Estação Científica (UNIFAP), ISSN 2179-1902, v. 3, n. 2, 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ Reitora: Prof.ª Dr.ª Eliane Superti Vice-Reitora: Prof.ª Dr.ª Adelma das Neves Nunes Barros Mendes Pró-Reitor de Gestão de Pessoas: Dorivaldo Carvalho dos Santos Pró-Reitora de Administração: Esp. Wilma Gomes Silva Monteiro Pró-Reitor de Planejamento: Prof. Msc. Allan Jasper Rocha Mendes Pró-Reitor de Extensão e Ações Comunitárias: Prof. Dr. Rafael Pontes Lima Pró-Reitora de Ensino de Graduação: Prof.ª Dr.ª Leila do Socorro Rodrigues Feio Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação: Prof.ª Dr.ª Helena Cristina Guimarães Queiroz Simões Pró-Reitor de Cooperação e Relações Interinstitucionais: Prof. Dr. Paulo Gustavo Pelegrino Correa

Estação Científica (UNIFAP) ISSN Eletrônico 2179-1902 Volume 3, número 2, jul.-dez., 2013 EDITOR-CHEFE Fernando Castro Amoras Universidade Federal do Amapá, Brasil

_____________________________________________________________ Estação Científica (UNIFAP) / Universidade Federal do Amapá, Pró-Reitoria de Pesquisa e PósGraduação, Departamento de Pesquisa. – V. 3, n. 2 (jul.-dez. 2013). – Dados eletrônicos. – Macapá: Universidade Federal do Amapá, 2011Semestral Descrição baseada em: v. 3, n. 2, 2013 e-ISSN 2179-1902 Modo de acesso: http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao 1. Ciências. 2. Interdisciplinar. 3. Pesquisa. I. Universidade Federal do Amapá. II. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. III. Departamento de Pesquisa. IV. Título: Estação Científica (UNIFAP).

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CONSELHO EDITORIAL Alaan Ubaiara Brito, Universidade Federal do Amapá, Brasil Alan Cavalcanti da Cunha, Universidade Federal do Amapá, Brasil Bárbara dos Santos Simões, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Cássia Hack, Universidade Federal do Amapá, Brasil Cezar Tadeu Bartholomeu, UFRJ – EBA, Brasil Cristiana Nogueira Menezes Gomes, Universidade Federal do Amapá, Brasil David Figueiredo de Almeida, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá, Brasil Edinaldo Pinheiro Nunes Filho, Universidade Federal do Amapá, Brasil Elias Antonio Vieira, UNESP FRANCA, Brasil Elinaldo Conceição Santos, UNIFAP, Brasil Elizabeth Viana Moraes Costa, UNIFAP, Brasil Fernando Castro Amoras, Universidade Federal do Amapá, Brasil Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha, Universidade Federal do Amapá, Brasil João Paulo da Conceição Alves, Universidade Federal do Pará (UFPa), Brasil Mário Martins, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, Portugal Valter Gama de Avelar, Universidade Federal do Amapá, Brasil Wanderley Pivatto Brum, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/PR), Brasil Willen Ramos Santiago, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Campus de Castanhal, Brasil


PARECERISTAS Aldeci da Silva Dias, UNIFAP, Brasil Aluana Vilhena Amoras, Governo do Estado do Amapá, Brasil Ana Rita Pinheiro Barcessat, Universidade Federal do Amapá, Brasil Argemiro Midonês Bastos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá, Brasil Bárbara dos Santos Simões, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Breno Marques da Silva e Silva, SEMA - GEA, Brasil Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa, Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Brasil Carlos Henrique Lima de Matos, Instituto Federal de Roraima, Brasil Cesar Augusto Nagi Gradella, Instituto de Ensino Superior do Amapá, Brasil Cristiana Nogueira, Universidade Federal do Amapá, Brasil David Figueiredo de Almeida, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amapá, Brasil Edcarlos Vasconcelos da Silva, Unifap, Brasil Elias Antonio Vieira, UNESP FRANCA, Brasil Eudes Cristiano Vargas, Faculdade do Noroeste Paranaense - FANP / Centro Universitário de Maringá - UNICESUMAR, Brasil Fábio dos Santos Massena, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Brasil Flávio Henrique Ferreira Barbosa, Universidade Federal de Sergipe, Brasil João Paulo da Conceição Alves, Universidade Federal do Pará (UFPa), Brasil Joaquim Onésimo Ferreira Barbosa, Faculdades Integradas do Tapajós - FIT, Brasil Leandro Freitas Pantoja, Brasil Layana Ribeiro Cardoso, UNIFAP, Brasil Miquéias Serrão Marques, Universidade Federal do Amapá, Brasil Rafael Bastos Ferreira, UNICAMP, Brasil Roberta Sá Leitão Barboza, UNIFAP, Brasil Sheylla Susan Moreira da Silva de Almeida, Universidade Federal do Amapá, Brasil Telma Temoteo dos Santos, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Programa de Pós Graduação em Ensino em Biociências e Saúde, Rio de Janeiro, RJ., Brasil Valter Gama Avelar, UNIFAP, Brasil Vinícius Ferreira Baptista, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil Yvens Ely Martins Cordeiro, Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará, Brasil Wanderley Pivatto Brum, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR/PR), Brasil Wellington Teixeira Lisboa, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Willen Ramos Santiago, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Campus de Castanhal, Brasil Estação Científica (UNIFAP), ISSN 2179-1902, é um periódico de publicação semestral do Departamento de Pesquisa da Universidade Federal do Amapá, na área Interdisciplinar, ou seja, está aberta em todos os ramos do conhecimento, com o objetivo de divulgar a produção científica desenvolvida no âmbito das instituições de ensino e pesquisa. Publica artigos originais e inéditos nas seguintes seções: artigo original, artigo de revisão, ensaio, entrevista, experimentação, grupos de estudos e de pesquisa, ponto de vista, relato de experiência/caso, relatos de práticas pedagógicas e resenhas. Está aberta a colaborações do Brasil e do exterior. Os procedimentos de análise e apreciação dos artigos pelos pareceristas são realizados com o anonimato dos autores dos respectivos trabalhos e pareceristas. O prazo de recebimento das contribuições de artigos é com fluxo contínuo. Está indexada em diversas bases de dados nacionais e internacionais.


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SUMÁRIO | CONTENTS Artigos de revisão de literatura

A controvérsia da nova classe média brasileira ................................................. 07 THE CONTROVERSY OF THE NEW BRAZILIAN MIDDLE CLASS Ualace Roberto de Jesus Oliveira A didática crítica como potencialidade emancipatória: gênero e diversidade no espaço escolar ............................................................................................. 21 THE CRITICAL DIDACTIC AS A EMANCIPATORY POTENTIAL: GENDER AND DIVERSITY AT SCHOOL Tássio José da Silva As tecnologias de informação e comunicação como prática de inclusão na EJA. INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES AS A PRACTICE OF INCLUSION IN ADULT EDUCATION Fabio Junior Silva dos Santos

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O Microscópio de Força Atômica (AFM): importante ferramenta no estudo da morfologia de superfícies na escala nanométrica ............................................. 41 THE ATOMIC FORCE MICROSCOPE (AFM):AN IMPORTANT TOOL IN THE STUDY OF SURFACES MORPHOLOGY IN THE NANO-SCALE

Erveton Pinheiro Pinto, Glenda Quaresma Ramos, Henrique Duarte da Fonseca Filho Projeto político-pedagógico: saberes na intencionalidade político-democrática dos sujeitos dialógicos ...................................................................................... 51 POLITICAL AND EDUCATIONAL PROJECT IN DEMOCRATIC ACTION: KNOWLEDGE IN MULTIPLE INTENTIONALITY POLICY SUBJECT DIALOGIC

Lélio Favacho Braga, Antônio Joaquim Severino Artigos originais Ação social weberiana: o perfil político da população na Assembleia Legislativa do Estado do Amapá (ALAP) e o regime democrático ...................... 63 WEBER SOCIAL ACTION: THE POLITICAL PROFILE OF POPULATION IN LEGISLATIVE ASSEMBLY OF THE STATE AMAPÁ (ALAP) AND THE DEMOCRATIC SYSTEM

Miquéias Serrão Marques Análise fitoquímica das cascas do caule do cajueiro (Anacardium occidentale L. – Anacardiaceae) .......................................................................................... 81 PHYTOCHEMISTRY ANALYSIS OF SHELLS OF THE STEM ANACARDIUM OCCIDENTALE L. Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Anna Eláyne da Silva e Silva, Sheylla Susan Moreira da Silva de Almeida Identificação do caráter medicinal da espécie Curatella americana por meio das folhas ......................................................................................................... 89 IDENTIFICATION OF CHARACTER MEDICINAL OF KIND CURATELLA AMERICAN THROUGH LEAVES Shayanne Vanessa Correia Henriques, Sheylla Susan Moreira da Silva de Almeida Diretrizes para autores ..................................................................................... 99

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Artigo de revisão de literatura

A controvérsia da nova classe média brasileira Ualace Roberto de Jesus Oliveira1 1 Mestrando em Economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil. E-mail: ualacejesus@bol.com.br

RESUMO: No presente trabalho será abordada a visão de alguns autores sobre a controvertida temática da “nova classe média”, destacando, assim, as diferenças conceituais e metodológicas existente entre a visão dos partidários da concepção de que há uma “nova classe média” brasileira e daqueles que são contrários a tal concepção. No presente trabalho serão discutidos também os avanços sociais ocorridos no Brasil nas ultimas décadas. Não obstante, a tradicional classe média também será discutida nesse processo, uma vez que para compreender o “fenômeno” que gerou a primeira é necessário entender a segunda, fato que permitirá, inclusive, possíveis comparações entre esses dois grupos. Palavras-chave: “Nova Classe Média”. Demanda Agregada. Salários”. The controversy of the new Brazilian middle class ABSTRACT: In this study will look at the view of some authors regarding the controversial issue of "new middle class", thus highlighting the conceptual and methodological differences existing between the views of supporters of the idea that there is a "new middle class" and those Brazilian that are contrary to this concept. In this study will also be discussed the social advances made in Brazil in recent decades. However, the traditional middle class will also be discussed, as to realize the "phenomenon" that generated it is necessary to first understand the second, which will indeed even possible comparisons between the two groups. Keywords: "New Middle Class". Aggregate Demand. Wages".

1 Introdução No imediato pós-guerra, o modo de produção capitalista vivenciou um dos momentos mais importante de sua história econômica. No chamado “anos dourados do capitalismo” alguns países tiveram expressivo crescimento econômico, configurando um episódio que a literatura econômica chama de “milagre econômico”. Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

Nesse processo o fordismo teve contribuição fundamental por meio de políticas que beneficiavam a classe trabalhadora, fato que corroborou, para fundar uma sociedade pautada no Estado de Bem-Estar social. Porém a prosperidade desse processo perdura até a década de 1970, pois os fundamentos que os sustentava passaram a apresentar sinais de decadência: o investimento privado e a rentabilidade http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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das empresas passaram a cair, e nesse ínterim a produtividade também passou a declinar. Com a crise do paradigma keynesiano o papel do Estado na economia foi revertido, cedendo espaço para o neoliberalismo econômico, este que por sua vez advogava a tese na qual o Estado deveria intervir minimamente na economia, além da austeridade fiscal. Os efeitos das políticas neoliberais foram sentidos também no Brasil com mais intensidade na década 90, haja vista a adesão do país ao receituário do FMI via consenso de Washington. O Brasil, assim, passou a registrar acentuadas quedas na taxa do crescimento e a enfrentar problemas sociais graves como desemprego, recessão e hiperinflação. Mas a partir de 2003, ocorreu um importante fato no Brasil que consistiu na ascensão social de mais da metade da população que se situa na base da pirâmide. Tal fato resultou das políticas de distribuição de renda que foram adotadas, associada à estabilização da moeda após muitos anos de elevados índices de inflação e a políticas de valorização do salário mínimo. Diante de tal fato muitos autores tem vociferado que há no país uma “nova classe média”. Laumonier e Souza (2010) apontam que o crescimento da classe média nos países emergentes é um dos fenômenos sociais e econômicos mais importantes da história recente e dentre os fatores que o deflagrou esta a extraordinária prosperidade da economia

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mundial nos 20 anos que antecederam a crise de 2008-2009. Contudo a ideia de que há no país uma nova classe média tem suscitado polêmica por dois motivos fundamentais: primeiro, a sociologia não analisa a sociedade pelo critério de classe econômica como muitos autores tem feito, e sim pelo de classe social; segundo, a ideia nova classe média está relacionada apenas com a questão consumo de bens e serviços e da renda corrente. O artigo tem por objetivo discutir os recentes avanços sociais que contribuíram para formação de uma “nova classe média” no Brasil, isto é, a nova classe C e as polêmicas que a envolve. O artigo justifica-se com intuito de entender os conceitos referentes à temática da nova classe média brasileira. Para tanto o artigo foi subdividido em quatro partes. Na primeira seção deste trabalho serão discutidas, brevemente, a formações de classes médias no período do pós-guerra. Na segunda seção será discutida sucintamente a temática referente à classe média brasileira. Na terceira seção será observada a visão dos principais autores concernente ao referido tema. Quanto aos aspectos metodológicos, este pesquisa pode ser considerada de caráter exploratório, conforme seus propósitos. Para os procedimentos do estudo foi feito um levantamento bibliográfico, para conhecimento mais aprofundado do referencial teórico.

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2 Breve histórico sobre a classe média no imediato pós-guerra

te (WANDERLEY, 2003 apud ARRIGHI, 2001).

De acordo com Belluzo (1995) os Estados Unidos foi a nação hegemônicos durante os primeiros vinte anos do pós-guerra e tal fato decorria de sua supremacia industrial, financeira e militar. Segundo o autor supramencionado, sob o manto desta hegemonia foram reconstruídas as economias da Europa e do Japão e criadas às condições para o avanço das experiências de industrialização na periferia do capitalismo. Com o plano Marshall, os EUA passaram a cooperar de forma ativa na reconstrução dos países envolvidos diretamente no conflito, fato que possibilitou a tais países crescer sem que houvesse pressão na suas respectivas balanças de pagamentos. Segundo Wanderley (2011) apud Arrighi (2001), iniciou-se no pós-guerra uma reestruturação profunda no espectro político e econômico. Uma nova ordem mundial foi criada sob a hegemonia americana, que no final dos anos 40 detinha o monopólio da liquidez internacional. No fim da guerra o saldo em conta corrente era muito mais alto que o da conta comercial, a centralização financeira mundial foi ainda maior:

Ainda de acordo com Belluzo (1995 apud ALLIENZ, 1988) um elemento importante nesse processo foi a criação de um mundo fundado sobre o direito ao trabalho que tinha como objetivo o pleno emprego e o crescimento dos salários reais. Assim:

Mudanças substancias foram introduzidas e várias áreas através da criação de vários organismos internacionais, a exemplo da ONU, FMI, BIRD e tantos outros. Essa concepção demonstra um rompimento com a economia ortodoxa e segue um roteiro keynesiano, com o Welfare Sta-

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Promover a dinâmica, onde o crescimento dos salários ocorre em benefício dos lucros que eles engendravam, implicou uma modificação no papel do Estado. Este, não apenas ratificou e garantiu os acordos de produtividade, mas também manteve, quando não planificou, a dinâmica revestida por eles: por um lado estimulou o consumo dos assalariados através do aumento das transferências sociais e, por outro, sustentava os investimentos produtivos controle das taxas de juros e política de investimentos públicos (BELUZZO, 1995 apud ALLIENZ 1988).

Todavia esse ciclo virtuoso apresenta sinais de falência na década de 70. Contribuiu para tal fato o “choque do petróleo”, juntamente com o processo de desindustrialização nos EUA, associado ao o aumento do desemprego na Europa e ao advento da reestruturação produtiva. Tais eventos contribuíram para reformulação do papel do estado na economia, com efeitos negativos, inclusive, sobre as classes médias. Para Guerra (2003 apud TOURAINE, 1999) a reestruturação produtiva reduziu hierarquias funcionais, limitando o gerahttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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dor de empregos assalariados da classe média no interior do setor industrial. Nesse processo, houve uma transformação no seio da classe média assalariada, expressa pela concentração crescente dos postos intermediários na estrutura ocupacional no setor terciário da economia, não mais necessariamente vinculados ao tradicional emprego assalariado: Trata-se de um conjunto de novas oportunidades ocupacionais de classe média indiretamente contratada no âmbito das cadeias de produção mundial e empresas em rede. Essa novidade na sociedade de serviços rompe com a tradicional classe média assalariada no interior da grande empresa industrial (GUERRA et al, 2006).

Como nos lembra (POCHMANN, 2013, p. 159) “a passagem do fordismo para o toyotismo terminou sendo acompanhada pela crescente instabilidade nos destinos ocupacionais, distante da incorporação dos ganhos de produtividade, sem proteção do Estado e com ausência de regulação pública”. 3 Breve histórico da classe média no Brasil De acordo com Prieb (2012) a classe média apresentou peso econômico e político bastante decisivo na história recente do Brasil. Segundo Laumonier e Souza (2010) a classe média e, especialmente, seu braço militar teriam sido uma das forças motrizes da proclamação da republica, da serie de inEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

surreições contra o poder econômico e políticos das oligarquias agrárias que pontilharam os anos 20, e por fim a revolução de 1930. “A classe média foi o substrato social ‘que animou e vivificou a pregação de idéias: progresso econômico, enriquecimento, ampliação e diversificação do trabalho brasileiro, técnica, iniciativa, renovação das classes dirigentes, reforma social’” (LAMOUNIER; SOUZA, 2010, p.9). Com Juscelino Kubitschek, uma nova lógica de acumulação passa a favorecer o crescimento da classe média e este evento foi favorecido pela entrada de capital externo e pela chegada de empresas multinacionais com destaque para as montadoras de automóveis, estas que foram responsáveis pela política governamental de ampliação do sistema rodoviário com a construção de estradas por todo o país (PRIEB, 2012). Fazendo uma retrospectiva acerca das transformações sociais ocorridas recentemente o Brasil, Pochmann destaca que o país conviveu com três dimensões diferenciadas de transformação social em apenas em 50 anos, a saber, de 1960 a 2010. A primeira delas, de acordo com o autor, ocorreu de 1960 a 1980 onde houve no país uma forte expansão do ritmo de crescimento da renda per capita, com crescimento anual de 4,6 ao ano. Mesmo havendo essa melhora a participação do rendimento de trabalho na renda nacional caiu 11,7%, enquanto o grau de desigualdade na distribuição pessoal da renda do trabalho aumentou algo em

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torno de 22% no período supracitado (POCHMANN, 2012). A partir de 1981 o autor assinala que houve um segundo processo de mudanças sociais no Brasil. Nesse período as condições sociais não foram favoráveis para o conjunto dos trabalhadores. De 1981 a 2003 o quadro geral observado foi demarcado pela estagnação do rendimento do conjunto dos ocupados, com variação anual positiva de somente 0,2% (Pochmman, 2012). “Em resumo, a situação geral do trabalho regrediu consideravelmente (-14), tendo em vista a elevação do emprego aberto e a proliferação de postos de trabalho de reduzida remuneração e alta informalidade contratual” (POCHMANN, 2012, pg.14). Conforme Pochmann (2004), o país passou a registrar sinais expressivos de regressão ocupacional. “A elevada instabilidade nas atividades produtivas juntamente com a combinação perversa entre o a financeirização da riqueza e a inserção passiva e subordinada do Brasil na economia mundial aprofundou os efeitos deletérios sobre a classe média” (POCHMANN, 2004, p.3). Ao fim dos governos militares o país passou a registrar elevados índices hiperinflação, além de acentuado nível de concentração da renda e riqueza e dívida externa elevada. Nos anos 90, os efeitos da desestruturação no mercado de trabalho tornaram-se mais evidente, pois o rumo da política econômica comprometeu o ingresso da população no nele (Gomes, 2005). “Os anos 90 afiguraram-se como importante ponto de inflexão na trajeEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

tória da economia brasileira. Já no início da década, deu-se início a um processo de desregulamentação da economia e sua abertura, além da retirada do Estado do campo produtivo (via privatizações) e contingenciamento do gasto público (GOMES, 2005, p.6)”. Em 1994 com objetivo de estabilizar a economia, após algumas tentativas malogradas de estabilização, o plano Real deu um novo fôlego à classe média, pois a paridade da nova moeda com o dólar possibilitou que a classe média voltasse a consumir viagens ao exterior, bebidas e outros produtos importados. “Em 1994, iniciou-se também um boom econômico, apesar de taxas de juros reais muito altas. O boom teve sua origem no aumento dos salários reais” (MOURA, 2007, p.121). 4 Temos uma “nova classe média”? No debate sobre a possível existência de uma nova classe média são levantadas questões relacionadas aos novos padrões de consumo desse grupo, as interações sociais das quais participam os seus integrantes. No centro dessas discussões serão desatacadas a visão de alguns autores acerca da nova classe média brasileira. De acordo com Abílio (2011) o período das duas gestões do governo Lula apresentou uma significativa mudança na composição da estratificação por renda da sociedade brasileira. Esse processo é fruto de políticas que promoveram: “valorização do salário mínimo; queda da taxa de juros; ampliação do programa Bolsa-Família; queda http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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da taxa de desemprego; aumento do emprego com carteira assinada; elevação do rendimento dos trabalhadores (SICSÚ, 2013, p.40-44)”. “A manutenção das taxas relativamente baixas de inflação tornou possível romper com o mecanismo de corrosão real dos salários; a recuperação do poder de compra do salário mínimo aumentou muito acima da taxa de inflação acumulada que foi de 251,3%” (FERREIRA FILHO; FONSECA, 2013, p.2). A expansão interna se dá mediante formulação e execução de políticas públicas, sobretudo a partir da formatação de uma rede de proteção social orientada para a redução das desigualdades sociais, para a criação de um mercado interno vigoroso e para a distribuição da renda (PINHO, 2011). Ademais, a elevação do padrão de consumo de milhões de brasileiros, além do ingresso no ensino superior de outros tantos, a qualificação profissional, a criação de oportunidades, além de novas aspirações e valores teriam provocado o surgimento de uma nova classe média (POMAR; TIBLE, 2012). Diante do que foi exposto como podemos definir, então, a nova classe média? Embora classe média seja um termo de uso comum, sua definição continua a desafiar os cientistas sociais. Se o conceito de classe média continua envolto em controvérsias o de nova classe média é ainda mais controverso. Uma das prioridades é colocar em discussão as definições existentes, suas bases teórico-conceituais e as formas como empiricamente têm sido operacionalizadas. Uma das visões aEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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cerca da nova classe média é aquela que a interpreta como o segmento dos “entrantes”, ou seja, aqueles que outrora eram pobres e que nas duas últimas décadas ascenderam verticalmente na pirâmide social. Segundo esta visão, a nova classe média é parte da atual classe média, sendo formada pelos novos “entrantes” (BARROS et al, 2010). De acordo com Lamounier (2010) historicamente, a classe média tradicional teve relação umbilical com o serviço público. Era formada por funcionários do governo que tinham emprego estável e que tinham também uma perspectiva de aposentadoria muito favorável. Seu estilo de vida era bastante peculiar, inclusive no vestuário. A classe média de outrora também tinha acesso a boas escolas públicas. Já a classe C é bastante diferente. A “nova classe média” é um universo bem mais amplo. Não existe nela a mesma homogeneidade de valores, crenças políticas ou comportamentos sociais que há na classe média tradicional (LAMOUNIER, 2010). Ao contrário dos integrantes da classe média tradicional, que apenas almejavam reproduzir o status dos pais, em um universo mais ou menos estático, os filhos dessa “nova classe média” querem subir na vida, viver melhor, consumir mais (LAMOUNIER, 2013). Lamounier e Souza (2010) ao apontar as transformações sociais ocorridas recentemente no país destacam que elas foram importantes para formação da nova classe média:

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A controvérsia da nova classe média brasileira

De fato milhões de brasileiros passam a experimentar a mobilidade social em um contexto de mudança no plano das identidades coletivas; mudanças que dizem respeito não apenas a taxas ou padrões individuais de mobilidade, mas ao próprio sistema de estratificação social (LAMOUNIER; SOUZA, 2010, p. 157).

Na temática referente à nova classe média os autores discutem questões acerca dos valores cultivados por esse grupo (religiosidade, empreendedorismo, capital social, consumo, aspectos políticos e etc.) e suas aspirações, além dos desafios econômicos que doravante enfrentarão a nova classe média. Para Azevedo e Margedan Junior (2009) o grande aumento na renda das classes C e D causados pelo aumento real do salário mínimo, aposentadorias e proteção social melhoraram e muito a distribuição de renda. Segundo os autores supracitados o mercado de baixa renda que outrora concentrava seu consumo em bens de primeira necessidade, hoje apresenta grande potencial de consumo. Os autores atribuem papel fundamental ao crédito no processo de diversificação na pauta de consumo dos integrantes da base da pirâmide: “o crédito facil possibilita a compra de bens antes exclusivos da classe média para cima, como DVDs, computadores e brinquedos mais caro. O Brasil possui um expressivo percentual de domicilios com televisores, o que leva esse consumidor a desejar o que vê na televisão” (AZEVEDO; MARGEDAN JUNIOR, 2009). Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Azevedo e Margedan Junior (2009) abordam também questões referente a participação das pessoas das classe C, D, e E por estados e região. Segundo eles a população de baixa renda, com potencial de consumo é prioritariamente urbana e vive na periferia das grandes cidades com forte concentração nas maiores regiões metropolitanas e, em particular, nas de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas o aspecto chave na obra desses autores diz respeito ao comportamento do consumidor de baixa renda: Para entender os motivos reais de uma compra é necessário reconhecer qual a verdadeira necessidade ou desejo dos vários tipos de consumidores e para isso recorremos a psicologia, que já identificou diversos modelos de comportamento do consumidor (AZEVEDO; MARGEDAN JUNIOR, 2009, p.47).

