Roteiro da Visita Guiada a "Terra d´Alva"

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JORNADAS EUROPEIAS DO PATRIMÓNIO 2017

VISITA GUIADA A

TERRA D’ALVA

ROTEIRO


ITINERÁRIO

A visita guiada por Maria José Casanova, que a Fundação Marques da Silva organiza, com a colaboração da família de Alfredo Matos Ferreira e dos proprietários da Quinta da Canameira e da Casa da Barreira, às obras projetadas por Alfredo Matos Ferreira em Barca de Alva e Urros, assinala a participação desta instituição nas JEP 2017.


7h00

Saída do Porto, Pr. Marquês do Pombal, nº 44

11h00

Ponte rodoviária Barca de Alva / Vega de Terrón

11h30

Quinta do Joanamigo

Visita à Casa e às instalações agrícolas Almoço Visita ao Espigão da Raposa (opcional)

14h30

Cais de Barca de Alva

Café e Passeio de barco no Rio Douro Vista da Quinta da Canameira a partir do rio

16h30 Urros

Capela de Santo Apolinário Instalações agrícolas da Casa da Barreira Lanche na Casa dos Barrais Visita das Malhadas a partir do lugar da Capela de São Sebastião (opcional)

19h00

Partida para o Porto

Nota: tempo aproximado de chegada e/ou saída dos locais designados


INTRODUÇÃO

Conheci o Arquiteto Matos Ferreira como professor no curso de Arquitetura da Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Mais tarde tive o privilégio de ser sua assistente. Mais do que um professor encontrei um Mestre e um Amigo. De palavras seguras e convicções fortes, partilhando o seu modo de ver e de fazer arquitetura – uma arquitetura próxima da vida, verdadeira, rigorosa, austera, essencial. Dos ensinamentos que nos transmitia, retemos especialmente as interpretações sobre o lugar e o seu contexto: de como o desenho, a forma, e os materiais que constituem o território podem e devem orientar o projeto, levando-nos a descobrir que objeto arquitetónico, cidade e morfologia do lugar tinham múltiplas e complexas relações. Esta relação entre arquitetura e sítio – o lugar nas suas dimensões –, convocando o Tempo Geológico e a modelação ou construção do território, e a sua constituição material; ou a compreensão das “forças naturais presentes em cada lugar”, esteve sempre presente ao longo de toda a sua obra, quer em espaço natural ou rural quer em espaço urbano. Estas são qualidades que encontramos nas obras que projetou em Barca D’Alva ou em Urros, e que são objeto desta visita. A conquista da clareza era para ele um objetivo e uma qualidade imprescindível. Uma clareza que, nos projetos, advém da “adequação justa” entre programa, lugar, sistema construtivo e ma-

teriais, rigor de desenho e geometria, economia de meios, austeridade, relações espaciais, uso e capacidade de adaptação às vivências que o fluir do tempo encerra. Estas questões, presentes ao longo de toda a sua obra, realçam uma procura do essencial que lhe advinha da sua formação e da vivência e contacto com as gentes, a vida e a arquitetura em Trás-os-Montes. Porque, como costumava dizer, o Inquérito à Arquitectura Popular não foi para ele uma referência, ou um marco, porque tinha crescido e vivido dentro do Inquérito. Como Amigo partilhou o amor pelo mar e o enraizamento na terra. Com ele subimos montes e fomos espreitar as águias. Observámos os astros e, por vezes, chegámos a içar velas. Com ele partilhámos casas e viagens. Ouvimos estórias e vimos filmes que realizara e montava: os documentários dos ritmos de produção agrária, os granjeios; as brincadeiras no início de uma reunião do Saal; os filmes atuais que ia fazendo e montando. * O percurso da visita que a Fundação Marques da Silva organiza iniciar-se-á com a primeira casa por ele desenhada, a Habitação do Feitor para a Quinta do Joanamigo: tudo começa com um ‘cardanho’ (casa térrea onde os jornaleiros dormem), uma nascente de água, uma árvore;


uma paisagem providencial e um homem. Um jovem estudante com uma providencial sensibilidade para a paisagem e, simultaneamente, um desejo de modernidade (como refere A. Siza no prefácio do livro “Memória”). São incontornáveis as intervenções realizadas para a Quinta do Joanamigo em Barca D’ Alva: a casa e as instalações agrícolas da quinta; são também as obras mais conhecidas e sobre as quais alguns textos ou trabalhos se debruçaram. Como foi já escrito, revelam a maturidade desde os primeiros projetos, e expressam o confronto e articulação entre modernidade e tradição, que tornam presente. Conheço bem essas obras, mas não deixo ainda de me surpreender muitas vezes. Foi também para este espaço/lugar que Alfredo Matos Ferreira desenhou, em 2000, um dos últimos projetos, a Casa de Férias no Espigão da Raposa: pequeno abrigo adossado na encosta, jogo de espelhos em movimento ascendente, pleno de simbolismo(s). Esta visita permite agora dar a conhecer melhor outras obras do arquiteto realizadas no território transmontano, como a obra realizada para as instalações agrícolas da Quinta da Canameira ou, em Urros, as intervenções na Casa da Barreira ou na Quinta dos Barrais. Por seu lado, a oportunidade de visitar a povoação de Urros e

