2ª DocCena

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FORTALEZA | JULHO | 2013 | ANO II

ANDREI BESSA BARBARA LEITE MATIAS CIRLAEDNA PEREIRA DA SILVA CLEILSON QUEIROZ LOPEZ DYEGO STEFANN ELYZANGELA F. ALENCAR GUILHERME BRUNO DE LIMA HENRIQUE BEZERRA DE SOUZA LEANDRA NUNES MARIANO LUKA SEVERO MÁRCIO ALESSANDRO N. RODRIGUES RAFAEL BARBOSA THAIRO NICOLLAS ALVES MOURA


Nテグ TEM DOIS PAIS! Foto: Feranda Leal

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ANDERSON, ALMEIDA, NETO E FELÍCIO Foto: Arlan Elton

Outra faceta da Cia. Teatral Acontece é o seu repertório de espetáculos teatrais. Com destaque para “Emília quer Ser Princesa” (Prêmio Myrian Muniz 2006); “Onde Canta a Jandaia” (Edital CredJovem 2006); “Espelhos D’água” (Prêmio Edital das Artes 2010/ Secultfor); “O Camaleão e a Liberdade” (I Edital de Enfrentamento ao Uso do Crack 2011/Secultfor/SME); “A Gata Borralheira” (Prêmio Funarte na Rua/ Circo, Teatro e Dança 2011). O grupo em seus processos criativos tem como ponto de partida a apropriação de contos. Seu mais recente processo debruça-se sobre a obra “Chapeuzinho Vermelho” como mote para criar uma dramaturgia em torno do pré-adolescente representante da geração gadget. Tal processo de montagem intitulasse “Floresta dos Lobos”. Em sua trajetória de 11 anos os membros da Cia. Teatral Acontece compreenderam que, o que faz jus a existência de qualquer coletivo artístico são seus processos criativos e colaborativos (espetáculos/ experimentos). Com a montagem

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do espetáculo “Floresta dos Lobos” o grupo pretende se redescobrir estético-coletivamente diante de todos os percalços que já passou. O processo (Floresta dos Lobos) é uma alegoria da história artística do grupo. Um ritual de passagem diante de crises internas (rupturas de atores que resistiam à necessidade de profissionalização) onde o “préadolescente” passa pelo doloroso rito de amadurecimento. Enxergamonos como o “lobo-pré-adolescente” que quer experimentar o “mundo”. Experimentar novas linguagens cênicas contemporâneas (performance, biodramaturgia, cenocentrismo e processos colaborativos) e desbravadores da “Floresta” (pósgênero, relações líquidas, o privilégio do indivíduo em detrimento do coletivo, a espontaneidade e seu rápido esgotamento impulsionados pelas redes sociais). A montagem se confunde com nossas dores, pois um grupo teatral chegar a esta idade com o mesmo núcleo de agentes criativos é um grande motivo de celebração.


EXPEDIENTE

ÍNDICE EXPEDIENTE Diretoria Almeida Jr. Felício da Silva Anderson Mendes Neto Sier

Jornalista Responsável Francisca Otaciana Moura de Morais

Editorial

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Palavra

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Ô Putaria

15

No limiar da técnica: reflexões iniciais sobre o conceito de jogo no trabalho do ator

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Exupéry e Artaud: O sonho e a peste como princípios de um procedimento de construção da personagem

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O corpo-memória como ponto de partida para a construção cênica

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A palavra que gera e o Gestus social um procedimento aplicado ao pibid de teatro

37

Reflexões sobre ensino de teatro e identidade dentro do procedimento pedagógico teatral cama de gato

42

A commedia dell’arte um grito visual

49

A importância da identidade individual na criação do experimento teatral: o ensaio da vida real

53

O ator-performer e a noção de treinamento do ator no experimento cênico HO!

57

O corpo extra-cotidiano associado à educação

63

Teatro pra que? ReflexÕes sobre o fazer teatral na escola

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Cia. Teatral Acontece 11 anos em Ação

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mt2925ce

Curador dos artigos Tomaz de Aquino

Projeto gráfico Julião Jr.

Ilustração capa Felício da Silva

Tiragem 1.000 Exemplares

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O

Curso de Iniciação Teatral Acontece (Cita) surgiu a partir da identificação de uma demanda por formação inicial em teatro. A abrangência desta ação ultrapassa os limites da capital cearense em parceria com prefeituras, estado e outras instituições públicas e privadas. Em onze (11) anos ininterruptos de atuação no estado do Ceará, a Companhia já formou dezenove (19) turmas em suas oficinas. O Cita já passou pelas seguintes cidades: Baturité, Pacajus, Horizonte e Apuiarés. Em Fortaleza já somam quinze (15) turmas, atingindo uma média de quatrocentas e cinquenta (450) pessoas nestes 11 anos. A vigésima turma prevista no projeto Cita Aqui Cita Acolá - Formando Multiplicadores em Pires Ferreira terá parceria da secretaria de cultura de Pires Ferreira/CE (303 km da capital) e atenderá a quarenta (40) jovens de 15 a 29 anos, com o apoio da Secretária de Cultura do Estado do Ceará-Secult/CE. Outra grande ação de fomento ao teatro protagonizado pelo grupo é o Festival de Esquetes da Cia. Teatral Acontece (Fecta). Com a primeira edição realizada em 2004, o Festival reúne grupos de todo o país. A proposta desse evento é ser uma instância dentro do calendário cultural da cidade de Fortaleza onde os grupos e coletivos podem tornar público seus processos de pesquisas e experimentações cênicas. Outra característica do Fecta é se aproximar da comunidade acadêmica através da realização de seminários/encontros com temas relevantes para o fazer teatral e o estímulo a produção científica com a publicação da revista DocCena. O Fecta é composto por quatro mostras: Perfecta, FectaConvida, Vespertina e Noturna. Em 2013 o Fecta completa 10 anos de atividades contínuas no Estado.

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EDITORIAL

CIA. TEATRAL

ACONTECE 11 ANOS EM AÇÃO

UM ABRAÇO PARA O GOL DA VITÓRIA! Tomaz de Aquino

A Cia. Teatral Acontece (CTA) surgiu no dia 16 de Julho de 2002 com o objetivo de gerar oportunidade aos agentes teatrais do estado do Ceará. Realiza várias atividades que contribuem com o fomento do teatro no Estado através de iniciativas como o Curso de Iniciação Teatral Acontece (Cita), o Festival de Esquetes da Cia. Teatral Acontece (Fecta) e produção de espetáculos e experimentos cênicos. Em seu bairro-sede Farias Brito vem desenvolvendo um conjunto de ações que possibilita o acesso democrático e apreciação a arte teatral para populações periféricas.

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Brasil. Nordeste. Ceará. Fortaleza. Centro. CTA. Nenhum global. Nenhum Neymar. Seres humanos, meros mortais, nenhum semideus, apenas pessoas reais. Gente de teatro, artistas, artesões da cena, prontos para mais um abraço ao encontro do gol. Ao gol de mais uma edição do Festival de Esquetes da Companhia Teatral Acontece. Lembro que em 2004 ouvi falar do I FECTA. Na ocasião, eu não tinha nenhum trabalho montado ou em andamento para que eu pudesse experimentar. Fui espectador. No ano seguinte, participei do festival pela primeira vez com uma cena curta, a partir desse momento não parei, continuei experimentando, ministrando oficinas,

apresentando performances fora da mostra oficial, e agora, colaborando com a 2ª edição da Revista DocCena. Por que falar da minha participação no FECTA, se a tarefa que me coube foi escrever a apresentação da revista? O FECTA abre um amplo espaço para a formação dos artistas que ali fazem suas proposições. Durante esses 10 anos, pude acompanhar como espectador, artista e oficineiro o crescimento do festival que colaborou com a minha formação. No FECTA pude experimentar e testar minhas inquietações em contato com o público. Tive a possibilidade de teorizar sobre meus processos enquanto artista individual e posteriormente, com o grupo o qual participo, o Teatro MiMO.

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ARTIGO

Ao elaborar os critérios de seleção Por que ainda falar da minha participação no FECTA, se a tarefa que me dos artigos, pensamos novamente na coube foi escrever a apresentação da imagem do abraço. Um abraço convidativo para a exposição de uma prátirevista? O FECTA é um evento que iniciou ca que se teoriza, seja ela acadêmica pedindo um abraço à cidade e que - oriunda de um projeto de pesquisa - ou de inquietações do acabou recebendo esse abraço não apenas de SINTO QUE O FECTA que surgem da artesania de cada grupo, coletivo Fortaleza, mas do País. Constando em seu histó- ABRAÇA A TODOS OS ou artista. Pensamos em um abraço que pudesse rico a participação de diversas cidades por meio GRUPOS, COLETIVOS não apenas selecionar um trabalho teórico, mas de espetáculos, oficinas, que pudesse também palestras e debates. Na E SOLISTAS QUE dar um feedback para os verdade, penso que o FECTA pediu o abraço, LÁ BUSCAM ESSA autores dos artigos, por meio de comentários aos mas foi ele quem acabou candidatos nesse jogo. abraçando a todos, indeACOLHIDA. Ao todo são 10 jogapendente da região, da dores, os 10 artistas-pesquisadores e 1 linguagem e da estética. Com um abraço fraterno, o FECTA goleiro, que teve a tarefa de segurar oportunizou e incentivou os grupos algumas chutes deixando passar apea experimentarem suas pesquisas de nas 10 gols. Espero que a apreciação linguagem cênica em diversos espa- dos 10 trabalhos que ocuparão as próços, saindo da mostra de palco italiano ximas páginas da revista possam cone criando mostras paralelas para que tribuir com ideias, sugestões, diálogos, críticas, reflexões e que, principalmentodos fossem contemplados. Sinto que o FECTA abraça a todos te, faça o pensamento criativo circular os grupos, coletivos e solistas que lá e que a curiosidade possa abrir caixas de diálogos entre o pesquisador e o buscam essa acolhida. Esse ano, estou afastado de For- leitor. Boa partida nesse jogo e vamos taleza e não poderia deixar de participar e colaborar com o FECTA que, todos ao abraço para o Gol da Vitória: infelizmente não captou o que lhe foi de mais um FECTA que se concretiza cabido pela Lei Roaunet, mas que fe- e que entra para a História do Teatro lizmente vai acontecer devido a garra do Ceará, como um fomentador da da Cia Teatral Acontece e aos seus produção artística e do pensamento crítico sobre o fazer arte. colaboradores.

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Outra questão é até que ponto eles se sentiam à vontade para falar algo tão pessoal, e se permitir, durante as aulas, interpretar o texto de sua vida, inicialmente, algo difícil de realizar, mas que fomos percebendo uma mudança tanto na forma de se comportar quanto de pensar com relação a si e ao meio em que estavam inseridos. Dessa forma é de suma importância compreender que o educador precisa sempre preservar a esperança para com os estudantes e, acima de tudo, acreditar neles como seres criadores, a exemplo da visão de Paulo Freire: “A professora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto de vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito as diferenças,sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vivi sua presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que precisa ser autenticamente vivido.(FREIRE,p17).

Diante do exposto, pude perceber que no decorrer das aulas os discursos dos educandos eram reflexivos, e que durante o processo naturalmente estavam se tornando mais disponíveis. Percebem que são capazes de construir cenas a partir da experiência de vida que trazem em seus corpos. O que antes era um problema, agora é visto pelo próprio educando, pelo educador e por seus colegas como uma possibilidade de construção de cena.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SANCTUM, Flávio. A estética do oprimido – odisséia pelos sentidos. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Iluminaria Academia. 2012. RODRIGUES, K. L. O professor de arte que temos o professor de arte que queremos. Akrópolis Umuarama, v. 16, n. 3, p. 165170, julh/set. 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários á Prática. Educativa. 25ª Edição. Paz e Terra Coleção Leitura. 2009.

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PALAVRA

percorrido por cada participante, ambos acreditam que não deve haver uma ruptura entre os participantes e a sua história de vida. O exemplo da pedagogia de Paulo Freire considera a escolarização como a formação da consciência política sem ignorar a trajetória de vida dos participantes. Considerando a visão Freriana que ressalta a importância da troca entre educando e educador. Por outro lado ligando ao Teatro e a visão de Boal sobre a importância do espectador, suas reflexões para com o mundo, isto em confronto com o professor em sala de aula em busca de transformar o pensamento do educando.

REFLEXÕES Percebi que as aulas de Teatro foram válidas para os educandos e consequentemente para o meio em que eles estão inseridos. A princípio provocadora no sentido de mudanças de pensamento em relação à vida desses meninos e assim a valorização da aula de Teatro. Por outro lado a perspectiva dos participantes e o medo de se sentirem ridículos por estar fazendo Teatro. No decorrer das aulas os participantes desbloquearam os mecanismos de censura, fato percebido através das falas espontâneas entre os participantes promovendo um processo de escuta e troca entre as pessoas.

PROGRAMAÇÃO CULTURAL ANIMA A CIDADE DE SEGUNDA A DOMINGO Equipamentos culturais de Fortaleza oferecem atividades gratuitas para todos os públicos

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ão muitas as atividades que acontecem diariamente nos equipamentos culturais da cidade, como no Mercado dos Pinhões, no Passeio Público, no Anfiteatro Flávio Ponte, no Teatro Antonieta Noronha e na Biblioteca Municipal Dolor Barreira. De cunho cultural ou formativo, a programação atende a diversos públicos e faixas etárias e são totalmente gratuitas. Para o público que curte artes cênicas a dica é o Teatro Antonieta Noronha. Nas segundas-feiras, às 19 horas, acontece o Cenas Curtas,que traz apresentações de esquetes e um bate-papo mediado por um especialista em teatro. Às quartas-feiras, a partir das 18h30min, é a vez do projeto Sala de Ensaio, que mensalmente convida uma companhia teatral a mostrar seus diversos processos

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ARTIGO

criativos de trabalho. O Teatro também é palco de oficinas teatrais, que acontecem aos sábados e abrem turmas esporadicamente. Para os interessados em literatura, a Biblioteca Municipal Dolor Barreira traz nas terças e quintas-feiras Contação de Histórias. A atividade ocorre mediante agendamento, nos horários de 9h (manhã) e 14h (tarde). Na segunda quarta-feira de cada mês tem sessão de cinema para o público infantil (de até 10 anos) com o Cineminha na Biblioteca Dolor Barreira – Sessão Pipoca. A atividade ocorre nos turnos da manhã, às 9h e tarde, às 14h. Também faz parte da programação fixa da Biblioteca a Visita Guiada. Atividade é realizadamediante agendamento. As feiras e as apresentações musicais são o carro-chefe da programação do Mercado dos Pinhões. Semanalmente, sempre às terças, de 6h30 às 13h, tem a Feira Orgânica, realizada pela Associação para o Desenvolvimento da Agropecuária Orgânica (ADAO). No fim de semana a música toma conta do Mercado com os projetos Chorinho no Mercado, nas

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sextas-feiras, de 20h às 23h, e o Forró no Mercado, aos domingos, de 19h às 21h. Porém, a criançada também tem lugar cativo na programação do equipamento. É o Cineminha no Mercado, atividade que acontece aos sábados, de 18h30 às 20h30, e que exibe um filme diferente, a cada semana, para a meninda. Além da programação semanal, o Mercado dos Pinhões também conta com atividades mensais. Na terceira quarta-feira de cada mês, a partir das 17h, o Festival de Arte e Cultura Alimentar, também realizado pela ADAO, traz dicas para quem busca uma vida saudável. Uma vez ao mês a moda, a arte e o desing se encontram no Mercado, por meio da Quarta Coletiva. O projeto acontece na segunda-feira de cada mês, a partir das 17h. As novas caras do humor comandam a programação fixa do Mercado, no projeto Novos Risos, que acontece sempre na terceira quinta feira do mês, a partir das 20h. Já na última sexta-feira de cada mês, o chorinho dá espaço para o som dos anos 60. É o Baile do Mercado, que faz o público dançar a partir

