Coletânea de Contos Infantis Sesc (2021)

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Serviço Social do Comércio – Sesc PR

Coletânea Sesc de Contos Infantis

Curitiba, 2021

Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura

C694 Coletânea Sesc de Contos Infantis/ilustração de Fabiano Vianna; curadoria de Carlos Machado.

Curitiba: Sesc PR, 2021.

70 p.: il. color.

ISBN 978-65-86651-07-2

1. Contos infantis. 2. Literatura Infantojuvenil. I. Sesc PR. II.

Vianna, Fabiano. III. Machado, Carlos. IV. Título.

Isabel Cristina Bizerra da Silva – CRB9/1258

CDD – 028.5

A IMPORTÂNCIA DO CONTO NA LITERATURA

Toda criança que gosta de escrever tem dois caminhos para iniciar sua trajetória na literatura, depois das redações escolares: a poesia e o conto, duas formas de escrita de grande valor para a formação dos futuros escritores.

O Sesc Paraná vem há muitos anos promovendo e divulgando os dois gêneros literários, com a coletânea de poesia realizada pelo Sesc Cornélio Procópio e esta antologia de contos, desenvolvida pela gerência de cultura.

O Brasil tem tradição como berço de grandes contistas. Machado de Assis, nosso maior escritor, escreveu contos inesquecíveis, como O Alienista.

No Paraná temos o escritor Dalton Trevisan, considerado há décadas como o maior contista brasileiro contemporâneo, ao lado de Rubem Fonseca, do Rio de Janeiro.

O nosso estado é conhecido pela qualidade de seus contistas. As coletâneas que são publicadas aqui demonstram isso: entre outras, os Contos de Repente, dos anos 1960, e Assim Escrevem os Paranaenses, da década seguinte. Em 2014 a Biblioteca

Pública do Paraná publicou a antologia 48 Contos Paranaenses, muito elogiada.

Só resta destacar que os programas de incentivo à literatura infantojuvenil do Sesc Paraná fazem a diferença. A maior prova disso está nesta obra que agora trazemos para o público.

Nossos futuros autores de hoje têm tudo para se tornarem grandes escritores de amanhã. Vale a pena a sua leitura!

LIVRO, NOSSO ALIADO

Para enfrentarmos tempos difíceis de isolamento social, a arte, em especial a literatura, tem sido fiel aliada tanto de quem lê, quanto de quem escreve. Um bom livro é companhia indispensável.

Comprometido com a formação de novos leitores e leitoras e com o fomento à produção literária estadual, o Sesc Paraná lança a Coletânea Sesc de Contos Infantis, que nesta 6ª edição celebra a literatura paranaense, suas histórias, paisagens, autores e autoras.

Nesses seis anos de Coletânea, o Sesc Paraná lançou para o cenário estadual novos nomes da literatura para a infância, além de promover a formação de um imaginário comum, por meio de textos que carregam nossos sotaques, costumes, horizontes, cores, texturas e sabores.

Desejamos que estes escritos aqui publicados provoquem novos olhares e produções artísticas que tenham o Paraná como protagonista.

Boa leitura!

Sumário

AS VIAGENS DA TIA LAURA

Adélia Maria Woellner

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MANINHA E O PÉ DE ARAUCÁRIA

Tauan Gonzalez Sposito

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OS BRIGADEIROS DESAPARECIDOS

Ana Isabel Gomes de Araujo

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BRITO, UM AMIGO DE LONGA DATA

Carlos Henrique Favero

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OLHOS ATENTOS

Priscila Trigo Martins Azevedo

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AS CHAVES DAS PORTAS PERDIDAS Marília Diaz
QUEM É QUE QUER CAFÉ? Laura Geraldo Martins Marafante 49 O PIÁ E O LOBO-GUARÁ Francisco Pinheiro da Silva
A NEVE Enilce Francisca Rocha
FILIPPO AO MAR Igor Vieira Pinto Brandão 66
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ADÉLIA MARIA WOELLNER

Adélia Maria Woellner, filha de Osvaldo e Iolanda Joslin Woellner, nasceu em Curitiba, em 20 de junho de 1940. Reside em Piraquara. Formada em Direito. Aposentada da Rede Ferroviária Federal S.A., lecionou Direito Penal na PUC-PR. Começou a escrever poemas ainda na juventude. Publicou livros de poemas, prosa (ensaio e pesquisa) e histórias infantis. Os livros “A Menina que Morava no Arco-íris” e “Jardim das Virtudes” tiveram adaptação para Teatro de Bonecos. Em 2020, recebeu o prêmio “Jornada Cultural”, concedido pela Secretaria Estadual da Cultura e Comunicações-PR. Integra diversas entidades culturais, inclusive a Academia Paranaense de Letras, Cadeira nº 15.

As viagens da Tia Laura

ADÉLIA MARIA WOELLNER

Amanhã será o dia da festa!

Tia Laura está cuidando de cada detalhe. Trouxe os balões coloridos, para a sala. Mas precisa organizar tudo. Por isso, trouxe, também, seu caderno e caneta.

Senta-se na poltrona e procura achar inspiração olhando o céu, muito azul, nesse horizonte largo, iluminado, cheio de nuvens, que mais parecem ovelhinhas sapecas, passeando pela campina do céu.

Tia Laura vai se envolvendo com essa imagem tranquila... De repente, mergulha no azul do céu e vai pastorear as ovelhinhas... Está bem no alto. Olha a Terra, tão distante... maltratada. Resolve, então, costurar a roupa da terra, que foi rasgada por tantas bombas, tantas explosões e precisa ser consertada, pois as pontas soltas poderiam machucar as pessoas.

Pega uma agulha enorme, usa um longo fio dourado, e começa seu trabalho, com muita paciência e capricho. Um pouco distante, o Pinheiro observa o cuidado com que cada ponto é colocado. Queria, também, pedir ajuda para curar o seu ferimento. Alguém, um dia, por pura maldade, machucou o Pinheiro e ele, agora, está fazendo um esforço enorme para continuar vivo.

Tia Laura parece ter entendido... observa o ferimento, olha para o chão e vê que há, na base do tronco, algumas bolinhas de resina, que supõe ser as lágrimas do pinheiro. Colhe essa resina e fecha os furinhos que existem no cerne dessa Araucária enorme, que já fez muitos aniversários, já deu boa quantidade de deliciosos pinhões. E ela sabe que, agora, já começou a sua cura...

Feliz, Tia Laura olha em volta, e localiza um riozinho que pode lhe

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oferecer um pouco de água pura, límpida, para saciar a sede. Adiante, do outro lado do rio, existe uma casa. Da chaminé, sai um pouco de fumaça. Diz o ditado que onde há fumaça, há fogo; ora, se há fogo, é porque há vida... Puxa!!! E como há vida neste pedaço abençoado da natureza.

De repente, a fumaça da chaminé vai descendo, se espalhando pelo chão, e Tia Laura acha que precisa fazer alguma coisa para escapar dessa fumaça que está ardendo seus olhos. Olha em volta e enxerga a cômoda de seu quarto. Abre a primeira gaveta, a segunda e as outras... uma a uma, vai subindo, como se fosse uma escada maluca. Nem acredita no que está acontecendo... mas que é divertido, isso é... E escapa da fumaça!

No alto da escada, ela decide encher de ar os balões coloridos. Amarraos na ponta e segura todos os cordões. São tantos os balões, que a levam para mais alto. E ela voa, voa, voa muito. O céu continua azul, as nuvens ovelhinhas ainda estão ao seu lado... O arco-íris lhe acena, com alegria colorida. Quando chega, nem sabe onde, é recebida com carinho. Ela só escuta vozes dizendo que ela é bem-vinda, que estava sendo esperada, porque vai auxiliar professoras, criando uma nova escola. Uma escola muito especial. É incrível como tudo isso acontece, assim, tão de repente.

