”. É o que aconteceu, por exemplo, anos atrás, com sujeito metido, com nome idêntico ao de um poeta lusitano. Depois de tentar posar de intelectual, ofender devotas participantes de um congresso eucarístico e, ainda por cima, dar cano em alguns coletas, foi expulso e esconjurado pelos honorários e beneméritos curitibanos. Curitiba tem uma qualidade que nenhuma outra cidade, neste imenso Brasil, possui: num mesmo dia todos os seus moradores fazem uma fantástica viagem pelos diferentes climas das quatro estações e por um preço bem baratinho! Luiz Alfredo Malucelli Radialista

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Curitiba, de Sorrisos e Boas Lembranças Curitiba foi minha casa, meu lazer e minha escola. Nesta cidade de clima frio e gente amiga e cordial, aprendi o meu ofício, conquistei amizades eternas e brinquei a vida de forma alegre e saudável. Aprendi a fazer e cultivar bons amigos. E não há lugar onde a conquista de uma amizade seja mais gratificante do que em Curitiba. Na Cidade Sorriso, amigo feito, é amigo para sempre. Vivi os grandes momentos de minha juventude ao lado de bons amigos e colegas radialistas, nas rodas de conversa no Bar do Abdo, onde se reuniam locutores, operadores de som, discotecários e outros talentos do rádio, entre goles de cerveja e quibe frito. Na Rua Barão do Rio Branco concentrava-se o grande poder de comunicação da radiofonia paranaense: Guairacá, Cultura e Rádio Clube Paranaense. Era da Barão que saía o som e a alegria que animavam a cidade. Nhô Belarmino e Nhá Gabriela na sua Feira da Alegria fazendo vizinhança com o tenor Humberto Lavalle no horário subsequente, Aluízio Finzetto com seu Clube Mirim, o Cineac Rádio do Souza Moreno, o Expresso das Quintas de Mário Vendramel e Sérgio Fraga, as emoções da rádio novela do Sinval Martins e Ivo Ferro, e os calouros, eternos sonhadores com o estrelato, davam vida à cidade que dormia cedo, um sono pesado e tranquilo. A cidade cresceu e perdeu algumas de suas características que ficaram guardadas no meu almoxarifado de boas lembranças. Daqui a 50 anos é provável que algum jovem de hoje esteja escrevendo coisa parecida sobre esta bela cidade que não para de crescer e ficar cada dia mais bonita. Jamur Júnior Jornalista

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Cidade de Bolso Leminski, em um poema de Distraídos venceremos, perguntava-se: “Quantas curitibas cabem numa só Curitiba?” Com certeza, um número infinito de pequenas curitibas (assim mesmo, com minúscula). Na capital existe uma curitiba que é só minha, território afetivo demarcado por minhas obsessões. Viajo pelo Boa Vista, bairro que já foi meu, e hoje pertence ao Guinski; pelo Bacacheri, onde morei de aluguel, e que agora ficou para o Paulo Venturelli; e pela Barreirinha, onde construí uma casa, plantei um plátano e experimentei minha alma polaquinha. Se perdi os bairros ao deixar a cidade, restaram-me alguns pontos do centro, que me pertencem em minhas passagens rápidas pela cidade. Os sebos, todos os sebos, com especial predileção pela Feira de Livros Usados da Emiliano Perneta. O Café Express, na Santos Andrade, onde tomo chá de tília e como imaginárias broinhas de fubá mimoso. O Waldo X-Picanha, na rua dos chorões, o melhor sanduíche de pernil do planeta. A esquina da XV com a Mariano Torres, onde morei na juventude. As galerias que cruzam o coração das quadras. Ah, as galerias! São a mais completa tradução da cidade sem sol, praia e risadas. Frias, fundas, escuras galerias – tumultuadas nos dias de chuva, vazias nos dias ensolarados e fechadas à noite. Andar pelas galerias é conhecer a alma curitibana, é frequentar a casa do próximo, sempre protegida contra visitas, por mais amigas que elas sejam. Mesmo sem necessidade, percorro as galerias, viajante estrangeiro deslumbrado com nossas selvas. É neste pequeno tabuleiro que hoje me mexo, indo de um canto a outro – não em busca de lugares, mas de minha própria sombra – perdida, coitada, sem achar o caminho de casa. Ninguém vive impunemente depois de ter morado em Curitiba. E é com amor que a cidade nos vampiriza. Miguel Sanches Neto Acadêmico