“De fato, ainda são comuns as aulas de arte ser confundidas com lazer, terapia, descanso das aulas sérias, o momento para fazer a decoração da escola nas festas, comemorar determinadas datas cívicas, preencherem desenhos mimeografados ou reproduzidas por outros meios, fazer os presentes dos dias do país, pintar o coelho da páscoa e a arvore de natal. Memorizamse algumas “musiquinhas” para fixar conteúdos de ciências, fazse “teatrinhos” para entender os conteúdos de história e “desenhinhos” para aprender a contar”. (Picosque apud Rodrigues, P.167). Esses educandos questionam na aula: por que na sala não tem cadeiras? Que aula é essa em que os participantes precisam ficar descalços e usarem roupas confortáveis para trabalhar o corpo segundo o professor de Teatro? E por que não é o de educação física? É natural que cause estranhamento, nervosismo, risos, e, desconforto da parte dos educandos. Na busca de um caminho pedagógico encontrei princípios teóricos nas propostas de Augusto Boal e Paulo Freire. Paulo Freire (1921- 1997) foi educador e filósofo brasileiro, maior referencia mundial no estudo da pedagogia. Paulo Freire é considerado um dos grandes pensadores na

história da pedagogia. A sua prática didática fundamentava-se por acreditar que o educando assimilaria o objeto de estudo fazendo uso de uma prática dialética com a realidade, em contraposição à por ele denominada educação tecnicista. O educando criaria sua própria educação, fazendo ele próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído. Outro teórico utilizado na minha pesquisa e citado nesse artigo é Augusto Boal (1931 – 2009) diretor de teatro, dramaturgo e teórico teatral. Uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Fundador do Teatro do Oprimido, que alia o teatro à ação social, suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, notadamente nas três últimas décadas do século XX. Sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política, mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional. Podemos perceber alguns pontos em comum entre a teoria do educador Paulo Freire e do teatrólogo brasileiro Augusto Boal, que criou o método do Teatro do Oprimido (A estética do oprimido – odisseia pelos sentidos. SANCTUM,Flávio), que tem por objetivo potencializar a visão de todo ser humano para a transformação da realidade. Freire defende a idéia da importância histórica de vida do educando, Boal prioriza o caminho

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DE FATO, AINDA SÃO COMUNS AS AULAS DE ARTE SER CONFUNDIDAS COM LAZER, TERAPIA, DESCANSO DAS AULAS SÉRIAS [...] # 68

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entro da Universidade Regional do Cariri (URCA) surgiu a proposta das bolsas de Iniciação a docência (PIBID) de Teatro, na qual o universitário tem a possibilidade de desenvolver pesquisas e ministrar aulas. Nesse momento tive a oportunidade de ser contemplada bolsista desse programa e ter a experiência da passagem da teoria para a prática, dentro de um processo docente no âmbito escolar. O primeiro contato com os estudantes foi na E.E.F.M. Estado da Bahia que fica localizado em um bairro considerado periférico da cidade do Crato, Ceará. Era perceptível o receio com o Teatro por parte dos educandos que temiam serem vistos como um ser sensível aos olhos da sociedade. Pois através de seus relatos compreendemos que a prática artística significava não obedecer aos padrões implantados no seu meio cultural. Observamos o medo que perpassava seus corpos, como se houvesse um peso que carregavam em suas costas, fisicalizado em tensões e movimentações rígidas. Reflexo da repreensão que carregam por medo de serem ridicularizados pela prática teatral. Na maioria das vezes estes são criticados por seus próprios colegas de sala que também foram educados de maneira a fazê-los (agir) pensar dessa forma. Sobre isso me apego às palavras de Picosque citado por Karinne Luzia Rodrigues, que vai dizer que:

das 20 horas. E a cada dois meses, geralmente aos sábados, a partir das 14h , a Feira da Fotografia, realizada por Chico Gomes, traz workshops, palestras e feiras de equipamentos fotográficos.Música Instrumental e atrações para a meninada fazem parte das atividades fixas do Passeio Público, o horário do almoço dos sábados é embalado com boa música. É o projeto Passeio Instrumental, que comerça a partir das 13h e segue até às 15h. Já aos domingos, a programação é voltada para os pequenos com o tradicional Piquenique. Papais e Mamães se reunem com seus filhos a partir das 9h30 e ainda conferem atrações especiamentel pensadas para a meninada. A programação fixa do Anfiteatro Flávio Ponte também começa aos sábados, a partir das 17h30, quando a cultura popular entra em cena no projeto Pôr-do-Sol da Tradição. Nos domingos as atividades seguem, das 18h30 às 21h, com o Retratos do Vento, que traz apresentações de artistas locais, de gêneros musicais diversos.

TRADIÇÃO DO MARACATU É CELEBRADA A CADA DIA 25 Para além das programações fixas dos equipamentos culturais, a Secretaria de Cultura de Fortaleza realiza mensalmente o projeto Dia 25 é dia de Maracatu. Sempre no dia 25 de cada mês, um grupo de Maracatu realiza o cortejo em um determinado ponto da cidade. A atividade foi lançada no dia 25 de março de 2013, data em que se celebra oficialmente o Dia do Maracatu, bem como a libertação dos escravos do Ceará e é parte de uma política cultural de apoio e disseminação desta tradição ao longo do ano.

Secretaria de Cultura de Fortaleza - Secultfor Assessoria de Comunicação (85) 3105.1386 | 88998705 www.fortaleza.ce.gov.br/cultura

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ARTIGO

Devir-Desejo do Cambada

TEATRO PRA QUE?

Andrei Bessa

Q

uando se começa um grupo de teatro? Como afinar desejos de todos os envolvidos? Como permanecer fazendo teatro em grupo? Essas perguntas atravessam qualquer grupo, em qualquer fazer artístico coletivo, e são sempre revisitadas pelo Coletivo Cambada. Não por acaso, o que hoje autodenominamos Coletivo Cambada se formou naturalmente sem a intenção inicial de ser um grupo de teatro. Partimos do desejo de estarmos nos palcos e com algumas questões em comum sobre como seria esse fazer artístico. Por não termos muitas experiências, queríamos nos testar. Também por esse motivo, a primeira obra seria uma cena curta a ser apresentada nos festivais de esquetes da cidade1 . Sem 1 Para saber mais sobre a importância dos festivais de esquetes, inclusive o FECTA, na construção do Coletivo Cambada, ler o artigo “Da estação curta ao trajeto formativo: a contribuição dos esquetes na construção do Coletivo Cambada” no 1º Doc Cena – junho de 2012. # 10

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pretensão. Queríamos viver o momento e aproveitar seu máximo. As afinidades foram grandes e o desejo por novos trabalhos crescia a cada encontro. Assim, sem haver uma pesquisa previamente definida ou uma pessoa responsável por assinar esses trabalhos, o grupo se entendeu mais enquanto coletivo – onde os anseios individuais não eram abafados em prol de um projeto único. E os trabalhos foram aumentando... Desse momento inicial, surgiram os esquetes No Ringue e Recém Casados, a performance Rotoentretenimento LiquidificaZoom, o espetáculo Controle e o curtametragem Ninja Animal2 . O desejo por outras linguagens artísticas surgiram logo no início, antes mesmo de estrearmos nosso primeiro espetáculo, tensionamos as questões daquele momento e vivenciamos uma performance. Para construir Controle, 2 Ninja Animal foi filmado em agosto de 2008, por falta de financiamento sua conclusão só foi possível em novembro de 2012.

REFLEXÕES SOBRE O FAZER TEATRAL NA ESCOLA MATIAS, Barbara Leite1

O Programa de Institucionalização de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) de Teatro da Universidade Regional do Cariri – URCA, implantado na Escola de Ensino Fundamental. O presente artigo busca refletir sobre a visão dos educandos a respeito do processo pedagógico de Teatro a partir das experiências vividas durante sua trajetória escolar. Tendo como suporte teórico as propostas de Paulo Freire e Augusto Boal e algumas ideais citadas por Flávio Sanctum e Karine Luzia Rodrigues.

PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia teatral, corpo, identidade.

1 Graduanda Curso de Licenciatura Plena em Teatro e do bolsista do PIBID (Programa Institucional de bolsas de Iniciação a Docência). JULHO 2013 | DOCCENA

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ESPECIAL

O ATOR PODE DESPRENDERSE DO QUE É HABITUAL, OU SEJA, QUE ESTÁ PRESENTE NA SUA VIVÊNCIA

compreendessem os princípios do movimento extra-cotidiano. Dilatação, desequilíbrio, estado préexpressivos, oposição, a prática do Xaxado leva os educandos a buscarem essas expressividades que não usam no seu dia-a-dia. Assim eles passaram a executar movimentos com qualidades e nuances de energia. Os educandos então passaram a praticar de forma que saía do habitual, desfazendo-se das tensões musculares feitas cotidianamente pelo nosso corpo e elaborando novas tensões musculares que normalmente não usamos. A princípio houve um pouco de dificuldade, pois os mesmos se sentiam envergonhados de fazer movimentações que normalmente não faziam. Cogitar essas ideias em sala de aula soou estranho, destacando que a maioria dos educando não tinha nenhum contado com as movimentações dilatadas. Concluímos através desta prática que o Xaxado revelou-se uma forma de conscientizar os educandos do trabalho de presença cênica, próxima das próprias referências culturais dos educandos. Acreditamos que também as movimentações da quadrilha possibilitariam criando assim uma proposta de ensino mais sofisticado e evitando as ideias equivocadas de que o fazer teatral nas escolas trate de uma arte de menor sofisticação artística.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Campinas, SP: Hucitec, 1995. BARBA, Eugênio. A canoa de papel: tratado de antropologia teatral. Brasília: Teatro Caleidoscópio, 2009.

QUEM TEM MEDO DO ESCURO Foto: Luciana Gomes # 66

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ARTIGO

nosso espetáculo de estreia, utilizamos alguns recursos audiovisuais – que partiam dos atravessamentos pessoais de alguns integrantes. Esse mesmo espetáculo utilizou-se da literatura dos integrantes e mesclava textos consagrados com textos autorais dos próprios membros do Coletivo. Tivemos alguns êxitos e prêmios com esses trabalhos iniciais, circulamos pelo interior do estado e fizemos nossas primeiras apresentações fora dele. No entanto, o mais rico foi o aprendizado, a possibilidade de errar e saber que encarar as incertezas é fundamental nesse nosso ofício. Aliás, não só encarar, mas fazer dessas incertezas matéria prima para criação artística. O Coletivo é formado por seres humanos em construção, com questões estéticas e problemáticas artísticas particulares que se modificam com o tempo. Assim, de forma muito natural os trabalhos que se seguiram nasceram de tensões propostas

por seus membros que apontavam caminhos distintos. Esquecemos que seria necessário escolher apenas um, descobrimos o possível de nos construirmos plurais. Nesse momento, agenciávamos a vontade de termos nosso primeiro infantil. Os primeiros encontros aconteceram ainda em 2008, com reverberação da temática abordada no Ninja Animal. Tínhamos questões dramatúrgicas muito claras, buscávamos fugir de alguns modelos e padrões de teatro infantil já estabelecidos. Deixamos essas inquietações nos tomarem aos poucos e em 2010 levamos para o palco o Quem tem medo do escuro?. Hoje, o espetáculo continua se apresentando constantemente e se reconstruindo, sempre buscando nos conectar com cada momento. Nesse espetáculo fica mais evidente como compreendemos que nossas obras estão em construção e não prontas, dessa forma, estamos sempre rediscutindo o que as questões iniciais significam hoje e modificamos o que achamos necessário a cada apresentação. Ao mesmo tempo em que concebíamos o Quem tem medo do escuro?, em 2009, trabalhamos em experimentos-esquetes que partiam de problemáticas distintas. [Sem] Meio Termo levantava questionamentos envoltos de uma dramaturgia cênica,

todos em uma busca de observação no outro, o que ele tinha que eu não tinha. A partir daí começamos a desenvolver o nosso estudo, a busca desta energia em nós mesmos. Então esse conhecer a si mesmo começou a desenvolver no corpo de ambos, formas diversificadas, não cotidianas, que utilizaríamos para concentrar energia e assim, a construção do fazer teatral. Investigamos um trabalho que envolve várias formas de representações, por meio dessa, colocamos em prática no ambiente do ensino formal, para que o educando possa conhecer e experimentar vários aspectos e particularidades do Teatro, desenvolvendo a consciência das relações existentes entre as expressões corporais. Fazendo com que o educando pense sobre essas possibilidades. Esse contato com a presença cênica tem de fato, o interesse, e que tenham a compreensão que o corpo em cena deve ser diferente do corpo do cotidiano, com a energia sendo, a

atividade prática corporal, expressiva, executada e entendida pelo educando como estar em trabalho, ou seja, o corpo em cena, presença, tratandose da atividade humana, corporal, expressiva e efêmera, que só pode ser de fato entendida pelo educando com a experiência. Percebo que o corpo é uma ferramenta de principal fundamento dentro da Dança, suas qualidades podem ser usadas em diferentes processos, os quais podem ser trabalhados por ramificações concretas e, em exemplo disso, pelo Xaxado. Possui elementos de caráter técnico que vejo interesse na utilização dos meus procedimentos, pois consigo fazer com o educando aprimore a energia do seu corpo usando tensões físicas e resistências corporais. Durante as oficinas de Xaxado percebi uma série de princípios do Eugenio Barba contidos nos participantes, essa representação cultural forneceu meios para que os participantes

OS NOIVOS Foto: Levy Mota # 12

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evido ao PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, foi possível conceber algumas observações no meio escolar do Juazeiro do Norte no estado do Ceará, podemos perceber que o corpo do educando-ator pode criar movimentos que poderão exemplificar e educar sua potência nervosa e muscular. O intuito dessa pesquisa é que o educando-ator busque no seu corpo o conhecimento diferenciado dos seus movimentos, e assim construindo esses para a cena, pois o corpo que vai para a cena deve ser trabalhado diferenciado do corpo do cotidiano. O ator pode desprenderse do que é habitual, ou seja, que está presente na sua vivência, aquilo que se faz todos os dias, os acontecimentos habituais, a monotonia do seu diaa-dia. Essa energia que utilizamos para andar, pegar algo no chão deve ser desconstruída, e a partir daí, reconstruir-se para criação do corpo cênico. Encontrei material teórico para estas inquietações nos princípios do extra-cotidiano de Eugenio Barba. Os corpos dilatados contém essa energia diferenciada do seu cotidiano, a presença cênica, para Barba o “estudo do comportamento biológico e cultural do homem numa situação de representação, quer dizer, do homem que usa sua presença física e mental segundo princípios diferentes daqueles que governam a vida cotidiana” (BARBA, SAVARESE, 1985, p. 1). Refere-se à energia deste corpo

