Revista Livro Zero numero 3 - Forum do Campo Lacaniano SP

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para sustentar que toda extensão da psicanálise, sua aplicação clínica como sua teorização e seu ensino não se fundam senão nessa psicanálise pura.

QUAL ESTUDO DA TEORIA É COERENTE COM ESSA INVENÇÃO? “Mas tal direção só se manterá através de um ensino verdadeiro, isto é, que não pare de se submeter ao que se chama novação” (LACAN, 1955/1998, p. 436), adverte Lacan no capítulo “A formação dos analistas por vir”, no texto de 1955 “A coisa freudiana”. A questão para nós é como produzir, proporcionar, um ensino que esteja coerente com a deformação exigida pela formação do analista? Como propor um ensino verdadeiro, ou seja, que não cesse de se submeter à novação? Respondemos à questão do “como” pela via dos dispositivos, da sua ética inerente e das brechas pelas quais o estilo pode irromper e romper a sua burocratização. – Condição da receptividade à teoria psicanalítica: a experiência e o saber A capacidade de transmissão da teoria psicanalítica com base em um ensino depende do acesso prévio do sujeito à experiência. “Quando ministramos aos nossos alunos”, escreve Freud em 1926, “instrução teórica em psicanálise, podemos ver quão pouca impressão lhes estamos causando, para começar. Eles absorvem as teorias da análise tão friamente quanto outras abstrações com as quais são alimentados...” (FREUD, 1926). Lacan, na “Alocução sobre o ensino”, em 1970, será categórico a respeito: “Je ne peux être enseigné qu’àla mesure de monsavoir” (1970/2003, p. 303) – é apenas na medida de meu saber (S2) que posso ser ensinado. Ele opõe aqui o saber ao ensino que ele qualifica de “sono da razão” (ibidem) que, em vez de permitir o acesso a esse saber, faz barreira, obstáculo. O saber em questão aqui é o saber que não se articula, não faz cadeia com outro significante para representar o sujeito, é o saber aquém da linguagem, corpo do saber, o saber da alíngua, sítio do inconsciente real porque está fora de acesso do simbólico e do imaginário. O saber que se coloca no lugar da verdade no Discurso do Analista é o saber que numa análise evidencia-se como radicalmente singular (que não se articula com o Outro) – ele se coloca, se dispõe, lá onde havia o encadeamento da verdade mentirosa encobridora (que articula o sentido S1 S2).

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