a Capela de Santo Apolinário permite relembrar o projeto de Reconversão Urbana e Agrícola de Urros e/ou a proposta de conservação e restauro desta capela de peregrinação – projetos que precedem quer as preocupações de renovação urbana, quer a instalação do debate patrimonial. Em síntese, esta viagem-visita mostra-nos a arquitetura como meio de qualificação da vida, do território e do espaço, distanciada da valorização da imagem ou da forma que se reencontra no seu próprio reflexo. Como refere Sergio Fernandez a obra é sempre o reflexo da formação do seu autor (do seu caráter, da sua postura perante os outros e a vida) e, no caso desta obra, no caso de Alfredo Matos Ferreira, esta (re)visita evidencia a arquitetura como forma de pensar e, sobretudo, como forma de Estar e Ser no mundo. Porto, Agosto 2017

M. JOSÉ CASANOVA Arquiteta, docente da FAUP, Investigadora do CEAU/FAUP.


Quinta do Joanamigo: casa do feitor; habitação de férias; instalações agrícolas. 1950-2000

ALGUMAS NOTAS SOBRE AS OBRAS Palavras e fotos de Alfredo Matos Ferreira, in “Memória”

Em 1948 visitei pela primeira vez o lugar do Joanamigo. Duas circunstâncias chamaram a minha atenção: a existência de uma nascente de água e a localização privilegiada da única construção, as ruínas de um cardanho com uma pequena eira adjacente que coroavam um festo enxuto com uma panorâmica aberta a sul sobre o vale e o rio. A primeira proposta, desenhada em 1950, parte enquadrada pela extraordinária força da paisagem, e pela escolha não arbitrária do local para a nova construção junto ao velho cardanho, seguindo a sabedoria dos que em tempos remotos o tinham ali construído. O programa da pequena habitação era simples: um espaço central sala‑cozinha com lareira, um núcleo de dois quartos com uma casa de banho, e um espaço para responder a múltiplos usos. Um pequeno alpendre abrigava a entrada. O processo construtivo foi ditado pelos materiais e mão‑de‑obra locais: paredes exteriores de xisto argamassadas com barro, ambos extraídos na propriedade; paredes interiores em taipa com madeiras serradas num pinhal próximo; cobertura em laje pré-esforçada que, por dificuldades de transporte de materiais, teve que ser substituída por telhado com vigamento em madeira coberto a telha fabricada na aldeia; encerramentos em madeira pintada.


Espigão da Raposa: casa de férias. 2000

Em 1962 surgiu a oportunidade de construção de instalações agrícolas através da Junta de Colonização Interna. Esta possibilidade permitia, ainda, pensar na reestruturação da casa de caseiro, construída em 1950, adaptando‑a agora para casa de férias. A antiga casa de caseiro manteve a volumetria preexistente, rasgando‑se apenas uma grande abertura na parede Norte para permitir a sua ampliação. Em toda a envolvente da casa existem espaços exteriores de nível, organizados com muros de suporte que lhe conferem uma grande capacidade de utilização e, por outro lado, enraízam todo o conjunto no festo em que se implanta a casa. Houve ainda a preocupação de criar enfiamentos visuais a partir do interior para pontos singulares da panorâmica envolvente, como o coroamento do vale, a falha de Alparjaz, ou o Rio Douro em que o espelhar próximo da piscina se sobrepõe às águas do rio. Entre 1948 e 1962 a quinta tinha sofrido várias alterações no sistema de culturas; […] Estas alterações exigiam instalações adequadas que não existiam. O conjunto organiza‑se em torno de um pátio e distribui‑se em dois núcleos […] nos topos poente e nascente do conjunto situam‑se, respectivamente, um armazém e um coberto para guarda de máquinas agrícolas.

