Da Diáspora

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Kuan-ffsing Chen. Desde entao, voce esteve muito proximo de sua irma, psicanaliticamente falando? Voce se identifica corn ela? Stuart Hatt: Nao, nao muito. Embora o sistema tivesse arruinado sua vida, ela nunca se revoltou. Eu me revoltei em seu lugar. Tambem sou culpado porque a deixei para tras, para lidar com a situacao. Minha decisao de emigrar era para me salvar. Ela ficou. Eu sai em 1951 e ate 1957 nao sabia que nao voltaria; nunca pretendera voltar, embora, ao mesmo tempo, nao soubesse disso. De certa forma, sou capaz de escrever sobre isso agora porque estou no final de uma longa Jornada. Aos poucos, vim a reconhecer que era um caribenho negro como qualquer outro. Eu conseguia me identificar com isso, conseguia escrever sobre e a partir desta posicao. Levei muito tempo para conseguir escrever dessa maneira, pessoalmente. Antes, eu so escrevia sobre isso analiticamente. Neste sentido, levei cinqiienta anos para voltar para casa. Nao que tivesse algo para esconder. Era o espaco que nao conseguia ocupar, um espaco que tive que aprender a ocupar. Repare que essa formacao — aprender toda a experiencia destrutiva da colonia — me preparou para a Inglaterra. Nunca me esquecerei de minha chegada la. Minha mae me trouxe, eu com chapeu de feltro, vestindo meu sobretudo, com meu bau. Ela me trazia, pensava ela, "para casa", num navio que carregava bananas, e me entregou em Oxford. Ela me entregou a um vigia do colegio muito surpreso e disse: "Este e o meu filho, aqui estao suas malas e seus pertences. Guide dele." Ela me entregou, assinou e lacrou, ao lugar ao qual ela achava que um filho dela sempre pertencera — Oxford. Minha mae era uma pessoa excessivamente dominadora. Minha relacao com ela era de proximidade e antagonismo. Eu odiava o que ela representava, o que ela tentava representar para mim. Mas todos nos tinhamos uma ligacao bem proxima com ela, porque ela dominava nossas vidas. Ela dominava a vida de minha irma. Alem do mais, meu irmao, que era o mais velho, tinha um problema grave de vista e acabou ficando cego. Desde muito novo, ele era muito dependente de meus pais. Quando nasci, esse padrao de 414

dependencia mae-filho estava claramente estabelecido. Tentaram fazer o mesmo comigo. E quando comecei a ter meus proprios interesses e posicoes, o antagonismo comecou. Ao mesmo tempo, o relacionamento era intense, porque minha mae sempre dizia que eu era o unico que a enfrentava. Ela queria me dominar, mas tambem menosprezava aqueles a quern dominava. Entao ela menosprezava meu pai, porque ele cedia a ela. Menosprezava minha irma, porque era uma menina e, como minha mae dizia, as mulheres nao eram interessantes. Na adolescencia, minha irma a enfrentou o tempo todo, mas uma vez que minha mae a venceu, foi desprezada. Portanto, tivemos esse relacionamento de antagonismo. Eu era o mais novo. Ela achava que eu estava destinado a me opor a ela, mas ela me respeitava por isso. Finalmente, quando ela entendeu o que eu havia me tornado na Inglaterra — realizando todas as suas fantasias paranoicas de filho rebelde — nao quis que eu voltasse para a Jamaica, porque ai eu representaria a minha forma de ser e nao a imagem que ela tinha de mim. Ela soube de minha atividade politica e disse: "Fique por ai, nao volte para ca para causar problemas para nos, com suas ideias malucas." Eu me senti melhor em relacao a Jamaica depois que eles morreram, pois antes disso, quando eu voltava, tinha que negociar a Jamaica atraves deles. Depois que meus pais morreram, ficou mais facil estabelecer uma nova relacao com a nova Jamaica que emergiu nos anos 70. Esta nao era a Jamaica onde eu tinha crescido. Por exemplo, tinha se tornado culturalmente uma sociedade negra, uma sociedade posescravocrata e pos-colonial, enquanto que eu havia vivido la no final da era colonial. Portanto, pude negocia-la como um "estrangeiro familiar". Paradoxalmente, eu tinha a mesma relacao com a Inglaterra. Tendo sido preparado pela educacao colonial, eu conhecia a Inglaterra de dentro. Mas nao sou nem nunca serei um ingles. Conheco intimamente os dois lugares, mas jnao pertencp completamente a nenhum deles. Eesta e exatamente_a expe-! riencia jJjgAnrjra f longe o suf i ciente_para experirnentar__g_ sentimentcL^le. exilio e perda. perto o suficiente para entender

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