Por isso tais autores lista alguns modelos que, segundo eles, determinam a estratégia que melhor se adaptará ao comprador potencial. Os modelos são: modelo de aprendizagem, modelo psicanalítico, modelo sociológico, modelo econômico, modelo de Maslow. 1 – Modelo de aprendizagem: esse modelo sugere que as necessidades são resultado da interação entre diversos impulsos (primários ou instintivos e aprendizado), estímulos, sugestões, reações e reforços. Cada vez que existe uma necessidade existe um impulso instintivo de satisfazê-lo. 2 – Modelo psicanalítico: de concepção freudiana, esse modelo sugere que http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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o ser humano tem uma serie de impulsos sexuais não satisfeitos e que as decisões não-satisfeitas e as decisões tomadas procuram sua sublimação. Esse modelo é muito utilizado nos artigos comerciais. 3 – Modelo sociológico: o modelo sociológico determina que o comportamento humano é fortemente moldado pelo comportamento do grupo social a que o indivíduo pertence e pelas forças sociais que o envolvem. Em outras palavras, o consumidor acha que deve ter um comportamento semelhante (geralmente um pouco acima) ao de seus iguais. Isso que dizer que, se o individuo pertence a um grupo social – a galera – que costuma utilizar tais ou quais produtos e praticar tais ou quais atos, ele também de utilizá-los, se possível, até dos mesmos fornecedores. 4 – Modelo econômico: esse modelo determina que o consumidor, quando busca um produto, analisa, antes de tudo, uma melhor relação custo/benefício. A obtenção dessa relação custo benefício precisa ficar bem clara, pois, segundo uma ótica simplista, o consumidor buscaria sempre um preço menor, que, em muitos casos, não reflete a realidade. 5 - Modelo de Maslow: Maslow define que as necessidades não se verificam todas ao mesmo tempo, mas aparecem em grupos e de uma forma tal que as necessidades de um determinado grupo só surgem quando as necessidades do grupo anterior já estejam satisfeitas. A representação do modelo de Maslow é uma pirâmide, o que significa que todos os indivíduos têm as Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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necessidades do último grupo. E mais: a situação de um indivíduo, ou mesmo de um grupo de indivíduos, através da pirâmide, pode regredir, em função de um fator externo que venha a influenciar o indivíduo ou grupo, como aumento do nível de desemprego ou queda nos índices de confiança da população. Salama (2012) destaca o fato de alguns economistas definirem os critérios de adesão a classe média levando em conta a distribuição de renda de um país, em particular, para definir o limite máximo. No entanto, na maioria das vezes os limites mínimos e máximos levam em conta a distribuição de renda. Pertencem à classe média, os indivíduos cujo rendimento é situa-se entre o 3 º e o 9 º decil, entre o 2 º e o 4 º quintil ;ou, finalmente, aqueles cuja renda seria entre o 3 º e o 4 º quintil. “Na mesma linha, outros referem-se a renda média: pertencem a indivíduos de classe média (famílias) cuja renda é estar entre 0,75 e 1,25 vezes a renda média , ou entre 0,5 e 1 5 do rendimento médio , ou, finalmente, mais amplamente, aqueles cuja renda é entre 0,6 e 2,25 vezes a renda média” (SALAMA, 2012). Marcelo Neri (2012) sem duvida alguma é o maior entusiasta da nova classe média. Em seu livro “a nova classe média o lado brilhante da base da pirâmide” destaca que os avanços sociais em curso no país propiciaram a 40% da população ser incorporadas a classe C, e que tais avanços contemplaram, principalmente, os grupos sociais menos favorecidos: mulheres, negros, http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


A controvérsia da nova classe média brasileira

analfabetos e pessoas de baixa escolaridade. Para o autor, a nova classe média está no contexto das políticas sociais em curso no país que tem ajudado a quebrar o chamado “ciclo geracional” da pobreza e o “símbolo” dessa nova classe média é o vínculo formal de trabalho, isto é, a carteira assinada. Ainda segundo o referido autor, essa classe média a “la brasileira” difere da européia e norte-americana, mas é uma classe media mundial uma vez que a distribuição de renda no Brasil está muito próxima da distribuição de renda no mundo. Na metodologia adotada por Neri essa “nova classe média” engloba as faixas de renda situada entre 1.064 R$ e 4.561 R$ e para ele a “nova classe média” representa quase a metade da população nacional. Entretanto o conceito de “nova classe média” utilizado por Neri e por alguns autores não tem sido aceito passivamente por outros estudiosos do tema. Souza (2013), por exemplo, declara que a construção do conceito de uma “nova classe média” carece de qualquer reflexão aprofundada. Para o referido autor, Neri simplesmente toma o “rendimento médio” como indicador da “nova classe média”: O conceito de “classe econômica” é absurdo já que ou pressupõe que as determinações econômicas são as únicas variáveis realmente importantes para o conceito de classe ou, caso contrário, deveria simplesmente se referir a “faixas de renda” e não a ‘classes’ (SOUZA, 2013, p.56).

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Sobre a questão referente a classes sociais duas visões destacam-se na literatura econômica, a saber, a marxista e weberiana. Para Marx a classe social remete a uma relação social com os meios de produção, relação esta que implica na necessidade de esses indivíduos se organizarem politicamente numa espécie de comunidade para que a classe se efetive. De acordo com Pereira (2012) as classes sociais, na literatura marxiana, figura lugar privilegiado na sua análise, e é estrutura movida e movente da história. Para Oliveira (2011) na análise teórica, Marx concebe a existência do modo de produção capitalista em estado puro onde as classes se reduzem à burguesia e ao proletariado em um modelo dicotômico: A estrutura de classes no modo de produção capitalista que podemos retirar de Marx está vinculada a sua concepção materialista da história. A relação fundamental é a relação dos produtores diretos da riqueza social, os proletários, e os apropriadores do excedente econômico, os donos dos meios de produção, os capitalistas (PEREIRA, 2012, p. 29).

Segundo Weber, o conceito de classe social se refere à ordem econômica da sociedade. De acordo com Lemos (2011) classe social é definida como um grupo de indivíduos que tem em comum um componente causal representado exclusivamente por interesses econômicos e em condições determinadas pelo mercado de bens ou de trabalho. Ainda segundo o referido auhttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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tor para Weber classe social é definida por um número de pessoas que comungam em suas oportunidades de vida, um mesmo componente causal específico. Esse componente é exclusivamente representado por interesses de cunho econômico da posse de bens, das oportunidades de renda, das condições do mercado de produtos e do mercado de trabalho. “A situação de classe é, então, definida pelo tipo de propriedade utilizada para a obtenção do lucro e pelos tipos de serviços oferecidos no mercado. Logo, as categorias básicas que a orientam são proprietários e não-proprietários. Como o fator que cria a classe é um interesse econômico claro vinculado à existência no mercado, a “situação de classe, nesse sentido, é, em última análise, situação no mercado (LEMOS, 2011 apud WEBER, 1974)”. Na visão de Pochmann não há no país uma nova classe média. Embora o autor destaque a importância dos avanços sociais obtidos pelos grupos que ocupam a base da pirâmide social, ele afirma ser um equívoco entender a elevação de renda como mudança de classe social. O autor então afirma não apreciar o conceito de classe A, B, C, D, e E. Para ele este é um critério que normalmente as empresas adotam, analisando o nível de renda dos consumidores. Em face disso, Pochmann declara preferir os critérios weberianos e marxistas para observar a estrutura de classes numa sociedade (RIZZOTO, 2013). De acordo com Kopper (2014, p.13):

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“O estudo coordenado pelo economista Marcio Pochmann (2012) questiona a pertinência do conceito de “nova classe média” para dar conta desses processos recentes de mobilidade social. Baseando sua análise na estrutura de ocupações da população, o autor sugere, desde uma perspectiva marcada pelo marxismo, que poucas mudanças em termos de estratificação social foram efetivamente observadas ao longo da última década no país”.

Singer (2012) também aponta os avanços sociais ocorridos fruto das políticas sociais focadas na população mais carentes por meio de programas sociais como bolsa família, aumento do crédito consignado e aumento do salário mínimo. Porém, o autor descarta a tese de que temos no país uma “nova classe média”, visto que para ele o país está longe de um processo de distribuição de renda pleno emprego e por esta razão acredita na existência de um novo proletariado ou subproletariado. De acordo com o referido autor o que houve no país foi um “reformismo fraco”, pois ao mesmo tempo em que governo implementou uma importante política de combate a pobreza, manteve políticas macroeconômicas conservadoras como o “tripé”: alto superávit fiscal, altas taxa de juros, regime de metas de inflação: Teria havido, a partir de 2003, uma reorientação que permitiu, contando com a mudança de conjuntura econômica internacional, a adoção de políticas para reduzir a pobreza – com destaque para reduzir a pobrehttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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za – e para ativação do mercado interno, sem confrontação com capital (SINGER, 2012, p.13)”.

Segundo o Jessé de Souza o processo de modernização brasileiro não constitui apenas as novas classes sociais que se apropriam diferencialmente dos capitais cultural e econômico. Ele constitui também uma classe inteira de indivíduos que se apropriam de forma diferente dos capitais culturais e econômico. Contempla também uma classe inteira de indivíduos que além de ser desprovida de capital cultural é também econômico é também desprovida das precondições sociais, morais e culturais que permitem essa apropriação (Souza, 2010). Uma fração expressiva dessa classe social é chamada pelo autor provocativamente de “ralé estrutural”. Ela é sempre esquecida como classe com gênese e destino comum, e só é percebida no debate publico como um conjunto de indivíduos carentes ou perigosos, tratados de forma fragmentaria e por temas de discussões superficiais, dado que nunca chegam a sequer a nomear o problema real, tal como violência, segurança publica, problema da escola pública, carência da saúde publica, combate a fome e etc. (Souza, 2010). Ainda de acordo com Souza (2010) a família típica da ralé caracteriza-se como sendo monoparental, com mudança frequente do membro masculino, associado ao fato de haver nela casos de abuso sexual sistemático. A nela também outra questão importante que é o fato de ser caracterizada por uma cisão que corta essa classe ao Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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meio entre pobres honestos e pobres delinquentes (SOUZA, 2010). Já a outra parte desse grupo social é chamada pelo autor de “os batalhadores”, em contraponto a ideia de “nova classe média”. Segundo ele, vários batalhadores são oriundos da ralé, para a qual os fatores destrutivos puderam ser compensados de algum modo eficaz – e conseguiram a duras penas a ascensão material e alguma dose de autoestima e de reconhecimento social (SOUZA, 2010). Observando a sociedade brasileira Unger elaborou uma importante taxonomia sobre os estratos socioeconômicos existente no país hoje. Nos seus estudos Unger descreve que a sociedade brasileira está divida em cinco categorias. A primeira categoria é a classe média tradicional, e esta sempre foi o agente político decisivo na história do país. Tudo de mais importante que ocorreu na história brasileira, segundo este autor, aconteceu nos momentos em que a classe média tradicional se desgarrou na plutocracia de orientação colonial e passou a protagonizar outra ideia de futuro colonial no Brasil em nome de todos. A segunda categoria é a segunda classe média, esta que é formada por uma pequena burguesia emergente e empreendedora. No que tange a “orientação espiritual” da segunda classe média ela consiste na cultura do auto-salvamento e na descrença nas estruturas. Segundo Unger (2010) não se trata de uma teologia da prosperidade, mas sim de uma teohttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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logia da secessão, que consiste em sair do mundo macro para o micro: Se o mundo maior é caracterizado pelo conúbio da troca, da prepotência e do sentimento, cuja fórmula básica é a “sentimentalização das trocas desiguais”, o micro mundo será caracterizado pela disciplina, pelo autocontrole, pela prospecção, pela confiabilidade, o cumprimento das promessas e o preparo do futuro (TEXEIRA, 2013, pg.21).

A terceira categoria é os assalariados da economia formal que inclui o setor intensivo em capital e a quarta é a dos Batalhadores. Já a quinta é a ralé brasileira, chamada, assim, provocativamente os excluídos do Brasil. 5 Conclusão Pode-se inferir nas análises dos autores que são contrários a concepção da nova classe média brasileira, que eles apresentam tal posicionamento, haja vista estarem ligados a tradição marxista. Destarte, o debate referente à estrutura social no Brasil deverá perpassar, para tais autores, pela questão da luta de classes. Embora tais análises sejam importantes, uma vez que ela nos leva refletir sobre os problemas sociais que ainda há no Brasil deve-se observar que há questões presentes nelas que são passiveis de ponderações. O fato de haver mazelas no Brasil, por exemplo, a despeito do progresso material que vivenciamos nos últimos anos, não é motivo para afirmamos que temos apenas subEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

proletáriado, batalhadores e ralé. Ao fazer tais conclusões, não é observado que a NCM é um universo bastante heterogêneo, fato que conduzem tais autores a conclusões precipitadas. Ademais, neste debate deve considerar que a estratificação social no Brasil contempla uma nova classe média empreendedora, visto que a “mudança mais importante por que vem passando a sociedade brasileira é o surgimento de nova pequena burguesia: uma classe média sedenta de oportunidades, dedicada à auto-ajuda econômica, educativa e espiritual e impaciente com as imposturas dos políticos, a frivolidade dos ricos e a irrelevância dos intelectuais” (Unger, 2014.pg.2). Mas do que questões de cunho objetivo que devem estar presente nesta temática há também questões subjetivas importantes a ser consideradas, como o capital cultural e humano, por exemplo, como aponta alguns defensores da nova classe média brasileira. Referências ABILIO, L. C. A nova classe média vai ao paraíso? Disponível em: <http:// www.ipea.gov.br/code2011/chamada2 011/pdf/area11/area11-artigo7.pdf.>. Acesso em: 22 abr. 2014. BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo desenvolvimentismo uma proposta para economia do Brasil. Revista Nueva sociedad em português, ISSN: 0251-3552, dez. de 2010. Disponível em: <www. nuso.org> BELUZZO, L. G. de M. O declínio de Bretton Woods e a emergência dos http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 07-20, jul.-dez. 2013


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Artigo recebido em 03 de janeiro de 2015. Aceito em 25 de fevereiro de 2015.

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Artigo de revisão de literatura

A didática crítica como potencialidade emancipatória: gênero e diversidade no espaço escolar Tássio José da Silva1 1 Mestrando em Educação pela Universidade Federal de São Paulo. Especialista em Educação Infantil pela Faculdade de Ciência, Tecnologia e Educação. Graduado em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Pedagógico na Prefeitura Municipal de São Paulo, Brasil. E-mail: tassiojosedasilva@gmail.com

RESUMO: Este artigo objetiva problematizar o conceito de didática crítica e, por extensão, o fenômeno educativo na sociedade contemporânea, especificamente no que diz respeito às relações de gênero. Nesse sentido, tem como finalidade discutir, teoricamente, o papel das instituições educacionais no que tange às questões envolvendo a diversidade, diferença e alteridade, referenciando a importância da formação de professores/as nesse processo. Palavras-chave: Didática. Relações de gênero. Formação de professores. The critical didactic as a emancipatory potential: gender and diversity at school ABSTRACT: This paper aims to analyze the concept of critical didactic and, by extension, the educational phenomenon in contemporary society, specifically with regard to gender relations. In this sense, aims to discuss theoretically the role of educational institutions with respect to issues involving diversity, difference and otherness, referencing the importance of teacher education in this process. Keywords: Didactic. Gender relations. Teacher training.

1 Palavras iniciais O presente texto tem como objetivo discutir o conceito de didática crítica e o fenômeno educativo na sociedade contemporânea frente às questões de gênero. Desta forma, problematiza-se, teoricamente, o papel da escola no que se refere, em particular, às relações que envolvem a diversidade, a diferença e a alteridade. Nesta perspectiva, reconhece-se que a formação de professores/as é um elemento-chave para o desafio da aplicação prática dos prinEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

cípios de igualdade de gênero e cidadania, que assegurem o reconhecimento de novos valores ligados à masculinidade e feminilidade, apontados pelas políticas públicas nacionais e internacionais. 2 Didática crítica: alguns apontamentos Podemos considerar que o objeto de estudo da didática centra-se no processo de ensino na sua totalidade, a partir de múltiplas intenções, para a http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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viabilização e organização do ensino e da aprendizagem. Neste movimento, a mediação docente é fundamental para a efetivação dos objetivos, conteúdos e métodos com vistas à assimilação crítica e consciente de conhecimentos (LIBÂNEO, 2011). Deste ponto de vista, fica claro que a didática se dedica ao processo ensino e aprendizagem balizada pelas finalidades educativas. Nessa linha de entendimento, a atuação do campo da didática não se limita apenas às relações estabelecidas no espaço educativo, pelo contrário, por ser um “objeto complexo e multideterminado” (PINTO, 2012, p. 2), o fenômeno educativo influencia e é influenciado por condicionantes políticos, sociais, culturais, econômicos, entre outros. “Trata-se de processos simultâneos e interpostos em forma de rede, cujos fios, procedentes de diferentes instâncias do sistema educacional, acabam por atarem seus nós nas salas de aula” (PINTO, 2012, p.01). Para este pesquisador, as iniciativas governamentais e institucionais, de modo direto ou indireto, ressoam no trabalho que os/as docentes efetivam com seus alunos/as, ou seja, sua ação alimenta e é alimentada pelo campo da didática e pelas políticas públicas de educação. Nesta perspectiva, aos educadores cabe uma postura crítica e política em consonância com uma atuação pedagógico-didática comprometida que garanta aos seus/suas alunos/as uma formação sólida de conhecimentos, pensamento autônomo, capacidade de duvidar e interrogar a realidade e, ao mesmo tempo, competência para dar Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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respostas a problemas práticos (LIBÂNEO, 2011). Nesta esteira, este pesquisador discute a abordagem críticosocial dos conteúdos, como metodologia de ensino que possibilita a apreensão do objeto de conhecimento nas suas peculiaridades e características, suas relações, contradições e nexos sociais. “[...] é pelo estudo ativo das matérias, pelos métodos de assimilação ativa providos pelo professor, pela observação, análise e síntese em relação aos objetos de conhecimento que os alunos podem desenvolver suas capacidades de críticas e formar convicções” (LIBÂNEO, 2011, p. 136). A partir do campo de estudos da didática, e do papel crítico do professor/a pedagogicamente orientado, como pensar o processo de ensinoaprendizagem com as novas demandas apresentadas no cenário contemporâneo por muitos designado como pósmodernidade (HARVEY, 1992)? Para Libâneo (2011) pensar na educação como uma atividade genuinamente prática e sua inserção na condição pósmoderna exige-nos desenvolver uma prática interdisciplinar. Precisamente porque a pedagogia envolve trabalho com uma realidade complexa, faz-se necessário que invista na explicitação da natureza do seu objeto, no refinamento de seus instrumentos de investigação, na incorporação dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, bem como que se insira na gama de práticas e movimentos sociais de cunho intercultural e transnacional referentes à luta pela justiça, pela solidariedade, http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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pela paz e pela vida. (LIBÂNEO, 2011, p.138-9).

Cabe destacar, nesta linha de raciocínio, que as questões centrais levadas a cabo no campo pós-colonial e pósestrutural são as que se referem às diferenças, à diversidade, à hibridação, que trazem em seu bojo a questão do antirracismo, do multiculturalismo e do feminismo (ABRAMOWICZ, 2013). Com efeito, o desafio em propiciar um ambiente escolar igualitário e, sobretudo, aberto a diversidade e a interculturalidade (CANDAU, 2010), carece, essencialmente, na implementação de leis que viabilizem a valorização de grupos minoritários historicamente excluídos do exercício da cidadania. No Brasil, a promulgação da Lei nº 10.639/03, cuja proposta infere na obrigatoriedade de inserção na rede regular de ensino da Cultura e História Africana e Afro-brasileira, sendo esta, um exemplo de iniciativa para fomentar a importância dos negros na história do País e no combate ao racismo. No entanto, o desafio está justamente em colocá-la em prática no cotidiano das escolas brasileiras, uma vez que tímidas iniciativas têm sido realizadas por partes de secretarias, educadores e gestores de instituições escolares. Da mesma forma, o debate em torno das relações de gênero nos espaços educativos advém, de certa forma, de documentos com orientações, recomendações ou mandatórios que discutem os princípios de igualdade de gênero e cidadania para assegurar o reconhecimento de novos valores ligados à masEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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culinidade e feminilidade, apontados pelas políticas públicas nacionais e internacionais. Partindo desses pressupostos e considerando a instituição escolar como primeiro espaço público coletivo que as crianças frequentam fora do seio familiar, faz-se necessário refletir sobre as experiências de gênero vivenciadas nesta fase, a fim de perspectivarmos uma educação democrática e não discriminatória desde a primeira etapa da educação básica, destacando que a vivência no coletivo infantil permite-se múltiplas possibilidades de aprender com o outro, com o diferente, que é no convívio social que as crianças constroem suas identidades e, deste modo, vivenciam desde a mais tenra idade o significado de ser meninas/os, negras/os, brancas/os, nas relações do dia a dia desde a creche e na condição de ser criança (FARIA; FINCO, 2013). 3 Gênero e diversidade: o que as pesquisas nos revelam? No que tange especificamente às questões de gênero, Vianna (2004) observa que, em nossa sociedade, as diferenças entre homens e mulheres são atreladas ao sexo e às características físicas, consideradas imutáveis. Nas palavras desta autora, “o feminino e o masculino são apresentados em categorias opostas, excludentes e hierarquizadas, nas quais a mulher, os valores e os significados femininos ocupam posição inferior” (VIANNA, 2004, p. 22). De acordo com as pesquisas que http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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norteiam os estudos sobre gênero, foi para contrapor as explicações biologistas acerca das diferenças sociais entre homens e mulheres e denunciar as diversas formas de exclusão e discriminação às quais estavam submetidas as mulheres, no final da década de 1960, que o movimento feminista nascente forjou o conceito de gênero. “Não há como falar de gênero e não recorrermos ao feminismo, posto que foi no interior deste movimento que o conceito adquiriu visibilidade, como também punho teórico” (COSTA; RIBEIRO, 1998, p. 03). Para Scott (1995), as relações de gênero baseiam-se nas particularidades percebidas entre homens e mulheres, além das diversas simbologias fornecidas pela cultura, reproduzidas nas relações sociais. Para esta autora, o conceito de gênero não se limita à visão masculino/feminino, mas enfatiza o caráter social das relações, com foco na construção histórica e não em algo já determinado a priori, tal como defende a perspectiva “biologicista”. O gênero, portanto, é “a organização social da diferença entre os sexos. Ele não reflete a realidade biológica primeira, mas constrói o sentido dessa realidade” (GROSSI; HEILBORN; RIAL, 1998, p. 115). Em instituições sociais, práticas cotidianas, rituais e em todos os âmbitos que constituem as relações sociais, as diferenciações de gênero estão presentes, perpassando discursos carregados de valores discriminatórios e modeladores de formas de representação e atuação de mulheres e homens na sociedade. Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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A inter-relação social fundamentada em perspectivas de gênero reflete a situação de “supremacia” dos homens em relação às mulheres, no que tange ao acesso a oportunidades e, de forma geral, no que diz respeito a representações na sociedade, inculcando à mulher uma posição de subalternidade, em que as possibilidades de ascensão social, em especial no espaço público, são-lhes muitas vezes tolhidas. Segundo Cameron (2002, p. 125), “[...] a tendência para classificar o universo de acordo com uma oposição entre princípios masculinos e femininos é recorrente no pensamento patriarcal”. O sistema do patriarcado, que impõe valores assentes na centralidade e superioridade do homem, necessariamente heterossexual, fundamenta-se na noção de “natureza” sexual em que as diferenças biológicas justificam as especificidades e diferentes posicionamentos de mulheres e homens. Partindo dessas constatações, podemos questionar: Como o espaço educativo, em toda a sua complexidade, discute a questão da diversidade e diferença? Meninos e meninas são educados da mesma forma? As expectativas são as mesmas? As estratégias e instrumentos mobilizados pelos docentes potencializam a desconstrução de certos estereótipos e papéis de gênero, socialmente determinados? Considerando a Pedagogia como teoria e prática da e para a práxis educacional (SCHMIED-KOWARZIK, 1983) e a didática no planejamento, no método, nos conteúdos, podemos pensar que os espaços educativos estão atentos às prátihttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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cas sutis de cunho sexista? Estudos educacionais, salvo raras exceções, não consideram o sexo dos/as participantes do cotidiano escolar e os significados de gênero que constituem tal dinâmica (AUAD, 2004). As discriminações de gênero no espaço educacional ocorrem de diferentes formas, a mais latente se dá pelo uso da linguagem. Apesar de aprendermos desde cedo que existem formas distintas para nos dirigirmos às pessoas segundo o sexo a que pertencem1, o espaço da escola, ao contrário desta lógica, opera com uma suposta neutralidade, onde o masculino genérico rouba a cena linguística. Outra forma de anular o protagonismo das mulheres se dá por meio dos conteúdos específicos de ensino. De acordo com Moreno (1999), o modelo linguístico androcêntrico apresentado nas histórias de guerras, heróis e mitos machistas, como a valorização da força e outros estereótipos considerados masculinos, ecoam nas salas de aula desde a Educação Infantil até o Ensino médio. Nesse sentido, a autora se debruça na concepção de uma educação não-sexista, cuja união entre escola, família e sociedade viabilize discussões que promovam a igualdade de gênero. Problematizarmos os espaços e sua influência na educação e cuidado de meninas e meninos busca também a compreensão da organização institucional, que tem no sexo um critério 1

Esta noção não se aplica a todas as línguas, na inglesa, por exemplo, o artigo the é usado indiscriminadamente, ou seja, varia de acordo com o/a interlocutor/a.

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para a organização e o uso dos tempos e dos espaços. Essas questões possibilitam compreender a complexidade da construção dos valores presentes na organização dos espaços e nas práticas educativas atribuídas a cada sexo, o que também implica problematizar as expectativas de gênero dos adultos e adultas frente às crianças. O esforço reflexivo por compreender a escola como espaço sociocultural exige seu entendimento na ótica da cultura, que, sob um olhar mais denso, […] leva em conta a dimensão do dinamismo, do fazer-se cotidiano, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e professores, seres humanos concretos, sujeitos históricos, presentes na história, atores na história. Falar da escola como um espaço sociocultural implica, assim, resgatar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui, enquanto instituição. (DAYRELL, 1995, p. 126).

No âmbito da Educação Infantil, as diferenciações de gênero também estão presentes. Pesquisas demonstram a importância de brinquedos e brincadeiras como espaços privilegiados para a construção das identidades de gênero na infância (FARIA; DEMARTINI; PRADO, 2002; FINCO, 2004, 2010). A partir da escolha de brinquedos segundo determinações simbólicas de gênero, nos momentos de socialização, por exemplo, recriam-se e se reproduzem múltiplos estereótipos provenientes http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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das mais diversas instâncias, entre elas, a família. Outros estudos revelam que as questões de gênero também estão presentes nas produções e linguagens das crianças, como nos desenhos de meninos e meninas (GOBBI, 1997). Dessa forma, apontam para as construções culturais do feminino e do masculino, muitas vezes respeitando a uma lógica de legitimação de estereótipos em torno das diferenciações de gênero, que muitas vezes não são refletidas no fazer pedagógico (FARIA, 2006). Nos primeiros anos do Ensino Fundamental, por sua vez, por meio da obtenção da disciplina, verificamos a permanência de características consagradas como femininas e masculinas. Entre alguns exemplos, podemos citar os momentos em que as professoras solicitam apenas para as meninas fazerem mais silêncio e ajudarem a colocar ordem na sala (AUAD, 2004). Esta pesquisadora relata que: Para tentar manter a classe em silêncio, a professora disse, em tom de reprovação: ‘Até as meninas estão matracas hoje!’ Tal frase pode revelar a percepção de que a classe estava realmente fora de controle até quando as meninas estavam distantes do silêncio e da ordem esperados. (AUAD, 2004, p.31).

4 Considerações Neste breve esboço reflexivo verificamos que o gênero é um critério poderoso para a confirmação de posições Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

sociais distintas entre homens e mulheres, meninos e meninas. Desde a primeira infância, as crianças participam de uma determinada construção de identidade de gênero desigual, não neutra, nos diferentes espaços educativos. Diante desta problemática, quais o caminhos devemos trilhar para o enfrentamento das desigualdades de gênero desde a infância? A formação docente inicial tem um papel fundamental nesta empreitada, pois é neste contexto que estas questões podem ser amplamente discutidas e problematizadas. Partindo desse entendimento, segundo um levantamento realizado pela organização não governamental (ONG) ECOS - Comunicação em Sexualidade (2009), as políticas mais recentes no campo da educação (programas, projetos, ações, legislação, normas técnicas), relacionadas à gênero e educação sexual/sexualidade, têm como marco histórico o período de 2003 a 2008. Porém, boa parte dos cursos de formação docente continua não oferecendo disciplinas obrigatórias, na graduação, sobre relações de gênero, sexualidade ou educação sexual. Esse levantamento constatou que, em alguns casos, esse assunto era discutido em cursos de pós-graduação ou em disciplinas optativas, apenas. Este cenário de avanços e retrocessos também se aplica no campo de políticas públicas e formação dos professores e professoras em exercício. Vianna e Unbehaun (2006), em um artigo que discute as políticas públicas de gêhttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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nero, destacam que apesar do Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (1998) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) já apontarem questões de gênero e diversidade, nota-se que fica a cargo dos municípios, em parceria com organizações não governamentais e universidades, organizar programas de formação e materiais didáticos, a exemplo do projeto Consciência de Gênero entre Educadoras e Educadores da Rede Municipal de Ensino de João Pessoa, desenvolvido de abril/1999 a março/2000 pelo Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, em parceria com a ONG Centro da Mulher 8 de Março. Outra possibilidade de parceria se estabeleceu em São Paulo, entre a Coordenadoria Especial da Mulher e a Secretaria Municipal de Educação, além do Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual (EDGES), da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Essas instituições organizaram, entre 2002 e 2004, seminários, oficinas e cursos de capacitação, com foco nas relações de gênero, contemplando cerca de 1.700 profissionais da rede municipal de ensino. A consolidação do gênero nas políticas públicas de educação é uma tarefa do Estado [...] Não somente como demandas pontuais, em um ou outro aspecto do currículo. Essa tarefa exige, entre outras medidas, uma revisão curricular que inclua na formação docente não só a perspectiva de gênero, mas também a de classe, etnia, orientação sexual e geração. Mais do que isso, é preciso inEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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cluir o gênero, e todas as dimensões responsáveis pela construção das desigualdades, como elementos centrais de um projeto de superação de desigualdades sociais, como objetos fundamentais de mudanças estruturais e sociais. (VIANNA; UNBEHAUN, 2006).

