Funcionalismo em perspectiva

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 5 SEÇÃO 1: O EMPREGO DO ARTIGO E O ESTATUTO INFORMACIONAL................... 6 O emprego dos artigos definido e indefinido em títulos noticiosos da Inglaterra, Espanha e Brasil. ................................................................................................... 7 SEÇÃO 2: A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO ........................ 14 A modalidade deôntica no discurso político. ............................................................ 15 SEÇÃO 3: GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO ......................................... 28 Gradação: um fenômeno discursivo. .......................................................................29 SEÇÃO 4: A GRADAÇÃO NA WEB ....................................................................... 39 Por uma perspectiva funcional: a gradação e o seu uso nas redes sociais. .................. 40 Gradação na Web: as ocorrências de gradação no microblog Twitter. ......................... 51 SEÇÃO 5: A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR ............................................. 63 A gramaticalização do verbo dar. ............................................................................64 A gramaticalização do verbo dar. ............................................................................75 A gramaticalização do verbo dar no presente e no pretérito perfeito do indicativo. ........89 Análise sincrônica da gramaticalização do verbo dar................................................ 103 SEÇÃO 6: A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO ........................ 113 A função interpessoal em textos de opinião............................................................ 114 SEÇÃO 7: OS PLANOS DISCURSIVOS NA OBRA DE ESOPO............................... 128 Os planos discursivos figura e fundo na fábula, “O Burro que vestiu a pele de um Leão”, de Esopo. ........................................................................................... 129


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APRESENTAÇÃO A 4ª edição da revista Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará dá continuidade ao trabalho da Profa. Claudete Lima, e é produto dos estudos realizados pelos alunos da disciplina de Linguística: Funcionalismo, no semestre 2011.2, com base nas teorias aprendidas em sala de aula, e nas teorias de Linguistas associados ao funcionalismo como Dik, Halliday, Hopper, Thompson e Givón. Os

trabalhos

apresentados

nesta

edição

foram

produzidos

e

organizados pelos próprios alunos da disciplina, que se dividiram em três equipes: de revisão, de formatação e de edição, com orientação da professora Claudete, e sã trabalhos que investigam fenômenos da língua portuguesa e como eles se dão no dia a dia, estudando-os através do ponto de vista funcional. Esperamos

que

com

esses

trabalhos

produções dos alunos para outros estudantes,

possamos

mostrar

as

e não só servir de base

para suas eventuais pesquisas, mas também incentivá-los a iniciar suas próprias produções acadêmicas. Gratos, A Edição


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SEÇÃO 1

O EMPREGO DO ARTIGO E O ESTATUTO INFORMACIONAL


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O EMPREGO DOS ARTIGOS DEFINIDO E INDEFINIDO EM TÍTULOS NOTICIOSOS DA INGLATERRA, ESPANHA E BRASIL Carlos del Río González1 Resumo: O presente artigo pretende expor e refletir sobre as diferenças de uso dos artigos definido e indefinido nos títulos dos jornais Folha de São Paulo, The Guardian e El País, escritos em língua portuguesa, inglesa e espanhola respectivamente. Para isso, baseamo-nos nas guias de estilo dos jornais e comparamos os títulos das notícias sobre o terremoto e tsunami no Japão em março de 2011, entre as datas 11/03/2011 e 21/03/2011. Palavras-chave: Artigo definido, indefinido, notícia, títulos. Abstract: This text presents and thinks upon the differences in use of definite and indefinite article in headlines from the Folha de São Paulo, The Guardian and El País newspapers, written respectively in Portuguese, English and Spanish. In order to do that, we take base in the newspapers’ style guides and compare the news headlines on the earthquake and tsunami occurred in Japan in March 2011, between 11 March 2011 and 21 March 2011. Keywords: Definite article, indefinite, news, headlines.

Introdução Em orações do português, o emprego do artigo está fortemente relacionado com o estatuto informacional do SN, que está, por seu lado, relacionado com o valor semântico que a oração possui. Os artigos dividem-se,

geralmente,

em

definido

e

indefinido,

e

algumas

subdivisões que devem ser levadas em conta. De maneira geral, define-se o artigo definido como aquele que “trata de um ser já conhecido do leitor ou ouvinte, seja por ter sido mencionado

antes,

seja

por

ser

objeto

de

um

conhecimento

de

experiência” (CUNHA;; CINTRA, 2008, p. 219). Depreende-se dessa definição que o valor mais destacado do artigo definido é o anafórico. Já o artigo indefinido “trata de um simples representante de uma dada espécie ao qual não se fez menção anterior” (idem, ibidem).

1

Graduando em Letras-Português / Espanhol – UFC.


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Embora os artigos, ambos o indefinido e o definido, possuam outros valores específicos, o que interessa a este trabalho não são esses outros valores, mas a omissão dos próprios artigos. Para estudar a diferença de uso do artigo em textos noticiosos, este trabalho tomou os títulos das notícias sobre o terremoto que aconteceu no Japão no começo do ano e as consequências que ele trouxe. Os jornais escolhidos são o brasileiro Folha de São Paulo, o britânico The Guardian e o espanhol El País. As datas das notícias estão limitadas entre o 11/03/2011 e o 21/03/2011. Para coletar os dados, foram acompanhados os títulos dos três jornais e escolhidos aqueles que tratavam o tema de maneira mais parecida. Em seguida, fez-se a comparação e estudou-se o uso dos artigos, tanto dos definido quanto dos indefinido. Como Deve Ser Usado o Artigo As normas gramaticais para usar artigo definido ou indefinido desviam-se, as vezes, um pouco do padrão original quando aplicadas a textos jornalísticos, já que estes têm um forte compromisso com a forma como a informação é dada. Para títulos de jornais brasileiros, o Manual de redação e estilo do Estado de S. Paulo reza que o artigo definido “pode ser dispensado, na maior parte dos casos, para economizar sinais” (apud ZAMPONI, 2000). Portanto, um título fictício como:‘Barcelona ganha Liga dos Campeões’, não precisaria de artigos, pois são subentendidos;; ‘O Barcelona’ e ‘a Liga dos Campeões’. Porém, esse subentendimento só pode ser dado por conhecimento de experiência, isto é, só aqueles que saibam que a Liga dos Campeões é um torneio de futebol saberão que ‘Barcelona’ refere-se ao time de futebol catalão e não a outros times de outros esportes nem à própria cidade. Passando à imprensa britânica, o Guardian Style Guide não faz profunda menção ao uso do artigo. Para o indefinido, limita-se a dizer:


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“utilize an antes de H mudo”2 (tradução nossa); quanto ao definido reza que “deixando de fora o/a/os/as frequentemente faz com que se leia como gíria: diga “a conferência aceitou fazer alguma coisa”, não “conferencia aceitou”;; “o governo tem de fazer”, não “governo tem de fazer”;; “a Super Liga” (rugby), não “Super Liga. ”3 (p. 289, grifo nosso). No caso da imprensa espanhola, o Manual de estilo del diario El País de España dá mais especificações quanto ao uso de artigo. A primeira norma que o manual cita é que “não se podem suprimir os artigos ou adjetivos que forem impostos pela lógica da linguagem”4 (p. 35). O mais interessante, porém, é quando comenta que “nunca será sacrificada a sintaxe à brevidade. Isto é, não se podem suprimir artigos ou preposições de maneira que o texto pareça redigido em estilo telegráfico.” 5 (p. 27). Mais adiante, agrega: “os títulos hão de ser quão concisos for possível –o ideal é que não perpassem uma linha de composição–, mas nunca será sacrificada a sintaxe castelhana ou sua compreensão informativa. Não podem ser suprimidos, portanto, artigos ou preposições.”6 (p. 27, grifo nosso). Todavia, mais adiante lemos: “quando um título começa com um artigo, este nunca deve ser omitido”7 (p. 71) Percebe-se uma posição quase antagônica com o manual do jornal brasileiro; neste, prioriza o sentido do título e se leva muito em consideração a participação do leitor; naquele, a sintaxe predomina se sobrepõe à pragmática. Comparação de Casos

2

Use an before a silent H. Leaving “the” out often reads like jargon: say the conference agreed to do something, not “conference agreed”;; the government has to do, not “government has to”;; the Super League (rugby), not “Super League”. 4 No se pueden suprimir los artículos o adjetivos que imponga la lógica del lenguaje. 5 Nunca se sacrificará la sintaxis castellana a la brevedad. Es decir, no se pueden suprimir artículos o preposiciones de manera que el texto parezca redactado en estilo tele-gráfico. 6 Los títulos han de ser lo más escuetos posible —lo ideal es que no sobrepasen una línea de composición—, pero nunca se sacrificarán la sintaxis castellana o su comprensión informativa. No pueden suprimirse, por tanto, artículos o preposiciones. 7 Cuando una cabecera comience con un artículo, éste nunca debe omitirse. 3


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Começamos a comparação de casos das notícias que abordaram o tsunami no Japão, no começo deste ano, entre os jornais Folha de São Paulo (FSP), The Guardian (TG) e El País (EP). No 11/03/2011 encontramos os seguintes títulos:

FSP: Terremoto seguido de tsunami deixa ao menos 32 mortos no Japão TG:

8.9 magnitude earthquake hits Japan, numerous aftershocks

EP:

Una ola de muerte y destrucción

Vemos que a FSP omite os artigos, tanto o primeiro quanto o segundo, que deveriam ser indefinidos (Um terremoto / um tsunami). Como diz Zamponi, a omissão do artigo pode ser devida à intenção de não querer assumir informações dadas frente a leitores que podem não estar cientes de notícias passadas relacionadas com o assunto. Neste caso, como a informação é nova, poderia ser usado o artigo indefinido. Recorremos, então, ao Manual de redação e estilo do Estado de S. Paulo e sua recomendação de omitir artigos para economizar sinais. O TG também omite os artigos, desobedecendo às recomendações da Guardian Style Guide. Mas, de qualquer modo, percebemos que a omissão de artigos é algo recorrente na língua inglesa, não sendo tão usados como no português ou no espanhol. O EP é o único a usar o artigo indefinido para introduzir uma informação nova, como dita a sintaxe castelhana. Neste caso, a norma é seguida, e o artigo não é suprimido. Ainda no 11/03/2011 encontramos o seguinte:


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FSP: Após tremor, Japão irá retirar moradores próximos a usina nuclear TG:

Japan earthquake forces thousands to evacuate in nuclear

plant emergency EP:

El riesgo de fuga nuclear obliga a evacuar a miles de personas

De novo, a FSP omite os artigos. Neste caso, podemos supor que os omitem para não assumir informações dadas;; se fosse ‘Após o tremor’, um leitor que recentemente teve contato com a notícia poderia perguntarse ‘que tremor?’. O TG, seguindo a tendência de uso inglesa, omite os artigos. O que podemos destacar deste título é que caracteriza o terremoto como japonês;; então, o que poderia ser “Earthquake in Japan forces(…)” é simplificado à forma que vemos acima. O título do EP, publicado no 12/03/2011 recorre à sintaxe para utilizar os artigos. Embora o risco nuclear seja uma informação nova, emprega-se o artigo definido. Entendemos que essa utilização é devida à intenção de particularizar o risco nuclear. No 14/03/2011 lemos:

FSP: Japão tenta controlar pane em reator após 2ª explosão em usina nuclear TG:

Explosion at Japanese nuclear plant

EP:

Los niveles de radiación suben en Japón, tras una nueva

explosión y un incendio

Vemos que a FSP e o TG omitem de novo todos os artigos, economizando sinais e simplificando o título. Já no EP percebemos o uso


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rigoroso de artigos. Vendo o cumprimento do título, pensamos que o uso da sintaxe se impõe à concisão. Todavia, podemos ver aqui a não omissão do artigo no começo do título. Ainda no 14/03/2011, podemos ver os seguintes títulos:

FSP: Alemanha e Suíça suspendem projetos nucleares; Reino Unido diz ser cedo TG:

Germany likely to suspend nuclear plant plans

EP:

Merkel suspende el plan para alargar la vida de las centrales nucleares en Alemania

Agora vemos que a FSP omite os artigos, mesmo os definidos antes dos países, estes supostamente conhecidos já por todos os leitores. Atribui-se esta omissão a um recurso estilístico jornalista mais do que a um motivo gramatical. O TG não só omite os artigos como o verbo que, gramaticalmente, seria preciso, i.e., ‘Germany is likely to suspend…’. Aqui pode-se ver o estilo telegráfico, próprio dos jornais de países de língua inglesa, que o Manual de estilo de El País condena. Vemos que no título do EP não há, de novo, omissão de artigo nem simplificação da informação; fazendo ele, mas uma vez, o mais comprido dos três. Considerações Finais O uso de artigo, definido ou indefinido, na imprensa espanhola é claramente

mais

abundante

que

na

brasileira

e

na

britânica.

Depreendemos deste fenômeno uma teoria que desejamos aprofundar em futuros trabalhos: embora o português e o espanhol sejam línguas irmãs, com uma grande proximidade linguística, a aplicação da língua portuguesa em textos jornalísticos assemelha-se mais à forma inglesa do que à


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espanhola. Fica destacada a similitude sintática entre os títulos da FSP e do TG, fator que poderia fazer possível uma relação de tradução literária entre eles. Já os do EP estão rigidamente presos à sintaxe castelhana, diferenciando-se assim do estilo telegráfico que seu manual de estilo condena. Percebe-se que os jornais britânico e brasileiro priorizam os planos semântico e pragmático nos seus textos. Seus títulos são concisos, economizando em palavras e partículas da sintaxe que são desnecessárias para a compreensão, de maneira que o leitor pode apreender a informação rapidamente. Já no jornal espanhol, vemos que a prioridade é a sintaxe, embora as palavras sejam escolhidas para passar a informação de maneira efetiva. Um estudo mais aprofundado pode ser feito com relação à influência da imprensa de língua inglesa no Brasil. Alem disso, poderíamos pensar em fazer um contraste entre jornais de diferentes países com o mesmo idioma, para poder destacar divergências de uso dos artigos definido e indefinido. REFERÊNCIA CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. EL PAÍS. Manual de estilo del diario El País de España. 11ª edição. 1996. Disponível em: <http://www.slideshare.net/guesta87028/manual-de-estilo-de-el-pais>. THE GUARDIAN. Guardian Style Guide. Bodmin: Guardian Branded, 2007. ZAMPONI, G. A propósito da definitude em expressões nominais de textos noticiosos. In: 4º Encontro do CELSUL, 2000, Curitiba, 2000.


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SEÇÃO 2

A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO


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A MODALIDADE DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO Hiáscara Sales de BARROS8 Resumo: Este artigo abordará a modalidade deôntica encontrada no discurso político, mostrando que por intermédio deste o enunciador pode persuadir o seu público alvo, no caso, os eleitores. O uso da modalidade deôntica è grande por políticos que querem obter o voto dos candidatos. Esta pesquisa abordará tanto a definição e função da modalidade deôntica, quanto o porquê do rico uso dessa modalidade por políticos, focando-se na atual presidente Dilma Rousseff em seu discurso durante seu período de campanha. Palavras-chave: Modalidade Deôntica, Discurso Político, Enunciador, Candidato, Público-Alvo.

Introdução Este artigo é uma reflexão acerca da modalidade deôntica encontrada no discurso político apresentado no pronunciamento da candidata de Dilma Rousseff no período de eleição. Sendo o corpus analisado, três trechos de um dos discursos proferidos na concorrência à presidência da Dilma Rousseff. A análise feita é resultante de inúmeros questionamentos acerca de como o tema proposto poderia ser abordado nesta pesquisa, por já ter conhecimento acerca do Discurso Político e este ser um bom campo para utilização das modalidades, pois nele podemos ver, muitas vezes, de forma clara a hierarquia existente entre enunciador e o enunciatário, bem como as intenções estabelecidas pelo enunciador. O discurso de Dilma Rousseff foi eleito para análise e estudo deste trabalho. A motivação para o estudo proposto é a de que o discurso supracitado permite ao enunciador fazer inferências e escolhas nos seus enunciados para atrair e persuadir seu público alvo. Vale salientar que, como todo político pertence a um partido, existe a relação da linguagem verbal e não-verbal, no que condiz na escolha e semiologia de slogans e bandeiras para um determinado partido político. Objetiva-se encontrar nesta

pesquisa

os

tipos

de

modalidades

presentes

supracitado, e principalmente, as marcas deônticas. 8

Graduanda pela Universidade Federal do Ceará.

no

discurso


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Vale salientar que os enunciados com valor deôntico exprimem juízos através dos quais o locutor procura agir sobre o seu interlocutor impondo, proibindo ou autorizando a realização da situação representada pelo conteúdo proposicional, num tempo necessariamente posterior ao tempo de emissão do juízo deôntico. A princípio, exporemos as teorias funcionalistas de Halliday (1978), mostrando a função textual interpessoal, pois esta é a marca da modalidade. Objetivando estabelecer contato com o interlocutor, é necessário moldarmos o nosso discurso de acordo com a nossa maneira de ver a realidade. A seguir faremos uma breve explanação sobre o discurso político. Finalmente, baseando-se nas leituras das teorias estudadas, analisaremos o corpus proposto, de maneira crítica e analisando a ocorrência e os tipos de modalidade. Assim objetivamos explicitar a relação e a influência do discurso citado no leitor. Discurso Político-DP O discurso político dá-se no espaço público e se refere ao campo do público, do que deve ser conhecido por todos. Sendo argumentativo, busca convencer, persuadir, mostrando bondades e aspectos negativos que apresentam razões contrárias. Segundo Neto, assim como todos os discursos, o discurso político é também um discurso situado. Significa dizer que se encontra numa rede interdiscursiva, onde lá residem outros discursos que se apresentam como determinadas

condições

de

produção

para

sua

organização,

funcionamento e possibilidades de efeitos de sentido. Os políticos, para melhor atrair a atenção dos ouvintes, valem-se da persuasão e da eloquência. Dessa forma, usos da modalidade nos enunciados políticos são bastante recorrentes, uma vez que a modalidade deôntica é uma modalidade de intersujeitos, pressupondo uma relação hierárquica entre o locutor, origem deôntica; e o interlocutor, alvo deôntico.


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Na persuasão os políticos ordenam os pensamentos levando o ouvinte a aceitar seus pontos de vista de modo suave; na eloqüência, exaltam o otimismo, o entusiasmo e a vivência no país melhor, apesar das dificuldades aparentes. Por saberem que a mente humana condiciona-se melhor à afetividade, apelam mais à emoção do que à razão. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. A análise do DP engloba não só o texto, mas também

mensagens

desconstrói

o

e

discurso

intenções proposto

que

as

transmitem;

atendo-se

aos

tal

detalhes

análise como

a

organização retórica, isto é, como se constroem os argumentos com os quais se espera convencer, dissuadir ou atrair àqueles a quem se dirige um texto, o receptador. Assim mesmo, trata de evidenciar as responsabilidades pelas afirmações, sugerências, acusações, interpretações e informações que se apresentam no discurso (Potter, 1992; Monteiro-Rodrigues 1998). Modalidade Ao estudarmos a modalidade, podemos compreender seu uso por parte do enunciador em prol de suas intenções e interpretações esperadas por parte do enunciatário. De acordo com Britto, a expressão de atitude é a marca desse recurso, pois existe uma preocupação com a forma de emitir o enunciado para que o produtor do discurso transmita sua mensagem com êxito e o interlocutor reaja de alguma maneira, positiva ou negativa, em relação àquilo que está ouvindo. No caso do discurso político, no qual o locutor tem o objetivo de persuadir e convencer o interlocutor, o político, na maioria das vezes e em essência, almeja aspectos positivos e total concordância com as sua idéias. Portanto, a modalidade é utilizada de forma significativa e, se pode dizer, de forma pensada ou propositalmente com intuito de persuasão. Uma vez que a modalidade deôntica é uma modalidade de intersujeitos pressupõe uma relação hierárquica entre o locutor, origem deôntica, e o interlocutor, alvo deôntico.


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Segundo Halliday (1978), há três tipos principais de funções sociais envolvidas na comunicação: ideacional, textual e interpessoal. Essas funções são manifestadas como uma forma de transmitir o potencial significativo das representações lingüísticas. A interpessoal é função marca da modalidade. Contudo, o artigo foca-se unicamente na função interpessoal. Como

mencionado

anteriormente,

é

essa

função

a

marca

da

modalidade. Portanto, exemplificaremos somente tal função. A mesma envolve a participação do sujeito na expressão das ações sobre os outros no contexto social, desencadeando novas ações. Sempre houve uma interação comunicacional entre o “eu” e “você” no contexto social de comunicação. Halliday ensina que esse processo é na realidade uma macro-função, pois envolve todos os usos da língua a fim de estabelecer relações sociais e pessoais. Essa é a marca da modalidade e do modo, considerando que no enunciado ocorre uma seleção de um papel na situação de fala do falante, a forma pela escolha de papéis para o receptor da modalidade. A mesma está inserida na função interpessoal, pois tem como finalidade a expressão de nossas crenças de valores ou opiniões a respeito de um determinado assunto, como interação com o outro, mostrando critérios de valor e verdade (Pinto, 1994). Corroborando com Lock (1996), podemos ver dois modos de modalidades de forma ampla e restrita. Na forma ampla, o autor considera todas as expressões que mostram interação entre as pessoas. A forma restrita se aplica aos auxiliares modais, que são os seguintes verbos: “poder”, “querer” e “dever”. É a partir dessa perspectiva que analisaremos o corpus mencionado anteriormente. Os interesses e as intenções quanto às tarefas da enunciação referem-se diretamente às atitudes individuais e sociais, às condições e às participações do interlocutor no ato comunicativo, conforme a teoria de Halliday. Já os valores deônticos subdividem-se tradicionalmente em valores de obrigação e valores de permissão.


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Todo enunciado apresenta em essência uma intenção por parte do locutor, e esta é marcada pela vontade, entre outros fatores. Na comunicação de nossas intenções, podemos manifestar uma ordem, um desejo ou até mesmo um pedido. Os tipos de modalidade De acordo com a teoria de Pinto (1994), podemos dividir a modalidade

em

tipos

pautados

nas

operações

envolvidas

no

estabelecimento das interações das relações entre emissor e o receptor da mensagem, as posições nos enunciados com base nos valores de verdade e na criação dos outros enunciados envolvidos na suposta conversação. O autor subdivide a modalidade em declarativa, representativa, declarativa-representativa,

expressiva,

compromissiva

e

diretiva.

