Coletânea de Contos Infantis Sesc (2019)

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Serviço Social do Comércio – Sesc PR

Coletânea Sesc de Contos Infantis

Curitiba, 2019

Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura

C694 Coletânea Sesc de Contos Infantis / ilustração de Camila Sousa

dos Santos; curadoria de Jaqueline Conte. Curitiba : Sesc PR, 2019.

71 p.: il. color.

ISBN 978-85-60587-13-1

1. Contos infantis. 2. Literatura infantojuvenil. I. Sesc PR. II.

Santos, Camila Sousa dos. III.Conte, Jaqueline. IV. Título CDD – 028.5

Elaine Cristina Itner Voidelo – CRB9/1239

Na infância se forma o leitor

Em meados no século passado, quando eu era criança, livros não eram fáceis de conseguir. Mas toda casa tinha crianças e elas são curiosas. Então, sempre havia um ou outro volume para fazer a criançada sonhar a partir da imaginação.

Eram coletâneas, com as aventuras de Sinbad, o Marujo; os contos dos Irmãos Grimm; e os Contos de Andersen, que fizeram e fazem brilhar os olhos de milhões de crianças em todo o mundo.

Aqui no Brasil tivemos o fenômeno Monteiro Lobato. Depois, vieram autores como Ruth Rocha, com seu antológico “Marcelo, Marmelo, Martelo” e Maurício de Souza – que causou uma revolução: a partir dele, as histórias infanto-juvenis brasileiras deixaram de ter apenas palavras para incorporar as imagens da Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali. Mas aí já era a época dos meus filhos lerem histórias. É por isso que o Sesc Paraná mantém os projetos de literatura infanto-juvenis em destaque, editando obras como esta, que é uma delícia de leitura.

Aconselho e recomendo, porque as crianças precisam aprender na infância a viajar pelo fantástico universo das histórias. Ninguém continua a mesma pessoa depois de ler uma boa história.

Ótima leitura para todos!

Educar e Entreter

O Sesc Paraná atua fortemente na promoção da educação e da cultura para as crianças, porque acredita que somente com a plena formação do ser humano conseguiremos gerar cidadãos mais felizes, autônomos e críticos.

É justamente por acreditar nesse ideal que o Sesc Paraná incentiva e realiza projetos como esse da Coletânea Sesc de Contos Infantis, com histórias escritas por autores vinculados à cultura paranaense e vocacionados a ensinar e entreter crianças por meio da arte literária.

Temos plena convicção de que a literatura infantil é uma das melhores formas de que dispomos para ensinar com ludicidade, alegria e leveza. E uma das melhores formas de levar cultura e moral ao imaginário das crianças.

Por isso, desejamos que todas as crianças que tenham acesso a esse livro possam aprender sobre as regionalidades do nosso estado, aumentar seu vocabulário, despertar para a escrita, ampliar sua criatividade e, sobretudo, divertir-se com as fascinantes histórias das nossas araucárias, gralhas-azuis, pinhões, futebol, Rua das Flores, Ilha do Mel e tantos outros encantos que só o nosso Paraná detém.

Desejamos uma boa leitura para todos!

Habitar o mundo a que pertencemos. Sensibilizar o olhar por meio das cores da infância. Resgatar a criança que podemos ser. Tudo isso é, invariavelmente, evocado pela literatura.

É com esse sentimento que o Sesc Paraná celebra a cultura e arte paranaenses nesta Coletânea de Contos Infantis. O livro reúne narrativas inéditas – produzidas por novos autores – que vivem no Paraná ou são nativos do estado e hoje moram em outros lugares.

A antologia, dedicada especialmente aos pequenos, é composta por 10 histórias ricamente ilustradas, que compõem uma viagem pelas cidades, ruas e paisagens culturais do Paraná.

Agradecemos a cada um dos autores que, como as crianças, compartilham as suas histórias e sensibilizam o nosso olhar para o espaço que habitamos.

Desejamos a todos uma excelente leitura!

Sesc Paraná

Sumário O PETIT-PAVÉ APAIXONADO Gilberto Martins Gondro 12 ZEZINHO PARANÁ E O BUQUÊ DE ROSÁCEAS Joseane Pesuschi 18 O DESAFIO Caroline Lima Ramalho Casagrande 25 ÀS ENCANTADAS Leomir Bruch 30 O LOBISOMEM DA FLORESTA DE ARAUCÁRIAS Rodolfo Stancki Silva 36
A MENINA E A JABUTI Francisco Lobo Batista 42 A LENDA DO ÍNDIO DO BOSQUE Mariam Trierveiler Pereira 49 A PANELA DO BISAVÔ Lucrecia Welter Ribeiro 54 PIAZINHO Jair Lisboa dos Santos 60 TITO Carolina Becker Koppe 66

GILBERTO MARTINS GONDRO

Gilberto Martins Gondro, nascido em São José dos Pinhais/PR, é escritor, professor, cartunista e artista visual, sendo formado em Letras pela Universidade Castelo Branco e também em Artes Visuais pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Participou de cursos de Histórias em Quadrinhos pela Gibiteca de Curitiba, de Oficina de Crônicas na Biblioteca Pública do Paraná e de capacitações no Projeto Agentes de Leitura do Paraná 2018.