Como já discutido, o papel das políticas públicas e da formação inicial e continuada são fundamentais no processo de problematização e de reflexão sobre a temática de gênero e diversidade no espaço educativo. Nesta esteira, como nos alerta Libâneo (2011, p. 139), “a intencionalidade prática educativa tem implicações diretas no posicionamento crítico do educador que representa o elo fundamental no processo de formação cultural e científica das novas gerações”. Ou seja, neste movimento, a atuação do/a professor/a e a didática crítica são pilares fundantes na busca por práticas conscientes e reflexivas, não se furtando, é claro, à influência de outros contextos igualmente relevantes. Recuperar os estudos que partem de problemas identificados nos processos de ensino e de aprendizagem que ocorrem nas escolas a partir das contribuições da didática crítica, pode ser um dos caminhos na busca de outros bons resultados, de outras aprendizagens qualitativas. Esta busca remete necessariamente à dimensão ética-política do exercício docente, que só pode ser constatada na materialidade do trabalho educativo desenvolvido pela comunidade escolar no cotidiano das escolas púhttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 21-30, jul.-dez. 2013


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blicas brasileiras. p.15).

(PINTO, 2012,

Neste contexto, podemos salientar que a didática crítica pode contribuir para outras aprendizagens, entre elas, o combate à desigualdade de gênero. O movimento feminista ocupou uma posição de destaque na luta por igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Porém, a luta não terminou, pois mulheres ainda sofrem violência doméstica, ainda ganham menos que os homens, exercendo a mesma função, ou seja, nesta dinâmica, as instituições de ensino têm um papel fundamental de trazer à tona o debate sobre a diversidade, a diferença, o gênero, na busca por práticas emancipatórias e não discriminatórias. Referências ABRAMOWICZ, A. Educação infantil e diferença. Campinas-SP: Papirus, 2013. AUAD, D. Relações de gênero nas práticas escolares e a construção de um projeto de co-educação. Reunião ANPED, n 27, 2004, Caxambu, MG. BRASIL. Ministério de Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, 1998. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC, 1996. CAMERON, D. Dicotomias falsas: Gramática e polaridade sexual. In: MACEDO, A. G. (Org.). Gênero, Identidade e Desejo: Antologia Crítica do Feminismo Contemporâneo. Lisboa: Edições CotoEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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A didática crítica como potencialidade emancipatória: gênero e diversidade no espaço escolar

de confronto e convívio com as diferenças: análise das interações entre professoras e meninas e meninos que transgridem as fronteiras do gênero. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. GOBBI, M. A. Lápis vermelho é de mulherzinha: relações de gênero, desenho infantil e pré-escola. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de PósGraduação em Educação. Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1997. GROSSI, M. ; HEILBORN. M. L. ; RIAL, C. Entrevista com Joan W. Scott. In: Revista de Estudos Feministas. Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, v. 8, nº 1, 1998. HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992. LIBÂNEO, J. C. Educação: Pedagogia e didática- o campo investigativo de pedagogia e da didática no Brasil: esboço histórico e busca de identidade epistemológica profissional. In: PIMENTA, S. M. (Org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas em Brasil e Portugal. São Paulo: Cortêz, 2011. MORENO, M. C. Como se ensina a ser menina: o sexismo na escola. Campinas - SP. Editora Unicamp, 1999. PINTO, U. A. A docência em contexto e os impactos das politicas públicas em educação no campo da didática. In: LIBÂNEO, J. C.; ALVES, N. Temas de Pedagogia: Diálogos entre didática e currículo (Orgs.). São Paulo: Cortêz, Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Artigo recebido em 03 de janeiro de 2015. Aceito em 16 de março de 2015.

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Artigo de revisão de literatura

As tecnologias de informação e comunicação como prática de inclusão na EJA Fabio Junior Silva dos Santos 1 Graduado em Tecnologia de Redes de Computadores pela Faculdade SEAMA e Especialista em Mídias na Educação pela Universidade Federal do Amapá. Professor da rede pública de ensino do Estado do Amapá, Brasil. E-mail: fabiostn@gmail.com

Resumo: O presente artigo objetiva refletir sobre a possibilidade de as tecnologias da informação e comunicação tornarem-se instrumento de inclusão na Educação de Jovens e Adultos. Para fundamentar as abordagens foram realizadas pesquisas bibliográficas a partir da temática em foco, as quais subsidiaram a elaboração de uma proposta de ações pedagógicas no âmbito escolar, voltado para a utilização das tecnologias em sala de aula como recurso didático que maximiza a inclusão social, por via da inclusão digital. Didaticamente o trabalho apresenta-se, inicialmente com uma nota introdutória, na sequência faz uma abordagem histórica sobre a inserção da tecnologia na educação. Aborda, ainda, sobre as tecnologias de informação e comunicação e a educação, e apresenta a proposta de um trabalho prático envolvendo o uso da tecnologia como recurso educativo e prática de cidadania, visando, assim, contribuir com a inclusão de alunos matriculados na educação de jovens e adultos. Finaliza-se o artigo com algumas considerações sobre a realização do trabalho e o seu papel social e educacional. Palavras-chave: Tecnologias de informação e comunicação. Inclusão digital. Educação de Jovens e Adultos. Information and communication technologies as a practice of inclusion in adult education Abstract: This article aims to reflect on the possibility of information and communication technologies become inclusion instrument in the Youth and Adult Education. In support of approaches were performed literature searches from the subject in focus, which supported the development of a proposal of educational activities in schools, focusing on the use of technology in the classroom as a teaching resource that increases in society inclusion, via digital inclusion. Didactically work presents initially with an introductory note, following is a historical approach to the integration of technology in education. Addresses also on information and communication technologies and education, and presents the proposal of a practical work involving the use of technology as an educational resource and practice of citizenship, in order thus to contribute to the inclusion of students enrolled in education youth and adults. Finish up the article with some thoughts on the performance of the work and its social and educational role. KEYWORDS: Information technology and communication. Digital inclusion. Youth and Adult Education.

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1 Introdução Este artigo tem como objetivo refletir sobre a possibilidade de as tecnologias de informação e comunicação (TIC’s) contribuírem com a inclusão dos alunos jovens e adultos matriculados na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Reconhecendo que por meio do uso da tecnologia digital é possível promover ações de cidadania, e assim garantir que a inclusão se torne uma realidade. Por outro lado, o aluno jovem e adulto que por alguma razão não cumpriu sua escolaridade em tempo certo muitas vezes sofre um processo de exclusão social, ficando à margem da sociedade. Nem sempre a escola desempenha seu papel de forma adequada, mostrando-se excludente em algumas circunstâncias, aumentando “expulsando” os alunos, mesmo que de forma velada, do sistema educacional. No entanto, na sociedade atual, a tecnologia da informação e da comunicação tornou-se um instrumento de equiparação social, visto que tem se tornado acessível a todos, independente de condições sociais, econômicas, de sua escolaridade. Dentre os instrumentos tecnológicos que mais tem sido ampliado seu uso, está o celular, com acesso à internet. É aproveitando essa ampliação de uso dos dispositivos móveis e o potencial dos mesmos como recurso didático que presente trabalho volta-se para apresentar uma proposta de uso dos dispositivos móveis, voltados para facilitar a aprendizagem, e que sejam usa-

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dos também como instrumento de inclusão social e exercício da cidadania. Observa-se que na escola ainda persistem muitas resistências em relação às TIC’s, especialmente, quanto ao uso dos dispositivos móveis. Isso ocorre porque a escola reproduz uma prática histórica de resistir às mudanças. Todavia, se houver maior flexibilidade quanto às inovações necessárias, com certeza refletirá em mudanças positivas, pois a escola estará se aproximando da realidade dos alunos. Sabe-se que os jovens sejam do ensino regular ou da EJA fazem uso dos aparelhos móveis com as mais variadas funções, que lhes atraem a atenção, seja pela possibilidade de comunicação, seja pela informação, e até mesmo pela capacidade de entretenimento. Se usado apenas com essas intenções, na sala de aula, sem dúvida, irá dispersar a concentração do aluno. É nesse aspecto que a escola pode intervir criando outras possibilidades de uso, voltadas para incentivar a aprendizagem e para promover a inclusão digital. Considerando os aspectos apresentados acima, justifica-se a escolha da presente temática que visa dar um novo sentido ao uso da tecnologia na escola, tanto aos jovens que convivem diariamente com a tecnologia, como para os alunos com mais idade que apresentam dificuldades de uso, e que, portanto, necessitam de auxílio para aprenderem a manusear com esses equipamentos móveis. A partir disso, pode-se ressaltar a grande relevância do presente trabalho, que além de se http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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apresentar com cunho pedagógico, também, apresenta-se como um importante instrumento que auxiliará na promoção da inclusão social. 2 Abordagem histórica da inserção da tecnologia na educação Avanços significativos na sociedade iniciaram com o desenvolvimento, comercial e industrial, provocado pelas grandes revoluções. Todavia, o avanço tecnológico ocorrido nas últimas décadas causou um impacto muito grande na sociedade, e a forma como se inseriu no cotidiano e na rotina das pessoas. A tendência é que essas mudanças reflitam nas práticas escolares, mas nem isso acontece naturalmente. Apesar do grande impacto na vida das pessoas, a TV não mudou a escola, o mimeógrafo não mudou a escola, o computador não mudou a escola, não revolucionou práticas, apesar de apresentar novos condicionantes ao fazer escolar, a estrutura escolar permaneceu a mesma. A escola sempre resiste às mudanças e se mantém com as mesmas estruturas tradicionais. No entanto, é inegável que a educação esteja atrelada à dinâmica humana, visto que a mesma é uma consequência da necessidade do povo. Sendo assim, sofre mudanças de acordo com a época, seu contexto político, social, religioso e cultural. (MOSER, 2011). E essas mudanças precisam ser mais imperativas no fazer escolar. Assim, como houve resistência em relação às mudanças ocorridas nos séEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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culos anteriores, com a nova tecnologia de informação e comunicação não está sendo diferente, especialmente em relação ao celular que, em muitas escolas, chega ser proibido. Assim como, muita opção de uso é apenas como recurso de uso pessoal, sem um fim pedagógico. Sobre o impacto das novas tecnologias na vida das pessoas, Kloch e Junior (2010, p. 3) assim abordam: Em casa a informática está presente não só no computador, mas também no forno de micro-ondas, na televisão, no controle de segurança, no portão eletrônico, na geladeira e em muitos outros itens que precisam de controle e processamentos de informações. No lazer podemos encontrar a informática nos jogos eletrônicos, parque de diversões, na internet, no celular e em tantas outras.

Observa-se que a tecnologia faz parte da vida das pessoas, ou seja, está inserida no seu cotidiano, é uma realidade da qual não se pode fugir. Portanto, a escola precisa aprender a adaptála para que a mesma deixe de ser uma rival, e passe a colaborar com a aprendizagem. Essa perspectiva da tecnologia na educação é amplamente defendida por teóricos contemporâneos, dos quais Paulo Freire e Anísio Teixeira, que foram dois grandes ícones da educação brasileira, na defesa de uma educação de qualidade para todos. Apesar de Anísio Teixeira ter vivido numa época em que as novas tecnologias ainda estavam em processo de http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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expansão, suas ideias voltadas criam perspectivas que uma educação que acessível e que atenda democraticamente a todos, sob a denominação de educação popular. Nesse sentido, Anísio Teixeira (1945), defende a flexibilidade do sistema educacional, visando atender a todos, nas suas diversidades e especificidades, o que se encaixa adequadamente à proposta de a educação tecnológica, que abre espaço às inovações. Isso significa que o clamor pela superação da educação eminentemente tradicional que se dissocia da realidade do educando é antigo, e ainda assim, as resistências permanecessem. 3 TIC’s (internet) e a educação A internet, considerada como um dos ícones da revolução tecnológica, mudou de forma radical a forma de interação entre as pessoas, rompendo barreiras, não apenas as geográficas, mas as econômicas e sociais, visto que através do novo ambiente criado por ela, o ambiente “virtual” inúmeras possibilidades interativas surgiram, através de salas de “bate-papos”, nos quais não há distinção de pessoas. Visto que como um recurso acessível cada vez mais vai incorporando pessoas das diferentes classes sociais, que interagem sem distinção no espaço cibernético (SANTOS; ROSSI, 2000). Nesse contexto interativo, além do contato entre as pessoas, o acesso às informações e ao conhecimento também se tornou facilitado, ou seja, é possível com um click visitar museus, Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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universidades, bibliotecas, grandes empresas, conhecer sobre as diferentes profissões e profissionais, visitar órgãos públicos, dentre outros (SANTOS; ROSSI, 2000). A internet possibilita a realização de serviços como: realização de compras de qualquer produto disponível nas lojas virtuais, reservas em hotéis, realização de transações bancárias, e tantas outras, emergindo assim uma grande rede de oportunidades e negócios por meio da internet. Desse modo, é inegável o grande potencial de alcance da internet, por tornar as distâncias cada vez menores e agilizar o processo de comunicação. Esse recurso tem ganhado espaço em vários âmbitos da sociedade e o espaço escolar não pode ignorá-lo. São inúmeras as possibilidades didáticas que podem ser utilizadas pela internet na escola. Como suporte no processo ensino e aprendizagem a internet pode ser utilizada como fonte de pesquisas, através dos inúmeros textos, imagens, livros, artigos, revistas eletrônicas, vídeos, dentre outros. Através da internet é possível realizar a divulgação das atividades produzidas e realização de projetos, através da criação de “home page”, para tornar trabalhos e ações da escola, das turmas e até de alunos específicos conhecidos pela comunidade escolar e sociedade. A internet é também um importante veículo de comunicação entre professor e aluno que com um menor custo possibilita a interação permanente que pode ocorrer através da escrita, oralihttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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zação, imagens, produção de vídeos e áudios. Essa interação pode ocorrer em tempo real, fato que em anos atrás não era possível. O tratamento didático que pode ser dado às possibilidades criadas pela internet é o mais variado possível. Com relação às pesquisas podem ser individuais ou em grupo, durante a aula ou em horário de estudos extraescolares, constituem-se de atividades obrigatórias ou atividades livres, enfim, cabe ao professor criar direcionamento para que isso ocorra da forma mais natural possível, de modo que a pesquisa se torne uma prática na vida acadêmica do seu aluno. Coexistem no Brasil inúmeras experiências pedagógicas desenvolvidas com o uso da internet. (BEHRENS, 2000). Todavia, no Estado do Amapá, as iniciativas são pequenas e ainda estão iniciando, se comparadas aos estados do sul e sudeste. Isso ocorre porque em termos tecnológicos o Estado do Amapá ainda encontra-se em desvantagem em relação a outros Estados, especialmente, no que concerne à internet que ainda é muito lenta, e agora que a banda larga começou a ser implantada. Mesmo com essas dificuldades, ressalta-se que é possível desenvolver uma proposta didático-metodológica que faça uso da internet a partir do uso dos dispositivos disponíveis a professores e alunos, que podem ser os smartphones, iphones, tablets, dentre outros, que já são de uso pessoal e que podem ser utilizados como mais um recurso didático, bem como dos laboEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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ratórios existentes nas escolas. Essa possibilidade será discutida na próxima seção que apresenta uma proposta de uso dos dispositivos móveis com fins didáticos e laboratórios como instrumento de desenvolvimento e prática de cidadania. 4 As TIC’s como recurso didático e instrumento de inclusão social O uso das tecnologias de informação e comunicação é um importante recurso que potencializa a aprendizagem, visto que atua diretamente no desenvolvimento cognitivo, sabendo que tecnologia é também pensamento elaborado. Por outro lado, a invasão dos meios tecnológicos na sociedade tem exigido a mudança de postura na relação homem e sociedade, na qual fazer uso dos recursos disponíveis passou a ser uma condição de participação social. Nesse aspecto, as tecnologias assumem um papel bem mais importante, considerando que é também instrumento de inclusão. Pensando nessa possibilidade que aqui é apresentada uma proposta de trabalho didático que faça uso das tecnologias da informação e comunicação não apenas no contexto das interações, mas como recurso de prática cidadã. A proposta apresenta-se sob diferentes modalidades, visando atender as especificidades dos diferentes alunados que compõem a Educação de Jovens e Adultos. Sabendo que o aluno jovem já usa os instrumentos tecnológicos de forma frequente e com facilihttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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dade, necessitando apenas que seus dispositivos sejam aproveitados como recurso didático. Enquanto que os alunos mais idosos apresentam dificuldade de manuseio e até mesmo de acesso aos meios de comunicação e informação, de acordo com sua realidade. 4.1 Aprendendo com as novas tecnologias Inicialmente, propõe-se a utilização dos dispositivos móveis como recurso didático, em que o professor deverá orientar seus alunos quanto às funcionalidades disponíveis e que podem ser aproveitadas como instrumento didático. Dentre as funções dos dispositivos que podem ser utilizados estão: agenda, leitor de texto, aplicativos didáticos (simuladores), aplicativos de redes sociais (WhatsApp, Blog, Facebook, Twitter, etc). Sabendo de todas as dificuldades que se relacionam a realização de uma proposta de trabalho que envolve o uso das TIC’S em sala de aula, e que a resistência com a tecnológica parte tanto da equipe gestora como dos professores, e visando assegurar que as ações propostas deem certas e conte com a colaboração de todos os envolvidos no processo educacional escolar, que a primeira etapa dessa proposta envolve um intenso processo de conscientização sobre a importância da tecnologia na escola. A etapa de conscientização envolverá a realização de palestras, oficinas treinamentos de uso dos equipamentos e simuladores de aprendizagem por Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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meio da tecnologia; serão voltadas para professores, funcionários da escola, e equipe gestora (diretor, coordenador pedagógico, profissionais da secretaria escolar e secretário (a) administrativo). O intuito dessa etapa é favorecer o reconhecimento da importância do uso da tecnologia como recurso didático que pode favorecer e facilitar a aprendizagem, visando quebrar o mito de que os dispositivos móveis só atrapalham o desenvolvimento da aula, de modo que passem a utilizá-los como aliados para fins didáticos. O programa a ser desenvolvido nesse processo de orientação envolve várias ações. Em primeiro lugar, o treinamento para uso das agendas eletrônicas contidas nos aparelhos móveis. Esse uso favorecerá a organização e planejamento da vida diária, tanto para a realização das tarefas escolares e como para as outras cotidianas. O uso da agenda eletrônica é importante porque auxilia na sistematização das atividades diárias, além de tornar a vida cada vez mais prática, uma vez que o próprio dispositivo desperta no tempo programado para lembrar o compromisso. As palestras aqui propostas envolvem temáticas como: “As TIC’s e a educação escolar”; “O espaço escolar e as tecnologias”; “Planejamento das aulas para o uso dos próprios dispositivos móveis”. As duas primeiras palestras envolverão todos os funcionários da escola com a intenção de proporcionar momentos de reflexão sobre a forma como as tecnologias já estão tão presentes no cotidiano escolar e na http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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sociedade, restando apenas que a escola se curve diante dessa realidade e se organize para fazer uso dela como recurso de aprendizagem. A terceira palestra visa orientar os professores quanto ao uso dos dispositivos móveis, utilizando-se para fins didáticos de todos os recursos por eles oferecidos. Nesse sentido, não se limitando às abordagens, mas fazendo simulações de uso, e aí entra: o uso da agenda, do leitor de texto, dos simuladores e das redes sociais, pesquisas, produção de textos e vídeos. Outras ações propostas são as oficinas, visando ampliar os conhecimentos quanto o manuseio dos dispositivos móveis com fins didáticos. Também será destinada aos professores. Propõe-se, portanto, a realização de 05 (cinco) oficinas, assim especificadas: Oficina 01: Praticando a leitura digital Nessa oficina o professor será orientado sobre as possibilidades de uso dos leitores digitais, através de diversas opções metodológicas, envolvendo pesquisas temáticas para posteriores produções textuais ou realização de tarefas específicas. É uma ação que pode ser desenvolvida por qualquer disciplina, visto que todo componente didático envolve pesquisas e ao invés dessa pesquisa ser feita em livros impressos, podem ser realizada em livros ou textos digitais. Com isso, propõe-se despertar no professor inicialmente, e posteriormente no aluno, o reconhecimento da importância da leitura digital, não apenas pela praticidade, mas pela diversiEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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dade textual que se apresenta a partir de um único tema, e o pesquisador tem a liberdade de escolher os sites que quer navegar, criar seu próprio texto, deixar comentários nos textos lidos, participando, assim, ativamente do espaço cibernético em condição de igualdade com todos os visitantes, sejam eles das diferentes classes econômicas, sociais ou de cultura diferente. É o que Levy (2001, p. 140) afirma: "na web tudo está no mesmo plano. Como dizia um consultor americano dirigente da IBM, na Web uma criança se encontra em pé de igualdade com uma multinacional". Dentre as inúmeras vantagens que esse tipo de atividade pode favorecer, o reconhecimento de ‘ser cidadão do mundo’, de estar inserido numa rede cibernética que liga e interliga pessoas, suas ideias, seus pensamentos e sua cultura, influenciando e recebendo influência, é uma das fundamentais. Oficina 02: Produção de pequenos textos, oralização e vídeos Essa oficina será direcionada aos professores que irão desenvolver de forma experimental suas atividades para posteriormente levarem a ideia para suas salas de aula. No primeiro momento dessa oficina serão criados grupos fechados em redes sociais para troca de ideias e debates temáticos. Além dos grupos será criado um blog da turma no qual serão postadas todas as produções. Será repassado um tema específico e todos os professores deverão emitir opiniões a princípio com base no ponto http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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de vista pessoal. As opiniões deverão ser emitidas através da escrita e também através da oralização, em que cada participante deverá gravar áudio e enviar no grupo. Com essas atividades, o professor poderá perceber a importância da interatividade, visto que todos conhecerão as opiniões pessoais veiculadas no grupo. E isso ocorrerá de forma descontraída. No segundo momento os professores serão orientados para a produção de vídeos a partir da temática definida. Esse vídeo poderá ser produzido no próprio dispositivo móvel. E depois deverá ser compartilhado no grupo, que deverá comentar cada vídeo compartilhado. Oficina 03 – Pesquisas e produção textual Nessa etapa, os professores deverão realizar pesquisas a partir das temáticas previamente definidas, realizar a leitura dos textos ou das imagens, e produzir diferentes textos literários que deverão ser compartilhados. Sempre orientando os professores quanto ao tamanho dos textos que não podem ser extensos. Outra atividade de produção textual será a construção coletiva, previamente definir uma ordem de participação. O coordenador irá iniciar o texto com uma frase, e os demais participantes da oficina deverão complementar a frase, e iniciar outra, assim, sucessivamente, até que todos tenham participado e depois verificar como o texto

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ficou na íntegra. Postar no blog a produção textual coletiva. Oficina 04 – Conhecendo simuladores e softwares educativos Nessa oficina disponibilizar os inúmeros simuladores educacionais disponíveis na internet e que podem ser utilizados nos dispositivos móveis. Realizar treinamento de uso e aplicabilidade nas diferentes disciplinas. De acordo com a possibilidade de uso realizar competições virtuais, tanto a partir dos simuladores como de softwares educativos. O conhecimento e manuseio de novos softwares educativos possibilitará ampliar a familiaridade com o mundo tecnológico inovando práticas. Observa-se que com essa oficina o professor poderá conhecer um novo universo de possibilidades didáticas, bem como, aprender a se desapegar das tradicionais formas de aprendizagem. E assim, há grandes chances dele desenvolver o hábito permanente de mudanças. Dentre os simuladores e softwares a serem apresentados estão: Scratch, Blogs, Remix e Fan-Fiction, HagáQuê, dentre outros específicos por disciplina. Oficina 05 – Mutirão pela inclusão digital Essa oficina será destinada aos alunos com mais idades que não são nativos digitais, portanto, na condição de aprendizes, apresentam inúmeras dificuldades e resistência para trabalhar com as novas tecnologias. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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A controvérsia da nova classe média brasileira

Sabendo da importância das novas tecnologias na sociedade, visto que fazem parte da vida diária das pessoas, cabe à escola também instrumentalizar seus alunos quanto ao uso. A proposta da oficina mutirão pela inclusão digital é oportunizar ao maior número possível de alunos o contato com o computador, e sua navegação no mundo virtual. Para isso, será desenvolvida uma organização de acesso, através de um agendamento por turma no laboratório de informática, no qual cada aluno terá contato direto com o computador, recebendo orientação sobre as funções básicas do mesmo. Será feito uso do teclado numérico para simulação do uso do caixa eletrônico, bem como simuladores de urnas eletrônicas que são os equipamentos usados necessariamente por todos os adultos. O propósito da realização das oficinas é instrumentalizar os professores e alunos quanto ao uso das novas tecnologias, especificamente, da internet com fim didático-pedagógico. Bem como, contribuir pela busca da autonomia e exercício de cidadania que o espaço cibernético pode proporcionar. Espera-se com isso que professores e alunos tornem-se capazes de, ao se apropriar dos recursos tecnológicos, utilizarem-se dos mesmos para a busca de informações e construção de novos conhecimentos, e também, essencialmente, no fortalecimento das relações interpessoais (professor e aluno) que muito têm se desgastado na experiência atual de sala de aula.

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Sabe-se que a tecnologia por si só jamais será capaz de operar milagres na aprendizagem, nem mudanças comportamentais, tampouco, tem o poder de motivar alunos e professores. Todavia, se pensada, planejada e operacionalizada como uma aliada na busca pela melhoria na educação poderá contribuir de forma significativa em resultados cada vez mais positivos. 5 Considerações finais O uso das tecnologias de informação e comunicação é um importante recurso que potencializa a aprendizagem, visto que atua diretamente no desenvolvimento cognitivo, sabendo que tecnologia é também pensamento elaborado. Por outro lado, a invasão dos meios tecnológicos na sociedade tem exigido a mudança de postura na relação homem e sociedade, na qual fazer uso dos recursos disponíveis passou a ser uma condição de participação social. Nesse aspecto, as tecnologias assumem um papel bem mais importante, considerando que é também exercício de cidadania e prática de inclusão. Pensando nessa possibilidade que aqui é apresentada uma proposta de trabalho didático que faça uso das tecnologias da informação e comunicação não apenas no contexto das interações, mas como recurso de prática da cidadania. Espera-se que os apontamentos de uso do celular como recurso de ensino possa contribuir com mudanças significativas nas práticas escolares, porque é http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 31-40, jul.-dez. 2013


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essa a função do papel do pesquisador, encontrar as fragilidades impostas nas práticas e apontar alternativas que possam alterar práticas. Referências BEHRENS, M. A. Projetos de aprendizagem colaborativa em paradigma emergente. In: Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas: Papirus, 2000. CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2003. LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Edições Loyola, 2003. SANTOS, M. J. P. dos; ROSSI, M. D. Aspectos legais do comércio eletrônico contratos de adesão. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 36, p. 105/129, 2000. License information: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Artigo recebido em 03 de janeiro de 2015. Aceito em 25 de fevereiro de 2015.

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Artigo de revisão de literatura

O Microscópio de Força Atômica (AFM): importante ferramenta no estudo da morfologia de superfícies na escala nanométrica Erveton Pinheiro Pinto1, Glenda Quaresma Ramos2 e Henrique Duarte da Fonseca Filho3 1 Graduado em Licenciatura em Física pela Universidade Federal do Amapá (2013). E-mail: pinheiro.everton@yahoo.com.br 2 Graduada em Ciências biológicas pela Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: gq.ramos@hotmail.com 3 Graduado em Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2001), mestrado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2004) e doutorado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008). Atualmente é professor Adjunto II da Universidade Federal do Amapá. E-mail: hdf_filho@unifap.br

RESUMO: O surgimento do Microscópio de Força Atômica (AFM) promoveu um grande impacto na Ciência, de uma forma geral, devido a sua capacidade de gerar imagens com resolução atômica, proporcionando o estudo da morfologia de superfícies, condutoras ou não, em escala nanométrica. Além disso, o AFM não exige uma preparação prévia das amostras a serem estudadas, possuindo apenas uma limitação no tamanho das mesmas devido ao porta-amostras. Um breve histórico, desde o surgimento deste microscópio até os dias atuais, e uma abordagem mais aprofundada sobre o seu funcionamento serão apresentados, explicitando, dessa forma, a importância deste poderoso equipamento para a Ciência e Engenharia dos Materiais. Palavras-chave: AFM, força, átomos, morfologia de superfícies, escala nanométrica. The Atomic Force Microscope (AFM):an important tool in the study of surfaces morphology in the nano-scale. ABSTRACT: The emergence of the Atomic Force Microscope (AFM) has promoted a big impact on the science, in general, due to its ability to generate images with atomic resolution, providing the study of the morphology of surfaces, conductive or not, at the nanoscale. Furthermore, AFM does not require a prior preparation of the samples to be studied, having only one limitation on the size of the same due to the sample holder. A brief history from the arising of this microscope until now and a more thorough approach to its operation will be presented, explaining thus the importance of this powerful equipment for Materials Science and Engineering. Keywords: AFM, force, atoms, morphology of surfaces, nano-scale.

