Da Diáspora

Page 78

de abstragao. Tambem e verdade, como os culturalistas argumentam, que, na realidade historica, as praticas nao aparecem nitidamente separadas em suas respectivas instancias. Entretanto, para pensar ou analisar a complexidade do real, e necessaria a pratica do pensar e isso requer o uso do poder da abstracao e analise, a formacao de conceitos com as quais se pode recortar a complexidade do real, com o proposito de revelar e trazer a luz as relacoes e estruturas que nao podem se fazer visiveis ao olhar nu e ingenuo, e que tambem nao podem se apresentar nem autenticar a si mesmas. "Na analise das formas economicas, nao podemos recorrer nem ao microscopic, nem aos reagentes quimicos. O poder da abstracao deve substituf-los." De fato, o estruturalismo frequentemente levou essa proposicao ao extremo. Uma vez que o pensamento e impossivel sem o "poder da abstracao", o estruturalismo confunde isso, dando primazia absoluta a formacao de conceitos — e somente no nivel de abstrafao mais alto e mais abstrato: a Teoria com "T" maiusculo, entao, se torna juiz e juri. Mas isso significa, precisamente, perder de vista o insight conquistado a partir da propria pratica de Marx. Porque esta claro, por exemplo, em O capital, que o metodo — embora claramente tenha lugar "no pensamento" (e onde mais ocorreria? perguntava Marx na Introducao de 1857)2^ — nao se apoia sobre o simples exercicio da abstracao, mas sobre o movimento e as relacoes que o argumento constantemente estabelece entre os diferentes niveis de abstracao: em cada um, as premissas que estao em jogo devem ser distinguidas daquelas que — em considerable ao argumento — tern de ser sustentadas permanentemente. O movimento em direcao a um novo nivel de grandeza (para usar a metafora do microscopic) requer a especificacao de outras condicoes de existencia ainda nao disponiveis em um nivel anterior mais abstrato: desse modo, por sucessivas abstracoes de diferentes magnitudes, mover-se em direcao a constituicao, a reprodufao do "concrete no pensamento" como efeito de um certa forma de pensar. Esse metodo nao e apresentado adequadamente nem no absolutismo da Pratica teorica do estruturalismo, nem na posicao de antiabstracionismo de Miseria da teoria (de E. P. Thompson), em direcao a qual o culturalismo parece ter sido dirigido ou se dirigiu, como resposta. Mesmo assim, se 150

mostra intrinsecamente teorico e deveria se-lo. Aqui, a insistencia do estruturalismo de que o pensamento nao reflete a realidade, mas se articula a partir dela e dela se apropria, £ um ponto de partida obrigatorio. Uma perlaboracao adequada das conseqiiencias desse argumento pode comecar a produzir um metodo que nos livre das permanentes oscilacoes entre abstracao/antiabstracao e das faisas dicotomias entre Teoricismo versus Empirismo, que marcaram, bem como desfiguraram, o encontro entre o culturalismo e o estruturalismo ate agora. O estruturalismo tern outra vantagem, na sua concepcao do "todo". Embora o culturalismo sempre insista na particularidade radical de suas praticas, em certo sentido, seu modo de conceituar a "totalidade" tem por tras algo da complexa simplicidade de uma totalidade expressiva. Sua complexidade e constituida pela fluidez com que certas praticas se sobrepoem: mas essa complexidade e redutivel conceitualmente a "simplicidade" da praxis — a atividade humana enquanto tal — em que as mesmas contradicoes constantemente aparecem e de modo homologo se refletem em cada uma delas. O estruturalismo vai longe denials ao erigir a maquinaria da "Estrutura", com suas tendencias autogeradoras (uma "eternidade spinoziana", cuja funcao e somente a soma de seus efeitos: um verdadeiro desvio estruturalista), equipada com suas instancias especificas, Mesmo assim, representa um avanco em relacao ao culturalismo na concepcao que este tem da necessaria complexidade da unidade de uma estrutura (sobredeterminacao e uma forma mais bem-sucedida de pensar essa complexidade do que a combinatoria invariante da causalidade estruturalista). Mais ainda, por sua capacidade conceitual de pensar uma unidade que seja construida atraves das diferengas, e nao das homologias, entre as praticas. Aqui de novo se logrou uma intuicao critica acerca do metodo de Marx: podemos pensar nas varias passagens complexas da Introducao de 1857 aos Grundrisse, onde Marx demonstra como e possivel pensar a unidade de uma formacao social como algo que se constroi a partir da diferenga e nao da identidade. Obviamente, a enfase na diferenca pode ter levado ou levou os estruturalismos a uma heterogeneidade conceitual fundamental, em que todo sentido de 151


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.