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Curitiba é palco de passagens inesquecíveis da minha vida – eu que vim do interior para estudar aqui. No início dos anos 70 eu estudava na Rua Barão do Rio Branco num curso pré-vestibular e também de contabilidade. Morava no Centro mesmo, numa pensão bem simplória na Rua 13 de Maio. O dinheiro era contado, mas, de vez em quando, dava para comer um bifinho com um ovo em cima, no restaurante de um japonês perto de casa, na Rua Riachuelo. Anos depois, de volta à capital, deputado eleito, empresário, um dia chego em casa e vejo meus filhos discutindo sobre os bens que um e outro tinham. Peguei os dois, coloquei no carro e fui mostrar onde morei, onde comi. Lembrei a eles que moravam em apartamento de luxo e estudavam em escola particular. Não precisei falar mais. A cidade tinha me dado aquela oportunidade. Foi também em Curitiba que eu conheci o grande goleir o Jairo. Ele era vizinho de uma namorada que eu tive.Como eu sempre gostei de futebol, mas não tinha dinheiro para entrar no Couto Pereira para ver os jogos, fizemos um acordo: em toda partida do Coritiba eu ficava esperando a chegada do ônibus da delegação na porta do estádio. Quando chegava, o Jairo me puxava pra dentro e eu entrava de graça. Duas historinhas simples, mas que juntam a batalha para se progredir e o lazer fundamental para que a vida seja equilibrada. Devo esse aprendizado a essa grande cidade. Valdir Rossoni Deputado Federal

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A melhor forma de aproveitar este espaço e ilustrar seu livro seria contando uma das muitas histórias de meu pai. Foi difícil escolher, já que são tantas lembranças. Procurei buscar uma recordação que trouxesse um pouco do charme da Curitiba provinciana que, com raríssimas exceções, não existe mais. Optei por contar um pouco sobre os momentos em que meu irmão Cláudio e eu saímos com o pai nos sábados. Era final da década de 1960 e nós morávamos na Rua Desembargador Westphalen, quase esquina com a Praça Zacarias. Aos sábados pela manhã, o pai apresentava um programa esportivo na Rádio Clube Paranaense, que ficava próxima a Praça Tiradentes. Minha mãe Ivete ficava em casa e nós três saímos logo cedo e atravessávamos todo o centro em direção à rádio. Uma das lembranças que mais me marcou foi que, ao final do programa, sempre íamos até o Passeio Público, que na época era o principal ponto de encontro da cidade. Lá, frequentávamos o bar do Pasquale – figura simpática, que sempre nos recebeu calorosamente. Nunca vi o Pasquale de mau humor. Além da boa comida, chamava a atenção as calorosas discussões sobre futebol. Eram horas e horas de um debate incansável. Jamais houve confusão. Apesar das divergências tudo transcorria na mais bela harmonia. Tempos que deixam saudades. Saudades de meu pai. Saudades da Curitiba que não volta mais. Gustavo Fruet Prefeito de Curitiba

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Somos Um Povo Frio e Fechado? Sim... esta seria a primeira resposta, formulada pela nossa crença antiga, que os curitibanos são, por natureza, fechados e frios. Crescemos com essa imagem, que nos foi cultuada ao longo do tempo – pelo menos no que diz respeito à minha geração neoclássica. Puro engano, foi esse tempo da frieza curitibana. Aprendi isso de uma forma inesperada, cômica, constrangedora, seja qual for a emoção ou sentimento que cada um dos curitibanos presentes em determinado evento possa ter reconhecido. Estamos em um pequeno seminário para discutir uma proposta de criação de fundações públicas na área da saúde, no qual vários agentes públicos e autoridades se fizerem presentes, para escutar experiências de outros Estados quando, na abertura de uma palestra, um simpático carioca, bom de papo e com seu típico carisma, passou a elogiar com eloquência a receptividade que teve na sua chegada e na noite anterior, pelos curitibanos. Nós curitibanos sentados naquela mesa em forma de “u”, mirando o carioca ao centro, passamos a nos olhar e a sorrir discretamente, não nos reconhecendo naquela narrativa de calorosa recepção. Em nosso íntimos colocamos em dúvida os agradecimentos, creditando mais à simpatia do palestrante, do que seu sincero reconhecimento ao povo curitibano – sim, sempre duvidamos das palavras iniciais de uma palestra, onde os agradecimentos em sua grande parte são fruto de formalidades do cerimonial. Esse espanto ficou patente nos semblantes de nós curitibanos ali presentes, quando o cidadão que vos escreve, fez uma brincadeira sobre a famosa frieza de população de Curitiba. Fiquei surpreso com a reação facial do palestrante, que dizia, ao menos no seu pensamento, de uma forma bem carioca: Ei cara, até parece que você não vive nessa bela cidadem !!!! Se liga cara !!!! Prosseguiu o evento e, no intervalo, o carismático carioca me confirmou a sua reação corporal, ao me interpelar dizendo: “Bicho, não está cumprindo o cerimonial, realmente vocês me acolheram de uma forma maravilhosa!!!” Não precisa dizer como me senti: um perfeito idiota, que não reconheceu o crescimento e maturidade do povo Curitiba. Aprendi a lição, não tenho mais nenhum preconceito sobre a fama do povo curitibano. Aprendi também que todos devemos rever os nossos conceitos, simplesmente olhando, sentindo, abrindo a mente e o coração para o que nos cerca. Estou agradecido àquele jovem carioca, pois me ensinou a viver olhando para a evolução de nosso povo, reconhecendo o nosso crescimento coletivo, fruto dessa fantástica cidade que é Curitiba e do nosso Estado do Paraná. Fernando Augusto Mello Magalhães Conselheiro do Tribunal de Contas