1 Introdução Os instrumentos óticos, utilizados para observação de detalhes ampliados Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

de superfícies, possuem a limitação do comprimento de onda da luz visível dada pelo critério de difração de Rahttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 41-50, jul.-dez. 2013


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yleigh1. Assim, para estudar superfícies em uma escala menor, tornou-se necessário buscar novos mecanismos, como por exemplo, através da microscopia de varredura por sonda ou ponta de prova. Atualmente existe uma família de microscópios de varredura por sonda ou SPM (do inglês Scanning Probe Microscope) entre os quais é possível citar o Microscópio de Tunelamento ou STM (do inglês Scanning Tunneling Microscope) e o Microscópio de Força Atômica ou AFM (do inglês Atomic Force Microscope). Essa classe de microscópios tem como componente essencial uma ponta ou sonda que varre a superfície da amostra detectando mudanças em seu relevo através de variações de grandezas físicas que dependem da variante do SPM escolhida. O princípio de funcionamento do STM, por exemplo, é baseado em um fenômeno quântico chamado de efeito túnel ou tunelamento (Cohen, 2002). Quando a distância ponta-amostra é de aproximadamente 10 angstroms (que equivale a 1nm), os elétrons da amostra (que deve ser condutora ou semicondutora) começam a tunelar na direção da ponta, que é em geral um fio de tungstênio, ou vice-versa dependendo da polaridade da voltagem aplicada, gerando uma corrente elétrica conhecida como corrente de tunelamento. Essas variações de corrente elétrica são 1

Estudando os diagramas de difração de duas fontes luminosas Rayleigh concluiu, através de cálculos numéricos, que só podem ser resolvidos -9 objetos de 200 a 350 nm (1nm = 10 m), ou seja, da metade do comprimento de onda da luz visível (Halliday e Resnick, 2009).

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Pinto, Ramos e Fonseca Filho

detectadas e processadas através de um sistema de retroalimentação da eletrônica que compõem o equipamento e enviadas para um computador onde a topografia (imagem digital) da superfície da amostra é construída (Zanette, 2010). Por outro lado, o princípio de funcionamento do AFM está baseado na interação que ocorre, ao longo da varredura, entre os átomos que compõem a sua ponta e os átomos que compõem a superfície da amostra (Garcia e Pérez, 2002). Por isso, ao comparar o STM com o AFM é fácil perceber que o segundo possui a vantagem de fazer imagens tanto de superfícies condutoras quanto isolantes, já que todos os materiais são compostos por átomos. Os instrumentos citados acima estão presentes no Laboratório de Ciências dos Materiais (LabMat) do Departamento de Física da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e são ambos ferramentas importantes na caracterização de superfícies, pois são capazes de gerar imagens com resolução atômica e com o principal diferencial de produzir imagens em três dimensões. Neste artigo é dada ênfase à microscopia de força atômica que, além de ajudar na descrição da estrutura superficial da amostra, é também uma técnica bastante utilizada para o estudo de propriedades mecânicas e tribológicas (propriedades relacionadas com movimento relativo) de superfícies na escala nanométrica (da ordem de 10-9m).

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O Microscópio de Força Atômica (AFM): ferramenta no estudo da morfologia de superfícies na escala nanométrica

2 A invenção do AFM Um dos feitos mais importantes da nanociência foi à invenção do STM em 1981 pelos pesquisadores Gerd Binnig e Heinrich Rohrer do laboratório da IBM (International Business Machines) em Zurique na Suíça, pois este dispositivo possibilitou pela primeira vez a geração de imagens de superfícies com resolução atômica (Herrmann et al, 1997). Após a invenção do STM vários outros equipamentos foram construídos para o estudo da matéria na escala nanométrica, fazendo surgir uma nova classe: os microscópios de varredura por sonda. Em 1986, os inventores do STM ganharam o Prêmio Nobel de Física e, neste mesmo ano, a partir de uma modificação do STM, combinado com um Profilômetro stylus (aparelho usado para medir rugosidade em escala microscópica), Gerd Binnig, Calvin Quate e Christoph Gerber desenvolveram o Microscópio de Força Atômica (Binnig e Quate, 1986). O Microscópio de Força Atômica surgiu para resolver uma limitação do STM quanto à condutividade das amostras que podem ser analisadas, pois com o AFM é possível estudar também todo o tipo de material isolante, já que este não utiliza corrente de tunelamento, mas forças de interação atômica, para produzir imagens. O primeiro AFM comercial, com produção em série, foi apresentado em 1989 (Herrmann et al, 1997). A partir desta data, os trabalhos publicados utilizando o AFM (como ferramenta Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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essencial ou de suporte) aumentaram em grande número por todo o mundo (Zanette, 2010). Como um exemplo, na figura 1 temse uma imagem do AFM utilizado no LabMat do Departamento de Física da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

Figura 1: AFM/STM modelo Easyscan2 do fabricante Nanosurf.

As principais vantagens do AFM, quando comparado aos outros microscópios são: maior resolução, imagens em 3 dimensões, não havendo a necessidade de recobrir a amostra com material condutor, não requer métodos específicos de preparação da amostra, permite a quantificação direta da rugosidade da amostra, permite a medida da espessura de filmes ultrafinos sobre substratos e análise por fractal. É possível fazer imagens da superfície imersa em líquidos e através de algumas variantes da família SPM é possível também diferenciar fases com diferentes viscoelasticidades, encontrar domínios magnéticos e etc. Todas essas vantagens do AFM são extremamente úteis para áreas que trabalham com caracterização e produção de novos materiais,

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Pinto, Ramos e Fonseca Filho

como a Ciência dos Materiais e a Engenharia dos Materiais. 3 Forças entre ponta e amostra No momento em que está ocorrendo à varredura, os átomos da ponta do AFM interagem com os átomos da superfície da amostra e, dependo da distância ponta-amostra, essas interações podem ser atrativas ou repulsivas. A repulsão acontece quando os átomos da ponta e da amostra estão tão próximos (na distância de uma ligação química) que as nuvens eletrônicas destes começam a se repelir enfraquecendo a força atrativa; está repulsão é consequência direta do Princípio de Exclusão de Pauli, o qual afirma que dois férmions idênticos, como por exemplo, dois elétrons, não podem ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente, isto é, dois elétrons não podem possuir os quatros números quânticos iguais em um mesmo átomo (Feynman et al., 1987). Na figura 2, tem-se a curva teórica que representa a energia potencial entre ponta e amostra, que se origina da interação entre dois átomos descrita pelo potencial de Lennard-Jones (Israelachvili, 1992).

Figura 2: energia potencial entre os átomos da ponta e os átomos da amostra.

A atração ponta-amostra pode ser resultado de diferentes tipos de forças que se somam, como por exemplo: força eletrostática, forças de Van der Waals, forças químicas e força capilar. Forças eletrostáticas podem ser evitadas escolhendo-se apropriadamente os materiais para evitar a acumulação de cargas na interface ponta-amostra. As forças químicas se originam das ligações entre os objetos. São ativas quando os objetos estão em contato (ou seja, a distância entre eles é de cerca de uma distância intermolecular). A Força capilar entre dois objetos ocorre quando existe a presença de líquido entre eles, enquanto que as forças de Van der Waals têm uma natureza elétrica e surgem devido à polarização das moléculas que ocorrem através de campos elétricos de cargas vizinhas ou dipolos permanentes. Estas forças podem ser classificadas em forças de orientação, de indução e de dispersão (Israelachvili, 1992): a) Forças de orientação: resultam da interação entre duas moléculas po-

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O Microscópio de Força Atômica (AFM): ferramenta no estudo da morfologia de superfícies na escala nanométrica

lares com momentos dipolares permanentes. b) Forças de indução: se devem à interação de uma molécula polar e uma apolar, onde a molécula polar induz uma polaridade nas vizinhanças da outra. O campo elétrico da molécula polar destrói a simetria da distribuição de cargas da molécula apolar, resultando em uma atração semelhante à registrada entre moléculas polares. c) Forças de dispersão: resultam da interação entre dipolos flutuantes que ocorrem em moléculas apolares, esses dipolos são finitos com intervalos de tempo muito curtos. Para as moléculas apolares a distribuição eletrônica é, em média, simétrica. Mas, a cada instante, uma parte da molécula possui mais elétrons que outra. Assim, cada molécula (ou átomo) se comporta como polar, mas esta “polarização” varia constantemente em grandeza e direção, dando origem a momentos dipolares flutuantes. Deve-se ressaltar, por fim, que existem outros tipos de interação que podem ser consideradas neste estudo, como forças magnéticas e atração gravitacional, entretanto, dentro da região de interação ponta-amostra elas são muito fracas quando comparadas com as forças citadas anteriormente, sendo assim é possível desprezá-las.

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tos. Além de seus componentes internos básicos, como por exemplo, a sonda ou ponta que fica presa em um suporte chamado de cantilever, cerâmicas piezelétricas para posicionar a amostra e fazer varreduras, também necessita de outros instrumentos acoplados a ele como circuitos de realimentação para controlar a posição vertical da ponta e um computador para mover os scanners de varredura, armazenar dados e os converter em imagens por meio de softwares específicos para isso (Butt, 2005). Uma descrição mais profunda de alguns componentes do microscópio é necessária para se entender como o AFM funciona. I.

O cantilever

O suporte que sustenta a ponta do AFM é chamado de cantilever ou haste e pode ter forma de “V” ou, em geral, a forma retangular (Zanette, 2010). Na figura 3, são apresentadas duas imagens feitas com um microscópio de eletrônico de varredura (MEV) dos dois tipos de cantilevers mais utilizados nos experimentos com o AFM.

4 Os componentes básicos do AFM O funcionamento do AFM depende de um conjunto de outros instrumenEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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ver é feito e pela geometria do mesmo) (Zanette, 2010). Na figura 4 é mostrada uma ilustração desta analogia.

Figura 3: Imagens feitas com um MEV. a) um cantilever de silício (Si) em forma de haste. b) um cantilever de nitreto de silício (Si3N4) em forma de “V”.

Durante a varredura o cantilever sofre deflexões devido à interação pontaamostra. Na região de forças atrativas o suporte se curva na direção da amostra e na região de forças repulsivas ele se curva na direção contrária. O estudo da dinâmica do cantilever, já que ele pode defletir, pode ser feito fazendo analogia com um sistema massa-mola segundo a lei de Hooke = −! ∙ #, sendo# a deflexão da haste e !a sua constante elástica (determinada pelo material do qual o cantileEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

Figura 4: analogia da dinâmica do cantilever com o sistema massa-mola.

A constante elástica da haste deve ser tão pequena quanto possível, para poder atingir alta sensibilidade e não permitir que a ponta danifique a amostra. Por outro lado, ele necessita de uma alta frequência de ressonância para minimizar a sensibilidade a vibrações mecânicas, tais como: trânsito na rua, barulho de outros equipamentos, balanço de prédios altos, entre outros. A frequência de ressonância do sistema massa-mola é dada por $% = (!⁄& )(⁄) , onde m é a massa efetiva que carrega a mola (Halliday e Resnick, 2009). Assim, para conseguir http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 41-50, jul.-dez. 2013


O Microscópio de Força Atômica (AFM): ferramenta no estudo da morfologia de superfícies na escala nanométrica

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um valor grande de $% basta fabricar pontas tão pequenas quanto possível, o que levou diretamente a ideia da utilização de técnicas de microfabricação na produção de catilevers, geralmente, feitos de óxido de silício (SiO2), nitreto de silício (Si3N4) ou silício puro e, podendo serem feitos já com uma ponta fixada em suas extremidades. II. A ponta (ou sonda) Para obter um entendimento adequado da interação ponta-amostra é muito importante conhecer o material do qual a amostra é feita tal como o material que compõem a ponta e, além disso, conhecer a geometria da ponta utilizada. A ponta de AFM mais comum é uma pirâmide de nitreto de silício como mostrado na figura 5(a). Sua base quadrada possui um lado de aproximadamente 5 µm e o raio do ápice é aproximadamente 100 nm. Outra geometria, muitas vezes utilizada, é a da ponta em forma de um cone afiado feita de silício como na figura 5(b), com raio da base variando de 3 a 6 µm e raio do ápice de aproximadamente 20 nm. As alturas das pontas de AFM variam entre 10 e 20 µm (Zanette, 2010).

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Figura 5: Imagens de dois tipos de pontas feitas com um Microscópio Eletrônico de Varredura.

Deve-se ressaltar ainda, que em condições ambiente (em ar e a temperatura ambiente) existe sempre uma camada de contaminação proveniente da umidade relativa do ar. Nesta camada podem existir resíduos que preenchem as irregularidades da superfície da amostra e, além disso, esta camada faz com que a interação pontaamostra se torne mais intensa devido à capilaridade. Assim, uma ponteira fina pode entrar e sair mais facilmente da camada de contaminação, evitando que a ponta seja danificada.

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III. As cerâmicas piezelétricas A piezeletricidade é a habilidade de certos materiais cristalinos desenvolverem uma carga elétrica proporcional a um stress mecânico. Os materiais com esta propriedade (cristais de titânio, zircônio, chumbo etc.) mostram também o inverso, isto é, sofrem uma deformação geometricamente proporcional a uma voltagem aplicada (Kittel, 2006). É esta última a propriedade usada nos microscópios de varredura por sonda para realização de diversas funções. O controle de movimentos em distâncias tão pequenas, como as que aparecem no AFM, é possível graças ao uso das cerâmicas piezelétricas. Estas são fabricadas em uma grande variedade de formas, em geral, de um aglomerado de pequenos cristais de titânio, zircônio e chumbo (Zanette, 2010). A figura 6 mostra um esquema do circuito de realimentação de um piezelétrico usado no AFM.

Figura 6: circuito de realimentação para posicionamento de um piezelétrico.

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Quando é programada a varredura no software do AFM deve-se fornecer uma força de referência denominada setpoint. Sabe-se que a interação ponta-amostra depende da distância e, dessa forma, quando a ponta está muito próxima da amostra aumenta a saída da eletrônica a ela acoplada. O amplificador diferencial compara o valor aumentado com o valor de referência e envia uma saída de correção de voltagem que excita o piezelétrico para contraí-lo e, assim, afastá-lo da superfície da amostra. O integrador (basicamente um capacitor) serve para “suavizar” a realimentação, pois sem ele a correção seria um pulo de voltagem sobre o piezo (mudança brusca). 5 Princípio de funcionamento do AFM Quando a ponta do AFM se aproxima da amostra (a uma distância da ordem de alguns angstroms), os primeiro átomos da ponta interagem com os átomos que compõe a superfície da amostra. Ao longo da varredura, a haste sofre deflexões por causa da interação atômica, desviando o laser que incide sobre ele, conforme ilustra o esquema de funcionamento do AFM mostrado na figura 7. O laser é detectado por um fotodiodo que envia essas informações de desvio da haste para o controle de realimentação que ajusta a posição da amostra (e/ou da ponteira) e para o computador onde é construída a topografia digitalizada da superfície da amostra.

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guir boa flexão e não danificar a amostra. O cantilever utilizado neste modo é, geralmente, em forma de “V” para minimizar as forças laterais de atrito, que poderiam degradar as imagens. E a ponta para o modo contato possui, em geral, a forma piramidal.

Figura 7: esquema de funcionamento do AFM.

Dessa forma, é fácil perceber que existem vários aspectos que podem interferir na interação ponta-amostra, como por exemplo: a existência de sujeira na amostra, a umidade relativa do ar, os materiais que compõem a amostra e a ponta, e ainda a geometria da ponta (Zanette et al., 2000). É a combinação de todos esses aspectos que determina uma boa imagem ou uma péssima imagem, pois em alguns casos eles dão origem aos chamados artefatos de imagem, isto é, traços falsos que escondem a verdadeira morfologia da superfície da amostra. Com relação à geração de imagens em AFM, existem três modos de operação: o modo contato, o modo tapping e o modo não contato. Α) Modo contato: é o modo mais utilizado para fazer imagens, porém, é recomendável usá-lo, de preferência, em amostras parcialmente duras. Atua na região de forças repulsivas e, por isso, a constante elástica do cantilever deve ter o menor valor possível para conseEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

Β) Modo tapping: neste modo a haste oscila quase na sua frequência de ressonância (por isso a necessidade de uma constante elástica maior que a do modo contato), com alta amplitude, mantendo um contato intermitente com a amostra (tocando a superfície da amostra periodicamente). Assim, dependendo da distância média entre a ponta e a amostra, a amplitude de oscilação é reduzida. Neste modo as forças de atrito da ponta sobre a amostra são desprezíveis, e com relação às pontas utilizadas neste modo, geralmente possuem forma cônica. Este modo vem sendo muito utilizado para o estudo de polímeros e materiais biológicos, pois além de evitar maiores danos na amostra, ele é capaz de fornecer a imagem de contraste de fase, onde é possível obter informações sobre a heterogeneidade da amostra. C) Modo não contato: neste modo o cantilever oscila na sua frequência de ressonância com baixa amplitude, assim a amostra não é tocada e não existe preocupação em relação à contaminação da ponta. Atua na região de forças atrativas, exigindo que a haste seja suficientemente rígida com constante elástica de valor alto. O modo não contato é utilizado para a realização de imagens http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 41-50, jul.-dez. 2013


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de amostras muito moles, e na prática é muito semelhante ao modo tapping, porém, fornecendo imagens com menos detalhes devido à ponta estar sempre afastada da amostra ao longo da varredura. 6 Conclusão A invenção do AFM foi muito importante para investigação de propriedades mecânicas e tribológicas (propriedades de materiais relacionadas com interação de interface em movimento relativo), pois devido a sua sensibilidade, permite a aplicação de forças fracas o suficiente para não produzir o deslocamento de átomos durante o contato, fato que possibilita o estudo e análise de superfícies na escala atômica seja de materiais cristalinos, amorfos ou de sistemas orgânicos. Devido a isso, ele tem causado um grande impacto positivo às ciências dos materiais. Propriedades como elasticidade, atrito e desgaste que dependem da morfologia da superfície (ou asperezas microscópicas) e da adesão podem ser estudadas com o uso do AFM fornecendo resultados com boa precisão. Essas propriedades influenciam diretamente na construção de materiais nanoestrutura dos. Assim, pode-se dizer que o AFM é uma ferramenta bastante importante para o desenvolvimento da nanotecnologia e áreas afins. Referências Butt, H.; Cappella, B.; Kappl, M. Force measurements with the atomic force Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

Pinto, Ramos e Fonseca Filho

microscope: Technique, interpretation and applications. Surface Science Reports. n. 59. 2005. Binnig, G.; Quate C. F. Atomic Force Microscope. Physical Review Letters. v. 56. 1986. Cohen, S. H. Quantum Mechanics. New York Kluwer Academic Publishers. v. 1. 2002. Feynman, R. P. et al. The Feynman Lectures on Physics. Massachusetts: Addison-Wesley Publishing Company. v. 3. 1965. Halliday, D.; Resnick, R. Fundamentos de Física. LTC. v. 2 e 4. 2009. Herrmann, P. S. P. et al. Microscopia de Varredura por Força: uma Ferramenta Poderosa no Estudo de Polímeros. Polímeros: Ciência e Tecnologia. 1997. Israelachvili, J. N. Intermolecular and surface force. San Diego: USA Academic Press. 1992. KITTEL, C. Introduction to Solid State Physics. New York: John Wiley & Sons. 1996. Zanette, S. I. et al. Theoretical and experimental investigation of the forcedistance relation for an atomic force microscope with a pyramidal tip. Surface Science. n.453. 2000. Zanette, S. I. Introdução à Microscopia de Força Atômica. CBPF. 2010. License information: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Artigo recebido em 10 de setembro de 2014. Aceito em 29 de janeiro de 2015.

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Artigo de revisão de literatura

Projeto político-pedagógico: saberes na intencionalidade políticodemocrática dos sujeitos dialógicos Lélio Favacho Braga1 e Antônio Joaquim Severino2 1 Doutorando em Educação - PPGE/UNINOVE/São Paulo, Brasil. E-mail: leliofavacho@bol.com.br 2 Prof. Dr. Universidade Nove de Julho-UNINOVE/São Paulo, Brasil.

RESUMO: Este artigo tem como interesse primordial refletir sobre os elementos norteadores que servem de apoio para a construção do projeto político-pedagógico na ação democrática. Partimos do pressupostos que a ação democrática favorece por meio da intencionalidade dos sujeitos dialógicos a participação política, já que se trata da construção de um plano que não é ingênuo e muito menos neutro, facilitando sua elaboração, execução e avaliação. A consequência desse transcurso visaria a melhoraria do processo de ensino e aprendizagem. A investigação que norteia a presente abordagem é de cunho bibliográfico acerca do conceito de Projeto Político-Pedagógico na ação democrática, efetivado no universo escolar, caracterizando o método qualitativo de análise e discussão da referida abordagem. Palavras-chave: Construção Democrática. Projeto PolíticoPedagógico. Múltiplos Saberes. Political and educational project in democratic action: knowledge in multiple intentionality policy subject dialogic ABSTRACT: This article has the primary interesting reflect on the guiding elements which support for the construction of politicalpedagogical project in democratic action. We start from the assumptions that action favors through the intentionality of dialogic subject to political participation, since it is the construction of a plan that is not naive, and less neutral, facilitating the formulation, execution and evaluation. The consequence of this course would aim to improve the teaching and learning process. The research that guides this approach is bibliographic nature of the concept of Pedagogical Policy Project in democratic action, effective in the school universe, featuring the qualitative method of analysis and discussion of that approach. Keyword: Democratic Construction. Political Pedagogical Project. Multiple Knowledge.

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1 Introdução O presente artigo tem por finalidade demonstrar o Projeto PolíticoPedagógico como a configuração de um plano, um caminho que se pretende percorrer para alcançar um determinado fim, denotando uma antecipação, tanto que o prefixo “pro” significa antes. Entendido dessa maneira, podese dizer que construímos um projeto quando temos um problema a resolver, uma meta a alcançar, em que elegemos um plano, um projeto para atingir nossos objetivos. “Projeto educacional, projeto político ou projeto políticopedagógico: qual a melhor designação? Mas essas expressões têm sido usadas indiferentemente com o mesmo sentido” (SEVERINO, 2012, p. 12). Falar sobre Projeto PolíticoPedagógico implica uma compreensão do conceito do que seja projeto, o político e o pedagógico no âmbito escolar, para que não se cometa o erro de dizer que os resultados ou condições vividas no contexto educativo nada tem a ver com o Projeto Político-Pedagógico, por achar que o mesmo é neutro e tem pouca ou nenhuma influência sobre as ações administrativas e pedagógicas da escola. Neste sentido, a ação que o fundamenta, não é dotada somente de consciência, mas também de intencionalidade, o que nos leva a perceber, que todo projeto envolve aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, que passarão pelo âmbito das discussões e decisões e serão influenciados pelo espaço de atuação social no universo escolar envolvendo o processo Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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de ensino e aprendizagem. Dentro desse processo que a escola vem passando de gestão democrática e participativa, o papel do gestor escolar deixa de estar na função única de decisão, para passar a ter a função de mediador do processo administrativo, sendo quem conduzirá o nível de participação da comunidade escolar na construção do planejamento participativo. Cabendo a ele junto com seu corpo técnico, docente, funcionários de apoio, alunos e comunidade proporem meios que não só sirvam para a integração dos agentes desse processo como também, para a efetivação prática de atuação dos mesmos no sentido de transformarem a realidade que os cercam. 2 Projeto Político-Pedagógico: a construção no espaço democrático O Projeto Político-Pedagógico não é um plano ingênuo e neutro, mas sim cheio de intenções por isso é político, pois tomará características autoritárias ou democráticas, partidárias ou apartidárias elegendo sua “cara”. É pedagógico, porque ocorrerá no campo de ação de professores, alunos, pais de alunos, diretores, em suma, na comunidade escolar no que tange a definição de suas ações educativas. O que concorda Silva (2000, p. 38) ao discorrer que o Projeto Político-Pedagógico é: [...] político porque estabelece e dá sentido ao compromisso com a formação do cidadão e da pessoa humana para um tipo de sociedade; porque revela a intencionalidade da http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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formação e os compromissos deste profissional com um tipo de sociedade [...]. É pedagógico porque define as ações educativas e as características necessárias ao cumprimento dos propósitos e intencionalidades do curso, tendo a ver, portanto, com a organização do curso como um todo, com a organização do trabalho pedagógico na sua globalidade.

Desse modo, pode-se dizer que o projeto político-pedagógico deve ser uma instância de debates sobre os rumos da escola. Neste sentido, sua função é ser um espaço de transformação coletiva que precisa estar explicitado para que não propicie e nem assegure a manutenção de atitudes autoritárias e inflexíveis. Se a escola supera as barreiras hierárquicas, ela tem a possibilidade de propiciar a oportunidade para que todos os seus segmentos analisem, compreendam, indiquem qual a opção, a função e o rumo do fazer educativo. Dado que terá a participação de todos, perceberá mais de perto as necessidades prementes da maioria e terá maior comprometimento de todos, pois todos os passos foram decididos coletivamente e todos almejam os mesmos objetivos. É possível dizer, que o projeto político-pedagógico, está primeiramente no desejo da criatura humana, nos seus planejamentos do dia-a-dia de forma sistemática ou não. É através da discussão das necessidades individuais, tornadas coletivas, que delineia-se na ação de nosso pensar o projeto político-pedagógico dependendo da opção, configurando-se em sua sistematização Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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as ações que vão atender requisitos meramente burocráticos ou interesses democráticos. O projeto educacional pode ser metaforicamente representado pelo campo de força gravitacional criado por um imã. A força de imantação, no caso, é uma intencionalidade, ou seja, um sentido, uma significação, que articula todas as ações, todas as medidas, todas as práticas, desenvolvidas por todos os sujeitos que se encontram no mesmo campo. É essa intencionalidade que evita a fragmentação das práticas especializadas e diferenciadas dos múltiplos sujeitos envolvidos: educadores, administradores, educandos, servidores, técnicos, especialistas, comunidade imediata, etc. (SEVERINO, 2012, p. 12).

A essência do projeto, depende da comunidade escolar porque fazem a construção de sua história, constituem a história da escola, passam enquanto indivíduos históricos na vida da comunidade escolar, mas fica o projeto, fica a história a ser continuada por outros atores sociais. Precisa estar claro em nossas mentes, que não devemos considerar a construção do projeto político-pedagógico apenas como um projeto, destituído de intencionalidade e harmônico. Ele deve sim, ser construído a partir de uma ação coletiva em que certamente estarão presentes opiniões divergentes, situações de poder que se explicitam no momento da constituição do projeto. Nota-se então, que a direção coletiva que se dá para a construção do projeto políticohttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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pedagógico é muito complexa, esbarra em conceitos e práticas, que deixam de ser consensuais para tornar-se conflituais. Outra questão relevante refere-se ao discurso sobre democracia e democratização, no qual corremos o risco de ficar apenas no discurso, como fazem as políticas neoliberais em que os burgueses discursam serem solidários aos menos favorecidos. Neste sentido, imprimem ações que só beneficiam a eles mesmos, através da exploração e exclusão da grande maioria dos proletariados. Em muitos educadores, algo parecido acontece, quando o pronunciamento é eclético, fazem um discurso avançado no sentido de garantia de direitos, mas praticam muito mais a cobrança de deveres. É importante enfatizar que aqueles que pretendem construir uma prática escolar comprometida com os interesses da maioria da população, devem procurar compreender os diversos elementos que compõem o ambiente escolar, bem como os múltiplos determinantes que sobre eles atuam. Não devemos portanto, nos enganar, acreditando que a construção e implementação do projeto político-pedagógico ocorrerá de forma harmoniosa. Nem seria possível, já que também no ambiente escolar há conflitos, relações de poder, embora ocorra uma busca constante pelo consenso. Para Freire, o ambiente escolar consiste num centro de deveres e direitos quando se assume como cidadã. Ou seja, a “Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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deveres” (FREIRE apud GADOTTI, 2010, p. 69). Faz-se necessário ir além dos muros da escola, entender que ela existe dentro de uma sociedade e que ambas são resultados de um processo histórico. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Não pode ser uma escola cidadã em si e para si. Ela é cidadã na medida mesma em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É toda escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-sedutores também sejam eles mesmos. E como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia (FREIRE apud GADOTTI, 2010, p. 69).