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que se movimenta diversificadamente em busca do novo para transmitir essa presença cênica, pois este deve ser diferenciado do corpo do cotidiano, e constroem formas expressivas que definem sua presença no palco, Barba (1995, p.188) afirma: Esse substrato préexpressivo está incluído no nível de expressão, percebido na totalidade pelo espectador. Entretanto, mantendo este nível separado durante o processo de trabalho, o ator pode trabalhar no nível pré-expressivo, como se, nesta fase, o objetivo principal fosse a energia, a presença, o bios de suas ações e não seu significado. Barba define em seus trabalhos uma série de princípios retirados de diferentes manifestações cênicas mundiais. Com estes princípios o encenador Italiano aponta caminhos para a construção dessa presença cênica, tais como: dilatação, desequilíbrio, oposição e outros. Não pretendendo neste artigo defini-los, e sim, compreender suas relações com a pedagogia teatral. A pergunta que levanto nesta pesquisa é sobre a possibilidade de aproximar os educandos dos conceitos extra-cotidianos de Eugenio Barba. Esta ideia da energia do ator, como desenvolver isso em sala? Começamos

exigia dos atores o risco de construir universos estéticos diferentes que se contrastavam em uma mesma cena. Já Exercício: Gestalt, construiu uma dramaturgia física, pautada em elementos da mímica subjetiva embasada nas tramas de duas tragédias românticas de Shakespeare – Otelo e Romeo e Julieta. Com o primeiro exercício, entre outros ganhos, fomos premiados pelo júri popular no VI FECTA, rompendo com o esperado de que todo esquete eleito pelos espectadores necessariamente seria de origem cômica. Já o segundo exercício possibilitou nossa primeira viagem fora do Nordeste e nos aproximou da linguagem da dança ao nos apresentarmos na VII Bienal Internacional de Dança no Ceará. Por estarmos envoltos de tensionamentos artísticos distintos, surgiu a vontade de mesclá-los. Vislumbramos a construção de um espetáculo que partisse dessas questões – o que dois anos depois resultou no espetáculo Otelo. Em 2010, houve o convite do SESC para a construção de uma cena curta inspirada no universo do Nelson Rodrigues. Assim, continuamos a lapidação da pesquisa sobre a dramaturgia cênica e levantamos o esquete Os Noivos. Paralelamente, transbordávamos nas temáticas shakespearianas, com pulsões em nossos corpos, nutrindo experimentos que compuseram

o espetáculo Jeu Rouge – estreando na Bienal de Dança de Par em Par do mesmo ano. Continuava a pulsar em nós o desejo de construirmos um espetáculo que dialogasse com as duas pesquisas que nasceram dos experimentos de 2009. Percebemos que precisávamos, enquanto artistas, ser atravessados por forças exteriores ao Coletivo. Só assim atenderíamos o desejo coletivo e concretizaríamos os anseios individuais. Deu-se o convite ao ator e diretor João Andrade Joca de assumir a direção do novo trabalho. Voltamos a mergulhar no universo de Shakespeare, desta vez com muita clareza do que nos interessava. Em 2011, estreamos o espetáculo Otelo e após dois anos da estreia muitas ex p e r i ê n c i a s já surgiram. Circulamos pelo interior do estado, fizemos algumas apresentações fora

EXERCÍCIO GESTALT COLETIVO CAMBADA Foto: Levy Mota JULHO 2013 | DOCCENA

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do Ceará e participamos de diversos festivais – também recebemos algumas premiações, nos motivaram a persistir nesse caminho. Hoje o espetáculo encontra-se em sua terceira versão – inclusive com o próprio Joca integrando o elenco. Ao nos depararmos com alguns impossíveis, nos remoldamos e nos configuramos sempre em novos possíveis. Atualmente, mantendo seu repertório em plena atividade, o Coletivo Cambada está agenciando novas questões e vislumbrando múltiplos caminhos que, provavelmente, serão trilhados ao mesmo tempo – como nos é de costume. Talvez nasçam alguns espetáculos, talvez surjam vídeos,

talvez tenhamos apenas registros literários ou, talvez só se construam performances efêmeras. Não sabemos. Vamos gestando nossos “talvezes” sem pretensões e predefinições do que teremos que ser. Ao finalizar esse pequeno levantamento histórico do nosso Coletivo, percebo que essa Cambada se constrói sempre a partir dos desejos e entendendo o seu percurso natural de mudanças. Fazemos desses desejos nosso alimento e nossa força para encaramos nossas artes.

O CORPO EXTRA-COTIDIANO ASSOCIADO À EDUCAÇÃO MARIANO, Leandra Nunes1 MOURA, Thairo Nicollas Alves2 RODRIGUES, Márcio Alessandro Nunes3

Ações monótonas, constantemente presentes na sociedade, refletem no limite provocado nas ações do corpo humano, o ser passa a conviver com formas restritas de movimento e de maneira progressiva. Esta pesquisa busca uma reflexão sobre o princípio da vivencia extra-cotidiana interligada as utilizações de Eugenio Barba, uma vez que sua técnica ressalta a sintonia da pessoa habitual e suas interpretações artísticas. Ligando às práticas pedagógicas, buscando despertar no educando a observação do seu corpo no cotidiano para que possam desenvolver formas diversificadas que possibilitem um princípio para a cena. Com a utilização dos conhecimentos práticos do Xaxado, através dos condicionamentos físicos, percebemos que a energia interior do corpo que provoca as manifestações corporais, demonstrada e trabalhada por Eugenio Barba, foram construídas pelos educandos, que até então não tinham praticado este tipo de conhecimento. Foi através dessa experiência que pude perceber nos educandos movimentos do cotidiano. Palavra chave: Extra-cotidiano; Corpo; Xaxado.

1 Estudante de Licenciatura Plena em Teatro do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Projeto PIBID/ CAPES de Teatro 2 Estudante de Licenciatura Plena em Teatro do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Projeto PIBID/ CAPES de Teatro 3 Professor do Curso de Licenciatura Plena em Teatro do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri e Coordenador do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Projeto PIBID/ CAPES de Teatro. # 14

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Nos cruzamentos entre as vivências em sala, as discussões, os treinamentos, surge a ideia de se falar sobre o universo da tortura, ampliando seus significados. Começamos a investigar diversas formas de tortura e a analisar relatos de torturados da ditadura militar brasileira. A partir de então, o treinamento passou a ser realizado com enfoque na criação e improvisação de cenas, caracterizando assim um procedimento poético. Trabalhávamos com os rostos cobertos, as “máscaras” da Mímica Corporal Dramática de Etienne Decroux. Ao mesmo tempo, íamos construindo o esboço geral do trabalho e articulando uma cena com a outra. A criação brotava como água que brota da nascente de um rio e era embalada como água que cai da cachoeira num verdadeiro mergulho no mais íntimo de cada um. A consciência criativa foi tomando forma numa concepção agonizante, onde a repressão era o motor de toda a máquina cênica. Uma das cenas que me chamou a atenção foi a da escovação dos dentes. Esta era muito similar às cenas que vemos nas escolas, onde crianças escovam os dentes enfileiradas, padronizadas e sob as regras de comportamento da escola. Dividimos os grupos em equipes para cuidar de figurino, sonoplastia, locação, enfim, engendrando um senso de coletividade que foi compactuado e partilhado na apresentação, onde a obra tomou forma

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no encontro com o espectador. Assim, HO! foi signo que extrapolou os limiares da tortura, pois foi além na sua estética e composição cênica; no modo de alinhar treinamento com processo de criação. Foi um olhar peculiar sobre a disciplina, o patriotismo, o regime militar, a opressão, a dor; todos estes articulados com os diversos modos de agressão que a humanidade cria no percurso de sua existência. Em certo sentido, foi também presságio das atuais manifestações no Brasil. HO!

TEXTO ORIGINAL VENCEDOR DA IX EDIÇÃO DO FECTA (2012)

Ô PUTARIA Rafael Barbosa

PRÓLOGO

“OS PEDANTES” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DONOSO, Marília Gabriela Amorim. O treinamento como processo de investigação do ator-criador. [Dissertação de mestrado]. São Paulo: 2010, Universidade Estadual Paulista, UNESP. JEUDY, Henri-Pierri. O corpo como objeto de arte. Tradução de Tereza Lourenço. São Paulo: Estação liberdade, 2002. MEYERHOLD, Vsevolod. Do teatro. Tradução de Diego Moschkovich. São Paulo: Iluminuras, 2012. MOTTA LIMA, Tatiana. Palavras praticadas: o percurso artístico de Jerzy Grotowski: 1959-1974. São Paulo: perspectiva, 2012. RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. Tradução do inglês de Patrícia Furtado de Mendonça. São Paulo: Perspectiva, 2012

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m cena Melo e Médici, frontais, encarando o público. Os dois totalmente empacotados em terno, calça e gravata.

Médici – “Ô putaria” disse o palhaço na bicicleta ao ver a bicha loira passar com bolsa de couro e tatuagem irritada na perna, com pelos dourados. Todos riram. A “saliência da persona genérica”, disse o humorista na piada e todos permaneceram sérios sem entender enfiando na boca pizza e cerveja bem gelada. Um idiota disse sussurrando da plateia: “Ô putaria!” E todos foram ao riso extremo. Até o humorista que segurava na mão um roteiro elaborado ergueu um sorriso. Baseado nesses fatos, eu afirmo: O nome dessa peça que vocês verão hoje à noite deveria ser: “O desespero do caçador de patos” e não “Ô putaria”.

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Foto: Paloma Pajarito

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Melo – Mas quem vai assistir algo com esse título nessa cidade culturalmente fraca? “O desespero do caçador de patos”. Quem senão os próprios artistas curiosos para saber se, no repertório teatral da cidade, essa peça será tão ruim como a anterior e tão amadora como a posterior? E se os atores terão mal gosto no figurino? Etc. E se o corpo estará flácido em cena junto com a dicção anasalada, se terão problemas técnicos, etc. Médici – Por isso resolvemos substituir o nome da nossa peça que seria “O desespero do caçador de patos” por “Ô putaria”. Ninguém poderá nos criticar mesmo, pois não se julga um livro pela capa. E não é o título que faz a obra. O conteúdo, sempre o conteúdo. E visto que, não estamos na Europa,com esse título poderemos atrair pessoas, dos burgos aos vilarejos, das periferias às aldeotas. É o mesmo que vender o vinil do Beethoven dizendo que ele era um cachorro erudito que sabia tocar. Um cachorro erudito que jogava água fria na cabeça. Com vocês: Ô putaria! (Nona sinfonia de Beethoven, o palco fica mais claro. Médici joga um balde de água sobre a cabeça de Melo).

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CAPÍTULO UM “As duas coisas mais fáceis de se esquecer na vida são: pessoas desinteressantes e guarda-chuvas...” Melo – Dentro do ônibus. Uma mosca pousa no vidro e a velocidade média do veículo faz suas asas balançarem involuntariamente. A mosca está pegando carona, digo olhando pra ele... Uma leve piada: a melhor forma de começarmos um pé de destino, descalço. Depois da cantada, um sorriso constrangido na boca dele. Bigodes ralos nascendo e os pelos do nariz sem fronteiras com os fios sobre a boca e há barba no queixo furado. O ônibus para. Mas a mosca continua fixada no vidro. Uma varejeira de olhos cor vinho. Talvez os pelos ralos dele sejam mais finos que os pelos nojentos sobre a cabeça dela. Por que você diz “ele”? Em sua dramaturgia não podemos falar sobre a relação com uma mulher?

sição às “dimensões apenas estéticas” do teatro. Os primeiros espetáculos encenados – Orfeu em 1959 e Caim, Mistério Bufo e Sakuntala em 1960, marcam o inicio do Teatro das 13 fileiras e a origem dos primeiros conceitos do que viria a ser o teatro pobre, um teatro do desnudamento, por assim dizer. Em Sakuntala buscava-se a produção de “partitura de signos vocais e corporais do ator” e é aqui que se tem registro do inicio da prática do treinamento no teatro de Grotowski. Portanto, o treinamento do ator, a partir das práticas e procedimentos realizados por Grotowski e seus atores, demarcam a constituição de um novo tempo para a arte do ator: a criação pessoal como combustível dos processos criativos pautada numa acentuada investida do corpo. Assim, durante as aulas, começávamos com um aquecimento que exigia vigor e resistência física e, em seguida, partíamos para treinamentos energéticos que desvelavam nossa natureza criadora. Tínhamos como eixo norteador de trabalho a pré-expressividade, que segundo Barba seria: “[...] o nível que se ocupa com o como tornar a energia do ator cenicamente viva, isto é, com o como o ator pode tornar-se uma presença que atrai imediatamente a atenção do espectador, é o nível pré-expressivo e é o campo de estudo da antropologia teatral (Barba, 1995, p. 188). Juntamente com a pré-expressividade, os treinamentos energéticos eram fundamentais para

chegarmos a um estado de produção energética e à elaboração das energias potenciais de cada ator. O treinamento energético não possui regras gerais, a questão é nunca parar para que não haja desperdício da energia produzida e conquistada no momento. Otávio Burnier nos traz: [...] trata-se de um treinamento físico intenso e initerrupto, extremamente dinâmico, que visa trabalhar com energias potenciais do ator. ‘Quando o ator atinge o estado de esgotamento, ele conseguiu, por assim dizer, “limpar” seu corpo de uma série de energias “parasitas”, e se vê no ponto de encontrar um novo fluxo energético mais “fresco” e mais“orgânico que o precedente”. (BURNIER apud DONOSO, 2001, p. 27) Contaminados destas práticas e procedimentos, passávamos pela transgressão e pelo sacrifício, características essas que estão impregnadas pela entrega do ator e presentes no que Grotowski chamava de ator-santo (Motta Lima, 2012). Para ele, o ator-santo era metáfora e, ao mesmo tempo, um direcionamento das investigações realizadas no campo do ator. Segundo ele: “um homem que, através da arte, entra em uma fogueira, realiza um ato de doação.”. (Grotowski apud Motta Lima, 2012, p. 102).

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lo XX que surge a necessidade de preparação do ator que não necessariamente esteja ligada a tradição do texto e do falar bem, como ocorria no século anterior. O trabalho corporal passa a ocupar lugar central na tentativa de orientar uma prática vinculada a investigação do corpo. Segundo Roubine: Se até o fim do século XIX era a personalidade singular e excepcional de um determinado intérprete que se impunha, conforme o caso, contra uma técnica essencialmente constituída de receitas que cada geração herda da anterior e transmite à que se segue, o século XX permitiu ao ator descobrir verdadeiramente a riqueza e a variedade dos recursos e dos meios de que ele dispõe (ROUBINE, 1995, p. 170). É Stanislavski quem dá os primeiros passos para o que viria ser o treinamento propriamente dito, tal qual como conhecemos na contemporaneidade. Além disso, outros mestres contribuíram laboriosamente: Copeau, Meyerhold, Decroux, Grotowski, Barba, dentre outros. Para este estudo, partiremos de Grotowski, pois além de ter sido referencial para a disciplina, é com ele que o treinamento do ator encontra solidez no léxico teatral ocidental. Um homem bastante irrequieto, inimigo de respostas fechadas e instantâneas, Grotowski viveu cada fase de

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suas pesquisas marcada por características peculiares e fruto, evidentemente, das circunstâncias que as envolvia. Para ele, o treinamento era uma prática em que deveria ser revelada a personalidade humana. Apostava num mergulho profundo entre o ator e sua potência criadora, num comprometimento absoluto do corpo, voz, mente e espírito. Aliada a esta precisão, está a fluidez para que não haja apenas a forma. Sobre esta questão, diz Thomas Richards: [...] os dois aspectos mais importantes do processo criativo no teatro, os dois polos que dão a um espetáculo o seu equilíbrio e a sua plenitude: de um lado, a forma; do outro, o fluxo da vida - as duas margens do rio que permitem que ele flua tranquilamente. (RICHARDS, 2012, p.22). São essas duas forças opostas que sustentam o equilíbrio da vida cênica e fornecem ao ator a libertação do corpo de toda resistência sem aniquilar os traços de espontaneidade, potencializando-o para o que Grotowski descreve como ato total, que consiste na criação de um ato artístico e espiritual, onde todo o ser do ator é empregado. Nesse terreno, o inicio da trajetória de Jerzy Grotowski não revela nenhuma ênfase ao trabalho do ator. O ator era visto como parte da mise-èn-scene e havia, ao mesmo tempo, uma opo-

Médici – Vamos tentar. Melo – Era uma mulher no ônibus. Médici - Uma capricorniana de dezenove com bolsa bege sobre o braço meio bronzeado de sol. Uma rebelde peituda que é estudante de enfermagem com o broche do curso técnico fixado no bolso do jaleco, um pé meio atrofiado. Era uma assassina fugindo dentro do ônibus. Sangue no jaleco. Melo - Enfermeiras só são peitudas no cinema, na vida real elas geralmente são barrigudas e andróginas... Melo - Você devia pelo menos mudar o seu repertório enquanto autor e nem sequer mencionar pau, homem, barba, bolas, peitoral definido, prepúcio, abdômen, dê uma chance das pessoas pensarem que os dramaturgos jovens não escrevem apenas sobre veados e seus conflitos psicológicos. Médici - Eu transformo então os fatos. A mulher riu e disse: Onde será que ela vai descer? Melo - Ela quem? Médici - A mosca, ora. Uma piada. Um sorriso meio constrangido a boca dela. Sussurros. Meus pés enfiados em Calvin Klein molhados. A cidade não tem estrutura para chuva. Choveu durante toda manhã e as poças cheias

de líquidos escuros, e os desabrigados amaldiçoando a chuva, e os sedentos por água agradecendo a chuva. O ônibus para numa freada metaforicamente lamentável. Eu e ela vimos a cena pelo vidro. A roda lançou água sobre um senhor grisalho que tinha nas mãos sacolas, era amarelo, meio oriental e no pescoço gesso, e no braço um bracelete. Torcicolo, pensamos. A mosca saiu do vidro num voo. E vimos uma senhora servindo sopa para homens de roupas fedidas e barbas indianas, em filas indianas e paralelas. O porta -malas de um carro aberto. Parece que a mosca veio tomar um pouco desse caldo quente, disse “ele” olhando para meu cotovelo meio ressecado. (Melo irrita-se, e estalando os dentes o encara com ira). Médici - Não me olha com essa cara! Ele, ele, ele. Vamos falar a verdade, se as novelas, os filmes, a mídia, já falam demais sobre amor heterossexual vamos falar sobre o desejo dos veados. Quem vem ao teatro às oito horas não espera ver novela. Trancar a porta gasta a cartilagem dos dedos e eles poderiam estar em casa. Pagar o ônibus podia ser o pão da tarde de amanhã. O teatro é diferente da novela.

