Coletânea de Contos Infantis Sesc (2020)

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Serviço Social do Comércio – Sesc PR

Coletânea Sesc de Contos Infantis

Curitiba, 2020

Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura

C694 Coletânea Sesc de Contos Infantis / ilustração de Ivan Sória

Fernandez; curadoria de Helena Cristina Veiga Carriconde.

Curitiba : Sesc PR, 2020

66 p.: il. color.

ISBN 978-65-86651 -03-4

Fernandez,

Elaine Cristina Itner Voidelo – CRB9/1239

CDD – 028.5

1. Contos infantis. 2. Literatura infantojuvenil. I. Sesc PR. II. Ivan Sória. III. Carriconde, Helena Cristina Veiga. IV. Título

Sonhos que valem a pena viver

Vocês já pensaram o que seria das crianças se não existisse literatura infantil? Como seria pobre a infância, sem as obras que nos fazem viajar por um universo cheio de aventuras, de magia, de descobertas.

Os livros que lemos enquanto somos crianças nunca mais vão sair da nossa memória. Eles serão nossos companheiros para a vida toda. São verdadeiros amigos, que estarão sempre presentes para nos lembrar de um tempo que continua vivo dentro da gente.

O grande pintor espanhol Pablo Picasso dizia que foi preciso estudar desenho a vida inteira para conseguir pintar como uma criança. Quem escreve literatura infantil também tem alma de criança.

Grandes nomes da literatura ficaram famosos escrevendo livros infantis. São obras que não têm idade, passam de geração em geração, maravilhando seus leitores.

Aqui temos novos autores que se revelam. Seu talento faz a imaginação correr solta pelo universo, demonstrando uma aptidão que precisa ser desenvolvida – e apoiada para que sejam conhecidos por todos. Esta é a missão do Sesc PR, premiando a capacidade de invenção e o dom da escrita.

Ler e viajar pelo mundo da literatura infantil é um sonho que vale a pena viver.

Boa leitura!

Janelas para o mundo

Desde 2016, o Sesc PR, por meio da Coletânea Sesc de Contos Infantis, incentiva a produção literária voltada aos pequenos, oferecendo um lugar de protagonismo para a cultura e as belezas e riquezas naturais de nosso estado.

Entendemos, assim, que se são as crianças a luz do mundo – o farol para o futuro que se anuncia diariamente –, a literatura infantil tem a função fundamental de ensiná-las a ler e interpretar o que as cerca, contribuindo para a formação não apenas de novos leitores, mas também de cidadãos comprometidos e críticos, preparados para enfrentar os desafios com alegria e criatividade.

Por isso, cada um dos dez textos selecionados para compor esta 5ª edição da Coletânea é uma janela para o que não pode ser visto de olhos abertos e traz em sua gênese o espírito livre e aventureiro das crianças. E foi essa a lição deixada por Eduardo Galeano (1940 – 2015), o escritor uruguaio, que certa vez falou da importância de abrirmos essas mesmas janelas, físicas ou da alma, sobre as muitas realidades que formam a nossa sociedade.

Consciente do papel transformador da leitura, pelas páginas da Coletânea Sesc de Contos Infantis, o Sesc PR reafirma o seu compromisso com a cultura e a educação, pilares básicos de um povo heroico e de uma nação soberana.

Desejamos a todos uma excelente leitura!

Sumário O CHICO, O CIRCO, O TREM E O TROMBONE Alexandre Vinicius Xavier Penha 11 MEMÓRIAS DE PIÁ André Luiz Pacheco de Miranda 16 ESTELA E O TROVÃO AZUL Céres de Oliveira Jendreieck 23 O MENINO QUE AMAVA O VENTO Greise Cristine de Souza 28 AS GOTINHAS DO NOSSO RIO Guilherme Dreyer Wojciechowski 34
TORÓ, GAROA E BOLINHOS DE CHUVA Josmari Machado Belo 40 O MAPA DOS ENCANTAMENTOS Lilian Deise de Andrade Guinski 47 MANI E A LENDA DA MANDIOCA Malgarete Justina Frasson 53 PITICA, NÃO! Maria Eunice Silva de Lacerda 59 ERA UMA VEZ UM DESENHO Mariluce Zepter Valença 64

ALEXANDRE VINICIUS XAVIER PENHA

Maringaense, 34 anos. Professor, ator e palhaço profissional. Formado em História (2004-2007), Artes Cênicas (2011-2014) e mestrando em Letras (2019), todas pela Universidade Estadual de Maringá. É fundador da Escola de Palhaço (2010), e diretor artístico da Cia. Expressão de Amor (1995) e Projeto Terapia da Alegria (2003). É organizador e autor do livro “Diário de Bordo – Terapia da Alegria” (2017), que conta histórias vividas pelo projeto de palhaços em hospitais; é autor do livro “O menino da Foto” (2019), vencedor do prêmio Aniceto Matti 2019, promovido pela Secretaria de Cultura de Maringá.

O Chico, o circo, o trem e o trombone

ALEXANDRE VINICIUS XAVIER PENHA

Otrem chegou apitando forte e Chico se levantou da cama. Ele era um menino que morava perto da estação e da sua casa escutava todo dia o barulho da chegada ou saída dos vagões. Era aquele som de buzina que tremia a casa e acompanhava o seu dia a dia: o primeiro era o horário de acordar e ir para escola, o segundo indicava a hora de almoçar e, no fim da tarde, um último apito que avisava a hora de parar de brincar e voltar para casa. Essa era sua vida, sempre no ritmo daquele som que vinha da estação. Ele gostava tanto que até pensava em trabalhar de maquinista quando crescesse. Ele era um menino que gostava de brincar e tinha uma turma de amigos que todos os dias se encontrava para muitas aventuras. A preferida era ir até o “parque do Ingá”, que tinha esse nome em homenagem à cidade que morava, Maringá. Um dia o apito do trem avisou da chegada do circo. A chegada foi uma verdadeira festa, teve até um cortejo da estação até o terreno onde o circo foi se instalar. No cortejo tinham palhaços, bailarinas, malabaristas, mágicos e outros artistas que faziam todos sorrirem. A alegria de Chico era grande naqueles dias porque o circo também ficava perto da sua casa. Ele conseguia ouvir tudo o que acontecia naquela lona colorida e, às vezes, o apito do trem e o som do circo se misturavam produzindo uma música bem diferente. Depois de alguns dias, finalmente sua família conseguiu assistir ao espetáculo. Chico ficou encantado com tudo que viu, principalmente, com um músico que tocava um instrumento muito engraçado, tinha um som que parecia uma buzina, como o apito do trem, só que mais grave. Seu pai lhe disse que aquele instrumento se chamava trombone. Ele gostou de tudo o que viu no circo. Quando o apresentador anunciou o fim do espetáculo e todos os artistas apareceram

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para receberem o aplauso do público, Chico pensou em trocar o que queria ser quando crescesse, agora queria ser um artista.