A escola enfrenta muitos problemas que se configuram como interesses para a prática educativa, tendo origem na sociedade a qual está inserida, podendo e devendo ser analisados a partir do espaço escolar e potencializado a partir do envolvimento de toda a comunidade. Neste caso, direção, corpo técnico, professores, funcionários de apoio, alunos, pais e outros no processo de discussão, formulação e encaminhamento de propostas que contribuam no decurso de luta pela superação dos desafios impostos pela realidade vivida. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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Nessa perspectiva, ganha uma importância fundamental a construção coletiva e participativa do projeto políticopedagógico, pois é ele que deve articular toda a atuação escolar, conferindo unidade à prática educativa. No processo de reflexão e elaboração do projeto político-pedagógico, pode-se estabelecer os princípios norteadores da prática educativa através da definição de suas finalidades, de sua estrutura organizacional, de sua concepção de currículo. Bem como um processo constante de avaliação em que garanta e busque uma ampla participação da comunidade escolar. Portanto, discutir o projeto políticopedagógico, implica em tese (re)conceitua-lo à luz dos princípios norteadores de uma teoria comprometida com a prática conscientizadora. 2.1 Projeto Político-Pedagógico: os pilares mestres É primordial que a escola considere, a necessidade da definição para si e para a comunidade escolar, de uma identidade e um conjunto orientador de princípios e normas que direcione a ação pedagógica, pois a práxis educativa deve traduzir a face da comunidade escolar. Como dizia Freire (2000, p. 67), demonstrando se está do lado “do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho se não viver plenamente a nossa opção. Encará-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos”. O projeto político-pedagógico é Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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marcado por três pilares mestres: (1) os fundamentos éticos-políticos, que mostrará as opções adotadas pela escola quanto às questões dos valores éticos, políticos, religiosos, entre outros, a fim de atender seus objetivos quanto a formação do aluno, o qual deverá refletir a visão de homem e de sociedade dessa instituição. (2) Os fundamentos epistemológicos, em que a escola elegerá como irá se relacionar com o conhecimento, como o perceberá e de que forma irá adquiri-lo, definindo a concepção pedagógica que norteará suas ações, buscando a fundamentação necessária para isso. (3) E os fundamentos didático-pedagógicos/relações, que demonstrará o que a escola entende como sendo o papel do aluno, do professor e de todos os segmentos que compõem a comunidade escolar, assim como o que o mesmo oferecerá para dar sustentação as ações didáticopedagógicas. Faz-se necessário ressaltar, que o projeto político-pedagógico é fundamental porque define as práticas educativas, permite formar a identidade da escola e revela a intencionalidade do fazer educativo. Permitindo aos pais, professores e a toda comunidade escolar, escolher a partir de seus princípios, de sua identidade e de outras características explicitadas no projeto e aplicadas em seu cotidiano. O projeto político-pedagógico singulariza a escola, credenciando-a positivamente na avaliação de pais e alunos que certamente irão optar pela escola que oferecer melhor serviço ao alunado. Não tomemos o projeto políticohttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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pedagógico como uma “moda” ou exigência, ele é um trabalho em equipe, neste caso, a equipe chamada comunidade escolar. Para Severino (2012, p.12), “trabalhar em equipe não é apenas tomar conhecimento de fatos e de decisões em reuniões conjuntas e cumprir mecanicamente determinações coletivizadas”. Consiste, de certo modo, numa tomada de consciência, que exige trabalho, responsabilidade, compromisso e efetiva participação coletiva em todas as etapas do processo. No pensamento de Severino (2012, p. 12), a construção do projeto políticopedagógico consiste em: [...] participar efetivamente de um processo contínuo que se inicia na apropriação da intencionalidade de um projeto educacional, mediante a tomada de consciência dos objetivos e do sentido do empreendimento em questão. É participar efetivamente do planejamento, do acompanhamento, da avaliação e do replanejamento das ações pelas quais se implantará o projeto.

É preciso que tenhamos consciência de que o projeto político-pedagógico é a “alma” do fazer educativo, que precisa da participação de todos, que precisa ser levado por todos à prática compromissada e responsável, para que ele possa ser repensado a cada ação e a cada resultado, visto que o mesmo é um processo dinâmico e como tal, inconcluso. Se não adotarmos o projeto político-pedagógico como sendo dinâmico, fatalmente estaremos sujeitos a elabora-lo de forma restrita, infiel à reEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

alidade, inflexível e incapaz de efetivar transformações, pois não sendo coletivo, tende a se transformar em “alimento para traças” por não ser significativo. Observamos que a gestão participativa na escola deu uma nova visão ao papel do diretor escolar, porém, apesar de ter obtido sucesso em alguns âmbitos, não se multiplicaram em todas as esferas educacionais. Percebemos que na escola pública apesar da criação de colegiados e conselhos de participação popular, muitas vezes possui uma gestão democrática ilusória. Isto é, ainda permanecendo na escola a centralização e verticalização das decisões, resultando no enfraquecimento e na falta de autonomia das unidades escolares. Assim, tornando a departamentalização do ensino presentes na escola pública e tornando o papel do administrador escolar meramente burocrático e hierarquicamente estabelecido. Para Vitor Paro (1997, p. 12): Na medida em que se conseguir a participação de todos os setores da escola: educadores, alunos, funcionários e pais nas decisões sobre seus objetivos e seu funcionamento, haverá melhores condições para pressionar os escalões superiores a dotar a escola de autonomia e de recursos.

Não podemos deixar de ressaltar que a gestão democrática trazida para o Brasil pela nova LDB é importante e tem de ser destacada como necessidade imediata da escola no que concerne a busca de autonomia política. Neste sentido, uma redimensão do perfil do http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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administrador escolar, são necessários para que os objetivos educativos sejam colocados com clareza e sinceridade por parte destes profissionais. Sendo assim, um maior dinamismo na gestão da escola pública, gera potencialidades, descentralização e maior autonomia dos profissionais da educação. Sendo assim, o administrador escolar passa a ser um articulador do Projeto Político-Pedagógico da escola, numa atuação dinâmica e globalizante. Em que não se descuidará do clássico em administração: planejar, organizar, coordenar, dirigir e a avaliar, mas numa atuação voltada também para a realidade escolar, criando condições necessárias para o processo de ensino aprendizagem mais significativo, construtivo e participativo. Cabe ao projeto político-pedagógico da escola realizar essa tão necessária articulação do instituinte com o instituído, da vida concretamente vivida dia a dia com as condições sociais e materiais necessárias à continuidade das ações numa forma conjunturalmente possível (MARQUES, 2000, p. 146).

Compreendemos que a formação do novo perfil do administrador escolar, numa direção comprometida com a educação de qualidade, seria consideravelmente um dos fatores norteadores das ações na escola. A re-leitura do perfil do administrador escolar implica uma volta ao passado historicamente marcada pelo enfoque empresarial estruturalista do capitalismo e profundamente modificada pela gestão deEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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mocrática e autônoma da escola, mesmo que esta ainda esteja engatinhando no processo histórico-social da nova dimensão administrativa no Brasil. 2.2 Construção democrática na ação dialógica da participação dos sujeitos A medida que os educadores tem desenvolvido seu processo democrático, começam a entender a real função social da escola, havendo benefício extremamente favorável a toda sociedade. A partir da nova lei de diretrizes e bases da educação, houve um avanço tecnológico e a própria modernização da sociedade, fazendo com que se instalasse a real mudança na questão administrativa e estruturação das escolas. Assim, buscou-se por meio de variados estudos, caminhos mais eficientes para que houvesse uma administração mais democrática, em que todos pudessem lutar pelos seus pontos de vista, relacionando-se com a comunidade escolar. Não é possível o gestor escolar conduzir um trabalho sozinho, ser o centro de tudo, pois a participação democrática conduz a boa qualidade de uma ação pedagógica e administrativa na medida em que os elementos que compõem as escolas tomem consciência do seu verdadeiro papel ao promover a identidade cultural do educando. O objetivo principal do projeto políticopedagógico numa versão humanistica deve ser o de inserir o indivíduo no mundo em que vive. Um outro exemplo humanistico vem http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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do pensamento de Paulo Freire, este critica os “pacotes” arquitetados em “gabinetes” para serem postos em prática pelos professores. Para Freire se trata de uma “demonstração inequívoca, primeiro de seu autoritarismo; segundo, como alongamento do autoritarismo, de sua descrença na possibilidade que têm [os]as professoras[es] de saber e de criar” (1997, p. 12). A inexorável convicção humanistica de Freire na possibilidade da educação reverbera, por outro lado, nas observações de Boaventura de Souza Santos sobre a conflitualidade dos conhecimentos. Para Santos (2009, p. 19): [...] a sala de aula tem de transformar-se ela própria em campo de possibilidades de conhecimento dentro do qual há que optar. Optam os alunos tanto quanto os professores e as opções de uns e de outros não têm de coincidir nem são irreversíveis. As opções não assentam exclusivamente em ideias já que as ideias deixaram de ser desestabilizadoras no nosso tempo. Assentam igualmente em emoções, sentimentos e paixões que conferem aos conteúdos curriculares sentidos inesgotáveis.

Quanto a possibilidade de uma ação administrativa na perspectiva da construção coletiva, verifica-se através das próprias campanhas assistenciais conhecidas como: “a família na escola e o amigo da escola”, que denotam pespectivas de ação em conjunto, traduzidas numa construção coletiva de fundamental importância. A participação Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

da comunidade intra a extra escolar nas tomadas de decisões nas escolas está evoluindo através de uma nova construção social e o convívio democrático familiar desenvolvido na maioria das escolas através da presença dos pais, em prol do interesse das suas crianças. Isso descamba na multiplicação da conscientização da sociedade, na sua responsabilidade pela educação dos filhos da nação brasileira. Favorecido pelo trabalho desenvolvido pela administração escolar e por todos os envolvidos nessa construção coletiva de racionalidade comunicativa e política, portanto democrática, cidadã e dialógica. Para Nadja Hermann Prestes (1997, p. 230): O fundamento da ação dialógica encontra-se na participação do sujeito em um mundo compartilhado com outros sujeitos. Isso tem validade para as diferentes instâncias no processo pedagógico, seja no plano da relação professor-aluno seja no plano da definição da política educacional, da administração e da relação com outras áreas do conhecimento científico.

A ação participativa está evoluindo permanentemente na discussão da forma de administrar, pois é muito importante destacar que os processos de tomadas de decisões existem por meio do envolvimento significativo dos membros da comunidade local. Assim como a atuação com maior desempenho é aquela em que o gestor está disponível às mudanças em questionamentos, sendo importante verificar a http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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mobilização de pessoas visando uma construção democrática. Ou seja, buscar o sucesso fazendo da escola um espaço sadio de convivência democrática. Para Luck (1998, p. 18), compete ao diretor, favorecer o estabelecimento e a conservação “de um ambiente propicio a participação plena, no processo social escolar, dos seus profissionais, de alunos e de seus pais, uma vez que se entende que é por essa participação que os mesmos desenvolvem consciência social critica e sentido de cidadania”. 3 Considerações finais Desde os primórdios, a administração de tarefas ou processos vem sendo praticada pelo homem e com ela vem sendo elaborado um novo modo de se conhecer o processo administrativo. Atualmente verifica-se a construção de uma nova escola, através da autonomia em que os envolvidos nas escolas estão construindo os seus próprios projetos de trabalho, que deverá contar com a participação de todos os segmentos. Fica bem evidenciado a necessidade que as escolas possuem quanto à busca de um conhecimento sobre a atual gestão, assim como o desempenho não só administrativo como nas outras esferas da rede escolar. Além disso, torna-se necessário o intercâmbio não somente entre a escola em que se atua, mas entre as demais escolas, contando com a presença de pessoas ligadas diretamente ao setor educacional. Esse intercâmbio proporciona mais Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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condições no que diz respeito ao aumento de conhecimentos, pois surgirão novidades em termos da nova gestão que contribuirá para o processo de legitima autonomia. Hoje em dia por exemplo, não se deve administrar de forma centralizada, em que somente uma pessoa possua o poder de decidir como era feito anteriormente na época dos faraós. É notável em empresas atuais crescentar um inovador modo de administrar, tratado-se de um administrar coletivo. A escola por tratar-se de uma empresa, é bem verdade que com objetivos diferentes das tradicionais, tem sofrido inúmeras mudanças no que diz respeito ao seu processo administrativo. Dentro dessa nova perspectiva surge o planejamento participativo, que visa descentralizar o poder da escola, mais do que isso, busca proporcionar a integração de todos os membros que compõe o universo escolar. Dado que uma atuação administrativa transformadora, traduz-se na necessidade de se estabelecer uma construção harmoniosa e com metas primordiais, em que o gestor em sua atuação de caráter transformadora, propicie a toda coletividade escolar uma relação saudável. O processo de tomada de decisões implica a definição coletiva de uma agenda básica de trabalho na convicção de que é preciso compartilhar o poder de decisão na escola, pois uma liderança consegue mobilizar pessoas quando coordena diferentes grupos na busca de objetivos comuns. Toda escola deve ter definida, para si mesma e para sua comunidade escolar, uma identidade e http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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um conjunto orientador de princípios e de normas que iluminem a ação pedagógica cotidiana. Portanto, o projeto políticopedagógico deve estar na escola como um todo em sua perspectiva estratégica, não apenas em sua dimensão pedagógica. Ele deve ser uma ferramenta gerencial que auxilia a escola a definir suas prioridades estratégicas, a converter as prioridades em metas educacionais, decidir o que fazer para alcançálas, medir se os resultados foram atingidos e avaliar o próprio desempenho. Saber utilizar os elementos necessários para o bom desempenho, naquilo que acredita-se ser a unidade desejada, é manter vivo o sonho de encontrar caminho para a democracia no espaço público escolar. A efetividade do processo democrático na sua complexidade, num contexto mais amplo esbarra nas limitações da autonomia administrativa. Já que as políticas paternalistas, empreendidas por certos administradores escolares, preocupados em manter seus cargos traduz a dificuldade do gestor no enfrentar do seu coditiano escolar. A construção do projeto políticopedagógico se apresenta como um dos grandes trunfos que a equipe gestora tem ao mobilizar as pessoas para a consolidação da gestão democrática e a construção da autonomia escolar de forma participava e colegiada. Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escriEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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tos. São Paulo. Ed.: UNESP, 2000. p. 67 ______. Professora Sim, Tia Não Cartas a quem Ousa Ensinar. Ed. Olho d’água, 1997. Disponível em: <http://teiaufmg.com.br/wp-content/u ploads/2014/07/FREIRE-Paulo-Professora-sim-tia-n%C3%A3o.pdf> Acesso: 07/11/2014. p.12 GADOTTI, M. Escola Cidadã. 13ª Ed. São Paulo. Cortez, 2010. p. 69 LUCK, Heloísa. A Dimensão Participativa da Gestão Escolar. V. 09. Ed. Revista Gestão em Rede, 1998. p. 18 MARQUES, Mário Osório. Escola, Aprendizagem e Docência: imaginário social e intencionalidade política. In: VEIGA, Ilma Passos A. (org.). Projeto Político-Pedagógico da Escola. Uma construção possível. Campinas. Ed.: Papirus, 2000. p. 146 PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. São Paulo. Ed.: Ática, 1997. p.12 PRESTES, Nadja H. O polêmico debate da educação na contemporaneidade: a contribuição habermasiana. In Zuin, Álvaro S.; Bruno Pucci; Newton Ramos de Oliveira (orgs.). A Educação danificada: contribuições à teoria crítica da educação. Petrópolis. Ed.: Vozes 1997. p. 230 SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma pedagogia do conflito. In: FREITAS, A. L. S. MORAES, S. C. Contra o Desperdício da Experiência: a pedagogia do conflito revisitada. Porto Alegre. Ed.: Redes Editora, 2009. p. 19 SEVERINO, Antônio Joaquim. Formação Docente: desafio para as licenciaturas. Espaço Plural. Ano XIII. Nº 26. ISSN 1518-4196. 1º Semestre 2012. SILVA, Ana Célia Bahia. Projeto http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 51-61, jul.-dez. 2013


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Pedagógico: instrumento de gestão e mudança. Belém. UNAMA, 2000. p. 38 License information: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Artigo recebido em 26 de dezembro de 2014. Aceito em 18 de fevereiro de 2015.

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Artigo original

Ação social weberiana: o perfil político da população na Assembleia Legislativa do Estado do Amapá (ALAP) e o regime democrático Miquéias Serrão Marques1 1 Graduado em Ciências Sociais (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista pela Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil. E-mail: miqueias.marques@bol.com.br

RESUMO: O texto realiza algumas incursões teóricas sobre os fundamentos metodológicos da Sociologia compreensiva de Max Weber, para tanto, realizou-se um estudo bibliográfico em relação as tipologias de ação social, pois as proposições teórico-metodológicas weberianas são bastante atuais para pesquisas que priorizam aspectos motivacionais das relações sociais. Buscou-se diagnosticar o perfil de cunho qualitativo dos cidadãos que acompanhavam as discussões na Assembléia Legislativa do Estado do Amapá (ALAP) no período que compreende o segundo semestre de 2011. Nesse processo, traçou-se um diálogo entre os conceitos e categorias de análise que envolve o debate sobre a democracia representativa e participativa, princípios e valores amplamente disputados pela teoria política. Posteriormente estabeleceram-se relações entre as motivações individuais e o processo de representação e participação social nas sessões públicas do legislativo estadual. De modo geral, observou-se que o parlamento estadual é frequentado por grupos de interesses e cidadãos que buscam atender demandas pontuais de natureza coletiva ou individual. Palavras-chave: Sociologia Compreensiva. Poder Legislativo. Democracia Representativa. Weber social action: the political profile of population in Legislative Assembly of the State Amapá (ALAP) and the democratic system ABSTRACT: The text does some theoretical incursions on the methodological foundations of comprehensive sociology of Max Weber, therefore, was held a bibliographic study regarding the types of social action, since the Weberian theoretical and methodological propositions are fairly current research to prioritize aspects motivational of social relations. Get fetch to diagnose the qualitative character profile of citizens who followed the discussions in the Legislative Assembly of the State of Amapá (ALAP) in the period from the second half of 2011. In the process, drew up a dialogue between the concepts and categories of analysis involving the debate on representative and participatory democracy, principles and values widely played by political theory. Later settled relationships between individual motivaEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Marques

tions and the process of representation and social participation in the public sessions of the state legislative. In general, it was observed that the state parliament is attended by interest groups and citizens who seek to meet specific demands of collective or individual nature. Keywords: Comprehensive Sociology. Legislative Power. Representatyve Democracy.

1 Introdução Segundo a Constituição do Estado do Amapá1, o Poder Legislativo é desempenhado pela Assembléia Legislativa do Estado (ALAP)2, no caso, o “Palácio Deputado Nelson Salomão”. Esta é formada por Deputados Estaduais eleitos3 pelo sistema proporcional com mandatos de quatro anos. O principal aparelho de funcionamento do legislativo se estabelece através das sessões públicas, exigindo-se o quorum mínimo de um quarto dos Deputados (no caso do Amapá seis membros). Entre as atribuições substantivas da Assembléia legislativa4 compete fiscali1

Título V, da organização dos poderes do Estado, capítulo I, Seção I, Art. 91. 2 Artigo desenvolvido durante à disciplina Estágio Supervisionado II e apresentado na forma de pôster no “3º Congresso Amapaense de Iniciação Científica, 7ª Mostra de TCC’s e 3ª Exposição de Pesquisa Científica”, realizados no período de 14 a 16 de Novembro de 2012. 3 Parágrafo único. O número de Deputados Estaduais corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara Federal e, atingindo o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze. No caso do Estado Amapá esse número é de oito Dep. Federais e 24 Dep. Estaduais. 4 No Estado do Amapá, a Assembléia Legislativa teve sua 1ª Legislatura em 1º de janeiro de 1991, com a instalação da Assembléia Legislativa Constituinte, em Sessão Solene, presidida pela Desembargadora Maria Lúcia Marcos dos Santos, Presidente do TRE/PA. Segundo dados da AL foram eleitos para a Presidência da Casa no 1º biênio da Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

zar e controlar direta e indiretamente os atos do Poder Executivo junto as Comissões, julgar as contas do Tribunal de Contas do Estado (TCE), deliberar sobre os vetos do Executivo estadual, criar e votar projetos de interesse social, dispor sobre o orçamento anual e sistema tributário estadual, entre outros. As sessões5 da AL de cunho deliberativas são realizadas, às Segundas, Terças e Quartas-feiras a partir das 9h30min. Já as não deliberativas (audiências públicas), são realizadas às Quintas-feiras também às 9h30min, destinadas a assuntos de interesse público, político-parlamentar, comunicações e discursos. Além das sessões solenes que são realizadas para homenagens especiais e comemorações de grande relevância. Entende-se que a AL tem enorme função na relação de poder entre o Estado e a sociedade e a população, mediante as sessões públicas, apresen1ª Legislatura o Deputado Nelson Benedito Salomão de Santana, que promulgou a primeira Constituição Amapaense, em 20 de dezembro de 1991, e posteriormente, para o 2º biênio daquela Legislatura, foi eleito Presidente o Deputado José Júlio de Miranda Coelho. 5 Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado do Amapá CAPÍTULO II, que trata das Sessões Legislativas. Art. 2º. A Assembléia Legislativa reunir-se-á, anualmente, em Sessão Legislativa: I Ordinária, de 2 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 22 de dezembro; (Resolução n° 0105) http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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ta-se como ator político indispensável para acompanhar e supervisionar a produção do parlamento amapaense. Para tanto, durante o trajeto da pesquisa utilizou-se o instrumental weberiano, priorizando-se o estudo da ação social e a aplicação do método compreensivo (WEBER, 1991; 2003). O debate teórico em torno dos princípios da democracia representativa (TOCQUEVILLE, 1973; SCHUMPETER, 1984; MANIN, 1995; MILL, 1981; BOBBIO, 2000; PITKIN, 2006; URBINATI, 2006; PRZEWORSKI et al, 2006; ARAÚJO, 2009;) foi indispensável para aprofundar algumas análises parciais em relação ao perfil político qualitativo dos cidadãos que frequentavam as sessões do legislativo estadual. Nesse contexto, fez-se a seguinte indagação: O que motivava os indivíduos a participarem das sessões públicas no legislativo estadual? Desse modo, a pesquisa partiu das seguintes hipóteses: a) grande parte das pessoas que acompanham as sessões são ligadas a movimentos sociais, sindicatos, funcionários públicos, entre outros; b) a maioria das pessoas que não estão ligadas a nenhuma das categorias descritas acima vão ao parlamento estadual para solicitarem ajudas pessoais. Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa foi realizada no segundo semestre de 2011. Nos meses de Setembro a Outubro foram feitas observações sobre os trabalhos de rotina da instituição, em especial o funcionamento e dinâmica das sessões. Analisou-se a presença e assiduidade de cidadãos nas galerias da AL duEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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rante as sessões, de modo a sistematizar como seriam feitas as abordagens com vista a identificar as motivações que orientavam os indivíduos a frequentar o parlamento estadual. Entre os dias 23/11/11 a 12/12/11 foram realizadas vinte oito entrevistas individuais na AL. Um dos critérios para seleção dos entrevistados foi a observação da frequência dos mesmos nas sessões. Como foram identificados apenas três interlocutores com tal perfil, o restante das entrevistas aconteceu de forma aleatória, sem a utilização do critério assiduidade. Também foram realizadas entrevistas junto aos membros do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Amapá (SINPOL), do Conselho Estadual de Saúde (CES) e agentes de segurança da AL. Os limites analíticos e metodológicos da pesquisa devem-se aos seguintes aspectos: a) não foi possível participar de algumas audiências públicas que ocorreram nas Quintas-feiras na AL por questões de agenda pessoal; b) por questões de logística não foi possível acompanhar as sessões itinerantes que aconteceram nos municípios interioranos do Estado; c) durante a construção do desenho de pesquisa, um dos objetivos era entrevistar no mínimo doze deputados (as) para que se pudesse saber suas respectivas opiniões sobre o acompanhamento da população durante as sessões da AL. Esse objetivo não foi possível realizar, pois dos dezoito deputados aos quais conseguimos entregar os ofícios e o “termo de consentimento livre e esclareci-