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Melo – Idiota! Você está transformando sua “obra artística” em um espetáculo completamente panfletário! Médici – O que você entende sobre isso? Melo – Sei lá, para de se repetir. Escreva sobre algo diferente. Escreva ficção científica: Alienígenas hermafroditas, intergalácticos, bipolares, narcisistas que invadem a terra durante... O período napoleónico, por exemplo. Fomente teatro infantil: Duendes verdes que comem livros com molho vegetariano feito em padarias luxuosas. E morrem. Mas uma professora mágica os salva. Escreva musicais e fique rico, por exemplo. Uma história de Pragas inteligentes e criminosas que devoram plantações de maconha em plena safra. Um homem que vira São Bernardo para gradar seu parceiro. Médici – Você tinha minha ironia, agora tem o meu desprezo. Melo - Meus pés enfiados em Calvin Klein molhados. Na minha cabeça gel azulado, um pouco de suor e caspa no couro cabeludo. Resquício do esmalte não roído nas unhas. E eu dentro de um ônibus num dia de chuva paquerando o cara ao meu lado. Qual o seu nome? Rodrigo, ele diz. Vou descer na próxima, parceiro! Digo batendo de leve em seu ombro tensionado. Entro no escritório que ele trabalha no dia seguinte. Queria falar com Rodriguinho bem dotado. Ele está externo,

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seu horário de almoço vai até as duas, disse a mulher estranha segurando uma pasta chamada “Secretaria de finanças”. Melo – O Ventilador estava girando no teto. A secretária derrubou vinho no chão, fica no piso uma gota de uva. Então, um grito: Eu adoro cachorros! Eu também, exclamou Rodrigo, principalmente São Bernardo, acrescentou. Médici – Rodrigo, vem comer um pedaço de bolo aqui no RH! Acontecia ali a festa dos aniversariantes do mês. Rodrigo entra na sala com um faca cega na mão... Melo - Na mão esquerda! Médici - Esqueça os detalhes!Dramaturgia cheia de detalhes é sinônimo de pretensão. Papel toalha entre a mão e a fatia meio mole. Cheiro de capim-limão, tá sentindo? Melo – Literalmente, não! Médici - Faz mal beber chá nesse tempo de chuvas repentinas, disse a velha peituda da secretaria de finanças. Abandono o departamento e saio me molhando. Compro um guardachuva com desânimo, pois as duas coisas mais fáceis de se esquecer na vida são: pessoas desinteressantes e guarda-chuvas. No último inverno eu perdi cinco? Melo – Cinco guarda-chuvas? Médici – Não! Pessoas... Melo – Que triste isso.

Foto: Tony Benevenut

Foto: Paloma Pajarito

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entendido aqui como o ator que compõe, que é homem da ação e sintetiza sua atuação na urgência de suas experiências corporais, revelando assim, os signos corpóreo-vocais necessários à obra artística. Utilizo-me da noção de performer ancorado em Grotowski por uma questão teórico-metodológica, no entanto, existem outras denominações equivalentes, como o ator-criador e ator-compositor. A primeira pode ser encontrada em pesquisas do ator Renato Ferracini do Grupo Lume Teatro e a segunda, em Matteo Bonfitto, docente do departamento de Artes da Unicamp-SP. Além disso, por utilizar da perspectiva grotowskiana para investigar a noção de treinamento do ator, seria prudente equalizá-la com o termo ator-performer. Portanto, foi a partir desta noção – que expressa maior poder de autonomia ao ator – que investigávamos nos-

sas criações e exercíamos nossa práxis teatral através do treinamento do ator durante as aulas e, posteriormente, ao criar HO!. A partir de agora, discutiremos a questão do treinamento do ator. A expressão “treinamento do ator” pode abarcar diferentes objetivos e significados de acordo com o contexto em que se insere. Esse treinamento pode se organizar de inúmeras maneiras e seguir as mais distintas metodologias Ele pode ganhar diferentes conotações, pois pode estar atrelado ao pensamento específico de um grupo, às necessidades dos artistas e de escolhas estéticas que se circunscrevem a determinadas ocasiões. Ao mesmo tempo, observa-se que há uma relação direta entre o desenvolvimento das habilidades do ator e à cena, o que evidencia também que o treinamento é um meio para articular técnicas com o desenvolvimento de habilidades. São nas primeiras décadas do sécu-

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poder de sedução do corpo revela sua estetização e a multiplicidade de imagens e representações que ele provoca. Sua vitalidade está em realizar constantes trocas e propor modos de expressão e subjetivação que trazem à tona as ações do artista cênico, que calcado na metáfora como um elemento de modificação, propõe uma leitura do corpo como objeto de arte. Essa visão dialoga com o estudo do sociólogo francês Henri-Pierre Jeudy, em o corpo como objeto de arte, onde os sentidos do corpo são a tônica que está presente na irrupção da estranheza radical do disforme, do “surreal”, da alteridade que promove uma habitação mútua dos corpos. Em outras palavras: “Meu corpo é habitado por outros corpos, ele é heterônimo.” (Jeudy, 2005). Nessa perspectiva heterônima, habitávamos um ao outro durante as aulas da disciplina ator-performer. Ainda sobre o universo do corpo, é possível dizer que desde as antigas práticas de mumificação do cadáver até as atuais modificações do corpo – sejam elas concernentes à arte ou não – sempre houve práticas voltadas à sua transformação. O trabalho de esculpi-lo se alia ao objeto de arte e amplia seu leque de imagens, de possibilidades. No território do teatro encontramos em Meyerhold: “o artista da cena é o mesmo que o escultor ante uma massa de argila de barro: ele deve concretizar de

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forma tátil o mesmo conteúdo que o escultor (...).”. (Meyerhold, 2012, p. 60). Assim, nosso trabalho é permeado por uma artesania minuciosa e que resguarda as sutilezas particulares do processo criativo no teatro. Este é o nosso esculpir, por assim dizer. Sem nos determos profundamente à obra de Jeudy, pois não é este nosso intuito, o essencial que podemos detectar e incorporar a esta escrita é que, enquanto atores interessa-nos descobrir, em cada um de nós, essa “estranheza radical”, esse disforme do corpo e transmutar-se. Foi assim nos encontros e nas aulas, mas como faríamos essa travessia, esse mergulho? Seria somente a partir do treinamento do ator? Como se constitui o treinamento do ator como processo de criação? E o que está por trás da noção de ator-performer? No universo teatral, a potência criadora do corpo contém em si a poesia do movimento, que acionada pela criação do ator, materializa-se no encontro com o espectador, provocando momentos memoráveis. Momentos estes de fruição e experiência estéticas. Essa potência criadora do corpo ocupa lugar fundamental no trabalho do ator-performer. Sobre a noção de performer, o diretor polonês Jerzy Grotowski nos traz: “O Performer, com maiúsculo, é um homem de ação. Não é o homem que faz a parte do outro (que representa). É o dançante, o sacerdote, o guerreiro: está fora dos gêneros estéticos”. (Grotowski, 1987, p. 1). O ator-performer, portanto, é

CAPÍTULO DOIS “Relacionamentos são como vasos sanitários quanto mais se tenta desentupir, mais eles fedem” Médici – O guarda-chuva é apenas oito reais, disse o moleque olhando pro cadaço úmido do meu Calvin Klein. Melo – Certo, você está conseguindo escrever algo muito autobiográfico, coisas de veado. Então, ainda nesse caminho criativo, posso te fazer algumas perguntas? Médici – Tudo pela arte! (Médici vira-se de costas) Melo - Você trai muito sua namorada com esses homens que você conhece nos ônibus e outros locais públicos? Médici – Literalmente, sim! Melo – O que você ia fazer naquele dia, quando pegou o ônibus e conheceu o Rodrigo e falaram sobre a mosca que pegava carona para tomar sopa? Médici – Isso é necessário? Melo – Literalmente, sim!

Médici – Não me lembro desse dia. Melo – (Gritando) Mentiroso! Médici – Juro pela arte! Melo - Era um dia de chuva. Seus pés estavam enfiados em Kelvin Klain molhados, gel azulado na porra da cabeça. Ele falou algo sobre cachorros, Beethoven e barbas indianas. Médici – Eu sinceramente não me recordo... Melo - Uma capricorniana de dezenove com bolsa bege sobre o braço meio bronzeado de sol. Uma rebelde peituda que é estudante de enfermagem com o broche do curso técnico fixado no bolso do jaleco, pé meio atrofiado. Médici – (Virando-se) Enfermeiras só são peitudas no cinema, na vida real elas geralmente são barrigudas e andróginas... (Rindo) Lembrei. Naquele dia eu ia caçar patos. ( O cadáver de um frango cai sobre o palco). Melo – (Chorando) Eu te odeio, Rodrigo! Sentado no seu restaurante favorito comendo peixe cru e se sentido

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superior por saber que as pessoas mais inteligentes são aquelas que comem carne de peixe. Hoje eu percebo o quanto sou burro, eu gostava de chupar o seu pau, de enfiar a minha língua na sua bunda, com você eu me sentia uma puta, você chupando o meu peito, gozando dentro de mim. Se eu tivesse comido mais peixe na minha vida, seria mais inteligente e não teria tomado a atitude estúpida de te desprezar... Você me alertava: Relacionamentos são como vasos sanitários, quanto mais se tenta desentupir, mais eles fedem. Às vezes deitado sobre a cama sinto você passando dentro de casa, fico com uma vontade enorme de dar o rabo, de foder gostoso contigo. Médici – (Batendo nele com força) Para com isso, seu vulgar! Você quer que as pessoas pensem que eu quis dar uma de Plínio Marcos? Melo – Ele me esqueceu, eu fui um guarda-chuva na vida dele. Pois as duas coisas mais fáceis de se esquecer na vida são: pessoas desinteressantes e guarda-chuvas. Eu queria ser uma cadela, isto é, um São Bernardo. Melo fica agarrado fazendo sexo com a perna de Médici. Médici corre para a coxia feito cachorro e volta com frango na boca. Médici – Qual o seu nome? Por favor, me ajuda, eu não posso mais viver dessa forma. (Melo começa a lamber seu rosto) Existe um bicho morando dentro de mim e eu preciso evitá-lo. Não consigo escrever, não sei se devo

falar sobre veados e me sentir pleno, ou escrever sobre mulheres e me sentir o pior dos mentirosos. Não sei se devo me expor na minha dramaturgia, assim de forma tão escancarada. Estou confuso. A obscuridade me consumiu. Estou me tornando uma pessoa desinteressante, um guarda-chuva esquecido num canto qualquer, no banco de um ônibus, num banco de praça. A única coisa que sei é: meus pés enfiados em Calvin Klein molhados. Eu sou um cachorro. Na minha cabeça gel azulado, um pouco de suor e caspa no couro cabeludo. Resquício do esmalte não roído nas unhas. Qual o seu nome? (Melo não responde) Qual o seu nome? (Gritando desesperando batendo nele) Qual o seu nome, idiota? (Chorando) Qual o seu nome? Qual o seu nome? Qual o seu nome? Eu estou desesperado! Qual o seu nome? Qual o seu nome, por favor? Melo – Beethoven! Nós só quisemos dizer uma coisa com essa peça. Vender teatro nessa cidade é o mesmo que vender o vinil do Beethoven dizendo ao matuto que ele era um cachorro erudito que sabia tocar piano. Um cachorro erudito da “Sessão da tarde” que jogava água fria na cabeça antes de compor suas canções. Médici – Ô putaria! (Melo joga um balde de água sobre Médici. Entra Nona sinfonia de Beethoven). Rafael Barbosa. Janeiro de 2012

O ATORPERFORMER E A NOÇÃO DE TREINAMENTO DO ATOR NO EXPERIMENTO CÊNICO HO! LIMA, Guilherme Bruno de1

Esse estudo aborda as noções de ator-performer e de treinamento do ator na composição do exercício cênico HO!, apresentado à disciplina ‘ator-performer’, vinculada à Licenciatura em Teatro do Instituto Federal do Ceará. O treinamento, bastante difundido nas últimas décadas no teatro ocidental, configura-se como um processo de investigação de movimento do corpo na busca de uma poética do ator e da criação da obra cênica. Ao mesmo tempo, a dimensão do performer oferece ao ator uma ampla gama de possibilidades, na medida em que, expande sua autonomia sobre si mesmo e sobre o processo criativo. Ambas as noções foram alicerce para criar HO!, um trabalho cuja temática girava em torno da tortura e das distintas formas de opressão. Esta pesquisa, portanto, tem o propósito metodológico de entrelaçar estas noções ao processo criativo de HO! a partir do olhar do pesquisador através das vivencias em sala, de considerações presentes na obra O corpo como objeto de arte, de Henri-Pierre Jeudy, e num recorte da noção de treinamento e de performer na perspectiva de Jerzy Grotowski. Palavras-chave: Treinamento do ator; dramaturgia do corpo; processo de criação; poéticas do ator; ator-performer. 1

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Bolsista CAPES-PIBID-IFCE, Licenciando em Teatro pelo IFCE JULHO 2013 | DOCCENA

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Trazer esse conhecimento aos jovens é lhes apresentar a possibilidade de interação, incentivando assim à prática do Teatro, afim de que sejam direcionados ao estudo teatral, junto à suas realidades e suas raízes. Ao estimularmos a criação de experimentos que contenham um processo de montagem consciente e com um alicerce artístico amadurecido, vislumbramos a possibilidade de promover o autoconhecimento através da Arte. O processo criativo teve como resultado o experimento Ensaio da Vida Real, onde estavam presentes suas individualidades, percebia-se em seus corpos e falas o quanto tinham a demonstrar sobre suas vidas e que acreditavam ser capazes de transformá-la. Como primeiras conclusões percebemos que a abordagem desenvolvida, através de temas geradores, proporciona proximidade entre educador e educando e que pode servir para outros educadores e grupos de teatro que queiram realizar essa problematização sociocultural de forma reflexiva.