E foi em um dia da semana que ele ouviu o apito na estação que dizia que o circo ia embora para uma outra cidade chamada Londrina. Ele e seus amigos foram ver o trem partir e, depois de passar por eles, um dos vagões deu um pulo no trilho e fez cair caixas que estavam mal amarradas, com o barulho da cidade ninguém percebeu e o trem seguiu seu rumo. Chico e seus amigos correram para ver o que tinha caído, eram quatro caixas: uma tinha perucas, a outra varetas de algodão-doce, uma estava vazia e a última tinha um formato engraçado. Ao abrir, Chico descobriu que era um trombone, aquele instrumento que tinha o som parecido com o do trem. Os amigos começaram a brincar com as perucas, mas ele logo pegou o instrumento e tentou tocar. Chico contou tudo para os seus pais e eles decidiram que iriam guardar o trombone até o circo voltar à cidade. A partir desse dia, ele cuidava do trombone, limpava e até fazia alguns barulhos. Entre assopros que pareciam mais o som de apitos e buzinas, Chico começou a tocar algumas notas. E foi assim que brincando, quase sem querer, que ele aprendeu a tocar uma música chamada “Maringá, Maringá” e que era a origem do apelido de sua cidade, “a cidade canção”.

Só depois de muitos anos foi que o circo voltou à cidade. Era a mesma lona, mas com artistas e músicos diferentes. Chico já tinha crescido e sabia tocar de verdade, ele era sempre convidado para se apresentar em bailes. Quando o circo chegou, Chico também foi convidado para tocar e fazer parte da trupe enquanto se apresentavam na cidade. Foi um grande sucesso, seus assopros produziam sons, apitos e buzinas que juntos de outros instrumentos criavam divertidas músicas que encantavam a todos.

Depois de alguns dias o circo iria embora e Chico foi chamado para fazer parte da trupe. Ele não sabia como falar com seus pais e nem se conseguiria deixar seus amigos para uma nova vida. Todas as noites, depois das

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apresentações, voltava para sua casa em silêncio, pensando qual seria a melhor decisão. Quase no último dia para ficar ou viajar, ele foi até os trilhos do trem e ficou olhando para tudo ao seu redor, ele queria decidir pela melhor escolha. Foi quando ouviu o trem apitando e avisando a todos que estava chegando na estação, aquele som foi especial para Chico, era um som agudo que parecia dizer “sim”. Chico sorriu. Depois de algumas horas arrumando suas coisas, Chico chegou à estação. Dessa vez, ele estava dentro do trem e pôde ver alguns amigos que estavam perto dos trilhos para a despedida. Chico estava sentado e abraçava a caixa do trombone para que ela não se perdesse. Na estação estava a sua família, que chorava de alegria por sua partida, e acenava para o trem, para o circo, para o trombone e para o Chico. Ele estava indo para outra estação. Ele tinha se tornado um artista.

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ANDRÉ LUIZ PACHECO DE MIRANDA

André Luiz Pacheco de Miranda nasceu em Cafelândia, no oeste do Paraná em 23 de setembro de 1992. Estudou a vida toda em escola pública, formando-se no curso de Formação de Docentes para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental no Colégio Estadual Amâncio Moro de Corbélia – PR. Trabalha como professor da Rede Pública Municipal de Ensino de Cascavel desde 2012. Formou-se em Pedagogia em 2016 e atualmente está em processo de conclusão de Mestrado em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Já transitou por todas as séries iniciais e atualmente atua como coordenador pedagógico na Rede Municipal de Cascavel – PR.

Memórias de piá

ANDRÉ LUIZ PACHECO DE MIRANDA

Euadorava acordar cedo e ir para a escola aqui em Guaíra. Pode parecer estranho uma criança que gosta de acordar cedo e ir para a escola, mas sempre gostei. Acordava sempre bem cedinho ouvindo os passarinhos cantando na janela do meu quarto, o sol brilhando pela fresta com a luz bem no meu rosto e bem ao longe, mas sempre presente, o som das águas que vinham das Sete Quedas. Ah! As Sete Quedas! Adorava ouvir aquele barulho que em dias de ventania ficava mais agudo e se misturava com a realidade de ter que acordar cedo com os meus sonhos de menino. Conseguia até adivinhar quando ia chover, só pelo barulho das águas. Meu avô sempre disse que ninguém previa melhor o tempo do que as quedas.

Conheci as quedas aos cinco anos de idade. Minha mãe já tinha me levado antes, mas não lembro de nada. Naquele dia quente de verão aqui em Guaíra lembro perfeitamente das águas molhando o meu rosto pela primeira vez. Parecia que era o próprio sopro de Deus beijando levemente minha face para aliviar a quentura. Foi a primeira vez que eu vi algo tão majestoso e naquele momento tive a sensação de me sentir tão pequeno diante da grandeza da natureza, mas ao mesmo tempo tão grande por poder ver algo de perto que poucas pessoas tinham a possibilidade de ver. Aquele dia foi mágico. Tomamos um sorvete na volta para casa e o meu pai disse que da próxima vez íamos levar a minha irmãzinha também.

Cheguei em casa tão animado que não parei de falar um minuto. Meu avô então me contou os causos de quando ele era jovem, das vezes que ele caçou passarinho com seu velho estilingue nas matas em torno das quedas, das pescarias no rio Paraná, do namoro com a minha avó que começou também

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em um dia de verão na década de 30 ali mesmo, naquele monumento. E eu, fascinado, tentando imaginar cada aventura, sonhando em um dia poder ter as minhas histórias para contar, sentado junto com meus filhos e netos e falando para eles do dia que eu conheci as quedas e do dia que eu senti a grandeza da natureza em mim. Sonhava com todas as aventuras que um dia poderia viver ainda. Naquele dia tive a certeza: as quedas eram o melhor lugar do mundo e eu queria ficar ali para sempre.

Na escola, adorava as aulas de Ciências. Certa vez a professora levou a turma para ver as quedas. Não havia novidade, quase todos já conhecíamos o lugar, mas com a professora nós vimos coisas que com nossos pais sempre passavam despercebidas. Um novo mundo de ideias passou a povoar a minha cabeça porque aquele lugar não só era um santuário da natureza, mas era um santuário de vida. Cada pedra daquela tinha uma história para contar! Cada musgo, cada folha. Ali eu tive a certeza de que não havia outro lugar melhor e mais bonito que aquele. Pela TV já havia visto os canyons nos EUA, as Cataratas do Niágara no Canadá e com todo respeito às Cataratas do Iguaçu, mas não havia lugar mais majestoso e mais cheio de vida que aquele. Eu e meus colegas nos silenciamos diante da natureza. E olha que fazer uma turma de trinta crianças silenciar não era tão fácil assim. Mas naquele dia, as águas foram as professoras e nós não tivemos outra saída a não ser calar e apreciar a beleza delas se descortinando em nós.