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do” da pesquisa nenhum deles se disponibilizou a ser entrevistado. Vislumbrou-se durante a pesquisa que as ações sociais dos membros dos sindicatos, conselhos, movimentos sociais e dos cidadãos entrevistados eram motivadas por relações de natureza instrumental, isto é, suas ações estavam relacionadas a fins. 2 Ação social e representação democrática A atualidade da perspectiva teóricometodológica weberiana permite que se apreciem as possibilidades empíricas para análise de fatos que dão vida ao social por meio do estudo de sua sociologia compreensiva. A construção do “tipo ideal” e as ações sociais trabalhadas por esse clássico da Sociologia abrem um leque abrangente para analisar os processos políticos locais. A infinidade caótica de eventos sociais não permite ao pesquisador explicar a totalidade de um fenômeno social, mas apenas “recortes” de determinada realidade são passíveis de observação e estudo, mediante a compreensão das ações sociais individuais. As motivações sociais produtoras de determinados comportamentos individuais possibilitam atribuirmos sentidos subjetivamente válidos à existência da ação social. Com base nessas interpretações é possível compreender de forma provisória e “parcial” a dinâmica social, estabelecendo limites objetivamente apropriados e eficientes cientificamente para compreensão de fragmentos da Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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realidade social, que é “caótica” e “multidimensional” (WEBER, 2006). Deste modo, “(...) O homem pode “compreender” ou procurar “compreender” suas próprias intenções pela introspecção, ou pode interpretar os motivos da conduta de outros homens em termos de suas intenções professadas ou atribuídas” (WEBER, 2002a). A interpretação da ação social se dá através da compreensão, cuja reconstrução do sentido subjetivo do agente ocorre por intermédio da vivência e revivencia empírica da ação. A tradição da sociologia compreensiva weberiana leva em consideração a regularidade observável da conduta do indivíduo (COHN, 2003). O conhecimento “nomológico” enfatiza a experiência empírica do pesquisador frente ao quadro de sujeitos que realizam ações nas várias esferas da vida social. Compreender o contexto histórico-cultural do “portador” executor da ação se vincula aos valores que o orientam cotidianamente. Esse emaranhado de nexos causais entre o indivíduo social e histórico proporciona à sociedade a dinamicidade necessária à existência de certos fenômenos, o que permite ao crítico levantar possíveis explicações. A busca pela compreensão da ação individual não se confunde com nenhum “psicologismo”, pois sua preocupação não é estudar os aspectos psicológicos do sujeito, mas sim, através do método compreensivo interpretar o sentido subjetivo da ação e as “correntes motivacionais” que orientam o comportamento do sujeito em certo http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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contexto sócio-histórico, e quais os efeitos dessa ação no interior das esferas sociais (COHN, 2003). Sendo assim, não seria qualquer ação passível de estudo ao sociólogo, mas somente as ações que geram expectativas comportamentais em indivíduos ou grupos. Uma ação reativa qualquer não gera expectativa para outros indivíduos, pois ela pode ocorrer por impulso, sem motivação previamente pensada ou não ter uma “corrente motivacional” que atribua sentido a conduta dos indivíduos. Podemos citar, por exemplo, um indivíduo que reage a um choque elétrico ou que tropeça em uma calçada sem a intenção de despertar a atenção de outras pessoas (WEBER, 2002). Os exames metodológicos demonstrados por Weber em relação à compreensão da ação social se dariam em caráter probabilístico. O autor é consciente que as ações sociais, por se tratarem de tipos ideais, podem não estar sujeitas à apreensão científica. A probabilidade de percepção e compreensão social ainda deve levar em conta a “linha tênue” existente entre ações simultâneas. É necessário que o cientista procure interpretar empiricamente qual ação social, seja ela com relação a fins, a valores, afetiva ou tradicional, prevalece em determinado contexto históricocultural, para que a mesma seja plausível de um “recorte” de pesquisa, pois em uma ação social pode haver uma multiplicidade de motivações e intenções direcionando o comportamento do sujeito. Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Desse modo, Weber (2002a) preocupou-se com a tenuidade existente entre a “racionalidade” e a “irracionalidade” de uma ação social, justamente para que o analista tenha a preocupação de procurar delimitar o que tem sentido e significado para o sujeitoagente. Para tornar compreensível os fragmentos histórico-sociais e políticos particulares, o pesquisador deve se valer de um instrumento metodológico valioso, adequado e indispensável à investigação social, que Weber define como tipo ideal: “O discutido “tipo ideal”, expressão-chave na discussão metodológica, refere-se à construção de certos elementos da realidade numa concepção logicamente precisa. A palavra ideal nada tem com quaisquer espécies de avaliações (...)” (WEBER, 2002b). Os tipos ideais são modelos de análise, conceitos explicativos abstratos e generalizações conceituais que permitem singularizar fenômenos que poderão ajudar na geração da hipótese da pesquisa. “(...) Os tipos ideais são instrumentos com os quais Weber prepara o material descritivo da análise comparada. Esses tipos variam em amplitude e no nível de abstração” (WEBER, 2002b). Logo, ele só existe como “utopia”, não é e nem pretende ser um reflexo da “realidade multidimensional”, formada por uma complexa rede de sentidos, muito menos um modelo perfeito do real, ele vai apenas ajudar a criar quadros de explicação temporária e conceituar de maneira “exagerada”, porém lógica, os fenômenos sociais. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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Assim, o tipo ideal é um “conceito fundamentalmente caracterizador”, cujo traço busca dar ênfase as singularidades “individuais” de um fenômeno (COHN, 2003). Falar em individualidade de um fenômeno a partir do tipo ideal é destacar agentes e fatos históricos de significância cultural e histórica para o pesquisador, em certo grau, isso permite impessoalidade no processo de compreensão dos fatos. O tipo ideal, além de contribuir na seleção dos episódios relevantes para o analista, também permite confrontar as ideias genéricas e as observações empíricas vistas em campo, o que pode encaminhar à reflexão hipotética do evento sócio-histórico, isto é, “Sua função não é a de constituir-se em fim da pesquisa, senão que, unicamente, em meio de conhecimento (...)” (MELLO, 2004). Portanto, pode-se encarar o tipo ideal como uma “espécie de bússola” ou “telescópio”, que orienta a percepção do fenômeno, aproximando o foco e a probabilidade de constatação empírica daquilo que se pretende estudar (MELLO, 2004). O método compreensivo weberiano é o princípio norteador para o “recorte” da referida pesquisa. Tais pressupostos teórico-metodológicos permitem fazer análises individuais, relacionando-as com aspectos objetivos e subjetivos da realidade social, especialmente nos processos políticos que são carregados por elementos de racionalidade e emotividade. Pensar em ações políticas que orientam as condutas sociais de alguns segmentos da população relaciona-se as regras e valores Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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democráticos que prezam pela garantia constitucional e efetiva representação e participação política no regime. A teoria política tradicional concebe a democracia representativa como vertente política característica da modernidade diferenciando-se da democracia direta ateniense por questões de método de seleção. Na democracia ateniense a seleção se dava através de sorteio, já na democracia representativa, a seleção ocorre por meio da exclusividade das eleições (LEYDET, 2002; PRZEWORSKI et al, 2006; ARAÚJO, 2009). Porém, a gênese da democracia representativa é encontrada na engenharia do governo representativo que vigorou nos parlamentos dos Estados Unidos, Inglaterra e França na segunda metade do século XVIII (MANIN, 1995; MILL, 1981). A partir da emergência da forma representativa da democracia no século XX, o parlamento, através dos partidos políticos, seriam as legítimas instituições que deveriam canalizar as demandas e conflitos sociais. A concretização desses ideais representativos seriam um dos mecanismos que garantiriam o exercício da soberania popular (ARAÚJO, 2009). A efetivação de uma abordagem e prática de fato representativa das democracias superaria a atual interpretação e exercício “formalista” da “democracia eleitoral” (URBINATI, 2006). A atual democracia eleitoral reduz a soberania popular e a legitimação do regime apenas aos aspectos formais das eleições. O que produz uma relação mecânica entre governantes e goverhttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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nados, além de “relações passivas” entre o Estado e a sociedade. É inegável que as eleições, enquanto procedimentos que fazem parte das “regras do jogo” (BOBBIO, 2000) sejam importantes mecanismos de accountability (responsividade) político, porém, a formalidade eleitoral do regime não refletem as múltiplas dimensões e virtudes da representação democrática (PITKIN, 2006; URBINATI, 2006; MIGUEL, 2005; 2014). De modo geral, a representação não pertence aos governantes e ao conjunto das instituições representativas, mas ela deve priorizar e canalizar a dimensão conflituosa da pluralidade de interesses divergentes das sociedades que variam no tempo e no espaço. Os sindicatos e associações refletem parcialmente esses aspectos constitutivos da “representação ativa”. Sendo assim, “A representação política transforma e expande a política na medida em que não apenas permite que o social seja traduzido no político; ela também promove a formação de grupos e identidades políticas” (URBINATI, 2006). A representação ativa quando posta em prática, ela pode encaminhar um vasto repertório de demandas sociais que ficariam desprestigiadas caso não houvesse uma ampliação da cidadania e de uma “cultura ética” (URBINATI, 2006). Pensar em cidadania remete a reflexão em torno de políticas públicas que garantam igualdades mínimas de existência material para que os cidadãos consigam priorizar minimamente o exercício da participação política junto ao parlamento, associações, sindicaEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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tos e movimentos sociais de diversas clivagens sociais (BOBBIO, 2000; PITKIN, 2006; LAVALLE et al, 2006; LIJPHART, 2011; MIGUEL, 2014). Tais aspectos essenciais da cidadania foram discussões largamente priorizadas por Tocqueville (1973) em “A democracia na América”. A garantia e acesso ao “bem-estar material”, interesses de natureza privada, produziriam melhores condições de igualdade e participação política, já que os cidadãos, na medida em que satisfazem suas necessidades que acreditam serem primordiais às suas vidas, como alimentação e vestimentas, teriam maiores possibilidades para se preocuparem com o associativismo, o bem público e eficiência das instituições políticas (TOCQUEVILLE, 1973). A existência de uma cultura cívica permitiria que o interesse pela coisa pública fosse “bem compreendido” (JASMIN, 2001; 2002). Entretanto, como cada organização social desenvolve formas específicas de comportamento político e estruturas institucionais, o espírito associativo e público apresenta “gramáticas históricas” significativamente diferentes daquelas condições encontradas por Tocqueville nos Estados Unidos para a realização da igualdade política. O caso brasileiro evidencia bastante essa proposição, pois o modelo democrático/republicano que se discutiu e se desenhou para o país desde 1870 (final do Império) até a fundação da república em 1889 não garantiu, do ponto de vista prático, a ampla participação eleitoral e representação polítihttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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ca, visto que a república que se institucionalizou até os anos de 1930 foi de natureza oligárquica, comprometida com interesses das elites rurais. Como a construção do Estado-nação e o tipo de democracia que se efetiva condiciona o modelo de cidadania que se institucionaliza no devir da sociedade, percebe-se que a gênese da cidadania no Brasil foi fruto de políticas paternalistas, ou seja, “cidadania regulada”. A cidadania não se desenvolveu como um valor ligado à comunidade política, mas sim, fruto da acumulação de direitos profissionais, regulados pelo sistema previdenciário. A regulação dos sindicatos de empregadores e empregados, com tratamento distinto para ambos permitiu a institucionalização da desigualdade econômica aos beneficiários da previdência, estratificados segundo sua atividade profissional (SANTOS, 1992). Cidadão era aquele que possuísse alguma profissão, regulamentada segundo às leis sindicais, que deveriam estar de acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas (C.L.T) e o Ministério do Trabalho (SANTOS, 1992). A cidadania, articulada de cima para baixo, não resultou de lutas, conquistas e participação popular, não encontrando uma arena política substantivamente favorável à mudanças profundas até a década de 60, problema que se ampliou com o período autoritário que se instalou no país por mais de duas décadas (CARVALHO, 2002; 2013). Até hoje, mesmo com os avanços no campo dos direitos civis, políticos e sociais, ainda existem déficits de representaEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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ção, participação e práticas cívicas na ordem social brasileira que advém de longos processos históricos. Levando-se em consideração a tradição democrática nos Estados Unidos e nos países europeus, a nossa democracia se trata de um acontecimento recente, que ganhou força pós Ditadura militar (1964-1985). Assim, ainda caminha-se para ajustes no nível micro e macro das relações entre as instituições políticas e a sociedade. A constituição de 1988, no seu desenho institucional, priorizou a combinação entre elementos da representação e formas de participação popular (AVRITZER, 2006; 2012; MARTINS, 2013). Desse modo, os legislativos subnacionais através de seus regimes internos puderam abrir maiores espaços para que a sociedade civil pudesse ampliar sua influência e participação nos parlamentos estaduais, dentre as quais, se destacam: apresentação de projeto de lei de iniciativa popular6 e de representações populares7, direito a manifestação de representantes da

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“A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Assembleia Legislativa de projeto de lei e de proposta de emenda à Constituição, subscritos por, no mínimo, um por cento do eleitorado estadual, distribuído pelo menos por cinco Municípios, com um mínimo de dois por cento dos eleitores de cada um deles, segundo disciplina a Constituição Estadual” (Art. 246, I, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado Amapá). 7 “A participação da sociedade civil poderá, ainda, ser exercida mediante oferecimento de pareceres técnicos, exposições e propostas oriundas de entidades científicas e culturais, de associações ou sindicatos e demais instituições representativas” (Art. 248, II, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado Amapá). http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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sociedade civil nas audiências públicas, fóruns, entre outros. 3 Participação social na ALAP, democracia e ideário político O pensamento weberiano problematiza quatro tipos ideais de ações sociais que estariam presentes com certa probabilidade na sociedade, entre elas destacam-se: a) a ação racional em relação a fins: ocorre quando são utilizados “meios” lógicos e técnicos para atingir com sucesso os “fins racionalmente escolhidos” pelo indivíduo, caracterizando-se pela presença da “calculabilidade”; b) ação social em relação a valores: caracterizada pela “crença consciente” no valor da ação, como ética, estética ou religião, prevalecendo as “convicções” e a maneira de interpretar o mundo, tornando-se um dever moralmente válido para sua vida; c) ação afetiva: determinada por circunstancias emocionais das mais variadas formas, ela exige a satisfação imediata de um impulso, tais como, vingança, ódio, piedade, alegria e ciúme; d) ação tradicional é determinada pelo hábito e costume devido a uma longa tradição. O que motiva sua existência são práticas de longa duração, que se cristalizam na sociedade e são perpetuadas pelos indivíduos. A ação social com relação a fins e a valores têm em comum o cálculo prévio por parte do sujeito-agente e as possíveis implicações na relação social. Já a ação social afetiva e tradicional seriam “casos limites” de ação, pois, as motivações ocorrem numa linha muito Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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tênue entre a racionalidade e a irracionalidade, os sujeitos agem aos estímulos do grupo sem fazerem, em alguns casos, uma análise prévia dos efeitos de suas ações. Em relação ao acompanhamento nas sessões no legislativo estadual, a primeira impressão é de que o cidadão amapaense comparece frequentemente as sessões, tendo em vista que, os assentos da galeria em algumas plenárias ficavam todas ocupadas. Porém, qual o perfil político desse público? Qual a frequência de participação nas sessões realizadas posteriormente? E o que motivava a ação social desses cidadãos? É nesse contexto que a pesquisa pôde evidenciar algumas particularidades em relação à participação da população nas sessões legislativas. O primeiro ponto a considerar foi o fortalecimento da hipótese de que os cidadãos majoritariamente presentes estavam atrelados a associações, sindicatos, movimentos sociais, funcionários públicos e militância de Deputados (as). Durante a pesquisa percebeu-se a presença do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Amapá (SINPOL), entre as reivindicações, pressionavam o parlamento estadual para estruturação da carreira dos policiais civis, garantia de aposentadoria especial e reajuste salarial. Durante as entrevistas realizadas no dia 23/11 com três membros do sindicato, entre eles o presidente do SINPOL, todos destacaram que o comparecimento se dava em virtude de “benefícios da classe”.

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Contudo, os entrevistados destacaram a importância da participação popular em relação as discussões e os projetos votados na AL, pois, a insuficiente participação dos cidadãos, segundo o presidente do sindicato: “contribui para que os deputados não representem e defendam o interesse da população, podendo assim, influenciar na reeleição de determinados políticos, mesmo que não estejam trabalhando em benefício da população”. Outro membro do SINPOL, em relação a participação popular, frisou o seguinte: “É uma cultura que o povo tem que adquirir. As decisões são tomadas de forma aleatória. O próprio governo deveria informar a população sobre o que é feito na assembleia. Ensinar o processo legislativo”. No presente dia, os sindicalizados não estavam em grande número na sessão. Não houve sessão devido a falta de quorum8 mínimo de oito deputados. No mesmo dia foi discutido e aprovado o projeto9 que criou o “Conselho Estadual para a Promoção da Igualdade Racial”, objetivando criar políticas de enfrentamento ao racismo e preconceito contra comunidades quilombolas. No presente dia não foi possível reali8

Na sessão do dia 29/11 houve quorum e a presença significativa da população na ALAP, porém, a sessão foi suspensa após a leitura de alguns comunicados e requerimentos. Devido a falta de proposições para a pauta do dia. 9 Projeto de Lei Ordinária nº 0101/11-AL de autoria da Dep. Cristina Almeida (PSB-AP) que autoriza o Poder Executivo a criar o Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, e dá outras providências. Incluído em pauta da 92º sessão Ordinária do dia 23/11/2011 - Quarta-feira. (situação - aprovado) Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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zar entrevistas com tais segmentos sociais em decorrência da priorização das entrevistas com os membros do SINPOL. Da mesma forma, observou-se a presença de militâncias políticas de determinados Deputados (as) e membros do “Movimento Negro do Estado do Amapá”, que prestigiaram discussões e aprovação de leis. Entre os projetos de lei10, podemos enfatizar a criação de políticas públicas de enfrentamento e prevenção de abusos e violências contra crianças e adolescentes. Na sessão do dia 28/11 os policiais civis estavam em número significativo. Entretanto, como a votação do projeto de lei referente a PEC 001/2011 não foi colocado na ordem do dia, todos os membros do SINPOL se retiraram imediatamente da sessão. A aprovação desse projeto de lei só foi aprovado e colocado como pauta principal no dia 05/1211. Na sessão do dia 12/12, outro segmento de classe presente foi o Conselho Estadual de Saúde (CES)12, entre 10

Projeto de Lei Ordinária nº 0069/11-AL de autoria da Dep. Marília Goés (PDT-AP) que institui a Política Estadual de Prevenção, enfrentamento a violências, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes do Estado do Amapá. Incluído em pauta da 92º sessão Ordinária do dia 23/11/2011 - Quarta-feira. (situação – aprovado). 11 Projeto de Lei Ordinária nº 0210/11-AL de autoria do Dep. Charles Marques (PSDC-AP) que autoriza o Poder Executivo a realinhar o subsídio dos servidores agentes e oficiais de Polícia Civil do Estado do Amapá. Incluído em pauta da 95ª sessão ordinária do dia 05/12/2011 - Segunda-feira. (situação - aprovado). 12 Projeto de Lei Ordinária nº 0215/11-AL de autoria do Dep. Moisés Souza (PSC-AP) que dispõe sobre o Conselho Estadual de Saúde do Amapá - CES/AP. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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suas demandas, lutavam pela regulamentação jurídica do conselho de saúde no Estado. Por se tratar de uma questão menos complexa, a pauta foi colocada em discussão e aprovada por unanimidade no mesmo dia, diferentemente da pauta dos policiais civis que demandou várias sessões para ser discutida e aprovada. Foram realizadas três entrevistas com os membros do CES, os mesmos destacaram que o acompanhamento da votação do projeto de lei era a principal razão de suas respectivas presenças na AL. Um dos entrevistados destacou que era a primeira vez que visitava o parlamento estadual, ao contrário de outra entrevistada que já trabalhou na AL como assessora de deputado entre 1999 a 2002. Esta entrevistada sublinhou que a participação da população é baixa, pois: “as pessoas que vem é atrás do deputado, interesse próprio”. No processo de observação das sessões, anteriores ao início das entrevistas, foi possível notar o grupo dos funcionários públicos do Sistema Integrado de Atendimento ao Cidadão (SIAC – Super Fácil)13 que se fizeram presentes para reivindicar reajuste salarial e regulamentação de carreira. Juntamente com membros da categoria dos enfermeiros da saúde do Estado (SINDEIncluído em pauta da 98ª sessão Ordináriado dia 12/12/2011 - Segunda-feira. (situação - aprovado). 13 Projeto de Lei Ordinária nº 0018/11-GEA de autoria do Poder Executivo que dispõe sobre a criação da Gratificação Pecuniária Especial - GPE aos servidores que exercem as atividades de Atendimento e Orientação ao Público e atividade de Supervisão, no âmbito do Sistema SIAC “SUPER FÁCIL”. Incluído em pauta da 74ª sessão Ordinária do dia 26/09/2011 - Segunda-feira. (situação - aprovado). Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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SAUDE), que participaram da sessões buscando reajuste salarial nos plantões. Na sessão do dia 28/11 houve Público considerável, na maioria mulheres, que vieram apreciar projeto14 que institui o “Programa Renda Mínima” e “Renda para Viver Melhor”, visando regulamentar o benefício já existente, mas via decreto. Após a aprovação unânime do projeto de lei a maioria desse público se retirou das galerias da AL. A presença de grupos da sociedade civil nas sessões nos permite apreender que o pluralismo de interesses das diversas categorias são primordiais para se pensar nos princípios da representação e participação democrática. O sindicalismo e o associativismo bem organizado abrem canais para reivindicações e mudanças, mesmo que pontuais, na sociedade. Senso assim, o parlamento deve funcionar como uma “plataforma de mediação” das coletividades e grupos de interesse (ARAÚJO, 2006), pois essa reflete a presença de diversos atores da sociedade civil que defendem uma complexidade de opiniões e interesses (URBINATI, 2006). Além do mais, o regime democrático não se resume às eleições e a “representação passiva”, contudo, é uma forma de regime que proporciona a 14

Projeto de Lei Ordinária nº 0015/11-AL de autoria da Dep. Marília Góes (PDT-AP) que institui o Programa de renda mínima "Programa Renda Para Viver Melhor" no âmbito da administração direta do Poder Executivo Estadual e dá outras providências. Incluído em pauta da 93ª sessão Ordináriado dia 28/11/2011 - Segunda-feira. (situação - aprovado). http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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sociedade civil interagir através de sindicatos, movimentos sociais e associações a serem protagonistas do jogo político. Logo, “Se os homens que vivem em países democráticos não tivessem o direito nem o gosto de se unir com fins políticos, sua independência correria graves riscos. (...) enquanto que, se não adquirissem o uso da associação na vida cotidiana, a própria civilização estaria em perigo (TOCQUEVILLE, 1973). Desse modo, o legislativo subnacional apresenta-se como um “corpo intermediário” capaz de mediar diversos interesses da sociedade civil. Nesse processo o legislativo acaba por canalizar conflitos das mais diversas clivagens sociais. Entretanto, em relação a AL, o que se pôde apreciar e analisar durante a pesquisa é que a participação é reduzida à presença de sindicatos, conselhos e movimentos sociais que lutavam por demandas de classe. Durante esse período não se pode observar projetos de lei de iniciativa popular15. A ideia da 15

Alguns dos obstáculos que dificultam a apresentação de proposições da sociedade junto aos parlamentos estaduais são as exigências da subscrição de 1% do eleitorado do Estado, englobando assinaturas de todo os municípios. Além disso, nem todas as proposições de iniciativa popular ocorrem em caráter preferencial ou de urgência. Elas têm que seguir a tramitação normal no parlamento. Em todo o Brasil, no período de 2003 a 2010 se destacaram os legislativos dos Estados do Rio Grande do Sul, 2 proposições entre 2003 e 2010; Santa Catarina, 8 proposições entre 2004-2010; São Paulo, 1 proposição entre 2004-2010 e Minas gerais teve 2.198 propostas de ação legislativa. Minas gerais é um caso a parte por causa da introdução de alguns mecanismos de inovação no processo de participação, entre eles se destaca a “sugestão legislativa”, Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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“representação ativa” ainda é um ideal a ser perseguido. Mas, tal ideal serve como parâmetro analítico para se estudar as especificidades dos modelos de representação existentes tanto no plano nacional quanto local. Pois, devem-se pensar as engenharias institucionais democráticas não apenas como uma forma de governo, mas como modelos de sociedade (ARAÚJO, 2006). Diversos autores que foram mobilizados na discussão afirmam que o voto não é um mecanismo seguro e eficaz para se exercer o devido controle social sobre os representantes ou governantes (AVRITZER; COSTA, 2004; 2012; ARAÚJO, 2006; PITKIN, 2006; URBINATI, 2006; LAVALLE et al, 2012; MIGUEL, 2014). Maior abertura das instituições de deliberação e ampliação das formas de participação são indispensáveis para “democratizar a democracia” e reinventar a “emancipação social” no século XXI (SANTOS, 2002), incorporando práticas institucionais e cívicas que garantam e efetivem a “representação ativa” frente a “democracia eleitoral” que está posta atualmente. Assim, é possível superar as proposições da corrente “minimalista” da democracia, que tem como principal expoente Schumpeter (1984). A grande virtude do regime democrático para Schumpeter seria seu método e procedimento eleitoral. Além disso, o “cidadão modelo”, aquele que se preocupa com o destino da pólis e da coisa pública, na realidade, estaria em déficit nas democracias contemporâneas. O indiprocesso no qual não são necessários a coleta da assinatura de 1% da população (MARTINS, 2013). http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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víduo presente em grande proporção é o “cidadão típico” aquele que se caracteriza pelo desinteresse dos assuntos públicos. Tais argumentos são interessantes e até inegáveis, mas Schumpeter deixou de considerar em sua análise o papel fundamental que os grupos de interesse e movimentos sociais podiam desempenhar nas democracias. Foram realizadas três entrevistas com os Agentes de Segurança da AL, os mesmos foram unânimes em apontar o baixo acompanhamento da população nas sessões. O diagnóstico desses profissionais teve um peso considerável, já que o primeiro interlocutor trabalha a mais de Vinte anos, o segundo a cinco e o terceiro a mais de oito anos na instituição, e acompanham o cotidiano e dinâmica das Sessões. O grupo entrevistado enfatizou que as galerias só lotam quando movimentos sociais, funcionários públicos e sindicatos vêm prestigiar pautas de interesse da categoria. Quando são votados projetos de determinados Deputados (as) as militâncias se fazem presente, ou pessoas que vão com objetivo estrito de falar com políticos depois das sessões. Ou seja, ter um público considerável na AL depende de circunstâncias políticas e interesses pessoais. Também relataram que a baixa frequência dos cidadãos de certo modo interfere no trabalho dos parlamentares, justamente por não haver cobrança e supervisão por parte da população. Entre as consequências políticas, os mesmos apontaram que esse cenário de esvaziamento na maioria das sesEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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sões “contribui no retorno” de alguns parlamentares que não tem compromisso com a população. Segundo um dos entrevistados: “A pessoa que quer saber do trabalho dos deputados não tem tempo de vir porque trabalha. E os que têm tempo, só vêm para pedir”. Verificou-se nas vinte oito entrevistas individuais que a maior parte dos indivíduos chegavam com objetivos de apreciar projetos de certos parlamentares ao qual tinham vínculo empregatício por se tratarem de assessores, militantes ou cobrar ajudas pessoais após o termino das sessões no gabinete dos parlamentares. Entretanto, houve unanimidade dos entrevistados em destacar que o acompanhamento da população nas sessões é muito importante para supervisionar o trabalho dos parlamentares. Determinados informantes destacaram que, se a população frequentasse mais, os parlamentares “trabalhariam melhor”, “faltariam menos” ou “ficariam mais motivados para trabalhar”, pois muitos deles, “ganham muito para fazer nada”. Nesse contexto, tais cidadãos que vem às sessões motivados por razões instrumentais, reconhecem a relevância política da sociedade amapaense participar das discussões que ocorrem no parlamento estadual. Houve pautas relevantes a serem conhecidas publicamente pela sociedade, entretanto, não tiveram a apreciação adequada. Foi o caso da aprovação de projetos já destacados anteri-

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ormente e do projeto16 que cria um núcleo de educação indígena. Além disso, observaram-se vários debates em relação aos vetos do executivo em relação aos projetos enviados pelo legislativo estadual, discussões sobre à gestão da saúde pública, políticas ambientais, segurança pública, problemas relacionados à morte no trânsito e o endividamento público do governo estadual (2007-2010). No decorrer das visitas, foi possível observar três pessoas frequentando pelo menos uma vez na semana as sessões, esses informantes evidenciaram a relevância de estarem a par do que está sendo colocado em votação. Observar os deputados que realmente trabalham e cumprem seu papel parlamentar. Na fala de um entrevistado: “A população deveria participar mais ativamente da vida política da assembleia”, ou seja, deve haver maior acompanhamento e iniciativa da população para acompanhar as sessões. Em se tratando da participação popular nas sessões, houve unanimidade em enfatizar a baixa participação social, o que segundo alguns informantes: “Não possibilita que sejam defendidos os problemas da população” ou “Participação fraca, o que é uma pena, a cultura política nossa ainda é muito retra-

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ída, haveria possibilidade de mudanças se houvesse mais participação”. Determinado entrevistado correlaciona à questão até com o fenômeno da corrupção: “(...) a ausência da população não possibilita saber quem trabalha. A sociedade não tem consciência da importância do voto, o que contribui para o aumento da corrupção e compra de voto”. Analisou-se que esse grupo pode ser incluído na ação social com relação a valores, ou seja, existem questões cívicas que envolvem as idas desses sujeitos a AL. Mas, segundo um entrevistado, a população estando presente ou não nas sessões isso não implica em aproveitamento ótimo das funções parlamentares, pois: “Não influencia, pois existe uma falta de conhecimento do povo em relação aos debates e uma cultura de desconhecimento do que é discutido”. À vista disso, o perfil político qualitativo permitiu por meio da observação empírica, das entrevistas e interpretações das ações sociais, compreender que esse déficit de acompanhamento da população nas sessões se desdobra em fenômenos que envolvem diretamente alguns dilemas das democracias contemporâneas. 4 Considerações finais

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Projeto de Lei Ordinária nº 0096/11-AL de autoria do Dep. Valdeco Vieira (PPS-AP) que dispõe sobre a execução e adequação de projetos arquitetônicos de Escolas Indígenas de acordo com as características e cultura de cada povo, no âmbito do Estado do Amapá, e dá outras providências. Incluído em pauta da 97ª sessão Ordináriado dia 07/12/2011 Quarta-feira (situação - aprovado). Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

O instrumental weberiano se mostra bastante atual para se compreender e analisar aspectos de natureza subjetiva das relações sociais, estudadas através das “correntes motivacionais” que permeiam as ações dos indivíduos e http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 63-79, jul.-dez. 2013


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grupos sociais. O debate que envolveu os princípios da democracia representativa e participativa, tendo como lócus de estudo a AL, apresentou-se como importante arena de deliberação para a análise das relações políticas que o cidadão pode estabelecer com as instituições destinadas a dialogar e intermediar interesses de caráter público. A investigação apontou a existência de indivíduos que reconhecem a importância da população comparecer e acompanhar as pautas que são discutidas e aprovadas na AL. Entretanto, as motivações que estavam nas entrelinhas das ações sociais dos interlocutores, sejam eles membros de grupos de interesse ou cidadãos comuns, estão restritas a procedimentos mínimos defendidos pela democracia representativa. O legislativo estadual, mesmo tendo como uma de suas funções justamente a intermediação de interesses de diversas clivagens sociais, é um espaço pouco frequentado por outros tipos de associações políticas. Os cidadãos que em grande parte comparecem individualmente às sessões estabelecem relações instrumentais com o parlamento estadual. O que se pode inferir de forma parcial é que se está provisoriamente longe da plena incorporação de práticas amplamente representativas e participativas por parte da população amapaense no que tange ao acompanhamento e extenso relacionamento político com o legislativo estadual. Sabe-se que nem todos os cidadãos amapaenses têm as mesmas motivações, disponibilidade e acesso para Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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acompanhar as discussões que são realizadas na AL. Tais obstáculos dificultam que a população conheça as reais funções do poder legislativo, e o quanto a sua presença e iniciativa popular pode contribuir não só à produção legislativa como para a melhoria da qualidade de vida da população através de proposições de políticas públicas. A limitada compreensão das funções do legislativo e a frágil organização da sociedade são entraves que imobilizam e reduzem o raio de ação dos cidadãos nos espaços públicos do Estado. Assim, os princípios da democracia representativa e participativa acabam por se reduzir amplamente às eleições periódicas, a “democracia eleitoral”. Referências AMAPÁ. Resolução nº 0106, de 16 de Junho de 2008. Regimento interno. Assembléia Legislativa do Estado do Amapá. Macapá, Amapá, 2011. Disponível em: http://www.al.ap.gov.br/pagina2.processo&iddocumento=33548. Acesso em: 09 de Jan. 2012. AMAPÁ. Constituição do Estado do Amapá. Macapá, Amapá, 20 de Dez. de 1991. ARAÚJO, C. Representação, soberania e a questão democrática. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, nº 01, pp. 47-61, Jan./Jun., 2009. AVRITZER, L.; COSTA, S. Teoria crítica, democracia e esfera pública: concepções e usos na América Latina. DADOS. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 47, nº4, pp.703-728, 2004.