Pautados na teoria mencionada especificamos cada uma dos tipos de modalidade. A modalidade declarativa consiste no fato de os enunciados serem comprometidos com a transparência ou com a verdade do discurso. A representativa envolve a provável verdade do enunciado; a declarativarepresentativa tem a posse da fé pública. Há uma mesclagem da declaração e da representação num enunciado com o tom da verdade e da responsabilidade pelos fatos. A expressiva tem o caráter afetivo na expressão de juízos de valor do emissor em relação a estados das coisas ou entidades participantes do discurso. A compromissiva envolve o comprometimento do emissor diante do enunciatário que se refere a uma obrigação, a cumprir algo no futuro. Por fim, a diretiva se refere a um enunciado com intuito de conduzir o receptador a um comportamento ou a concordância com sua explanação. Nesse tipo de modalidade existe uma gradação de imposição do emissor que vai desde uma ordem aos requerimentos e pedidos. Pinto (1994) afirma que a modalidade dos enunciados compreende a incidência de dicto, ou seja, as relações lógicas semânticas entre valores


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modais; temos entre os valores modais as seguintes modalidades: ônticas, aléticas, epistêmicas, deônticas e axiológicas. As modalidades ônticas são realizadas com a manifestação do ser humano em enunciados com factualidade, contrafactualidade, hipótese e não-factualidade. Segundo Pottier (2000), nessas modalidades ônticas, que o autor chama de factuais o sujeito enunciador fala de intenções em relação o seu “dizer” e ao seu “fazer” utilizando seu “poder” e o seu “dever”. “Todo enunciado com modalidade enunciativa de declaração é onticamente factual” (Pinto, 1994, p.102). As modalidades aléticas são expressas em enunciados declarativos pelos adjetivos “necessário”, “possível”, “impossível” e por substantivos, verbos e advérbios. Já Pottier afirma que a modalidade alética é a modalidade que se refere ao possível, ao necessário e revela a forma independente de o sujeito enunciador se manifestar em relação ao que enuncia. Baseado em Neves (1996) tal modalidade é mais relacionada com a verdade, contudo a possibilidade de verdade no discurso. Isto é, de acordo com intenções do falante, pode haver ou não enunciados com conteúdos realmente verdadeiros ou parcialmente verdadeiros e até nãoverdadeiros. Já as modalidades epistêmicas são encontradas na modalidade enunciativa de representação (Pinto, 1994: p.107), indicando os sentidos certo, plausível, excluído e contestável. Entretanto Pottier diz que, na modalidade

epistêmica,

o

sujeito

enunciador

transforma

o

seu

pensamento em palavras através do seu croire (crer) e o seu savoir (saber). De acordo com Neves (2006), ela refere-se à apreciação do falante no que tange a uma proposição ser ou tornar-se verdadeira. As modalidades deônticas ocorrem em enunciados com modalidade diretiva e são transmitidas por verbos auxiliares modais, pelo modo imperativo, indicativo e subjuntivo, sendo que o primeiro é proferido com


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a modalidade deôntica facultativa, o segundo indica obrigação ou proibição e o terceiro marca permissão ou facultatividade (Pinto 1994). De acordo com Neves (1996) esta modalidade implica mais em controle do enunciado em relação aos valores de permissão, obrigação e volição. Os valores

deônticos

subdividem-se

tradicionalmente

em

valores

de

obrigação e valores de permissão. As modalidades axiológicas são as modalidades baseadas no valor, entendido em termos de presença ou de juízos conforme Pinto afirma em sua teoria. Já para Pottier o sujeito enunciador valoriza suas palavras em torno do vouloir (querer) e do valoir (valer). Nesse artigo enfocaremos a função interpessoal e objetaremos sua análise a partir dos tipos de modalidade apresentados. Metodologia Para tal pesquisa foi utilizado o discurso politico da atual presidente em

processo

de

campanha,

disponível

no

site

http://mais.uol.com.br/view/n8doj4q93lke/eu-quero-ser-presidente-dobrasil,

visto

este

demostrar

melhor

o

caráter

de

persuasão

e

convencimento do discurso politico. O corpus será composto por trechos do discurso de Dilma Rouseff que apresentam a modalidade deôntica. Análise do Corpus No discurso político, observa-se que cada partido volta-se, direta ou indiretamente, para um determinado “público”, que pode ser representado pelas classes mais baixas ou mais altas. Objetivando agradar tal classe, bem como persuadir essa classe a concordar com suas ações,

semioticamente

o

partido

assume

essa

relação

com

seu

determinado público no seu próprio slogan ou na sua bandeira, como é o caso do PT. Geralmente

a presidente Dilma Rousseff inicia seus

pronunciamentos com o seguinte vocativo: “minhas amigas e meus amigos,” uma forma de aproximação com seu público, o eleitor brasileiro, ou seja, está presente o uso da função interpessoal. Não podemos esquecer que o presidente anterior utilizava-se do mesmo método


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iniciando seus pronunciamentos com um vocativo similar “companheiros e companheiras”, tal uso remete ao emissor mais do que só receptor do determinado enunciado atribui semanticamente à característica de amigo, conhecido. Uma aproximação maior que sugere a interpretação de preocupação e real interesse pelos problemas do receptor. Com relação ao PT, Partido dos Trabalhadores, observa-se que o grande apelo do partido direciona-se às “massas”, à classe operária, aos trabalhadores brasileiros. Na obra relacionada à Análise do Discurso, Michel Pêcheux define o que é formação discursiva, de modo que a mesma refere-se ao que em uma determinada formação ideológica determina o que pode ou não ser dito numa situação específica (BARONAS, 2004). No seu primeiro discurso, Dilma Rousseff faz uso da linguagem formal, porém compreensível ao público brasileiro em geral. No decorrer de sua enunciação, ela vai se adequando verbalmente à situação de comunicação na qual está inserida. Análise I “Companheiras e Companheiros do meu partido, A minha emoção é muito grande. Mas a minha alegria também é muito grande por esta festa estar tão cheia de energia, tão cheia de confiança e esperança. Sei que esta festa não é para homenagear uma candidata. Aqui nós estamos celebrando, em primeiro lugar, a mulher brasileira. Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser, de fazer da mulher brasileira. Em nome de todas as mulheres do Brasil, em especial, da minha mãe e da minha filha, recebo essa homenagem e essa indicação para concorrer à Presidência da República. Ser a primeira mulher presidente do meu País é o que eu almejo. É também em nome delas que eu repito, eu abraço essa missão deferida pelo meu partido, o Partido dos Trabalhadores, e pelos partidos da nossa coligação que hoje estão aqui presentes.”

Nota-se que o discurso proferido inicia-se com “companheiros e companheiras”, o que, segundo as teorias explanadas no decorrer do artigo acerca aos tipos de modalidade, situa-se na modalidade declarativa. Além disso, semanticamente ela se pauta na figura da mulher, dando uma


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maior importância ao fato de que poucas mulheres ao redor do mundo alcançaram à presidência. O uso de tal figura é uma ferramenta interdiscursiva com objetivo de se aproximar de um novo público-alvo, no caso o público feminino brasileiro. Além disso, è buscada uma forma de aproximação com suas eleitoras, uma vez que a mesma é uma figura feminina e assim coloca-se no mesmo grupo que seu público feminino. Sua condição de mulher torna a ser inserida no discurso, para reforçar a construção da sua eloquência no que condiz ao seu otimismo acerca da vitória conquistada “pelas mulheres brasileiras”. Assim, como reforça a verdade no seu enunciado, vemos presente a modalidade declarativa além da expressiva. Análise II “O nosso presidente Lula mudou o Brasil. E o Brasil, por causa dessa mudança, quer seguir mudando. A continuidade que o Brasil deseja é a continuidade da mudança, que é isso que nós conseguimos mudar. É seguir mudando para melhor, mudando para melhor o emprego, a saúde, a segurança, a educação. É seguir mudando com mais crescimento e inclusão social. É seguir mudando para que outros milhões de brasileiros saiam da pobreza e entrem na classe média, como nós conseguimos durante o governo do nosso presidente Lula.”

Novamente citamos a eloquência do locutor, que vai apresentando gradativamente os valores positivos acerca do desenvolvimento do país, nisso ela apresenta um argumento de consenso com base em provas concretas dos feitos do governo anterior. Além disso, o locutor utiliza-se do verbo “desejar”, mostrando o valor de volição na carga semântica do contexto, no qual o verbo foi utilizado. Neste trecho pode-se notar a intenção do locutor em atrair o receptor, bem como relembrar ações passadas para que este concorde com suas idéias e, além disso, o apóie. Evidencia também as responsabilidades e informações acerca do governo e partido através de suas afirmações, ao qual o enunciador pertence. Vale salientar que a preocupação do enunciador acerca das interpretações surgidas no receptor é aparente e identificável. Espera-se


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que

enunciatário

reaja

de

forma

positiva

a

tal

enunciado.

Se

considerarmos o verbo “desejar” como tendo o mesmo valor de um verbo modal, podemos afirmar que o locutor nesse trecho utiliza-se da modalidade na sua forma restrita. O enunciador continua utilizando a modalidade declarativa, uma vez que esta é comprometida com a verdade e transparência. Para tanto, o produtor do enunciado analisado apresenta exemplos e

fatos

que

podem

verdadeiros.

Além

disso,

está

ser

comprovados

presente

a

e,

portanto, são

modalidade

declarativa-

representativa, pois o mesmo enunciado apresenta uma mesclagem da declaração e da representação num enunciado com o tom da verdade e da responsabilidade pelos fatos. Além das duas modalidades citadas em nossa análise, consideramos também a modalidade expressiva, já que o trecho tem o caráter afetivo na expressão de juízos de valor do emissor em relação a estados das coisas ou entidades participantes do discurso, no caso, o governo brasileiro. Análise III “Mas, para ampliar o que nós conquistamos, precisamos reforçar” (linha 84) “Esse trabalho terá como prioridade” (linhas 89-90) “Mas é também preciso dar aos professores uma remuneração condizente com a importância deles.” (linhas 94-95) “É importante, companheiros, que os nossos professores, sobretudo, sejam respeitados.” (linha 96) “É necessário qualificar o ensino universitário” (linha 104) “Quero dizer para vocês uma coisa: se eleita presidente, eu vou liderar sem descanso esse progresso. Esse processo de levar a educação a todos os brasileiros e brasileiras.” (linhas 108 e 109)

Neste trecho o locutor utiliza-se da modalidade alética, que é expressa em enunciados declarativos pelos adjetivos “necessário”, “possível”, “impossível”. Como se nota, no inicio de cada enunciado temos um desses adjetivos.

Assim como se percebe semanticamente além da

promessa, conseqüência da condição, expressado na partícula “se”, há a


25

obrigação e o comprometimento do locutor com o receptor, dessa forma apresenta-se a modalidade compromissiva. Assim, observa-se que uma das principais pressuposições que moldam o discurso político, nesse caso, é a de que o voto deve ser conquistado, o locutor nesse discurso necessita inspirar confiança, simpatia e credibilidade no seu interlocutor, Vale salientar o uso do verbo modal “querer”, utilizado na primeira pessoa do discurso, a marca deôntica para reforçar a vontade e obrigação do locutor para com o receptor. Refere-se a uma obrigação, a cumprir algo a ser feito no futuro. Nesse caso, o uso da modalidade novamente foi o uso restrito, de acordo com Lock (1996). Por fim, apresenta-se a diretiva que se refere a um enunciado com intuito de conduzir o receptador a um comportamento ou a concordância de sua explanação, nesse caso, a eleição do sujeito enunciador. Nesse tipo de modalidade existe uma gradação de imposição do emissor que vai desde uma ordem aos requerimentos e pedidos. Apresentados em cada enunciado

no

qual

o

respectivo

produtor

argumenta

acerca

das

necessidades do país. É importante citar que, no decorrer de seu discurso a autora do mesmo utiliza-se do argumento de competência lingüística, isto é, apesar da

adequação

verbal

feita

pelo

locutor

para

atingir

os

públicos

pertencentes à todas as classes sociais, o mesmo obteve sucesso no uso formal e culto da língua, conferindo confiabilidade e veracidade ao que se diz na situação de comunicação no qual o texto analisado está inserido.

Ocorrência 1 Companheiras e Companheiros do meu partido 2. Aqui se consagra e se afirma a capacidade de ser, de fazer da mulher brasileira. 3. É seguir mudando para melhor, mudando para melhor o emprego, a saúde, a segurança, a

referência Analise I

valor declaração

Forma substantivos

Analise II

capacidade

Substantivo

Analise III

desejo

Verbo seguir


26

educação. 4. A continuidade que o Brasil deseja é a continuidade da mudança, que é isso que nós conseguimos mudar 5“É importante, companheiros, que os nossos professores, sobretudo, sejam respeitados.” (linha 96) “É necessário qualificar o ensino universitário” (linha 104)

Analise III

obrigação

Verbo desejar

Analise IV

necessidade

Adjetivo necessário

Considerações Finais A modalidade está inserida constantemente em nossos enunciados, em nosso cotidiano, e assim nos discursos políticos de propagandas, entrevistas ou pronunciamentos políticos, sendo este um campo vasto para estudo tanto da modalidade como da semântica, semiótica e da analise do discurso. Exprimir e escolher palavras para atingir a intenção pretendida através de um enunciado pelo enunciador acontece desde primórdios do uso da eloquência e da oratória. O convencimento e a concordância do receptor foram almejados pelos grandes oradores gregos e esperados por todo sujeito enunciador, e existem formas para camuflar as intenções e as possíveis verdades de um texto. O uso das modalidades é o meio de atingir tal intuito. Usando-a como recurso para persuasão e convencimento, não só os políticos conseguem a corroboração de muitos eleitores com suas idéias, mas qualquer falante possui o poder para moldar seus enunciados de acordo com suas intenções. O objetivo desse artigo foi apresentar de forma geral o que são essas modalidades e como estas podem e são utilizadas no Discurso Político. Dessa forma, os usos da modalidade e das marcas dessa modalidade no Discurso Político revelam a intenção do político de promover a atitude de concretizar o ato de votação do eleitor, almejando vantagens e a concordância do mesmo com suas idéias.


27

REFERÊNCIAS BRITTO, Vanessa da Silva. As Marcas da modalidade em publicidade. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/iiijnlflp/textos_completos/pdf/As%20marcas%20de%20mod alidade%20na%20Publicidade%20-%20VANESSA.pdf>. DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF NA CONVENÇÃO DO PT. Disponível em: < http://mais.uol.com.br/view/n8doj4q93lke/eu-quero-ser-presidente-do-brasil 040299396EDCA113A6?types=A&>. HALLIDAY, M. A. K. As bases funcionais da linguagem. In: DASCAL, Marcelo. Fundamentos metodológicos da lingüística. São Paulo: Global, 1978. LOCK, Grahan. Functional English Grammar: na introduction for second lenguage teachers. Cambridge: Cambridge Language Education, 1996. NEVES, Maria Helena de Moura. A modalidade. In: KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça (org.). Gramática do português falado. Campinas: UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1996. PINTO, Milton José. As marcas lingüísticas da enunciação: esboço de uma gramática enunciativa do português. Rio de Janeiro: Numen, 1994. 4 Estudos das modalidades. Disponível em: <www2.dbd.pucrio.br/pergamum/tesesabertas/0510575_06_cap_04.pdf>.


28

SEÇÃO 3

GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO


29

GRADAÇÃO: UM FENÔMENO DISCURSIVO Paulo André Lucena ALVES¹

INTRODUÇÃO A abordagem tradicional, através de suas normas, limita-se a prescrever o fenômeno da gradação apenas em nível lexical, ou seja, no grau

dos

substantivos,

adjetivos

e

advérbios,

numa

perspectiva

semântico-formal, deixando a abordagem discursivo-funcional de fora. Considera-se, neste artigo, que este fenômeno está para além do uso formal da língua e do nível vocabular, desempenhando um papel importante na interação entre interlocutores, na construção e organização do texto. O objetivo desse trabalho é, portanto, mostrar e discutir como o uso da gradação se constrói no discurso, com valores além daqueles propostos pela norma culta, atentando para uma visão funcional na qual, segundo Halliday (1976; 1985), a gradação se relaciona às funções ideacional, textual e interpessoal, apresentando explicações para a realização desses processos conforme será demonstrado. Dessa forma pode-se obter uma compreensão melhor da linguagem. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Parte-se da interpretação de Halliday sobre função. Ele explica e divide as funções da linguagem, denominando-as metafunções, que são três: a ideacional, a textual e a interpessoal. A ideacional diz respeito à forma como o falante manifesta seu conteúdo, ao seu aspecto cognitivo e ao mundo experiencial com o qual, este se relaciona. É através dessa função que ele é capaz de operar e entender cada ato linguístico, transportando para a língua a realidade que o cerca. Através da


30

linguagem,

o

indivíduo

também

organiza

seus

conhecimentos,

experiências e idéias, assim como a maneira de ver as coisas. Em um segundo momento, Halliday distingue dois subcomponentes inseridos na função ideacional: o experiencial e o lógico. O primeiro permite a interseção entre a linguagem e a participação do indivíduo no mundo experiencial. Já o segundo subcomponente “corresponde à expressão de estruturas linguísticas recursivas, derivadas apenas indiretamente da experiência” como explica José Romerito em seu artigo. A segunda função é a interpessoal, que está ligada às relações sociais. Ela revela como se realiza a interação entre seus participantes e o que é produzido entre estes a cerca do discurso.

Nesta função, a

linguagem se apresenta como instrumento de interação e de formação da personalidade dos indivíduos, como participantes de um determinado grupo social. Dentro desta função são diagnosticados dois componentes que, segundo Marmelotta (1996 p.204), se dividem em: de orientação para o falante, que expressa a posição deste em relação àquilo que fala, e o de orientação para o ouvinte, que manifesta a intenção do falante em atuar sobre o ouvinte no ato comunicativo, dando-lhe pistas para que decifre seu discurso e ao mesmo tempo monitorando as informações, além de dirigi-lo para um entendimento desejado. E por fim, a função textual. Ela se relaciona com a própria linguagem, através de elementos presentes no texto e de sua organização nas diversas situações. O indivíduo é capaz de determinar quais são os elementos necessários para cada tipo de discurso, quais as regras de transitividade, os conectores adequados, etc., numa cadeia de sentenças. Esses elementos se apresentam de forma coerente e coesiva. METODOLOGIA Foram selecionadas e analisadas 80 ocorrências retiradas do corpus Discurso & Gramática da língua falada da cidade de Natal, constituídas por vários tipos de gradativos que se encaixam na pesquisa proposta. Em uma


31

primeira etapa essas ocorrências foram coletadas em seu contexto e, em seguida, categorizadas, observando-se os fatores dos intensificadores: tipo

(superlativo

absoluto,

relativo,

comparativo,

aumentativo

e

diminutivo); expressão (morfológica prefixal, sufixal, uso de advérbios, repetições de um nome, redundância quando aparecer em mais de uma forma, locuções); sentido (dimensional ou afetivo) e base (substantivo, adjetivo e advérbio). Em uma segunda etapa, foram calculadas as frequências desses gradativos em cada fator, avaliadas as relações que estabelecem entre si, para, finalmente, a partir da análise desses dados, chegar-se a alguns resultados. ANÁLISE DOS DADOS Inicialmente, pretende-se analisar a ocorrência da gradação na língua falada. É possível demonstrar que o discurso oral, por ser conduzido livremente entre interlocutores, mantenha uma carga informal e/ou afetiva muito mais recorrente em relação à língua escrita e, portanto, utiliza-se da exposição de vários níveis de gradação como demonstrado no desenvolvimento desse trabalho. De acordo com a visão de Halliday (1976), através da função ideacional, o falante “incorpora na língua a sua vivência com os fenômenos da realidade que o cerca”. Sendo assim, por que não dizer que, o uso da gradação nada mais é do que a expressão da forma como o falante vê o mundo, a forma como ele apreende e se relaciona com a sua realidade? Outro ponto importante se baseia na função interpessoal, que se refere às relações sociais: “a linguagem se caracteriza propriamente não só

como

instrumento

de

interação,

mas

também

contribui

na

manifestação e desenvolvimento da personalidade dos indivíduos como participantes de um determinado grupo social” (p.137)


32

Ao interagirem, os interlocutores modalizam seu discurso, a eles intrinsecamente ligado, adotando a intensificação, sobretudo na língua falada, pois esta sugere certa informalidade. Os números, ainda que, de forma pouco representativa, revelam, por exemplo, a preferência do falante pelo uso do superlativo absoluto com prefixação, como se pode observar na tabela abaixo. Tabela 1 prefixo sufixo advérbio repetição redundância locução outros total superlativo absoluto

23

1

8

0

6

2

1

41

superlativo relativo

0

0

1

0

0

1

0

2

comparativo

0

0

1

0

0

0

0

1

aumentativo

0

2

1

0

1

0

0

4

diminutivo

0

26

1

0

5

0

0

32

total

23

29

12

0

12

3

1

80

Seguem alguns exemplos: (1)

“... também muito bem feito né? [a cirurgia plástica] o médico lá era ... era muito bom ...”

Neste primeiro exemplo, em uma entrevista informal, na qual o informante relata sobre seu acidente e posterior intervenção corretiva, ele intensifica esse episódio, pois o considera em um nível superior ao de um fato quotidiano, conforme explica José Romerito em seu artigo: “o emprego do grau intensivo relaciona-se à expressão da idéia de encarecimento, atribuída a uma determinada realidade, em que esta é considerada em um nível além da situação normal.” Isto é percebido pela ênfase dada quando se refere ao sucesso da cirurgia. Certamente ele apreciou o resultado final e quer convencer ou ouvir, também, a opinião de seu interlocutor, em conformidade com a função interpessoal de Halliday.


33

Observa-se, também, de acordo com a tabela abaixo, que as ocorrências deste superlativo verificam-se, sobretudo, em adjetivos e em alguns advérbios, quer sejam de sentido afetivo, quer de dimensão. Tabela 2

substantivo adjetivo advérbio

total

dimensional

9

24

9

42

afetivo

11

24

3

38

total

20

48

12

80

Provavelmente, a maior incidência se dá sobre os adjetivos porque o falante tem intenção de potencializar seu valor semântico, utilizando-se do fenômeno da gradação e, ao fazê-lo, ele parte do princípio de que sua realidade se encontra além da situação normal. Segue outro exemplo: (2)

“as salas do... do... do primeiro prédio [...] não são muito boas

não...

apesar

de

ser

limpinhas

e

tudo

bem

conservado...” Como se pode perceber, neste ultimo exemplo, o informante demonstra que as salas encontram-se em condições diferentes daquela que ele considera normal e, por isso, ressalta a sua descrição. O diminutivo é outra forte marca de intensificação, conforme exposto na tabela 1. O falante também o usa ao interagir, porém, diferente

do

superlativo

absoluto,

cujas

manifestações

são

mais

frequentes no adjetivo, o diminutivo se realiza, também, nos substantivos e até nos advérbios, segundo a tabela a seguir. Tabela 03 substantivo adjetivo advérbio total superlativo absoluto

2

31

9

42


34

superlativo relativo comparativo aumentativo diminutivo

total

1 0 3 13 19

1 0 1 12 45

0 1 0 6 15

2 1 4 31 80

Nesse próximo exemplo, ao narrar um filme, o informante atenta para o padrão de beleza que já possui cognitivamente como referência, e procura resgatá-lo através de seu pronunciamento sobre a personagem. Isso está relacionado à função ideacional. (3) “aí o menino que era muito fofinho ... muito bonitinho (...) tava na ... intertido lá con/ conversando lá dizendo brincadeira...” Estes outros exemplos trazem a intensificação do substantivo e do advérbio: (4) “... o pai deles [dos meninos] iam pra casa do velho lá... tomar uma cervejinha...” Neste trecho acima, o informante continua narrando uma cena do filme. O fato de ele usar o diminutivo para a palavra cerveja não é por se tratar de um objeto de dimensões pequenas, mas pela afetividade com que se refere a um elemento que faz parte de uma tradição de sua cultura, da realidade que o cerca. No próximo fragmento, o informante relata uma viagem que fez e opta por usar também o diminutivo em um advérbio. Ele quis enfatizar, com essa intensificação, que o período já havia transcorrido e estava chegando ao seu fim. Era o final da tarde. (5) “foi na volta [da cidade]... é:: à tardezinha aí ... a gente ia num ... num jipe né...”


35

Há também casos de ocorrência da gradação com o uso de redundâncias, ou seja, o uso de mais de um termo com valor intensificador. O falante procura dar ênfase superelevada ao enunciado. Neste exemplo, ao ensinar uma receita culinária, o informante tem a preocupação de que seu ouvinte não perca nenhum detalhe do passo a passo da preparação da iguaria gastronômica. (6) “quando tiver já bem assim um pouco consistente [a mistura da receita]... aí eu tiro a colher e mexo com as mãos né?” Neste outro trecho, o informante relata um preeminente desastre em uma cena de um filme. A vítima seria um garoto. (7) “o menino ia atravessar a rua e vinha um carro... era bem pequenininho aí chegaram na ... na ... na .... e gritaram pelo menino” Esta última construção é a combinação de quatro elementos intensificadores: o prefixo adverbializado bem, a palavra pequeno e o seu grau diminutivo nininho, duas vezes intensificado, pois poderia bastar pequenino. Talvez o informante tenha pensado na ingenuidade e vulnerabilidade a que a criança estava exposta e, portanto, usou todo esse conjunto de palavras para se expressar. Pode-se deduzir também que o informante usou os gradativos por querer exprimir uma carga afetiva ao menino. É o que acontece no próximo trecho, retirado de uma narração: (8) “bem... eu vou falar sobre uma cidade que se chama Espírito Santo... ela se localiza próximo a Goianinha... nessa região Oeste... é uma cidadezinha pequenininha... poucos habitantes...”


36

O próximo trecho, narrado pela informante, é o relato da demonstração que recebera de um experimento químico realizado por um professor em um laboratório. (8) “ele [o professor] me mostrou uma coisa bem interessante que... pegou um béquer com meio [litro] d'água e colocou um pouquinho de cloreto de sódio pastoso... então foi aquele fogaréu desfilando... aquele fogaréu...” Pode-se deduzir que o procedimento causou uma impressão muito forte na informante. Ela utilizou, inicialmente, o pronome demonstrativo aquele que neste caso há o valor semântico gradativo de superelevação do substantivo a que se refere. Em seguida, o próprio substantivo fogo sofre a gradação aumentativa. Achando que não tinha expressado a intensidade do fogo a contento, ela repetiu o a expressão intensificadora, procurando transmitir o mesmo assombro que teve ao seu ouvinte. É o que Martelotta falou sobre a orientação para o ouvinte, como já apresentado

acima.

Trata-se

de

um

dos

componentes

da

função

interpessoal. É a intenção do falante em atuar sobre o ouvinte a fim de dar-lhe as “pistas” do discurso, bem como dirigir seu comportamento para um determinado fim. Portanto, é provável que a intenção da informante, ao relatar o experimento com o fogo, fazendo-o por meio de intensificadores, era manipular o comportamento do entrevistador para que esse fosse cúmplice das mesmas sensações vividas no instante da queima dos produtos químicos. Este último exemplo mostra um bloco de intensificadores. Trata-se de uma informante que ensina uma receita, como preparar um peixe. (9) “... então eu pego essa panela e boto com óleo... deixo esse óleo ficar bem quente... bem quente mesmo (...) eu coloco essa posta de peixe... eu coloco pra fritar...”