NO LIMIAR DA TÉCNICA: REFLEXÕES INICIAIS SOBRE O CONCEITO DE JOGO NO TRABALHO DO ATOR SOUZA, Henrique Bezerra de

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: FREIRE, P. Educação e Mudança. Tradução de Moacir Gadotti e Lillian Lopes Martin. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação. 14ª ed. São Paulo: Cortez ditora, 2005. MARTINS, Marcos Bulhões – Encenação em Jogo: experimento de aprendizagem e criação do teatro. São Paulo: Hucitec, 2004. FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. OLIVEIRA, M. K. Teorias psicogenéticas em discussão. 5ª. ed. São Paulo: Summus, 1992. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984 PEDROSA, Mario. Utopia Obra de Arte. São Paulo: Perspectiva, 1981.

A partir da observação do uso recorrente da palavra “jogo” na minha prática teatral e experiência em sala de aula, o presente artigo apresenta as questões iniciais sobre o impacto deste conceito no ofício do ator. Para isso, questiona o local da técnica no trabalho do artista, defendendo que ela não deva ser vista como o objetivo final, mas como elemento de acesso para os meios expressivos que serão requisitados na cena. A partir das reflexões do filósofo Johan Huizinga a respeito do jogo, verificam-se semelhanças entre o conceito e a prática teatral, apontando as possíveis implicações que as relações estabelecidas pelo jogo e a cena podem implicar no trabalho do ator. Palavras-Chave: ator; teatro; jogo; técnica.

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or mais que esteja ensaiado, o espetáculo teatral é um acontecimento instantâneo que acontece na relação com o público. Diferentes espectadores, espaços e períodos provavelmente influem de maneiras distintas no acontecimento espetacular. Nesta perspectiva, mesmo que tenha sido programada rigorosamente, a obra artística comporta certo nível de improviso, na medida em que se adapta as novas condições em que é apresentada; como aponta Sandra Chacra: A natureza momentânea do teatro já prefigura, por si só, um caráter improvisacional na obra acabada. Por mais preparado, ensaiado e pronto, o teatro no seu grau máximo de cristalização – embora passível de reprodução – ainda assim ele não é capaz de se repetir exata e identicamente do mesmo jeito, por causa do fenômeno, cujo modo de ser é a comunicação momentânea, “quente”, ao vivo, e cuja efemeridade leva a um defeito estético também transitório. (CHACRA, 1991, p. 15) Sob esta ótica, até nas estéticas mais tradicionais encontra-se espaço para o improviso e jogo do ator. Entretanto, curiosamente, ao observar os programas de formação de atores em escolas e universidades, noto uma tendência à valorização técnica que, a meu ver, parece aproximar as artes das ciências exatas, apontando métodos e modos de fazer “confirmados” pela história do teatro. A técnica é extremamente

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importante no ofício do artista; ela oferece subsídios, pontos de partida e meios com os quais trabalhar, mas não deve ser a única preocupação do ator. Como defende Ximenes, se a arte fosse “[...] uma receita de bolo a seguir, se não tivesse o toque das emoções, das sensibilidades, das criatividades individuais, seríamos todos geniais artistas.” (XIMENES, 2010, p. 89). A palavra “técnica” traz a ideia de um processo que visa alcançar algo. Ela encerra em si procedimentos para o alcance de um objetivo, é o meio para se operacionalizar alguma coisa, quer seja a transformação da matéria ou os estados afetivos de uma audiência. Vendo desse modo, ela é um caminho, um processo para o alcance de um objetivo e não o objetivo em si. Pouco adianta ao indivíduo ser dotado de um arsenal técnico se ele não sabe o que quer alcançar. Por meio dela diminui-se o “abismo” entre o que se aspira e o que se realiza de fato. De acordo com Burnier (2009), caso exista apenas o desejo, mas o ato não é realizado, não se tem uma obra artística, mas uma ideia que poderia ter sido concretizada. Do mesmo modo, caso exista apenas a técnica sem o impulso criador, tem-se apenas uma reprodução mecânica de alguma coisa, não há criação, mas simplesmente reprodução. Então, para ele: A técnica de ator não deve ser apenas físico-mecânica, como a de um halterofilista, mas humana, em-vida,

Nós mediante tal procedimento elegemos “temas geradores”, temas comuns ao interesse a vivência sociocultural dos educandos, no cas da Escola Estado da Bahia estes temas foram: violência, bulling e sexualidade. Tendo estes como ponto de partida para a criação cênica criou-se um experimento cuja descrição segue abaixo. Importante também o princípio da criação através de fragmentos no qual Bulhões se utiliza em seu mestrado para a criação dramatúrgica de um experimento pedagógico, foi-nos útil para a inspiração do procedimento. Segue a descrição do procedimento: 1- Em disposição circular, falamos sobre como existiam músicas, poesias e frases soltas que tinham importância nas nossas vidas. Comentamos que esses fragmentos ao serem tocados ou falados nos remetiam a momentos e sentimentos guardados. 2- O educador cantou uma música e comentou sobre como se emocionava ao cantá-la. Posteriormente pediu que cada educando presente fizesse o mesmo. 3- O condutor distribuiu folhas e lápis para cada educando e pediu para que juntos anotassem uma sequência para as frases soltas que foram ditas. 4- O material levantado foi colado, de forma que por iniciativa do educando fosse criada um texto composto dos fragmentos de músicas e poesias recitadas, resultaram no seguinte

texto, o qual foi a base para o desenvolvimento do experimento teatral O ensaio da vida real: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanha, porque se você parar pra pensar na verdade não há! Pois ninguém pode voltar e criar um novo início, mas todo mundo pode começar hoje e criar um novo final. Quero ser como uma criança, te amar pelo que és, voltar a inocência e acreditar em ti. Deixe o povo falar, o que é que tem? Eu quero ser lembrado com você. Isso não é problema de ninguém. Eu sei, superar é preciso, seguir em frente é essencial, olhar para traz é perda de tempo. Passado se fosse bom era presente. Se me amas junta-se a mim, se odeias entra na fila, afinal, amo quem me ama, quem me odeia exploda. O amor é infinito, o ódio não é preciso e minha vida não diz respeito a ninguém. Só não diz que sou tudo que sonhou te dei a minha vida, faz dela o que bem quer, só não faz sofrer quem te ama. E por mais que me falem não vou desistir, eu sei que nada sou por isso estou aqui.”

O texto gerado foi emitido de forma apropriada de seus significados, ocorreu assim um início de empodramento do discurso.

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INTRODUÇÃO

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presente pesquisa tem como objetivo formação e transformação, o foco sempre esteve principalmente na formação de parâmetros culturais, tendo em vista que a influência da sociedade, costumes e tradições, afetam o trabalho cênico. Fundamentando-se então nas ideias de Vigotski a respeito da interação social e da arte no desenvolvimento humano, caracterizamos o seu desenvolvimento e transformação do indivíduo. Com interesse nas questões acima descritas, pesquisamos nas atividades desenvolvidas no Projeto PIBID1 sobre como as relações sociais histórico do meio onde os educandos estão inseridos e a construção de sua identidade está intimamente ligada com as questões de ordem política, econômica e social dos cidadãos. Através deste, desenvolvemos um procedimento com base nos principios de construção dramaturgica de Bulhões e das palavras geradoras de Paulo Freire, tendo suas etapas de execução adaptadas ao ensino de teatro.

DESENVOLVIMENTO O método Paulo Freire leva em consideração as individualidades, desenvolvendo uma pesquisa junto aos educandos e elegendo “palavras geradoras”. Freire propunha palavras próximas ao meio do educando como forma de aproxima-los do processo de compreensão da escrita e do seu mundo a sua volta. 1 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência de Teatro na URCA – Universidade Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte, Ceará. # 54

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ou seja, algo que lhe permita A NATUREZA sentido e enriqueça o estabelecer um elo comuseu trabalho. nicativo entre o humano Diante destes aponMOMENTÂNEA em sua pessoa e o que seu tamentos percebe-se corpo é e faz e, ao articular que a técnica tem imDO TEATRO JÁ esse processo, projetá-lo, portância, mas somente comunicando-o para seus PREFIGURA, POR SI sua execução parece espectadores. A técnica de não ser suficiente para ator, portanto, só existe, ao SÓ, UM CARÁTER compor o ato artístico. nosso ver, na medida em Nesta visão, a prática que abre caminhos para um IMPROVISACIONAL do ator comporta ouuniverso eminentemente tros elementos além do humano e vivo, tanto para o aprendizado de técniNA OBRA ator quanto para o espectacas, mas quais elemendor. Do contrário, ela seria tos são estes? ACABADA. apenas ginástica a preparar o Para tentar responder corpo para uma atividade puramente esta pergunta talvez seja interessante física, na qual os aspectos humanos e observar as origens do teatro. O hosubjetivos estariam resguardados ou mem primitivo, ao sentir necessidade adormecidos. (BURNIER, 2009, p. 25) de narrar seu cotidiano, fez pinturas, Deve ser uma técnica-em-vida desenhos, danças e representações. (BURNIER, 2009), algo que carregue Isto não era fundamentado exclusivaem si aspectos pessoais do ator que a mente em técnicas, mas em uma neexecuta, lhe atravesse. Em uma entre- cessidade de criar metáforas da realivista realizada em Belo Horizonte no dade, um jogo de imagens, palavras e Encontro Mundial das Artes Cênicas sons que representassem o que foi vide 2011 (ECUM), Thomas Richards1 dis- vido. Ao criar equivalentes expressivos se algo semelhante ao afirmar que não que representassem o que aconteceu, adianta copiar as técnicas dos mestres o homem cria um mundo de possibipara reproduzi-las, pois estas tradi- lidades, estabelece convenções que ções estão mortas e, caso houvesse são compreendidas e interpretadas mera reprodução, se teria apenas uma através do jogo. Na visão de Huizinga: Na criação da fala e da linguagem, demonstração da técnica morta. Elas eram vivas para aqueles mestres, para brincando com essa maravilhosa faculaquelas pessoas, naquele período e dade de designar, é como se o espírito local. Cabe ao ator, dar vida a esta estivesse constantemente saltando técnica e fazer com que ela lhe faça entre a matéria e as coisas pensadas. 1 Discípulo direto do diretor polonês Por detrás de toda essa expressão Jerzy Grotowski. JULHO 2013 | DOCCENA

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abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um mundo poético, ao lado da natureza. (HUIZINGA, 2010, p. 7) Nesta ótica, ao criar metáforas de uma realidade, encontra-se a possibilidade de que o teatro não esteja fundamentado só em técnicas, mas também em atividades lúdicas, como sintetiza Chacra: “Em suas origens, o teatro [...] era um jogo sagrado ou um ritual lúdico.” (CHACRA, 1991, p. 56). Na tentativa de compreender melhor o conceito de “jogo” recorro novamente a Huizinga, o filósofo defende que dentro do espaço de jogo existem regras específicas que, muitas vezes, diferem das que vigoram fora dele. Existe um empenho real, uma tensão nos jogadores, algo está acontecendo e pode mudar a vida dos envolvidos. Apesar de tudo, tem um caráter lúdico, portanto é descompromissado; o jogo não é realizado somente em favor de um objetivo a ser alcançado. Além disso, seu tempo e espaço são limitados. O indivíduo, ao jogar, vive uma situação de tensão real ao mesmo tempo em que sabe que está em uma “realidade inventada”, “[...] quase chega a acreditar que realmente é esta ou aquela coisa, sem, contudo perder inteiramente o sentido da realidade habitual.” (HUIZINGA, 2010, p. 17). Estas características em muito se assemelham com a cena teatral.

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Ambos acontecem dentro de determinados limites de espaço e tempo, são realizados voluntariamente pelos seus envolvidos, possuem regras específicas e, de certa maneira, são descompromissados, têm fim em si mesmo e carregam uma tensão real para todos os envolvidos. No teatro, a cena é uma situação que exige um empenho real do ator, mas o artista não se “desconecta e se transporta para outro mundo”. A representação, por mais legítima que possa parecer, é feita para um público, e, tendo consciência disso, o ator dificilmente esquece da realidade habitual. Desse modo, encarar o trabalho do ator como um jogo pode trazer contribuições interessantes, como reitera a atriz e pesquisadora Meran Vargens: Com todas as implicações que existem na atitude de incorporação presente na estrutura do trabalho do ator, considerá-la um jogo, trabalhá-la na perspectiva de entrar e sair do jogo, do faz de conta associado ao espírito da criança, facilita o caminho. (VARGENS, 2010, p. 153) Quando observo artistas cômicos populares, acredito que eles possuem um repertório de técnicas apreendidas no decorrer do ofício. Porém, parecem estar sempre dispostos ao que o ambiente pode oferecer, estão em jogo com o público e os outros atores que compõem o número; a técnica destes artistas não condiciona o jogo de cena, mas parece estar a

A IMPORTÂNCIA DA IDENTIDADE INDIVIDUAL NA CRIAÇÃO DO EXPERIMENTO TEATRAL: O ENSAIO DA VIDA REAL. ALENCAR, Elyzangela Fernandes1 RODRIGUES, Marcio Alessandro Nunes2 A presente pesquisa criou e refletiu sobre um procedimento de pedagogia teatral, que levasse em consideração a construção sociocultural do indivíduo para a construção de partituras cênicas. Foi desenvolvida nas atividades do Projeto PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência de Teatro na URCA – Universidade Regional do Cariri, em Juazeiro do Norte, Ceará. Para tanto desenvolvemos uma pesquisa-ação na Escola Estado da Bahia. Na busca de procedimentos de criação, trabalhamos com a abordagem dos fragmentos para construção dramatúrgica de Marcos Bulhões e uma adaptação dos princípios da palavra geradora de Paulo Freire. Como primeiras conclusões observou-se a aproximação educador e educando e as possibilidades de problematizar e conscientizar os educandos sobre o meio sociocultural no qual estão inseridos. Palavras-chave: identidade; pedagogia teatral; processos de criação teatral. 1 Autora, Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Teatro na URCA – Universidade Regional do Cariri – Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau 2 Orientador, Professor Mestre do Curso de Licenciatura Plena em Teatro na URCA – Universidade Regional do Cariri – Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau JULHO 2013 | DOCCENA

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O uso da máscara impõe uma particular gestualidade: o corpo movimenta-se e gesticula incessante e completamente, indo sempre além do mero balançar de ombros. Por que? Porque todo o corpo funciona como uma espécie de moldura à máscara, transformando sua fixidez. São esses gestos, como ritmo e dimensão variável, que modificam o significado e o valor da própria máscara. (FO, 2004, p. 53) O Arlecchino, por exemplo, é esperto, rápido e faminto como um gato e molenga e saltitante como um macaco. Sua máscara possui bochechas de quem estar sempre com fome e é essa fome que faz com que sua máscara ganhe um segundo elemento; um ponto vermelho na testa que representando a pancada que levou ou que vai levar de seu patrão por suas traquinagens em busca de comida ou dinheiro. Ela possui todos esses traços por que: “É impossível articular caretas, expressões bizarras ou piscadelas quando estamos usando a máscara. Ela não permite nenhuma mobilidade facial.” (FO, 2004, p. 64), ou seja, a máscara apoia toda a “magia do vestir o personagem”. Todos esses elementos da Commedia dell’arte eram pensados para fortalecer seu caráter cômico e facilitar um rápido entendimento. Seu público nem sempre era o mesmo então tinham que buscar técnicas diferenciadas para atrair a # 52