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Rubens Eduardo Pereira Frias. – 2ª. Ed. São Paulo: Centauro, 2003. License information: This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

Artigo recebido em 11 de setembro de 2013. Aceito em 29 de janeiro de 2015.

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Artigo original

Análise fitoquímica das cascas do caule do cajueiro (Anacardium occidentale L. – Anacardiaceae) Anna Eláyne da Silva e Silva1 e Sheylla Susan Moreira da Silva de Almeida2 1 Acadêmica do Curso de Farmácia. Departamento de Ciências da Saúde. Laboratório de Farmacognosia e Fitoquímica. Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: annaelayne1@hotmail.com 2 Doutora en Química de Produtos Naturais. Departamento de Ciências da Saúde. Laboratório de Farmacognosia e Fitoquímica. Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: sheyllasusan@yahoo.com.br

RESUMO: O cajueiro (Anacardium occidenlale L.) pertence à família Anacardiaceae, o qual inclui árvores e arbustos tropicais e subtropicais. O cajueiro é popularmente utilizado o chá das cascas com finalidades anti-inflamatória, cicatrizante, antiglicêmico e afins. O objetivo deste estudo foi à realização da triagem fitoquímica da Anacardium occidenlale L. A identificação da espécie (Anacardium occidenlale L.) foi realizada pelo Herbário Amapaense (HAMAB) do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do estado do Amapá (IEPA), Macapá - A - Brasil. Posteriormente, para a triagem fitoquímica, realizou-se a coleta das cascas do caule de cajueiro, em Macapá – AP - Brasil, após isso foi realizado um levantamento de informações científicas do vegetal para a identificação. Obteve-se o extrato bruto etanólico para a triagem fitoquímica, onde foram identificadas as classes de metabólitos secundários, tais como: ácidos orgânicos, açúcares redutores e fenóis e taninos. Por fim, foi possível verificar que algumas propriedades dos metabólitos secundários detectados neste estudo se correlacionam com as atividades encontradas na literatura com as atividades alegadas pela população, demonstrando o grande potencial da espécie na busca de princípios ativos. Palavras-chave: Metabólitos secundários; Produtos naturais; Triagem fitoquímica. Phytochemistry analysis of shells of the stem Anacardium occidentale L. ABSTRACT: The cashew (Anacardium occidenlale L.) belongs to the Anacardiaceae family, which includes trees and tropical and subtropical shrubs. The cashew tree is popularly used tea from shells with anti-inflammatory purposes, healing, antiglicemic and the like. The objective of this study was to carry out the phytochemical screening of Anacardium occidenlale L. The identification of the species (Anacardium occidenlale L.) was performed by Amapaense Herbarium (HAMAB) of the Institute of Scientific and Technological Research Amapá State (IEPA), Macapá - AP - Brazil. Thereafter, for the phytoEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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chemical screening was held collection of cashew stem bark in Macapá - AP - Brazil, after that was a survey of scientific information of the plant for identification. Gave the crude ethanol extract for the phytochemical screening, where the classes of secondary metabolites have been identified, such as organic acids, reducing sugars and phenols and tannins. Finally, we observed that some properties of secondary metabolites detected in this study correlate with activities found in the literature with the alleged activities by the population, demonstrating the great potential of the species in the search for active ingredients. Keywords: Secondary metabolites; Natural products; Phytochemical screening.

1 Introdução O uso intenso das espécies ao longo dos anos fez com que um vasto conhecimento fosse acumulado pelas populações. Esse conhecimento por vezes é passado pelas gerações através da oralidade (AMOROZO, 2002), e hoje serve como uma ferramenta para a ciência na busca por substâncias que possam ser ponto de partida para o desenvolvimento de fármacos. Nesse sentido, os estudos etnodirigidos vêm crescendo e tem obtido resultados satisfatórios (MACIEL et al., 2002). Anacardium occidentale L. pertencente à família Anacardiaceae, é conhecida popularmente como cajueiro, é uma arbórea nativa originária do Brasil, e utilizada na medicina tradicional, principalmente, no Nordeste brasileiro com efeitos terapêuticos, tais como: aliviar dor de dente, antiinflamatório para gengiva e garganta, bronquites, artrites, cólicas intestinais, icterícia, contra diabetes, asma e até mesmo usado como afrodisíaco (MOTA, 2004; MORAIS et al., 2005; AGRA et al., 2007). Na literatura encontram-se atiEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

vidades farmacológicas comprovadas, como sendo o cajueiro uma planta antiiflamatória (OLAJIDE et al., 2004; FALCÃO et al., 2005), antidiabética (OLIVEIRA; SALTO, 1987/1989; KAMTCHOUING et al., 1998; BARBOSA-FILHO et al., 2005); inibidor da enzima acetilcolinesterase (BARBOSA-FILHO et al., 2006) e substâncias isoladas do fruto demonstraram ser inibidora de tirosinase (KUBO et al., 1994). Diante do exposto, objetivo desde estudo foi a triagem fitoquímico do extrato bruto etanólico das cascas do caule da Anacardium occidentale L. 2 Materiais e métodos 2.1 Caracterização do local da coleta No dia 02 de junho de 2014, no horário próximo às 16:00, as cascas do caule e ramos do cajueiro foram coletadas de árvores situadas no Cemitério São José em Macapá - AP - Brasil. Os ramos foram utilizados para a confecção de exsicatas, conforme descrito por Fidalgo e Bononi (1989). Em seguida, as exsicatas foram enviadas http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 81-88, jul.-dez. 2013


Análise fitoquímica das cascas do caule do cajueiro (Anacardium occidentale L. – Anacardiaceae)

para a identificação por especialista no Herbário Amapaenses (HAMAB) do Instituto de Pesquisa Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá, em Macapá - AP - Brasil. A coleta manual das cascas foi realizada em troncos sem massa de solo, de acordo com o recomendado por Oliveira et al (1998). 2.2 Procedimento experimental Para o desenvolvimento da triagem fitoquímica, obteve-se os extratos da seguinte forma: 2.2.1 Obtenção dos extratos brutos

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2.2.2 Triagem fitoquímica Para obtenção da triagem fitoquímica, utilizou-se a metodologia proposta por Barbosa (2001) procedendo-se os da seguinte forma: 1) Teste para Saponinas Espumídica Dissolveu-se alguns miligramas do extrato alcóolico seco em 5mL de água destilada. Em seguida, diluiu-se para 15mL e agitou-se vigorosamente durante 2 minuto em tubo fechado. Resultado: Se a camada de espuma permanecer estável por mais de meia hora, o resultado é considerado positivo para saponina espumídica. 2) Teste ácidos orgânicos

a) Cascas do caule do cajueiro foram submetidas à secagem a 45±1º C, em estufa de ar recirculante; b) Material botânico foi triturado em moinho elétrico; c) O método de extração utilizado foi maceração, onde foi colocado 100 g de material vegetal juntamente com 700 mL de etanol, em temperatura ambiente, com agitações ocasionais, em recipiente fechado por 2 dias. O processo foi repetido por 3 vezes, mudando apenas a quantidade de etanol, que passou a ser de 500 mL nas últimas duas vezes, devido ao intumescimento do material vegetal. d) Obtendo-se assim, o Extrato Bruto Etanólico (EBE) das cascas do caule (27,4 g) (FALKENBERG et al., 2003; FARMACOPÉIA BRASILEIRA, 2010; KIANTIKOSKI, 2011). Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de água destilada. Transferiu-se 2mL para um tubo de ensaio, e adicionou-se gotas do reativo de pascová. Resultado: Descoloração do reativo, a reação seria positiva. 3) Teste para Açúcares redutores Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de água destilada. Adicionou-se 2mL do reativo de FEHLING A e 2mL do reativo de FEHLING B. Aqueceu-se em Banho Maria em ebulição durante 5min. Resultado: O aparecimento de um precipitado vermelho tijolo, indicaria presença de açúcares redutores. 4) Teste para Polissacarídeos Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de água destilada. Adicionou-se duas gotas de lugol. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 81-88, jul.-dez. 2013


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Resultado: o aparecimento de coloração azul indicaria resultado positivo. 5) Teste para Fenóis e Taninos Dissolveu-se alguns miligramas de extrato seco em 5mL de água destilada e adicionou-se I a II gotas de solução alcoólica de FeCl3 a 1%. Resultado: qualquer mudança na coloração ou formação de precipitado indicaria reação positiva, quando comparado com o teste em branco (água + Sol. de FeCl3). - Coloração inicial entre o azul e o vermelho, indicou a presença de fenóis, quando o teste em branco for negativo. - Precipitado escuro de tonalidade azul, indicou presença de taninos pirogálicos (taninos hidrolisáveis) e verde, presença de taninos catéquicos. 6) Teste para Flavonoides Geral: dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco, em 10mL de Metanol. Adicionou-se 5 gotas de HCl concentrado e raspas de magnésio. Resultado: O surgimento de uma coloração rósea na solução indicaria reação positiva. 7) Teste para Alcaloides Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de solução de HCl a 5%. Separou-se quatro porções de 1mL em tubos de ensaio, e adicionouse gotas dos reativos abaixo: a) Reativo de Bouchardat; Resultado: Precipitado laranja avermelhado b) Reativo de Dragendorff; Resultado: Precipitado vermelho tijolo c) Reativo de Mayer. Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Resultado: Precipitado branco. 8) Teste para Depsídios e Depsidonas Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de Éter Etílico. Evaporou-se todo o Éter em Banho Maria, juntou-se ao resíduo 3mL de Metanol. Agitou-se e adicionou-se 3 gotas de solução de FeCl3 a 1%. Resultado: o aparecimento de coloração verde, azul ou cinza, indicaria reação positiva. 9) Teste para Esteroides e Triterpenoides Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 10mL de Clorofórmio. Filtrou-se sobre carvão ativado. Transferiu-se o filtrado para um tubo de ensaio completamente seco. Adicionouse 1mL de Anidrido Acético e agitou-se suavemente, em seguida, adicionou-se cuidadosamente, 3 gotas de H2SO4 concentrado. Resultado: Coloração azul evanescente seguida de verde indicaria a presença de esteroides/triterpenoides, respectivamente. 10) Teste para Cumarinas Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de éter etílico, concentrou-se em Banho Maria até 0,5 mL. Em papel de filtro aplicou-se gotas da solução etérea, de modo a formar duas manchas de, aproximadamente, 1 cm de diâmetro. A uma destas, juntouse 1 gota de solução de NaOH 1N. Cobriu-se a metade da mancha com papel escuro e foi exposta a outra metade a luz ultravioleta. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 81-88, jul.-dez. 2013


Análise fitoquímica das cascas do caule do cajueiro (Anacardium occidentale L. – Anacardiaceae)

Resultado: Fluorescência azul na parte exposta da mancha, indicaria reação positiva. 11) Teste para Antraquinonas Dissolveu-se alguns miligramas do extrato seco em 5mL de Tolueno. Adicionou-se 2mL de solução de NH4OH á 10%, agitou-se suavemente. Resultado: o aparecimento de coloração rósea, vermelha ou violeta na fase aquosa, indicaria reação positiva; 12) Teste para Purinas Numa cápsula de porcelana, juntouse algumas miligramas do extrato seco, 3 gotas de solução de HCl 6N e duas gotas de H2O2 concentrado (30%). Evaporou-se em Banho Maria. Juntou-se 3 gotas de solução de NH4OH 6N. Resultado: o surgimento de coloração violeta indicaria reação positiva. 13) Teste para Proteínas e Aminoácidos Dissolver alguns miligramas do extrato alcoólico em 3mL de água destilada e filtrar se necessário. Adicionouse 0,5 mL de solução aquosa de Nihidrina a 1%, aquecer até a ebulição. Resultado: O aparecimento de coloração violeta persistente, indicaria reação positiva. 3 Resultado e discussões De 100g de matéria vegetal, obtevese um rendimento de 27,4% do extrato bruto etanólico, que apresentou aparência de pó, amarronzado. A triagem fitoquímica do extrato bruto etanólico da casca do cajueiro, revelou resultados positivos para a Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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presença de ácidos orgânicos, açúcares redutores, fenóis e taninos. Foram observados testes negativos para saponinas, polissacarídeos, flavonoides, alcaloides, antraquinonas, purinas, esteroides e triterpenos, e depsídeos e depsidonas (Tabela 1). No entanto, os resultados negativos apresentados nesta pesquisa, não implicam necessariamente na sua ausência, sendo provável que a quantidade dos mesmos esteja pequena para ser detectada (BRUM et al., 2011). Tabela 1 – Dados da análise fitoquímica dos metabólitos secundários. Metabólito secundário Resultados Saponinas Ácidos orgânicos + Açúcares redutores + Polissacarídeos Fenóis e taninos + Flavonoides Alcaloides Depsídios e Depsidonas Esteroides e Triterpenoides Cumarinas Antraquinonas Purinas Proteínas e aminoácidos + Presença; - Ausência.

Os taninos são empregados na medicina tradicional no tratamento de hipertensão arterial, reumatismo, feridas, antioxidante, anti-hemorrágico, cicatrizante e antiinflamatória. Assim como os taninos, os esteroides e triterpenoides atuam como antiinflamatório (RODRIGUES et al., 2010; SILVA et al., 2012). Além desses metabólitos, houve também a presença de compostos fenólicos, sendo estes, com um pohttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 81-88, jul.-dez. 2013


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tencial de complexar as proteínas extracelulares da membrana bacteriana. Desta forma, observe-se a correlação da função deste metabolito, à ação atribuída a AnacardiumoccidentaleL., pelos conhecimentos tradicionais (BRUM et al., 2011; COSTA., 2012). Estudos vêm atribuindo aos taninos muitas atividades fisiológicas humanas, como a estimulação das células fagocíticas e a ação tumoral, e atividades antiinfectivas (LOGUERCIO, 2005). Em processos de cura de feridas, queimaduras e inflamações, os taninos auxiliam formando uma camada protetora (complexo tanino-proteína e/ou polissacarídeo) sobre tecidos epiteliais lesionados, permitindo que, logo abaixo dessa camada, o processo de reparação tecidual ocorra naturalmente (MELLO; SANTOS, 2001). Já em patologias estomacais, o mecanismo de ação é bem semelhante, com a formação de uma camada de tanino-proteína complexados que envolvem a mucosa estomacal (HASLAM, 1989). A atividade antioxidante de compostos fenólicos deve-se principalmente às suas propriedades redutoras e estrutura química. Estas características desempenham um papel importante na neutralização ou sequestro de radicais livres e quelação de metais de transição, agindo tanto na etapa de iniciação como na propagação do processo oxidativo. Os intermediários formados pela ação de antioxidantes fenólicos são relativamente estáveis, devido à ressonância do anel aromático presente na estrutura destas substâncias (CHUN et al., 2005). Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Com exceção do ácido clorídrico presente no suco gástrico, os ácidos mais comuns com os quais convivemos são orgânicos, ou seja, aqueles contendo átomos de carbono. Destes, o maior grupo é o dos ácidos carboxílicos, que são os ácidos caracterizados pela presença do grupo funcional (COOH), a carboxila (SNYDER, 1995). As classes de metabólitos secundários que se mostraram presentes corroboram com a literatura, mostrando a identificação de açúcares redutores, ácidos orgânicos e fenóis, onde mostra a importância dos mesmos na economia e comercialização do Caju (EMBRAPA-CNPAT,1995). Assim como a presença de fenóis e taninos estão de acordo com a literatura (ROCHA;et al., 2011), de forma que o presente estudo pode ser aprofundado visando a atividade antioxidante do extrato do mesmo. De acordo com Silva (2007), em um estudo a respeito da atividade antimicrobiana do extrato das cascas do caule da Anacardium occidentale, o qual produziu significante atividade antimicrobiana in vitro sobre as linhagens de Staphylococcus aureus de origem humana hospitalar resistentes (MRSA) e sensíveis a meticilina (MSSA). Onde o estudo concluiu que o cajueiro apresentou-se como uma eficaz alternativa terapêutica para infecções provocadas por Staphylococcus aureus, onde é de baixo custo e de fácil acesso a população, tendo em vista que já está difundido seu uso na medicina popular.

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Análise fitoquímica das cascas do caule do cajueiro (Anacardium occidentale L. – Anacardiaceae)

4 Considerações finais Através do screening (triagem) fitoquímico, foi possível identificar apresença de algumas classes de metabólitos secundários, como ácidos orgânicos, açúcares redutores e fenóis e taninos, como colocava o objetivo deste. Classes que possuem interesse farmacológico, permitindo assim a discussão entre o conhecimento científico e uso popular da Anacardium occidentale, mais comumente conhecido como “Cajueiro”. Referências AGRA, M. F. Plantas de medicina popular dos Cariris Velhos. Paraíba: Editora União/PNE, 1ª edição. p. 125, 1996. AGRA, M. F.; FRANÇA, P. F.; BARBOSAFILHO, J. M. Synopsis of the plants known as medicinal and poisonous in Northeast of Brazil. Rev Bras Farmacognv,v. 17, p.114-140, 2007. AMOROZO, M. C. M. A abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas medicinais. In: DI STASI, L.C. (Org). Plantas medicinais arte e ciência - um guia de estudo interdisciplinar. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, p. 47-68, 1996. BARBOSA, W. L. R. Manual para Análise Fiquímica e Cromatografia de Extratos Vegetais. Revista Científica da UFPA. http://www.ufpa.br/rcientifica. v. 4, 2001. BARBOSA-FILHO, J. M.; et al. Plants and their active constituents from South, Central, and North America with hypoEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Artigo recebido em 11 de setembro de 2014. Aceito em 12 de março de 2015.

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Artigo original

Identificação do caráter medicinal da espécie Curatella americana por meio das folhas Shayanne Vanessa Correia Henriques1 e Sheylla Susan Moreira da Silva de Almeida2 1 Acadêmica do Curso de Farmácia. Departamento de Ciências da Saúde. Laboratório de Farmacognosia e Fitoquímica da Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: shayanne_henriques@hotmail.com 2 Doutora em Química de Produtos Naturais. Professora de Farmacognosia. Departamento de Ciências da Saúde. Laboratório de Farmacognosia e Fitoquímica da Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: sheyllasusan@yahoo.com.br

RESUMO: O uso de plantas medicinais foi durante muito tempo o único recurso disponível para o cuidado da saúde das pessoas. Estes conhecimentos foram transmitidos através das gerações familiares. No entanto, com o avanço tecnológico e científico, os medicamentos industrializados se tornaram o modelo majoritário de tratamento alopático utilizado pela população, deslocando o tratamento por plantas medicinais restritos a determinados grupos populares que detêm este conhecimento. Curatella americana é utilizada para tratamento de inflamação e dor, sendo a sua constituição fitoquímica responsável por esses benefícios ainda pouco estudada. Objetivou-se através desta pesquisa realizar o estudo fitoquímico do extrato bruto das folhas de Curatella americana para a identificação dos metabólitos secundários. A metodologia de extração foi por maceração utilizando etanol como líquido extrator, e a concentração e secagem foi por rotaevaporação onde observou-se um rendimento de, aproximadamente, 37%. Em seguida, foi realizada uma análise fitoquímica do extrato bruto, obtendo-se resultado positivo para fenóis, taninos, açúcares redutores, saponinas, depsídeos e depsidonas, esteroides, triterpenoides e alcaloides, onde apresentam amplas atividades biológicas, dente elas inflamação no caso dos taninos. A ação comprovada na literatura dos metabólitos encontrados nas folhas de Curatella americana justifica, em parte, a utilização popular desta planta medicinal. Palavras-chave: metabólitos secundários, plantas medicinais. Identification of character medicinal of kind Curatella american through leaves ABSTRACT: The use of medicinal plants has long been the only resource available for the care of people's health. This knowledge was transmitted through family generations. However, with the technological and scientific advances, the manufactured drugs have become the major model of allopathic treatment used by the population, moving the treatment medicinal herbs restricted to certain popular Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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groups that hold this knowledge. Curatella americana is used to treat inflammation and pain, and its constitution phytochemical responsible for these benefits still little studied. The objective of this research hold the phytochemical study of the crude extract leaves of the Curatella americana for the identification of secondary metabolites. The method used was by maceration using ethanol as liquid extractor, and drying and concentration by using a rotary evaporator where it was observed a yield of approximately 37%. Then, a phytochemical analysis of the crude extract was performed, obtaining positive for phenols, tannins, reducing sugars, saponins, depsides and depsidonas, steroids, triterpenoids and alkaloids, which have large biological activities, they tooth inflammation in the case of tannins. Action proven in the literature of the metabolites found in Curatella americana leaves justified, in part, the popular use of this medicinal plant. Keywords: secondary metabolites, medicinal plants.

1 Introdução O modelo de saúde predominante na sociedade ocidental contemporânea está focado no cuidado da doença e no tratamento alopático (a base de medicamentos industrializados). Porém, este modelo deixa marginalizado o conhecimento popular, repassado entre gerações familiares, com particularidades que ficam restritas a determinados grupos, que diferem entre si através de suas culturas. Neste contexto, as plantas medicinais são utilizadas com a finalidade de prevenir e tratar doenças ou de aliviar os sintomas das mesmas (CEOLIN, 2011). Durante muito tempo, o uso de plantas medicinais foi o principal recurso terapêutico para cuidar da saúde das pessoas e suas famílias. No entanto, com o avanço científico e tecnológico, os medicamentos industrializados foram gradativamente introduzidos no cotidiano das pessoas modernas (BADKE, 2011). Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

Apesar do uso de plantas medicinais para tratamento, cura e prevenção de determinadas doenças ser uma das práticas medicinais mais antigas e estar apoiada em um conhecimento consolidado por séculos de observação, planta medicinal não é sinônimo de inocuidade. Ao contrário do senso comum de que o medicamento natural não faz mal, a planta medicinal é um xenobiótico, ou seja, um produto estranho ao organismo com finalidades terapêuticas, que ao ser introduzido no organismo humano sofre biotransformação e pode vir a gerar produtos tóxicos (OLIVEIRA, 2014). No Brasil, mesmo com o incentivo da indústria farmacêutica para a utilização de medicamentos industrializados, grande parte da população ainda se utiliza de recursos naturais no cuidado humano (BADKE, 2011). Em 2006, foi criada no Brasil uma Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), sendo instituída pelo Mihttp://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 89-97, jul.-dez. 2013


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nistério da Saúde por meio da portaria n°971, de 03 de maio de 2006, que tem como objetivo ampliar as opções terapêuticas aos usuários do SUS a plantas medicinais (BRASIL, 2006). Somando-se a isso, o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, instituído em 2007, visa “garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional”. Com vistas a atingir o objetivo desse programa, dentre as proposições, destaca-se a de “Promover e reconhecer as práticas populares e tradicionais de uso de plantas medicinais, fitoterápicos e remédios caseiros” (BRASIL, 2007). No estado do Amapá a planta Curatella americana, conhecida popularmente como “lixeira” ou “caimbé”, é uma planta nativa, porém não endêmica, pois é distribuída desde o México Central até o Brasil. Possui uma ampla dispersão tropical e ocorrem frequentemente em savanas, florestas secas e cerrados (HIRUMA-LIMA, 2009). No Brasil, sua distribuição é ampla, sendo encontrada na Amazônia, na Caatinga, no Cerrado, na Mata Atlântica e no Pantanal (FRAGA, 2013). Esta espécie é amplamente utilizada na medicina popular em toda a sua variedade. Sobretudo, como analgésico e antiinflamatório, sendo suas porções mais utilizadas: a casca, entrecasca e folhas sob a forma de chás e infusões (HIRUMA-LIMA, 2009; TOLEDO, 2011). A infusão de suas folhas e talos é usada Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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contra artrite, diabetes e pressão arterial elevada, enquanto que sua casca é utilizada para lavar cortes (HIRUMALIMA, 2009). é utilizada em medicina popular para tratamento de úlceras e inflamações. Em estudos realizados por Vilar et al. (2009) o extrato etanólico das cascas de C. americana não apresentou atividade citotóxica, mas foi observada ação genotóxica direta. A Drosophila melanogaster foi usada como organismo teste para avaliação dos efeitos genotóxicos do extrato aquoso da casca de Curatella americana por meio do teste SMART/asa, onde permitiu verificar que o extrato não exerceu mutação nas células somáticas das asas de D. melanogaster (OLIVEIRA, et al. 2011). Objetivou-se com esta pesquisa determinar a presença das principais classes de metabólitos secundários nas folhas de Curatella americana em busca de correlacionar as atividades encontrados na literatura destas substâncias, com as atividades alegadas pela população. 2 Material e métodos 2.1 Coleta e classificação do material vegetal As folhas (cerca de 400g) da planta C. americana foram coletadas em área particular na cidade de Macapá onde havia abundância da espécie para que, se necessário, realizar novas coletas na mesma espécie vegetal, diminuindo as variáveis edáficas. Sua identificação foi http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 89-97, jul.-dez. 2013