Então, Tia Laura lembra que está fora da Terra... Está num céu onde tudo é criado. Até a escola. Que bonito e surpreendente!

Assusta-se com o latido de um cachorro. Claro! Parece ser o Pingo, do Vovô Pedro, que o acompanha quando cuida do jardim, conversando com as flores, dizendo o quanto elas são bonitas, como é gostoso o seu perfume, como enfeitam outros jardins e tantos parques da cidade...

Mas o latido do Pingo tirou Tia Laura das suas viagens fantásticas.

Ela percebe, então, que tinha cochilado. Nesse soninho, penetrou nas páginas dos livros das histórias que lera para seus alunos, tantas vezes, e foi mais uma personagem, cuidando dessa natureza pródiga, que precisa ser preservada.

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Gostaria de saber um pouco mais sobre a vida da Araucária, do riozinho de águas puras, da casinha no meio do mato... do jardim do Vovô Pedro... Decidiu pesquisar sobre tudo isso, para poder orientar seus alunos com exatidão. Quantas viagens ela havia feito, ao ler as histórias. E, agora, as histórias se misturaram em outra viagem fantástica, que ela vai, claro, registrar no seu caderno e contar para os alunos, quando chegarem, amanhã, para participar da festa.

E que festa!

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TAUAN GONZALEZ SPOSITO

Tauan Gonzalez Sposito (1991) é bacharel em Violino e Composição Musical (2012/2017), especialista em Educação Musical (2017) e mestrando em Música pela Universidade Estadual de Maringá. Compositor premiado (Prêmio Funarte, 2014 e 2016; Menção Honrosa – Ibermúsicas, 2016; obra selecionadas no XXIX Panorama da Música Brasileira Atual, 2018), teve músicas interpretadas no Brasil e na Áustria. Foi integrante da Orquestra de Câmara da UEM, Grupo Ad Libitum e Duo Sposito-Meira. Desenvolve projetos de música solo para violino e viola. Assumiu o cargo de técnico – músico na UEM, onde ministra aulas e coordena o projeto Crisálida: Música e Criatividade, pela Escola de Música da instituição. Autor do livro A Vida Silenciosa.

Maninha e o Pé de Araucária

TAUAN GONZALEZ SPOSITO

Dizem

que uma árvore conta uma história. Foi o que me disse Maninha.

Aquele pé de araucária, sozinho, que ficava na estradinha de terra que dava pra nossa cidade podia ser visto de longe. Sempre achei que a araucária fosse o símbolo do nosso estado: em cada canto do Paraná, pelo menos se vê uma dessas árvores. E nas imediações de Maringá, Maninha me mostrou como ler a história da araucária.

— Coloque a mão aqui, Nino.

— Em cima da sua, Maninha?

— Isso. Vou te ensinar o que o meu vô me mostrou. Coloca os seus dedos bem em cima dos meus.

Estiquei meu braço, ainda pequenino naquela época. A pele lisa da mão direita de Maninha contrastava com a casca da araucária, naquele tom acinzentado, como se desprendesse do caule. A palma de sua mão estava firmemente apoiada na árvore, como se sustentasse aquele peso todo.

— Vamos menino, encosta a sua mão.

Encostei. Foi como se algo mágico percorresse meus dedos. Escutei uma voz. Era a voz silenciosa do vento, que balançava os galhos altos e virados para o céu, na prece constante da araucária.

— Que é isso, Maninha?

— Escuta. É a árvore contando sua história.

E era mesmo. Concentrado naquela tarefa de segurar a mão de Maninha no tronco antigo, percebia o leve farfalhar, distante. Era como se sussurrasse diretamente em meus ouvidos. Percebia o sol a pino, ardente em minha nuca.

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Nossas sombras estavam quase alinhadas, naquele calor antes do almoço, atrasado. Eu queria escutar a história, precisava me concentrar. — Fecha os olhos agora, Nino.

Fechei. A estradinha de terra conduzia qualquer viajante ao pé de araucária. Dali para a frente, uma curva levava ao sítio do Tonhão e à vendinha da Dona Nita (a Anita). Depois, seguia mais um trecho até a escolinha. Através da mão de Maninha e da casca da árvore, ouvindo aqueles sons sibilantes do alto, senti um cheiro de madeira velha, e a poeira roçou meu rosto. A árvore falando.

Escuta, menino. Eu sou muito antiga: estava aqui antes de vocês chegarem, antes de abrirem essa estradinha, antes de colherem todo esse milho, o café, o trigo. Já perdi as contas de quantas auroras eu vi nascer, de quantos sóis eu vi se por. Por mim passaram seus pais, no dia em que você nasceu, menino. Nino. Sem enxergar, senti que uma sombra nos cobriu: era uma nuvem que escondia os raios do sol...

Sua mãe estava preocupada em não chegar a tempo em casa. A parteira estava esperando, e foi só conduzir sua mãe ao quarto, você nasceu. Eu vi as luzes daqui do alto. Seu pai andando pra lá e pra cá, do lado de fora, preocupado. Ouvi seu primeiro choro, menino Nino. Nino, menino, um dia eu também fui pequenina. Um broto de araucária.

— Abra os olhos.

Segui o conselho de Maninha e abri meus olhos: afastando a escuridão, um sol radiante me invadiu pela retina. A árvore se mexia! Ao menos, naquele momento, eu pensei assim. O tronco inchava, a casca se expandia e se contraía, como que respirando a plenos pulmões. Fiquei fascinado.

— Viu, Nino, a árvore sabe contar suas histórias. Minha mão estava suada, ainda colada na de Maninha. Soltei.

— Que fantástico, Maninha! Ela me contou do dia em que eu nasci!

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— A mim, ela falou outra coisa. Mas não posso te contar.

Maninha afastou a mão da árvore. Uma marca escura ficou impressa.

— Sua mão!

Aos poucos, a umidade na casca da árvore foi sumindo, sumindo lentamente. Deixamos um pouco de nós ali, naquela araucária. E ela deixou um pouquinho dela na gente, também.

Dizem que uma árvore conta uma história. A Maninha me ensinou isso. Agora é minha vez: vou colocar minha mão aqui na árvore e você coloca a sua por cima. Feche seus olhos...

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ANA ISABEL GOMES DE ARAUJO

Nasceu e vive em Curitiba desde 1979, onde cursou Psicologia e se especializou em Psicanálise e Filosofia. Formada também em balé clássico, deu 11 anos de aulas de balé para crianças, se identificou com esse público com quem sempre teve uma relação gostosa e de proximidade. Foi depois que teve seus dois filhos que quis pôr em prática uma ideia que sempre a acompanhou desde que saiu da faculdade, que era escrever para crianças. Teve seu primeiro livro publicado em 2016, com o título “A Flor bailarina”. Atualmente é psicóloga em consultório particular e escreve para deixar a vida mais leve.

Os brigadeiros Desaparecidos

ANA ISABEL GOMES DE ARAUJO

Nacasa da Vovó Dette quase todos os meses do ano tem alguma festa. Essa casa ficava em Curitiba, todos lá tinham sobrenome Pinhão. No jardim tinham duas araucárias bem grandonas. Todo o inverno as crianças catavam pinhão pra esquentar o barrigão. Mas nessa história não falaremos mais de pinhão. A atração principal das datas festivas da família Pinhão era o brigadeiro.

Um dia antes da festa, a vovó estava sempre atarantada, mexendo sua panela muito concentrada. São várias latas de leite condensado abertas no balcão, e aquele cheirinho gostoso de brigadeiro quente no fogão. Vovó Dette exagerada faz mais do que precisava, para depois da festa dividir com a netarada a sua iguaria encantada. Não importava a idade, nem a disposição, a certeza é sempre de fartura e muita diversão. Mas desta vez depois da festa, algo aconteceu. Os brigadeiros que sobraram, contados no balcão para dividir entre os netos de plantão, sumiram todinhos sem nenhuma explicação.

