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GAZETA DO RIO PARDO - 25 de dezembro de 2010

Visões do Natal

MÁRCIO JOSÉ LAURIA Houve um homem enviado por Deus que se chamava João. Este veio por testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que todos cressem por meio dele. Ele não era a luz, mas para que desse testemunho da luz. Era a luz verdadeira que alumia a todo homem, quer vem a este mundo. Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam; mas a todos que o receberam, deu ele o poder de se fazerem filhos de Deus aos que creem no seu nome. (Prólogo do Evangelho de São João) * Este é o verdadeiro Estábulo onde Jesus nasceu. O lugar mais imundo foi a primeira morada do único Ser puro nascido de mulher. O filho do homem, que deveria ser devorado pelos animais que se chamam homens,

teve por primeiro berço a manjedoura, onde os animais ruminam as maravilhosas flores da primavera. (Giovanni Papini, História de Cristo ) * Ajoelha-se o primeiro, oferece uma ânfora com incenso e exclama: “Glória ao Filho de Deus!” Chega-se outro e dobra os joelhos; estende para a criança custoso cofre cheio de ouro em pó; e diz: “Toda honra e majestade ao Grande Rei!” E eis que o terceiro sábio se avizinha do berço rústico de palha, dobra o busto para o chão, e erguendo o olhar magoado, coloca ante a criança uma urna chapeada de ouro, com pedaços de mirra de embalsamar e geme: “Consolação ao Homem, que conhecerá a morte!” (Plínio Salgado, Vida de Jesus ) * Quando um homem desta nossa época, que viveu ocupado com filosofia e religião, ultrapassou a metade de sua vida e se torna verossímil que nada mais aprenderá de essencial, parece-me legítimo que lhe perguntem: “E tu, que pensas de Jesus? Justifica a tua opinião numa linguagem que me seja acessível e que não pressuponha a tua fé.”

(Jean Guitton, Jesus ) * Era costume, sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa do quebra-nozes), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama.

(Mário de Andrade, “O peru de Natal”, em Contos novos ) * Conta-nos São Mateus daqueles três reis magos, que se abalaram de seus países em busca do Messias recém-nado, conduzidos por uma estrela extraordinária que, improvisamente, resplandeceu na altura, em plena luz de um firmamento claro. (...) E ela foi conduzindo-os até Belém, onde

seus raios tranquilos se joeiraram na cobertura humilde de um estábulo. Penetraram-no. Foi um encanto e um desafogo; os olhos encandeados no refulgir dos plainos incendidos, repousaram, suavemente, na auréola ideal de uma fronte loura de criança. Depuseram-lhe, depois, aos pés, as preciosas dádivas que traziam. Prostraram-se. Adoraram-na. Então a estrela se apagou na altura... (Euclides da Cunha, “Estrelas indecifráveis”, em À margem da História. * ... Noite cristã, berço do Nazareno. ... Só lhe saiu este pequeno verso: “Mudaria o Natal ou mudei eu?” (Machado de Assis, “Soneto de Natal”, em Ocidentais ) * Natal./ O sino longe toca fino./ Não tem neves, não tem gelos./ Natal./ Já nasceu o deus menino./ As beatas foram ver,/ encontraram o coitadinho/ (Natal)/ mais o boi, mais o burrinho/ e lá em cima/ a estrelinha alumiando. Natal./ As beatas ajoelharam/ e adoraram o deus nuzinho/ mas as filhas das beatas/ e os namorados das filhas,/ mas as filhas das beatas/ foram dan-

çar black-botton / nos clubes sem presépios. (Carlos Drummond de Andrade, “O que fizeram do Natal”, em Alguma poesia ) * Para isso fomos feitos:/ Não há muito que dizer: Uma canção sobre um berço,/ Um verso, talvez, de amor. Uma prece para quem se vai – / Mas que essa hora não se esqueça E por ela os nossos corações / Se deixem, graves e simples. (Vinicius de Moraes, “Poema de Natal”, em O encontro do cotidiano) * Na minha boca, um travo breve e esquecível, a consciência de que muito do melhor já passou. Provemo-nos dum sentimento singelo e consolador:temos muito da mesma cepa. Subjaz implícito o evento do Menino e sua radiosa graça,capaz de reflorir a cada ano, alheio às dores da Paixão, ao triunfo sobre a Morte, à glória mesma da Ascensão. Perpetuidades simples e graves, tão distantes daquela felicidade maciça que, insensatos, vez por outra sonhamos. (Márcio José Lauria, “Natal, apenas”, em Vidro de aumento )


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