Da Diáspora

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porque, na percepgao destes, eu era, para todos os efeitos, "negro"! Em suma, o mesmo termo carregava conotacoes bem distintas porque operava em diferentes "sistemas de diferengas e equivalencias". E a posi^ao dentro das distintas cadeias de significantes que "significa", e nao a correspondencia fixa, literal entre um termo isolado e uma posicao qualquer denotada no espectro de cor. O sistema caribenho era organizado pelas finas estruturas de classificacao dos discursos colonials de raca, organizadas em uma escala ascendente ate o termo maximo "branco" — este ultimo sempre fora do alcance, o termo impossivel, "ausente", cuja presenca-ausencia estruturava toda a cadeia. Na luta ferrenha por um lugar e uma posicao, que caracteriza as sociedades dependentes, cada grau da escala possui uma profunda importancia. Em contrapartida, o sistema ingles era organizado em torno de uma dicotomia mais simples, mais apropriada a ordem colonizadora: "branco/nao-branco". O significado nao e um reflexo transparente do mundo na linguagem, mas surge das diferencas entre os termos e categorias, os sistemas de referencia, que classificam o mundo e fazem com que ele seja apropriado desta forma pelo pensamento social e o senso comum. Enquanto individuo vivo e concrete, sou mesmo qualquer uma dessas interpelacoes? Alguma delas me esgota? Na verdade, eu nao "sou" nem uma nem outra dessas formas de me representar, embora tenha sido todas elas em epocas diferentes e ainda seja algumas delas, ate certo ponto'. Porem, nao existe um "eu" essencial, unitario — apenas o sujeito fragmentario e contraditorio que me torno. Tempos depois me deparei novamente com o termo "de cor", como se eu estivesse do outro lado, alem dele. Tentei ensinar a meu filho que ele era "negro" [black] quando este estava aprendendo o espectro de cores e ele dizia para mim que era "marrom". Obviamente, ele era ambos. Certamente, sou das Indias Ocidentais — embora tenha vivido minha vida adulta na Inglaterra. De fato, a relacao entre os termos "West Indian" e "imigrante" e complexa demais para mini. Nos anos 50, ambos eram equivalentes. Hoje o termo "West Indian" e muito romantico. Conota reggae, cuba libre, oculos escuros, mangas, e toda aquela salada de fruta 188

tropical enlatada que cai dos coqueiros. Esse e um "eu" idealizado (gostaria de me sentir assim mais vezesX "Imigrante" eu tambem conheco bem. Nao ha nada de romantico no termo. Coloca a pessoa inequivocamente como aquele que pertence a outro lugar. "E quando e que voce volta para casa?" Faz parte da "cunha estrangeira" da Sra. Thatcher. De fato, so bem tarde na vida vim a entender como esse termo me posicionava — e o tratamento naquela ocasiao veio de uma direcao bem inesperada. Foi quando minha mae me disse, durante uma breve visita a minha terra: "Espero que eles la nao te confundam com um desses imigrantes!" O choque do reconhecimento. Tambem fui as vezes "falado" por aquele outro termo ausente, nao dito, aquele que nunca esta la, o termo "americano", sem a dignidade sequer de um "N" maiusculo. O "silencio" em torno do termo era provavelmente o mais eloqiiente de todos. Termos positivamente marcados "significam" por causa de sua posicao em relacao aquilo que esta ausente, nao marcado, nao dito, ou que e irnpronunciavel. O significado e relacional dentro de um sistema ideologico de presencas e ausencias. "Fort, da." Althusser, em uma controvertida passagem do "Aparelhos ideologicos de Estado", afirma que somos "ja e sernpre" sujeitos. Na verdade, Hirst e outros contestam isto. Se fossernos "ja e sempre" sujeitos, teriamos que nascer com a estrutura de reconhecimento e os meios de nos posicionarmos na linguagem ja prontos. Enquanto Lacan, a quern Althusser e outros recorrem, usa Freud e Saussure para fornecer uma explicacao de como essa estrutura de reconhecimento e formada (atraves da fase do espelho e das resolucoes do complexo de Edipo etc.). Contudo, deixemos de lado por um momento essa objecao, ja que uma verdade maior sobre a ideologia esta implicita naquilo que Althusser afirma. Nos experimentamos a ideologia como se ela emanasse livre e espontaneamente de dentro de nos, como se fossemos seus sujeitos livres, "funcionando por conta pr6pria". Na verdade, somos falados ou falam por nos, nos discursos ideologicos que nos aguardam desde o nosso nascimento, dentro dos quais nascemos e encontramos nosso lugar. Conforme a leitura que Althusser fez de Lacan, o recem-nascido que ainda deve adquirir os meios de se situar dentro da Lei da Cultura ja esta sendo esperado, nomeado e posicionado 189


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