— Xi! Que desastre, que horror! A netarada gritou.

E a vovó sem saber o que fazer, exclamou:

— Os brigadeiros sumiram! Quem será que os levou?

O Heitor acusou: — Foi a Flora!

A Laura disse: Não, foi o Fernandão que adora comer de montão.

A Flora e o Fernandão falaram que não, não encostaram nos brigadeiros do balcão.

— Então, quem foi? A vovó interveio dizendo calmamente e continuou:

— Não vamos acusar ninguém e sim perguntar, pois alguém aqui da festa

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pegou os brigadeiros sem avisar.

E assim, todos os netos se aprontaram para descobrir o que aconteceu com os açucarados. A esperança era de poder logo encontrar para saborear.

Eram cinco os primos dispostos a investigar. Laura, a mais velha; Fernandão; Heitor, o serelepe; João, o tranquilo comedor de doce e Florinha, a mais novinha e também com maior apetite. Todos adoravam o brigadeiro da vovó, por isso podiam ter comido cada docinho que sobrou. E assim, todos eram suspeitos do ocorrido sem tirar nem por.

A investigação começou. Cada um dos netos envolvidos confirmou e provou que nada tinham a ver com o sumiço dos desaparecidos.

Havia mais dois netos, Pedro e Bernardo, que mal engatinhavam. Não tinham como fazer tal feito e foram tirados da lista de suspeitos.

Todos os netos eram inocentes. Quem poderia ter sido então?

Sobravam da lista, Didi, Susana, Zé, Juju, Aninha, Hugo, Kiki, Marcelo, vovó e vovô, todos os adultos da família Pinhão.

Mas todos são adultos! Exclamou Fernandão, que ficou desconfiado do seu pai, o Zé grandão.

Para resolver sua desconfiança, correu perguntar para o pai, se foi ele o danado que comeu os brigadeiros que sobraram no balcão.

O pai Zé disse que não, que nem viu os tais granulados. Mais um suspeito da lista foi então eliminado.

Antes de irem atrás do próximo suspeito, encontraram uma pista. Na cozinha havia um rastro de granulados pelo chão, que seguiu pela porta dos fundos até o muro perto do portão. A emoção os contagiou, mas a pista acabou ali, e a dica ninguém conseguiu decifrar, a dúvida continuou pairando no ar.

O mistério parecia não ter fim, e o baixo astral começou assim.

De repente, uma ideia apareceu e motivando todos João os surpreendeu.

Ele então explicou:

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— E se a vovó levou os brigadeiros até o muro, junto com os panos de prato que costuma deixar para secar? E se ela levou para algum lugar que não consegue lembrar?

A criançada se alvoroçou e toda a alegria voltou.

A Laura resolveu organizar, estipulou tarefas para cada primo desempenhar, e assim rápido o mistério desvendar.

Lalá e a pequena Flora chamaram a Vovó Dette para uma acariação. Os outros primos encenaram para ela a hipótese de João. Mas a vovó não se lembrava de ter tirado os quitutes do balcão.

Que difícil estava descobrir essa pirraça!

A netarada dessa vez se chateou, e a vovó também triste ficou.

Saíram todos da cozinha cabisbaixos, certos de que a investigação fora um fracasso. Quando num piscar de olhos tudo se revelou.

Vovô José surgiu com seu bigode sujo de chocolate e a Laura lhe perguntou:

— Vovô, o que você estava comendo?

— Os brigadeiros da vovó, Lalá.

O crime não precisou de delator, a investigação estava quase encerrada e as crianças novamente animadas. Vovó Dette não estava entendendo nada.

Foi quando Vovô explicou baixinho para o João onde achou os tais docinhos. João correu até a vovó e a puxou para a lavanderia. Lá encontraram todos os enrolados. Finalmente, ela havia se lembrado, levou os brigadeiros junto com os panos de prato, como João havia imaginado.

Pronto, apesar do susto, a história acabou bem, todos comeram e se empanturraram. A vovó ficou feliz e aliviada, o vovô orgulhoso de ajudar a criançada, e os netos duplamente alegres, pelo mistério solucionado e os docinhos encontrados.

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CARLOS HENRIQUE FAVERO

Carlos Henrique Favero cursou Filosofia da Unioeste/Toledo, período em que se dedicou a publicações de cunho científico e formação profissional. Quando formado, lecionou Filosofia e, por colocação do destino, iniciou um curso de Ciências Sociais enquanto, paralelamente, também lecionou Sociologia. Professor por sete anos em escolas públicas e privadas. Após, se desligou da sala de aula, mas não da educação, pois atende escolas municipais e Cmeis, em projetos de aprendizagem, enquanto Assessor Pedagógico. Esse ano iniciou uma empreitada para realizar o sonho de ser escritor.

Brito, um amigo de longa data

Essa é a história de Brito, um ventilador muito divertido. Aconteceu lá em Capanema, no estado do Paraná. Mas não se engane: não é na Vila

Capanema, bairro de Curitiba, onde fica o estádio de futebol do Paraná Clube!

Capanema fica do outro lado do Paraná. Tão-do-outro-lado que fica encostada com a Argentina, nosso país vizinho. A cidade é famosa por ter muitos fabricantes de melado, um delicioso doce que vem da cana-de-açúcar!

Brito foi encontrado por Luana em uma loja quando ela ainda era criança e passeava com sua mãe, numa época em que não existiam ares-condicionados. Como Capanema faz muito calor, os ventiladores e humanos se tornam grandes amigos!

Brito era muito bom em assoprar vento, girando a sua cabeça para lá e para cá. Além de refrescar com um relaxante barulhinho de brisas que ajudavam até a dormir, ele não deixava nenhum pernilongo chato chegar perto da sua família.

Ele era puxado para todo o canto para soprar seu vento fresquinho. Mas o local que Brito mais gostava de ficar era do lado de Luana, em seu quarto, enquanto ela arrumava objetos para a vizinhança: sim, desde pequena, Luana sabia consertar máquinas!

Alguns anos se passaram e a amizade de Brito e Luana só crescia.

Em um dia muito quente que até mesmo Brito sentia calor, Luana e seus pais foram se refrescar no rio Iguaçu, que nasce bem pequenininho em Curitiba e fica enorme até chegar em Capanema.

Esse passeio foi muito importante para Luana, pois ela conheceu Lucas, um jovem muito inteligente que fazia o melhor melado da cidade de Capanema!

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Eles se tornaram muito próximos desde aquele dia.

Lucas não precisava se preocupar quando uma máquina de fazer melado estragava, pois Luana corria consertar. E claro, ela era recompensada com o maravilhoso doce. Não podemos esquecer de Brito, que ia com eles para todo o canto, pois Capanema faz muito calor!

Mais alguns anos se passaram e Luana e Lucas se apaixonaram e formaram uma família com seus filhos Julia e Miguel. Brito era muito feliz ao lado deles, pois todos podiam brincar e se ajudar.

Brito ajudava mamãe Luana e papai Lucas na limpeza da casa, secando o chão úmido e descongelando a geladeira; com as crianças, Brito ajudava a secar a tinta das pinturas feitas para a escola.

Mas o que ele mais gostava era quando Miguel e Julia queriam cantar com vozes engraçadas e então se sentavam na frente do vento que Brito soprava e largavam toda a cantoria!

Brito também adorava as festas de São João, pois era todo enfeitado pela família com tiras de papel crepom e lantejoulas. Todos elogiavam o quanto ele ficava bonito.

Após alguns anos, Brito já não tinha toda a força de quando era jovem, mas ainda podia ajudar em muitas tarefas; talvez um pouco mais devagar, mas sempre terminava o seu trabalho e divertia muito as crianças.

