Da Diáspora

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produto nao da natureza, mas de uma convencao, e o convencionalismo dos discursos requer a intervencao e o apoio dos codigos. Dessa maneira, Eco argumenta que os signos iconicos "parecem com objetos do mundo real porque reproduzem as conduces perceptivas (ou seja, os codigos) de quern os ve".5SContudo, essas "condicoes de percepcao" sao o resultado de um conjunto de operacoes altamente codificadas, ainda que virtualmente inconscientes — sao decodificacoes. Isto e verdade para as imagens fotograficas ou televisivas, assim como para qualquer outro signo. Signos iconicos sao, entretanto, particularmente vulneraveis a serem "lidos" como naturais, porque os codigos de percepcao visual sao amplamente distribuidos e porque esse tipo de signo / e menos arbitrario do que um signo linguistico. O signoj I linguistico "vaca" nao possui nenbumadas propriedades daf I coisa representada, ao passo que o signo visual parecel 1 possuir algumas dessas propriedades. Isso nos ajuda a esclarecer uma confusao na teoria lingiaistica atual e a definir precisamente como alguns conceitoschave estao sendo usados neste texto. A teoria linguistica frequentemente emprega a distincao entre "conotacao" e "denotacao". O termo "_denotaca_o" e amplamente equiparado com o.,sentido4iteraLde_ um signo: ja que esse sentido i^er^alniej^^^ a "denotacao" tem sido muitas vezes confundida com a txanscricao literal daJ^r.ea_lidade^-pa-Faa—luiguagem e, portanto, com um "signo natural", que e produzido sem a interven£ao de codigos. A "conotacao" e, por outro ladof empregada para simplesmente referir-se aos sentidos menos fixos e, portanto, mais convencionalizados e mutaveis, sentidos associativos que variam claramente de instancia para instancia e, portanto, devem depender da intervencao de codigos. Nos nao utilizamos a distincao entre denotacao e conotacao dessa forma. No nosso ponto de vista, a distincao e somente analitica. Ela e util, na analise, por permitir o usoj de um metodo pratico que distingue aqueles aspectos de um' signo que parecem ser considerados, em qualquer comuni-' dade de linguagem e a qualquer tempo, como o seu sentidoj "literal" (denotacao), dos significados que se geram em asso-^ ciacao com o signo (conotacao). Mas as distincoes analiticas

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nao devem ser confundidas com as distincoes do mundo real. Muito poucas vezes os signos organizados em um discurso significarao somente seus sentidos "literals", isto €, um sentido quase universalmente consensual. Em um discurso' de fato emitido, a maioria dos signos combinara seus aspectos denotativos e conotativos (conforme redefinido acima)?. Pode-se, entao, perguntar por que manter essa distincao. E, em grande medida, uma questao de valor analitico. E porque os signos parecem adquirir seu valor ideologico pl'eno — parecem estar abertos a articulacao com discursos e sentidos ideologicos mais amplos — no nivel dos seus sentidos "associativos" (ou seja, no nivel da conotacao) — pois aqui os sentidos nao sao aparentemente fixados numa percepcao natural (ou seja, eles nao estao plenamente naturalizados) e a fluidez de seu sentido e associacao pode ser mais completamente explorada e transformada.6 Portanto, e no mvelconoA tativo do signo que as ideologias alteram e transformam aj significacao. Nesse nivel, podemos ver mais claramente a intervencao ativa da ideologia dentro do discurso e sobre ele: aqui o signo esta aberto para novas enfases e, segundo Volochinov, entra plenamente na disputa pelos sentidos — a luta de classes na linguagem.7 Isto nao quer dizer que a denotacao ou o sentido "literal" esteja fora da ideologia. Na verdade, podenamos dizer que seu valor ideologico esta fortemente fixado, justamente por ter-se tornado tao plenamente universal e "natural". Desse modo, os termos "denotacao" e "conotacao" sao meramente ferramentas analiticas uteis para se distinguir, em contextos especificos, os diferentes niveis em que as ideologias e os discursos se cruzam, e nao a presenca ou ausencia de ideologia na linguagem.8 O nivel de conotacao do signo visual, de sua referencia contextual e de seu posicionamento em diferentes campos discursivos de sentido e associagao, e justamente onde os signos' ja codificados se interseccionam com os codigos semanticos profundos de uma cultura e, assim, assumem dimensoes ideologicas adicionais e mais ativas. Podemos tomar um exemplo do discurso publicitario. Ai, tampouco, ha "denota^ao pura" e certamente nenhuma representacao "natural". Na publicidade, todo signo visual conota uma qualidade, situacao, valor ou inferencia que esta presente como uma implicacao ou sentido implicito, dependendo do posicionamento 395


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