37

A informante utilizou o advérbio bem, repetiu a expressão e, ao final, acrescentou a palavra mesmo. A intenção era comunicar qual a temperatura ideal do óleo para se obter uma boa fritura, e ela o fez utilizando-se de intensificadores. A partir da pesquisa realizada, dos dados e da análise desses trechos, pode-se constatar que o uso da gradação não está restrito a convenções ou regras gramaticais, mas se constrói no discurso, na interação de seus participantes. As situações e os contextos proporcionam à língua falada, na maioria das vezes, certa motivação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo deste artigo, tentou-se flagrar as manifestações da gradação na língua oral, numa perspectiva funcionalista, mostrando que não se trata, apenas, de aspectos semânticos e formais da tradição ou que se limite ao nível lexical, no grau dos substantivos, adjetivos e advérbios, mas utilizou-se dos fundamentos teóricos de Halliday para explicar alguns processos que se realizam durante a conversação e a escolha do falante com respeito ao uso dos intensificadores em uma visão funcionalista. As

suas

principais

contribuições

utilizadas

para

analisar

as

ocorrências de intensificadores na língua oral foram, o que ele chama de metafunções: ideacional, interpessoal e textual. Neste trabalho, abordouse, principalmente, as duas primeiras funções para explicar a relação entre o falante e seu mundo experiencial e a relação entre os próprios interlocutores. No entanto, a função textual também se configura na perspectiva de atender às demandas das demais funções. Os dados coletados não representam uma quantidade ideal para se chegar a um resultado concreto e satisfatório a respeito do uso da gradação. Os informantes, apesar de serem de sexos diferentes, são da mesma cidade, o que poderia significar que é um fenômeno isolado. Além


38

disso, não foi feita uma comparação com a língua escrita, a fim de verificar se nela existem as mesmas ocorrências ou se é um fenômeno exclusivo da língua falada. Ainda não é possível estabelecer, dada a grandeza teórica do assunto e uma pesquisa muito restrita, se esse fenômeno se realiza de maneira homogênea entre todos os falantes, sejam homens ou mulheres, jovens ou adultos, de uma classe ou de outra. Este trabalho apenas paira sobre a superficialidade dos fatos, mas que poderá contribuir de maneira significativa para a compreensão da linguagem, vista de forma para além dos limites de uma gramática normativa e prescritiva, mas para uma visão panorâmica de cunho discursivo-funcional.

REFERÊNCIAS HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985. MARTELOTTA, M. E. Gramaticalização em operadores argumentativos. In: ________.; VOTRE, S. J.; CEZARIO, M. M. (Orgs.). Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 191-220. SILVA, José Romerito da. A intensificação numa perspectiva funcional.


39

SEÇÃO 4

A GRADAÇÃO NA WEB


40

POR UMA PERSPECTIVA FUNCIONAL: A GRADAÇÃO E O SEU USO NAS REDES SOCIAIS Áurea Virginia Xavier de ARAÚJO9 Juliane de Sousa ELESBÃO Resumo: Este artigo trata da gradação e de como ela se apresenta nas redes sociais. Para tanto, coletamos dados de sites como Orkut e Facebook e, a partir daí, analisamos as ocorrências por um viés funcional. Dessa forma, identificamos indícios de afetividade, dimensionalidade, entre outros, além de observar seus aspectos semânticos e qual grau de intensidade (crescente/decrescente) é mais frequente nesse ambiente virtual e de interação. Palavras-chave: gradação, redes sociais, afetividade

Introdução A gradação é um fenômeno lingüístico bastante recorrente, tanto na fala quanto na escrita, na qual se encontram presentes indícios de subjetividade, julgamentos, valores, entre outros, expressos através de marcas lingüísticas, como, por exemplo, sufixos, repetições, leves comparações, entre outros. Entretanto, verifica-se a reprodução de tal recurso

lingüístico

na

Web,

especialmente

em

redes

sociais,

caracterizados pela interconexão e interação entre inúmeras pessoas, as quais

compartilham

relacionamentos,

experiências,

reencontram

trocam

pessoas,

dentre

idéias, outros

constroem exemplos,

utilizando-se de várias semioses, especialmente os da escrita, para se comunicarem com outras pessoas. Este trabalho limitou seu corpus aos scraps (recados trocados entre os usuários) do Orkut e Facebook. De forma geral, nosso objetivo é analisar esse corpus verificando a subjetividade dos indivíduos, os julgamentos, os indícios de afetividade, seus aspectos semânticos e o modo como eles são apresentados, ou seja, de que forma os usuários utilizam, ou operam, os recursos da gradação para interagirem. Adotamos

9

Alunas de graduação do curso Letras - Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - Ceará.


41

uma perspectiva funcionalista pelo fato de as ocorrências de gradação em nosso

corpus

possuírem

como

base

determinados

propósitos

comunicativos, ou seja, por desempenharem certas funções, devido à situação de interação, alicerçados, por tendências subjetivas oriundas dos interlocutores, o que acarreta em mudanças na estrutura gramatical da língua, como se afirma na seguinte citação: O pólo funcionalista caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gramatical. (MARTELOTTA; AREAS, 2003, p.22)

Para tanto, a priori, mostraremos como se deu o andamento da coleta do corpus e a metodologia empregada neste trabalho; discutiremos o

conceito

de

gradação

e

seus

processos

para,

posteriormente,

estudarmos os dados coletados e, por fim, apresentarmos conclusões acerca do referido fenômeno e sua manifestação na Web. Metodologia Partindo da busca do corpus em scraps das redes sociais, especificamente, do Orkut e do Facebook, utilizou-se nesse trabalho o método de

análise

comparativo-descritiva, após a identificação da

gradação nos dados coletados Para alcançar os objetivos deste trabalho, atentamos para uma pesquisa exploratória e inscrevemo-nos numa perspectiva qualitativointerpretativa, além de preferirmos fazer um estudo geral dos dados em detrimento de procedimentos quantitativos de análise. Selecionamos um corpus composto de frases enviadas em forma de scraps, do Orkut e Facebook, que apresentavam algum exemplo de gradação. A busca pelos exemplos que constituíriam o corpus realizou-se da seguinte maneira: 1) os pesquisadores, com contas pessoais nos sites de relacionamentos Orkut e Facebook, acessavam o scrapbook de outros usuários das referidas redes sociais de forma aleatória, a fim de identificar alguma ocorrência de gradação em seus recados; 2) após essa coleta,


42

categorizamos os dados com o propósito de facilitar nosso estudo, para que pudéssemos perceber em qual forma (crescente/decrescente) a gradação ocorria com maior freqüência e de observar quais estratégias os usuários utilizavam para se expressarem em relação ao outro. Além disso, atentamos também para os indícios de afetividade, dimensionalidade, conceitos pertencentes a uma memória coletiva, etc. Dessa forma, após a apresentação da condução da análise feita acerca dos dados coletados para esta pesquisa, sigamos para o estudo em si e das reflexões acerca do fenômeno da gradação em scraps da Web. A Gradação e suas Implicações De acordo com a gramática de Cunha & Cintra (2008), a gradação consiste nos graus dos adjetivos, dos substantivos e dos advérbios, apresentando-se, na língua portuguesa, por processos sintáticos e morfológicos. Vale ressaltar que nessa gramática, bem como na maioria delas, tal abordagem tende ao padrão culto da língua, restringindo-se ao nível morfossintático e lexical. Entretanto, tal concepção nos será útil para fins didáticos, com o propósito de facilitar a compreensão concernente ao referido fenômeno. O

uso

da

gradação

estará

ligado

a

determinado

propósito

comunicativo. Ademais, tem-se o valor estilístico da gradação, o que nos permite qualificar, caracterizar, tantos os seres quanto os objetos. No nosso caso, observamos que prepondera a qualificação dos seres, visto que os dados coletados são oriundos de páginas que contem perfis de usuários, isto é, indivíduos que estão em interação, portanto, o fenômeno da gradação, geralmente, se refere à outra pessoa e não a um objeto. Por outro lado, baseando-nos em autores como José Romerito Silva, Carla Maria de Oliveira e Giselda Costa, além de leituras do livro Linguística Funcional: teoria e prática (2003)10, veremos que o uso de tal fenômeno estará ligado também a um contexto maior e que não se 10

Ver referência completa na bibliografia deste trabalho.


43

restringe somente ao léxico. A subjetividade, a afetividade, entre outros, também motivam a utilização da gradação e dos recursos usados para manifestá-lo. Tratando da intensidade por um viés funcional, José Romerito de Sousa afirma que: (...) um olhar mais atento sobre a atribuição de intensidade no discurso, verificará que esta não se limita tão somente à manifestação de conteúdo cognitivo, tampouco se restringe apenas ao nível vocabular. Também se relaciona com determinadas estratégias de organização informacional do texto, estendendo-se, algumas vezes, para além dos limites lexicais, bem como desempenha papel indispensável no jogo interativo estabelecido entre os interlocutores.11 (SOUZA, 2008)

Pode-se trazer o pensamento acima para a gradação de um modo geral, pois esta se serve de termos, repetições, morfemas, por exemplo, que intensificarão ou não seu grau. Isto implica, necessariamente, ao propósito comunicativo de quem está enunciando e que está atrelado à sua subjetividade, a sua capacidade de organizar as idéias, do modo como esse enunciador vai operar os recursos possibilitados pela língua, entre outros.

Tal

manifestação

indicará

o

valor

de

juízo,

afetividade,

dimensionalidade, desempenhando uma função específica no contexto em que ele se encontra, além de apresentar a progressão/regressão presente no próprio enunciado. É sabido que o modo como a gradação se apresenta na escrita e na fala não será tal qual no ciberespaço. Haverá semelhanças, mas são verificáveis algumas diferenças. A partir de então, partiremos para as análises a fim de discutir acerca das formas de como a linguagem pode ser tratada e que papel funcional ela desempenha no espaço virtual de interlocução, além de verificar qual progressão (crescente/decrescente) é predominante

no

espaço

virtual,

especificamente,

no

Orkut

e

no

Facebook. Análise do Corpus 11

Esse

trabalho

encontra-se

http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LINO1_PT03.pdf

disponível

em:


44

A priori, a gradação estará vinculada à expressão de uma idéia acerca de algo da realidade. Entretanto, muitas vezes, essa expressão pode indicar um sentimento, uma afetividade, espelhando a subjetividade do enunciador em relação ao outro. Observemos o exemplo a seguir: 1) Amigo não se cala, não questiona e nem se rende, somente entende! Bjs! Neste exemplo, vemos a gradação expressando o conceito que o enunciador tem de amigo e, assim, mostrando implicitamente que o seu destinatário enquadra-se na referida definição. É reconhecida a ressalva feita no final do exemplo (“somente entende!”), enaltecendo, de forma crescente, a característica da compreensão que rege uma amizade e que parece ser essencial para aquele que está enunciando. Esse mesmo ponto de vista também está presente no próximo enunciado: 2) Um amigo é uma jóia, uma estrela, é o sol em nossas vidas. Um amigo verdadeiro nos ajuda a levantar, a caminhar, a seguir em frente, e assim vc é pra mim, bjs!!!! Vemos, através do emprego dado às palavras “jóia”, “estrela” e “sol”, a expressão da idéia de intensidade, também crescente, e de luminosidade que caracteriza o ser amigo e pela preciosidade que é tê-lo na vida do enunciador, sendo definido por este como aquele que ajuda “a levantar”, “a caminhar” e “a seguir em frente”, tarefas estas atribuídas ao amigo e que satisfaz a expectativa e o conceito de amizade do enunciatário. De acordo com José Romerito de Sousa, do “ponto de vista semântico, o emprego do grau intensivo relaciona-se à expressão da idéia de encarecimento, atribuída a uma determinada realidade, em que esta é considerada em um nível além da situação normal”. No caso acima, é conferida ao amigo uma dimensão crescente que vai do tamanho e brilho


45

de uma “jóia” ao entorno espacial e abundância de luz do grande astro, o “sol”, isto é, vemos uma gradação intensa, a qual ultrapassa os limites da normalidade, presente no referido exemplo. Percebe-se

a

afetividade

e

a

dimensionalidade

subjetiva

manifestada no uso da gradação nos exemplos anteriores, referentes a outro ser (ou a outro interlocutor), visto que, a Web, no nosso caso, as redes sociais Orkut e Facebook, caracteriza-se pela interação entre pessoas, que se conhecem ou não, com interesses em comum, a fim de se lançarem em relacionamentos de amizade, de amor, profissionais, entre outros. Portanto, elas se sentem “livres” para expor suas emoções, seus afetos, seus sentimentos em relação a outrem nesses ambientes virtuais. Já no exemplo a seguir percebemos a gradação conjugada a outra figura de linguagem: a sinestesia, destacada em itálico. 3) Vc tem cheirinho de passarinho quando canta, de sol quando levanta, de chuva na terra seca ... Como é bom te sentir!!! Bjs! Nesse caso, a gradação é dirigida ao ser amado por uma adolescente, que manifesta um sentimento, o qual se traduz por meio do aspecto sensorial (“cheirinho”), expressado pelo scrap em questão. Assim, o que a usuária sente a satisfaz como um “passarinho quando canta”, o “sol quando levanta” e a “chuva na terra seca”. Estas sensações (audição, visão e, podemos dizer, tato), por sua vez, a atingem através do olfato, fazendo-a se sentir bem e a gostar de ter esta sensação do outro. Por isso, verificamos que a sinestesia se encontra presente no referido scrap juntamente à gradação, a fim de manifestar a sensação experimentada pela enunciadora ao estar com seu companheiro. Até o momento, podemos observar que a gradação não se limita somente aos aspectos cognitivos e lexicais, mas que tem como alicerce parâmetros de aspecto subjetivo. Por outro lado, a carga semântica manifestada, segundo José Romerito Silva (2008), “está

também


46

diretamente vinculada às potencialidades expressivas da língua, através das quais o falante expõe seu mundo interno (isto é, um estado de sua consciência) e exerce um juízo de valor”. No próximo exemplo, podemos observar a gradação através do uso de adjetivos que qualificarão o referente: 4) Mas apesar de tudo ela é uma pessoa maravilhosa, uma amiga obstinada e fiel!! Vemos que, nesse caso, haverá uma sutil qualificação crescente devido à série de adjetivos utilizados, os quais funcionarão como intensificadores que mostram o quão o destinatário desse scrap é importante para o enunciador. Além de um acentuamento dado pela expressão “uma amiga”, a fim de reforçar o caráter de quem está se falando e o juízo referente a ela. A gradação nesse exemplo vai contribuindo sempre para acentuar a crescente admiração do locutor pelo interlocutor. A referida figura de linguagem é muito usada em redes sociais com a finalidade de manifestar todos os tipos de pensamentos, emoções e sensações entre os usuários dessas redes. Alguns scraps, especialmente os do Facebook, se dirigem a qualquer pessoa que o leia, com o intuito de atingir a determinado número de usuários em comum com o enunciador, ou convencendo-os, ou comovendo-os, entre outros, como veremos no exemplo abaixo: 5) Eu poderia estar roubando, me prostituindo, me drogando, mas estou aqui só pedindo um pouco mais de paciência para terminar de elaborar uma avaliação. rsrsrsrs Percebemos que o scrap não se dirige a alguém especificamente e que a expressão gradativa se constrói em torno de três verbos que se sucedem a um nível cada vez mais decrescente, apresentando uma “queixa”, a fim de que os “leitores” se comovam com a situação na qual a enunciadora se encontra. Dessa forma, a seqüência em negrito expõe a idéia de que a locutora poderia estar fazendo quaisquer outras coisas, as


47

quais, do que se pode inferir, são consideradas por ela mais “fáceis”, cujo lucro ou satisfação viria mais rápido e em maior quantidade do que elaborar uma avaliação. Vemos no scrap anterior, que esta concepção pertence à memória coletiva das pessoas, ou seja, boa parte dos indivíduos compartilha dessa mesma ideia, pois: (...) a significação não se baseia numa relação entre símbolos e dados de um mundo real de vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases assumem seus significados no contexto, o que implica a noção de que os conceitos decorrem de padrões criados culturalmente. (MARTELOTTA; AREAS, 2003, p.22).

Portanto, o conceito de que roubar ou se prostituir pode garantir mais “vantagens” financeiras, por exemplo, em relação à profissão de professor, cuja inferência se faz pela expressão “elaborar uma avaliação”, permeia pelo pensamento dos indivíduos e seu significado se constitui de uma idéia padrão, ou sócio-histórica, que será expressa através da gradação, no nosso caso. Ademais, é notório o empréstimo que se faz dos termos em negrito, os quais são utilizados em enunciações humorísticas, para citar um exemplo, justamente para conferir um caráter risível a uma “reclamação”, ou protesto feito de forma camuflada por meio do humor, e que só confirma a presença desse pensamento na memória coletiva dos indivíduos pertencentes a determinada sociedade. É muito comum, especialmente entre os usuários das redes sociais, o empréstimo que se faz de frases famosas, humorísticas, como observamos no exemplo anterior, clichês ou letras de músicas que possam conter a gradação em sua composição e que também ocorre como uma estratéfia no scrap a seguir: 6)

Você

vacilou..pisou

na

bola,

errou

comigo..E

agora

chora,

chora....Tudo tem volta.aguarde.. No exemplo acima, a usuária do Facebook tomou a frase do refrão de uma música de forró, a qual expressa bem a situação em que a mesma


48

se encontra em relação a uma pessoa que “pisou na bola” com ela. Em uma

sucessão

descendente

de

ações,

a

enunciadora

se

mostra

descontente com atitudes manifestadas pelo destinatário deste scrap. Percebemos que os verbos empregados seguem uma escala gradual de intensidade decrescente (que vai do “vacilou” ao “errou”), refletindo, assim, o baixo nível de erros cometidos pelo referente do enunciado em questão, cujo ápice é alcançado pelo verbo “chorar”, reforçado pela sua repetição. Inferimos, portanto, que o papel dessa gradação, além de expressar o descontentamento por parte da enunciadora, é deixar o destinatário ciente do que fez e avisado de que “tudo tem volta”, ou seja, de que ele sofrerá as conseqüências em decorrência das suas atitudes errôneas. A

partir

das

análises

anteriores,

podemos

observar

que

a

manifestação da gradação vai se alternar, de um modo geral, numa progressão ou crescente ou decrescente. Visualizamos o gráfico abaixo para entender melhor essa alternância:

90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

Orkut

Facebook

Gradação crescente

Gradação decrescente

É notório o uso mais freqüente da gradação crescente devido ao reforço, ao acentuamento dado ao enunciado dos usuários das referidas redes

sociais,

pois,

esta

intensidade

está

atrelada

ao

propósito

comunicativo de quem enuncia, isto porque, conforme Oliveira (2010), “a


49

opção de uso de um ou de outro (...) está associada à situação comunicativa, ao contexto em que o formativo está inserido e com a real intenção do falante”, ou seja, o uso feito da gradação, crescente ou decrescente, por parte dos usuários do Orkut ou do Facebook, no nosso caso, mostrará indícios do que pretende os mesmos, além de apresentar manifestações afetivas, dimensionais, subjetivas, dentre outras. Percebe-se também que a gradação decrescente ocorre em menor freqüência tanto no Orkut, quanto no Facebook, sendo que nesta última tal grau se torna bem menos usual em comparação àquela primeira. Conclusão Vemos progressiva

que de

a

gradação

informações,

de

se

constitui

um

modo

por

uma

geral,

distribuição

características,

qualificações, em ordem crescente, a caminho de um clímax, ou em ordem decrescente que, por sua vez, se orienta a um momento denominado anticlímax. A partir das referidas classificações, podemos analisar de modo mais sistêmico a gradação nos scraps extraídos do Orkut e do Facebook. Verificamos que o uso da gradação é uma possibilidade linguística utilizada, de certa forma inconsciente, por usuários do Orkut e do Facebook aplicando-se a diversas situações discursivas: na composição dos seus scraps, ao enumerarem elementos numa ordem progressiva ou regressiva, ao se referirem a um outrem, enaltecendo ou não algo próprio do destinatário do enunciado ou que esteja diretamente ligado àquele, entre outros, evidenciando, assim, que as virtudes retóricas da gradação, a par de outras figuras semelhantes, são decisivas em qualquer discurso que pretenda ordenar e enfatizar, por meio da intensidade gradual, os termos dispostos nos enunciados e a força dos argumentos. Os resultados obtidos evidenciaram o modo amplo da ação dos processos gradativos, os quais podem ser expressos de forma crescente ou decrescente, por meio de recursos de natureza morfossintática, lexical, semântica, funcional, além dos fatores extralinguísticos. Com base nas


50

análises, construimos um gráfico, no qual podemos visualizar a freqüência das ocorrências gradativas nos scraps postados em grau crescente e/ou decrescente. A descrição feita neste artigo, acerca dos processos gradativos nos scraps das referidas redes sociais, fundamentou-se numa avaliação objetiva e sistemática dos elementos que se apresentavam como gradação. REFERÊNCIAS COSTA, G. dos S. O Livro Didático de Inglês: Usos de Intensificadores em Diálogo. Dissertação de Mestrado em Lingüístico - Orientador: Prof. Doutor. Francisco Gomes de Matos.UFPE-2002. Disponível em: <http://www.giseldacosta.com.br/artigos/capitulo4.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. CUNHA, Celso; CINTRA, L. F. L. Nova gramática do portugês conemporâneo. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. CUNHA, Maria. A. F. da; OLIVEIRA, Maria. R. de; MARTELLOTA, M. E. (Orgs). Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. OLIVEIRA, Carla M. Gradação de afetividade nos formativos -inho (a) e -zinho(a) a partir do estudo de gramaticalização. In: Revista Icarahy, UFF-RJ, nº 2, fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/numeros/2/dlingua/Carla_Maria_de_Olive ira.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011. SILVA, J. R. A intensificação numa perspectiva funcional. In: Revista Odisséia. v. 1, p. 1-18, 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/odisseia/numero1/arquivos/LIN01_PT03.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.


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GRADAÇÃO NA WEB: AS OCORRÊNCIAS DE GRADAÇÃO NO MICROBLOG TWITTER Bárbara Amaral de Andrade Furtado12 José William da Silva Netto13 Resumo: O artigo apresentado explora do uso da gradação por falantes da língua portuguesa em ambiente virtual, focando no microblog Twitter, usando diversos parâmetros como, por exemplo, expressão, sentido e base, e de que forma esse fenômeno se dá através de cada parâmetro, quais acontecem com maior freqüência, e o que influência essa frequência. Nosso estudo foi baseado nas pesquisas de José Romerito Silva e Mattoso Câmara (2004). Palavras-chave: gradação, microblog, funcionalismo. Abstract: The article presented below explores the use of gradation by speakers of the Portuguese language on the internet, focusing on the microblog Twitter, using several parameters, such as type, expression, meaning and base, and how this phenomenon happens through each parameter, which of those happen more frequently, and what influences this frequency. Our study was based on the work of José Romerito Silva, and Mattoso Câmara (2004). Keywords: gradation, microblog, functionalism.

Introdução O presente artigo tem como objetivo principal estudar um fenômeno bastante comum entre os falantes de uma língua, a gradação. Este tipo de fenômeno pode ser encontrado em diversos tipos de discurso e, desta forma, é possível sua analise tanto em fontes escritas como em fontes faladas. Este estudo se originou a partir do interesse em saber de que maneira o fenômeno da gradação auxilia e/ou transmite sentidos diferentes em um determinado contexto comunicativo. Assim, os falantes de uma língua se expressam a partir de suas necessidades, instaurando verbalmente suas opiniões e até mesmo explicitando duvidas. Desta maneira, entendemos que, uma vez que o enunciador faz uso de determinada forma sintática e não de outra 12

Graduanda do curso de Letras, UFC.

13

Graduando do curso de Letras, UFC.


52

(paradigma),

essa

escolha

pode

acarretar

em

uma

mudança

de

significado. Então, é nesse contexto comunicativo que nossa investigação irá ter suas bases. Porém, como buscamos um ambiente mais informal (uma vez que gradação é encontrada em maior uso nesse contexto), iremos utilizar como corpus do nosso artigo o microblog Twitter, caracterizado por utilizar apenas 140 caracteres em cada postagem. O motivo pelo qual buscamos adentrar nesse conteúdo, embasados nesse corpus, pode ser justificado por: a) informalidade textual, b) maior incidência da característica da expressividade e, por fim c) fácil acesso ao conteúdo, assim como sua abundância. Fundamentação Teórica Com a finalidade de enriquecer nossa investigação, baseamo-nos nos estudos de Câmara (2004). Em seu trabalho, Câmara (2004) abordará a questão da derivação como meio de expressão. Para ele, tamanha é a ocorrência desse fenômeno que, em muitos casos, há a criação de novos vocábulos. Esse estudioso também falará sobre o superlativo dos adjetivos onde, em muitos casos, são utilizados não somente como representação de superioridade ou inferioridade, mas como um meio espontâneo e/ou afetivo de expressão. Em primeiro lugar, não há obrigatoriedade no emprego do adjetivo com esse sufixo de superlativo, ou grau intenso. É a rigor uma questão de estilo ou de preferência pessoal. Ou, antes, trata-se de um uso muito espaçado e esporádico, em regra, e de tal sorte que certa freqüência nele logo parece abuso e excentricidade. (CAMARA, 2004, p.47)

Segundo o excerto acima, um sufixo qualquer pode expressar tanto idéia de extensão, em ‘que casa grandona’, ou possuir um sentido mais esporádico e/ou afetivo, tal qual em ‘acho lindo pessoas grandonas’. Desta maneira, Câmara deixa claro que os adjetivos, na sua forma superlativa, são capazes de assumir diversas conotações, dependendo da intenção do enunciador.