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Pedaços E agora, Curitiba, o que eu faço com você? Esborrifo os olhos no bronze da fonte da Osório, a caminho da emoção, ossos molhados pelo orvalho da madrugada? Abraço o corpo dos pinheiros de braços torados, hélices sombras no horizonte? Ou o esqueleto verde soberbo de saúde, ícone da terra? Sopro os plátanos de cobre, bailado outonal cor de peito de sábias nos meios-fios? E agora, eu te pergunto, com as veias em labaredas de cachaça com mentruz, o que faço, sem a sapiência de três séculos tecendo rugas em tuas manhãs? O que eu faço, Curitiba, com charcos do passado, empossados em meu peito, névoa espraiando-se em gás da nostalgia, sementes encravadas em terra preta bendita? Como tingir tuas manhãs molhadas com vinho santo e feliz para aquecer tua coberta cinza? O que faço com teus finais de dias enferrujados, retículas espalhadas por sobre os telhados? Escrevo um verso de pé quebrado, corpo quebrado, letra quebrada, telha quebrada? Um tango, quem sabe um tango de vestes rubras no meio dos canteiros da Tiradentes, ao som das badaladas do Ângelus? Ou outra música, sertaneja, chorinho, blues, samba ou jazz arrancado de um sax cego em meio a passos neuróticos ou moles ou simplesmente passos nas Flores? Ou, quem sabe, em meio às dobras da Rui Barbosa, Babel de bairros, um ruído qualquer? Lambo os beiços de tuas favelas, prolixos, ou as pedras, lisas, do bebedouro da Ordem? São Francisco me passa as mãos pelos cabelos, soluçam as estrelas de alegria. Engulo o néon ensopado, chuva picada de êxodos, exílios, diásporas. Entro em tuas bordas, bicho geográfico em cidade sem mar. E sou apenas pergunta, uma pergunta. O que faço, Curitiba, com você? Invento uma nova cidade, lustro a mesma cidade, imagino outra cidade? Continuo, Curitiba, seu tear secular na mochila? Apalpo tua carne, varizes em manequim nu, zoom, beldade para testes? Planto raízes de plástico em meio aos tapetes amarelos, brancos e roxos de teus ipês? Caminho em teus parques uma besteira criança, o mesmo cheiro de clorofila lavando a manhã?

