Banco de Portugal: Porto 1918-1922

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Banco de Portugal Porto 1918-1922

FRANCISCO SOUSA RIO




A inserção do edifício no plano da avenida

O EDIFÍCIO DO BANCO DE PORTUGAL NO PORTO Apontamentos para uma visita guiada

O edifício da filial do Banco de Portugal na cidade do Porto, situado no lado poente da Praça da Liberdade, foi projetado e construído entre 1918 e 1934. Da ideia antiga de uma nova centralidade para a cidade do Porto a partir do então chamado Campo das Hortas ou, mais tarde, Praça de D. Pedro, nascem projetos como o de Carlos Pezarat, de 1889, com um eixo norte-sul a ligar à Praça da Trindade [1]. A República volta à ideia em 1914, com o vice-presidente Elísio de Melo, responsável por outras grandes intervenções que viriam a marcar a cidade, como a abertura da Rua de Sá da Bandeira e o Mercado do Bolhão. Barry Parker, arquiteto inglês, que é convidado para integrar uma comissão encarregada de pensar o assunto, acaba ele próprio por desenhar um plano, de inspiração neoclássica, objeto de um debate intenso com os arquitetos portugueses de uma linhagem mais francesa [2].


Figura 1 Desenho da fachada principal do anteprojeto para a Caixa Filial do Banco de Portugal. Miguel Ventura Terra e José Teixeira Lopes (1918).

A inauguração das obras dá-se a 1 de fevereiro de 1916 com a presença do Presidente da República, Bernardino Machado. Estas iriam prolongar-se ao longo de toda a primeira metade do século, no meio de muitas vicissitudes e de modificações introduzidas no plano [3].

Do Banco de Lisboa ao Banco de Portugal [5] A direção do Banco de Lisboa, criado nos alvores do liberalismo, em 31 de dezembro de 1821, cedo discutiu a criação de uma filial na cidade do Porto devido à importância deste polo da vida económica do País. O que

A submissão do projeto específico de cada imóvel ao plano geral da

veio a acontecer, primeiro através de uma correspondente – a Compa-

avenida e a apreciação prévia e análise por parte de uma Comissão de

nhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro – em 1824 e, no ano

Estética Municipal permitiram que hoje, de facto, o conjunto seja lido

seguinte, com um espaço próprio tomado de arrendamento aos frades

como tal.

dominicanos no seu convento localizado no Largo de São Domingos, ex-

Muito importante na definição da arquitetura proposta e da imagem urbana impressiva e monumental da avenida é o esboceto de 1919, em

celente localização no centro comercial da cidade, onde se situavam, à época, atividades quer financeiras quer judiciais.

que Marques da Silva fixa o arranque da mesma com a consolidação dos

A 19 de novembro de 1846 nascia o Banco de Portugal resultante da fu-

dois edifícios que lhe servem de “porta”, o de A Nacional e o prédio Pinto

são do Banco de Lisboa e da Companhia Confiança Nacional. Entretan-

Leite [4].

to tinha-se dado a extinção das ordens religiosas, com a desapropriação dos seus bens, e o Banco de Portugal adquire um dos lotes do convento


Figura 2 Desenho da fachada principal do projeto de licenciamento para a Caixa Filial do Banco de Portugal. José Abecassis Júnior (1922).

que foi posto à venda pelo Governo, procedendo a profundas obras de

sua preocupação com a racionalidade e eficiência do espaço interior dos

remodelação a partir de 1865. Estas obras seguem o plano então traçado

diversos serviços, cuja distribuição é resultado de um minucioso estudo

para a zona, que inclui a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira, da

feito pela administração da Caixa Filial [7].

Praça do Infante, da Rua de Sousa Viterbo e da Rua de Ferreira Borges. Esta última vai passar mesmo por cima da antiga igreja do convento.

