Da Diáspora

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representa interesses politicos e teoricos antagonicos, ate mesmo porque a relacao entre a cultura e a sociedade contemporanea e o foco de interesse de ambos. Leavis^e referencia negativa porque aposta na Civilizacao (europeia) e nos classicos da literatura como antidoto aos efeitos nefastos da publicidade e da cultura de massa. Memoravel frase, escrita por Q. D. Leavis, mulher, colega e adepta de F. R.<Leavis>, resume, em uma caricatura involuntaria, a valorizacao ~do canonico do Leavisism e seu horror diante_da_ cultura de massa. Sobre a epoca de Shakespeare, Marlowe e a drarfiaturgia elizabetana, Q. D. Leavis escreveu: "As massas tiveram os mesmos divertimentos que seus superiores... Felizmente, nao tinham escolha."6 A critica recorrente de Hall ao "puramente discursive", de um lado, e a F. R. Leavis, de outro, convergem sobre esse ponto: a sua limitacao aos valores e ao "continente" academicos. O elitismo cultural e o moralismo no estilo dos Leavis tendem a ser coisa do passado na discussao teorica, embora continuem fazendo parte do senso comum, presentes no desprezo pelo discernimento ou gosto popular. O eurocentrismo ainda esta vivo nos pressupostos e discursos da midia e da cultura de massa, a historia colonialista se recicla nos discursos publicos contemporaneos. Ao definir-se como ^inteleclual diasporico", Hall escolhe o lugar que o discurso eurocentrico destina a ele, um lugar de negro. Por isso, este Hvro nao tern so um conjuntodeensaios nos quais Hall trabalha a questao de raca e racismo, como "Que 'negro' e esse na cultura negra?", "A relevancia de Gramsci para o estudo de raca e etnicidade" e "Pensando a diaspora". Quern o ler tambem vai encontrar o tema de raca e racismo na discussao da ideologia em "Significacao, representacao, ideologia: Althusser e o debate pos-estruturalista". Vai encontrar referencias ao legado cultural do colonialismo e reflexoes sobre hierarquias, sua construcao historica e eventuais destinos em praticamente todos os ensaios. Hall nao e um teorico que se dedica ao "negro-tema", que Guerreiro Ramos define como "coisa examinada, olhada, vista".7 Tampouco e um grande mestre cuja preocupacao com questoes raciais possa ser entendida como uma especie de hobby militante. Fala desde uma dupla diaspora, africana no Caribe e caribenha na Gra-Bretanha. Assim, a perspectiva do critico como 18

diasporico â‚Ź constitutiva de seu trabalho, enquanto ele fala do centre da Europa.

O conteudo deste livro pode ser percorrido com diversos mapas e, entre eles, foram pensados pelo menos quatro: a Q dis^ussag^da^dejiJldacIe rulniral, da questao racial e do racismq;-a'formagao do campo de interesses, a abordagem e o acumulo de cojjjiecimentos que se apresentam como "Estudos Culturais'Va questao da contestacao a hegernonia 'oJ[turalnj_sociedade mediatica e de jconsumo;; p^dialogo;3 critico de Hall com cqrrentes cpntejmppj;aneaA.de_pÂŁnsjamento sobre cultura,. Os textos, lidos a partir de perspectivas diversas, criam uma topografia de varios niveis de abstracao, tons e prop6sitos, de problematicas e preocupagoes teoricas diferentes. Comecam com tres ensaios sobre importantes questoes atualmente em debate. O ensaio "Pensando a diaspora" aborda identidades caribenhas diasporicas sob as condicoes contemporaneas de globaliza^ao. Hall examina os mitos de origem, sua necessidade e perigos quando levados ao pe da letra; pensa a Africa como elemento que sobreviveu e como meio de sobrevivencia na diaspora, dgfende_a hibridiza^ao ou "impureza" cultural enquanto a "forma emi que o Assim, a velha politica identitaria de reivindicacao, resposta e negociacao e vista contra um pano de fundo em que as intervencoes das margens nunca consolidam uma posie.ao final, essencial, embora sua afirmacao tenha o que Hall chama de "repercussoes reais e conceituais" em um processo que envolve nao so a conhecida globalizac.ao economica, mas as dimensoes culturais de fluxos migratorios, a producao artistica e as raizes, novas e antigas. Em "A questao multicultural", Hall discute as mudancas culturais e politicas na Gra-Bretanha sob a rubrica abrangente do "multicultural" e procura proper uma politica identitaria em uma epoca de globalizacao contradit6ria, que evite os extremes do individualismo liberal e do relativismo cultural. Embora se dirija a situac.ao britanica, marcada por ondas recentes de migracao das antigas colonias, pode ser uma contribuicao para a reflexao sobre aspectos teoricos da politica cultural brasileira e as transformacoes do discurso identitario nacional. J'Quando foi o 'pos-colonial'?" defende o paradigma poscolonial contra o "retorno do reprimido". o eurocentrismo,

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