Certa noite, quando Julia foi dormir, ela ficou muito preocupada, pois, ao tentar ligar Brito, ele não reagiu! Júlia foi correndo avisar a sua mãe que também se preocupou muito!

Nesse momento Miguel se aproximou e pediu se agora eles comprariam outro ventilador, já que Brito estava velho. Julia não gostou da ideia de seu irmão e disse para sua mamãe: “Mamãe, cuida do Brito por favor!”

Miguel adorou a ideia: “Isso! Papai sempre nos disse que você consertava as máquinas dele. Brito precisa ser curado!”

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Fazia muito tempo que Luana não consertava máquinas e estava muito preocupada com aquela situação. Mas ela sabia que tinha que tentar, pois só assim ela poderia salvar Brito!

Então mamãe Luana disse: “Julia, busque as minhas ferramentas, e Miguel, chame o seu pai. Vamos fazer isso juntos!”

Com todos reunidos, mamãe Luana colocou Brito sobre a mesa, ligou uma luz sobre ele e sempre que precisava que alguém alcançasse alguma ferramenta, bastava pedir, pois todos estavam ali para ajudá-la.

Ela precisou abri-lo com uma chave de fenda e com muito cuidado ia examinando o seu amigo, mas ela continuava sem saber o que fazia mal a Brito.

Todos estavam preocupados, pois Brito já tinha muitos anos de vida e poderia estar muito fraco.

Foi então que mamãe Luana encontrou o problema, e disse: “Falta de lubrificação! Da mesma forma que nós precisamos tomar água, Brito precisa de óleo para funcionar bem!”

Mamãe Luana pegou um pouco de óleo e passou sobre as partes que o amigo precisava. Após, todos cooperaram para que Brito fosse montado.

No entanto, toda a família ainda estava muito preocupada: será que Brito voltará a nos alegrar?

Mamãe Luana conectou Brito na tomada, apertou o botão de “ligar” e logo ele mostrou muita força, assoprando o seu vento pra lá e para cá! Todos ficaram muito felizes, pois tinham o seu amigo novamente junto com eles.

Mesmo não sendo o mesmo ventilador forte como foi um dia, eles não

abandonaram quem eles tanto amavam: Brito, o amigo de longa data!

PRISCILA TRIGO MARTINS AZEVEDO

Priscila Trigo Martins Azevedo nasceu em Piracicaba, SP, mas desde os três anos de idade mora no Paraná. Foram 20 anos na terra vermelha de Londrina e os últimos 12 anos nas areias da Região Noroeste, em Paranavaí. Por causa do vínculo profissional e familiar com a Agronomia, conhece e já visitou muitos municípios paranaenses, tendo orgulho e paixão pelo estado. Mãe da Gabriela, de 12 anos, sempre se encantou e se utilizou das histórias infantis. Este é o primeiro conto infantil escrito por ela, num momento de pausa e reflexão da sua trajetória de vida. Sejamos todos atentos.

Olhos atentos

PRISCILA TRIGO MARTINS AZEVEDO

Eupassava e ela estava lá. Todo dia. Toda manhã. Ela me olhava com os olhos pintados, como se tivesse feito uma maquiagem especial, com lápis tons marrons e preto, contorno todo branco.

Virava a cabeça. De um lado para o outro. Bem rápido. Não me perdia de vista. E eu também tentava fixar o olhar nela, como ela fazia comigo.

Era um dos muitos terrenos baldios da cidade, com capim alto e desajeitado por todo lado, normalmente com uma placa de madeira fincada no chão. Nossa cidade tem sessenta e poucos anos, mas meus tios sempre dizem que aqui ainda tem muito pra crescer... escuto falarem das tantas oportunidades do Noroeste do Paraná, com seu calor escaldante e praticamente sem o frio do inverno... terra arenosa das pastagens, laranja e mandioca... Falta chuva em algumas épocas, mas não faltam ideias para o povo do Arenito Caiuá. Aos fins de semana, eu passava ali já no entardecer. E lá estava ela. O mesmo jeito. As mesmas viradas de cabeça. Rápidas. Ágeis. Não me perdia de vista. O corpo imóvel, ao mesmo tempo. Como ela conseguia isso? Eu ficava pensando nela até acabar o quarteirão, atravessar a rua e me deparar com o destino final. A pracinha. Ali, meus pensamentos mudavam de repente, para um cenário cheio de cores, sons, sensações, possibilidades de risadas e aventuras. É certo que nos últimos meses havia menos criança, menos movimento, rostos mascarados por todo lado. Mas a pracinha tinha sido revitalizada há pouco tempo; estava muito

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bonita, pintada, bem caprichada. Pista de caminhada, parquinho novo, grama verdinha, mangueiras, ipês e quaresmeiras. Ali eu não encontrava as exuberantes araucárias que já tinha visto na viagem para a capital, nem o surpreendente nativo manacá-da-serra das idas ao litoral, mas minha avó me ensinava sobre essas outras árvores, como se chamavam, há quanto tempo estavam ali... E lá estava ela, minha avó, sentada no novo banco de madeira da pracinha enquanto eu sentia a areia fria, meio úmida e refrescante nas minhas pernas. Fiz um morrinho de areia, era um castelo. Peguei uns pauzinhos, galhos caídos das árvores, quebrei um por um e coloquei em cima do castelo, ao redor do castelo... com eles contornei uma estrada que levava ao castelo. Agora os galhos tinham se tornado torres. Torres vigilantes que serviam para proteger minha construção.

Levantei a cabeça, olhei de novo para frente e vi minha avó. O corpo imóvel, como minhas torres de galhos, mas mais graciosa, olhando pra mim.

Olhando pros lados. Ela parecia me dizer calmamente, de longe, “eu cuido de tudo ao redor, pode continuar a brincar”.

E assim eu seguia. Brincando de cuidar do meu castelo. Fazendo estradas, riachos e torres naquela paisagem marrom da areia, agora já morna do sol.

Na volta para casa, passando pelo terreno, ela continuava lá. A mesma posição. O mesmo local. O mesmo olhar para mim. As mesmas viradas de cabeça. Rápidas. Ágeis. Corpo imóvel, ao mesmo tempo.

Ei, ela parecia uma torre vigilante também! Era isso!!! Ela era uma avó que vigiava ao redor... ou uma mãe? Um pai? Uma tia de alguém?

Puxei a mão da minha avó e perguntei, apontando:

— Vó, quem ela é?

Paramos de caminhar, ela se abaixou bem devagar até a altura da minha cabeça, como se a torre tivesse se encolhendo por algum mecanismo

engenhoso e me respondeu:

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— É a coruja buraqueira. Sempre acima do seu buraco, do seu abrigo, vigiando e protegendo seu ninho. Atenta. Sempre atenta a tudo ao seu redor.

— Ah, entendi, vó! – eu respondi – E... Obrigada por ser uma coruja também. Quando chegarmos em casa, pinta meu olho para eu ser atenta assim?

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MARÍLIA DIAZ

Marília Diaz é mestre em Arte e Educação pela UFPR. Fez aperfeiçoamento em Arte Educação e pós-graduação em Psicodrama Pedagógico e Metodologia da Arte no Ensino Superior. Tem formação em Educação Artística e Pedagogia. Professora aposentada do Departamento de Artes da UFPR. Artista visual com participação em 82 exposições. Tem acervo de obras em diversos Museus no Brasil. Membro de comissões julgadoras, conselhos consultivos, deliberativos e de curadoria. Coordenadora de projetos extensionistas, membro de comissão organizadora de eventos. Ministrante de cursos e palestrante em eventos, destacando-se Havana – Cuba e Granada – Espanha. Escreveu oito livros, sendo seis infantis e participou de outros cinco livros com capítulos. Hoje se dedica à cerâmica, bordados artísticos e à escrita.

