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l+d LUZ

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DESIGN

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A R Q U IT ET U R A

ISSN: 1808-8996

R$16,00

GAMMEL HELLERUP GYMNASIUM, HELLERUP SHERATON DA BAHIA HOTEL, SALVADOR RIJKSMUSEUM, AMSTERDÃ LIVRARIA SARAIVA, RIO DE JANEIRO


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PROJETOS

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RONDA DIURNA Após uma década em reforma, o Rijksmuseum – literalmente “Museu do Império” – museu nacional dos Países Baixos, situado na capital holandesa de Amsterdã – reabre espetacularmente suas portas com arquitetura totalmente restaurada e um novo sistema de iluminação quase que inteiramente baseado em LEDs. O edifício, inaugurado oficialmente em 1885 em estilo gótico-renascentista, e projetado pelo arquiteto holandês Pierre Cuypers, não foi na época muito bem recebido pelo público local, que o considerou “medieval demais e não suficientemente holandês”. Assim, com o passar dos anos, veio a sofrer um processo de “austerização” pelo governo, que foi aos poucos cobrindo com pintura e argamassa os afrescos e paredes de tijolos de pedras, além de remover elementos decorativos de ouro, entre outras mudanças. Em 2003, tendo como mote “Cuypers for the 21st Century” – Cuypers para o Século 21 – o escritório espanhol Cruz y Ortiz Arquitectos ganhou o concurso internacional para a reforma do museu, com o conceito de “recriar não somente as atrações das coleções do museu, mas também a obra-prima do projeto de arquitetura”. Já os interiores das galerias do Rijksmuseum ficaram a cargo do arquiteto francês Jean-Michel Wilmotte, conhecido por seu trabalho no Museu do Louvre e que, além de definir uma paleta para os interiores inspirada nas cores adotadas originalmente por Pierre Cuypers, respondeu pelo desenho de vitrines, mobiliário e chandeliers.

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O PROJETO DE ILUMINAÇÃO E foi sob essas luzes que um time liderado pelo lighting designer Rogier van der Heide trabalhou para realizar o projeto de iluminação do edifício e de sua vasta coleção, envolvendo tanto luz natural como sistemas de iluminação artificial apoiada em tecnologia SSL de última geração – na maioria dos casos feita sob medida para o projeto. Além de Rogier, participaram neste trabalho uma equipe de consultores da Arup Lighting Design, de Londres, o escritório de Lighting Design, de Rotterdam Beersnielsenlichtontwerperse, e de técnicos da Philips holandesa, estes últimos encarregados do desenvolvimento de luminárias especiais.

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Voorhal (Hall de Entrada) com grandes discos de luz difusa com um grupo de projetores fixados acima fazem as vezes de contemporâneos chandeliers, ao mesmo tempo que proporcionam a iluminação necessária ao ambiente


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Intencionalmente mais “fria” do que a iluminação para os quadros, a Iluminação artificial da claraboia simula com perfeição a luz natural. Linhas de projetores mimetizam-se no centro e nas laterais, alcançando, desta forma, todos os quadros e objetos. Louvers estrategicamente colocados na cobertura protegem a incidência de iluminação solar. Abaixo, o espetáculo da luz natural “artificial” inundando as galerias do Rijksmuseum e revelando seus detalhes. Na próxima página, pendentes quadrados comportam iluminação indireta para os tetos abobadados e projetores para iluminação de peças de arte


utilizando claraboias generosas e aberturas com janelas compridas, elementos que Cuypers originalmente desenhou. Cabe aqui ressaltar a engenhosidade com que desenharam as barreiras para a entrada de luz solar na claraboia, prevendo duas posições para os louvers de acordo com a estação do ano, o que foi por eles chamado de “sistema semiestático” (em oposição a um sistema dinâmico, mais dispendioso). O escritório Beersnielsen entra em cena para desenvolver e transformar em realidade as ideias originalmente lançadas por Rogier, mas acaba, no decorrer do trabalho, desenvolvendo uma série de novos conceitos e soluções. E se fôssemos resumir o projeto de iluminação em apenas um parágrafo, diríamos que se trata de um sistema misto de iluminação direta e difusa, sendo que no último pavimento a luz difusa origina-se de grandes claraboias originais do projeto, remodeladas para atender de forma precisa às funções e restrições de iluminação, e nos demais através do rebatimento de luz oriunda dos museum gallery machines nos tetos abobadados das salas. A iluminação direta, por sua vez, em todos os pavimentos, baseia-se em um único modelo de projetor de LED dimerizável, endereçável e totalmente versátil.