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Esburaco teu chão, levanto viadutos, obras de arte, arranco teus trilhos, arrebento tuas calçadas, alargo tuas ruas, misturo teus nervos, abro teus olhos d’ água? Desenho um poema na gordura escorrida das vidraças na Marechal, qualquer uma das duas? Ou escrevo versos a torto e a torto em qualquer vidraça com hálito de inverno? O que faço com você, Curitiba, alma porosa e cor de chumbo em mapa europeu? As palavras geladas, feito nuvens, multiformes, ligeiras sílabas de todas as cores, o que fazer? Recolher teu léxico, tua língua estalada, teu cumprimento velado? Vender-me em seu Mercado, gosto de feira livre, anárquica mistura das delícias da boca? Lançar-me à benção da Boca, que veste charme para desfilar fantasias e destilar fantasmas, Maldita? Rezar-me no sagrado e imaculado coração de Mari a, pinheiros fincados no mais puro Latim da infância? Como não perceber a rouquidão desafinada da Saldanha Marinho, dos cantos rotos, escolhidos à língua por sua vida embriagada? O que faço, Curitiba, para curtir o espírito ébrio bendito é o fruto dos botecos? E de todos os bares, seus corpos bêbados de garrafas e letras, suas tessituras por minhas veias, e sua fissura nos sonhos, os mais simples. Espírito e corpo, os danados têm? Onde registrar esta imensidão de anônimos alojada no teu passeio, ninho de árvores, tão público e cercado a ferro, fazer de conta que ela não existe? Fazer de conta também que não há uma procissão de insatisfeitos, de contentes? Como entender e acolher seus pássaros maltrapilhos a cada praça e sinaleiro? E dar a eles o voo sem cheiro, o voo dos leves, o voo dos puros? Há o voo dos justos? Onde, Curitiba, ancoro os seduzidos por tua luz? Como recebê-los: pipoca com bacon, vina com mostarda ou carne de onça? E agora, Curitiba, o que faço com você, tão irrequieta como as milhares de polaquinhas de cursinhos e tão menina quanto as mulheres que vendem prazer na Visconde de Guarapuava e os gays, na Ouvidor Pardinho? O que faço, Curitiba, com tuas ruas de comércio, os olhos mortos de fim de expediente, o metálico abrir de portas e almas na antemanhã? O que faço, Curitiba, com seus mistérios, bruma, paixões, garoa, iras, neblina, amores, jardins? Que fazer com os sons do silêncio, segredos do poder, a cor da escuridão, mansidão e lassidão de lençóis? E agora, Curitiba, o que faço com você que foi se aninhando em meu peito e eu fui aninhando-me em seu mundo, aldeia viva de sentimentos? Nilson Monteiro Jornalista

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Um Epsódio Inusitado Acontecimentos políticos marcam nossas vidas por razões diversas: sua importância histórica, sua abrangência social, ou sua capacidade de atingir a emoção coletiva. Assim, na década de 1950, Bento Munhoz da Rocha Neto mobilizou a vida cultural paranaense, provocando uma mudança de cenário cujas conseqüências sentimos até nossos dias. A construção do Centro Cívico, do Teatro Guaíra e da Biblioteca Pública do Paraná já teriam sido suficientes como marcos de transformação daquele período de governo iniciado em 31 de janeiro de 1951, quando Bento assume o Governo do Estado. Mas a conjugação de fatores políticos viria a culminar numa sucessão de eventos e de um singular episódio. Isso porque, até 1950 os prefeitos das capitais não eram eleitos pelo voto popular, sendo a indicação de livre escolha do governador, conforme procedimento herdado da Velha República. Com as emendas constitucionais aprovadas nas assembléias de cada Estado, a partir de 1952 os eleitores passaram a ter o direito de voto também para eleger os prefeitos das capitais. Embora na maioria dos estados as eleições tivessem sido marcadas para o ano de 1953, em Curitiba, devido às comemorações relativas ao centenário da emancipação política do Estado (1853), o processo eleitoral do primeiro prefeito pelo voto popular foi postergado para outubro de 1954. Vivia-se então o quarto ano de mandato de Bento Munhoz da Rocha Neto, cujo apoio político seria naturalmente dado a Erasto Gaertner, homem de sua confiança, exercendo as funções de prefeito desde 1951, portanto, candidato natural à eleição, além de ser um dos mais respeitados políticos do Estado. Entretanto, acometido de doença fatal, Gaertner viria a falecer em maio de 1953, sendo substituído por José Luiz Guerra Rego, que permaneceu apenas alguns meses no cargo, pois pretendia disputar, com mais sete candidatos, o cargo de prefeito. O então presidente da Câmara, Roberto Barrozo Filho, julgando-se impedido de assumir o cargo de prefeito, na qualidade de Presidente do legislativo municipal, devido ao fato de seu pai Roberto Barroso ser um dos candidatos à prefeitura, foi substituído pelo vice, Toaldo Túlio, que chegou a ser empossado prefeito, pela casa legislativa. O governador, entretanto, nomeou Ernani Santiago de Oliveira, seu companheiro de partido e leal amigo, como chefe do executivo. Foi assim que Curitiba amanheceu num dia de março de 1954, com dois prefeitos, situação que durou três dias até que a própria Câmara decidia, por votação expressiva, pela interpretação de que o novo chefe do executivo seria aquele nomeado pelo governador. Com essa decisão foi selada a sorte de Ney Braga, pois Ernani Santiago de Oliveira, ao ser definitivamente considerado o prefeito dos curitibanos, viria a ser a figura decisiva para a eleição do candidato apoiado pelo governador. Assumindo a prefeitura não apenas como artífice da campanha do major Ney Braga e decidido a fazer seu sucessor, Ernani foi administrador ativo e honesto. Realizou, em apenas nove meses, inúmeras obras como levar luz ao bairro Capão da Imbuia, executar melhoramentos no Cristo Rei, canalizar as águas pluviais, pavimentar inúmeras vias públicas e empreender a maior pavimentação de Curitiba, até então, levando o asfalto a Santa Felicidade, que se tornaria o maior núcleo eleitoral de Ney Braga. Mas as qualidades pessoais que forjaram o apoio político recebido, aliadas ao empenho na campanha, definiram decisões corajosas e sábias, no enfrentamento dos obstáculos para impor a candidatura do major. Articulou apoios para enfrentar a falta de legenda, cooptando quatro vereadores do PTB, liderados por Miltho Anselmo da Silva, cujo poder político na capital era inconteste e absorvendo forças políticas de mais três partidos. Pode-se afirmar, portanto que se Bento foi responsável pela articulação da candidatura Ney Braga, Ernani o foi pela sua primeira eleição a cargo público. Liamir Santos Hauer Escritora, ex-primeira-dama de Curitiba, foi esposa do prefeito Ernani Santiago.

