Da Diáspora

Page 132

pelo qual essas relates de dominio e subordinate) sao articuladas. Trata-as como um processo: o processo pelo qual algumas coisas sao ativamente preferidas para que outras possam ser destronadas. Em seu centra estao as relacoes de forca mutaveis e irregulares que defmem o campo da cultura — isto e, a questao da luta cultural e suas muitas formas. Seu principal foco de atencao e a relacao entre a cultura e as questoes de hegemonia. Nossa preocupacao, nessa definicao, nao e com a questao da "autenticidade" ou da integridade organica da cultura popular. Na verdade, a definicao reconhece que quase todas as formas culturais serao contraditorias neste sentido, compostas de elementos antagonicos e instaveis. O significado de uma forma cultural e seu lugar ou posicao no campo cultural nao esta inscrito no interior de sua forma. Nem se pode garantir para sempre sua posicao. O simbolo radical ou slogan deste ano sera neutralizado pela moda do ano que vem; no ano seguinte, ele sera objeto de uma profunda nostalgia cultural. O rebelde cantor de musica folk amanha estara na capa da revista do jornal dominical, The Observer. O significado de um simbolo cultural e atribuido em parte pelo campo social ao qual esta incorporado, pelas praticas as quais se articula e e chamado a ressoar. O que importa nao sao os objetos culturais intnnseca ou historicamente determinados, mas o estado do jogo das relacoes culturais: cruamente falando e de uma forma bem simplificada, o que conta e a luta de classes na cultura ou em torno dela. Quase todo inventario fixo nos enganara. O romance e uma "forma" burguesa? A resposta so pode ser historicamente provisoria: quando? Quais romances? Para quern? Sob quais condicoes? Aquilo que o grande teorico marxista da linguagem, que utillzou o nome Volochinov, disse uma vez sobre o signo — o elemento chave de todas as praticas significativas — vale tambem para as formas culturais: Classe social e comunidade semiotica nao se confundem. Pelo segundo termo entendemos a comunidade que utiliza um unico' e mesmo codigo ideologico de comunicacao. Assim, classes sociais diferentes servem-se de uma so e mesma lingua. Consequentemente, em todo signo ideologico confrontam-se indices 258

de valor contraditorios. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes... Na verdade, e este entrecruzamento dos indices de valor que torna o signo vivo e move!, capaz de evoluir. O signo, se subtraido as tensoes da luta social, se posto a margem da luta de classes, ira infalivelmente debilitar-se, degenerar-se-a em alegoria e tornar-se-a objeto de estudo dos filologos ... A classe dominante tende a conferir ao signo ideologico um carater eterno e acima das diferencas de classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos indices sociais de valor que ai se trava, a fim de tornar o signo monovalente. Na realidade, todo signo ideologico vivo tem, como Jano, duas faces. Toda critica viva pode tornar-se elogio, toda verdade viva nao pode deixar de parecer para alguns a maior das mentiras. Esta dialetica interna do signo nao se revela inteiramente a nao ser nas epocas de crise social e de comocao revolucionaria. 3

Naturalmente, a luta cultural assume diversas formas: incorporacao, distorcao, resistencia, negociacao, recuperacao. Raymond Williams prestou-nos um grande service ao delinear alguns desses processes, atraves de sua distincao entre os momentos emergentes, residuals e incorporados. Precisamos expandir e desenvolver esse esquema rudimentar. O importante e observa-lo dinamicamente: como um processo historico. As forcas emergentes ressurgem sob velhos disfarces historicos; as forcas emergentes, apontando para o future, perdem sua forca de antecipacao e se voltam somente para o passado; as rupturas culturais de hoje podem ser recuperadas como suporte para o sistema de valores e os significados dominantes de amanha. A luta continua: mas quase nunca ocorre no mesmo lugar ou em torno do mesmo significado ou valor. Parece-me que o processo cultural — o poder cultural — em nossa sociedade depende, em primeira instancia, dessa delimitacao, sempre em cada epoca num local diferente, entre aquilo que deve ser incorporado a "grande tradicao" e o que nao deve. As instituigoes culturais e educaclonais, junto com as coisas positivas que fazem, tambem ajudam a disciplinar e policiar essa fronteira. Isso nos deve fazer pensar novamente sobre aquele termo trai^oeiro da cultura popular: "tradicao". A tradicao e um elemento vital da cultura, mas ela tern pouco a ver com a mera persistencia das velhas formas. Esta muito mais relacionada as formas de associacao e articulacao dos elementos. 259


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.