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Envolvido com a iluminação do museu desde 1995, o lighting designer, e então Global Leader da Arup Lighting, Rogier van der Helde teve papel fundamental na elaboração e articulação das ideias e conceitos no que hoje compõem o resultado das imagens noturna e diurna do Rijksmuseum. Durante esse processo, Rogier veio a deixar sua posição na Arup tornando-se Vice-presidente e Chief Designer Officer da Philips Lighting, empresa que veio a ser também parceira nessa empreitada. Muitas ideias e conceitos de design no que se refere à luz foram desenvolvidos de modo multidisciplinar. Em conjunto com os designers de interiores do escritório Wilmotte & Associés, por exemplo, Rogier e os engenheiros da Arup desenvolveram o que inicialmente foi chamado de museum gallery machine – uma calha suspensa para acomodar vários dos sistemas historicamente instalados nas lajes ou forros como alto-falantes, sensores, detectores de fumaça, equipamentos de segurança e, claro, iluminação. Tal ideia se relacionava diretamente com o conceito dos arquitetos em revelar o edifício como originalmente projetado, permitindo um teto mais limpo e livre de interferências. Enquanto isso, o time de iluminação natural da Arup estudou de que modo trazer de volta à luz natural no edifício de maneira controlada,

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Desde Vermeer e Rembrandt os holandeses são hábeis em capturar e domesticar a luz

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para deleite de nossos olhos

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Este projetor, praticamente a “célula de luz” do edifício, foi desenvolvido especialmente para o museu a partir de um produto de linha do fabricante. Trata-se de um conjunto de nove pontos de LEDs com temperatura de cor de 3.000K e um fluxo luminoso final de 600 lúmens distribuídos em 7º de abertura. Um extenso conjunto de lentes, filtros e hoods acopláveis garantem todos os tipos de fachos de luz e controles possíveis para o edifício. Para se garantir precisão no facho de luz, uma máscara frontal controla o facho de luz secundário, deixando passar apenas 7º, de modo a fazê-lo coincidir com o facho de luz refletida. Isso garante um único e puro facho de luz, sem emissões colaterais indesejadas. A dissipação de calor dá-se de forma ativa, através da vibração de uma membrana no fundo do aparelho. Cada projetor tem consumo total de 27W, já incluso o sistema de resfriamento ativo e driver. Tal versatilidade, com tantos fachos de luz disponíveis (7°, 13°, 17°, 27°, 30° e 47°), permitiu a iluminação precisa das cerca de 8.000 obras da coleção do museu. Cada um dos 3.800 projetores é controlado e dimerizável em até 20% de sua capacidade através de protocolo DALI. Desta forma, qualquer um dos projetores pode ser controlado em solo a partir de um laptop, o que permitiu não apenas uma enorme precisão e capacidade de ajustes, como também um envolvimento muito maior por parte do staff e curadores do museu, que passou a visualizar melhor as possibilidades de composição de luz de cada espaço e objeto de arte. O PROCESSO Com essas ferramentas à mão, os lighting designers Sjoerd van Beers e Juliette Nielsen, do escritório Beersnielsen, passaram à “pintura de luz” de cada situação. Sobre as plantas e elevações do escritório de Willmote, puderam testar, in loco, o desempenho dos projetores e respectivos fachos de luz nos diferentes pavimentos do museu. O curioso é que muitos dos testes foram realizados com réplicas das