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Meu Caso de Amor com Curitiba Curitiba é minha segunda cidade, segunda casa, segunda muita coisa na minha vida. Vivo aqui bem mais tempo do que vivi onde nasci (que não direi em respeito à homenageada). Frequento Curitiba literalmente desde criancinha, muito antes de imaginar que um dia me tornaria curitibano por adoção e cronista do seu cotidiano social. Eu e meus cinco irmãos nos revezávamos para acompanhar meus pais quando iam à capital. Era uma festa e uma aventura ansiosamente esperadas. A gente pegava a estrada antes do sol nascer e chegava na cidade grande – só para meus olhos de piá interiorano – quase no final da tarde, exausto, mas feliz que só. A Curitiba dessas minhas lembranças era a casa do tio Alceu, irmão do meu pai, na Rua Nunes Machado, a uma quadra e meia da Igreja do Sagrado Coração de Maria, na qual ele era Congregado Mariano. Alguém hoje, com menos de 30 anos, sabe lá o que é isso? Suspeito que não tenha sobrado nenhum para contar histórias. Na esquina da casa do meu tio tinha a venda dos Stacho, com baldes e vassouras pendurados no teto, baleiro de vidro, fumo de corda, cereais em sacos e uma infinidade de guloseimas coloridas e calóricas que a piazada adorava, eu particularmente. Ouvir os primos e amigos daqui falar “leite quente” com naturalidade era motivo de risos. Talvez já fosse uma espécie de bullyng. Domingo íamos à missa e acho que o celebrante era o renomado padre José Penalva, compositor e regente de música de câmara. Ele era amigo dos meus tios, ia sempre à casa deles tomar café e comer o cuque de banana da tia Maria Leocádia Mickosz. Cada vez que vinha à capital a trabalho, meu pai nos levava para almoçar na churrascaria Espeto de Ouro, nas proximidades da Praça Afonso Botelho, e ao Passeio Público. Guardo até hoje uma foto dele e eu num pedalinho escrito Crush em letras alaranjadas no capô. Volta e meia eu embarcava em um ônibus com a tia para ir visitar algum parente nos arrabaldes de Curitiba. Do Rebouças à Santa Cândida era uma viagem e tanto. Lembro de uma vez, passeando com ela pela Rua XV de Novembro – ainda sem calçadão –, quando passamos na frente de uma banca de jornais, daquelas antigas que não existem mais, quase como os próprios jornais. Eu devia ter uns 10 anos no máximo e ficava admirado com a “metrópole” à minha volta. De repente, bato os olhos num exemplar da Gazeta do Povo e leio a frase um tanto estranha para mim: “Dino Almeida, o colunista mais lido do Paraná” ao lado de uma foto pequenininha dele na primeira página. Fiquei matutando com os botões da minha calça curta enquanto era puxado pela mão da tia apressada: “Como ele pode ser o homem mais lindo do Paraná?”. Devo ter tentado sanar a dúvida estética com ela, que talvez tenha esclarecido meu equívoco aos risos. Pois bem, 35 anos depois quis o destino que eu viesse a substituir aquele que um dia achei que fosse o homem mais lindo do Paraná, que de lindo pelo menos não tinha nada, assim como o atual titular da tal coluna. Portanto, tenho com Curitiba uma ligação quase umbilical. Meu pai morou aqui quando jovem, até se formar professor normalista no Instituto de Educação do Paraná, onde foi aluno de Helena Kolody. Aliás, um dia, ao entrevistála para meu programa de televisão, apresentei-me, mesmo já conhecendo a grande poeta paranaense há tempos. Ao ouvir meu sobrenome, ela soltou um “Bessa...Bessa...tive um aluno com esse nome...Arlindo Bessa! O que ele é seu?”, perguntou sorridente do alto dos seus oitenta e tantos lúcidos anos. Já adulto, mudei em definitivo para Curitiba. Tinha 21 anos. Curitiba era outra, mais para o bem do que para o mau. Sou um saudosista na medida certa, nem mais, nem menos. Mas hoje resta muito pouco da Curitiba que aprendi a amar desde cedo, pequenos retalhos do que foi um dia para a minha geração, embora seja uma das cidades mais bonitas do mundo e, claro, com muitos defeitos também. Bonita por natureza e por obra dos que a tornaram moderna. Mas feia em muitos aspectos, que me desculpem os curitibanos de certidão. Nem o inverno é mais o mesmo dos meus tempos de infância. Hoje, Curitiba vive dividida em guetos, como quase todas as grandes cidades do mundo, com violência e toda sorte de mazelas sociais. É