Miguel Ventura Terra (1866-1919), que se cruzou com Marques da Silva no atelier de Victor Laloux em Paris, é autor de uma vasta obra de re-

Enquanto isso, acompanhando o desenvolvimento exponencial da ci-

ferência, principalmente na capital do país, que inclui vários palacetes

dade na segunda metade do séc. XIX, o negócio da filial vai crescen-

e moradias, algumas galardoadas com o Prémio Valmor, mas também

do, com a expansão dos seus serviços e funções: desconto de letras,

de importantes equipamentos urbanos como a Maternidade Alfredo da

empréstimos sobre penhores, operações de câmbio, depósitos particulares, compra e venda de ouro e prata. Sendo notória a necessidade crescente de transferir as instalações para outro local, e aproveitando a perspetiva das demolições necessárias à abertura da nova avenida, o Banco de Portugal desde cedo – 1917 – solicita à Camara Municipal do Porto prioridade na aquisição de um espaço naquele local, uma vez que estava em condições de erguer ali um edifício com as características exigidas pelo novo plano [6]. O local escolhido, no lado poente da já então chamada Praça da Liberdade, onde antigamente existia uma fonte com uma mãe de água, veio, mais tarde, a proporcionar alguns problemas ao andamento dos trabalhos.

Costa (1908) e os liceus Camões (1907), Pedro Nunes (1909) e Maria Amália Vaz de Carvalho (1913), assim como a remodelação da atual Assembleia da República. Foi também autor do santuário de Santa Luzia, em Viana do Castelo e do Palace Hotel de Vidago, ambos terminados já após a sua morte. No Porto construiu, com a ajuda do seu amigo Teixeira Lopes, a moradia localizada na Avenida Montevideu, 384 (1896 – antigo restaurante D. Manuel). Foi ainda vereador da Câmara Municipal de Lisboa e o primeiro presidente da Sociedade dos Arquitetos Portugueses [8]. José Teixeira Lopes (1872-1919), filho e irmão de escultores, para quem projetou a futura Casa-Museu Teixeira Lopes, em Gaia, tinha gabinete na Praça da Batalha. Teve três filhos, José Marcel, filho do seu primeiro

Os projetos, seus autores e outros artistas Os arquitetos eleitos para a tarefa foram Miguel Ventura Terra e José Teixeira Lopes, ambos provenientes da Escola de Belas Artes do Porto com estudos subsequentes em Paris. A influência eclética francesa é bem

casamento com Jeanne Émilie Bégaut, foi funcionário do Banco de Portugal, enquanto que o nome do seu terceiro filho, Manuel Ventura, deverá significar uma homenagem ao seu amigo e coautor do anteprojeto para o Banco de Portugal.

patente no anteprojeto datado de julho de 1918, de belo efeito exterior,

É autor do Plano de Urbanização de Miramar, onde construiu diversas

cumprindo os preceitos obrigatórios pelo plano da avenida, como a pre-

moradias, numa das quais viveu com a sua família. Obra de destaque é

sença de torreões zimbórios nos gavetos (Figura 1). É também refletida a

o Colégio Moderno (1915), na Quinta da Bela-Vista, em São Roque da


Figura 3 Aspeto atual do grande pátio central.

Lameira. É-lhe também atribuída a autoria da casa neomanuelina loca-

De facto, poucas são as semelhanças no desenho da fachada das duas

lizada na Avenida do Brasil [9].

propostas, conforme se pode verificar através duma comparação atenta.

A morte dos dois arquitetos em 1919, primeiro Teixeira Lopes em fevereiro e depois Ventura Terra em abril, veio interromper a continuidade do trabalho de projeto, tendo o Banco de Portugal que transitar a tarefa para outro projetista. O escolhido foi o engenheiro José Abecassis Júnior, que mais tarde, depois da revolução de 1926, haveria de ser Administrador-Geral das Obras de Edifícios Públicos, antecessora da DGEMN – Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais – que tanta obra fez durante o Estado Novo. Este engenheiro assina em 1922 o projeto do “edifício destinado à Caixa Filial do Banco de Portugal” apresentado na Câmara Municipal do Porto (Figura 2), procedendo a alterações significativas: “Nas suas disposições geraes, quanto à sua distribuição em planta, cinge-se ao que ficou estabelecido no ante-projecto, elaborado pelos falecidos arquitectos Ventura Terra e Teixeira Lopes. Quanto às fachadas (…) deverei dizer que não era possível adoptá-las pois que não atingiam a altura média exigida pela Comissão de Estética da Cidade, que era 18 metros acima do nível da Avenida, forçoso era fazer passar para baixo da mesma cornija, todo o 2.º andar do edifício. Tendo de fazer-se esta importante alteração e modificar outras disposições das fachadas, que