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verdadeiras obras de arte e também com luminárias “antecessoras” das que foram efetivamente usadas. Como houve melhora de performance entre os testes iniciais e a execução final, onde, por exemplo, antes se necessitavam até 12 luminárias em certas obras de arte, passou-se a usar apenas oito ou dez. De modo geral, no piso de cobertura (segundo andar), com pé-direito de 9m, não foram necessárias lentes nas luminárias, sendo o facho original de 7º satisfatório para a maioria das aplicações. Nos outros andares, de pés-direitos menores, entretanto, as lentes foram bastante úteis. Uma questão também levada em conta pelos lighting designers foi o balanço de luminâncias, nas diferentes instâncias de percepção, seja dentro de um único quadro, seja entre as luminosidades dentro de cada galeria, seja entre as próprias galerias. Por exemplo, coleções especiais, consideradas os “tesouros” do museu, receberam iluminação mais dramática, enquanto que as galerias de arte do século 18 tenderam

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Minúsculos projetores de LED com fachos de 15° e 30°, e orientação apenas na horizontal, banham as pequenas casas de bonecas, fazendo brilhar seus detalhes. Ao fundo, um tênue backlight emana das janelas

a receber iluminação mais difusa. Naturalmente, o endereçamento individual de cada fonte, permitindo a dimerização “em terra” de cada luminária ou grupo, facilitou muito esse trabalho. E apesar de se ter levado em conta, em muitos casos, a opinião dos curadores quanto à maneira mais adequada de se iluminar esta ou aquela obra ou conjunto de obras, a maior parte das decisões sobre esse balanceamento coube aos próprios lighting designers – que usaram como norte para suas decisões escolhas que acontecessem sempre a favor do visitante –, a favor da melhor percepção possível. Quanto à iluminação difusa, no último andar ocorre por emulação da luz originalmente proveniente das claraboias – já que por razões de conservação das obras a maior parte da luz natural (80% a 90%) foi barrada. O sistema difuso que a recria permite uma variação da temperatura de cor desde 6.000K – como se simulasse a luz natural – até 2.700 K – próxima à temperatura de cor de todas as fontes de luz direta. Nos demais pavimentos, a iluminação indireta é sempre fixada em 3.000K e ilumina as abóbodas e outros elementos da arquitetura. O balanço entre essa luz e a luz direta é que permite maior ou menor dramaticidade entre as diferentes galerias do museu. Pendentes e chandeliers especiais também foram projetados especialmente e testados a partir de desenhos iniciais do escritório Willmotte. Em algumas salas, os pendentes assumem forma de anéis quadrados ou circulares. A grande galeria, onde está exposto o famoso “De Nachtwacht” (A Ronda Noturna) de Rembrandt, quatro monumentais chandeliers, de design único – compostos por um largo anel de iluminação difusa, quase um disco de luz para baixo, e um “pacote” de projetores voltados para a cobertura, ocultos por este largo anel – assinalam a


Diagramas servem de parâmetro para os testes e também como documentação das decisões resultantes desses mesmos testes. Abaixo, pendentes em forma de anéis para iluminação indireta para os tetos abobadados e projetores para destaque dos objetos da coleção do museu

importância hierárquica do local frente aos demais, valorizam a riqueza arquitetônica da cobertura e proporcionam a necessária iluminação difusa ao ambiente. E, no caso de exposições temporárias, é comum os lighting designers serem chamados para refazer a focalização, de modo a atender aos novos layouts, o que dá um caráter “permanente” ao trabalho que realizam.