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uma cidade afortunada e ao mesmo tempo castigada, cada vez mais ensimesmada em prédios e mais prédios onde a vida acontece na propaganda ou em condomínios luxuosos, que a comem pelas beiradas. Mas é e sempre será a Curitiba que todos amamos, onde constituí família. É a Curitiba que me convida a andar a pé e a driblar a tristeza dos dias de céu cinzento e pesado, terríveis para um pisciano de carteirinha, a caminhar sob a chuva medindo cada passo no petit-pavé para não dar com a cara no chão, a contemplar sua arquitetura antiga e as janelas trancadas nas ruas estreitas do centro, as caras desconfiadas da sua gente mais ancestral, assim como os dias ensolarados e mornos do outono ou os de qualquer outra estação. Curitiba é tesão, piá! Reinaldo Bessa Colunista

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Legendas das Fotos 4 e 5 - Detalhes do Jardim Botânico Francisca Maria Garfunkel Richbieter.

26 e 27 - Bairro Jardim Mercês contemplado através da Vista Alegre.

6 - Detalhe do “Olho”, Museu Oscar Niemeyer; Estufa do Jardim Botânico Francisca Maria Garfunkel Richbieter; Noturno do lago da pedreira alagada sob a Ópera de Arame. 7 - Ônibus biarticulado nas cercanias da Praça Euphásio Correia e da antiga Estação de Curitiba.

28 - Passeio Público, inaugurado em 1886, é o parque público mais antigo da cidade. 29 - Acesso à Ilha da Ilusão, no Passeio Público. Dedicada à magnum opus “Ilusão”, publicada primeiramente em 1911, do simbolista Emiliano Perneta (1866-1921), que ali foi coroado como “Príncipe dos Poetas Paranaenses”, tornando a ilha do rio Belém um movimentado ponto de encontro dos intelectuais da época.

10 - Obra “Amor Materno”, no Jardim Botânico de Curitiba. Réplica da obra do polonês João Zaco Paraná (1884–1961), cuja original de 1907 encontra-se na Av. Rui Barbosa, no Rio de Janeiro. 11 - Ação de capoeiristas promovida pela Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude (SMELJ). 12 e 13 - Paulo Leminski (1944-1989), com sua poesia pichada em muro do Alto São Francisco. 14 e 15 - Vista de uma chácara do bairro Riviera, oeste de Curitiba. 16 - Sessão Solene da Academia Paranaense de Letras, no plenário da Assembléia Legislativa do Paraná. 17 - Lua Cheia. 19 - Expressão de um homem de meia idade. 20 - Gralhas-azuis, aves símbolo do Paraná. 21 - Petit-pavé da calçada do Centro. 22 - Luminárias republicanas do calçadão da Rua XV 23 - Panorama da região norte. 24 e 25 - Flagrantes no Bosque do Papa, Memorial da Imigração Polonesa.

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30 e 31 - Algodão-doce. 33 - Calçadão da Rua XV, a primeira experiência de uma rua dedicada somente aos pedestres no Brasil. 34 e 35 - Ipês-Amarelos em alegre florada. 36 - Praça Osório vista de cima. 37 - Carrancas à venda na Feira de Artesanato do Largo da Ordem. 38 - Relógio das Flores, Praça Garibaldi. Monumento oferecido à municipalidade pela família Rosenmann, tradicionais joalheiros da cidade, em 1972. A partir de 1978, as flores do canteiro passaram a ser repostas a cada trimestre, obedecendo à floração das estações. 39 - “Luar do Sertão”, obra premiada do escultor João Turin (1878-1949) com a medalha de ouro no Salão Nacional de Belas Artes, localizada na rotatória do Centro Cívico, quase em frente a Prefeitura de Curitiba. 40 - Detalhe do Palacete Wolf, na Praça Garibaldi, construído pelo imigrante austríaco Fredolin Wolf, em 1880. 41 - Rua do Rosário, com a Igreja de São Benedito dos Pretos ao fundo.