53

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Câmara discorre a respeito do uso de derivações do tipo diminutivo e aumentativo, não somente presentes em adjetivos, como estavam em destaque, mas também relacionadas a substantivos. A esse respeito, ilustramos com a seguinte passagem: Na realidade, o que se tem com os superlativos é uma derivação possível em muitos adjetivos, como para os substantivos há possibilidade dos diminutivos e para alguns (não muitos) a dos aumentativos. Anote-se a propósito que o conceito semântico de grau abrange tanto os superlativos como os aumentativos e os diminutivos. (CAMARA, 2004, p. 47)

Assim, corroborando com o estudo de Câmara (2004), aplicamos esse conceito de derivação dentro do campo da gradação, uma vez que gradação por derivação é um fenômeno bastante recorrente na língua portuguesa. Análise Para

falarmos

das

ocorrências

comunicativas,

é

importante

primeiro falarmos da plataforma em que elas se encontram, enquadrandoas em um contexto lingüístico-social, focando-se também na pragmática, ou seja, na situação e na intenção do falante, para caracterizar o uso da gradação, assim como as propriedades semânticas da língua. O microblog Twitter é uma plataforma social de interação entre usuários que, por sua vez, se comunicam através de postagens de até 140 caracteres,

partindo

da

pergunta

chave

do

próprio

site,

“What’s

happening?” (ou, o que está acontecendo, em português). Desta forma, a comunicação se dá através de respostas diretas que aparecem no que é chamada de a “timeline” do usuário. O Twitter, por ser uma página pessoal onde as pessoas postam o que acontece no seu dia a dia, seus pensamentos e desejos, torna-se um meio pelo qual seus usuários escrevem espontaneamente, ou, na linguagem mais popular, escrevem sem parar para pensar. Por essa razão, observa-se o uso freqüente de intensificadores na linguagem para demonstrar a intensidade de seus sentimentos e pensamentos, caracterizando, desta forma, a gradação.


54

A gradação é uma função da linguagem que está primeiramente relacionada a essa percepção do individuo em relação à sociedade. José Romerito da Silva fala em seu artigo que a gradação se baseia em padrões estabelecidos pelos indivíduos ou pela sociedade. Assim, tomando como referencia os padrões pré-estabelecidos, verifica-se que o fenômeno em estudo situa-se em níveis superiores ou inferiores ao padrão, ou seja, está além dele. Isto tem sua fonte nas impressões pessoais do indivíduo, a partir do contato deste com o mundo que o cerca, baseadas em parâmetros comparativos estabelecidos por ele próprio ou socialmente convencionados. (Silva, p.5)

É tudo, na verdade, uma questão de percepção. Quando o indivíduo percebe algo como sendo superior ou inferior ao padrão, ele utiliza, visto sua necessidade de expressar sua percepção, elementos lingüísticos e semânticos para intensificar sua visão acerca do mundo, e, nesse caso, faz-se uso da gradação. A partir de então, analisaremos alguns exemplos provenientes do microblog Twitter. O primeiro deles diz respeito a uma garota que postou algo acerca de um bolo de chocolate que ela mesma havia preparado, e que, em sua opinião, ficou extremamente gostoso. Porém, ela também falou sobre o fato do bolo estar exageradamente doce, fato esse que a levou a acreditar que seu aumento de peso é proveniente desse bolo. (1) hoje fiz um super ultra mega bolo de chocolate ++ meu deus acho que engordei 98765894 toneladas, tinha muuuuuito doce:| 5 Nov

Na enunciação feita pela garota, podemos perceber que adjetivos intensificadores foram acrescentados ao substantivo “bolo”, para, desta maneira,

mostrar o quanto ele estava saboroso. Nesse caso, estamos

diante do grau superlativo analítico, uma vez que a enunciadora faz uso dos termos “super”, “ultra” e “mega”. Em seguida, ela atribui características

a

toneladas,

que,

nesse

caso,

é

intensificada


55

pragmaticamente, mas, semanticamente, a garota utiliza números e a figura de linguagem hipérbole para fazer essa gradação. E, por fim, intensifica o adjetivo doce com o advérbio “muito”, que também constitui o uso do grau superlativo analítico, ainda levado ao exagero pela repetição da vogal “u” no referido adverbio, para mostrar ainda mais intensidade. O caso (2) mostra que o enunciador é um grande admirador da banda RBD e, como meio de verbalizar essa preferência, ele utiliza-se do advérbio de intensidade ‘mega’. Logo, há o uso de superlativos absolutos transmitindo sentido afetivo.

Em contrapartida, o enunciador expressa

também seu gosto pela banda RBR, só que dessa vez, ele utiliza-se do advérbio ‘super’, sendo posto como forma de repetição: (2) Assim ... Eu era mega fã de rbd tinha tudo e tudo... mas também sou super super super fã de rbr , gosto até mas de rbr ,mas ficar xingando + Nov 5

No

próximo

exemplo,

podemos

ver

um

caso

de

repetição

exagerada, em que a garota da enunciação declara seu amor para o namorado. (3) Eu te amo muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito muito <3 15 Nov

Nesse caso, a menina repete o advérbio de intensidade “muito” diversas vezes, advérbio esse que se refere à oração “ Eu te amo”. Ela utiliza-se desse recurso com a finalidade de mostrar ao garoto o quanto ela verdadeiramente o ama (como já foi mencionado anteriormente, o microblog é, muitas vezes, utilizado sem filtros, por ser uma página pessoal). Esse também é um caso do grau superlativo analítico.


56

A enunciação abaixo trata de outra menina também declarando seu amor ao namorado. Essa, no entanto, não repetiu a mesma partícula tantas vezes. (4) eu te amo muito mas muito muito mesmo mesmo meu amooor *-* seu olhar o mais sincero , seu sorriso mais encadecente s2 15 Nov

A garota desse último exemplo, ao invés de repetir somente o advérbio

de

intensidade

“muito”, se utiliza de outros elementos

semânticos, como a partícula adversativa “mas” e o advérbio “mesmo”. Esses elementos se relacionam a “Eu te amo” e constituem um caso de grau superlativo absoluto analítico. A seguir, no entanto, a garota continua

a

usar

elementos

gradativos,

dessa

vez,

listando

as

características do namorado. Para isso, ela utiliza o advérbio “mais” como partícula intensificadora, constituindo, assim, um caso de grau superlativo relativo de superioridade. Os casos de gradação não são apenas de intensidade superlativas. Também podemos ver com freqüência casos de intensificação em que os indivíduos se utilizam de partículas de diminutivo para expressarem-se. Como no exemplo abaixo, em que uma garota conta do seu dia no shopping com a mãe. (5) shopping com a minha mãezinha foi tão bom, cineminha e comprinhas com o meu amorzinho ! #éoquehá 15 Nov

A garota acima utiliza a sufixação, o diminutivo “inha” e “inho” para expressar o carinho pela mãe, a quem se refere como “amorzinho”. Aqui, a morfologia sufixal, um recurso semântico, foi utilizada por uma questão pragmática, de contexto, para expressar os sentimentos pela mãe e felicidade pelo passeio que teve.


57

(6) Meu Deus, o meu amoreco acabou de sair daqui. Ele me disse tanta coisa linda, tanta... Nov 15

Nesse caso, notamos que o enunciador possui laços estreitos com a pessoa que está sendo referida. Como prova disso temos o substantivo, também expressando idéia de gradação, que foi acrescido de um sufixo ‘eco’, tornando assim a oração mais afetiva. Interessante notar que, a palavra ‘amor’ em si já trás consigo o sentido afetivo, porém, quando a mesma é utilizada com o sufixo ‘-eco’, ocorre uma ênfase que recai sob o nome ‘amor’, tornando-o assim muito mais expressivo. Na enunciação abaixo, por exemplo, também podemos ver traços dessas partículas de diminutivo. O contexto do post a seguir é de uma adolescente pedindo a Deus por sua amiga que havia terminado como o namoro. (7) “Deus, cuida da minha melhor amiga. Cuida da minha pequena, minha vadiazinha, meu amorzinho. Cuida Deus,... 15 Nov

A menina utiliza-se da morfologia sufixal, tornando a palavra diminutiva, para expressar carinho pela melhor amiga. Também utiliza a repetição dos pronomes possessivos “meu” e “minha” para enfatizar esse carinho, e o adjetivo “pequena”, também, como um termo afetivo. Até “vadiazinha”, que seria, em outras circunstâncias, considerado pejorativo, nessa enunciação está como uma expressão de carinho. Isso reforça a idéia mencionada previamente de José Romerito da Silva, que fala que a gradação mais tem a ver com a pragmática, com a intenção do falante e com sua percepção, se comparados com a semântica e os termos da oração por si mesmos.


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Outro recurso utilizado para expressar a gradação, além dos superlativos, aumentativos e diminutivos, é a comparação. Como no exemplo abaixo, onde um homem fala sobre um jogador do time de futebol que pensa em largar a seleção. (8) E outra, se ele quiser ir embora do Ceará, que vá, quem ele pensa que é? Ceará é muito maior que vc meu caro, mas muito maior mesmo. 15 Nov

O rapaz da enunciação utiliza a partícula “muito maior que você”, que apresenta grau comparativo de superioridade e, em seguida, utiliza o advérbio de intensidade “muito”, seguido da repetição do adjetivo “maior” e do advérbio “mesmo”, intensificando a gradação e apresentando um caso de grau superlativo absoluto analítico. (9) Você acha que ocupa um certo espaço na vida das pessoas,quando vai ver esse espaço é bem menor do que você imaginava. 15 Nov

Na postagem (9), observamos que a pessoa que a escreveu estava, provavelmente, se queixando do quão injusto é o julgamento que temos das pessoas ao nosso redor. Então, como característica que graduará a sentença, observou-se o uso da partícula comparativa “menor do que”, a qual se relaciona ao termo ‘espaço’. Uma vez que tal oração expressa a subjetividade do enunciador – visto que exprime o modo como ele enxerga os demais indivíduos- temos propriedade pra dizer que ela trás consigo o sentido de afetividade. (10) Engraçado como nos Feriados a incidência de pessoas ativas no Twitter é bem menor que na semana normal, supostos dias de trabalho... =P 15 Nov


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No exemplo (10), temos uma incidência bastante similar ao (xx), onde o enunciador se utilizou de uma partícula comparativa para verbalizar sua crença a respeito dos usuários do Twitter. Para ele, o numero de pessoas que usam o referido site é mais elevado nos dias de trabalho, se comparado a feriados. Logo, no intuito de fazer essa comparação, o autor da sentença utiliza a partícula “bem menor que” (mesmo ocorrência encontrada no caso anterior). A partir do nosso corpus e das nossas pesquisas, chegamos a resultados referentes à frequência das gradações no microblog Twitter. De acordo com a Tabela 1 (abaixo), podemos analisar que, em relação ao tipo, a ocorrência do grau Superlativo Absoluto foi dominante na formação de gradação, ficando em primeiro lugar, seguido do uso do Diminutivo como recurso gradativo assim, ocupando a segunda posição. Em terceiro lugar, as ocorrências do Superlativo Relativo. Também existiram casos que não se aplicaram a nenhuma das categorias como construções do tipo “superlegal” que, por não constituírem vocábulos da língua portuguesa, não enquadramos em nenhuma categoria. Por último, o grau comparativo como recurso gradativo. A dominância do Superlativo Absoluto Analítico sobre o Sintético se deve, em

grande

parte,

à

informalidade

do

meio.

Palavras

como

“agradabilíssima” ou “amicíssima” não fazem parte do tipo de vocabulário padrão da rede social. Muitas vezes, os usuários preferem, inclusive, usar colocações gramaticalmente erradas a usar palavras “difíceis”.

TABELA 1


60

De acordo com a Tabela 2 (abaixo), podemos observar que, em relação à expressão, o uso de advérbios veio em primeiro lugar, tendo assim, a grande maioria da porcentagem (superior a 51%). Como partícula gradativa, houve uma maior utilização da morfologia sufixal, ou seja, da adição de um sufixo, que veio em segundo lugar. O terceiro lugar diz respeito à repetição do nome, e em quarto lugar a morfologia prefixal, ou seja, a adição de um prefixo.

TABELA 2

TABELA 3


61

Analisando a Tabela 3, podemos ver que o sentido afetivo é amplamente dominante sobre o sentido dimensional. Isso é bastante influenciado pela escolha do corpus. Como mencionado previamente, o microblog Twitter é uma página pessoal onde as pessoas expõem seus pensamentos e sentimentos mais íntimos, portanto, as postagens são realmente mais influenciadas pela afetividade.

TABELA 4

E, por último, em questão de base, adjetivos foram dominantes em relação a substantivos, tomando mais de 75% das ocorrências. Conclusão No decorrer desse artigo, pudemos ver diversas formas de gradação que ocorrem no microblog Twitter. Pragmaticamente, vimos como elas são influenciadas pela percepção dos indivíduos em relação ao ambiente ao qual estão interagindo, bem como maneira a qual são utilizadas: emocional e/ou afetivamente. Com essas variáveis, podemos perceber que a gradação é um fenômeno freqüentemente presente na web, utilizado como recurso para expressar graficamente os sentimentos para o receptor da mensagem, que a receberá através da tela do computador, e não verá a linguagem corporal, o tom da voz, a expressão facial. A gradação, um intensificador gramatical, acaba substituindo esses intensificadores físicos dos sentimentos do enunciador. Vale ressaltar, que


62

esses resultados são diretamente influenciados pela escolha do corpus. Talvez, se tivéssemos nos focado em, por exemplo, blogs sobre tricô, tivéssemos obtidos resultados diferentes. Já no campo semântico, vimos que o grau superlativo absoluto analítico é dominante, que o uso de advérbios é o preferido para a expressão, e que o adjetivo é a base principal. REFERÊNCIAS CÂMARA, J.M. Estrutura da Língua Portuguesa. 36 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. SILVA, José Romerito. A intensificação numa perspectiva funcional. Disponível em: <http://claudetelima.webnode.com.br/products/a%20grada%c3%a7%c3%a3o%20na% 20web/>. Acesso em: 15 de Novembro de 2011.


63

SEÇÃO 5

A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR


64

GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR Maria Melka Freitas SILVA14 Resumo: Levando em consideração as constantes transformações linguísticas, as quais acontecem de acordo com os mais variados fatores, sejam eles regionais, individuais, temporais [...], estudamos, no presente artigo, o fenômeno da gramaticalização restrito ao verbo dar, com o objetivo de constatar os graus que o processo tem alcançado no português do Brasil. Enveredando por um viés funcionalista, valemo-nos de autores como Martelotta e Givón para embasamento teórico. Analisamos ocorrências de expressões contendo o verbo, presentes em dois corpora fornecidos pelo Grupo de Pesquisa Discurso e Gramática, sendo um referente à fala e escrita no Rio de Janeiro e outro de Natal, as quais apontam para um produtivo uso do verbo dar discursivo atualmente. Palavras-chave: gramaticalização, funcionalismo, discursivização.

Introdução Os objetivos que norteiam o presente artigo são: verificar os níveis de gramaticalização que o verbo dar tem alcançado na língua falada de português do Brasil

e sugerir hipóteses

que

apontem

os fatores

motivadores desse processo. Não correspondem aos nossos propósitos investigar e/ou relacionar fatores diacrônicos, e sim aqueles que convivem numa mesma seção temporal. Abordamos aqui nosso objeto de estudo de forma gradual, pois partimos de noções mais gerais, como a de gramaticalização e suas premissas, princípios e por fim, partimos para o caso do verbo em foco. Embora dicionários apresentem significados um tanto restritivos para definições de elementos linguísticos, sabemos que estes assumem valores que sobrepujam aqueles previstos por tais publicações. Isso ocorre pelo caráter flexível de qualquer língua viva, pois seus usuários são responsáveis, quase sempre inconscientemente, por modificarem-na a cada nova combinação palavra – significação. Fatores cognitivos e extra linguísticos podem ser os principais desencadeadores desse fenômeno, do qual são bons exemplos as diferenciações no emprego de uma mesma palavra portuguesa devidas

14

Aluna de graduação de Letras - Universidade Federal do Ceará - Fortaleza - Ceará.


65

tão somente à distanciação geográfica entre falantes, que passam a usála com variados sentidos não compartilhados com comunidades distantes. Enquanto rebolar no mato um nordestino compreende como algo mais próximo de “descartar, lançar fora”, para um paulista, por exemplo, o significado seria “dançar no meio do mato”. Junto aos aspectos espacias, estão os sociais, cuja influência também é significativa para o processo de mudança linguística. Talvez os primeiros atuem como promovedores dos últimos, que se relacionam com as necessidades comunicativas de cada comunidade. Assim como, segundo Darwin, grupos de animais de mesma espécie que vivessem geograficamente afastados, adquiririam diferenças físicas e/ou biológicas em razão da adaptação a situações ambientais distintas, da mesma forma ocorre no processo de variação lexical: o fato de falantes da mesma língua estarem fisicamente afastados está intimamente ligado ao fato de que estarão também em sociedades divergentes com outras necessidades comunicativas, então teremos como resultado a diversificação das funções das palavras. Dentre os processos de mudanças mais estudados encontra-se a gramaticalização,

caracterizado

pela

alteração:

elemento

lexical

>

gramatical ou gramatical > mais gramatical. Muitos autores defendem a unidirecionalidade nesse processo, a qual é, inclusive, reforçada pela análise de dados realizada no presente trabalho, já que o maior número de ocorrências de dar encontradas nos corpora aponta para um uso mais discursivo desse verbo em português brasileiro. Fundamentação Teórica Sem perder de vista os aspectos extra linguísticos de situações comunicativas, estudamos o processo de gramaticalização como um mecanismo motivado pelas necessidades comunicativas que surgem

a

cada situação em que se deseja expressar ideias, ou seja, toma-se como elemento desencadeador do processo o uso do léxico feito pelos falantes,


66

o que está de acordo com Martelotta, autor cujos escritos nos serviram de embasamento teórico. O uso da língua nas situações reais de comunicação motiva as transformações que sofrem os elementos linguísticos e essas transformações apresentam unidirecionalidade: caminham do discurso para a gramática. (MARTELOTTA, 2003, p.59). Ainda pudemos encontrar fundamentação teórica em Givón (2003, apud Martelotta e Areas) e partimos de algumas de suas premissas para caracterizar a linguagem, considerando-a, sob uma ótica funcionalista, como instrumento de comunicação entre seus usuários. Metodologia Com o fim de conseguirmos dados para análise, colhemos dos corpora Discurso e Gramática – a língua falada e escrita na cidade de Natal e A língua falada e escrita na cidade do Rio de Janeiro, cinquenta ocorrências do verbo dar, as quais foram tabeladas e classificadas em categorias como: modo, tempo e tipo verbal, este último podendo ser modal, lexical, aspectual, discursivo ou pertencente à categoria outros, que

abriga

classificações

casos acima.

diversos A

partir

não das

enquadrados frequências

em de

nenhuma cada

das

categoria,

formulamos a hipótese aqui apresentada para explicar o fenômeno linguístico por que passa o verbo dar. Gramaticalização Dizer que uma língua é viva não implica simplesmente em seu uso por determinada comunidade, mas também nas transformações inerentes a esse estado. Aqueles que fazem uso da linguagem sempre terão algo novo a dizer, porém nem sempre os termos de que dispõem lhes parecerão suficientes. Como ocorre desde os tempos mais remotos, quando o homem tentava manter contato com seu clã por gritos, a reação humana é sempre a mesma perante situações semelhantes à descrita acima: buscar elementos que expressem o conteúdo que se deseja


67

compartilhar. Historiadores afirmam que grunhidos, pulos e gritos eram usados de forma combinada ou isolada conforme o propósito comunicativo do homem primitivo; o sistema por eles usado era, certamente, muito resumido, cheio de carências expressivas, e esse deve ter sido um dos principais desencadeadores do surgimento e evolução da fala, que também está ligada à criação de signos linguísticos. Desde então, assim como nossos ancestrais, o que fazemos com a geração de novas formas ou funções são nada mais que tentativas de preenchimento de lacunas que nosso léxico abriga. Exemplo clássico é o substantivo saudade, disponível apenas na língua portuguesa, cujo vocábulo simples para designar o estado de “ter saudade” é inexistente, ou seja, não temos um verbo que cumpra tal papel; temos, entretanto, uma perífrase – sentir saudade. É justamente o inverso do que ocorre em outras línguas: elas normalmente possuem o verbo (to miss, extrañar, vermissen), mas não o substantivo. É provável que, impulsionadas pela insatisfação dos nativos, surjam usos novos para um substantivo já existente – ou quem sabe novas palavras - com o fim de nomear o sentimento. Fatos dessa natureza já eram previstos por Givón (2003, apud Martelotta e Areas), quando propôs algumas premissas referentes à linguagem, entre as quais a de que a gramática é emergente. Assim, nunca se chega a um estancamento de suas formas, pois está sujeita às inúmeras experiências situacionais nas quais são aplicadas, fato que ainda se relaciona com outra característica afirmada pelo mesmo autor: a que qualifica o ato da comunicação como atividade sociocultural. Além disso, não raro, palavras que outrora eram usadas com a utilidade

de

expressar

coisas

mais concretas

comumente

ganham

significados mais abstratos, o que contribui também para transformações das

línguas,

pois

se

multiplicam

os

usos

de

seus

signos,

necessariamente caírem em desuso as formas mais antigas.

sem

A esse

fenômeno chamamos gramaticalização e acontece sempre caracterizado


68

por sua inidirecionalidade. Para ilustar isso podemos observar o percurso seguinte: Concreto

abstrato

A seta aponta apenas para uma direção, a do caráter abstrato, e não há outra apontando para a direção contrária, o que significa que palavras com valores semânticos mais consistentes, passam a adquirir valores nocionais ou perdem significação, sem ser recorrente o percurso inverso. Vejamos o caso do verbo ter. No seu uso primitivo carregava sentido de posse [Você tem um notebook], mas passou a assumir outros, como o sentido temporal [Tem quatro anos que ele se foi], além de seu uso composto, em que assume papel de auxiliar e perde significação própria tornando-se apagado pela forma nominal [Ele tinha comprado um presente]. Levando ao esquema: Ter1 (posse) Há

autores

que

ter2

ter3

(tempo) defendem

a

(auxiliar) ideia

de

que

para

estudar

gramaticalização se faz necessário privilegiar uma linha de pensamento diacrônico, visto que as variações estão muito mais justificadas pelas pressões sofridas ao longo do tempo, sendo assim um componente indispensável para estudo histórico da língua. Por outro lado, Hopper e Traugott (1993, apud FRAGOSO.) admitem como possíveis as duas perspectivas temporais: tanto a sincrônica quanto a diacrônica. A primeira levará em consideração que outros elementos, além dos temporais, podem ocasionar alterações semânticas de vocábulos. Indispensável dizer que o sistema comunicativo é passível de modelações impostas, a exemplo, pelo meio sociocultural no qual se insere. Os Princípios da Gramaticalização Hopper (1991, apud FRAGOSO) apresenta cinco princípios que perpassam as mudanças tipicamente gramaticais. São eles:


69

1. Camadas: várias formas passam a ser adotadas para cumprir uma mesma função. As formas mais antigas tendem a desparecer se não forem mais usadas, mas nem sempre isso acontece e é provável que elas coexistem no sistema. Ex.: Eu precisava de uma boa noite de sono. Eu estava precisando de uma boa noite de sono. Temos duas formas se referindo ao passado imperfeito e expressando a mesma significação verbal. 2. Divergência:

inversamente

ao

princípio

de

camadas,

o

da

divergência sublinha o fato de uma mesma forma servir a vários papéis, depois de sofrer gramaticalização. Ex.: O noivo deu à noiva um anel de brilhantes. Marcos agora deu para acreditar em fantasmas. Tomara que dê tudo certo. Na primeira frase temos o verbo no seu sentido de origem, que possui carga semântica equivalente a transferência de posse. Na segunda,

em

forma

de

perífrase,

deu

é

enfraquecido

semanticamente, exerce papel modalizador; já na terceira, integra uma expressão fixa: dar certo, em que dar distancia-se ainda mais do seu sentido primeiro. Verificamos então, funções diversas de uma única forma. 3. Especialização: na fase pós-gramaticalização, um item tende a tornar-se específico no que diz respeito a seu sentido. Algumas formas podem coexistir com uma equivalência meio caricata, mas possuem

diferenças

suficientes

para

impedir

seu

uso

em

determinados contextos. 4. Persistência: é comum que unidades lexicais gramaticalizadas conservem aspectos de sua forma embrionária, embora a previsão de estudos linguísticos seja que a função se distancie de tal forma, que esses resquícios semânticos desapareçam. Ex.: A garota queimou todas as cartas dele. Não quero queimar nenhuma etapa da vida.