As chaves das portas perdidas

MARÍLIA DIAZ

Firmino se aposentou e decidiu que depois de tanto trabalhar era tempo de não fazer nada. Ficou se enrolando. Viu televisão na sala e por ali também dormiu durante a tarde, a noite não encontrou mais o sono. No dia seguinte, no café da manhã, constatou: as coisas não têm mais o mesmo sabor. Foi ao médico, e o doutor do paladar avisou que as coisas mudam e que o Seu Firmino teria que se preparar para este novo tempo, de ter mais idade. Nada de tapetes em casa e nem dormir com meias, pois, ao levantar, poderia cair no banheiro. Atenção para não fazer xixi no chão. Isso, aquilo e aquele outro... Ficou desacorçoado. Dizer essas coisas para um homem! No meu tempo não era assim!

Onírio, o vizinho, notou que o Firmino estava há muitos dias em casa e resolveu saber o que estava acontecendo. Bateu à porta e lá vem o Firmino de pijama. Firmino, você está doente? Doente, eu? Claro que não. O que faz em casa uma hora dessas? Aposentei-me e agora vou viver a vida. Não fazer nada. Mas, Firmino, a vida continua. Que tal se fôssemos pescar no fim de semana? Pescar no rio Barigüi? Eu não. Não perdi nada lá. Pare, homem do céu!

Neste mesmo dia, ao abrir o guarda-roupa, Firmino nem imaginou que iria fazer um levantamento da própria vida. Sem querer, encontrou a sua caixa de chaves das portas perdidas. Sentou na cama e tirou uma assim, sem pensar.

Era a chave de sua primeira casa em Douradina, o lugar onde nasceu.

Recebeu a chave pesada em confiança, aos nove anos. Às vezes, escondia a chave embaixo do capacho, bem na entrada da casa. Escondia não se sabe do que e de quem, pois morava bem perto de amigos e parentes. De jaguara já ouvira falar, mas ver, nunca vira.

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Pensou no pai, maquinista de trem e nas quantas mudanças que a família fez ao longo da vida. Ventania, Rio Azul, Mato Rico, Farol, Pérola... Resolveu colocar as chaves em ordem, de acordo com o tempo. Assim, começou a enfileirar todas elas.

Que pecado, falou. Fiquei com a cópia da chave da Igreja de Rio Negro!

Pensou no tempo em que foi coroinha. Ah, será que o padre descobriu?

Tão linda e benta, Onírio não resistiu e guardou de lembrança do período em que tocava o sino e andava pelo beiral da igreja. Danações de piá.

A chave pequenina, a menor de todas, era da caixinha de guardar segredos. Moedas, selos, insetos, ossos, bola de búlica, inclusive uma selsa, mesclada, cor de caramelo, valiosa e também foto do Batman e até meia suja. Momentos de Laranjal.

Depois, segurou nas mãos duas chaves, uma do cadeado de sua primeira bicicleta, comprada em Laranjeiras do Sul e outra do celeiro, onde era guardada. Com ela correu, deu cavalo de pau, pirueta, podou carro veloz. Trincou com a friagem.

Aquela chave com desenhos era da casa velha de Realeza. Sofreu com tanta diferença de temperatura. Mormaço, relampeada, depois o toró e o campo florido. Dois palitos e já pensava na mãe virando a chave da porta e ele aos berros: Precisei campear muito. To moído. Rios Piquiri e Goioerê, quanta brincadeira em Mariluz.

Em Floraí era responsável pela chave do barracão, bem em frente ao cafezal e à casa da família. Quanta tranqueira. Andava sempre com a chave no pescoço. À noite, prosa em volta da fogueira e ficar debalde até alguém gritar: olha a bóia.

Lembrou-se dele, já adulto, do tempo em que morou em Roxo Roiz, em Guaragi e trabalhou em Ponta Grossa, abrindo e fechando vitrines de muitas lojas. Dois turnos, manhã e noite. Tempo de muita responsabilidade. O gancho

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de ferro longo, para puxar as portas de metal e o molho de chaves enorme, pesava na cintura. O gancho e a argola, que prendia as chaves, seguiam com ele. No meio de tudo, encontrou um pedaço de cera com a marca de uma chave grande. Essa chave não teve coragem de guardar de lembrança, ficou só com o sinal. Tinha muito orgulho do tempo em que trabalhou no Museu de História da Lapa. Gostava de falar com os visitantes. De zelar pelos móveis, as armas, os quepes dos combatentes, o vestido de noiva e outras roupas. Lembrou-se dos retratos arrumados, como se tudo tivesse acabado de acontecer.

Do tempo passado em Antonina, tinha a chave quebrada do barracão do bloco Boi do Norte. Carnaval com bolera de gente. Tantas histórias, lugar em que todo mundo tem apelido. Lá comeu muita bala de banana, siri e sentiu leseira com o mormaço.

Com a cabeça fervilhando de lembranças tomou uma decisão importante: não queria mais ficar em casa parado, olhando o tempo passar. Resolveu viajar, voltar aos 35 municípios paranaenses onde já havia morado. E como era virginiano, quis completar a lista e conhecer os outros 364 municípios do estado. Emocionado fez a mala com roupas para frio e calor. A seguir ficou se alugando se iria primeiro para Campo Bonito, Roncador ou Jaboti? Depois, deu uma chave para Onírio e pediu para que cuidasse de sua casa, pois iria viajar. Na despedida, confirmou com o vizinho que quando voltasse iriam pescar, mas no rio Paraná, segundo maior do Brasil em extensão. Com ele, além da mala, levou a caixa com as chaves das portas perdidas, pois pretendia encontrar e talvez abrir velhas passagens. Levou também uma caixa vazia para guardar as chaves das portas, até ali desconhecidas.

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LAURA GERALDO MARTINS MARAFANTE

Laura Marafante nasceu em 1988, na cidade de Jaboticabal, interior de São Paulo, e reside em Curitiba (PR) desde 2018. É atriz, bacharel em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Literatura Brasileira (UEL), especialista em Arte e Educação (ESAP-Londrina), mestra em Letras (UEL) e atualmente cursa a graduação em Letras (Licenciatura em Português e Inglês) pela Unicesumar. Publicou, aos 12 anos, o livro “Navegando pelo lixo” e participou da 3ª Coletânea Sesc de Contos Infantis, em 2018, com o conto “Caminho de Passarinho”, o que a impulsionou para a escrita voltada ao universo infantil, onde deseja fazer morada.

Quem é que quer café?

Eraum dia chuvoso e preguiçoso na cidade de Jacarezinho. Se lá havia jacaré, eu não sei, só sei que, mergulhando na represa do Saltinho, atravessando o Morro do Cruzeiro e os Parques Municipais, passando em frente à Catedral Diocesana com as suas pinturas de Sigaud, dando um pulo na universidade e virando logo ali, havia um Miguel e sua mãe.

A mãe de Miguel era apaixonada por café! As suas paixões, para a sua alegria, estavam unidas: Miguel tinha a linda cor do café e até o seu aroma

encantador! O sorriso e o abraço de Miguel eram como um gole quentinho de café numa manhã de inverno, desses que desenham uma fumacinha dançante aos olhos enquanto a gente olha o céu.

Aquele seria mais um domingo comum, um tanto molhado e dengoso, e só isso. Seria, se não fosse por um fato estranhíssimo: Miguel se preparava para dormir, quando, após escovar os dentes, foi para o quarto e se deparou com nada mais nada menos que o seu pijama pulando em cima da cama!

Isso mesmo. Uma blusa de manga longa e um par de calças amarelas com pequeninos dinossauros coloridos desenhados tinham ganhado vida! Uma vida com muita energia! Aliás, a única energia daquela casa naquele domingo.