Um antigo tanque de rega desativado, uma panorâmica deslumbrante sobre o vale do Douro, os olivais que Santana Dionísio descreve no Guia de Portugal, um afloramento quartzítico o Espigão da Raposa foram os pontos de partida para este projeto. Uma casa que se adossa as cotas do terreno encostando‑se ao velho tanque, agora transformado em piscina envolvida por muros de xisto que criam um pátio exterior abrigado, e uma hipótese dum percurso subindo a encosta para lentamente descortinar visões sempre diferentes. Uma compartimentação mínima; sala, varanda e uma pequena cozinha na cota baixa, viradas para a paisagem e abrigadas por gelosias que sombreiam a varanda; duas pequenas alcovas com sanitários mínimos que abrem para o pátio e a piscina.


Quinta da Canameira: instalações agrícolas. 1955

O vale relativamente apertado com o espelhar das suas margens nas águas paradas do Douro ou o reflexo cintilante do luar em noites de lua cheia; um lugar mágico duma calma absoluta, […] A casa da quinta, uma eira e um velho forno constituíam o núcleo principal; uns cardanhos mais afastados e muito arruinados eram as únicas instalações agrícolas existentes – tornava‑se evidente a necessidade de os substituir. O programa era muito simples, um grande espaço‑cabanal para múltiplos usos, locais para guarda de arreios e rações, estábulo, cortelhas e uma nitreira. A implantação, orientada a sul e encostada ao monte, exigia uma boa ventilação, principalmente nos meses de Verão em que os 40 graus à sombra são frequentes. O sistema construtivo assenta sobre paredes estruturais em xisto, divisórias em blocos de cimento fabricados no local, e uma cobertura em vigamento de madeira e telha cerâmica apenas apoiada nos pilares e paredes laterais para assegurar a ventilação necessária.

Capela de Santo Apolinário: estudo para restauro. 1960

O local da Capela de Santo Apolinário, na aldeia trasmontana de Urros, foi desde a minha infância um lugar mágico: as próprias características do edifício, o seu espaço exterior de acolhimento, as arcarias que abrigam os peregrinos no último fim-de-semana de Agosto, os pormenores da construção (desde os pavimentos reticulados a xisto e tijolo, ao seu magnifico tecto em caixotões ricamente pintados com figuras de santos), o túmulo em granito com baixos-relevos alusivos à vida do Santo e ao seu martírio, o grande cipreste que marca o local desse martírio e pontua singularmente a paisagem, a calma e o murmurejar da sua fonte, a acústica do lugar, quer no interior da capela quer em toda a sua envolvente e, sobretudo, a organização do seu espaço, a brancura das suas paredes pouco comuns por estas paragens, mais corrente a Sul do Tejo. Em 1960, na companhia de Joaquim Sampaio, fui passar uns dias a casa de meus pais, e resolvemos iniciar o levantamento rigoroso da capela e da sua envolvente próxima com vista a conseguir, através da Junta de Freguesia e da Camara Municipal, sensibilizar os poderes públicos para a necessidade urgente de obras de conservação e restauro.


Casa da Barreira: instalações agrícolas. 1955

Reconversão Urbana e Agrícola de Urros: estudo. 1961

Eu conhecia a velha casa cheia de recordações de infância, das traquinices e explorações nas quais encontrara objetos que ali permaneciam há muito tempo: […] A velha casa de habitação da família tinha sido substituída pela construção de uma nova nos Barrais quando os meus pais regressaram da Madeira, e não existiam instalações adequadas para acolher as exigências das novas técnicas de granjeio. O programa não era muito complexo, mas teria sempre que se adaptar aos espaços existentes, completado por um conjunto de novas edificações que envolviam a nascente e sul o velho quinteiro, criando um espaço de ligações fechado. O projeto previa ainda a reutilização de um edifício existente, desligado deste conjunto, para a instalação do lagar de azeite.

O estudo pretendia tratar em paralelo os problemas referentes à estrutura da propriedade agrícola, suporte económico dos habitantes e os problemas detetados na aldeia, infra-estruturas, mobiliário urbano, pavimentação dos espaços de circulação e de estar e propor a reorganização do espaço interno dos edifícios que correspondesse aos novos modos de habitar de granjear a terra ou pastorear. O estudo da reestruturação urbana deveria englobar o levantamento de todos os edifícios, habitação, igrejas, capelas e os equipamentos de apoio à agricultura como os antigos lagares de azeite, praticamente inalterados desde o tempo dos árabes, as azenhas do rio Douro e todos os espaços das atividades existentes na aldeia desde os fornos de cozer o pão as forjas dos ferreiros, ao tronco do ferrador, as eiras, as fontes, ao forno da telha, enfim a tudo aquilo que ainda subsistia, mas que já apresentava sinais de um próximo desaparecimento e que complementava e autonomizava a vida da aldeia. […] Os lugares têm carácter, “Corpo e Alma” nas palavras de Fernando Távora, “Genius Loci” nas de Norberg-Schulz, que deve ser respeitado.


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