70

Ele só pensa em queimar calorias. A polícia acredita que aquele homicídio tenha sido queima de arquivo. Em todos os casos a marca própria do uso original do verbo - ligada à ideia de destruição – está presente. 5. Descategorização: plenas,

se

quando

gramaticalizam,

verbos

ou

assumem

substantivos,

categorias

o

categorias

papel

de

secundárias. Ex.: Qual o seu tipo de pele? Deveríamos fazer... tipo... um dia de lazer. Enquanto no primeiro caso tipo é substantivo, no segundo, como resultado de mudanças lingüísticas, passa a atuar como marcador discursivo, categoria secundária. Análise de Dados Atentos aos princípios que regem o fenômeno, apresentados acima, percebemos que o verbo dar já adquiriu diversas faces na língua portuguesa, estabelecendo relações várias na esfera semântica. Porém, a maioria dos dicionários traz definições para o verbo que privilegiam seu valor

mais

básico,

aquele

referente

à

fase

pré-gramatical.

Em

Dicionárioweb, por exemplo, encontramos o verbete: “Transferir ou ceder gratuitamente o que se possui;; doar, presentear”. No Priberam temos: “ceder gratuitamente;; fazer doação de;; presentear com;; fazer esmola de;; entregar;; conceder”. E se consultarmos o Aulete nos depararemos com: “Ceder, transferir (bens, posses, alago que se tem à disposição) sem remuneração; doar”. Os usos já expandiram para outros o tipo lexical de dar, cujo significado nossos dicionários conferem maior atenção. Deparamo-nos com pelo menos cinco: lexical, metafórico, modal, aspectual e discursivo. Carregando

cada

um

deles

respectivamente

as

características:

transferência de posse; transferência de posse metafórica; antecessor de


71

oração infinitiva; componente de dar + uma

ada; componente de

expressões fixas do tipo dar + SN . Vejamos alguns casos. a) deixe eu dar um exemplo ... (D&G, PO1 – RO1, p. 117) Não podemos entender como uma doação de coisa concreta o caso acima, pois o objeto direto do verbo é de caráter abstrato e, portanto, ninguém pode tomar posse de algo assim. Estaríamos falando, nesse caso, de uma tranferência de posse metafórica. b) minha mãe passava ... meu almoço no liquidificador ... aí dava pra comer ... mas bem devagarinho ... sabe? (D&G, PO1 – NEP1, p. 107) Exemplo de verbo modal, esse está muito mais ligado à ideia de possibilidade que de concessão. c) me dá uma raiva tão grande ... (D&G, PO1 - DL1, p. 120) Um dos usos que vem se tornando frequente em português falado, o dar modal

pode

estar,

muitas

vezes,

relacionado

ao

conceito

de

acontecimento ou pode dizer respeito a um estado mental, a depender do SN que segue o verbo. Sem deixar passar despercebido certos detalhes, vejamos que a função mais usada pelos falantes distancia-se da original de tal maneira que vai se esvaecendo semanticamente como se caminhasse para o esvaziamento de sentido. Passemos então, aos resultados aos quais chegamos. Tabela1: Categorização verbal Tempo verbal

Formas

Modo verbal

Codificação

Tipo de dar

nominais

34%

87%

52%

88%

42%

presente

infinitivo

indicativo

dar+SN

discursivo

O fato de a maioria das ocorrências estarem no presente do indicativo pode ser explicado pelo tipo e forma de discurso em que o texto foi expresso: relato de opinião oral. Se estivessem narrando fatos, por exemplo, tenderiam a usar o pretérito perfeito do indicativo, mas quando


72

se emite um parecer, o falante conjuga esse parecer no presente porque é o pensamento dele na atualidade. E o porquê do indicativo? Se o falante tem certeza sobre o que diz, então o modo verbal mais provável será mesmo o utilizado no exemplo. Percebemos ainda, que, embora o contexto seja narrativo, não raro, os informantes fazem uma pequena interrupção para emitir seu juízo de valor sobre o que se conta e por isso voltam a fazer uso do presente do indicativo. Ex.: ... às vezes eu chego de sete e meia ... oito horas e minha mãe já fica perguntando ... “onde é que tu tava?” me dá uma raiva ... né? porque... olha ... eu detesto essas coisa ... eu num admito também... que mãe ... namorado ... fica ... sabe? pressionando ...é...controlando ... Apresentamos na tabela anterior somente os elementos mais produtivos de cada categoria, a título de informação, mas para suporte estatístico de nossa hipótese nos detivemos mais à última categoria: tipo verbal.

Tipos de dar

discursivo metafórico lexical modal outros

Tabela 2: Cruzamento de categorias Dar discursivo


73

Pret. Perf.

33%

Indicativo

47,6%

Dar+SN

100%

A predominância de usos de dar discursivo nos direciona para o fenômeno de formação de expressões fixas da língua portuguesa, encontradas na forma dar + SN, como é o caso de “dar certo”, “dar zebra”, “dar ouvido de mercador”. O verbo analisado, ao mesmo tempo que perde força semântica dentro dessas expressões, também torna-se menos

variável,

uma

vez

que

fora

enquadrado

em

funções

determinadas pela comunidade linguística, verificação assegurada por Martelotta. Com a gramaticalização, o elemento tende a se tornar mais regular e mais previsível em termos de seu uso, pois perde a liberdade sintática característica dos itens lexicais, quando penetra na estrutura tipicamente restritiva da gramática. (MARTELOTTA, 1996)

Constatamos, dessa forma, que o verbo dar segue uma trajetória de gramaticalização na língua portuguesa e encontra-se num estágio que se aproxima do enquadramento liguístico, se entendermos como tal a obtenção de valores sintático-semânticos específicos de determinadas funções. Necessário se faz lembrar que os novos empregos do verbo não eliminam seu valor primitivo, mas este pode desaparecer ao longo do tempo. Acreditamos que

esse

enquadramento seja característico do

processo de gramaticalização e esteja intimamente ligado às necessidades linguísticas no âmbito da oralidade, pois falantes, no uso corrente da língua, preferem expressões informais às formais. Pareceria meio artificial, por exemplo, um amigo falar para outro que “logrou êxito” ou “foi bem sucedido” em sua entrevista de emprego;; usará, mais provavelmente, um “deu certo”, expressão fixa para qual não existem verbos sinônimos correspondentes

próprios

da

informalidade. Essa

evidência que explica o fator motivador de sua origem.

poderia

ser

uma


74

Considerações Finais Através das investigações aqui expostas, compreendemos que o verbo dar encontra-se em processo de gramaticalização e caminha para o esvaziamento semântico típico da manifestação discursiva, que, nos corpora examinados foi a mais produtiva. Não perdemos de vista as restrições a que nossos resultados estão sujeitos, pois a quantidade de ocorrências analisadas não seria a mais indicada, no entanto, acreditamos que nossas pesquisas sejam úteis ao estímulo de novos trabalhos na área. REFERÊNCIAS BRITO, R. H. P. de. Teoria dos Protótipos: um princípio funcionalista. Revista Todas as Letras. V. 1 N. 1. 1999. Disponível em: <http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/tl/article/viewFile/881/643>. Acesso em: 20 nov. 2011 ESTEVES, G. A. T. A gramaticalzação de dar: de predicador a verbo suporte. Rio de Janeiro: CiFeFiL, 2008. ESTEVES, G. A. T. Estudo comparativo dos níveis de gramaticalização deter, dar e fazer. Revista Estudos Linguísticos, São Paulo, V. 39 N. 1, 2010. ESTEVES, G. A. T. Construções com DAR + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância entre perífrases verbo-nominais e predicadores simples. 2008. 334f. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas. Área de Concentração: Língua Portuguesa) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. MARTELOTTA, M. E; AREAS, E. K. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: FURTADO DA CUNHA, M. A; OLIVEIRA, M. R; MARTELOTTA, M. E.(Org.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 17-28. MARTELOTTA, M. E. Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. PASQUARELLI, M. L. R. Normas para a apresentação de trabalhos acadêmicos (ABNT/NBR-14724, agosto 2002). Osasco: Edifieo, 2004. VELLOSO, M. M. Um estudo da idiomatização da construção modal co o verbo dar no protuguês do Brasil. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2007. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br/dar.html>. Acesso em: 18 nov. 2011; <http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbetepesquisa=1&pala vra=dar>. Acesso em: 18 nov. 2011; <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=dar> Acesso em: 18 nov. 2011.


75

GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR Paulo Sérgio Fernandes FÉLIX¹ Universidade Federal do Ceará Resumo: Este artigo pretende mostrar, numa abordagem funcionalista, o emprego do verbo dar. Para tanto, observou-se a gramaticalização desse verbo, considerando-se os fatores de tempo verbal, modo verbal, codificação, formas nominais do verbo e tipos de dar. Coletaram-se, para a pesquisa, dados de dois corpora constituídos de usos orais e escritos. Os dados foram analisados conforme os seus contextos. Os resultados das frequências foram organizados em tabelas. Conclui-se que as ocorrências mais significativas foram as da modalidade oral, já que nessa modalidade a ocorrência do verbo dar foi mais frequente. Conclui-se também que o uso frequente de expressões que contêm dar perdem seus elementos, permitindo que esse verbo apareça sozinho na frase. Palavras-chave: Gramaticalização; Funcionalismo; Verbo dar.

INTRODUÇÃO O

verbo

dar,

como

outros

verbos

que

apresentam

polifuncionalidade, quando analisados até mesmo de forma superficial, passa pelo processo de gramaticalização de verbo predicador a verbosuporte. Ao analisar frases com dar, percebemos que esse verbo possui comportamento sintático-semântico, pois ele pode mudar de item lexical para categoria de elemento gramatical em determinadas situações discursivas. Além disso, ele também pode tornar-se mais gramaticalizado, perdendo, desse modo, sua força semântica primitiva, ou seja, o verbo dar

se

esvazia

semanticamente,

apresentando

novas

funções

e

significados. Não podemos, portanto, preconizar o verbo dar como se ele possuísse apenas a categoria de verbo pleno como o fazem gramáticas e dicionários portugueses. O processo de gramaticalização, como não ignoramos, é um fenômeno linguístico que pode ser vinculado à visão funcionalista de linguagem. Tal processo pode ser motivado pela frequência de uso de itens linguísticos. Segundo Bybee (2003), a gramaticalização, fenômeno linguístico que se mostra unidirecional, além de ser motivada pela frequência, também origina esta.


76

O uso de uma língua deve ser analisado conforme seu contexto social, pois devemos considerar os falantes e

suas intenções. A

gramaticalização que tem a ver com o uso de formas linguísticas O artigo objetiva mostrar os resultados de uma pesquisa feita acerca do verbo dar. Como sabemos, esse verbo apresenta, em diversos contextos sociais, polifuncionalidade muito relevante para o estudo do processo da gramaticalização. Procuramos, neste trabalho de âmbito acadêmico, orientar-nos pela concepção funcionalista de linguagem. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Este trabalho pauta-se na óptica funcionalista (Cunha, Oliveira e Martelotta, 2003), já que esta acredita que a linguagem é instrumento de comunicação social. Cremos que é necessário analisar o uso das formas linguísticas em contextos sociais, isto é, em situações comunicativas. Para o funcionalismo, corrente linguística que se opõe ao formalismo, o principal escopo da língua é estabelecer relações comunicativas entre os falantes. Como as formas linguísticas podem passar pelo processo de gramaticalização de acordo com as necessidades de uso da língua, podemos vincular o estudo de tal processo à visão funcionalista de linguagem. Segundo Heine et alii (1991), a gramaticalização é um processo de transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou como um fenômeno de mudança de itens menos gramaticais a itens mais gramaticais. Muitos autores estão de acordo de que a frequência não é somente fator motivador para o fenômeno da gramaticalização, mas também é resultado desta. METODOLOGIA Ao escrever este artigo, procuramos, primeiramente, coletar ocorrências de frases com o verbo dar em dois corpora. Um de Natal e outro do Rio de Janeiro. Houve textos escritos e falados. Depois,


77

precisamos identificar cada ocorrência coletada. Ao todo, coletamos 50 ocorrências

que

foram

categorizadas

conforme

as

cinco

variáveis

seguintes: 1. 2. 3. 4. 5.

Tempo verbal Modo verbal Codificação Tipos de dar Formas Nominais do Verbo

ANÁLISE DOS DADOS Quanto às frequências simples de cada grupo de fatores, elas foram calculadas para que fosse possível relacionar os fatores entre si. Analisamos o contexto em que apareceram. O resultado foi organizado em tabelas. Os quadros a seguir demonstram a porcentagem dos fatores da pesquisa. Frequências simples de cada grupo de fatores (total de ocorrências de dar: 50) 1. Tempo Verbal

Ocorrência

Porcentagem

1.1. Presente

18

9%

1.2. Pret. perfeito

12

6%

2

1%

1.3. P. +-q-perfeito 1.4. Imperfeito

8

4%

1.5. Fut. Presente

2

1%

1.6. Fut. Pretérito

0

0%

Tabela 1: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal

Ocorrência

Porcentagem

2.1. Indicativo

37

18,5%

2.2. Subjuntivo

6

3%

2.3. Imperativo

0

0%

Tabela 2: Fator modo verbal


78

3. Codificação

Ocorrência

Porcentagem

3.1. DAR + ORAÇÃO INF

1

0,5%

3.2. DAR UMA + ___-ADA

0

0%

3.3. DAR + SN

38

19%

3.4. DAR + SN ZERO

11

5,5%

Tabela 3: Fator codificação

4. Tipo de DAR

Ocorrência

4.1. dar lexical

14

Porcentagem 7%

(=transferência de posse) 4.2. dar modal (dar +

1

0,5%

0

0%

oração INF) 4.3. dar aspectual (dar uma __ada) 4.4. dar discursivo (dar a

33

16,5%

SN= expressão fixa) 4.5. outro

2

1%

Tabela 4: Fator tipos de dar

Formas Nominais do Verbo Infinitivo Gerúndio

Ocorrência

Porcentagem

3 4

1,5% 2%

Tabela 5: Fator Formas Nominais do Verbo

Na tabela 1, percebemos que o tempo verbal que se sobressaiu foi o presente do indicativo, antecedendo o pretérito perfeito. Quanto ao futuro do presente e futuro do pretérito, somente o primeiro apareceu nos dois corpora. Entre pretérito imperfeito e o mais-que-perfeito, este ocorreu menos que aquele. O pretérito perfeito sobressaiu-se com 3% do total, enquanto o pretérito mais-que-perfeito teve somente 1% do total das ocorrências.


79

Pode ser que o destaque do presente seja por causa de uma análise sincrônica dos corpora. Se a análise fosse diacrônica, talvez outro tempo verbal se sobressairia. Na tabela 2, como vemos, o modo indicativo destacou-se com 17% das ocorrências. Em seguida, sobressaiu-se o modo subjuntivo. O modo imperativo não apareceu nos corpora. Apesar de uma análise sincrônica, o modo imperativo não apareceu nos corpora. A explicação, para tal acontecimento, talvez seja o fato de termos escolhido mais textos narrativos para nossa investigação. Como sabemos, o modo indicativo aparece com muita frequência em textos de caráter narrativo. Já na tabela 3, percebemos que a maior ocorrência da categoria do fator codificação dos corpora foi a de DAR + SN com 16,5% do total das ocorrências. Depois desse resultado, sobressaiu-se DAR + SN ZERO com 5,5%. A categoria DAR + ORAÇÃO INF ocorre somente uma vez, ocupando 0,5% das ocorrências. A menor ocorrência foi a categoria DAR UMA + ___-ADA com 0%. Quanto aos tipos de dar, o dar discursivo se destacou dos outros com 16,5% do total. O dar lexical ocupou segundo lugar com 7% do total das ocorrências. Ele foi seguido de um dar que classificamos como outro. O destaque desse verbo foi de 1%. Depois desse tipo de dar, sobressaiuse o dar modal com 0,5% do total. O dar aspectual não demonstrou nenhuma porcentagem. Podemos inferir que o dar discursivo ocupou destaque nas ocorrências por fazer parte da categoria de item gramaticalizado. Como sabemos, quanto gramaticalizado for um item maior sua ocorrência. Também sabemos que, segundo Bybee (2003), a frequência é elemento motivador do processo de gramaticalização verbal. Na tabela 5, quanto às formas nominais do verbo analisadas, duas apareceram. Destas, a que teve maior destaque foi a de gerúndio com 2% das ocorrências, enquanto a forma menos destacada apresentou apenas 1,5% do total.


80

Comparação geral dos fatores entre si 1. Tempo Verbal Ocorrência Porcentagem 1.1. Presente

18

34,5%

1.2. Pret. perfeito

12

23%

1.3. P. +-q-perfeito

2

3,8%

1.4. Imperfeito

8

15,3%

1.5. Fut. Presente

2

3,8%

1.6. Fut. Pretérito

0

0%

Tabela 6: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal

Ocorrência

Porcentagem

2.1. Indicativo

37

71%

2.2. Subjuntivo

6

11,5%

2.3. Imperativo

0

0%

Tabela 7: Fator modo verbal

3. Codificação

Ocorrência

Porcentagem

3.1. DAR +ORAÇÃO INF

1

1,9%

3.2. DAR UMA + ___ ADA

0

0%

3.3. DAR + SN

38

72,9%%

3.4. DAR + SN ZERO

11

21,1%

Tabela 8: Fator codificação

4. Tipo de DAR 4.1. dar lexical

Ocorrência 14

Porcentagem 26,8%

(=transferência de posse) 4.2. dar modal (dar +

1

1,9%

0

0%

oração INF) 4.3. dar aspectual (dar uma __ada) 4.4. dar discursivo (dar a

33

63,3%

SN= expressão fixa) 4.5. Outro

2

3,8%


81

Tabela 9: Fator tipos de dar

Formas Nominais do Verbo Infinitivo Gerúndio

Ocorrência

Porcentagem

3 4

5,7% 7,6%

Tabela 10: Fator Formas Nominais do Verbo

As tabelas 6,7,8,9 e 10 são uma comparação geral dos fatores entre si. Os resultados dessas tabelas apresentaram igualdade em relação às tabelas anteriores, visto que os destaques dos fatores permanecem em sua ordem de hierarquia. Somamos as ocorrências dos fatores entre si. O resultado da soma obtido foi 192. Depois de somarmos as ocorrências, tiramos a porcentagem de cada fator e chegamos à conclusão de que não houve mudança, de modo algum, no destaque dos fatores. Modalidades escrita e oral dos dados Modalidade Escrita Ocorrência Porcentagem

1. Tempo Verbal 1.1. Presente

1

0,5%

1.2. Pret. perfeito

2

1%

1.3. P. +-q-perfeito

0

0%

1.4. Imperfeito

0

0%

1.5. Fut. Presente

0

0%

1.6. Fut. Pretérito

0

0%

Tabela 11: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal

Ocorrência

Porcentagem

2.1. Indicativo

3

1,5%

2.2. Subjuntivo

0

0%

2.3. Imperativo

0

0%

Tabela 12: Fator modo verbal

3. Codificação 3.1. DAR +ORAÇÃO INF

Ocorrência 0

Porcentagem 0%


82

3.2. DAR UMA +___ADA

0

0%

3.3. DAR + SN

5

2,5%

3.4. DAR + SN ZERO

0

0%

Tabela 13: Fator codificação

4. Tipo de DAR

Ocorrência

Porcentagem

4.1. Dar lexical

4

2%

0

0%

0

0%

1

0,5%

(=transferência de posse) 4.2. Dar modal (dar + oração INF) 4.3. Dar aspectual (dar uma __ada) 4.4. Dar discursivo (dar a SN= expressão fixa) 4.5. Outro

0

0%

Tabela 14: Fator tipos de dar

Formas Nominais do Verbo Infinitivo Gerúndio

Ocorrência

Porcentagem

2 0

1% 0%

Tabela 15: Fator Formas Nominais do Verbo

As tabelas 11,12,13,14 e 15 apresentam os resultados da modalidade escrita dos corpora. As próximas tabelas apresentarão os resultados da modalidade oral, modalidade também analisada por nós. Na tabela 11, observamos que o tempo verbal que se destaca é o pretérito perfeito. Esse resultado se distingue do resultado da tabela 1 em que o tempo que se sobressai é o presente. Em relação a este tempo, ele ocorre em segundo lugar. Outros tempos verbais não possuem ocorrência na tabela 11. Quanto ao tempo verbal em destaque, encontramos a seguinte frase: (1). “Ela foi até a mesa e me deu outra prova”.


83

Na tabela 12, o modo indicativo é destaque. Os outros modos não aparecem. Como foi dito antes acerca do modo indicativo, pode ser que esse resultado se deva ao fato de nos corpora existirem textos narrativos. Podemos exemplificar o que foi dito com a seguinte frase dos corpora: (2). “Chegando na escola, a professora começou a dar a prova para todos”. Na tabela 13, aparece, somente, a categoria DAR + SN. Esse resultado apenas demonstra a frequência de ocorrência que essa categoria possui tanto em textos orais quanto em escritos. Os resultados da análise que fizemos confirmam isso. Exemplificando, temos: (3). “eu quero que você me dê... sua opinião sobre... ou namoro... amizade... religião... né?”. Os resultados da tabela 14 mostram somente dois tipos de dar, o lexical, o mais destacado, e o discursivo. Este ocorre muito na fala. Por isso, apresentou-se com pouca frequência na modalidade escrita. Esse resultado revela que a modalidade é fator relevante para a ocorrência ou não da frequência de um item. Tal resultado contrariou a hipótese de que quanto mais gramaticalizado for um item maior sua frequência de ocorrência em relação a itens lexicais (BYBEE, 2003). Na fala, podemos dar o seguinte exemplo: (4). “Eu acho que não estão dando prioridade à escola nenhuma para os alunos.” Exemplificando o dar lexical, temos:


84

(5). “E de repente, eu fiquei por último, e a professora não tinha mais prova para me dar.”. Na tabela 15, das formas nominais verbais analisadas, somente o infinitivo apareceu. Esse resultado se diferencia do da tabela 5 em que a forma nominal verbal gerúndio se sobrepõe à forma nominal verbal infinitivo. O exemplo pode ser o que se segue: “E de repente, eu fiquei por último, e a professora não tinha mais prova para me dar.”. Modalidade Oral 1. Tempo Verbal

Ocorrência

Porcentagem

1.1. Presente

17

8,5%

1.2. Pret. perfeito

10

5%

1.3. P. +-q-perfeito

2

1%

1.4. Imperfeito

8

4%

1.5. Fut. Presente

2

1%

1.6. Fut. Pretérito

0

0%

Tabela 16: Fator tempo verbal

2. Modo Verbal

Ocorrência

Porcentagem

2.1. Indicativo

34

17%

2.2. Subjuntivo

6

3%

2.3. Imperativo

0

0%

Tabela 17: Fator modo verbal

3. Codificação

Ocorrência

Porcentagem

3.1. DAR + ORAÇÃO INF

1

0,5%

3.2. DAR UMA + ___ADA

0

0%

3.3. DAR + SN

33

16,5%

3.4. DAR + SN ZERO

11

5,5%

Tabela 18: Fator codificação

4. Tipo de DAR

Ocorrência

Porcentagem


85

4.1. Dar lexical

10

5%

1

0,5%

0

0%

32

16%

2

1%

(=transferência de posse) 4.2. Dar modal (dar + oração INF) 4.3. Dar aspectual (dar uma __ada) 4.4. Dar discursivo (dar a SN= expressão fixa) 4.5. Outro

Tabela 19: Fator tipos de dar

Formas Nominais do

Ocorrência

Porcentagem

Verbo Infinitivo

1

0,5%

Gerúndio

4

2%

Tabela 20: Fator Formas Nominais do Verbo

Os resultados da tabela 16 opõem-se aos da tabela 11. Nesta, o tempo verbal que se sobressai é o pretérito perfeito, enquanto naquela o tempo verbal em destaque é o presente. Essa diferença pode ser por causa das modalidades expressivas em análise. Analisando dados escritos e falados de um corpus, percebemos que sempre aparecem diferenças entre uma modalidade expressiva e outra. Ao analisar os corpora para este artigo, tivemos que considerar o contexto em que seus elementos apareceram, visto que o mesmo pode influenciar nos resultados. A tabela 16 também se diferencia da tabela 11 por apresentar ocorrências em outros tempos verbais. Apesar disso, as tabelas 16 e 11 se assemelham com relação aos tempos verbais presente e pretérito perfeito, já que ambos os tempos se destacam em relação aos outros. Na tabela 17, podemos observar a sobreposição do modo indicativo ao modo subjuntivo. Talvez, isso aconteceu por ser o modo indicativo preferido nas modalidades escrita e falada. O indicativo se destaca tanto


86

na análise dos corpora falados quanto na dos corpora escritos. No entanto, ao analisar as duas modalidades, observamos que o indicativo da modalidade oral se sobrepõe ao da modalidade escrita. Talvez, por serem corpora distintos, a ocorrência não tenha sido quantativamente igual. Devemos levar em conta a quantidade dos corpora escritos e falados se quisermos

analisar

bem,

visto

que

a

diferença

quantitativa

pode

influenciar o resultado dos dados. Na tabela 18, a categoria do fator codificação que se destaca é a de DAR + SN, seguida da de DAR + SN ZERO. Essa categoria tem destaque tanto na modalidade oral quanto na escrita. O seu destaque, nos corpora em análise, pode ser pelo fato de ela sempre aparecer, no estudo da gramaticalização, como forma prototípica. Sabemos que quanto mais gramaticalizado é um item maior é sua frequência. (6). “quando dou conta ele estava dando um maior show lá na frente...”. Esse exemplo apresenta a expressão “dou conta” que foi classificada como DAR + SN. Quanto a DAR + SN ZERO, sua ocorrência ocupou segundo lugar nos corpora. Pudemos observar que os elementos que vêm depois do verbo dar nessa categoria são subentendidos. Talvez, o uso excessivo de expressões com dar explique esse acontecimento. (7). “... era um namoro assim... muito... no dia que dava... dava... no dia que num dava... num dava...” Percebemos que o termo certo estava implícito nessa frase. Os resultados na tabela 19 demonstram que o dar discursivo e o dar lexical se assemelham em relação a destaque. No entanto, ao analisar esses tipos de verbo, nas duas modalidades expressivas da língua,


87

podemos perceber que o primeiro ocorre mais que o segundo em relação à modalidade oral. Isso se deve ao fato de o primeiro aparecer com maior frequência nessa modalidade. Na tabela 20, as formas nominais do verbo diferenciaram-se das da tabela 15. Enquanto nesta o infinitivo se sobressaiu, naquela, o gerúndio teve destaque maior. Ambas as tabelas não apresentaram o imperativo. “dando o maior show... não vou sair com ele não...”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Observamos que o verbo dar, em quase todas as suas categorias fatoriais ocorreu com mais frequência na modalidade oral da língua. Quanto à modalidade escrita, percebemos que o verbo dar como discursivo apareceu pouco, já que ele é mais recorrente na modalidade oral

linguística. No

entanto, notamos que, nas duas modalidades

analisadas, o modo imperativo não ocorreu de modo algum. Podemos concluir, com esses resultados, que o contexto das ocorrências foi relevante para nossa pesquisa. Concluímos também que a modalidade também é fator importante para a ocorrência da frequência de um item. A investigação das ocorrências do verbo dar possibilitou a percepção do comportamento sintático-semântico desse verbo. Pudemos observar que dar, ao ser usado muitas vezes com elemento que não pertence à classe gramatical substantivo, aparece sozinho. Outras pesquisas podem ser relevantes para o estudo do processo da gramaticalização. A investigação não se exaure aqui. Ela deve ser continuada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BYBEE, Joan. Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency. In: Joseph, Brian & Janda, Richard(eds). A handbook


88

of historical linguistics. Blackweel, 2003, p. 602-623. FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; OLIVEIRA, Mariangela Rios de; MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Lingüística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HEINE, Bernd et alii. Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: University of Chicago Press, 1991.