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atenção das suas plateias. Esse “Grito Visual” ainda hoje é estudado por vários pensadores do teatro ocidental e do uso das máscaras. Alguns sistematizaram um conjunto de normas técnicas e pedagógicas para esse conhecimento e para o uso dessas ferramentas. A escola de Jacques Lecoq é uma grande referência no estudo das máscaras. Lá o ator tem a possibilidade de estudar as variedades de máscaras e finaliza sua formação explorando o que muitos chamam de a “menor máscara” do mundo, a do palhaço! REFERENCIA BIBLIOGRAFICA: CONTIN, Claudia. A Maquiagem e o Rosto sob a Máscara da Commedia dell’arte. Tradução: Aline Castaman. São Paulo. 2010. FO, Dário. Manual Mínimo do Ator. Tradução: Lucas Baldovino e Carlos David Szlak. Senac São Paulo. 2004.; FREITAS, Nanci de. A Commedia Dell’arte – Máscaras, duplicidade e o riso diabólico de arlequim. Rio de Janeiro. 2008. LECOQ, Jacques. O Corpo Poético: Uma Pedagogia da Criação Teatral. Tradução: Marcelo Gomes. Senac São Paulo. 2010; LEITE, Vânia. As Máscaras na Commedia

serviço dele. É como se, tais recursos viessem fruto do ato de jogar; dispostos a viver a brincadeira, estes atores populares encaram as incertezas do momento presente e vivem os “rasgos de intuição2 ” (HUIZINGA, 2010, p. 131) que trazem em seu forro os elementos técnicos necessários para a execução da tarefa. Antes da técnica, o artista está inserido na cena, que por sua vez, pode ser vista como um jogo entre atores e público; é através deste jogo que o profissional se serve de seu domínio técnico e potencializa seu ofício. De certo modo, arrisco dizer que estar em jogo une todo o trabalho do artista. As resoluções das questões do jogo funcionariam como iscas para os rasgos de intuição que trariam em seu forro os aparatos técnicos do ator. Não há a supremacia de um elemento sobre outro, mas uma teia de relações entre a ludicidade e o domínio técnico. O artista se aproveita destes conhecimentos para desenvolver seu estado de jogo. Evoco aqui a imagem de um 2 Para Huizinga, os jogadores não chegam a solução dos problemas impostos pelo jogo através de um encadeamento racional de ideias, mas sim como consequência do ato de jogar.

rio. O jogo e todas as suas características seriam as águas que correm, o fluxo vital. Já a técnica seria representada pelas margens deste rio, sua estrutura. Caso não houvesse água correndo, não se teria um rio, mas sim um buraco, um canal sem vida. Do mesmo modo, sem as margens o rio não existiria, seria apenas água espalhada aleatoriamente sobre o solo. Só com a união equilibrada dos dois, o rio pode existir. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica a representação. Campinas, SP: Unicamp, 2001. CHACRA, Sandra. Natureza e sentido da improvisação teatral. São Paulo: Perspectiva, 1991. HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva. 2010. VARGENS, Meran. A verdade em jogo ou os papéis da palavra verdade no jogo do faz de conta. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n 24, p. 149-165, 2010. XIMENES, Fernando Lira. O ator risível: procedimentos para cenas cômicas. Ceará: Ed. Expressão Gráfica, 2010.

Dell’arte. Projeto Mímicas – São Paulo. 2008; NERO, Cyro Del. Máquina Para os Deuses. Senac São Paulo. 2009.

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Arte: Megatruh

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EXUPÉRY E ARTAUD O SONHO E A PESTE COMO PRINCÍPIOS DE UM PROCEDIMENTO DE CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM. LOPES, Cleilson Queiroz1

1 Estudante do curso de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Regional do Cariri – URCA. Regularmente matriculado no quarto semestre. Ator da Companhia Ortaet de Teatro da cidade de Iguatu- Ce.

homogêneo, mas observandose mais atentamente, percebese que uma das cabras, no lugar de possuir patas com cascos, apresenta pernas e pés humanos. (FO, 2004, p 31)

personagem” (CONTIN, 2010, p 19). Diferente daquela que era utilizada no teatro grego onde na região da boca tinha uma grande abertura que servia como um grande megafone projetando a voz do ator.

No teatro existem vários tipos de máscaras. Algumas exercem um papel mais pedagógico do que artístico/ cênico como, por exemplo, a máscara neutra trabalhada na escola de Jacques Lecoq. Nesse trabalho inicial o ator a usará para tentar atingir um estado de neutralidade inicial para depois projetar uma ação direta e expressiva.

Não devemos nos esquecer da vastidão do teatro grego, com capacidade para receber até vinte mil espectadores. A voz é projetada e amplificada devido à forma de funil da boca escancarada. Todas as máscaras são fabricadas de maneira que cada forma em seu interior possa contribuir, por meio das cavidades (externamente, revelando-se como protuberâncias), para produzir vibrações sonoras particulares e variadas. (FO, 2004, p. 44)

Esse objeto colocado no rosto deve servir para que se sinta o estado de neutralidade que precede a ação, um estado de receptividade ao que nos cerca, sem conflito interior. Trata-se de uma máscara de referência, uma máscara de fundo, uma máscara de apoio para todas as outras máscaras. (LECOQ, 2010, p.69) Já na Commedia dell’arte os artistas fazem uso da chamada meia-máscara. Elas recobriam parcialmente o rosto do ator deixando expostos sua boca e seu queixo. Possuía linhas grotescas no couro servindo como um elemento de pré-expressividade apoiando o que alguns estudiosos chamam de “motivo psicológico expressivo da

Porém existem alguns fatores nas máscaras, e na Commedia dell’arte não seria diferente, que podemos dar uma atenção diferenciada. Muitas possuem traços com características zoomórficas. No Arlecchino a máscara possui uma mistura de gato e macaco, no Capitano de mastim e perdigueiro, no Pantalone de peru e galo. Esses traços que a máscara possui são signos que informam sobre quem são os personagens, como se movimentam pelo espaço e quais são suas características sociais.

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Nessa cena previamente o público identificará os traços morais e sociais de cada personagem. Suas máscaras, seus figurinos e suas partituras corporais serão suficientes para que o público seja atingido por um grande fluxo de informações visuais que nessa pesquisa intitulei como “Um Grito Visual”. Esse título sugere a força expressiva desse gênero e das suas alegorias que representam dentro das encenações não só uma grande capacidade estética, mas também revela um pensamento técnico fundamental para a comédia. Por exemplo, na cena citada anteriormente, quando Pantalone entra a plateia logo identifica a sua avareza, entende que ele é um personagem velho, pão duro e muito saliente; depois entra Brigante (LECOQ, 2010, p.172) perguntando por seu dinheiro e logo o público começam a pensar de que forma ele sairá desta situação. Possivelmente inventando uma dor, um esquecimento, até mesmo um infarto ou qualquer outra situação repentina que fizesse Brigante (LECOQ, 2010, p.172) esquecer o motivo de sua visita ou ir embora. Os personagens da Commedia dell’arte vivem uma dualidade intensa e contraditória e isso sempre os coloca em situações adversas. “Arlequim é, ao mesmo tempo, ingênuo e malicioso, o Capitão é forte e medroso, o Doutor sabe tudo e não conhece nada,

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Pantalone é, ao mesmo tempo, chefe da empresa, senhor de si e totalmente louco no amor.” (LECOQ, 2010, p. 173) Dentro dessa perspectiva a máscara é um dos elementos mais representativos desse gênero e de toda à história do teatro. Elas são encontradas em muitas culturas e estão espalhadas pelo mundo. Possuem uma grande capacidade de comunicação e também transmitem a história de vida de seu povo. “Certamente, é na origem da história humana que encontramos as máscaras e, com elas, o transvestimento.” (FO, 2004, p. 31). A relação do homem com a máscara é antiga e existem várias formas dela acontecer. Em algumas culturas serve de objeto ritualístico em culto aos deuses, como nas dionisíacas, na Grécia Antiga, onde os homens fantasiados de bode celebravam Dioniso, em outras serve de objeto festivo ou decorativo, mas quase sempre presente. Um dos mais antigos testemunhos do uso da máscara data do período terciário, gravado nas paredes da gruta des deux frères, localizada nos Pirineus, na vertente francesa. É uma cena de caça. A pintura, com seus traços de grande agilidade, mostra um rebanho de cabras selvagens pastando. À primeira vista, o grupo parece

O presente trabalho parte necessidade de um procedimento pautado na construção da personagem O Pequeno Príncipe de Antonie de Saint Exupery (2001). Construir uma personagem que representa pureza inocência e verdade em suas indagações filosóficas e com isso criticar o homem contemporâneo na sua pressa por tempo e dinheiro. O problema apresenta-se quando preciso reencontrar-me com as minhas origens, com a minha infância e distanciar-me deste mundo onde tudo ocorre ao mesmo tempo e cada vez menos se percebe o que passou. É a partir daí que inicio uma pesquisa bibliográfica pautada na filosofia de Antonin Artaud (2006), sobre a necessidade de submissão do sonho e da peste na construção Teatral. Nestas percepções, construo a personagem reencontrando o príncipe em mim, que não é tão grande ou pequeno, mas carregado de memórias e lembranças que se tornam o alicerce da construção. Como conclusão, percorro um caminho que até então não tinha experimentado no Teatro, mas que me torna mais sensível numa constante de construções e destruições entre a memória que desperta o sonho e a peste. Palavras-chave: sonho, peste, personagem.

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ergulho nos sonhos de um menino de oito anos que vivia entre a imaginação e a fantasia de um planeta pequeno na cidade de Iguatu – Ce. Ele corria de um lado para o outro de sua rua como se cada casa formasse um mundo distinto Para ele era assim: planetas distintos, grandes, pequenos de formas diversas e várias cores. Era o mundo deste menino. Era o seu abrigo, seu castelo com dragões que cuspiam fogo e batalhões que faziam a sua segurança. Era o seu conto de fadas repleto de terras do nunca. Tijolos amarelos, capas vermelhas onde mares revoltosos vez ou outra compunham seu cenário. Era o seu espaço de viagens, de fantasias, de imagens, de céus que ele tingia com os dedos na cor azul. Esse menino não era um príncipe tão pequeno assim, ou mesmo tão grande. As vezes eu paro, e acho que um dia ele pode ter sido eu, com mais riqueza de detalhes. Que ele poderia não ter se perdido, e se ele se perdeu, onde estaria. Esse artigo não tem nenhum motivo se não for a busca deste possível eu perdido, que vou tentar encontrar agora. “Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe” (EXUPÉRY, 2001, p. 7). - Ô menino, desce deste pé-de-pau. Preciso ver você. Volto do passado como ultima chance de um grito e escuto somente o silêncio. Estou novamente

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no “presente”, ou no passado muito próximo. Moro fora da minha cidade natal e longe dos meus pais que me fazem falta. Estou numa cidade chamada Juazeiro do Norte, dentro de um espaço que os homens chamam de Universidade. Chamam-na mais especificamente de Curso de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Regional do Cariri – URCA. Onde sou estudante e ator. Mas qual é realmente o espaço ao qual me insiro? Parece que quanto mais este menino se distancia de mim, mais fico inseguro, confuso e perdido com tudo. Vou atropelando as coisas e os homens com pressa de chegar a algum lugar. Paro e numa das tentativas de olhar para o lado, recebo um convite, uma proposta de participar da montagem do Espetáculo sobre a obra O pequeno Príncipe que há muito desejo fazer. O processo de pesquisa bibliográfica surge quando aceito ao convite e reencontro-me com o a literatura e filosofia de Saint-Exupéry (2001). Na sua busca de questionar o homem adulto, que com o passar do tempo perde sua sensibilidade e capacidade criativa, além da sua possibilidade de relacionar-se e criar laços. Inicio a partir daí, um processo de problematizar o meu fazer artístico quanto ator, a minha postura com a arte a importância dela em relação ao que acredito. - Menino, desce deste pé-de-pau, eu já te pedi.

personagens, levados por suas bobagens, encontram-se presos em suas próprias intrigas. O fenômeno, levado ao extremo, caracteriza a comédia humana e evidencia o fundo trágico que traz dentro de si. (LECOQ, 2010, p. 168) Na encenação dos temas os comediantes faziam uso de máscaras e partituras corporais bem elaboradas para acentuar as características de cada personagem. Geralmente existiam atores que se dedicavam em determinados papeis para que essas características pudessem se acentuar ainda mais. O público identificaria rapidamente cada personagem e seus deslizes morais e sociais, assim, gerando o ato cômico. Os comediantes trabalhavam durante anos no aprimoramento de sua técnica corporal e vocal, dedicando, geralmente, toda a vida à representação de um único personagemtipo. Estes personagens eram caracterizados por máscaras, sem expressividade própria, que deixavam a boca e a parte inferior do rosto descobertas, cabendo aos atores a tarefa de conferir-lhes vida por meio de suas performances. Sem as suas virtudes técnicas e sensibilidade artística, vislumbramos apenas

um esquema estéril e repetitivo, pois a força da representação delle maschere reside no fato do ator verter criatividade e vigor na especialização de um tipo. (FREITAS, Nanci de, 2008, p. 66) Buscando um maior aprofundamento e entendimentos sobre os temas dessas encenações, exemplificarei com uma cena entre Pantalone e Brigante (LECOQ, 2010, p.172), personagens conhecidos desse gênero; Pantalone é o arquétipo do velho pão-duro, avarento e Brigante é um trapaceiro, homem de pouco moral e de difícil confiança. Pantalone está em casa, contando seu dinheiro. É avisado de que alguém chegou e quer vê-lo. Ele pergunta quem é. Não se sabe! “Ele é alto?” Sim! “Velho?” Sim! “Ela anda assim?” Sim! Então ele sabe quem é: seu amigo Brigante que vem lhe pedir de volta o dinheiro emprestado. “Não quero vê-lo”, ele diz. Tarde demais, Brigante já entrou. Abraços... “Caro amigo, que prazer...” Representa-se a comédia da amizade. Depois disso, chegam os lazzi. Trazendo uma cadeira: “Que linda!”, dirá Brigante, já calculando quanto ela custou. “É uma cadeira muito velha” responderá Pantalone... (LECOQ. 2010. p.172)

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Commedia dell’arte nasceu na Itália em meados do século XVI e segundo a tradução do italiano arcaico, essa expressão significa “comedia tratada por gente de profissão e ofício” (VÂNIA, 2009). Em seu livro, Dário Fo fala do nascimento dessa expressão: Como se sabe, na Idade Média existiam a “arte de lã”, a “arte da seda”, a “arte dos pedreiros” e dezenas de outras artes, todas compreendidas em suas próprias corporações de oficio. Essas associações livres impediam que aqueles que produzissem mercadorias semelhantes se degolassem. Também eram úteis para defender os associados da prepotência dos grandes mercadores e da imposição dos príncipes, bispos e cardeais. (FO, 2004, p.20) Assim a Commedia dell’arte dá inicio a uma tradição de teatro profissional. Os artistas/atores passaram a trabalhar com mais determinação sobre o fazer teatral o seu próprio corpo e suas técnicas. Era um “fenômeno de teatro popular de rua cujos atores são realmente profissionais com múltiplos talentos – de dançarinos, cantores, acrobatas e mímicos satíricos” (NERO, 2009, p. 189). O ator começa a ganhar mais espaço e importância no fazer

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teatral e posteriormente no interesse de alguns estudiosos. Os atores apresentavam-se em praças, ruas ou até mesmo dentro dos castelos, dependendo da importância que a companhia tinha. Eram artistas saltimbancos, nômades. Apresentavam em suas carroças previamente preparadas para o ato cênico e depois partiam em viagem para outras ruas e praças. No geral “não havia cenário, a não ser a cortina de fundo e uma plataforma para que os atores fossem mais vistos fazendo a comédia” (NERO, 2009, p.181). Sabe-se pouco sobre alguns elementos da Commedia dell’arte, mas Jacques Callot, um pintor do século XVI, e seus desenhos e gravuras nos deixaram ótimas imagens para estudo e análise dessa arte. Em seus desenhos percebe-se a irreverência e preparação física dos atores, detalhes e algumas características dos figurinos e dos adereços utilizados em cena. Os temas da encenação eram tirados do cotidiano, dos hábitos, dos costumes, dos vícios e das tradições de cada região. As tragédias sociais eram expostas de uma forma que ganhavam um efeito cômico, risível. O tema de base é preparar uma armadilha, por qualquer motivo: para ter uma garota, dinheiro ou comida. Rapidamente, os

