Da Diáspora

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tratam todas elas desta segunda questao. Como sao constituidos os sujeitos em relacao aos distintos discursos? Qual o papel dos processes inconscientes na criacao desses posicionamentos? Este e o objeto da teoria do discurso e da psicanalise de influencia lingulstica. Pode-se inquirir sobre as conduces de enunciagao em uma formacao discursiva particular. Esta e a problematica de Foucault. Ou pode-se investigar ainda os processes inconscientes pelos quais os proprios sujeitos e a subjetividade sao constituidos. Esta e a problematica de Lacan. Assim, tern havido teorizacoes diversas sobre a segunda parte do ensaio "Aparelhos ideologicos de Estado". Mas nada sobre a primeira parte. Finito! A investigacao simplesmente termina com as formulacoes inadequadas de Althusser sobre a reprodugao das relagoes sociais de producao. Os dois lados da dificil questao da ideologia sao fraturados naquele ensaio e desde entao tern sido consignados a dois polos. A questao da reproducao foi atribulda ao polo (masculino) marxista, enquanto a questao da subjetividade, ao polo (feminista) da psicanalise. Desde entao, nunca mais se encontraram. Este ultimo polo e constituido e compreendido como uma questao "interna" das pessoas, que "diz respeito" a psicanalise, a subjetividade e a sexualidade. E dessa forma e nesse ponto que a ligac.ao com o feminismo tem sido cada vez mais teorizada. Ja o primeiro "diz respeito" as relacoes sociais, a producao e ao que ha de mais concrete nos sistemas produtivos; o marxismo e os discursos reducionistas de classe "dizem respeito" a isso. As consequencias dessa bifurcacao do projeto teorico tem sido desastrosas, causando subseqiientes irregularidades no desenvolvimento da ideologia, sem falar em seus efeitos politicos prejudiciais.

A IDEOLOGIA EM A FA VOR DEMARX Em vez de seguir qualquer um dos dois caminhos, pretendo deixar o impasse por um momento e observar alguns pontos de partida alternativos em Althusser, a partir dos quais, creio, avan^os ainda podem ser alcancados. Bern antes de atingir a posicao "avancada" do ensaio "Aparelhos ideologicos de

Estado", em uma pequena parte de A favor de Marx (19657 1969, p. 231-236), Althusser faz algumas afirmacoes simples sobre a ideologia, que merecem ser repetidas e pensadas. E ali que ele define as ideologias como (parafraseando) sistemas de representacao — compostos de conceitos, ideias, mitos ou imagens — nos quais os homens e as mulheres (acrescimo meu) vivem suas relacoes imaginarias com as reais conduces de existencia. Vale a pena examinar em detalhe esta afirmativa. A designacao das ideologias como "sistemas de representacao" reconhece seu carater essencialmente discursive e semiotico. Os sistemas de representacao sao os sistemas de significado pelos quais nos representamos o mundo para nos mesmos e os outros. Reconhece que o conhecimento ideologico resulta de praticas especificas — as praticas envolvidas na producao do significado. Uma vez que nao ha praticas sociais fora do dommio do significado (semiotico) serao todas as praticas simplesmente discursos? Neste ponto devemos tratar a questao com muito cuidado. Estamos na presenga de outro termo suprimido ou de um meio-campo excluido. Althusser nos lembra que as ideias nao flutuam simplesmente no espaco vazio. Sabemos que elas estao la porque elas se materializam nas praticas sociais e as permeiam. Neste sentido, o social nunca esta fora do semiotico. Cada pratica social e constituida na interagao entre significado e representacao e pode, ela mesma, ser representada. Em outras palavras, nao existe pratica social fora da ideologia. Entretanto, isso nao significa que, porque todas as praticas sociais se situam no discursivo, nao ha nada na pratica social alem do discurso. Sei o que implica descrever como praticas processes sobre os quais sempre falamos em termos de ideias. As "praticas" parecem concretas. Elas ocorrem em determinados locals e aparelhos — como as salas de aula, as igrejas, os auditories, as fabricas, as escolas e as familias. E essa concretude nos permite afirmar que elas sao "materials". Contudo, diferencas podem ser observadas entre os tipos de praticas. Vou sugerir uma delas. Se alguem esta engajado em parte de um processo de trabalho capitalista moderno, esse alguem emprega, em combinacao com certos meios de producao, sua forca de trabalho — comprada por um determinado preco — para transformar materia-prima 179

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