89

A GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR NO PRESENTE E NO PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO Leidimara Soares BATISTA15 Leila Mara Martins VIANA16

Resumo: A gramaticalização é um fenômeno que ocorre nas línguas naturais contribuindo para a variação e para a mudança lingüística. O presente trabalho tem por objetivo analisar a gramaticalização pela qual passa o verbo dar nos tempos presente e pretérito perfeito do indicativo. Para fundamentar nossa pesquisa utilizamos autores que caracterizaram e analisaram o processo de gramaticalização como: Mario Eduardo Martellota, Luis Carlos Travaglia; Giselle Aparecida Toledo Esteves. Ao analisarmos nosso corpus observamos que o verbo dar na maioria dos contextos, de fala, perdeu sua função inicial de designador do processo de transferência de posse para a função de verbo auxiliar, complementando o sentido funcional da sentença à qual está inserido. Este processo, entretanto, ocorreu de maneira mais frequente no pretérito perfeito. Palavras-chave: Gramaticalização, Dar, Presente, Pretérito Perfeito. Abstract: The grammaticalization is a phenomenon that occurs in natural languages contributing to the variation and linguistic change. This study aims to analyze the grammaticalization of the verb to give in the present and past perfect tenses.To support our research we used authors who characterize and analyze the process of grammaticalization as: Mario Eduardo Martellota, Luis Carlos Travaglia, and Giselle Aparecida Toledo Esteves. In analyzing our corpus to observe that the verb to give, in most of the speech contexts, lost its initial function of designator of the transferring process to the function of the auxiliary verb, complementing the functional sense of the sentence to which it belongs. This process, however, occurred more frequently in the past tense. Keywords: Grammaticalization, To give, Present, Past Perfect.

Introdução Saussure, em seu Curso de Linguística Geral (1916), afirma que a língua é uma instituição social, ou seja, uma convenção adotada pelo corpo social. Ao aceitarmos essa afirmação como um fato, podemos tecer algumas considerações sobre a língua baseando-nos nas outras estruturas 15

Graduanda

em

Letras-Espanhol

da

Universidade

Federal

do

Ceará.

Pacajus-Ce.

da

Universidade

Federal do Ceará. Fortaleza-Ce.

leidimarabatista@gmail.com 16

Graduanda em Letras-Português

mara_aliel@yahoo.com.br


90

sociais. As mais importantes delas seriam: as variações que as línguas teriam, de sociedade para sociedade, e as mudanças que elas sofreriam com a passagem do tempo, já que como organismos vivos as sociedades tendem a evoluir levando essa evolução para todos os níveis de sua organização. O fenômeno de gramaticalização é, portanto, um dos processos que manifestam esse aspecto não-estático da língua e, por conseguinte, da gramática, entendida como o conjunto de regularidades encontradas nas línguas naturais, decorrentes de seu uso. Esse processo ocorre de duas maneiras: a primeira denominada stricto sensu, responsável pelas mudanças discursivas do léxico para a gramática e a latu sensu, que explica as mudanças que ocorrem dentro da própria gramática (FURTADO DA CUNHA; OLIVEIRA; MARTELLOTA, 2003). (1) Maria andou até sua casa. (2) Maria anda muito triste ultimamente. Ao analisarmos as sentenças acima observamos que na primeira oração, o verbo andar está em sua forma plena, designando o deslocamento espacial de alguém, Maria, para algum lugar, sua casa. Já na segunda oração, o deslocamento apresentado pelo verbo refere-se ao estado do sujeito. Esta acumulação de funções, deslocamento espacial e de estado, ocorre primeiramente no discurso e devido a sua regularidade e frequência se converte em norma e adentra a gramática. Neste trabalho focaremos nossas pesquisas na gramaticalização do verbo dar nos tempos presente e pretérito perfeito do indicativo, já que este verbo, dependendo do contexto de fala, muda de verbo predicador pleno, cuja função é designar transferência de posse, para verbo suporte destituído de autonomia, já que a força semântica está no componente não verbal.


91

Utilizaremos em nossa investigação amostras orais do Português, do século vinte, das cidades de Recife e São Paulo retiradas do Corpus do Português online. Fundamentação Teórica O estudo do fenômeno da gramaticalização não é algo novo dentro dos estudos funcionalistas. Ao longo do tempo, diversos teóricos empreenderam estudos acerca deste processo de variação e mudança linguística. Nosso trabalho fundamenta-se nos estudos de alguns desses teóricos. De acordo com Heine et al. (1991) apud Esteves (2008), o fenômeno da gramaticalização pode ser compreendido como um processo de transferência de itens lexicais à categoria de elementos gramaticais ou como um fenômeno de mudança de itens menos gramaticais a itens mais gramaticais. Através desse processo, itens lexicais e construções sintáticas passam a assumir funções referentes à organização interna do discurso ou a

estratégias

comunicativas.

Assim,

identificamos

o

fenômeno

da

mudança associado ao contexto comunicativo. Ao centrarmos nossa pesquisa na gramaticalização do verbo dar, um novo campo teórico se abre, uma vez que, outros pesquisadores trataram desse tema especificamente. Travaglia (2003) apesar de não ter se fixado no verbo em questão trouxe grandes contribuições com seus estudos sobre as mudanças sofridas pelos verbos. Para ele os verbos gramaticais são resultado de um processo de mudança lingüística, mais amplo, chamado gramaticalização. O referido autor, voltando atenção para a gramaticalização dos verbos, chama de verbos gramaticais aqueles cuja função primeira não é expressar situações (ações, fatos, fenômenos, estados, eventos, etc) e sim marcar categorias verbais, exercendo funções ou papéis discursivotextuais determinados, indicando noções bastante gerais e abstratas tais como resultatividade, cessamento, repetição, atribuição, etc.


92

Outra contribuição muito importante sobre o tema de nossa pesquisa foi a de Esteves (2008), que estudou a gramaticalização do verbo dar em seus artigos. Em um deles expôs quatro categorias do verbo em questão: verbo predicador pleno, verbo predicador não-pleno, verbo predicador a verbo-suporte e verbo suporte. Sendo a categoria “verbo predicador pleno” a mais lexical e “verbo suporte” a mais gramatical. Nos contextos comunicativos, os verbos tanto podem manter seu papel pleno ao expressar situações quanto, abandonando esse papel, expressar

novas

funções,

passando,

portanto,

pelo

processo

de

gramaticalização. Gramaticalização do verbo dar: Verbo pleno a verbo suporte O verbo dar originalmente em língua portuguesa é autônomo, ou seja, independe de outros para apresentar um sentido completo. Também apresenta por função a de marcador de transferência de posse. Essas características podem ser percebidas facilmente no exemplo abaixo: (3) uma roupa é - né? - ou que está faltando um pão e você dá um um pão a ela? - é uma alegria bacana - a gente se (224 19Or:Br:LF:Recf). Entretanto, na sentença abaixo observamos uma mudança na função exercida pelo verbo: (4) que chama -se - em português chama-se boldo parece é uma planta que dá uma seiva açucarada - da qual se faz uma rapadura que aliás é deliciosa e (493 19Or:Br:LF:SP). Neste caso o verbo dar perde sua noção de transferência tornando-se apenas um suporte do elemento não-verbal que ele acompanha. O “verbo-suporte” [...]. Partilha com o elemento não-verbal a função de atribuir papel temático ao(s) argumentos do predicado complexo, porém a força léxico-semântica do predicado complexo resultante dessa operação está no componente não-verbal. (ESTEVES, 2008. p. 11).


93

Metodologia No intuito de verificar os valores e o grau de gramaticalização do verbo dar, analisamos o corpus do Português online e selecionamos ocorrências de fala de Recife e de São Paulo, totalizando 100 ocorrências. Tais ocorrências apresentam o verbo dar conjugado no Pretérito Perfeito e no Presente do Indicativo. Na categorização dos dados, consideramos as seguintes variáveis: tempo verbal; codificação do verbo dar e tipo de dar. A categoria modo verbal foi desconsiderada, pois ambos os tempos utilizados em nossa análise são do modo indicativo. Examinamos nossas amostras separadamente: primeiro o pretérito perfeito e depois o presente. Em seguida, criamos tabelas para mostrar nossos

resultados

nas

categorias

codificação

e

tipo

de

dar.

Posteriormente, relacionamos essas categorias entre si, para então cruzarmos os resultados dos dois tempos pesquisados. Análise dos dados Verbo dar no Pretérito Perfeito Ao analisarmos as ocorrências, nas quais o verbo dar aparece no pretérito perfeito do indicativo, nas variáveis codificação e tipo de dar, conseguimos os seguintes resultados: Análise da codificação 1. A estrutura DAR+SN foi predominante visto que apareceu em quarenta e duas das cinqüenta ocorrências analisadas; 2. A estrutura Dar + Uma + ____ -ADA apresentou uma única ocorrência no corpus selecionado; 3. 14% das orações apresentaram a codificação de Dar + Oração Infinitiva. Tabela 01: Codificação dos dados PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO


94

Dar + SN Dar + UMA + __ADA

84% 42/50 2% 1/50

Dar + Oração Infinitiva

14% 7/50

Observamos que tais estruturas influenciam na classificação do tipo de dar e que a estrutura predominante (DAR+SN) relaciona-se com o verbo dar quando este atua como verbo suporte e como verbo pleno. Exemplos (5) de cabeça muito intelectual - sabe? - com doze anos meu pai me deu a coleção de Jorge Amado - sabe? esse lance de inglês meu pai queria (146 19Or:Br:LF:Recf) (6) do mundo - certo? mas esse por exemplo Todas as mulheres do mundo já deu origem a uma série de filmes aí - infelizmente não puderam acompanhar o mesmo padrão (188 19Or:Br:LF:SP) Nos exemplos, a estrutura DAR+SN é identificada por “deu a coleção de Jorge Amado” e “deu origem”. Na ocorrência 5 o verbo dar mantém o significado de transferência de posse diferentemente da ocorrência 6, na qual observamos um afastamento desse significado pleno, resultando na estrutura DAR+SN com verbo suporte. Análise dos Tipos do verbo Dar no Pretérito Perfeito do Indicativo Ao analisarmos os Tipos de Dar no corpus utilizado para a pesquisa, encontramos os seguintes resultados: 1. Das cinquenta amostras analisadas 58% são categorizadas como dar discursivo; 2. O dar modal sobrepõe-se ao dar lexical aparecendo em 12% das 50 amostras; 3. O dar aspectual foi

encontrado em apenas uma ocorrência,

representando 2% do total:


95

(7) pode ser criticado por todo mundo - uma criança que deu uma risada é que ela gostou da peça você se sente feliz acabou – (195 19Or:Br:LF:SP) 4. A porcentagem de 20% da categoria outro se refere as dez ocorrências que não foram enquadradas nas variáveis determinadas anteriormente. Tabela 02: Tipo de Dar PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO Dar Lexical 8% 4/50 Dar Modal 12% 6/50 Dar 2% Aspectual 1/50 Dar 58% Discursivo 29/50 Outro 20% 10/50

Relações entre a Codificação e os Tipos de Dar no Pretérito Perfeito do Indicativo Tabela 3: Relação entre a estrutura Dar+ SN e Tipos de Dar Dar + SN Dar Lexical

4/42

Dar Modal

0/42

Dar Aspectual

0/42

Dar Discursivo

28/42

Outro

10/42

A partir dessa relação, observamos que a estrutura DAR+SN favorece, principalmente, a existência do dar lexical e do dar discursivo. Tabela 4: Relação entre a estrutura Dar+ Or. Infinitiva e Tipos de Dar Dar + Or. Infinitiva Dar Lexical

0/7

Dar Modal

6/7

Dar Aspectual

0/7


96

Dar Discursivo

1/7

Outro

0/7

Compreendemos que, nas situações comunicativas de fala do pretérito perfeito, o verbo dar afasta-se do seu significado pleno, pois não transmite a idéia de transferência de posse. Assim podemos observar no seguinte exemplo: Ex. – (8) dar saída que ele vai lá em cima mesmo - e o rapaz simplesmente deu primeira no carro e foi embora - né? e fomos todos lá dentro – (156 19Or:Br:LF:Recf). É importante ressaltar que o dar discursivo pode ser substituído por outra palavra. No caso do exemplo acima, poderíamos substituir deu por “engatou”, o que nos mostra a ausência do significado pleno de transferência de posse. Verbo dar no Presente do Indicativo Ao analisarmos as amostras das construções oracionais em que o verbo dar aparece no presente do indicativo nas categorias de codificação e tipo de dar, obtivemos os seguintes resultados: Análise da codificação do verbo dar no presente do indicativo 1. Das cinquenta orações examinadas no presente do indicativo a maior frequência, trinta e quatro delas, apresentaram a estrutura Dar+SN. (9)” - um dá uma conotação mais ativa e outra mais passiva à participação - um fica muito mais”.(202 19Or:Br:LF:Recf) 2. A estrutura Dar + Uma + ____ -ADA não apresentou nenhuma ocorrência no corpus selecionado;


97

3. 32% das orações apresentaram uma estruturação de Dar + Oração Infinitiva. (10) “? - rosbife - presunto - embora eu goste muito de mortadela - agora não dá mais pra comer muito nâo porque - fica é muito pesada né? – mortadela.” ( 591 19Or:Br:LF:SP) Tabela 5: Codificação do verbo Dar PRESENTE DO INDICATIVO 68% Dar + SN 34/50 Dar + UMA + ____ADA Dar + Oração Infinitiva

0% 0/50 32% 16/50

Podemos inferir desses resultados que nos contextos comunicativos os falantes dão prioridade à utilização da estrutura: Dar + SN. Sendo que, nesta forma o verbo dar apresenta como função a de verbo suporte, já que toda a carga semântica está concentrada no elemento posterior a ele. (11)- que alguém já colocou em automóvel várias pessoas já colocaram - e: dizem dá um bom rendimento - inclusive com economia até superior a do álcool - é verdade(209 19Or:Br:LF:Recf) Na oração acima o verbo dar destituído de sua noção de transferência perde também sua autonomia, pois toda a força léxicosemântica está no elemento não-verbal: “bom rendimento”. Análise dos Tipos do verbo Dar no presente do Indicativo Ao analisarmos os Tipos de Dar presente no corpus utilizado para a pesquisa encontramos os seguintes resultados: 1. Das cinquenta amostras analisadas 48% são categorizadas como dar discursivo; 2. O

dar

modal

foi

encontrado

em

apenas

16

ocorrências,

contabilizando 32% do total; 3. O dar lexical apareceu em 8 das 50 amostras; 4. O dar aspectual não foi categorizado em nenhuma das sentenças;


98

Tabela 6: Tipo de Dar PRESENTE DO INDICATIVO Dar Lexical 16% 8/50 Dar Modal 32% 16/50 Dar 0% Aspectual 0/50 Dar 48% Discursivo 24/50 Outro 4% 2/50

Nossos resultados demonstram uma preferência do falante na utilização em seus contextos comunicativos da tipologia dar discursivo. Essa frequência pode ser explicada pela ampliação semântica do referido verbo, que essa categoria proporciona. Observação: Das amostras investigadas duas no presente e dez no pretérito perfeito não puderam ser enquadradas nas categorias estudadas, já que o verbo dar mantém nestas ocorrências sua noção de transferência, porém relacionada com elementos abstratos que não estão de fato na posse do falante. Vale ressaltar que todas estas ocorrências deram-se na estrutura Dar+SN.

(12) porque mae trabalhando pai trabalhando os filhos ficam entregue - a empregadas - é não dá aquele amor né? - exato então as crianças a e a futura juventude futuros(214 19Or:Br:LF:Recf). (13) ninguém - liga não - vai uma senhora com uma criança uma senhora grávida ninguém dá mais o lugar não - cada um que se cuide é um por si (219 19Or:B r:LF:Recf). (14) mas - para mim o - que eu faço atingiu lógico está - me deu visão ampla eu - hoje eu - leio um jornal eu sei o que eu (185 19Or:Br:LF:SP).


99

(15) enorme - só que a gente não estudou - mas é um dom que Deus deu - porque eu mesma - não seria capaz de passar bem uma roupa – só (154 19Or:Br:LF:Recf). Relações entre a Codificação e os Tipos de Dar no Presente do Indicativo Ao relacionarmos a estrutura Dar+SN com os tipos de dar observamos uma predominância da categoria dar discursivo sobre as demais. Já que, vinte e quatro amostras das trinta e quatro desta estrutura

apresentaram

esse

tipo

de

verbo

restando

apenas

dez

ocorrências para as demais categorias, como nos mostra a tabela abaixo: Tabela 7: Relação entre a estrutura Dar+ SN e Tipos de Dar Dar + SN Dar Lexical

8/34

Dar Modal

0/34

Dar Aspectual

0/34

Dar Discursivo

24/34

Outro

2/34

Se nos detivermos na análise da estrutura Dar + Oração Infinitiva obteremos um resultado completamente diferente. Esta estrutura não apresenta variação nos tipos de dar presente nas sentenças, já que, ao contrário da estrutura anterior essa codificação apresentou um único tipo de dar nas 16 amostras analisadas: dar modal. Tabela 8: Relação entre a estrutura Dar+ Oração Infinitiva e Tipos de Dar Dar + Or. Infinitiva Dar Lexical

0/16

Dar Modal

16/16

Dar Aspectual

0/16

Dar Discursivo

0/16

Outro

0/16


100

Podemos concluir então que a estrutura Dar+SN favorece o aparecimento do dar discursivo, enquanto que a estrutura Dar+Or. Infinitiva condiciona a presença da variação dar modal. Relação entre o Presente e o Pretérito Perfeito do Indicativo Ao compararmos os dados obtidos com as análises dos tempos estudados constatamos os seguintes resultados: 1. Com relação à codificação a estrutura Dar+SN predomina nas ocorrências dos dois tempos verbais. Sendo que a presença no pretérito perfeito é superior a do presente como podemos observar nas tabelas 1 e 5. 2. No que se refere ao tipo de dar encontramos as cinco categorias no pretérito perfeito destacando-se a categoria dar discursivo, 58% (tabela 2). Tal destaque ocorre também no presente do indicativo, 48% (tabela 6), porém nas ocorrências deste tempo a categoria dar aspectual não foi encontrada. 3. Ao fazermos o cruzamento das variáveis “codificação e tipo de dar”, constatamos que: a. A estrutura Dar+Sn encontra-se mais relacionada ao dar discursivo tanto no presente quanto pretérito perfeito do indicativo, tabelas 3 e 7. b. A estrutura Dar+Oração Infinitiva está associada ao dar modal sendo predominante tal relação nos dois tempos verbais uma vez que há apenas uma ocorrência, no pretérito perfeito, com tal estrutura relacionada ao dar discursivo. Considerações Finais O presente estudo nos possibilitou reafirmar e comprovar as características do fenômeno da gramaticalização, principalmente, no que se refere ao fato de tal fenômeno manifestar o caráter não-estático da língua.


101

Observamos que o tipo de “dar lexical” está relacionado com o conceito de verbo predicador pleno, visto que as ocorrências com o dar lexical refletiam o significado de transferência posse. Seguindo essa relação, constatamos que há um afastamento desse significado pleno, quando identificamos, inicialmente, sentenças que apresentavam o verbo dar com um significado de transferência de posse de elementos abstratos. Esse distanciamento foi totalmente constatado nas ocorrências que apresentam o “dar discursivo”, uma vez que havia possibilidades de substituição do verbo dar por outra expressão. Relacionamos o dar discursivo, associado à estrutura DAR+SN, com o conceito de verbo-suporte, pois nas sentenças com tal tipo de dar verificamos a perda de autonomia desse verbo e uma concentração de força léxico-semântica no elemento não-verbal. É importante ressaltar que tais observações ocorrem nos contextos de fala do Presente e do pretérito Perfeito do Indicativo. Podemos então reafirmar

uma

das

características

do

processo

do

processo

de

gramaticalização: um processo de mudança que ocorre do discurso para a gramática. Convergimos assim com pesquisadores do assunto, citados no presente trabalho, que também mostram a perda da autonomia do verbo dar e reafirmam os aspectos da gramaticalização. Por isso, nossa pesquisa contribui para dar continuidade ao estudo da gramaticalização do verbo dar. Reconhecemos que diante da análise de um corpus recortado, o presente estudo, posteriormente, pode ser ampliado para aumentar as contribuições ao assunto pesquisado. REFERÊNCIAS COSTA, Marcos Antonio; CEZARIO, Maria Maura. Pressupostos teóricos fundamentais. In: FURTADO DA CUNHA, M.A., OLIVEIRA, M.R., MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P89-121.


102

ESTEVES. Giselle Aparecida Toledo. A Gramaticalização de dar: de verbo predicador a verbo suporte. In: Cadernos do CNLF, vol. XI, n° 12. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2008. MARTELOTTA, M.E. A mudança lingüística. In: FURTADO DA CUNHA, M.A.,OLIVEIRA, M.R. MARTELOTTA, M.E. Linguística Funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. P57-71. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. 279 p. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Gramaticalização de verbos. In: HENRIQUES, Claudio Cezar. (Org). Linguagem, conhecimento e aplicação: estudos de língua e linguística. 1ª ed. Rio de Janeiro: Europa, 2003. P.306-321


103

ANÁLISE SINCRÔNICA DA GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO DAR Janne Maria Carvalho MESQUITA17 Sayonara Bessa CIDRACK18 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de gramaticalização do verbo dar do Português falado no Brasil, de forma a verificar se a ocorrência do uso do verbo aqui em destaque se dá de maneira lexical, modal, aspectual ou discursiva. A metodologia nele desenvolvida utiliza como base os autores: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003). Os resultados sinalizam para o fato de que a maior frequência do uso do verbo dar ocorre de modo discursivo. Concluímos, portanto, que o verbo aqui destacado perde a sua carga semântica principal e assume outros sentidos, passando a funcionar como verbo suporte para a expressão posterior. Palavras-chave: análise sincrônica, gramaticalização, verbo dar. Abstract: The following aims to analyze the grammaticalization process of the verb to give as it spoken in Brazil, verifying if the occurrence of its use takes so prominent lexical, modal, aspectual or discourse. The methodology developed uses the following authors as basis: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003). The results points to the fact that verb to give uses more frequently the discourse form. We conclude that the verb to give loses its meaning semantic and admits others meanings, acting like a support verb. Keywords: synchronic analysis, grammaticalization, to give.