Hoje já não ouço mais o barulho das quedas. Os passarinhos já não cantam mais na minha janela quando acordo cedo para ir à escola. O sol que brilha no meu rosto pela fresta da cortina já não tem a mesma força de antes. O verão de Guaíra segue quente, mas sem o frescor das águas que caíam do Rio Paraná. Ligo a TV para assistir desenhos, abro a geladeira, ligo a lâmpada do porão em busca das memórias da vida de antes e sinto uma saudade do tempo bom que não existe mais. Percebo que toda a beleza daquelas quedas que

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outrora visitara agora se traduz em energia elétrica e aquilo que era de graça, agora é tarifado mês a mês. E assim o passado e o presente se cruzam ali entre fotos, imagens, reportagens do jornal, memórias e a luz elétrica que me ilumina. De vez em quando visito o lago que encobriu o espetáculo das quedas. Sinto uma grande tristeza, um aperto no meu peito por todas as histórias que eu não vivi, todas as aventuras que eu não tive a oportunidade de experimentar, toda a imensidão da natureza que foi silenciada. E quando a água do velho Paraná abaixa um pouco, as copas das árvores ressurgem sobre as águas como se fossem mãos pedindo socorro. Eu só queria poder ajudar, mas eu não posso fazer nada. Porque se eu pudesse traria de volta, pelo menos por um dia, o passado o qual tanto sinto saudade para que pudesse ao menos me despedir. Diante daquela cena tão triste, uma lágrima salta dos meus olhos, me sento com o velho estilingue do meu avô na mão e admiro aquelas águas calmas e mortas que um dia foram tão vivas e me fizeram sorrir e ser feliz.

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CÉRES DE OLIVEIRA JENDREIECK

Céres de Oliveira Jendreieck nasceu em Ponta Grossa, no Paraná, em 17 de abril de 1984. Passou a infância e adolescência vivendo no centro da cidade e aos fins de semana costumava passear com a família para conhecer as belezas naturais da região dos Campos Gerais. Desde muito jovem tomou gosto pela leitura e também adorava escrever poemas. Estudou Pedagogia na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), formando-se em 2006. Em 2007 mudou-se para Curitiba para estudar Psicologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em 2010 iniciou como professora da Rede Municipal de Curitiba. Adora dar aulas para crianças, contar e escrever histórias, brincar com as palavras e com a imaginação.

Estela e o trovão azul

CÉRES DE OLIVEIRA JENDREIECK

Era final de primavera, mas ainda amanhecia gelado em Ponta Grossa. Estela acordou ansiosa naquele sábado. Após a semana toda de aulas, finalmente ela teria algo diferente para fazer. O professor de Geografia ia levar a turma a uma caverna.

Estela abriu as cortinas e viu o sol, observou atentamente as árvores da praça sendo chacoalhadas pelo forte vento da cidade. Colocou uma calça jeans velha, camiseta vermelha e um moletom preto. Calçou os tênis e preparou a mochila com lanterna, toalha e agasalho para o retorno. Foi para a cozinha.

– Bom dia, mãe! – Disse Estela.

– Bom dia, filha! Já está pronta? Não saia sem comer alguma coisa! –Disse a mãe carinhosamente.

Estela pegou uma banana e foi comendo enquanto colocava na mochila um pacote de bolachas, uma maçã e suco de caixinha.

– Que caverna é essa que vocês vão visitar? – Perguntou a mãe.

– Caverna Olhos D’água. Fica em Castro. – Respondeu a menina – Vou levar a câmera para tirar fotos. – Tchau, mãe!

Estela saiu com a mochila nas costas e um sorriso no rosto. Seria sua primeira aventura numa caverna. Caminhou em direção à Praça Barão do Rio Branco, o local de encontro da turma era ao lado do antigo Ponto Azul. Enquanto caminhava, Estela avistou a Xuxa do Calçadão, pedinte conhecida do centro da cidade por dançar em frente às lojas. Ela usava saia curta e nenhum agasalho que a protegesse do vento. Levava uma sacola em uma das mãos e um pão na outra. A menina tirou do bolso umas moedas e deu para a pobre, que retribuiu com um sorriso e saiu saltitante.

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Quando Estela chegou próxima aos seus amigos, ouviu a notícia: – O ônibus estragou. O professor Felipe está tentando conseguir outro. –Disse Juliana.

A turma toda ficou cabisbaixa com medo de perder o passeio. Estela olhou para o lado e viu o professor falando ao celular um pouco afastado.

Nós vamos de Trovão Azul! Já deve estar chegando! – Anunciou o professor com um sorriso. Ninguém entendeu. Então ele apontou para o alto da Rua Augusto Ribas.

A turma viu um ônibus que mais parecia ter saído de um filme dos anos 70. Era azul, com uma faixa branca na qual se lia: Universidade Estadual de Ponta Grossa.

Trovão Azul é o apelido carinhoso que alguns estudantes deram a este ônibus devido ao ronco de seu motor antigo. Há algumas lendas sobre ele também.

– Parece tão velho. – Disse Lorena.

– Será que chega até a caverna? – Perguntou Juliana.

– Não se preocupem meninas, o ônibus foi restaurado. – Explicou o professor.

Durante a viagem o professor entregou os capacetes. Quando o ônibus parou, todos desceram e caminharam atrás do professor por uma trilha até chegarem à entrada da caverna. Era um buraco pequeno numa grande rocha no meio da mata. Para entrar, ia um de cada vez engatinhando pelo buraco, com as mãos e pés dentro da água fria até encontrar o primeiro salão da caverna. Todos lá dentro, o professor mostrou pequenos morcegos, formações rochosas diversas, estalactites e estalagmites. Depois sugeriu que todos apagassem as lanternas.

Escuridão total. Mesmo com esforço ninguém via coisa alguma. A brincadeira começou com vozes e assobios, risadas. Estela sentiu medo e não aguentou, acendeu a lanterna. O silêncio foi imediato. O vazio também. Todos os

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seus amigos e o professor haviam sumido. Estela estava sozinha, havia se perdido de sua turma, mas não entendia como.

Começou a procurar os amigos desesperadamente, colocando a luz da lanterna de um lado a outro enquanto tentava andar na água sem cair. Morcegos voavam em sua direção batendo as asas em sua cabeça. O desespero da menina ia só aumentando. A água começou a subir rapidamente e ela precisava nadar, estava quase se afogando quando gritou por ajuda.

– Estela, acorde! – Disse Lorena em tom alto e preocupado.

Estela viu Lorena e Juliana ao seu lado, sem capacetes. Percebeu que estavam dentro do Trovão Azul e havia dormido na viagem. Fora um pesadelo.

– Eis uma lenda do Trovão Azul acontecendo debaixo dos meus olhos. –Disse o professor.

Os estudantes olharam para ele com estranheza.

– Diziam que em todas as viagens pelo menos um estudante dormia e tinha um pesadelo terrível. Deve ser verdade. – Explicou o professor. Então olhou para fora e disse – Chegamos. Quem está pronto para entrar na caverna?