A criança, primeiro, fechou a porta do quarto e correu, assustada. A mãe, muito cansada, dormia no sofá após um longo dia preparando as aulas de segunda-feira (ela era professora!), e ele ficou com pena de acordá-la. Miguel respirou fundo e, corajoso, voltou ao quarto, sem acreditar no que tinha visto. Abriu a porta bem devagarinho, espiando pela fresta o pijama saltitante que se divertia na cama. Boquiaberto, acompanhou cada movimento, até que perguntou, mesmo sem saber se o pijama também falava:

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— Eu posso saber o que está acontecendo aqui?

Voz ali não havia, mas a expressão do pijama foi bem clara. Primeiro, parou de pular e acenou alegremente. Em seguida, deu um salto, agarrou a mão do menino e o levou correndo para a sala, num vapt-vupt! Apontou, então, para a caneca de café vazia ao lado da mãe. Chacoalhou também a garrafa térmica: vaziazinha. Ele apontou para a própria gola manchada de café e fez um gesto circular com a manga da blusa na barriga.

Miguel entendeu tudo. Nem bem deu tempo de perguntar como que o pijama tinha bebido o café da mãe e já foi puxado por ele, com muita rapidez, para o quintal. O pijama chutou a bola para um lado e para o outro e então para os pés do menino.

— Brincar essas horas? Nananinanão, pijaminha querido! Está tarde, amanhã cedinho eu tenho aula. Agora é hora de me ajeitar debaixo da coberta e dormir.

O pijama demonstrou tristeza, decepção, mas, em segundos, já se animou de novo, correndo para a cozinha. Agitado, o pijama começou a lavar a louça suja da janta: uma pachola deliciosa, um nome muito legal para uma mistura de arroz, frango, legumes e uns temperos, prato típico de Jacarezinho. O menino, bocejando de sono, disse:

— Agradeço muito a sua ajuda, louça suja é mesmo algo desanimador, é a cara de uma segunda-feira. Acordar amanhã com a louça lavada já traria uns sorrisos por aqui… mas está tarde! É hora de dormir!

O pijama, dessa vez, não deu atenção. Deu com os ombros e continuou lavando. O menino, sonolento, cochilou por alguns segundos ali mesmo, em pé. No abrir dos olhos, a louça estava brilhando, e o pijama já se encontrava na sala, revirando alguns livros. Preocupado, o menino correu para a sala e cochichou para o pijama, sentado curioso em frente à estante:

— Ei! Cuidado para não fazer barulho e acordar minha mãe!

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O pijama agarrou um livro com força, e o menino sugeriu:

— Gostou desse? Leva ele lá para o quarto, que eu leio pra você! Quem sabe assim você relaxa e dorme! Ou será que vai ficar ainda mais desperto com a sua imaginação fervilhando?!

A criança ficou na dúvida por alguns segundos, mas resolveu arriscar essa ideia.

Miguel e o pijama foram andando na ponta dos pés (e do tecido) até o quarto. Na porta, Miguel notou que estava sozinho. Olhou para trás e viu que o pijama cobria a mãe, com uma manta que descansava ao lado dela. Assim que os dois entraram no quarto, sentaram-se na cama e se ajeitaram por debaixo da coberta felpuda e quentinha.

O pijama aproximou-se do menino, nele encostou para ouvir a história, bem aconchegado. Miguel estava ainda na metade da história quando notou que o pijama foi amolecendo, se entortando todinho e deslizando, e o menino entendeu que aquilo era o sono batendo. Continuou a leitura, até que também adormeceu, com o livro aberto sobre o peito.

Na manhã seguinte, Miguel acordou com o chamado da mãe e o cheirinho gostoso de café. Ao tirar as cobertas, ainda deitado e com os olhos semicerrados, percebeu que estava vestindo o pijama e, naquela manhã de segunda-feira, foi mais difícil tirá-lo do corpo do que tê-lo feito adormecer.

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FRANCISCO PINHEIRO DA SILVA

Francisco Pinheiro é formado em Letras pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar/Fecilcam), especializado em Gestão Cultural pelo Itaú Cultural e Universidade de Girona/ Espanha. É ator, diretor teatral, produtor cultural e dramaturgo. Escreveu dezenas de textos teatrais, tendo como destaques: Pega-pega leão; O astronauta de Zimbelim; O palhaço e a bailarina e O segredo do menino sem medo. É membro da Academia de Letras de Campo Mourão. Como produtor cultural, no campo literário, já esteve à frente de projetos como Feira Literária do Sesc Roraima, Bienal do Livro, Leitura e Literatura de Campo Mourão e das três últimas edições da Festa Literária Internacional de Maringá (FLIM).

O piá e o lobo-guará

FRANCISCO PINHEIRO DA SILVA

Ojovem lobo-guará, de nome Borochi, continuava a busca pelo fruto do pé de lobeira como havia pactuado com Jaci, a Lua. A promessa era que, se Borochi comesse muitos frutos da planta da roxa flor, poderia uivar como nenhum outro de sua espécie.

Guaraci, o Sol, não contribuiu muito para facilitar a missão de Borochi e o castigou sem piedade na jornada. Borochi caminhou desde os grandes cerrados mato-grossenses até as férteis terras vermelhas do Vale do Ivaí no interior do Paraná.

Procurando algo para beber e comer, aproximara-se perigosamente das habitações dos homens. Não lhe restavam muitas alternativas, pois a vegetação que fornecia alimentos estava diminuindo e as fontes das águas protegidas pela deusa Iara iam ficando raras.

Borochi avistou um pé do tão almejado fruto dentro de uma grande área protegida por arames farpados. Sem muito pensar, tentou alcançá-lo passando por debaixo da cerca. Não calculou bem onde se metia e ficou preso nas garras da cruel malha. Quanto mais se debateu mais atado ficou.

Ao lado da cerca havia um estreito carreador por onde um piá, chamado Marcelo, ia e vinha da escola, que ficava num vilarejo próximo. A família dele era uma das poucas que ainda resistia à tentação de se viver na cidade grande. Tinha um amor imenso por aquele pedaço de chão.

De longe, Marcelo viu algo preso à cerca. Rapidamente foi conferir a cena de perto. Borochi, apesar das poucas forças, rosnou para o estranho que se aproximava. O piá colocou a bolsa escolar no chão e tentou chegar com mão até o arame que prendia o lobo-guará, que instintivamente, avançou com seus

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dentes afiados, quase alcançando seu possível salvador. Marcelo, vendo que seria difícil fazer qualquer coisa naquele momento, recolheu a bolsa e rumou para casa.

Guaraci, que continuava ardendo no céu, provocou:

— Borochi, tu és um lobo tolo! Tentou morder a mão de alguém que só queria ajudar. Por esse motivo, aumentarei a força de meus raios e ficarás ainda mais abatido.

— Cale-se, Guaraci! Não falta muito para que Jaci assuma o controle do céu e venha ao meu apoio. Foi a resposta de Borochi. Antes que a conversa entre o Sol e o lobo-guará aumentasse o tom, ambos viram o piá voltando em posse de uma bacia com água, logo depositada, cuidadosamente, ao lado do prisioneiro. Borochi, desesperado pela sede, e já não temendo tanto aquele desconhecido, começou beber goladas do fresco líquido ofertado.

O piá pulou a cerca, foi até o pé de lobeira, retirou dele um de seus frutos arredondados e trouxe para perto do jovem lobo.

Com muita calma, o piá foi retirando o emaranhado de fios metálicos que impediam a saída de Borochi. Pronto, o lobo-guará estava livre. O infeliz, aos poucos, foi reestabelecendo as forças e pôde finalmente devorar seu fruto preferido. Enquanto comia, era observado pelo piá, que, de forma carinhosa e com um sorriso no rosto, disse:

— Quanta fome, seu lobo! Parece um “João Comilão”! É isso... Vou batizálo de João Comilão.