Introdução O estudo funcionalista trata a língua como instrumento de interação social, na qual a língua é fluida e flexível, ou seja, ela passa por transformações ao decorrer do tempo, pois possui um caráter dinâmico, heterogêneo e variável. Um

dos

fenômenos

estudados

no

Funcionalismo

é

a

gramaticalização dos verbos, processo que se dá quando um verbo perde sua função primeira e passa a ser usado de forma fixa, ou seja, mais gramatical. Tal fenômeno é discutido no presente trabalho que tem por objetivo analisar o processo de gramaticalização do verbo dar no Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. janne@alu.ufc.br. 18 Graduanda do Curso de Letras com Habilitação em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. sayonaracidrack@alu.ufc.br. 17


104

Português falado nas capitais Recife e São Paulo, a partir de um estudo sincrônico, verificado no século XX. O verbo dar é frequentemente utilizado no Português falado brasileiro com o significado de ceder, entregar ou oferecer algo a alguém. No entanto, em outras ocasiões, ele perde o seu significado pleno e passa a assumir outras funções menos lexicais e cada vez mais gramaticais. As hipóteses sinalizam para o fato de que as maiores ocorrências dos tipos do verbo dar manifestam-se de maneira lexical (transferência de posse), modal (dar + oração infinitiva), aspectual (dar uma ___ada) e discursiva (dar + sintagma nominal = expressão fixa). Fundamentação Teórica Em

contextos

de

interação

social

é

possível

verificar

a

polifuncionalidade do verbo dar no português falado e o surgimento de novas categorias funcionais. Partindo do pressuposto de que o objetivo essencial da língua é permitir relações comunicativas entre os falantes, devemos explorar seu uso no plano discursivo (ESTEVES, 2008). O verbo dar possui diferentes características, pois quanto mais assume a forma gramaticalizada, maior será a frequência de ocorrência, sendo que esta deve acontecer regularmente no sistema da língua portuguesa (ESTEVES, 2008). Ferreira (2007) cita em sua tese intitulada “Gramaticalização e auxiliaridade: um estudo pancônico do verbo chegar” que Meillet (1912) considera a expressividade e o uso como fatores responsáveis pela mudança linguística;; destacando que o Autor define “o termo ‘gramaticalização’, como a ‘atribuição de característica gramatical a uma palavra anteriormente autônoma’”. (MEILLET, 1912 apud FERREIRA, 2007, p. 46) No âmbito funcional “a gramaticalização e a discursivização são fenômenos associados aos processos de regularização do uso da língua. Ou seja, relacionam-se à variação e à mudança lingüísticas” (FURTADO DA CUNHA; COSTA; CEZARIO, 2003, p. 49-50).


105

O

processo

de

gramaticalização

segue

o

princípio

de

unidirecionalidade, pois se direciona em um único sentido, não voltando a sua ação inicial, ou seja, “segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais” (FURTADO DA CUNHA, 2008, p. 173). Outro princípio significativo para o estudo de gramaticalização é a descategorização, Ferreira (2007) baseada em Hopper (1991) afirma que este princípio refere-se à diminuição ou perda do estado categorial dos itens gramaticalizados. Por exemplo, um verbo, quando lexical, tem propriedades sintáticas e semânticas, como o número de argumentos implicados, a categoria morfossintática e a função semântica desses argumentos, além das restrições de seleção para sua realização lexical. Quando se gramaticalizam, os verbos assumem atributos das categorias secundárias e perdem a propriedade de, por exemplo, selecionar argumentos com os quais vão se combinar. (HOPPER, 1991 apud FERREIRA, 2007, p. 59)

Portanto, utilizaremos os conceitos aqui abordados como base para a investigação das ocorrências mais frequentes em nossa análise. Metodologia A presente pesquisa é classificada como exploratória, cujo objetivo de análise consiste na identificação da gramaticalização do verbo dar no presente e no pretérito perfeito do modo indicativo do Português falado em Recife e em São Paulo, durante o século XX. Foram

analisadas

cem

ocorrências, retiradas

do

Corpus

do

Português Online, dos usos do verbo em questão, divididos da seguinte forma: vinte e cinco no presente e vinte e cinco no pretérito perfeito, ambos do modo indicativo em Recife, e as mesmas quantidades, nos mesmos tempos e modo verbal em São Paulo. Utilizamos como base para a nossa pesquisa os autores: Esteves (2008), Ferreira (2007), Furtado da Cunha (2008), Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003).


106

O exame dos dados observados no decorrer de nossa análise será apontado na próxima seção, de modo a analisar as ocorrências do verbo dar. Análise do Corpus Para cumprir com o nosso objetivo, no que diz respeito à metodologia,

utilizamos

uma

pesquisa

exploratória

e

avaliamos

a

gramaticalização do verbo dar no português falado no Brasil, destacando as maiores ocorrências desse verbo, mostrando de que maneira (lexical, modal, aspectual e discursiva) ele mais se manifesta. A tabela abaixo exemplifica o modo selecionado para a divisão das ocorrências analisadas, a fim de obter os resultados previstos na nossa introdução. Tabela 1: Divisão das ocorrências Tempo Verbal

Modo

Local

Verbal Presente

Pretérito

Indicativo

Indicativo

Ocorrências Analisadas

Recife

25

São Paulo

25

Recife

25

São Paulo

25

Perfeito

Total: 100

Podemos afirmar que o verbo dar é lexical quando apresenta sentido pleno, transmitindo a ideia de transferência de posse. Possui carga semântica equivalente a ceder, entregar ou oferecer algo a alguém, como aponta os exemplos abaixo: Exemplo 1: Assina por exemplo um cheque - e retira o dinheiro você mesmo - ou dá a uma pessoa que vai ao banco e retira diretamente.


107

Exemplo 2: Com doze anos meu pai me deu a coleção de Jorge Amado. O verbo dar modal expressa a atitude e a intenção do falante em relação ao que fala, manifestando uma possibilidade ou um desejo. Veja os exemplos a seguir: Exemplo 3: Você conhece assim algum museu no exterior que tenha lhe chamado atenção? – conheço - - dá para descrever (aqui) para a gente? Exemplo 4: Áh não tem problema deu vontade de perguntar se deu tempo. O referido verbo é aspectual quando traz na sua base o sentido de duração, movimento ou pontualidade do evento, podendo transmitir uma noção parcial. Exemplo 5: Uma criança que deu uma risada é que ela gostou da peça. Além da hipótese estimada para a codificação (dar uma + ___ada) obtivemos dados não esperados para o dar aspectual, pois encontramos expressões que se enquadram no conceito, mas não possuem o mesmo sufixo. Observemos os exemplos abaixo: Exemplo 6: Bom a gente prepara essa as carnes – em panela separada – então você dá uma – uma fervura nelas – pra tirar um pouco da gordura. Exemplo 7: Não sei se vocês já repararam que num caso desses o funcionário do banco dá uma carimbadinha assim com duas linhas em diagonal – ele cruza o cheque.


108

O verbo dar é discursivo quando este perde o seu sentido pleno assumindo uma significação diferenciada dentro do discurso, pois sua carga semântica irá ganhar outras conotações. Veja os casos: Exemplo 8: Agora eu nunca levei – pra casa boa-noite que dá muito aquela – roxa e branca – tem roxa e branca. Exemplo 9: Minha mãe me deu com o machucador e o machucador deu em mim. 1. Categorização dos dados em Recife As tabelas abaixo demonstram as quantidades e o percentual da codificação e dos tipos de dar observados durante o estudo dos usos desse verbo na cidade de Recife, a partir do Corpus do Português Online. 1.1. Presente do Indicativo CODIFICAÇÃO Dar + Oração Infinitiva Dar + UMA + ____ADA Dar + SN Outro

TIPO DE DAR 1/25 4% 0/25 0% 22/25 88% 2/25 8%

Tabela 2: O uso do dá em Recife

Lexical

1/25

Modal

1/25

Aspectual

0/25

Discursivo

21/25

Outro

2/25

Tabela 3: Os tipos de dar no presente, em Recife

Conforme os dados que as tabelas (2) e (3) apresentam, notamos que a frequência maior do uso do verbo dar no presente do indicativo ocorre na codificação DAR + SN, equivalendo a 88% das ocorrências, e o tipo de dar é discursivo. 1.2. Pretérito Perfeito do Indicativo


109

CODIFICAÇÃO

TIPO DE DAR

Dar + Oração Infinitiva Dar + UMA + __ADA

3/25 12% 0/25 0%

Dar + SN

20/25 80% 2/25 8%

Outro

Tabela 4: O uso do deu em Recife

Lexical

6/25

Modal

3/25

Aspectual

0/25

Discursivo

14/25

Outro

2/25

Tabela 5: Os tipos de dar no pretérito, em Recife

Os resultados das tabelas (4) e (5) mostram que o uso do verbo dar no pretérito perfeito do indicativo acontece com mais veemência na codificação DAR + SN, equivalendo a 80% das ocorrências, e o tipo de dar é discursivo. A partir do exposto acima, observamos que no presente e no pretérito perfeito do modo indicativo não foi possível categorizar 8%, de cada tempo, em nenhuma codificação e em nenhum tipo de dar. 2. Categorização dos dados em São Paulo As tabelas a seguir expõem quantitativamente e percentualmente o modo como o verbo dar apresenta sua codificação e os seus tipos, a partir da observação realizada durante o estudo dos usos desse verbo na cidade de São Paulo. 2.1. Presente do Indicativo TIPO DE DAR

CODIFICAÇÃO Dar + Oração Infinitiva Dar + UMA + ____-ADA Dar + SN Outro

6/25 24% 0/25 0% 18/25 72% 1/25 4%

Tabela 6: O uso do dá em São Paulo

Lexical

5/25

Modal

6/25

Aspectual

3/25

Discursivo

10/25

Outro

1/25

Tabela 7: Os tipos de dar no presente, em São Paulo


110

Os dados apresentados nas tabelas (6) e (7) denotam uma maior intensidade do uso do verbo dar no presente do indicativo na codificação DAR + SN, correspondendo a 72% das ocorrências, e aponta para o tipo de dar discursivo. 2.2. Pretérito Perfeito do Indicativo CODIFICAÇÃO

Tipo de dar

Dar + Oração Infinitiva Dar + UMA + __ADA

0/25 0% 3/25 12%

Dar + SN

18/25 72% 4/25 16%

Outro

Tabela 8: O uso do deu em São Paulo

Lexical

2/25

Modal

0/25

Aspectual

3/25

Discursivo

15/25

Outro

4/25

Tabela 9: Os tipos de dar no pretérito, em São Paulo

O levantamento dos dados das tabelas (8) e (9) indicam que o uso do verbo dar no pretérito perfeito do indicativo é mais frequente na codificação DAR + SN, apresentando 72% das ocorrências, e o tipo de dar sendo discursivo. Em nossa análise não foi possível encaixarmos o aparecimento de 4% das ocorrências do presente e de 16% do pretérito perfeito do modo indicativo nas categorias já expostas e nem indicarmos uma nova categorização. 3. Relação total entre as codificações e os tipos de dar nas duas capitais Dar + Or. Infinitiva

Dar + UMA + ____ADA

Lexical

0/10

Lexical

0/3

Modal

10/10

Modal

0/3

Aspectual

0/10

Aspectual

3/3

Discursivo

0/10

Discursivo

0/3

Tabela 10: Dar + or. Infinitiva e os tipos de dar Tabela 11: Dar + uma + ___ada e os tipos de dar


111

Dar + SN Lexical

14/78

Modal

0/78

Aspectual

3/78

Discursivo

61/78

Tabela 12: Dar + SN e os tipos de dar A relação total das ocorrências, como mostram as tabelas (10), (11) e (12), aponta para o fato de que foi possível o cruzamento de noventa e uma delas a partir da categorização exposta, não sendo suficiente para categorizar nove. É perceptível que a relação da codificação DAR + SN ligada ao tipo de dar discursivo é a mais freqüente, comprovando, portanto, que a gramaticalização do verbo em questão vai ocorrer quase igualitariamente nas duas capitais, mostrando que o processo é contínuo e que o verbo dar está perdendo o sentido pleno, assumindo expressões fixas. A partir da análise de um corpus do português falado no Brasil, verificamos que a modalidade fala influenciou o resultado, pois este evidencia que o dar discursivo é o mais usual. Considerações Finais O artigo que aqui se conclui apresentou e explicou o processo de gramaticalização do verbo dar com as codificações e os tipos mais recorrentes, mas sem esgotar as possíveis análises desse fenômeno. Percebemos, então, que no decorrer da análise, a maior frequência dos usos do verbo aqui destacado perde a sua carga semântica principal e assume outros sentidos, passando a funcionar como verbo suporte para a expressão que vier a seguir. O estudo minucioso das ocorrências, retiradas do Corpus do Português Online, foi de grande relevância para a compreensão das várias formas dos usos do verbo dar na modalidade fala. Portanto, chegamos ao


112

nosso objetivo, mas deixamos em aberto a análise desses e outros aspectos. REFERÊNCIAS ESTEVES, Giselle Aparecida Toledo. A Gramaticalização de Dar: de Verbo-predicador a Verbo-suporte. In: Cadernos do CNLF, vol. XI, n° 12. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2008. FERREIRA, Ediene Pena. Gramaticalização e auxiliaridade: um estudo pancônico do verbo chegar. 2007. 270 f.: Tese (doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Departamento de Linguística, Fortaleza-CE, 2007. FURTADO DA CUNHA, M. A. F. da. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, M. E. Manual de Linguística. São Paulo: Contexto, 2008. FURTADO DA CUNHA, M. A. F. da, COSTA, M. A., CEZARIO, M. M. Pressupostos Teóricos Fundamentais. In: CUNHA, M. A. F. da, OLIVEIRA, M. R., MARTELOTTA, M. E. Linguística Funcional: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.


113

SEÇÃO 6

A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO


114

A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO Naéliton Souza Freitas19 Vitória Régia Santos Ferreira20 Resumo: A manifestação da avaliação em textos opinativos é algo constante, uma vez que o produtor do texto, por meio desse recurso, pode posicionar-se de maneira negativa ou positiva em relação ao que deseja transmitir ao leitor. Isso acontece devido ao caráter argumentativo dos gêneros, nos quais os textos que expressam opinião estão inseridos. Considerando esse recurso utilizado pelos produtores de textos opinativos, objetiva-se por meio deste trabalho, estudar e avaliar as manifestações da avaliação em textos de natureza opinativa, observando e registrando os recursos avaliativos utilizados com maior freqüência. Para isso, foram coletadas frases de um editorial do Jornal Diário do Nordeste e uma coluna da revista Época, os quais compõem o corpus desta pesquisa. As ocorrências foram recolhidas do referido corpus e organizadas em uma tabela contendo os seguintes fatores: tipo de julgamento, recurso do julgamento e a codificação do julgamento. Os dados, após serem coletados, foram analisados com base nos fatores mencionados. Centramos nossa fundamentação teórica no artigo de White (2004) intitulado Valoração - A linguagem da Avaliação e da perspectiva. Depois de avaliados, os dados foram relacionados entre si e tiveram suas freqüências devidamente calculadas. Dessa forma, pôde-se constatar quais recursos de avaliação foram mais utilizados nos textos analisados, coluna e editorial. Palavras-chave: Valoração, avaliação, textos opinativos.

Introdução Pretende-se,

mediante

este

trabalho,

estudar

e

analisar

a

manifestação da avaliação em textos de caráter opinativo, com a finalidade de verificar os recursos utilizados com maior frequência pelos produtores desses tipos de textos. Os elementos que compõem o corpus desta pesquisa são do gênero jornalístico, a saber, uma coluna da revista Época e um editorial do jornal Diário do Nordeste.

Os referidos textos

foram escolhidos devido à presença constante da avaliação em seus conteúdos e serão estudados com base na teoria da Valoração, a fim de verificar as ocorrências da avaliação na superfície textual.

19 Graduando do Curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. naelitonwiner@hotmail.com. 20 Graduanda do Curso de Letras pela Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. victoria_sf@hotmail.com.


115

A teoria da Valoração, segundo White (2004), é uma abordagem utilizada para analisar a avaliação em textos escritos, que surgiu a partir da Linguística sistêmica funcional. Tendo essa teoria como base teórica, avaliaremos algumas frases que indicam uma noção de julgamento no corpus anteriormente citado, pertencente a gêneros que têm como característica a natureza argumentativa. Geralmente, esses textos tratam de assuntos que tiveram grande repercussão na sociedade e permitem que haja posicionamentos diversos acerca desses acontecimentos. É importante enfatizar que não há uma verdade absoluta em relação aos fatos abordados, por isso o autor do texto argumenta com veemência para sustentar o ponto de vista que está sendo defendido. Para isso, o agente textual vale-se de dados, provas e evidências, na tentativa de justificar suas afirmações sobre o ponto de vista defendido, demonstrando a veracidade e a credibilidade de sua informação. Assim, apoiados nessa teoria, avaliaremos as ocorrências, com o objetivo de organizar as informações para atingir o objetivo desta pesquisa. Através dessas análises, serão comparados os dois gêneros textuais, coluna e editorial, com a finalidade de demonstrar quais são os recursos mais frequentes nos dois textos, expondo as semelhanças e as diferenças detectadas durante o estudo do corpus. Metodologia A metodologia deste trabalho pode ser dividida em três etapas. Na primeira etapa, foram feitas pesquisas, nas quais foram selecionados alguns textos sobre a abordagem da Valoração, que compõe a base teórica

da pesquisa. Em

seguida, foram

selecionados

dois textos

jornalísticos, uma coluna da revista Época intitulada O mito e o trofeu, que tem como tema a morte de Osama Bin Laden, e um editorial do Jornal Diário do Nordeste intitulado Saneamento e gestão, que discute acerca dos problemas referentes ao saneamento básico no Brasil.


116

Na segunda etapa, foram extraídas do corpus da pesquisa frases que codificam expressões de opinião, sejam elas explícitas ou implícitas. Depois de coletarmos as ocorrências, as frases foram organizadas em uma lista e, em seguida, classificadas em uma tabela que continham os seguintes fatores: ocorrência, referência, codificação, tipo de julgamento e recurso do julgamento. As ocorrências são as frases selecionadas e extraídas do corpus que expressam ideias de opinião. Já a referência remete ao número da linha do texto, na qual as frases podem ser encontradas. A codificação, por sua vez, refere-se ao modo como o julgamento pode ser expresso, ou seja, codificado em forma de substantivos, adjetivos, advérbios, verbos ou expressões. O tipo de julgamento se refere à forma como o produtor do texto expressa sua opinião, uma vez que ele pode declarar algo, como de sua autoria, ou atribuir um ponto de vista a terceiros. Por último, temos o recurso de julgamento, que pode ser expresso da seguinte forma: capacidade, usualidade, tenacidade, veracidade e propriedade. A terceira etapa da pesquisa consiste na comparação dos dados extraídos do corpus, para que fosse alcançado o objetivo da pesquisa. Cada

fator,

anteriormente

citado,

teve

suas

frequências

simples

calculadas. Depois de calculados, os fatores foram relacionados entre si e avaliados com base no contexto em que aparecem. Por fim, realizada a análise, os dados foram novamente organizados em uma tabela, na qual contém a porcentagem de cada fator em relação a sua frequência. Fundamentação Teórica Como já mencionamos, a teoria da Valoração originou-se a partir da Linguística sistêmica funcional, tendo como objetivo principal analisar a avaliação e a perspectiva em textos diversos. Essa abordagem oferece estratégias para que o leitor possa observar e visualizar como a avaliação e a perspectiva atuam em textos escritos de diferentes gêneros. Segundo White (2004), a abordagem da Valoração propõe que os significados

atitudinais,

que

compreendem

avaliações

positivas

e


117

negativas, podem ser agrupados em três grandes campos semânticos que são: 1. Afeto: esse significado atitudinal está relacionado à emoção, uma vez que os produtores do texto expressam, através de suas opiniões emocionais, visões positivas ou negativas. Há a possibilidade também de expressar a opinião de terceiros. 2. Julgamento: esse significado atitudinal implica em uma visão da aceitabilidade do comportamento de indivíduos. O julgamento é dividido em dois tipos: o de sanção social e o de estima social. 3.

Apreciação:

esse

significado

atitudinal

faz

avaliações

de

fenômenos semióticos e naturais através de referências ao seu valor estético. Os significados atitudinais podem ser ativados de duas maneiras: direta ou implícita. Na ativação direta, os significados são ativados, mediante termos atitudinais que se encontram explícitos na superfície textual. No caso da ativação implícita, os significados são ativados mediante inferências feitas pelo leitor, que, de acordo com seus valores, pode interpretar os dados apresentados pelo agente textual como positivos ou negativos. Ainda, segundo White (2004), as avaliações implícitas levantam sérios problemas teóricos e analíticos. O leitor tem que levar em conta, na análise das informações, a pragmática e o contexto social para ativar os significados que operam no contexto. Isso ocorre pelo fato do julgamento não estar explícito no corpo do texto, e, por essa razão, o leitor tenta recuperar os significados atitudinais mediante diferentes estratégias. Dessa maneira o leitor tem de sair do campo semântico, recorrendo à pragmática, uma vez que os textos serão analisados dentro de seus respectivos contextos.


118

A avaliação atitudinal tem como objetivo verificar os diversos significados que operam no discurso. Dentre esses significados, está o afeto que tem os seus valores codificados em formas de qualidades (adjetivos),

processo

(verbos),

comentários

e

entidades

abstratas

nominalizadas. Outro significado bastante importante é o Julgamento, pois através dele podemos construir valores sobre o comportamento de uma pessoa, de acordo com perspectivas e valores exigidos pela sociedade. O julgamento, como já mencionamos, é dividido em sanção social e aceitabilidade social. O primeiro implica questões de legalidade social e moralidade, enquanto que o segundo não implica questões legais ou morais, mas avaliações de aceitação social. O julgamento de sanção social está ligado à veracidade e a propriedade. Já o julgamento de estima social, por sua vez, está relacionado à normalidade, capacidade e tenacidade. A apreciação está ligada a significados utilizados normalmente para construir avaliações sobre um determinado objeto ou edificações, os quais são produtos do trabalho humano. Através da apreciação o agente textual atribui valores negativos ou positivos em relação à estética de um objeto que está sendo avaliado. Por último, temos o engajamento que é uma estratégia que indica o comprometimento do agente textual, ou seja, o quanto o indivíduo está engajado em um determinado discurso. Assim, o produtor do texto demonstra o seu comprometimento mediante as seguintes ações: 1. Declarar: o agente textual apresenta ao leitor um ponto de vista como válido e confiável, na tentativa de tornar o seu relato verídico e ganhar credibilidade com leitor. A voz textual não dá margem para outros pontos de vista. 2. Refutar: o agente textual expressa sua opinião de forma contrária, rejeitando um argumento.


119

3.

Considerar:

diferentes,

o

agente

consideradas

textual

apresenta

alternativas

várias

dialógicas.

posições

Nesse

caso,

Transmitem-se ao leitor outros pontos de vistas que se apresentam como aceitáveis. 4. Atribuir: o agente textual atribui um ponto de vista a uma voz externa ao texto, sendo que essa opinião é apenas uma dentre várias opiniões existentes, que podem ser analisadas pelo leitor como aceitáveis ou não. Análise de Dados Durante a análise dos dados, foi possível observar algumas diferenças entre os textos estudados nesta pesquisa, coluna e editorial, que serão mais bem explicadas a posteriori. Verificamos que, em relação à coluna, há um alto grau de engajamento por parte do agente textual quanto aos fatos transmitidos para os leitores, uma vez que o produtor do texto apresenta sua opinião na tentativa de torná-la aceitável e verídica aos olhos do leitor, enquanto no editorial, há um grande uso de atribuições por parte do agente textual. Dessa maneira, o texto do colunista demonstra um alto grau de persuasão. No processo de construção dos textos, os autores demonstram sua opinião, através de declarações diretas e implícitas. Podemos constatar que, na coluna, a declaração direta foi utilizada com maior freqüência em comparação com o uso de declarações implícitas, dessa maneira, entendese que o autor pretende expor sua opinião claramente. Outro fato bastante expressivo, no que diz respeito ao julgamento, foi o pouco uso de atribuições por parte do colunista, assim, entende-se que o autor tem o interesse de explicitar ao máximo o seu engajamento, por essa razão não

atribui,

com

frequência,

opiniões

a

terceiros.