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GREISE CRISTINE DE SOUZA

Greise Cristine de Souza, natural de Arapongas – PR, criada em Apucarana. Apaixonada por literatura, poesias, contos, música. Escreve desde a adolescência como hobbie e expressão de sentimentos e arte.

O menino que amava o vento

GREISE CRISTINE DE SOUZA

Joca

era um menino 6 anos, que morava em Apucarana, no norte do Paraná, conhecida como Cidade Alta, Apucarana é uma cidade conhecida por ter bastante vento. Joca tinha a pele bronzeada, cabelos lisos e compridos. Ele amava correr, sentir o vento e o sol, adorava andar de bicicleta e inventar mil aventuras. Não conseguia ficar muito tempo sem atividades ao ar livre. Ele se considerava um garoto de sorte, pois seus pais sempre o incentivam a explorar e descobrir coisas novas.

Certo dia ele viu algumas crianças soltando pipa e pediu para seu pai comprar uma, pois parecia algo divertido, envolvia vento e corrida, não poderia ser chato. Joca queria o lugar com mais vento da cidade para soltar a sua pipa, e já tinha o lugar em mente; na rua do prédio que ficava perto da igreja matriz, mas ele não contou seu plano para ninguém, estava esperando o dia que seu pai traria a pipa para aí sim, falar o lugar perfeito para essa aventura. Eles tinham combinado que soltariam pipa no sábado e já na quarta-feira Joca tinha vários planos para as melhores corridas para a pipa subir o mais alto possível e estava treinando suas corridas mais divertidas e velozes. Corria e saltava no quintal de sua casa, seu irmão Danilo o acompanhava nas corridas e disputavam quem corria mais rápido ou pulava mais alto, enquanto o cachorro tentava acompanhar as brincadeiras.

No sábado Joca acordou cedinho, queria aproveitar o dia, seu pai tinha comprado duas pipas coloridas, uma em formato de pássaro azul, vermelho e amarelo, e outra preta com uma caveira de pirata. Eles resolveram fazer um piquenique em família, então sua mãe e irmão também iriam participar da aventura. Joca estava muito animado.

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Seus pais colocaram todas os quitutes no carro, e um cooler com água, suco e mais algumas outras bebidas. Seu irmão escolheu levar uma bicicleta e mais alguns brinquedos para passar o tempo. Eles estavam animados com o piquenique e Joca mais ainda com a pipa. Quando percebeu que seu pai estava dirigindo pra outro lugar Joca falou que ele tinha escolhido aquela rua do prédio alto que todo mundo fala que é o lugar que mais venta em Apucarana. Aí seu pai explicou que ali não dava para soltar pipa, era uma rua muito movimentada e cheia de fios de eletricidade, telefone e internet e que eles precisavam de um lugar com bastante espaço, mais tranquilo, que seria melhor um campo ou um parque e que é para onde estavam indo. Joca se surpreendeu de não ter pensado nos fios, mas riu e foi contente pro parque pra aprender a soltar pipa. Passaram um dia agradável no Parque do Jaboti e Joca adorou soltar pipa, até mesmo seu irmão, que era mais novo, aprendeu. Correram e brincaram até se cansar.

Quando estavam indo embora Joca entrou no carro e disse:

– Pai tenho mais uma ideia pra uma nova aventura! Mas vamos ter que esperar eu crescer mais um pouco...

– Ah é, e qual é?

– Saltar de paraquedas, quero tocar nas nuvens e no vento! Nossa, vai ser uma aventura e tanto! Mas temos que esperar você crescer mais mesmo!

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GUILHERME DREYER WOJCIECHOWSKI

Natural de Curitiba, tem 37 anos e reside em Foz do Iguaçu desde os cinco. Profissionalmente, atua como radialista nos segmentos de informação, cultura e esportes. É pai de uma menina chamada Alice e de um menino chamado Afonso. Tem o hábito de ler um livro por semana, no tempo em que passa no ônibus ou salas de espera.

As gotinhas do nosso rio

GUILHERME DREYER WOJCIECHOWSKI

Amenina descia a trilha das Cataratas do Iguaçu, empolgada. Com sua câmera, já tinha clicado um quati, dois lagartos e muitas borboletas, de todas as cores. As fotos estavam lindas, mas algo parecia estar diferente.

Mãe, as Cataratas são sempre assim? – Perguntou a menina.

– Assim como, filha?

– Nas fotos que você tirou quando eu estava na barriga, parecia que tinha mais água.

– Tinha sim – confirmou a mãe. – É que estamos na estiagem, que é quando quase não chove. Você lembra quando foi a última vez que choveu?

– Não – disse a menina, fazendo um esforço. – Mas a vovó contou que faltou água na torneira da casa dela. As Cataratas também têm torneira?

A mãe sorriu antes de responder.

– A água das Cataratas vem do rio. Você sabe o nome deste rio?

– Sim, Iguaçu – respondeu a menina, memorizando a explicação do guia.

– Que significa “água grande”, na língua dos índios que moravam aqui. Mãe, e de onde vem a água do rio? – Vem dos pequenos rios, que vão se unindo pelo caminho, até formar um rio bem grande.

– Riozinhos como aquele, perto da nossa casa? – Sim, é um dos que formam a bacia do rio Iguaçu.

– Podemos passar lá na volta?

– Claro, filha. – Concordou a mãe.

Um dos segredos que a natureza guarda é que perto da casa de cada criança sempre existe um rio, que às vezes nem tem nome. No bairro da menina há uma nascente, que não estava bem cuidada.

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– Por que as pessoas jogam lixo aqui, mãe? Tem uma placa lá na rua e está escrito que é “proibido”, eu li. Elas ainda não sabem ler?

– Sabem sim, filha. É que elas não entendem que, para ter água para beber e plantar, a gente precisa cuidar de cada riozinho.

– E como a gente pode cuidar do rio do nosso bairro? – Quis saber a menina.

– Podemos cuidar de vários jeitos: tirando esse lixo, plantando árvores, convencendo as pessoas...

A menina, então, teve uma ideia: – Mãe, e se eu chamar os amigos da rua e da escola e a gente formar um clube de protetores da natureza?

Ótima ideia! – Incentivou a mãe, orgulhosa. – Pode contar comigo!

Desde então, todos os fins de semana, as crianças do bairro levam os pais até a nascente para tirar o lixo que outras pessoas jogam, plantar árvores e passar horas educativas e divertidas, protegendo o meio ambiente.

Em uma das tardes, um homem com uma caçamba, contendo restos de construção, se aproximou do lugar. A menina foi logo avisando:

Não pode, senhor. Aqui só pode jogar semente e muda de árvore.

Comovido, o homem ofereceu o espaço que sobrava na caçamba para levar, até o aterro sanitário, os entulhos e o lixo que os “Super Amigos pela Natureza” juntaram naquele dia.