O lobo-guará pensou em informar ao piá que já possuía um nome, porém lembrou do conselho dos anciões de sua matilha que diziam para nunca falar a língua dos homens, pois o deus Anhangá não o protegeria mais.

A amizade entre o piá e o lobo-guará ganhou força. Todos os dias eles se encontravam perto da cerca e brincavam muito. Marcelo não se esquecia de

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ofertar os frutos do pé de lobeira ao lobo-guará que ainda se recuperava das feridas.

Certo dia, um pouco antes da chegada do piá, Borochi avistou uma enorme serpente perto do local onde ele e seu novo amigo se encontravam. Era Yara’raka, uma jararaca muito venenosa.

— Que está fazendo aqui, velha senhora? Questionou.

— Não se preocupe, filhote de lobo! Meu veneno não é para você. Só espero o filhote de homem para atingi-lo com um golpe fatal.

— Não permitirei que faças algum mal a ele. Respondeu Borochi.

— Não sejas bobo, jovem lobo! Nenhum da espécie dos homens merece nossa piedade.

— Este é diferente. Salvou a minha vida. Se pensas em atacá-lo, terás de me enfrentar primeiro.

Yara’raka já não tinha a mesma força e destreza do seu tempo de juventude. Assim, achou melhor não medir forças com Borochi e, serpenteando, afastou-se para longe do caminho.

Após o fato da serpente, o piá chegou com a mesma alegria de sempre, trazendo água e mais frutos. Em Borochi, no entanto, havia uma pitada de tristeza, sabia que aquele seria o último encontro deles, pois precisava seguir sua vida errante.

Guaraci foi embora e, em seu lugar, apareceu Jaci, iluminando timidamente o caminho do lobo-guará no início de sua nova jornada.

Naquela noite, de sua casa, o piá ouviu o mais lindo uivo de todos, que permaneceria para sempre em sua memória.

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ENILCE FRANCISCA ROCHA

Enilce Francisca Rocha, nascida em Jaguaruna–SC, em 1959, mas curitibana há mais de 40 anos, cidade onde construiu sua vida pessoal e profissional, e onde nasceram suas duas filhas.

Economista pela UFPR, trabalhou grande parte de sua vida na área financeira de um órgão público. Sua paixão pela leitura fez com que, depois de aposentada, passasse a ser voluntária, contadora de histórias, principalmente para crianças em tratamento em hospital oncológico.

Em 2010 publicou seu primeiro livro, O Reino das Princesas Carecas, pela Editora InVerso, em homenagem às crianças para quem conta histórias.

A neve ENILCE FRANCISCA ROCHA

Yurivivia numa chácara, nos arredores de Curitiba, com os pais e cinco irmãos. O pai e os irmãos plantavam hortaliças, que vendiam em uma banca, nas feiras livres dos bairros de Curitiba. Yuri, por ser criança ainda, ficava em casa com a mãe e tinha privilégios por ser o caçula da família e também por ter nascido temporão, quando a mãe já pensava que não teria mais filhos.

Naquele tempo o inverno era rigoroso e, em muitos dias, o gramado em frente à casa de Yuri amanhecia coberto de geada. Ele achava aquela imagem da geada branquinha, cobrindo a grama, a coisa mais linda do mundo. E quando saía para a escola, logo cedo, ia quebrando o gelo que se formara na madrugada. Yuri era sempre seguido por seu fiel companheiro, Pirata, um cachorro todo branco com uma mancha preta sobre o olho direito.

Um dia na escola a professora mostrou aos alunos uma revista com fotos da cidade de Palmas, no interior do Paraná, coberta de neve. Yuri conseguiu visualizar naquelas fotos os flocos de neve caindo, como se fossem algodão, por cima das casas e das árvores. O menino pensou que se a geada no gramado já era uma imagem tão bonita, imagine a neve caindo.

A madrinha de Yuri, que era irmã de sua mãe, vivia no interior do Paraná, e Yuri sabia que ela morava perto de Palmas. Quando chegou em casa contou sobre as fotos da neve, e lembrou à mãe que a madrinha tinha prometido que o levaria para conhecer a fazenda onde morava.

Yuri tanto atormentou a mãe, que na semana seguinte, sensibilizada, ela decidiu ligar para a irmã. O telefone mais próximo era no armazém do Joca. Um telefone público, que comia as fichas rapidamente em uma ligação interurbana.

A mãe de Yuri falou rapidamente com a irmã e contou do sonho do

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filho de ver a neve. A madrinha disse que já era tempo de cumprir a promessa que fizera ao afilhado, que conversaria com o marido e avisaria quando algum vizinho, que fosse a Curitiba, pudesse dar uma carona para o menino até Palmas. As férias de julho estavam chegando. Todos os dias na volta da escola, sempre seguido por Pirata, Yuri passava pelo armazém do Joca e perguntava se tinha recado para a família dele, e nada de recado. Até que um dia, quando estava chegando ao armazém, Joca gritou da porta: —Arrume a mala, guri, que no dia 16 a tua madrinha vai mandar alguém te buscar.

Aqueles dias, até a data marcada para a viagem, foram os mais longos da vida de Yuri. No dia 16 de julho, com a mala pronta, a mãe tinha até comprado uma japona nova para enfrentar o frio de Palmas, ele esperava ansioso, na varanda de casa, a chegada da pessoa que o levaria para a tão sonhada viagem.

Logo depois do almoço, o pai e o irmão voltaram de mais um dia de trabalho na feira. Tinham passado pelo armazém do Joca, e a madrinha tinha deixado um recado: o vizinho estava doente e não viria a Curitiba no dia combinado.

Yuri não queria acreditar. Não pôde segurar as lágrimas. Não teve coragem de desfazer a mala, tinha esperanças que fosse apenas um malentendido e logo um carro entraria pelo portão da chácara para buscá-lo. E mesmo à noite, ainda não convencido de que a viagem não aconteceria, deixou a mala intacta, a japona pendurada no gancho atrás da porta.

A família sempre acordava muito cedo, antes mesmo de o sol nascer.

A mãe era sempre a primeira a sair da cama, para preparar o café da manhã, depois do café todos seguiam para o trabalho. Alguns irmãos iam cuidar da plantação, enquanto o pai, dirigindo o velho caminhão carregado dos legumes e verduras, colhidos no dia anterior, saía com um dos filhos para a feira de rua em Curitiba. Yuri continuava dormindo, até que a mãe o chamava para se arrumar

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para ir à escola.

Naquele dia 17 de julho de 1975, foi diferente. Logo cedo, a mãe abriu a janela da cozinha e gritou incrédula: — está nevando, está nevando! Yuri achou que estava sonhando, porque a neve vinha fazendo parte dos seus sonhos, acordado ou dormindo, desde o dia que a professora mostrara aquelas fotos na sala de aula. Mas, logo em seguida, a mãe entrou no quarto dele, abriu a janela, e gritou mais uma vez: — está nevando, meu filho, vem ver!

Yuri pulou da cama, olhou pela janela e não podia acreditar, a neve caía e já formava uma grossa camada sobre o gramado. O menino ainda lembrou de pegar a japona atrás da porta e saiu correndo para fora de casa. Pirata já estava lá fora, correndo pelo campo e latindo para as árvores carregadas de neve.

Aqueles flocos de neve caindo no seu nariz foi a melhor sensação que o menino experimentou na vida. Ficou ali parado, sentindo aquele frio penetrar em seu rosto, e logo estava rolando na neve, queria sentir em todo o corpo aquela maciez.

Muitos anos depois, Yuri ainda pode sentir a sensação indescritível daquele dia único, quando nevou em Curitiba.