Sou um estudante de 23 anos cheio de questionamentos. Quanto ator grito em mim: qual o meu discurso? O que pretendo? Minhas ações irão chegar na plateia como o desejado? Como seria minha voz? E meu corpo em cena? É neste momento que reencontro uma obra denominada O Teatro e seu Duplo, do diretor e ator Antonin Artaud1, que me possibilita o caos, ao perceber que sua filosofia teatral poderia me auxiliar nos princípios de construção da personagem. Como poderia, a partir de uma personagem de essência pura como se apresentava o pequeno príncipe, questionar filosoficamente o homem contemporâneo que eu próprio, em algum momento, parei de acreditar? Sobre esta principal inquietação, busco amparar-me nos braços de Artaud, no mundo do sonho onde sou capaz de transcender minhas verdades e certezas sem o receio de destruir-me. Sobre isso o mesmo acrescenta. “Não se morre nos sonhos, neles a vontade atua até o absurdo, até a negação do possível, até uma espécie de transmutação da mentira, com a qual se refaz a verdade.” (ARTAUD, 2006, p.10). Percebia então que a necessidade da constante busca deste menino que havia se perdido no passado e no sonho, seria primordial para construir o pequeno príncipe. Não levando em conta somente um discurso social ou 1 Antonin Artaud é poeta, dramaturgo e ator. Nasceu na França em 1896. Em 1927 em Paris, lança o seu conceito de teatro da crueldade.

mesmo psicologismos, mas transcendendo estes dois espaços e a palavra2 numa busca de maior sensibilização. Neste ponto, busco através do sonho e das fantasias entre o presente e o passado, me permitir à peste no teatro, na tentativa de descontruir os racionalismos na cena. Artaud nos diz que: A peste é um mal superior porque é uma crise completa após a qual resta apenas a morte ou uma extrema purificação. Também o teatro é um mal porque é o equilíbrio supremo que não se adquire sem destruição. Ele convida o espírito a um delírio que exalta as suas energias. A ação do teatro, como a da peste, faz cair a máscara, põe a descoberto a mentira. (ARTAUD, 2006, p. 28). Começo a compreender que estas constantes mortes e purificações, sonhos e pestes faziam-se necessárias dentro do meu processo de construção. Era perceptível como nos ensaios, permitir este campo do delírio me trazia mais fluidez, interiorização da palavra e da essência que buscávamos para a personagem. Meu corpo respondia mais rápido e me apresentava novas possibilidades. Começo a perceber com mais facilidade os meus vícios quanto ator e a fugir dos mesmos. “As estrelas, elas brilham tanto. Não será para que um dia cada um encontre a sua?” (Exupéry, 2001, p. 31). A busca filosófica da obra também me 2 Quando remeto a palavra, falo da crítica que Antonin Artaud faz às limitações de como buscamos entender a mesma de forma fechada e nunca transcendê-la ou dinamizá-la. JULHO 2013 | DOCCENA

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Arte: Megatruh

A COMMEDIA DELL’ARTE UM GRITO VISUAL STEFANN, Dyego

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A Commedia dell’arte é um gênero teatral que nasceu em meados do século XVI com uma proposta irreverente de teatro popular e teve seu “encerramento” em meados do século XVIII com o banimento das representações das comedias escritas. Esse gênero faz uso de máscaras, figurinos e matrizes corporais bem elaboradas codificando os tipos de cada personagem. Para esse artigo, usarei como referência alguns estudiosos desse gênero e do uso da máscara, como Dário Fo e Jacques Lecoq, para fazer uma breve análise sobre a Commedia del’arte e a máscara utilizada por esses artistas. Buscarei refletir sobre o que chamei de “um grito visual” traçando um paralelo entre os traços expressivos da meia máscara e a identificação previa da plateia sobre os personagens tipo desse gênero. Palavra chave: Máscaras, Commedia dell’arte, Arlecchino, Pantalone, Teatro popular. 1 ator, pesquisador e performer, graduando em Licenciatura em Teatropelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará.

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sobre o trabalho coletivo no Teatro, na escola e na vida, que não são esferas separadas: são estados ligados à nossa vida social, pessoal, às nossas experiências de vida, ao modo como nos relacionamos uns com os outros. O Teatro é uma arte coletiva na qual sempre precisaremos do outro. E construímos relações entre o ator e a plateia, assim como entre os atores entre si. Partindo desse princípio, os envolvi e os instiguei a trazer para prática escolar uma reflexão de como cada um está contribuindo nessa coletividade dentro da escola, o quanto cada um tem se colocado como sujeito pensante capaz de tomar suas decisões próprias.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BROOK, Peter. A Porta Aberta. Rio de janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1995. FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários á prática de Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. OIDA, Yoshi, Um ator errante. São Paulo: Beca,1999. PINHEIRO, A. O meio é a mestiçagem. Rio de Janeiro: Estação das Letras, 2009.

impulsiona na construção. Os constantes questionamentos da personagem, as suas inquietações, suas dúvidas e certezas em relação ao homem, as suas viagens por mundos diversos, a sua saudade de casa, serviram de subsídio para que eu conseguisse transcender o espaço da palavra e encontrasse este eu menino, príncipe, sonhador, para a construção do espetáculo. Neste ponto Artaud contribui fortemente. A sensibilização quanto purificação e morte, fazia-se mais constante a cada ensaio, ocorrendo neste espaço de construção e interpretação da personagem, onde todos os meus questionamentos e certezas são postos a prova para que este eu menino príncipe consiga descer deste pé-de -pau. Sobre isto Artaud argumenta: O espaço da cena é utilizado em todas as suas dimensões e, por assim dizer, em todos os planos possíveis. Pois ao lado de um agudo senso de beleza plástica esses gestos sempre tem por objetivo final a elucidação de um estado ou de um problema de espírito. (ARTAUD, 2006, p. 65). Uma serpente, que com o seu toque traz o caos ao principezinho. O coloca em frente a sua morte ou mesmo o seu sonho, sua passagem para casa, sua saudade, sua rosa. Até que ponto sou racional ou emocional para tentar entender esta história quanto homem, ator, contemporâneo já não importa mais. O importante é que o menino desceu do pé-de-pau por

alguns instantes. Eu olhei nos seus olhos em um momento único. Percebi que era oportuno lembrar-se dele de vez em quando, e como me fazia bem quando estava ao meu lado. Agora, não somente sabia que ele estava ali, em cima do pé-de-pau, mas via o céu alaranjado pelo sol que se despede. Sentia a aspereza da árvore e o vento forte que me fazia fechar os olhos. E por um momento, parecia que nada mais importava. Ligar o teatro à possibilidade de expressão pelas formas e por tudo o que for, gestos, ruídos, plasticidades, etc., é devolvê-lo a sua destinação primitiva, é recolocá-lo em seu espaço religioso e metafísico, é reconciliá-lo com o universo. (ARTAUD, 2006, p. 77). Admito por fim, não ter conclusões fechadas. Não as encontro em Exupery assim como não as percebo em Artaud. No entanto, construo um procedimento que parte do meu espaço, do que percebo que pode funcionar na minha construção de ator e que está funcionando até então. Encontrar conclusões fechadas se torna inverossímil, quando pensamos o homem na sua dinamicidade. A cada dia, acrescentamos um pôr-do-sol nas nossas vidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. 3ª edição – São Paulo: Martins fontes, 2006. EXUPÉRY, Antoine de Saint. O Pequeno Príncipe. 48 ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

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O CORPO-MEMÓRIA COMO PONTO DE PARTIDA PARA A CONSTRUÇÃO CÊNICA SEVERO, Luka1 RODRIGUES, Márcio Alessandro Nunes2

1 Luiz Severo Neto Filho, estudante do Curso de Licenciatura Plena em Teatro no Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri – URCA. 2 Professor do Curso de Licenciatura Plena em Teatro do Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri e Coordenador do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - Projeto PIBID/ CAPES de Teatro. # 32

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preparei o plano de aula partindo da perspectiva de nos conhecermos, ouvirmos o outro, olhar no olho do outro e conhecermos uns aos outros, pois o fato de estarem estudando na mesma escola não significa que eles se entendam ou que se conheçam ou, até mesmo, que se escutam. Usei como procedimento inicial a dinâmica Cama de gato com uma linha de crochê. Comecei a dinâmica e percebi que o fato de começar falando de mim, já permitiu com que os educandos ficassem menos tímidos e mais concentrados em ouvir o outro. Segurei a linha, falei meu nome, minha idade, que estilo musical eu gosto de ouvir, o que mais gosto de fazer, o que não gosto de fazer e contei um fato da minha vida que considero engraçado. Nesse momento olhava nos olhos de um dos educandos e jogava a linha, segurando apenas um pedaço da mesma. E assim fomos jogando a linha um por um. Na medida em que o outro recebia a linha, falava sobre suas respectivas personalidades. Ao longo da dinâmica foi imprescindível perceber os gostos nos quais eles se identificavam na fala do outro. No entanto, eu estava sempre ali mediando quando surgiam comentários do tipo “Você gosta de forró? Aff”, então parávamos a dinâmica por alguns instantes para refletir e perguntar por que “aff”? “Você sabia que nem todo mundo tem contato com outros estilos musicais, o que faz com que a

gente escute exatamente aquilo que nos ensinaram a escutar”. E a partir de reflexões como essas discutíamos as diferentes realidades em que fomos criados, apesar de habitarmos na mesma cidade, fato que por si só já explica termos agregados a nossa personalidade. É o reflexo daquilo que somos da maneira como vivemos e de como vemos o mundo à nossa volta. Essas reflexões deixaram os educandos pensativos por alguns instantes. Em seguida continuamos a dinâmica, e houve uma mudança, porque na medida em que o educando falava, os outros escutavam atentamente sem risos, sem críticas apenas pensando na discussão que havíamos terminado de realizar. Para tanto, trabalhei dentro da perspectiva do trabalho coletivo em cena para o teatro, na corrente de energia gerada entre os atores, energia essa que permeia também nossas relações humanas em toda parte. Brook (1995) discorre em seus escritos sobre a energia que vai e vem na busca de interação e ligação entre palco e plateia. Inspirei-me também na metodologia de Paulo Freire, que defendia o pensamento de trabalho coletivo no qual ao mesmo tempo em que ensinamos, estamos aprendendo, uma troca que se estabelece de maneira contínua. “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” (FREIRE,1981, p. 39). A partir desse exercício refletimos

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tuando no projeto PIBID de Teatro como educadora, tive a oportunidade de experimentar e vivenciar uma realidade diferente das experiências que vivi no meio educacional até então. Antes da bolsa certamente o meu foco não seria a docência, e o projeto PIBID possibilitou e despertou em mim uma necessidade e uma vontade de querer contribuir com uma educação que não tive a oportunidade de ter, de ajudar os educandos, a não serem estudantes passivos, mas a serem construtores de suas ideias, pensamentos, dúvidas e escolhas. Importante forma de ver o ensino, pois deparamo-nos com uma realidade e com um tempo em que não conseguimos olhar no olhar do outro, estar em contato com o outro. Assim a rotina ocupa cada vez mais o espaço na vida das pessoas, o tempo passa cada vez mais rápido e estamos sempre nos voltando para nossas individualidades e particularidades. Esquecendo muitas vezes do nosso corpo, esquecendo-se do

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outro, não nos observando, e não falando do que gostamos ou do que gostaríamos de ser. Para tanto, me inspirei nos princípios descritos nos textos de Peter Brook. O encenador considera os aspectos pessoais para a criação de cena, princípio existente na proposta pedagógica de Paulo Freire quando fala do trabalho coletivo, de ensinarmos e aprendermos em conjunto. Aqui entendo identidade como ponto de vista de Pinheiro (2009), no qual o processo de construção do imaginário humano se dá como uma nuvem de vários elementos que vão se formando, alterando e mesclando em constantes movimentos. Pensando nesses critérios, na segunda etapa do PIBID-Teatro, comecei a ministrar aulas na Escola de Ensino Fundamental e Médio Estadual Wilson Gonçalves, da cidade de Crato, Ceará. Particularmente estava temerosa, pois até então o contato com os educandos dessa escola tinha sido pouco, não conhecia nada sobre os mesmos com exceção das características locais. No primeiro contato com eles

Este estudo destina-se a discutir a relação corpo-memória1 e a importância da mesma para a construção cênica, relacionando-a com as minhas experiências antes e durante o curso de Licenciatura Plena em Teatro, no Centro de Artes Reitora Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau da Universidade Regional do Cariri - URCA, fazendo um link entre minha prática docente no - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)/URCA, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), implantado na E.E.F.M. Estado da Bahia na cidade de Crato – CE, onde foi montado, com um grupo de estudantes da mesma, o espetáculo O ensaio da Vida Real – dentro do qual as minhas pesquisas visam uma desequilíbrio das questões sobre corpo e memória como auxílio para os processos docentes, com o processo de criação do espetáculo Quando nos encontramos foi tarde demais do Grupo Cícera de Experimentos Cênicos. Nos dois processos criativos, partimos das vivências, dos intérpretes e culminamos nos espetáculos. Para tal discussão me apego aos princípios da coreógrafa alemã Pina Bausch, que trabalhava os seus espetáculos tendo como ponto de partida as memórias e sensações vividas pelos seus dançarinos, trazendo para a cena as intenções individuais de cada um, quanto do princípio de corpo-memória dos processos criativos de Jerzy Grotowski. Palavras-chave: corpo-memória, processo criativo, pedagogia teatral.

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A partir dos princípios do trabalho de O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski, 1959 a 1969 – “O conceito de corpo-memória, cunhado pela primeira vez por Grotowski em seu Resposta a Stanislavski de fevereiro de 1969.” (Bitencourt, 2009, p, 06). JULHO 2013 | DOCCENA

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meu primeiro contato com o Fazer Teatral se deu na escola durante o Ensino Fundamental e Médio, onde os processos de criação partiam de um trabalho de estudo de texto: onde os atores apenas liam o texto várias vezes e corporificavam o que este queria dizer, apenas repetindo o que o autor escrevia e sem intenção alguma. Assim o espetáculo era montado, mas de forma superficial, onde visivelmente ocorria uma desconexão entre ação e corpo. Posteriormente, ao término do Ensino Médio, sem interromper a Prática Teatral, ingressei no Curso de Licenciatura Plena em Teatro, da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde pude vivenciar processos criativos, inicialmente como estudante, e em seguida como pesquisador, aplicando os conhecimentos como bolsista do PIBID/ Teatro – URCA, coordenado pelo Prof. Ms. Marcio Rodrigues. No programa me debrucei em pesquisas sobre a memória para construção da cena. Considerando os processos criativos, no meio escolar e na universidade, comecei a me questionar o que diferenciaria o Fazer Teatral que tem como ponto de partida as memórias individuais dos intérpretes do que não utiliza desse princípio? Esses questionamentos me fizeram perceber a importância do nosso corpo e das particularidades que trazemos de acordo com o contexto em que estamos inseridos. O corpo é citado em diferentes campos de pesquisa. Cada indivíduo possui características individuais – sejam essas físicas e/ou intelectuais decorrentes de uma construção desde o seu nascimento e estão, cotidianamente, sendo (re)construídas de acordo com o meio em que está inserido e se relacionando diretamente com o outro. Essas relações vão causando em nós certos bloqueios impedindo que haja um autoconhecimento. Assim é preciso que se trabalhe esse (des)bloqueio. Sobre isso, concordo que:

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DOC DO CCE CC CEN CE NA A | JU UL ULH LHO 20 LH 01113 3

Esse artigo surge a partir de uma pesquisa exercida, através do programa de bolsas PIBID CAPES de Teatro (Programa de Bolsas de Iniciação a Docência) na Universidade Regional do Cariri-URCA, Juazeiro do Norte, Ceará. Objetivei criar um procedimento Cama de Gato inspirado em princípios de troca de energia de Brook e nas propostas de Freire da relação entre educador e educando. Tendo como primeiros resultados a percepção e importância das relações entre pessoas dentro e fora do palco.