Semana após semana, a corrente continuou crescendo. Hoje, a cada ida à nascente, os amigos encontram menos lixo, mais plantinhas e mais água no riozinho, que já ganhou até nome: Rio de Todos Nós.

Na última vez, porém, a mãe percebeu que a menina estava triste, olhando para um canto vazio do terreno.

– O que foi, filha? Está preocupada? – Não, mãe. Só estou pensando que as sementes de flores, que eu plantei naquele canto, não germinaram.

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Sorrindo, a mãe abraçou a menina:

– Filha, a semente mais valiosa que você plantou germinou aqui, nos nossos corações. Antes, ninguém ligava para o riozinho. Hoje, somos todos protetores da natureza!

A menina, então, lembrou de como tudo começou. – Mãe, podemos visitar as Cataratas de novo? Quero ver algo muito especial. – Claro, filha. O quê?

– As gotinhas do nosso rio formando o espetáculo das águas!

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JOSMARI MACHADO BELO

Josi Belo nasceu na cidade de Palmeira, interior do Paraná, graduada em Pedagogia e pós-graduada em Educação Especial com ênfase em Inclusiva pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná é professora da Rede Municipal de Curitiba e apaixonada por livros infantis. Descobriu a magia e a paixão pelas histórias infantis, incentivando os filhos à leitura, acredita que os livros são portais mágicos que podem nos levar a diversos lugares e tempos.

Toró, garoa e bolinhos de chuva

JOSMARI MACHADO BELO

Acostumado com a vida na cidade grande, Pedrinho morava no décimo quinto andar de um prédio na capital paranaense, gostava muito de passear com a família nos fins de semana e de tomar café da manhã na padaria do Sr. José Américo. Pedrinho adorava comer o chineque de lá, a única coisa que ele gostava mais que o chineque da padaria do Sr. José Américo era o bolinho de chuva com banana da sua avó.

Pedrinho foi surpreendido em certa manhã com a visita de sua avó, Dona Josefina Figueira, figura ilustre do interior do Paraná. Dona Josefina era uma mulher sábia, de aparência carismática, tinha um sorriso encantador e era muito conhecida lá para os lados de Palmeira pelos seus bolinhos de chuva com banana, iguaria muito apreciada pelos moradores da cidadezinha e também pelos familiares.

Dona Josefina veio até a capital para visitar seu filho José Pedro e para convidar o netinho Pedrinho para passar uns dias em sua casa na cidade de Palmeira. Pedrinho ficou entusiasmado e empolgado, pois nunca tinha ido para a casa da avó, era dona Josefina quem sempre visitava a família do menino na capital.

Durante a viagem, a paisagem vista através do vidro do carro se transformava, os prédios da capital davam lugar a uma vista com muitas árvores e um verde que deixou Pedrinho encantado. O tempo estava ensolarado e durante a viagem o menino pôde observar muitas coisas pela estrada, como era muito curioso, fazia o tempo todo perguntas para dona Josefina.

Ao chegarem à casa de dona Josefina, Pedrinho resolveu ir conhecer o lugar, ficou encantado com o enorme galinheiro e decidiu entrar para explorar,

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mas o piá não poderia imaginar o que estava para acontecer. O barulho que vinha de fora do galinheiro era estrondoso que até as galinhas estavam estremecidas em cima dos poleiros, quase botando ovos de medo. Pedrinho também ficou amedrontado, pois o barulho era ensurdecedor. De dentro do galinheiro pelas frestas das tábuas o menino observava a paisagem se modificando, o céu ensolarado foi se transformando, ficou tudo escuro, sem contar os fortes ventos que balançavam as folhas de todas as árvores com uma força incrível. As roupas que estavam no varal da casa vizinha foram se enrolando de tal forma que não dava para saber o que era calça e o que era blusa, pois estavam todas unidas parecendo uma serpente se movimentando com a força da ventania. Por um instante Pedrinho achou que o mundo estava acabando e o medo crescia a cada segundo dentro dele, aquele momento parecia durar mais de horas, repentinamente ele ouviu:

– Pedrinho vem pra casa piá, vai cair um toró de assustar até sapo do brejo! Disse dona Josefina da porta cozinha com os cabelos esvoaçantes.

– Estou indo, vozinha! Respondeu prontamente Pedrinho, com o coração mais acelerado que o trem que passava pela antiga estação ferroviária de Palmeira, mas sem entender direito o que a avó tinha dito.

Já dentro de casa Pedrinho deu um pulo ao ouvir um barulho ainda mais forte do que aquele que o tinha assustado no galinheiro, os gatinhos que estavam na cozinha ao lado fogão a lenha ficaram com os pelos ouriçados e correram para se esconder. Pedrinho também estava muito assustado, nunca tinha visto e ouvido nada igual. É claro que a essa altura já caía um pé-d’água e o barulho era muito diferente das chuvas que o menino já havia presenciado da janela do apartamento que morava.

O temporal durara quase a tarde toda, Dona Josefina querendo alegrar

Pedrinho, que estava muito assustado, resolveu fazer a sua receita de bolinhos de chuva com banana, preparou com todo carinho e amor a famosa iguaria. O menino não saiu um só minuto de perto da avó, quando ela colocou os bolinhos

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no óleo quente para fritar, tomou um baita susto.

– Vozinha!!! Os bolinhos fritando fazem um barulho parecido com o da chuva caindo, mas a chuva lá da minha casa! Exclamou Pedrinho com a voz ainda trêmula, com medo da tormenta.

– Verdade Pedrinho, nunca tinha prestado atenção nisso. Respondeu dona Josefina com um doce sorriso nos lábios.

A barulheira do aguaceiro que caiu assustou Pedrinho, mas com a intenção de mostrar ao neto que a chuva não faz mal a ninguém, depois de saborearem os bolinhos de chuva com banana e um delicioso café coado, Dona Josefina fez para Pedrinho a proposta de saírem para e brincar na chuva que agora caía bem fraca, uma garoa. Pedrinho, com um pouco de receio, aceitou a proposta da avó e se divertiu muito pulando nas poças de lama deixadas pela assustadora chuva, naquele fim de tarde, o menino percebeu que a chuva não faz mal a ninguém.

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LILIAN DEISE DE ANDRADE GUINSKI

Nascida em Curitiba – PR. Autora dos livros infantis “Vovó Esqueceu Meu Nome”, “Patuscadas de Um Livro Infantil”, “Um Camelo no Camelódromo”, “Uma Bola Para Dois Irmãos”. Contemplada com os prêmios: 1.º lugar Cepe de Literatura Infantil e Juvenil 2013; Concurso Internacional de Literatura União Brasileira de Escritores RJ. 3º lugar – Prêmio Stella Leonardo – Literatura infantil; 1º. Lugar (poesia e contos) Talentos Fenae/Apcef edições 2019, 2018 e 2017, e outros. Participante de diversas antologias, entre elas as Coletâneas de Contos Infantis promovidas pelo Sesc PR, nos anos de 2016 e 2017. Graduada em Letras e Mestre em Estudos Literários, é também especialista em Literatura Infantil e Contação de Histórias.

lto sob a poça d’água. Quase um escorregão. Mais um salto sob outra... corpinho desequilibrado. E agora um pulo! Direto para dentro de uma enorme

O mapa dos encantamentos

LILIAN DEISE DE ANDRADE GUINSKI

Aslinhas das letras, ora curvas, ora retas, conduziam a curiosidade da criança.