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IGOR VIEIRA PINTO BRANDÃO

Igor Brandão é curitibano nato e apaixonado que, mesmo tendo apenas 22 anos de idade, já possui vasta bagagem cultural e acadêmica. É estudante de Relações Internacionais e Direito, sendo a escrita um hobbie essencial em sua vida desde muito cedo, por volta dos nove anos, responsável por aprofundálo tanto na área artística, quanto acadêmica (já que também produz textos científicos). Igor valoriza a educação precoce como sendo mecanismo que dita sucesso ou fracasso em um país, por isso escreve e lê para crianças. Dentre os seus sonhos, almeja um Brasil culto e coerente, para que se tenha ordem e, com ela, o progresso.

Filippo ao mar

IGOR VIEIRA PINTO BRANDÃO

Omenino, Filippo, vivia em um lugar da Itália com nome Brusaporco. Morava em uma fazenda, mas, por incrível que pareça, lá não haviam porcos, mas sim fileiras de parreiras – um nome feio que dão aos pés de uva – com as quais faziam um maravilhoso suco.

A mãe de Filippo, Sra. Bromália, a chorona, passava horas apoiada na janela da sala, observando o campo e fazendo o que sabia fazer melhor: chorar. Achava muito emocionante ver os cachos crescendo, dia após dia. “Quanta bobabem”, retrucava o vovô, Capitão Mandão, enquanto batia com força a sua bengala no que estivesse ao alcance, para chamar atenção da vovó, Giudatta boca dura, que falava o que vinha à cabeça.

Naquele dia, a Sra. Bromália aprontou-se em enxugar as lágrimas quando viu uma charrete vir em direção ao casarão. Tinha que guardar um pouco delas para receber, aos prantos, sua filha Antonella, a boa donzela, que acabara de chegar da cidade grande, onde fora investir esperançosa os últimos trocados que haviam restado à pobre família. Alguns dias atrás a mãe havia, entre soluços, convencido o marido, Sr. Francesco, de que o “futuro” estava numa terra nova, distante e que propunha uma nova vida, na qual não dependeriam de meros trocados: o Brasil.

— Francesco, vamos, Antonella está de volta! Com os bilhetes! –Comemorou a Sra. Bromália, largando uns dez lenços de pano sobre a mesa e correndo para abrir a porta.

Filippo, o caçula, adorava vagar pela fazenda. Ele preferia mais a palavra “desbravar”, mas não adiantava, seus pais e avós o viam como um cabeça vazia,

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ou pior, cheia de imaginações bobas. Sua irmã era a única que, gentilmente, fingia acreditar nas historinhas que o menino contava, com muitos detalhes, sobre as aventuras pelas quais passou.

Nas proximidades havia uma grande floresta escura, que assustava alguns, e encantava outros… não tantos... quero dizer, apenas Filippo. E não era para menos! Lá, Filippo não precisava ter vergonha de brincar ou de imaginar tão alto quanto o céu. Cada cantinho da floresta era especial, pois era o lar de muitas criaturas incríveis. Befana, a bruxa boa, tinha uma cabana de palha, ao redor da qual Filippo adorava correr atrás do grande e azulado dragão Thyrus, ou então dos pequenos monaciellos que, em muito, pareciam com duendes, porém muito mais travessos.

Entre árvores, rios e trilhas da floresta, Filippo amanhecia e anoitecia, mergulhado em magia e muita aventura. A notícia de que partiria rumo a um novo lar, separado por uma imensidão de mar, estava lhe deixando tristonho. A bruxa Befana foi rápida em notar o desânimo do menino.

Mesmo enquanto brincava, não parou de pensar sobre o que poderia fazer a respeito. Talvez devesse morar com Befana… não, mamãe teria um motivo real para chorar mais. Quem sabe fazê-los mudar de ideia… não! Nem pensar! O banqueiro, Sr. Ruggero de Médici, não tardaria em bater à porta, cobrando do seu pai o empréstimo que fizera para comprar os bilhetes do navio.

Aquele seria o último entardecer de Filippo na Itália. No dia seguinte, logo pela manhã, ao cantar do galo, Filippo teria que dizer adeus a todos aqueles seres mágicos com os quais brincou ao longo dos seus dez anos. Teve uma ideia! Claro que teve, não poderia partir sem os fantásticos amigos italianos.

Cuidando para que vovó Giudatta boca dura não o visse, Filippo foi ao celeiro, escolheu garrafas em melhores condições e correu à floresta. Iria guardar em cada uma delas, todos os seus amigos. Em uma, a boa bruxa, Befana;

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em outras, iriam as fadas; já em outra delas, Filippo iria dar um jeito — com a ajuda da varinha de Befana — de fazer com que o dragão coubesse.

Deu trabalho, mas ao deixar a sua terra natal para trás, Filippo levava consigo inúmeras garrafas cintilantes. Havia as colocado muito cuidadosamente em um malão de couro. Mais cuidadoso ainda, foi, ao entrar no grande navio, Vapor Canton, atracado no porto.

A viagem seria longa, longuíssima, para ser mais exato. À certa curva, em meio a algum lugar do horizonte azul, Filippo ao mar passou o maior sufoco quando algumas garrafas soltaram a rolha. Os malcriados monaciellos, certo momento, foram atazanar o coitado do capitão e tomar o seu leme, na tentativa de girá-lo para a Itália. O menino foi gentil com Befana ao deixá-la esticar as pernas, mas arrependeu-se quando a bruxa teve a péssima ideia de pular no mar, por curiosidade.

Ufa! Que viagem maluca! Logo após ouvir “terra à vista”, correu para a frente do grande navio e bateu o olho em uma árvore esquisita, de galhos largos como braços e folhagens arredondadas. Ouviu alguém dizer que se tratava do Porto de Paranaguá… Num estalo, notou a floresta do novo lar.

Logo que atracaram, Filippo largou da mão da mãe e correu ao tal bosque próximo, arrastando a mala com as garrafas. De cara, foi recebido pelo curupira local que, auxiliado pelo Saci, deu as boas-vindas ao menino na mata. Era muito escura também, porém, no alto voou uma serpente luminosa, abrindo caminho juntamente a uma gralha-azul.

Por mais diferente que a nova terra pudesse ser, Filippo sentiu ali a magia que sentira antes. Abriu as garrafas e, um por um, soltou os seres da Itália. A partir daquele momento, iriam se misturar com outros encantos incríveis do Paraná e do Brasil, terra de vários povos que enriquecem a sua cultura.

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ

Darci Piana Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

Emerson Sextos Diretor Regional do Sesc PR

Maristela Massaro Carrara Bruneri Diretora de Educação, Cultura e Ação Social

Cesar Luiz Gonçalves

Coordenador Geral do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Ernani Buchmann

Coordenador de Jornalismo do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Rosane Guarise

Assessora de Comunicação e Marketing do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Uma história, uma criança e muitas possibilidades para falar sobre a cultura paranaense. Esta coletânea literária, fruto da sexta Seleção de Contos Infantis e Inéditos promovida pelo Sesc Paraná, mostra a diversidade e a riqueza de nossas manifestações culturais, lendas e costumes. O Sesc reconhece e valoriza os elementos da cultura paranaense presentes nas mais diversas manifestações artísticas e aqui incentiva a literatura e a formação de novos escritores.

Venha ler conosco!

Autores:

Adélia Maria Woellner – Piraquara

Ana Isabel Gomes de Araujo – Curitiba

Carlos Henrique Favero – Guarapuava

Enilce Francisca Rocha – Curitiba

Francisco Pinheiro da Silva – Maringá

Igor Vieira Pinto Brandão – Curitiba

Laura Geraldo Martins Marafante – Curitiba

Marília Diaz – Curitiba

Priscila Trigo Martins Azevedo – Paranavaí

Tauan Gonzalez Sposito – Maringá

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