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MINIATURAS – CASAS DE BONECAS Mas uma das alas mais fantásticas deste museu é a das casas de bonecas – miniaturas de ambientes envoltos em vitrines, e que receberam um sistema especialíssimo de iluminação, com luminárias também em miniatura desenhadas especialmente para isso, fixadas em um bastidor metálico com montantes horizontais, soltos dentro das vitrines. Essas pequenas obras de arte não podiam receber mais de 50 lux, devido à fragilidade de seus materiais. As luminárias, por sua vez – em LED e com dissipador de calor –, deveriam ser versáteis e discretas o suficiente para conseguir valorizar os objetos sem atrapalhar a visão. Três diferentes protótipos foram desenhados e executados até que se chegasse a um resultado satisfatório. A versão final possui movimento de rotação apenas na horizontal, e possibilidade de dois

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tipos de fachos de luz – 15º e 30º. Como os pontos de fixação das miniluminárias era predefinido, a iluminação dos pequenos ambientes pode ser proveniente ou de cima ou de baixo das miniaturas, mas sempre se buscando homogeneidade na iluminação, assim como a valorização de todos os seus elementos internos – que podiam incluir pequenas cadeiras, gabinetes e até tetos pintados com ornamentos. Outro recurso utilizado por Sjoerd van Beers e Juliette Nielsen foi usar as janelas das casas de bonecas como fonte de luz para os ambientes miniaturas através de iluminação indireta. E o que mais impressiona nisso tudo é a exiguidade de tempo com que tudo foi resolvido – apenas dois meses, somente com os períodos noturnos para se realizar os testes. ILUMINAÇÃO DE VESTIDOS E INDUMENTÁRIAS Para se conseguir tridimensionalidade na iluminação em uma coleção de indumentárias que inclui 52 vestidos, além de quimonos e outras peças, foi utilizado um sistema misto de iluminação, proveniente tanto do piso como do teto, em proporções definidas objeto a objeto. Por razões de preservação, foi sempre respeitada a iluminância máxima de 50 lux. A mescla de direções e proveniências da luz garante a boa percepção de brilhos, texturas e tridimensionalidade das peças.

de terem IRC baixo para a sua função. O resultado era uma iluminação mais opaca e excessivamente homogênea. Com a nova tecnologia, e com a ajuda de esquemas gráficos e testes, a “pintura” com luz deste quadro dividiu-se em diferentes etapas; inicialmente, foram valorizados os personagens principais do quadro, um a um; em seguida, buscou-se balancear a luz direta resultante desta focalização dos projetores com a luz difusa proveniente da gigantesca claraboia da sala. O ponto de equilíbrio para a temperatura de cor da claraboia situou-se na região mais “fria”, criando um leve contraponto com a iluminação direta do quadro, fixada em 3.000K. O resultado é que a iluminação devolveu ao quadro o seu merecido aspecto “vibrante”, aliás, tal qual sucedeu com sua restauração, num processo bem curioso, já que uma das coisas que se descobriu em recente restauração é que esse aspecto “noturno” – que inclusive batizou posteriormente (e postumamente) a obra – se devia mais ao escurecimento com o tempo dos vernizes utilizados do que a uma intenção propriamente dita do pintor; para completar este trabalho faltaria, então, talvez, rebatizar o quadro como “ronda diurna”. (Por Gilberto Franco e Orlando Marques)

Versáteis projetores de LED, cuidadosamente

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“DE NACHTWACHT” O processo de projeto do “De Nachtwacht” de Rembrandt – a Ronda Noturna – revela bastante do processo de iluminação de todo o resto do museu. Até novembro de 2011, o quadro estava iluminado com projetores para LEDs, porém estes não possuíam facho apropriado, além

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focalizados, destacam os caracteres do famoso “De Nachtwacht”, ajudando a dirigir o olhar do espectador, além de valorizar detalhes arquitetônicos do edifício


Iluminação proveniente do piso e do teto ressaltam a profundidade dos vestidos. Abaixo, vitrines com vidros de altíssima transmitância garantem ao visitante pleno contato com os objetos da coleção

RIJKSMUSEUM Amsterdã, Holanda Projeto de Iluminação: Rogier van der Helde, Arup Lighting Design, Beersnielsen Projeto de Arquitetura: Cruz y Ortiz Arquitectura Projeto de Interiores: Wilmotte & Associés Projeto de Restauro: Van Hoogevest Fornecedor: Philips Imagens: Cortesia do Rijksmuseum (Iwaan Baan, Roos Aldershoff), Philips, Beersnielsen

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