Tal como referido na memória descritiva do projeto, as lucarnas e vãos amansardados existentes no anteprojeto passam para baixo da cornija no projeto licenciado, transformando-se numa linha de tripla fenestração. Os dois zimbórios idênticos são modificados: o da esquina tornase mais atarracado e perde o lanternim com o respetivo mirante, o outro passa a torreão amansardado que acompanha um frontão clássico, marcando a entrada principal. É importante assinalar que os acessos ao edifício no anteprojeto derivavam diretamente dos dois zimbórios, formando cada um uma saliência do plano da fachada, que marcavam duas entradas realizadas através de pórticos semicirculares abertos. Além disso, salienta-se a diferença que é o espaço central do pátio interior que antes era transposto para a fachada principal através de 3 conjuntos de grandes envidraçados de caixilharia mais simples e moderna. Esta diferenciação no tratamento da fachada deixa de existir, talvez fruto da homogeneização referida por José Abecassis na memória descritiva e justificativa do seu projeto. Um outro elemento clássico adotado no projeto que foi construído é uma platibanda corrida com grinaldas, o que também vem concorrer para um resultado final bastante mais arcaizante do que o do anteprojeto.

apresentavam inconvenientes de ordem, entendi dever também unifor-

O andamento das obras da estrutura de pedraria e “das divisórias, pavi-

mizar o estilo da fachada principal, tornando-a homogénea e symétrica,

mentos, terraços e escadas em beton armado”, entre 1923 e 1927, é docu-

em vez de apresentar dois estilos completamente diferentes. (…) Para a

mentado por um conjunto de fotografias de muito boa qualidade expos-

composição da fachada principal e, seguindo os preceitos mais geral-

tas atualmente nas galerias do pátio central. Seguiu-se todo o processo

mente adoptados até hoje nas principais cidades do mundo, quando se

de apetrechamento do interior no qual colaborou o arquiteto António

pretende dar a um edifício carácter e grandeza, fui procurar elementos no

Peres Dias Guimarães, que fez parte do júri do concurso para os novos

clássico e no renascimento”. [10]

Paços do Concelho, em 1917. Os trabalhos de estuque e fingidos foram


executados pela oficina Ramos Meira, cujo espólio pertence atualmen-

O trabalho escultórico, com simbologias e motivos que perpassam para

te à Câmara Municipal do Porto, estando em exposição permanente no

o interior do edifício e se referem à história e imagem da instituição, é da

Banco de Materiais. A gramática decorativa continua a ser neoclássica,

autoria de José Sousa Caldas (1894-1965), escultor também responsável

agora com uma interpretação Art Deco.

pelo grupo escultórico do edifício vizinho de “A Nacional”. Outros trabalhos da sua autoria no Porto são os bustos do padre Baltazar Guedes,

Os grupos escultóricos da fachada

localizado no Colégio dos Salesianos e de Carolina Michaelis, no liceu com o mesmo nome, o Monumento ao Esforço Colonizador Português,

Finalmente inaugurado em 23 de abril de 1934 [11], depois de um longo

situado na Praça do Império, e ainda «Ternura», menina e corça, colo-

e complicado processo de construção não só devido às já referidas ca-

cada junto ao lago dos jardins do Palácio de Cristal. Trabalhou ainda na

racterísticas do terreno, mas também pelo período politicamente con-

obra do Teatro de S. João, dos Paços do Concelho e concluiu o Monu-

turbado que se seguiu, será apenas definitivamente rematado em 1936,

mento aos Heróis da Guerra Peninsular.