PALAVRAS-CHAVES: Pedagogia, Teatro, Procedimento

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REFLEXÕES SOBRE ENSINO DE TEATRO E IDENTIDADE DENTRO DO PROCEDIMENTO PEDAGÓGICO TEATRAL CAMA DE GATO SILVA, Cirlaedna Pereira da.1 RODRIGUES, Márcio Alessandro Nunes 2

1 Autor: Graduanda da Universidade Regional do Cariri-URCA, Departamento de Teatro. cirlaurca@gmail.com 2 Orientador: Professor da Universidade Regional do Cariri-URCA, Departamento de Teatro. lamerrodrigues@hotmail.com # 42

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Através de desbloqueios físicos e psíquicos – Grotowski fala freqüentemente em seu relato na necessidade de “perder o medo” de entrar em um território desconhecido, de se expor [...] esse ato com base nos impulsos vivos ligados a ele, e liberta o fluxo livre da memória. (BITENCOURT, 2009, p. 04) Dessa forma, é de suma importância ressaltar que essas relações, bem como os (des)bloqueios, vão refletir diretamente nas produções artísticas. Assim, acredito que na citação acima Grotowski não se reportava nem ao “se” nem as “circunstâncias dadas”, mas que em seus processos, o ator “Dirige-se ao corpo-memória, não à memória do corpo, mas justamente ao corpo-memória. E ao corpo-vida” (Grotwski in Bitencourt, 2009, p. 06). Sendo esse corpomemória, o corpo livre ou, acredito, que em processo dos desbloqueios dos mecanismos de censura. Observo semelhanças nos processos criativos da coreógrafa alemã Pina Bausch (1940-2009), onde o corpo é entendido, não como uma massa que se pode modelar, mas sim como algo vivo, pulsante, que dá o subsídio para a construção cênica. Caldeira afirma: O corpo na obra de Bausch abre perspectivas para o professor de dança e teatro pensar essas manifestações artísticas em suas aulas visando um aprendizado que se possa discutir o corpo e a técnica, suas funções, significados, experimentação de movimentos considerando a mudança de ritmo e tempo na elaboração

das cenas. (CALDEIRA, 2005) É preciso levar em consideração o mundo interior de cada indivíduo que se propõem a criar, pois é da reverberação do que está a sua volta que ocorre a criação das partituras corporais e da qualidade do movimento. No caso do trabalho com memória, a compreensão do que se está sendo trazido pelo intérprete, funde com o que se entende do que está ao seu redor dando subsídios para a criação corporal. Como exemplo, cito a construção cênica das partituras da primeira música do espetáculo de Dança-Teatro2,

Quando nos Encontramos foi Tarde Demais (2012) do Grupo Cícera de Experimentos Cênicos, fundado em 2010, por universitários de Teatro. Em um dos ensaios, o professor Márcio Rodrigues, coordenador do PIBID/Teatro - URCA, a convite do grupo para nos auxiliar no processo, chamou nossa atenção para uma questão que já vínhamos trabalhando no processo de criação do espetáculo O Ensaio da Vida Real, com os educando do PIBID: 2 “Expressão traduzida do alemão Tanztheater, é conhecida, sobretudo através de P. BAUSCH, porém tem sua origem no Folkwang Tanz-Studio, criado em 1928 por K. JOOSS que foi professor de BAUSCH e proveio ele próprio da Ansdruckstanz, a dança expressionista alemã. A esta corrente da criação coreográfica contemporânea pertencem igualmente JOHANN KRENIK e seu teatro coreográfico, R. HOFFMANN e G. BOHNER, na França M. MARIN, os quais apesar de não utilizarem este termo, são conhecidos como coreógrafos abertos à teatralidade e favoráveis à descompartimentação das artes cênicas.” (PAVIS , 1999; p. 83). DOCCENA

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o fato de que a movimentação, mesmo tendo emergido dos movimentos (extra)cotidianos dos próprios intérpretes, deveriam significar algo para os mesmos, do contrário seriam apenas uma movimentação qualquer e, não faria sentido ela estar ali. A partir das considerações do orientador, começamos a trabalhar de maneira a construir imagens que fizessem com que visualizássemos algo vivido por nós. Dessa forma, buscamos possibilidades que nos levassem a construção de qualidades de movimento dentro das partituras. “São essas as imagens que devem produzir um choque emocional e, consequentemente o estado de angústia do personagem” (KUSNET, 1992, p. 65). De acordo com o exposto, pude compreender, a partir dessas reflexões, que o processo de construção cênica que tem como ponto de partida a memória, mesmo estando fora dos padrões estabelecidos ao longo da história de preocupação com as circunstâncias dadas do texto, propicia um nível de investigação dos estados interiores do ator, possibilitando uma qualidade de movimento e envolvimento com a atmosfera do espetáculo

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onde o intérprete absorve mais propriedade na sua relação com as cenas criadas. Assim, adquirindo uma verossimilhança mais apurada e perceptível, dada lapidação durante o trabalho de construção.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITENCOURT, Tuini dos Santos, 2009 - Processos formativos e atuação cênica O Príncipe Constante de Ryszard Cieslak e Jerzy Grotowski: corpo-memória, ato real e processos de construção. Disponível em: http:// www.seer.unirio.br/index.php/pesqcenicas/ article/viewFile/752/688, acessado em 1 de julho de 2013. COSTA, Mayara Cristina. Dança-Teatro: Memória e Criatividade na 3ª idade. Monografia, apresentada ao curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás como requisito para obtenção do título de licenciatura em Artes Cênicas. Goiânia, Goiás, 2011. CALDEIRA, Solange. A construção poética de Pina Bausch. Revista Poiésis, n 16, p. 118131, Dez. de 2010 PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. PORPINO, Karenine de Oliveira. Corpo, Dança e Memória: territórios convergentes. KUSNET, Eugenio. Ator e Método. São Paulo-Rio de Janeiro: Editora Hucitec, 1992. – 4ª Edição.

exercício, percebia-se que os seus medos eram bem distintos olhar incerto, andar ralentado e geralmente com a coluna inclinada para baixo e reação de medo ao olharem uns para os outros. Ao mudar a música, pedi para que este corpo fosse agora o corpo do opressor e que no ponto cinco, ao invés de um medo, contassem um sonho. Era visível a mudança de postura nos corpos dos mesmos, que agora estavam mais determinados, confiantes e impostos, como se cada passo fosse um grito de autoridade. Isso repercutia na voz e na segurança ao falarem sobre seus sonhos, que também eram bem distintos. Pedi para juntarem-se à pessoa que estivesse mais próxima. Neste momento, havia no quadro da sala de aula, algumas frases que demonstravam ações preconceituosas. Orientei os mesmos a tomarem como base aquelas frases e criarem pequenas cenas de improviso em duplas. Iniciariam com imagens estáticas, criadas a partir do procedimento da palavra geradora.

costura, andar com pressa e esperar impaciente o sinal fechar, dormir em pé. Após a apresentação das cenas, formamos um círculo no chão. Os estudantes comentaram que achavam importante observar o corpo das pessoas que estão a sua volta. O procedimento me fez observar nos corpos e falas dos educandos que, a partir do experimentado, poderíamos nos utilizar do Teatro como veículo de reflexão e transformação social a partir das questões do tempo e do espaço do grupo ao qual o procedimento está inserido. Percebo a necessidade de elaborar procedimentos diferentes a partir de outras palavras que geram. Observando assim, o meio cultural e social dos estudantes e como podemos nos apropriar destes como alicerces da representação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DISCUSSÃO O resultado deste momento do exercício foi satisfatório. Traziam em seu corpo os diferentes tipos de condicionamentos sociais observados pelos mesmos. Trazendo-os, acabavam por trazer também alguns gestos sociais, como: capinar a terra como um agricultor, trabalhar em uma máquina de

BRECHT, Bertolt. Estudos sobre Teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 42ª Edição – São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª Edição – Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1987.

JUL ULHO 201 013 3 | DOC CCEN CENA A

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seu Teatro começa a preocupar-se não mais nos problemas do homem como ser individual, nas questões de construção da personagem pelo ator, ou no psicologismo. Mas o estranha, distancia-se do mesmo para refletir sobre sua postura social e fazendo isso, critica-o. Começa a perceber o homem quanto ser social, histórico e de transformação do seu meio, o qual deve apropriar-se do Teatro para falar das suas questões em relação ao seu espaço, e não exprimir-se puramente com interesses mercantis. Sobre o homem, reflete: O indivíduo é cada vez mais fortemente impelido a comprometer-se nos sucessos que transformam o mundo. Deixa de lhe ser possível “exprimir-se” apenas. É solicitado a solucionar os problemas comuns e posto em condições de o fazer. O erro reside, tão somente, nas engrenagens não serem ainda, hoje em dia, da comunidade, dos meios de produção não pertencerem aos produtores e em se atribuir ao trabalho um caráter mercantil, sujeitando-o às leis gerais de mercadoria. (BRECHT, 1978, p.13) Opta-se então, pelo recorte no que Bertolt Brecht denomina de Gestus Social para a construção do procedimento. Para Brecht (1978), o Gesto não é o simples gesticular, mas atitudes globais. Afirma que nem todos os gestos são gestos sociais. Sobre isto, exemplifica que o gesto de trabalhar é sem dúvidas um gesto social, pois se

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desenvolve uma atividade do homem no sentido do domínio sobre a natureza a qual se insere, o que é uma realidade natural do mundo dos homens.

PROCEDIMENTO PALAVRAS QUE MERGULHAM NOS

A PALAVRA QUE GERA E O GESTUS SOCIAL UM PROCEDIMENTO APLICADO AO PIBID DE TEATRO. LOPES, Cleilson Queiroz1 RODRIGUES, Marcio Alessandro Nunes

CORPOS: Em círculo, indago aos educandos o que significa para eles, a palavra Opressão. A primeira resposta incitame curiosidade. Uma das educandas responde: opressão significa atenção. Indago-a porque e ela me responde que, sempre quando está na aula e o professor chama a atenção dela na frente de todos os outros colegas, sente-se oprimida. Após o questionamento sobre a palavra Opressão, orientei então que os educandos andassem pela sala e olhassem nos olhos quando passassem uns pelos outros. Conduzi para que olhassem uns para os outros, primeiro construindo o corpo de uma pessoa oprimida. Quando estabeleceram as imagens nos corpos, pedi para que parassem e respondessem aos seguintes comandos do procedimento. Eram estes: 1 – andar lento, 2 – andar cotidiano, 3 – pular, 4 – correr, 5 – contarem um medo e 6 – apenas se olharem. Ao desenvolver do

Parto de pesquisas desenvolvidas no Programa Institucional Brasileiro de Iniciação à Docência – PIBID, do Curso de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Regional do Cariri/URCA – Juazeiro do Norte. Objetiva-se a elaboração de um procedimento pedagógico amparado na pedagogia de Paulo Freire (1996), onde ensinar não se baseia na transferência de conhecimentos, mas na relação à qual quem ensina aprende no processo de ensinar, e quem aprende ensina ao aprender. E no Teatro Didático de Bertolt Brecht (1978), que insere as relações de opressão sociais como temas do seu fazer teatral. Busca-se aqui, a observação crítica dos condicionamentos corporais na sociedade contemporânea, como princípio de um procedimento de representação teatral. Por meio de uma pesquisa bibliográfica e de observação, nos apropriamos do Teatro como veículo de reflexão e transformação social. Palavras-chave: Palavra Geradora, Gesto Social, Procedimento.

1 Estudante do curso de Licenciatura Plena em Teatro da Universidade Regional do Cariri – URCA. Regularmente matriculado no quarto semestre. Ator da Companhia Ortaet de Teatro da cidade de Iguatu- Ce. JULHO 2013 | DOCCENA

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INTRODUÇÃO

A

sociedade apropria-se cada vez mais da opressão pelo condicionamento corporal que se instala de forma invisível e pelos gestos sociais. Tendo a opressão e a estagnação sociais como principais interesses. Estes comandos que se instalam no corpo, são mais fortes porque mergulham no nosso inconsciente. Não sabemos o motivo, e quando percebemos já estamos agindo de forma condicionada. No entanto, é salutar perceber que o condicionamento ocorre, mas este não determina o homem. A representação do Gesto Social em cena faz com que o espectador perceba-se como também condicionado, na relação de opressão. Neste momento, reflete, transforma-se e transformando-se, torna-se agente da ação e reflexão sobre o meio. Elaborar o procedimento e desenvolvê-lo na escola Wilson Gonçalves se faz necessário quando acredito no Teatro e na Educação como instrumentos que podem despertar a reflexão e ação nos indivíduos.

Bertold Brecht

A PALAVRA E O GESTUS Parti da necessidade de elaboração de um procedimento que não somente imprimisse técnicas fundamentais de criação teatral. Haja vista que, trabalhar técnicas específicas do teatro sem propor a observação da sociedade à qual os estudantes estavam inseridos, não proporcionaria um ambiente de diálogo e reflexão almejados. O processo de pesquisa bibliográfica foi despertado a partir da vivência prática que tinha como ator e nos primeiros encontros com os estudantes, que

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possibilitou ter as impressões iniciais. Observar o corpo dos indivíduos na sociedade em suas formas de agir, andar, trabalhar, comunicar, possibilita perceber um campo oportuno de pesquisa e reflexão sobre a mesma, considerando como as formas de opressão estão estabelecidas. A pesquisa atenta-se na observação crítica sobre os condicionamentos corporais estabelecidos na comunidade dos estudantes. Estes por sua vez, observariam seus colegas de turma, professores, pais e irmãos. Perceber o outro como ser inacabado e dinâmico inserido em um contexto social, proporciona em uma relação mútua, pensarmos sobre nós e confrontarmos tais observações com o nosso agir e pensar. Sobre isso, Paulo Freire reflete: Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado, mas consciente do inacabamento, sei que posso ir além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença entre o inacabado que não se sabe como tal e o inacabado que histórica e socialmente alcançou a possibilidade de saber-se inacabado. (FREIRE, 1996, p. 53). A pesquisa atenta-se na observação crítica sobre os condicionamentos corporais estabelecidos na comunidade dos estudantes. Estes por sua vez, observariam seus colegas de turma, professores, pais e irmãos. Perceber o outro como ser inacabado e dinâmico inserido em um contexto social,

proporciona em uma relação mútua, pensarmos sobre nós e confrontarmos tais observações com o nosso agir e pensar. Sobre isto, aproprio-me da palavra geradora Opressão para desenvolver o procedimento. Sobre tais palavras, Paulo Freire afirma: Essas palavras são chamadas geradoras porque, através da combinação dos seus elementos básicos, propiciam a formação de outras. Como palavras do universo vocabular do alfabetizado, são significações constituídas ou re-constituídas em comportamentos seus, que configuram situações existenciais ou, dentro delas, se configuram. (FREIRE, 1987, p. 11). A partir da constatação, preparamos o procedimento Palavras que Mergulham nos Corpos, tendo como alicerce, a palavra geradora que possibilitasse não a alfabetização, mas que dela, incitássemos uma reflexão sobre como esta configura-se na vida dos estudantes, na escola, na família, dentro de suas comunidades e nas relações com seus professores. No decorrer das pesquisas dentro do PIBID de Teatro, fui orientado a pesquisar sobre o encenador e dramaturgo Bertolt Brecht. Os textos e encenações de Bertolt Brecht são totalmente influenciados pelo seu posicionamento político diante do mundo. Vivendo na Alemanha no período entre o Nazismo e o pós-guerra, fora exilado no seu país e sofreu perseguição nazista. O

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