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realizada por comparação com amostras autênticas. O material vegetal foi acondicionado em saco de papel e transportadoa taé o laboratório de farmacognosia e Fitoquímica, onde foram realizados os experimentos. 2.2 Preparação do extrato bruto de C. americana O material coletado foi submetido à secagem em estufa de ar circulante por 48h para impedir proliferação de microrganismos e degradação por ação enzimática. O material foi triturado em moinho até a obtenção de 70g um pó fino. Deste total, 35 g das folhas, secas e trituradas, foram submetidas à extração por maceração com 1,5 L de etanol. O extrato obtido foi concentrado por evaporação do solvente em um rotaevaporador para a obtenção de 12,90g de extrato bruto das folhas que foram armazenados em geladeira a 18±1º C. 2.3 Análises fitoquímicas As análises fitoquímicas foram realizadas seguindo a metodologia de Barbosa (2004) com algumas modificações. Ácidos orgânicos Dissolveu-se cerca de 3 mg de extrato bruto etanólico em 5 mL de água destilada. Filtrou-se e transferiu-se para um tubo de ensaio e adicionou-se 9 gotas do Reativo de Pascová A e 1 gota de Reativo de Pascová B. A reação é Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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considerada positiva se houver descoloração do reativo. Fenóis e Taninos Dissolveu-se 3 mg de extrato bruto etanólico em 5 mL de água destilada. Filtrou-se e transferiu-se para um tubo de ensaio e adicionado 1 a 2 gotas de FeCl3a 1%. Qualquer mudança na coloração ou formação de precipitado é indicativo de reação positiva. Polissacarídeos Dissolveu-se cerca de 3 mg de extrato bruto etanólico em 5 mL de água destilada. Filtrou-se e transferiu-se para um tubo de ensaio e adicionado 2 gotas de lugol. O aparecimento de coloração azul indica resultado positivo. Açúcares redutores Dissolveu-se 3 mg do extrato bruto etanólico em 5mL de água destilada. Filtrou-se e transferiu-se para um tubo de ensaio e adicionar 2 mL do Reativo de Fehling A e 2 mL do Reativo de Fehling B. Aquecendo em banho-maria até ebulição durante 5 min. O aparecimento de um precipitado vermelho tijolo indica presença de açúcares redutores. Saponinas Dissolveu-se3 mg do extrato seco em 5 mL de água destilada. Em seguida, diluiu-se para 15 mL e agitou-se vigorosamente durante 2 minutos em tubo fechado. Quando a camada de espuma permaneceu estável por mais de meia hora, o resultado foi considerado positivo para saponina espumídica. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 89-97, jul.-dez. 2013


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Índice de espuma Pesaram-se 2 g de pó vegetal e transferiu-se para um erlenmeyer contendo 50 mL de água fervente. Manteve-se sob fervura moderada por 30 min. Em seguida filtrou-se para um erlenmeyer de 100 mL e repetiu-se a extração do mesmo material utilizandose porções sucessivas de 10 mL de água fervente até completar o volume de 100 mL. Distribuiu-se o extrato em 10 tubos de ensaio com tampa em uma série sucessiva de 1mL até 10 mL, ajustando o volume de cada tubo com água destilada até completar 10 mL (Tabela 1). Tabela 1 - Esquema de diluição para o cálculo de índice de espuma. Extrato (mL) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Água destilada (mL) 9 8 7 6 5 4 3 2 1 __

Os tubos foram então tampados e agitados com movimentos verticais com duas agitações por segundo durante 2 minutos. Deixou-se em repouso por 15 minutos e mediu-se a altura da espuma, sendo classificada da seguinte maneira: • < 100: Se a altura de todos os tubos for inferior a 1 cm. • Se a altura da espuma medida for 1 cm em qualquer um dos tubos o Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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índice será a diluição do material nesse tubo. • > 1000: Se a altura da espuma for maior do que 1 cm em todos os tubos. Flavonoides Dissolveu-se3 mg do extrato bruto etanólico, em 5 mL de metanol. Filtrado etransferido para um tubo de ensaio e adicionou-se8 gotas de HCl concentrado e raspas de magnésio. O surgimento de uma coloração rósea na solução indica reação positiva. Esteroides e Triterpenoides Dissolveu-se 3 mg do extrato bruto etanólico em 5 mL de Clorofórmio. Filtrou-se e transferiu-se o filtrado para um tubo de ensaio completamente seco. Adicionado 0,5 mL de anidrido acético ao filtrado e agitado suavemente, em seguida, adicionou-se, cuidadosamente, 2 gotas de ácido sulfúrico concentrado. Agitou-se suavemente. A mudança de coloração que vai do azul evanescente ao verde persistente indica resultado positivo. Antraquinonas Dissolve-se 3 mg do extrato bruto etanólico em 5 mL de Tolueno. Filtrouse e transferiu-se 2 mL de solução de hidróxio de amônio a 10%, agitou-se suavemente. O aparecimento de coloração rósea, vermelha ou violeta na fase aquosa, indica reação positiva. Cumarinas Dissolveu-se 3 mg do extrato bruto etanólico em 5mL de éter etílico. Concentrou-se em banho-maria até 0,5 mL. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 89-97, jul.-dez. 2013


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Em papel filtro, aplicou-se gotas da solução etérea, de modo a formar duas manchas de, aproximadamente,1 cm de diâmetro cada. A uma destas, aplcou-se 1 gota de solução de hidróxido de sódio a 1N. Cobriu-se a metade da mancha com papel escuro, e a outra metade foi exposta à luz ultravioleta. Descobriu-se e comparou-se. A fluorescência azul na parte exposta da mancha indica reação positiva. Depsídeos e Depsidonas Dissolveu-se 3 mg do extrato seco em 5 mL de éter etílico. Filtrou-se e evaporou-se todo o éter em banhomaria, juntou-se ao resíduo 3 mL de metanol. Agitou-se e adicionou-se 3 gotas de solução de cloreto férrico a 1%. O aparecimento de coloração verde, azul ou cinza, indica reação positiva. Alcaloides Dissolveu-se 3 mg do extrato bruto etanólico em 5 mL de solução de ácido clorídrico a 5%, filtrou-se e separou-se três porções de 1 mL em tubos de ensaio. Adicionou-se, então, cerca de 3 gotas dos reativos abaixo: • Reativo de Bouchardat, RESULTADO: precipitado laranja avermelhado • Reativo de Dragendorff, RESULTADO: precipitado vermelho tijolo • Reativo de Mayer, RESULTADO: precipitado branco Purinas Numa cápsula de porcelana, juntouse 3 mg do extrato bruto etanólico, 3 gotas de solução de ácido clorídrico 6N e duas gotas de peróxido de hidrogêEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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nio concentrado (30%). Evaporou-se a solução em banho-maria. Havendo formação de um resíduo corado de vermelho, juntou-se3 gotas de solução de hidróxido de amônio 6N. O surgimento de coloração violeta indica reação positiva. Proteínas e Aminoácidos Dissolveu-se 3 mg do extrato bruto etanólico em 3 mL de água destilada e filtrou-se. Adicionou-se 0,5 mL de solução aquosa de nihidrina a 1%, aquecendo-se até a ebulição. O aparecimento de coloração violeta persistente indica reação positiva. 3 Resultados e discussão Os testes fitoquímicos foram realizados com o extrato bruto de Curatella americana e as classes de metabólitos encontradas no extrato bruto etanólico de folhas foram: fenóis e taninos,açúcares redutores, saponinas, esteroides e triterpenoides, depsídeos e depsidonas e alcaloides (Tabela 2). Tabela 2 - Análise fitoquímica no extrato bruto etanólico das folhas de C. americana. Classe de Metabólitos Resultados Ácidos orgânicos Fenóis e Taninos + Polissacarídeos Açúcares redutores + Saponinas + Flavonoides Esteroides e Triterpenoides + Antraquinonas Cumarinas Depsídeos e Depsidonas + http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 89-97, jul.-dez. 2013


Identificação do caráter medicinal da espécie Curatella americana por meio das folhas

Alcaloides Purinas Proteínas e Aminoácidos (-) Ausência; (+) Presença

+ -

A presença de terpenos, fenóis, saponinas e esteróides é comumente constatada em plantas da família Dilleniaceae, como a C. americana (ELAZIZI, 1980; RODRIGUES, 2013) Os fenóis possuem como propriedades biológicas a participação na defesa das plantas, inibição de germinação de sementes e do crescimento de fungos. Como interesse farmacêutico sua capacidade antioxidante, antibacteriana, antiviral e analgésica (CARVALHO, 2010). Plantas ricas em taninos são utilizadas no tratamento de diarreias, hemorragias, cicatrização de feridas e processos inflamatórios em geral, A maior parte destas ações é devido a capacidade dos taninos de se complexar com íons metálicos e outras macromoléculas como proteínas e polissacarídeos (GOMES, 2009; COSTA, 2010). A detecção destes metabólitos consolida uma base para a utilização popular da C. americana como analgésico e antiinflamatório e para lavagem de cortes e tratamento para úlceras. Os açúcares redutores são caracterizados por possuírem um grupo carbonílico e cetônico livres que são capazes de se oxidar na presença de agentes oxidantes (TAVARES, 2010). Portanto, podem agir como agente antioxidante protegendo, por exemplo, da ação da radiação ultravioleta nas células vegetais e animais. No entanto, sua utilizaEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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ção farmacêutica não foi muito demonstrada na literatura. As saponinas constituem uma importante classe de metabólitos que ocorrem em plantas superiores e alguns organismos marinhos. É uma substância anfifílica e caracteriza-se pela formação de espuma quando em contato com a água, devido à diminuição da tensão superficial da água. Possuem inúmeras atividades biológicas e é um dos metabólitos responsáveis pela atividade antiinflamatória, analgésica, antimicrobiana e antioxidante da C. americana (DOS SANTOS, 2011). Os esteroides e triterpenoides são caracterizados por apresentar diversas ações farmacológicas, sendo as principais a anti-inflamatória, analgésica e inseticida (SILVA, 2005). A detecção destes metabólitos no extrato de folhas de C. americana, quando em associação com outros metabólitos encontrados, confirma sua utilização popular como antiinflamatório e analgésico. Estes metabólitos têm sido reconhecidos por apresentarem propriedades antioxidantes, antivirais, antitumorais, analgésicas e antipiréticas (MACEDO, 2007). Alcaloides são compostos nitrogenados, farmacologicamente ativos, encontrados predominantemente nas angiospermas. Nos vegetais possuem a função de promover defesa contra herbívoros e microrganismos e estão relacionados a uma ampla gama de atividades biológicas, como antitumorais, anti-hipertensivos, diuréticos, antitussígenos, entre outros (HENRIQUES, 2010). http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 89-97, jul.-dez. 2013


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Os métodos de detecção dos alcalóides consistem em reações de precipitação utilizando-se os reagentes gerais de detecção de alcalóides. Nos experimentos realizados com o extrato de C. americana observou-se a precipitação na utilização de três reagentes diferentes, o que indica a provável presença de alcalóides nas folhas desta planta medicinal. Portanto, o estudo fitoquímicoé essencial para o conhecimento dos metabólitos responsáveis pelas ações observadas pelo conhecimento popular. A detecção dos metabólitos no extrato de Curatella americana confirmam, em parte, o seu uso popular, pois suas ações foram confirmadas na literatura. Referências BADKE, M. R.; et al. Plantas Medicinais: O saber sustentado na prática do cotidiano popular. Esc. Anna Nery. v. 15, n. 1, p. 132-139, 2011. BARBOSA, W. L. C.; et al. Manual para análise fitoquímica e cromatográfica de extratos vegetais.Revista Científica da UFPA. Disponível em: http://www2.ufpa.br/rcientifica/didaticos_cientificos/ pdf_textos/abord_fitoquimica.pdf. v. 4, 2004. BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Brasília, 2007. CARVALHO, J. C. T.; GOSMANN, G.; SCHENKEL, E. P. Compostos fenólicos Estação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

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Identificação do caráter medicinal da espécie Curatella americana por meio das folhas

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Artigo recebido em 10 de setembro de 2014. Aceito em 12 de março de 2015.

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99 Deseja submeter artigo à revista Estação Científica (UNIFAP)? Convidamos todos a conferir a seção Sobre a Revista e ler as políticas de seção, bem como as Diretrizes para Autores. É necessário que os autores se cadastrem no sistema antes de submeter um artigo; caso já tenha se cadastrado basta acessar o sistema e iniciar o processo de 5 passos de submissão de artigo. PRAZO DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS ABERTO ATÉ 10 DE OUTUBRO DE 2015 O Editor-chefe da Revista Estação Científica (UNIFAP), ISSN 2179-1902 comunica que o prazo para submissão de artigos científicos para o segundo número encontra-se aberto até a data de 10/10/2015. Os textos deverão ser submetidos pelo navegador MOZILA FIREFOX ou GOOGLE CHROMO, no site: http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao ou por meio do Portal de Periódicos da UNIFAP: http://periodicos.unifap.br. A Estação Científica (UNIFAP) publica artigos inéditos em várias áreas do conhecimento, nas seções Artigos originais, Artigos de revisão de literatura, Ensaios, Entrevistas, Experimentação, Grupos de estudo e de pesquisa, Pontos de vista, Relatos de experiência/caso, Relatos de práticas pedagógicas e Resenhas. Os artigos devem observar os critérios de publicação. POLÍTICAS DE SEÇÃO ARTIGOS DE REVISÃO DE LITERATURA- São trabalhos que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos teóricos e/ou de investigação já publicados, estabelecendo um recorte temporal e/ou geográfico para análise da literatura consultada. Deve ter entre 10 a 20 páginas. ARTIGOS ORIGINAIS - São trabalhos de pesquisa científica, apresentando resultados de investigação baseados em dados empíricos ou teóricos, de característica filosófica, cultural e pedagógica, utilizando metodologia científica, de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observadionais. Devem inEstação Científica (UNIFAP) ISSN 2179-1902

cluir análise descritiva e/ou inferências de dados próprios. Deverão ter entre 10 a 20 páginas, de preferência com a seguinte estrutura: Introdução, Metodologia, Resultados, Discussões, Conclusão e Referências. ENSAIOS - Trabalhos que apresentam reflexões teóricas próprias, elaborados a partir de interpretações livre e originais sobre um determinado tema, ainda que sem dispensar um rigoroso aparato de documentação empírica e bibliográfica. Deve ter entre 10 a 20 páginas. ENTREVISTAS - Apresenta entrevista realizada com um indivíduo ou grupo de pessoas notórias, no âmbito acadêmico, cultural e científico. Deve ter entre 10 a 20 páginas. EXPERIMENTAÇÃO - Apresenta reflexões sobre métodos e técnicas de pesquisa científica. Deve ter entre 10 a 20 páginas. GRUPOS DE ESTUDO E DE PESQUISA - Apresentação das atividades desenvolvidas e/ou em andamento de um grupo de estudo, grupo de pesquisa, núcleo de pesquisa, centro de investigação ou laboratório. Cumpre a função de publicizar e divulgar as ações investigativas e de desenvolvimento técnico-científico. Deve ter entre 10 a 20 páginas. PONTOS DE VISTA - Análise de uma situação atual, política, econômica, cultural e/ou científica, que tenha repercussão internacional e/ou nacional. Deve ter entre 10 a 20 páginas. RELATOS DE EXPERIÊNCIA/CASO - São artigos que apresentam dados descritivos e/ou interpretativos de um ou mais casos, explorando um problema ou objeto de estudo por meio de exemplo. Apresenta as características do objeto estudado. Deve ter entre 10 a 20 páginas. RELATOS DE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS - Relatos de atividades desenvolvidas junto aos alunos, em sala de aula ou não, sobre atividades científico-pedagógicas. Deve ter entre 10 a 20 páginas. RESENHAS - Aceita resenhas de 05 a 10 páginas, de livros recém-lançados nos últimos três anos, que tenham relação com a política editorial da revista. Deve ser inserido no desenvolvimento do texto uma imagem da capa do livro resenhado, obrigatoriamente. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 99- 103, jul.-dez. 2013


100 DECLARAÇÃO DE DIREITO AUTORAL Os autores se obrigam a aceitar a Declaração de Direitos Autorais da revista. Estação Científica (UNIFAP) orienta que só devem assinar os trabalhos as pessoas que de fato participaram das etapas centrais da pesquisa, não bastando, por exemplo, ter revisado o texto ou apenas coletado os dados. Todas as pessoas relacionadas como autores, por ocasião da submissão de trabalhos estarão automaticamente declarando responsabilidade, nos termos a seguir: Declaração de responsabilidade: certifico que participei suficientemente do trabalho para tornar pública minha responsabilidade pelo seu conteúdo. Certifico que o manuscrito representa um trabalho original e que não foi publicado ou está sendo considerado para publicação em outra revista nacional ou internacional, quer seja no formato impresso ou no eletrônico, exceto o descrito em anexo. Atesto que, se solicitado, fornecerei ou cooperarei totalmente na obtenção e fornecimento de dados sobre os quais o manuscrito está baseado, para exame do conselho editorial da revista. Transferência de direitos autorais: declaro que em caso de aceitação do artigo, por parte da Estação Científica (UNIFAP), concordo que os direitos autorais a ele referentes se tornarão propriedade exclusiva do Departamento de Pesquisa da Universidade Federal do Amapá, vedado qualquer reprodução, total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulgação, impressa ou eletrônica, sem que a prévia e necessária autorização seja solicitada e, se obtida, farei constar o competente agradecimento ao Departamento de Pesquisa da Universidade Federal do Amapá e os créditos correspondentes à Estação Científica (UNIFAP). Declaro em meu nome e em nome dos demais coautores, porventura existentes, estar ciente de que a não observância deste compromisso submeterá o infrator a sanções e penas previstas na Lei de Proteção de Direitos Autorais (Lei Federal nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998).

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Obs.: Estação Científica (UNIFAP) adota a política do copyleft, isto é, após a publicação é livre a reprodução para fins não comerciais, desde que o autor e a fonte sejam citados. DIRETRIZES PARA AUTORES Estação Científica (UNIFAP) é publicada semestralmente pelo Departamento de Pesquisa da Universidade Federal do Amapá. 1. A revista publica artigos inéditos em várias áreas do conhecimento, nas seções Artigos originais, Artigos de revisão de literatura, Ensaios, Entrevistas, Experimentação, Grupos de estudo e de pesquisa, Pontos de vista, Relatos de experiência/caso, Relatos de práticas pedagógicas e Resenhas. 2. Os artigos deverão ser submetidos pelo navegador MOZILA FIREFOX ou GOOGLE CHROMO, pois o Internet Explorer não possibilita a submissão integral. Primeiramente faça o seu cadastro e/ou login. A seguir, clique na Página do Usuário, na opção Autor, em Iniciar nova submissão e preencha os passos do processo. 3. Solicita-se aos autores não colocarem seus respectivos nomes no arquivo enviado, pois os procedimentos de análise e apreciação dos artigos pelos pareceristas são realizados com o anonimato dos autores dos respectivos trabalhos e dos pareceristas ("avaliação cega"). Portanto, não se identifique no corpo do texto, nem nas propriedades do arquivo. A identificação autoral será retirada diretamente dos metadados da submissão, quando também serão retirados o resumo biográfico, formação acadêmica e a identificação de afiliação institucional do/s autor/es (metadados da submissão). 4. Não será aceito artigo em co-autoria com mais de três autores 5. Os autores se obrigam a aceitar e declarar a cessão de direitos autorais e que seu manuscrito é um trabalho original, e que não está sendo submetido à análise para publicação em outra revista. Esta declaração encontra-se disponível abaixo. 6. Os relatos deverão basear-se nas técnicas mais avançadas e apropriadas à pesquisa. http://periodicos.unifap.br/index.php/estacao Macapá, v. 3, n. 2, p. 99- 103, jul.-dez. 2013


101 7. Os dados, ideias, opiniões e conceitos emitidos nos artigos, bem como a exatidão das referências, são de inteira responsabilidade do/s autor/es. 8. Os artigos serão avaliados inicialmente quanto à adequação das normas da revista (Diretrizes para Autores), e serão encaminhados pelo Editor da revista ao corpo de pareceristas, que apreciação o texto. As opções de pareceres são: a) Aprovado integralmente; b) Aprovado, desde que sejam feitas as correções necessárias; c) Recusado para publicação. Caso haja alguma divergência quanto aos pareceres, o Editor encaminhará o artigo ao conselho editorial que decidirá quanto à publicação ou não. Exige-se que os autores não façam uso de plágio. 9. Os artigos podem ser submetidos em português, inglês, espanhol ou em francês. Devem ser concisos e consistentes no estilo. 10. A revisão de português e a tradução e/ou revisão de língua estrangeira são de responsabilidade e custeados pelos autores. 11. Estão listadas abaixo a formatação e outras convenções: a) No processo de submissão, nos metadados da submissão, deverão ser inseridos os nomes completos dos autores (no máximo três autores), suas formações acadêmicas, vinculações institucionais e e-mails. b) Os artigos deverão conter: resumo, palavras-chave, abstract, keywords e referências. c) O título, com no máximo vinte palavras, em português e inglês, deverá ser preciso. d) O resumo (bem como o abstract), não excedendo 200 palavras, deverá conter informações sucintas sobre o artigo. Devem constar no resumo o objetivo, a metodologia e conclusões do artigo. Até seis palavras-chave deverão ser acrescentadas ao final, tanto do resumo como do abstract, que não estejam citadas no título. e) Agradecimentos poderão ser mencionados sob a forma de nota de rodapé. Também pode ser comunicado a existência de todo e qualquer auxílio financeiro recebido para a elaboração do trabalho, mencionando agência de fomento, também em nota de rodapé.

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f) Os artigos submetidos deverão ter entre 10 a 20 páginas digitadas, incluindo figuras, tabelas e referências bibliográficas (listadas somente aquelas citadas no texto). Deverão ser escritos em espaço 1,5 linhas e ter suas páginas numeradas. Dever-se-á deixar uma linha em branco entre os títulos e subtítulos e os textos que os sucedem ou precedem. Nas citações diretas, deve haver uma linha em branco antes e depois dos textos que as precedem e sucedem. Nas ilustrações deve haver uma linha em branco entre elas e os textos que as precedem e sucedem. Não pode haver linhas em branco entre os parágrafos dos textos com o objetivo de aumentar a quantidade de páginas. O trabalho deverá ser editado no MS-Word, ou compatível, utilizando fonte Times New Roman, tamanho 12. g) O trabalho deverá ser formatado em A4, com margens superior e esquerda com 3,0 cm e a inferior e a direita deverão ter 2,0 cm. h) O arquivo contendo o trabalho que deverá ser anexado (transferido), durante a submissão, não poderá ultrapassar o tamanho de 2MB, bem como, não poderá conter qualquer tipo de identificação de autoria, inclusive na opção propriedades do Word. Caso haja problemas na transferência do manuscrito, devese comunicar ao Suporte Técnico da revista para auxílio. i) Tabelas, figuras, gráficos, desenhos, esquemas, fluxogramas, fotografias, organogramas, mapas, plantas, quadros, retratos e outras ilustrações deverão ter os títulos na parte superior, e embaixo deverá constar a fonte e, se houver, também a legenda ou notas. Deverão ser inseridas no texto, logo após a sua citação e o mais próximo possível do trecho a que se refere. j) As ilustrações (tabelas, figuras, gráficos, desenhos, esquemas, fluxogramas, fotografias, organogramas, mapas, plantas, quadros e retratos) deverão ter preferencialmente 7,5 cm de largura, e não deverão ultrapassar a altura máxima de 16 cm. k) As figuras digitalizadas deverão ter 300 dpi de resolução e preferencialmente gravadas no formato jpeg ou jpg.

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102 l) As citações deverão seguir os exemplos seguintes que se baseiam na ABNT, no sistema AUTOR-DATA. Nas citações diretas, é obrigatório informar o autor, ano e página: Câmara (2008, p. 31) ou (CÂMARA, 2008, p. 31). Para o caso de citações indiretas no texto, usar apenas o sobrenome e ano: Caporalini (2005) ou (CAPORALINI, 2005); para dois autores: Veiga e Santos (2008) ou (VEIGA; SANTOS, 2008); três ou mais autores, utilizar o primeiro e após et al.: Gheorghiu et al. (2008) ou (GHEORGHIU et al., 2008). MODELOS DE REFERÊNCIAS Deverão ser organizadas em ordem alfabética, justificado, conforme os exemplos seguintes que se baseiam na ABNT. Listar todos os autores do trabalho. Os títulos dos periódicos deverão ser completos e não abreviados. Livros com um autor: AUTOR. Título. Edição. Local: Editora, ano. Exemplo: MARINHO, I. P. Introdução ao estudo de filosofia da educação física e dos desportos. Brasília: Horizonte, 1984. Livros com dois autores: AUTORES separados por ponto e vírgula. Título. Edição. Local: Editor, ano. Exemplo: ACCIOLY, A. R.; MARINHO, I. P. História e organização da educação física e desportos. Rio de Janeiro: Universidade do Brasil, 1956. Livros com três autores: AUTORES separados por ponto e vírgula. Título. Edição. Local: Editor, ano. Exemplo: REZER, R.; CARMENI, B.; DORNELLES, P. O. O fenômeno esportivo: ensaios crítico-reflexivos. 4. ed. São Paulo: Argos, 2005. 250 p. Livros com mais de três autores: Entrada pelo primeiro autor, seguido da expressão et al. Título. Local: Editora, ano. Exemplo: TANI, G. et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU, 1988. Livros com organizadores, coordenadores: ORGANIZADOR ou COORDENADOR, etc. (Org. ou Coord. ou Ed.) Título. Local: Editora, ano. Exemplo:

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CRUZ, I. et al. (Org.). Deusas e guerreiras dos jogos olímpicos. 4. ed. São Paulo: Porto, 2006. 123 p. (Coleção Fio de Ariana). Partes de livros com autoria própria: AUTOR da parte referenciada. Título da parte referenciada. Referência da publicação no todo precedida de In: Localização da parte referenciada. Exemplo: GOELLNER, S. Mulher e Esporte no Brasil: fragmentos de uma história generificada. In: SIMÕES, A. C.; KNIJIK, J. D. O mundo psicossocial da mulher no esporte: comportamento, gênero, desempenho. São Paulo: Aleph, 2004. p. 359-374. Dissertações, teses, trabalhos de conclusão de curso: AUTOR. Título. Ano. Paginação. Tipo do documento (dissertação, tese, trabalho de conclusão de curso), grau entre parênteses (Mestrado, Doutorado, Especialização em...) vinculação acadêmica, o local e o ano da defesa. Exemplo: SANTOS, F. B. Jogos intermunicipais do Rio Grande do Sul: uma análise do processo de mudanças ocorridas no período de 1999 a 2002. 2005. 400 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Curso de Educação Física, Departamento de Educação Física, UFRGS, Porto Alegre, 2005. Trabalhos de eventos: AUTOR. Título do trabalho de evento. Referência da publicação no todo precedida de In: localização da parte referenciada. Paginação da parte referenciada. Exemplo: SANTOS, F. B. Jogos intermunicipais do Rio Grande do Sul: uma análise do processo de mudanças ocorridas no período de 1999 a 2002. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 14., 2005, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: MFPA, 2005. v. 1, p. 236-240. Artigos de revistas/periódicos: AUTOR do artigo. Título do artigo. Título da revista, local, v., n., páginas, mês, ano. Exemplo: ADELMAN, M. Mulheres no esporte: corporalidades e subjetividades. Movimento, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 11-29, jan./abr., 2006.

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103 Artigos de jornais: AUTOR do artigo. Título do artigo. Título do jornal, local, data (dia, mês e ano). Caderno, p. Exemplo: SILVEIRA, J. M. F. Sonho e conquista do Brasil nos jogos olímpicos do século XX. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 abr. 2003. p. 25-27. Leis, decretos, portarias, etc.: LOCAL (país, estado ou cidade). Título (especificação da legislação, nº e data). Indicação da publicação oficial. Exemplo: BRASIL. Decreto nº 60.450, de 14 de abril de 1972. Regula a prática de educação física em escolas de 1º grau. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, v. 126, n. 66, p. 6056, 13 abr. 1972. Seção 1, pt. 1. Documentos eletrônicos online em html ou htm: AUTOR. Título. Local, data. Disponível em: < >. Acesso em: dd mm. aaaa. Deve-se informar o endereço online, exceto textos em pdf. Exemplo: LÓPEZ RODRÍGUEZ, A. Es la Educación Física, ciencia? Revista Digital, Buenos Aires, v. 9, n. 62, jul. 2003. Disponível em: <http://www. efdeportes.com/indic62.htm>. Acesso em: 20 abr. 2004.

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Fluxograma básico do processo editorial da revista Estação Científica (UNIFAP) Autor submete artigo na revista

Editor inicia processo editorial

Artigo atende às normas?

Não

Artigo devolvido ao autor

Sim Avaliador/es elabora/m parecer

Editor envia artigo para avaliação Editor analisa parecer/es Artigo rejeitado

Artigo aprovado

Decisão editorial

Editor envia carta de aceite

Correções requeridas Artigo vira pdf

Autor corrige e apresenta nova versão

Autor é informado da decisão

Artigo rejeitado

Decisão editorial

Artigo aprovado

Edição da revista é publicada

Fim Elaborado por: Fernando Castro Amoras

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