O

número

de

declarações foi muito mais expressivo, atingindo um percentual de 81,24% do total do tipo de julgamento usado pelo agente textual, enquanto o recurso da atribuição atingiu um percentual de apenas 18,75%.


120

Atribuição Declaração

Fig.1 Tipos de julgamento encontrados na coluna

Um fato que se mostrou bastante significativo foi à codificação do julgamento utilizado pelo colunista, que codificou a maioria de seus julgamentos em forma de adjetivos (39,1%), seguido de verbos (18,8%), substantivos (15,9%), expressões (15,9%) e, por último, advérbios (10,1%) que foram utilizados em um menor número.

Adjetivos Verbos substantivos Expressões Advérbios

Fig.2. Codificação de julgamento retirados da coluna

Vejamos alguns exemplos de frases, nas quais os julgamentos foram utilizados em forma de adjetivos: (1) O povo americano é nacionalista, protecionista e imperialista [...] (2) Ele deixou de ser um líder tíbio, relutante. (3) Seu ótimo slogan “Yes we can” era vago o bastante para ser completado de maneira mais conveniente a cada um. (4) O acerto de contas foi americano.


121

Em relação ao recurso de julgamento feito pelo autor do texto, podemos observar um maior número de julgamento de normalidade que atingiu um percentual de 28,3% do total. Esse tipo de julgamento, caracterizado como sendo de estima social, refere-se ao costume, ou seja, se o comportamento do indivíduo é usual ou não na sociedade em que ele está inserido. Já o julgamento de propriedade atingiu um percentual de 28,3%. Esse tipo de julgamento, considerado de sanção social, refere-se à ética do individuo diante da sociedade. O julgamento de capacidade, que está classificado dentro do julgamento de estima social e referente à capacidade do indivíduo, alcançou um percentual de 22,9%. O julgamento de tenacidade, que é considerado de estima social, alcançou um percentual de 10,8%. Esse tipo de julgamento refere-se à confiabilidade ou a disposição do indivíduo. Por fim, temos o julgamento de veracidade que é classificado como julgamento de sanção social e diz respeito à honestidade do indivíduo, que obteve 9,7% do total. Normalidade Propriedade Capacidade Tenacidade Veracidade

Fig.3 Recurso de julgamentos encontrados na coluna

A seguir, temos alguns exemplos dos tipos de julgamento, retirados da coluna: (5) Essa foi a reação normal. Por um motivo simples: o terror e o fanatismo distorcem o islã. (normalidade) (6) Todos lembramos o que fazíamos quando, há quase dez anos, um atentado bárbaro matou cerca de 3 mil inocentes nas torres gêmeas. (propriedade)


122

(7) [...] Ele poderia continuar um cadáver apresentável, não? (capacidade) (8) Ele deixou de ser um líder tíbio, relutante. (tenacidade) (9) Podemos fingir que o mundo estará mais seguro e melhor a partir de agora? Ninguém acredita nisso. (veracidade) Os recursos de julgamento foram codificados de formas diferentes na coluna. Variando bastante em número entre expressões e as seguintes classes gramaticais: substantativos, advérbios, verbos e adjetivos, que, como foi mostrado anteriormente, foi usado com maior freqüência. Observamos esses dados na seguinte tabela: Codificação Substantivo

Capacidade Normalidade Tenacidade Veracidade Propriedade 0%

27,2%

9,0%

0%

63,6%

Adjetivo

18,5%

33,3%

18,5%

7,4%

33,3%

Advérbio

0%

14,2%

0%

14,2%

71,4%

Expressão

36,3%

54,5%

9,0%

9,0%

0%

Verbo

61,5%

15,3%

7,6%

23,0%

0%

Codificação do recurso de julgamento (coluna)

Na análise de dados do editorial, podemos notar que o autor, que geralmente fala por sua empresa ou equipe, não expôs sua opinião diretamente, uma vez que o autor não demonstra um comprometimento com o que está sendo abordado. Assim, podemos notar que não há um alto grau de engajamento do agente textual com os fatos relatados. Uma vez que o autor sempre expõe seu ponto de vista, se apoiando na avaliação feita por terceiros. Como podemos ver na oração a seguir: (10) no curto período de quatro anos, mais da metade das cidades brasileiras terá sérios problemas com o abastecimento de água, segundo levantamento divulgado pela Associação Nacional de Água (ANA).


123

Podemos observar que o autor do texto, apóia sua afirmação nas informações apresentadas pelo levantamento divulgado pela (ANA) mostrando-se menos comprometido com a afirmação transmitida ao leitor. No processo de construção do texto, o autor demonstra sua opinião, através de declarações diretas e implícitas, assim como na coluna, mas com algumas diferenças. Podemos observar que a declaração direta foi utilizada com maior freqüência em comparação com o uso de declarações implícitas. Em relação ao tipo de julgamento, foram utilizadas quase o mesmo número de atribuições e de declarações por parte do autor. Assim, entende-se que o autor tem o interesse de explicitar ao máximo o seu engajamento, mas sem se comprometer totalmente com as informações expostas na superfície textual, por essa razão atribui, frequentemente, julgamentos a terceiros. O número de declarações não se mostrou muito expressivo no editorial, se comparado com a coluna. Não houve muita diferença entre o uso de declarações e atribuições. A declaração atingiu um percentual de 57,1%, enquanto a atribuição atingiu um percentual de 42,8%.

Atribuição Declaração

Fig.4 Tipos de julgamento encontrados no editorial

Em relação à codificação do julgamento, podemos observar que o agente textual codificou a maioria dos seus julgamentos na forma de


124

adjetivos (45,2%), seguido de expressões (21,4%), advérbios (14,2%), substantivos (11,9%) e, por último, verbos (7,14%). Adjetivos Expressões

Advérbios Substantivos Verbos

Fig.5 Codificação do julgamento do editorial

Vejamos algumas frases, nas quais os julgamentos foram utilizados em forma de adjetivos: (11) Nesse valor total, não se encontram incluídos os recursos imprescindíveis para resolver o crônico problema do saneamento básico, com seus necessários sistemas de coleta de esgoto e estações de proteção das fontes onde se faz a captação de água para o consumo humano. (12) [..] Ainda de acordo com o documento da ANA, será necessário investir,

com

infraestrutura, estações

de

urgência, construção tratamento

22

bilhões

de e

de

sistemas

recuperação

reais de de

em

obras

distribuição, antigas

de

novas

redes

deterioradas com o passar do tempo. Em relação ao recurso de julgamento, que já foi explicado anteriormente, feito pelo autor do texto, podemos observar um maior número de julgamento de normalidade e capacidade que atingiram um percentual de 30,7%.

Os recursos de julgamento, tenacidade e

propriedade, também alcançaram porcentagens similares, 7,6% do total. O único recurso de julgamento que não foi utilizado pelo agente textual foi à veracidade com 0%.


125

Normalidade Capacidade Propriedade Tenacidade

Fig.6 Recursos de julgamento encontrados no editorial

A seguir, temos alguns exemplos dos recursos de julgamento ultilizados no editorial: (13) Apesar de muitos avanços ocorridos na área, nos últimos anos, constata-se a lamentável evidência de que 13% dos brasileiros não têm um banheiro em casa. (normalidade) (14) O ministério do Meio Ambiente parece ter se conscientizado de quão importante

deve

ser o desenvolvimento de

estratégias

adequadas para garantir segurança no abastecimento. (propriedade) (15) Estudiosos do problema asseguram que, especificamente no caso brasileiro, a questão da água está muito mais ligada a deficiências no campo da gestão do que quanto à escassez propriamente considerada. (capacidade) (16) [...] Promove campanhas no sentido de alertar a população contra o desperdício e a má utilização da água, sobretudo nas grandes cidades e zonas industriais. (tenacidade) No editorial, os recursos de julgamento, assim como na coluna, foram codificados de formas diferentes. Variando bastante em número entre expressões e as seguintes classes gramaticais, como foi exposto anteriormente. O adjetivo também foi utilizado com maior freqüência pelo agente textual do editorial. Observamos esses dados na seguinte tabela:


126

Capacidade Normalidade Tenacidade Veracidade Propriedade Substantivo

20%

20%

20%

0%

40%

Adjetivo

21,0%

31,5%

0%

0%

47,3%

Advérbio

16,6%

66,6%

0%

0%

16,6%

Expressão

33,3%

22,2%

22,2%

0%

22,2%

0%

33,3%

0%

0

66,6%

Verbo

Codificação do recurso de julgamento (editorial)

Com base nos dados expostos na tabela, infere-se que o produtor do

texto,

codificou

seus

julgamentos

de

acordo

com

elementos

pertencentes a uma determinada classe gramatical, de acordo com o a sua intenção de expressar o seu ponto de vista com maior expressividade. Por

exemplo,

para

expressar

capacidade,

o

autor

codificou

seus

julgamentos, na maioria das vezes, através de expressões, seguidas de adjetivos, advérbios e, por último, substantivos. Considerações Finais Diante das informações apresentadas neste trabalho, podemos constatar como a avaliação é algo importante para a produção dos gêneros textuais destacados nesta pesquisa, pois esse recurso dá suporte à argumentação do agente textual. Os recursos avaliativos foram utilizados com frequências diferentes nos dois textos, assim, constata-se que a utilização do recurso de julgamento irá variar dependendo das necessidades do produtor do texto de expressar sua opinião e torná-la crível diante do leitor. Observamos que existem algumas diferenças entre os dois textos, uma vez que, através da análise das avaliações, a colunista mostrou-se mais engajada e demonstrou também um maior comprometimento em relação às informações transmitidas aos leitores, através do texto. Enquanto o autor do editorial apresenta sua opinião, na maioria das vezes, apoiada em afirmações de terceiros. Dessa forma, se distanciando da informação veiculada.


127

Algo que se mostrou bastante significativo, foi a forma como os agentes textuais codificaram os seus julgamentos, pois ambos usam em maior número adjetivos. Essa classe gramatical se apresentou de maior utilidade para que os produtores textuais pudessem expressar as suas ideias, concordando ou discordando dos fatos expostos na superfície textual. Esta pesquisa, não conseguiu abarcar os fatores relacionados ao tema em sua totalidade, porém foram apresentados os dados e os resultados básicos para que possamos entender como a avaliação opera dentro dos textos opinativos, assim como as formas de julgamento são codificadas pelos produtores do texto. É válido ressaltar que não podemos afirmar que haja um padrão de uso do julgamento, bem como as suas formas de codificação, pois a pesquisa foi feita com a utilização de um pequeno corpus. Esse

estudo

deixa

lacunas

que

podem

ser,

possivelmente,

preenchidas com outras pesquisas sobre o tema, visto que a avaliação é um assunto bastante rico e amplo e tem um grande campo a ser explorado. Acreditamos que a avaliação é utilizada de acordo com as necessidades do agente textual de expressar de forma mais conveniente e contundente sua opinião, não havendo dessa maneira, um formula especifica para a sua utilização em textos opinativos. REFERÊNCIAS CABRAL, Sara Scotta. A mídia e o julgamento com base na teoria da valoração. 2007. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Maria, 2007. WHITE, P. R.R. Valoração - A linguagem da Avaliação e da perspectiva, 2004.


128

SEÇÃO 7

OS PLANOS DISCURSIVOS NA OBRA DE ESOPO


129

OS PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO NA FÁBULA “O BURRO QUE VESTIU A PELE DE UM LEÃO”, DE ESOPO Jéssica Fontenele SALES21 Resumo: Este trabalho propõe-se a apresentar uma análise acerca dos planos discursivos de Figura e Fundo na fábula “O burro que vestiu a pele de um leão”, de Esopo, segundo as regras de classificação funcionalistas propostas por Paul Hopper e Sandra Thompson (1980), explicitando em que contextos narrativos se encontram presentes. De acordo com a referida teoria, a transitividade é vista como característica do conjunto oracional e não apenas da categoria dos verbos, é uma propriedade escalar e varia de acordo com certos parâmetros. Nossa hipótese era de que o plano discursivo Figura, que se caracteriza como principal devido a sua alta transitividade, estaria concentrado na complicação, na ação e na resolução; enquanto o Fundo, de baixa transitividade, constituiria o todo acessório do texto: orientação e moral. Palavras-chave: Funcionalismo, figura, fundo, literatura, fábula.

Introdução Dentre os elos teóricos que unem diversas correntes de estudos linguísticos sob o título de Funcionalismo, o principal e mais basilar, sem dúvida, é aquele que diz respeito à investigação da língua em seus usos efetivos ou, em outras palavras, à língua situada em seus diversos contextos comunicativos (CUNHA, 2008). Diante disso, podemos deduzir que uma teoria funcionalista somente deveria tomar como corpus ou referência dados linguísticos reais (que podem ser de fala ou escrita), através dos quais possamos identificar as funções extralinguísticas que os influenciam e condicionam. É importante pontuar, no que concerne a esse aspecto, que as correntes funcionalistas costumam ser classificadas de acordo com seu extremismo ou não em relação à influência das funções externas sobre o sistema linguístico propriamente dito. De acordo com Cunha (2008), “Uma postura mais moderada admite uma interação entre forma e função”, enquanto “A postura mais

21

Graduanda do Curso de Letras-Inglês pela Universidade Federal do Ceará.


130

radical propõe que as funções externas (tais como os propósitos comunicativos dos interlocutores) definem as categorias gramaticais”. Dá a entender ainda a autora que, se tomarmos uma posição teórica extrema, chegaremos ao ponto de negação da sintaxe. Assim, não haveria argumentos a favor da definição de categorias linguísticas, já que elas apenas existiriam em relação aos vários contextos comunicativos, tendo como característica primordial a fluidez. É no trabalho intitulado Transitivity in Grammar and Discourse (1980), dos americanos Hopper e Thompson, que podemos encontrar as bases teóricas originais para análises funcionalistas do discurso com foco nos planos discursivos de Figura e Fundo. Os

referidos

autores

pertencem

à

linha

mais

radical

do

Funcionalismo, sobre a qual já falamos há pouco, e fornecem o aparato teórico para a presente análise. Fundamentação teórica Para que se compreenda a caracterização dos planos discursivos de Figura e Fundo proposta por Hopper e Thompson, é necessário que se tenha em mente o conceito de transitividade segundo os mesmos. Para facilitar a apreensão deste conceito, é comum que se trace um

paralelo

entre

a

referida

transitividade,

funcionalista,

e

a

transitividade que nos é apresentada pela Gramática Tradicional. Segundo a GT, a transitividade é uma característica exclusiva da categoria dos verbos. Podem eles, de acordo com o complemento que exigem, serem classificados como transitivos diretos (complemento nãopreposicionado; amar alguém ou algo), transitivos indiretos (complemento preposicionado;

gostar

de

alguém

ou

de

algo)

ou

bitransitivos

(complementos preposicionado e não-preposicionado; dar algo a alguém). Os verbos chamados de intransitivos não exigiriam nenhum complemento, sustentando-se semanticamente por si (morrer). Embora alguns gramáticos tradicionais admitam existir relatividade quanto à transitividade dos verbos (assim, o emprego de cada um em


131

dada situação é que determinaria seu tipo de transitividade), ela continua sendo uma característica definida de forma absoluta na GT: não se pode conceber um verbo “mais” ou “menos” transitivo de acordo com tal visão. Já para Hopper & Thompson (1980), a transitividade “é entendida como uma propriedade contínua, escalar, não inerente ao verbo, mas manifestada na totalidade da oração.” (NASCIMENTO, 2010, p. 4). Podemos imaginar, por exemplo, que exista um agente que, por meio de uma ação, se torna causador de uma mudança; ou um estado, que não envolve mudanças de nenhuma forma. O nível de transitividade de uma oração é determinado a partir de dez parâmetros, os quais Silva (2007) dispõe em forma de tabela. São eles:

Componentes

Participantes

Alta transitividade 2 ou mais (Agente e Objeto)

Baixa transitividade

Um

Cinese

Ação

Não-ação (estado)

Aspecto

Télico

Atélico

Punctualidade

Pontual

Não-pontual

Volitividade

Proposital

Não-proposital

Polaridade

Afirmativa

Negativa

Modalidade

Realis

Irrealis

Agentividade

Mais agente

Menos agente

Objeto totalmente

Objeto parcialmente

afetado

afetado

Afastamento do objeto


132

Individualização do

Objeto muito

Objeto pouco

objeto

individualizado

individualizado

O plano narrativo Figura, por possuir alta transitividade, é considerado o centro da narrativa. É ele que constitui o enredo e as ações essenciais. O plano do Fundo, ao contrário, possui baixa transitividade e, dessa forma, constituiria, por assim dizer, os adornos, os acessórios da narração. Utilizamo-nos, recomendados

pelos

neste autores

estudo, para

de a

dois

dos

classificação

parâmetros

das

cláusulas

componentes do corpus: aspecto verbal e modalidade. O parâmetro aspecto diz respeito às classificações do verbo de acordo com o tempo em que se encontra: será perfectivo se o verbo estiver no pretérito perfeito ou mais-que-perfeito; será imperfectivo se o verbo se encontrar no infinitivo, presente, pretérito imperfeito ou futuro. A modalidade está relacionada com a intensidade da assertividade (CONCEIÇÃO, 2010) e com a efetividade da ação (SILVA, 2010): verbos no modo indicativo e na forma afirmativa são marcas da modalidade realis, e, portanto, tendem a expressar concretude. A modalidade irrealis, por sua vez, possui como marcas o modo subjuntivo e a negação de ações ou estados. Assim, temos:

Tabela 1: Planos discursivos e suas marcas fundamentais Figura

Fundo

Aspecto verbal perfectivo

Aspecto verbal imperfectivo

Modalidade realis

Modalidade irrealis


133

Metodologia O objeto de nossa análise consiste na fábula “O burro que vestiu a pele de um leão”, de Esopo, que teve sua estrutura narrativa dividida em quatro porções que se sucedem temporalmente. Essas porções não são encontradas em todas as narrativas em sua totalidade. No texto em questão, porém, podemos constatar a presença de todas. São elas: orientação, na qual o personagem e o cenário nos são apresentados;

complicação, na qual

os conflitos da narrativa são

semeados; ação, na qual esses conflitos se intensificam e o clímax se dá; resolução, na qual os conflitos são pacificados; e moral, a porçãoensinamento canônica do gênero fábula. Sendo uma narrativa curta, a fábula em questão é composta por apenas 8 frases. Estas, por sua vez, totalizam 27 cláusulas. Uma vez isoladas, as cláusulas foram organizadas em uma tabela e classificadas segundo os seguintes parâmetros: localização na estrutura narrativa, aspecto e modalidade e, por fim, plano discursivo. Nossa hipótese era a de que as porções narrativas “complicação”, “ação” e “resolução” seriam, no referido texto, compostas essencialmente por cláusulas-figura, já que formam o enredo propriamente dito e possuem notável relevo discursivo. Já as porções “orientação” e “moral”, por constituírem o todo acessório do texto, seriam marcadamente compostas por cláusulas-fundo.

Resultados e discussão Ao fim de nossa pesquisa, chegamos aos seguintes resultados: das 27 cláusulas que compõe a fábula, 14 se apresentam como cláusulasfigura e 13 como cláusulas-fundo. Esse aparente equilíbrio entre os planos narrativos pode ser explicado, em parte, pelo tamanho reduzido do texto. Ao examinarmos os


134

resultados mais detalhadamente, tivemos condições de compará-los à hipótese aqui apresentada. Os

resultados

detalhados

de

nossa

pesquisa

encontram-se

condensados na tabela seguinte, que relaciona a quantidade de cláusulasfigura e cláusulas-fundo com suas respectivas localizações na estrutura narrativa do texto:

Tabela 2: Porções narrativas e respectivas composições Porção

Número total

Cláusulas-

Cláusulas-

narrativa

de cláusulas

figura

fundo

Orientação

2

2

0

Complicação

7

2

5

Ação

12

9

3

Resolução

3

1

2

Moral

3

0

3

Quanto à porção “orientação”, na qual esperávamos encontrar cláusulas-fundo em maioria justamente por ser a porção introdutória e de apresentação de personagens e cenário, constatamos que apresentou unicamente cláusulas-figura, com verbos perfectivos e na modalidade realis: (1) “Um burro encontrou uma pele de leão que um caçador tinha deixado na floresta.” (ESOPO, 1994, p. 70) Os resultados relativos às porções “complicação” e “ação” corroboraram com a hipótese inicial de que apresentariam, em sua


135

maioria,

cláusulas-figura,

por

sustentarem

o

enredo

da

fábula

e

concentrarem a essência da narrativa: (2) “Na mesma hora o burro vestiu a pele (...)” (ESOPO, 1994, p. 70) (3) “Ouvindo aquilo, uma raposa que ia fugindo com os outros parou, virou-se e se aproximou do burro rindo (...)” (ESOPO, 1994, p. 70) Entretanto, aqui, nos deparamos com uma revelação inesperada: A frase inicial do parágrafo da ação, que se constitui num período composto, tem suas orações subordinadas servindo como cláusulas-figura, e não cláusulas-fundo, como era esperado: (4) “O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele correndo que começou a se sentir o rei leão em pessoa e não conseguiu segurar um belo zurro de satisfação.” (ESOPO, 1994, p. 70) Os

resultados

relativos à porção narrativa “resolução” nos

permitem constatar uma maioria de cláusulas-fundo, ao contrário do que prevemos em nossa hipótese. Ainda que em muitas narrativas seja a resolução composta de ações efetivadas pelos personagens, em nosso caso ela se desenrola em forma de uma fala-lição da raposa, que faz uma suposição acerca do comportamento do burro: (5) “– Se você tivesse ficado quieto, talvez eu também tivesse levado um susto. Mas aquele zurro bobo estragou sua brincadeira!” (ESOPO, 1994, p. 70) Ao observarmos os resultados relacionados à porção “moral”, constatamos uma confirmação parcial de nossa hipótese inicial, já que,


136

neste caso, a moral apresenta uma composição absoluta de cláusulasfundo. Por sustentar um ensinamento, um aconselhamento de acordo com a situação mostrada pela fábula é que a moral é, naturalmente, composta de verbos imperfectivos na modalidade irrealis: não há ações efetivas, realizadas, mas apenas considerações. (6) “Um tolo pode enganar os outros com o traje e a aparência, mas suas palavras logo irão mostrar quem ele é de fato.” (ESOPO, 1994, p. 70) Além

das

conclusões

essenciais,

julgamos

pertinente

dar

publicidade, ao findar de nossa análise, a outras observações. A primeira delas diz respeito à relação entre aspecto verbal e modalidade. Na grande maioria das cláusulas, aspecto verbal perfectivo e modalidade realis, assim como aspecto imperfectivo e modalidade irrealis, são propriedades coincidentes. No entanto, em 3 das cláusulas constatamos haver verbos de aspecto imperfectivo e modalidade realis, como no exemplo seguinte: (7) “O burro estava gostando tanto de ver a bicharada fugir dele correndo (...)” (ESOPO, 1994, p. 70) Nesse caso, o verbo destacado, apesar de estar no infinitivo e, consequentemente, classificar-se como imperfectivo, denota uma ação plena no enredo da história. Tal classificação se justifica pelo fato de os animais estarem realmente fugindo do burro, praticando uma ação, razão pela qual se encontra presente a modalidade realis. Considerações finais


137

Prontificamo-nos, neste trabalho, a explicitar, segundo a visão funcionalista de Hopper e Thompson, a relação entre os planos discursivos Figura e Fundo e porções narrativas na fábula “O burro que vestiu a pele de um leão”, de Esopo. Tal objetivo cumpre-se na constatação de que cláusulas-figura são maioria nas porções “orientação” e “ação”, enquanto cláusulas-fundo são mais recorrentes na “complicação”, “resolução” e “moral”. Devido ao tamanho reduzido da fábula e até mesmo às suas peculiaridades textuais, temos plena consciência de que nossas conclusões não devem ser generalizadas nem representar um modelo teórico para análises de todo tipo de narrativa. Esperamos, com este trabalho, contribuir para o crescimento do interesse em pesquisas que tomem como base a teoria da transitividade do discurso, estabelecendo um paralelo entre a ciência lingüística e a arte literária. REFERÊNCIAS CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos Discursivos em Diferentes Níveis de Escolaridade: Estudo de Recontagem de Figura e Fundo. 2010. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. ESOPO. O burro que vestiu a pele de um leão. In: ASH, Russel; HIGTON, Bernard (Comp.). Fábulas de Esopo. Tradução de Heloisa Jahn. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1994. FURTADO DA CUNHA, Angélica. Funcionalismo. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (Org.). Manual de lingüística. São Paulo: Contexto, 2008. NASCIMENTO, Simone Maria Barbosa Nery. Planos Discursivos e Estatuto Informacional em Combinações Hipotáticas Adverbiais Causais de Elocuções Formais. Anais do 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários. UEM, Maringá: 2010. SILVA, Anderson Godinho. Transitividade e os Planos Discursivos Figura e Fundo nas Orações Subordinadas Adverbiais Modais. Cadernos do CNLF, Série X, nº10, s/d.


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