Com olhos de aprendiz, Pedro seguia os dedos maternos no deslizar pelo mapa como que a bordar de saudade os caminhos percorridos pelo pai na sua lida de caminhoneiro. Para embalar o ensinamento, a mãe passou a cantarolar as letras do nome de cada cidade que fizera parte dos trajetos do marido e a mostrar como cada letra, unindo-se às outras, formava uma plantação de lindas palavras.

O mundo parecia feito das cores de cada cidade representada no mapa. Das linhas das estradas tramadas no papel como tênue teia de crochê. Dos nomes das cidades cujas letras se misturavam no palavrório do menino e a todos divertia.

Passeando pelo mapa, Pedro conheceu o alfabeto inteiro. Descobriu até que não existiam municípios iniciados com as letras Y e Z, mas as encontrou no meio ou no final dos nomes.

– Hoje, seu pai vai passar por Laranjal e Pitanga – compartilhava a mãe com o filho a saudade e o orgulho pelas andanças do marido.

Da simplicidade da criança brotavam perguntas e risos: “Por quê?” “Nós temos laranjas e pitangas e até mimosas no quintal!”

Depois da deliciosa gargalhada, a mãe seguia a narrar o itinerário do caminhoneiro:

– Em seguida, irá para Palmital até chegar à cidade de Roncador.

– Roncador? Que engraçado. Parece minha barriga com fome. Minha pança não para de barulhar e roncar e estrondar.

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Além das povoações com nomes de frutas, as cidades de que Pedro mais gostava eram aquelas com nomes de bichos: Cascavel, Jaboti e Jacarezinho.

Viajando com os olhos e a imaginação pelos caminhos do mapa, o guri descobriu as pedras preciosas e se perguntava: – Onde está o Diamante do Leste?

E os municípios com nome de gente geravam ainda mais perguntas:

– Quando crescer vou ter uma cidade chamada Pedro?

– Todos os moradores têm o mesmo nome das cidades com nome de gente?

E, assim, dentro de um lar que carecia de conforto e luxos, um pedaço de papel propiciava ao menino um mundo inteiro de aventuras.

A mãe temperava os pedaços de abóbora fervilhantes no tacho de cobre sobre o fogão a lenha enquanto cantarolava tristemente. De supetão, ouviu o soluçar do filho.

– Por que o choramingo? – Perguntou, abraçando o filho debruçado sobre o mapa.

– Ele está a duas mãos daqui... Uma lonjura de duas mãos.

A mãe entendeu que o filho, na singeleza da saudade infantil, mediu com suas pequeninas mãos a distância que o separava do pai. E quando o caminhoneiro retornou ao lar, o guri fez questão de mostrar à mãe, com a ponta do dedinho indicador sobre a planta do estado, que a lonjura tinha diminuído e diminuído até acabar.

E, assim, decifrando os caminhos do mapa, o piá entrou no mundo das letras. Quando já caminhava a passos firmes pelas trilhas das letras, sílabas e palavras, chegou o dia de Pedro ir para a escola.

A professora admirou-se com a erudição do pequeno guri. Pedro, com a simplicidade dos sábios, explicou suas viagens pelas letras do mapa.

Todos os colegas de classe queriam compreender a vida pelos caminhos apresentados pelo mapa.

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Assim, muitas crianças perceberam nas letrinhas do mapa trechos das próprias histórias.

O filho do agricultor descobriu as cidades para onde os alimentos plantados pela família iam alimentar os moradores e ficou muito orgulhoso e feliz. A filha da costureira tamborilou os dedinhos sobre o mapa e percebeu de onde vinham os tecidos e aviamentos com os quais a mãe alinhavava lindos vestidos e práticos uniformes. O neto do maquinista conheceu os destinos para onde a estrada de ferro levava o velho avô e, com segurança, trazia-o sempre de volta ao lar.

A professora mostrou aos alunos o caminho que materiais escolares como cadernos, canetas e lápis, giz e carteiras percorriam para chegar à sala de aula.

Ao final das viagens criativas pelo mapa, a mestre mostrou aos estudantes um outro tipo de mapa: o livro.

Folheando lentamente o exemplar, ela mostrou letras e palavras, ilustrações e histórias de encantamento e descobertas, como as vivenciadas por todos no velho mapa de Pedro.

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MALGARETE JUSTINA FRASSON

Nasceu em Nova Araçá – RS, em 20 de julho de 1961. Formada em Filosofia. Pós-graduada. Desde menina a arte marcou presença em sua vida. Poeta de coração e alma. Tem trabalhos publicados em Projetos Literários, Antologias e em sua página pessoal. Publicou em 2017 seu 1º livro “MEU OLHAR Poesias”. Membro do Clube da Poesia de Toledo – PR e fundadora da cadeira 21 da Academia de Letras de Toledo – PR.

Mani e a lenda da mandioca

MALGARETE JUSTINA FRASSON

Foinum verão, há muitos anos, que Mani se mudou com sua família para Guaíra, uma cidade do interior do Paraná. Seus pais eram agricultores e ela tinha muitos irmãos e irmãs. Alguns tios e primos já moravam na nova cidade e diziam que lá se podia plantar tudo porque a terra era muito boa.

E assim, logo que a família chegou, já iniciaram os cuidados na nova terra comprada para plantar milho e mandioca. Era o que melhor sabiam fazer. Mani ainda era muito menina e não tinha idade para ajudar na lavoura, mas adorava ir com seu pai e irmãos até a plantação. Estava sempre descalça, sentindo o fresquinho da terra nos seus pés.

No fim do dia ela mais parecia um tatu do que uma menina. Algumas vezes sua mãe até tinha que colocá-la de molho numa bacia para tirar o encardido.

De manhã, logo que acordava, era seu costume ir direto para a primeira janela que encontrasse aberta para sentir o ventinho fresco tocando seu rosto. Depois saía girando como cata-vento para fazer seus cabelos voarem, como ela mesmo dizia.

Nos dias de chuva e vendaval, ela corria para a janela na maior euforia. E ficava atenta vendo os pingos da chuva dançando, parecendo o balé do pião rodopiando.

Quando brincava lá fora, ficava encantada olhando as folhas rolarem de um lado para outro rapidinho, parecendo escapar do ladrão.

Mani era muito criativa e como sua família não tinha dinheiro para comprar brinquedos, ela mesmo criava os seus. Fazia casinhas de gravetos antes que fossem queimados no fogão a lenha e usava as folhas da mandioca para decorar tudo. Sua comida de brincadeira era feita de barro. Suas bonecas eram

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feitas da espiga do milho ainda verde e sempre com capricho penteava muito bem o cabelo do milho, também chamado de barba do milho, para fazer belas trancinhas.