com a colocação dos dois conjuntos de estátuas em bronze que ladeiam o grupo escultórico do frontão, onde Deméter e Hermes, Agricultura e Comércio, recebem a proteção da Majestade, deitando o seu olhar so-

Sousa Caldas era afilhado de José Joaquim Teixeira Lopes, escultor e pai do arquiteto [13].

bre quem entra no edifício, como um bom augúrio de quem pretende apoiar o investimento nas mais diversas atividades económicas. Junto a Hermes figura um pote vazando moedas e ao lado de Deméter, palmas e

Conclusão

espigas de trigo. Mais abaixo, mais cornucópias transbordando moedas,

Uma visita ao edifício do Banco de Portugal na Cidade do Porto é uma

como símbolo de prosperidade e, mais uma vez, riqueza.

oportunidade para percorrer alguns espaços interiores normalmente

Os dois grupos escultóricos de bronze são muito semelhantes, sendo

fechados deste imóvel notável com características únicas no Porto, quer

constituídos por uma figura feminina trajando uma longa túnica em

pela sua arquitetura, quer pela sua história, que acompanha quase toda

simbolização do Trabalho e da Proteção, e tendo cada uma a seus pés

a primeira metade do século XX. Passa também por aceder ao terraço da

duas crianças nuas sentadas sobre a cornija, representando futuro e ri-

cobertura, local que permite contemplar a cidade sob uma perspetiva

queza [12].

diferente e surpreendente.

Bibliografia

8) Universidade do Porto. – Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto. Miguel Ventura Terra.

1) Nonell, Anni Gunther. – Avenida dos Aliados, in Porto – 1901-2001. Ordem dos Arquitetos SRN. Porto, Livraria Civilização, 2001.

https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20-%20miguel%20ventura%20terra (2016-05-30).

2) Tavares, André. – A Avenida da Evolução das Cidades nas Nações Aliadas: notas em torno de Marques da Silva e Barry Parker, in Leituras de Marques da Silva. Porto, FIMS. 2011. p. 140. 3) Cardoso, António – O Arquitecto José Marques da Silva e a arquitectura no Norte do País na primeira metade do séc. XX. Porto: FAUP publicações, 1997, p. 260-273. 4) Figueiredo, Ricardo. – A Centralidade do Porto: A Praça e a Avenida, in Avenida dos Aliados e Baixa do Porto. Memória, Realidade e Permanência. Porto: Porto Vivo, SRU, 2013, p. 131. 5) Banco de Portugal – Revista Interna, n.os 21, 27 e 48: 1991, 1992 e 1996. 6) Banco de Portugal – Newsletter DSADM, n.º 2: 2009. 7) Ramos, Rui J. G. – Ser Moderno em 1900: A arquitectura de Ventura Terra e Raul Lino. Colóquio “Caminhos e identidades da modernidade: 1910, o Edifício Chiado em Coimbra”. Coimbra. FAUP, 2010, p. 12.

9) Universidade do Porto – Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto. José Teixeira Lopes. https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20-%20jos%C3%A9%20teixeira%20lopes (2016-05-30).

10) Abecassis Júnior, José. – Licença de Construção n.º 1292/1922, Memória Descriptiva e Justificativa. Arquivo Histórico Municipal do Porto. 11) Folhetim de O Comércio do Porto, terça-feira, 24 de abril de 1934. 12) Abreu, José Guilherme Pinto de – A Escultura no Espaço Público do Porto no séc. XX. Porto, FLUP, 1998: pp. 92-94. http://www.ub.edu/escult/epolis/guilherme/Porto.pdf (2016-05-30).

13) Universidade do Porto – Antigos Estudantes Ilustres da Universidade do Porto. José Sousa Caldas. https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?p_pagina=antigos%20estudantes%20ilustres%20-%20jos%C3%A9%20sousa%20caldas



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