42 - Detalhe uma obra de construção civil. 43 - Flora curitibana. 44 - Ruínas de São Francisco, obra inacabada que viria a ser a Igreja de São Francisco de Paula, desde fins do século XVIII. 45 - Em sentido horário: Universidade Livre do Meio Ambiente, Praça do Japão, Palácio da Luz (UFPR) e Paço da Liberdade. 47 - Flagrante de rua.

64 - Estação Tubo no Cajurú. 65 - Praça Ruy Barbosa, antigo Largo dos Sapos (pois havia um Olho D’Água dos Sapos), Largo da Misericórdia e Praça da República. Além de servir como campo de treinamento do 15º Batalhão de Caçadores (hoje Rua da Cidadania Matriz) foi importante ponto cultural de outrora, onde eram vistos circos, parque de diversões, eventos religiosos além do memorável Teatro de Bolso.

48 e 49 - Crepúsculo com a torre mirante da extinta TELEPAR, no bairro Mercês.

66 - Detalhe de painel do Poty Lazzarotto, na Praça das Nações, no bairro Alto da XV 67 - Nipônico curitibano.

50 - Colono polaco. 51 - Minifúndio no bairro Augusta.

68 e 69 - Panorama do centro curitibano, a partir do Centro Cívico.

52 - O Bondinho da Rua XV e o Palácio Avenida ao fundo. 53 - Estação Tubo, no Centro Cívico.

70 - Girassol. 71 - Parque São Lourenço e Rua 24 Horas.

54 - Portal de Santa Felicidade, no bairro Cascatinha 55 - Curitiba noturna e cosmopolita.

72 - Eixo Estrutural Norte, Av. João Gualberto, antigo trecho do caminho da Graciosa. 73 - Estação Tubo na Praça Rui Barbosa.

56 e 57 - Reflexos no “Palácio de Vidro”, o Centro de Convenções de Curitiba, no Centro. 59 - Parque Barigüi ao anoitecer. 60 e 61 - Panorama de Curitiba, contemplada do bairro Vista Alegre. 62 - Araucária Angustifólia, o Pinheiro do Paraná. 63 - Girafas no Zoológico do Alto Boqueirão.

74 - Travessa Oliveira Belo. 75 - Calçadão da Rua XV. 77 - Artesão na feira do Largo da Ordem. 79 - Chuva no bairro Santa Felicidade. 81 - Relógio da Praça Osório, inaugurado pelo prefeito Cândido de Abreu em 1914, e iniciado funcionamento em 1918 com maquinário oriundo da Alemanha, após o fim da Primeira Guerra Mundial.

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83 - Painel de Poty Lazarotto na Praça Dezenove de Dezembro, comemorativo ao primeiro centenário de emancipação política do Paraná. 85 - Luar sobre o Oratório Bach, no Bosque Alemão, no Jardim Schaffer. 86 - Típica casa de madeira no bairro Cajurú. 87 - Vista de Curitiba com o Eixo Estrutural Oeste e, mais ao fim, o lago do Parque Barigüi. 89 - Catadores de Papel. 91 - Travessa Oliveira Belo, com o Palácio Avenida. 93 - Rotatória do Centro Cívico. 95 - Detalhe do painel de Poty Lazzarotto no Palácio Iguaçu, Centro Cívico. 97 - Painel de Poty Lazzarotto (1924-1998), na Travessa Nestor de Castro. 98 - Senhor caminhando na Praça Nossa Senhora de Salete. 99 - Frontispício do Teatro Guaíra, com painel de Poty Lazzarotto (antigo Theatro São Theodoro, de 1884, Guayra desde 1900) e abaixo, Teatro Paiol, no Prado Velho (velho paiol de pólvora de 1874). 100 - Praça Santos Andrade com o Palácio da Luz, prédio histórico da UFPR. 101 - Detalhe de mãos curitibanas. 102 - Vista aérea da Praça Tiradentes, antigo Largo da Matriz, marco zero de Curitiba. 103 - Descendentes poloneses em casa típica, no bairro Riviera.