Seu pai já havia explicado direitinho todas as partes do milho, para que serve e quantas coisas gostosas se pode fazer com ele, antes que ela o enchesse de perguntas. Ela gostava do milharal, mas sua maior curiosidade era a plantação de mandioca. Adorava comer a raiz de todas as formas: cozida, frita, amassada e até com açúcar. Se deliciava com os bolos, pães, roscas e biscoitos que sua mãe caprichosamente preparava com o polvilho, que é uma farinha bem branquinha, também feita da raiz da mandioca.

Um dia, correndo pela plantação, foi ao encontro de seu pai e logo soltou uma pergunta:

– Pai, por que essa planta se chama mandioca?

– Porque foi assim que deram o nome para ela. Mani ficou em silêncio e não arredou o pé do lado dele. Seu pai, percebendo que a explicação não tinha sido suficiente, cortou algumas folhas de mandioca, fez um tapete no chão com elas e disse:

– Filha, sente aqui que vou te contar a lenda mais conhecida da origem da mandioca, que eu ouvia sempre de seu bisavô. Vai te ajudar a entender melhor, e também porque seu apelido é Mani.

Primeiro, quando o Brasil foi descoberto, a mandioca já existia e era muito apreciada pelos índios que viviam aqui nessa região. Em outras regiões, a mandioca também é chamada de macaxeira ou aipim, mas tudo é a mesma coisa. Agora vamos lá para a lenda mais conhecida:

“Era uma vez uma indiazinha chamada Mani, que era neta de um grande cacique de uma tribo antiga dos índios tupis-guaranis. Era uma criança muito alegre e feliz. Certa manhã, sem ninguém saber por que, Mani foi encontrada morta pela sua mãe. A aldeia inteira ficou muito triste e choraram muito. Enterraram a menina dentro da oca, que é a casa dos índios. De tanto os índios

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chorarem, a terra dentro da oca ficou toda molhada e depois de vários dias, nasceu uma planta desconhecida, no mesmo lugar onde estava enterrado o corpo da menina. A planta cresceu e os índios perceberam que ela tinha uma raiz escura e por dentro era toda branquinha. Então, em homenagem à filha, colocaram o nome naquela raiz de manioca que é o nome da menina Mani, mais o nome da casa dos índios, oca. Com o passar do tempo foi sendo conhecida como mandioca. ”

Mani ouviu tudo muito atenta, mas ficou um pouco triste. Gostaria que a indiazinha não tivesse morrido.

Seu pai, vendo seu silêncio, falou:

– Filha, apelidamos você de Mani porque desde muito pequena, sempre gostou de brincar com as plantas da mandioca e comer tudo o que se pode fazer com a raiz. Também porque você sempre está alegre e feliz, como era a indiazinha da lenda.

Ao ouvir isso, Mani esqueceu a tristeza, deu um beijo em seu pai e saiu cantarolando.

Ela estava muito feliz com a importância de seu apelido e muito orgulhosa porque sua família produzia alimentos que ajudavam a matar a fome de muitas pessoas e dava para fazer muitas coisas gostosas.

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MARIA EUNICE SILVA DE LACERDA

Maria Eunice Silva de Lacerda (1956), nasceu em Brejo Santo –CE. Filha de José João da Silva e Maria Ribeiro da Silva. Casada com Maurício Lacerda. Mãe de Acássia, Gabriela e Maurício Filho. Avó de Eduardo e Laísa. Chegou a Toledo em 1980, onde atuou no Magistério por 25 anos. Aposentada pela Secretaria Municipal da Educação. Escritora multipremiada em concursos literários; tem participação em diversas Antologias Literárias. Escreve poemas, contos e pensamentos. Fundadora da cadeira 34 da Academia de Letras de Toledo e Membro do Clube da Poesia de Toledo. Seu lema: Participar é preciso. Vencer, se possível!

Pitica, não!

MARIA EUNICE SILVA DE LACERDA

Eumorava com meus pais, avós e um irmão menor em uma propriedade agrícola, de Sobradinho, situada nas proximidades de Toledo, no estado do Paraná.

Nossa casa de madeira tinha assoalho de tábuas enceradas, que fazia barulho com as pisadas fortes de meu avô. A casa tinha a cor do açude quando o céu se refletia nele. Ali, aos domingos, pescávamos os peixes que seriam assados na brasa.

Da janela da cozinha, via-se um pomar. Os passarinhos se fartavam com as frutas, fazendo algazarra em pios e pios. Também havia um grande chiqueiro de porcos. Eram dezenas deles e era impossível não ouvir seus grunhidos. Cada um gritava mais alto que o outro. Até parecia competição. Confinados em repartições, conforme o tamanho, a brabeza...uns nascendo, outros mamando... e outros subindo em caminhão, rumo ao abatedouro.

Eu ainda tomava o café da manhã, quando meu avô gritou: – Mel vai criar! Meu pai foi atender ao chamado, enquanto fui esperar o velho ônibus para ir à escola, distante alguns minutos. A estrada era precária. Muitas vezes, em época de chuva, o ônibus atolava. Uma aventura para a criançada e desespero para o motorista.

No trajeto, eu ia pensando na Pitica, uma porquinha que nascera da Mel no ano passado. Entre os oito porquinhos, Pitica era a mais frágil, tão pequenina. Se ficasse junto aos demais, certamente morreria pisoteada. Os porquinhos todos encontravam o leite quentinho nas tetas da mamãe, enquanto Pitica nem se mexia. Meu pai avisou que ela precisaria de cuidados especiais. Todos os dias, eu a embrulhava em uma blusa velha de lã e a colocava em uma caixa de

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sapatos. Seus pelos eram mesclados de preto e mel. Seu focinho comprido não parava de se mexer. Parecia uma tomada elétrica aqueles dois buracos. Tomava leite na mamadeira e, aos poucos, se recuperava. Era um animal de estimação junto ao cão Negão. Pareciam irmãos. Pitica tinha a liberdade de andar livremente.

Uma freada do ônibus, desviando os buracos da estrada, me fez voltar à realidade. Chegando à escola do vilarejo, a criançada descia correndo, escapando do frio e da chuva.

No mural, um cartaz enorme me chamara a atenção. Um porco sorridente, vestido de mestre de cozinha a cortar outro porquinho assado sobre uma gamela. Era um convite à Festa Nacional do Porco no Rolete, ocorrida anualmente em Toledo.

Aquele cartaz me deixou pensativa. Como um porco poderia estar feliz com essa situação? Fazendo propaganda de sua própria morte ou da morte de seu semelhante?

Todos curiosos! A professora depois de tanto “psiu”, pôde explicar. Era um evento competitivo. Entre muitos porcos assados, um seria o melhor e seu assador o vencedor. A corrida em busca do título foi grande. Os melhores porcos eram procurados na região. Oink, oink, oink... estes tentavam fugir da caçada, porcos caíam do espeto, fogo se apagava... mas enfim, a festa sempre animada. O “porco no rolete” tornou-se o prato típico de Toledo.

De volta da escola, Pitica e Negão me esperavam na porteira. Não demorou para que um carro buzinasse em frente à nossa casa. Um homem alto, de chapéu de abas largas, veio até nós. Falou rapidamente com meu pai, que o levou ao chiqueiro. O homem queria um porco para participar daquela aposta. Após analisar vários porcos, ficou com dúvidas.

Pitica brincava pelo terreiro com meu irmão e seu cachorro. Quando o homem os avistou, falou em voz alta: é esse! Esse porco eu quero! Com ele, hei de vencer a competição!

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E nós todos em coro: Não! Pitica, não! O homem insistia em pagar um valor significativo, mas a resposta continuava “não”.

Em lágrimas, corri até Pitica e não pude aconchegá-la no colo, pois já estava enorme. Ela parecia entender tudo. Seu coração palpitava acelerado: tum tum tum...

Um filme de horror passava em minha mente. Imaginei Pitica num espeto gigante girando sobre as brasas. Uma tristeza tomou conta de todos nós. Mas estávamos ali para defendê-la.

Embravecido, o homem fez os pneus do carro derraparem naquela estrada de terra, enquanto nós o acompanhávamos aliviados.

Hoje, quando visito meus pais já idosos, sentamos à sombra do abacateiro, onde foram enterrados Pitica e o cão Negão. Olho a porteira do sítio, e ouço um coro, chegando de longe: Não! Pitica não! Pitica, não!

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MARILUCE ZEPTER VALENÇA

Mariluce Zepter nasceu em São Paulo – SP, foi criada no Recife – PE e mora em Curitiba há 12 anos. Formada em Arquitetura pela Universidade Federal de Pernambuco, dedicou boa parte de sua carreira às relações da cidade com o meio ambiente. Fez especialização em prática de planejamento urbano na University College London, na qualidade de bolsista do governo britânico, e trabalhou como voluntária das Nações Unidas no escritório de cooperação internacional da Prefeitura de Lima, Peru. Hoje aposentada, trilha novos caminhos, buscando se expressar nas artes visuais, na fotografia, na literatura e na arte da palhaçaria.

Era uma vez um desenho

MARILUCE ZEPTER VALENÇA

Mariana, corre aqui, vem ver este desenho que eu acabei de encontrar nessa velha caixa, disse tia Mari para sua sobrinha de 9 anos de idade.

– Hahaha! Que bonequinho mais engraçado, tia! Só um cabeção com pernas, braços e cabelo espetado! Quem o desenhou? Perguntou Mariana. – Eu mesma, quando tinha 3 anos. Está bem aqui, veja, o meu nome e a data. Pela letra, acho que foi o papai que fez essa anotação e guardou o desenho! Nossa, quanto tempo! Mais de 50 anos! Por isso que o papel está tão amarelado e o desenho tão clarinho, quase apagado...

Tia Mari e Mariana resolveram dar uma nova vida ao desenho daquele bonequinho engraçado. Tiveram a ideia de recortá-lo do papel amarelado, escurecer os traços com canetinha preta e então colá-lo num cartão vermelho. Depois, era só colocar o bonequinho engraçado numa bela moldura e pendurálo na parede da sala! Era uma boa ideia!

Logo que o bonequinho engraçado foi cuidadosamente recortado, uma rajada de vento entrou pela janela e o arrastou de cima da mesa para fora da casa! Tia Mari e Mariana correram atrás do desenho, mas não conseguiram alcançá-lo, ele já estava voando alto no céu. Que pena!

O desenho do bonequinho engraçado voou, voou como um pássaro por toda a área central de Curitiba. Lá no alto, flutuou sobre o MON, os edifícios do Centro Cívico, as árvores do Passeio Público, a Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, o bondinho da Rua XV... O vento acabou levando o desenho do bonequinho engraçado para longe, bem longe; atravessou a Linha Verde e, devagarinho, foi perdendo altura.

Lá embaixo, no bairro do Xaxim, a piazada brincava na rua, empinando

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pipas, como em todas as tardes ensolaradas de céu azulzinho. Os meninos viram algo estranho voando, nem muito alto, nem muito baixo. Uma coisa eles tinham certeza: não era uma pipa! Seria um pássaro? Um aviãozinho? Um drone?... Não! Era o desenho do bonequinho engraçado que já estava caindo, caindo, caindo... Os piás correram ao resgate e salvaram o desenho do bonequinho engraçado antes que ele pudesse cair nas águas do Ribeirão dos Padilhas! Ufa! Com o desenho do bonequinho engraçado a salvo, os meninos se reuniram e, rapidamente, juntaram tintas, pincéis, cola, carretel de linha, fitas e papéis coloridos! Fizeram uma pipa linda, grande, e colaram o desenho do bonequinho engraçado bem no meio. Deram o nome de Super Piá do Xaxim para o bonequinho engraçado e todo fim de semana os meninos empinavam a pipa lá na pracinha do Jardim Esmeralda!

Pouco tempo depois, o Super Piá do Xaxim era quase uma celebridade!

Todo mundo do bairro o conhecia! A notícia se espalhou pela cidade até que tia Mari e Mariana viram uma foto da pipa na internet! Reconheceram o desenho do bonequinho engraçado e ficaram muito alegres em saber que agora ele está rodeado de crianças que o adoram! É bem melhor do que ficar preso num quadro, pendurado na parede!

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ

Darci Piana

Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

Emerson Sextos

Diretor Regional do Sesc PR

Maristela Massaro Carrara Bruneri

Diretora de Educação, Cultura e Ação Social

Cesar Luiz Gonçalves

Coordenador Geral do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Ernani Buchmann

Coordenador de Jornalismo do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Rosane Guarise

Assessora de Comunicação e Marketing do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Uma história, uma criança e muitas possibilidades para falar sobre a cultura paranaense. Esta coletânea literária, fruto da quinta Seleção de Contos Infantis e Inéditos, promovida pelo Sesc Paraná, mostra a diversidade e a riqueza de nossas manifestações culturais, lendas e costumes. O Sesc reconhece e valoriza os elementos da cultura paranaense presentes nas mais diversas manifestações artísticas e aqui incentiva a literatura e a formação de novos escritores. Venha ler conosco!

Autores:

Alexandre Vinicius Xavier Penha – Maringá

André Luiz Pacheco de Miranda – Cascavel

Céres de Oliveira Jendreieck – Curitiba

Greise Cristine de Souza – Apucarana

Guilherme Dreyer Wojciechowski – Foz do Iguaçu

Josmari Machado Belo – Araucária

Lilian Deise de Andrade Guinski – Curitiba

Malgarete Justina Frasson – Toledo

Maria Eunice Silva de Lacerda – Toledo

Mariluce Zepter Valença – Curitiba

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