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104 - Casal em frente ao detalhe do painel na Travessa Nestor de Castro. 105 - Detalhe do Jardim Botânico Francisca Maria Garfunkel Richbieter. 106 e 107 - Palácio Iguaçu, sede do Governo do Paraná. 108 - Músico na Praça Rui Barbosa. 109 - Detalhe dos prédios do Centro Cívico. 110 - Ipês em flor. Crêem os curitibanos que quando florescem os Ipês-amarelos, não mais haverá frio na cidade, não mais geará. 111 - Parque Barigüi e o bairro Bigorrilho. 113 - Família curitibana. 115 - Igreja do Campo Comprido ou Santuário Diocesano Nossa Senhora de Lourdes. 116 - Ônibus Biarticulado na Rua Presidente Faria, uma inovação de Curitiba, entre do Palácio da Luz (UFPR) e a Associação Comercial do Paraná. 117 - Estrutural Oeste, crepúsculo a partir do monte da Vista Alegre. 118 e 119 - Farol do Saber, as primeiras bibliotecas de bairro com internet grátis do Brasil. 120 e 121 - Detalhe do monumento conhecido como Homem Nú, de Eerbo Stenzel, na Praça Dezenove de Dezembro. 123 - Palácio Avenida, edificação de 1929 erguida pelo imigrante libanês Feres Merhy, abrigou o folclórico Bar Guairacá, o Cine Avenida e foi responsável pela introdução da cultura de moradia em apartamento no Paraná. 124 e 125 - Parque Tanguá ao amanhecer e ao entardecer.


127 - Reservatório d’água do Alto São Francisco, de 1908, em arquitetura eclética e elementos art-noveau. Foi a primeira obra para abastecimento de água em Curitiba, através de 28 torneiras públicas. Ao fundo, Curitiba Trade Center, de 1995, em arquitetura eclética contemporânea. Quando inaugurado era o edifício mais alto do Paraná e o 26° da América Latina.

147 - Araucária Angustifólia.

128 - Pêssanka ucraína (ovos pintados a mão que simbolizam a vida, a saúde e a prosperidade). 129 - Descendentes eslavas, Pêssankas e detalhe do Memorial Ucraniano, no Parque Tingüi.

151 - Início de habitação em madeira no bairro Tatuquara.

131 - Bandeira Nacional hasteada no Centro Cívico. 133 - Cerejeira em flor na Praça do Japão. 134 - Pinha aberta, em abundância deu nome à cidade. 135 - Araucárias da floresta municipal conhecida como Capão da Onça, na antiga Vila Capanema. 136 e 137 - Da esquerda para direita: Fonte de Jerusalém; Farol da Memória (ao fundo) e imagem de Nossa Senhora da Luz; Frontispício da Casa Milan, Praça dos Poetas Alemães; Belvedere e cascata do Parque Tanguá. 138 - Ponte sobre o Rio Barigüi. 139 - Parque Regional do Iguaçu, com mais de oito milhões de metros quadrados, é um dos maiores parques urbanos do país . 141 - Fonte das Ninfas, obra francesa de 1896 atribuída a Henri Jacquemart, da Fundição Val d’Osne, na Praça Euphrásio Correia. 143 - Plenário Dezenove de Dezembro e Edifício Tancredo Neves, Assembléia Legislativa do Paraná. 144 - Corticeira (Erythrina crista - galli L.), também chamada eritrina-crista-de-galo, bico-de-papagaio, sapatinho-de-judeu, suinã, flor-de-coral, mulungu e sananduva, é da família das leguminosas e nativa dos campos de Curitiba. 145 - Outono num logradouro curitibano.

148 - Estátua do Barão do Rio Branco, de Rodolfo Bernardelli, Praça Generoso Marques. 149 - Detalhe do painel do Teatro Guaíra, Poty Lazzarotto e Relógio da Praça Osório.

153 - Praça Nossa Senhora de Salete, Centro Cívico. 154 e 155 - Trabalhadores curitibanos. 157 - Plátanos no outono, Bosque do Papa. 158 - Bebedouro do Largo da Ordem. 159 - Feira de Artesanato em frente a Igreja da Ordem. 161 - Conjunto de palácios do Centro Cívico, com os mastros oficiais do Estado. 163 - Centro Histórico de Curitiba. No primeiro plano, o Palacete dos Guimarães, de 1897, sede do Conservatório de Música Popular. ●


Impresso pela Edições Guairacá, composto pela fonte Garamond tamanhos 12 pt (título) e 9 pt (corpo de texto), sobre miolo em papel couché 90g/m² e capa em papel supremo duo 300g/m². Primavera de 2015.



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