Gilberto desenvolve seus trabalhos fazendo parceria em publicações e fanzines, e fazendo contação de histórias e ministrando bate-papos com temáticas voltadas aos quadrinhos e às obras selecionadas para o vestibular na Biblioteca Pública Scharffenberg de Quadros.

O petit-pavé apaixonado

GILBERTO MARTINS GONDRO

Era

uma vez uma pedrinha chamada Pavezito, que fazia parte de um desenho em uma calçada da Rua XV, na cidade de Curitiba. Pavezito era um petit-pavé branquinho, metido a sabichão e que, de uma hora para outra, por uma linda pedrinha se apaixonou.

– Petita, minha querida Petita, desta calçada você é a pedra mais bonita! Você quer namorar comigo?

Perguntou Pavezito à sua companheira de calçada, após elogiá-la.

Petita era uma pedrinha de petit-pavé pretinha, linda, graciosa e inteligente. Desconfiada, respondeu:

– Pavezito, você é muito esquisito! Não vai dar

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certo! Contigo serei franca, sou atlético e você é coxa-branca!

– Petita, minha querida Petita, vai dar certo sim, meu docinho de pedra bonita! –Respondeu Pavezito.

A pedrinha Petita, querendo endurecer, declarou:

Pavezito, você é muito esquisito! Não vai dar certo! Sou durona e você é uma pedra muito molona!

Mas Pavezito continuou firme como um rochedo e afirmou:

– Petita, minha querida Petita, pedra mole em pedra dura tanto bate até que fura. Petita, já meio furiosa e impaciente, replica:

– Pavezito, eu tenho dito e repito: não vai dar certo! Você é um fanfarrão, uma pedra no meu coração!

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Petita, minha querida Petita, me mostre o caminho das pedras para o seu coração. Seja minha pedra preciosa então – solicita Pavezito, ainda esperançoso.

Petita fica em silêncio pensando. Cria-se a expectativa e, então, antes mesmo de Petita responder, Pavezito reforça o pedido e propõe confiante:

– Petita, minha querida Petita, vamos para a ópera na Pedreira fazer uma visita, lá vai ter show de música erudita.

– Pavezito, meu querido Pavezito, tu és doido de pedra, mas tem bom gosto e atende o requisito!

Aceito o convite e admito: você é muito bonito! – responde Petita toda feliz e contente.

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Naquele momento, fazia muito sol e calor, mas, de repente, começou a chover, a calçada ficou molhada e no meio daquelas pedrinhas apaixonadas, nasceu uma linda flor de uma semente adormecida.

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JOSEANE PESUSCHI

Joseane Pesuschi, especialista em algumas coisas e nexialista em todas as outras. Artista Plástica formada pela FAP, pósgraduada em Marketing e entusiasta do e-commerce, marketing digital e blogs. Criativa, colagista, escritora, blogueira, obcecada por palavras-chave, storytelling e livros. Produtora de conteúdo no estúdio BJO, já colocou milhares de caracteres on-line. Idealizadora do projeto “Conto pra você!”, em que escreve contos personalizados para presente. Criadora da famosa caneca, “Tabela Periódica Curitibana”, souvenir escolhido em concurso, para representar a Capital Paranaense. Inquieta, está sempre em busca de novas histórias.

Zezinho Paraná e o buquê de rosáceas

JOSEANE PESUSCHI

Estava escuro quando Zezinho Paraná pulou da cama para ajudar no café da manhã. Primeira semana das férias escolares, e hoje teria uma grande aventura, então, precisava acordar cedo para aproveitar o dia. Era inverno, e Zezinho se divertia com a fumaça que saía da sua boca quando bocejava, ainda com sono.

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Na cozinha, Sr. Pedro Paraná, pai de Zezinho, já estava com a água fervendo para o café. De lá chamou ZP, apelido carinhoso de Zezinho Paraná. Na mesa, tinha chineque fresquinho, um pão doce que não podia faltar. Zezinho gostava de tomar leite quente com o pãozinho de manhã.

Um saco grande de pinhão contava os minutos de ir para chapa do fogão a lenha, se não fosse logo provavelmente Luna, cachorrinha atentada, terminaria o rasgo que estava fazendo no saco onde estavam os pinhões, e os espalharia pela casa inteira, como de costume.

Zezinho é um menino de 10 anos, alegre, estudioso, carinhoso e muito apegado com a família. O material da escola era organizado. Penal cheio de lápis coloridos, canetas e os livros bem encapados, que aprendeu a encapar com sua mãe, Maria.

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Já tinha combinado com seu pai que para a festa surpresa teriam cachorro-quente com muita vina, gengibirra e bolo nega maluca para cantar os parabéns.

Hoje era um dia especial, aniversário de sua mãe. Maria trabalhava fora e cuidava da casa e de todos com esmero, merecia um presente bem escolhido, mas o que poderia ser?

Muito criativo, Zezinho fez no aniversário passado um álbum bem caprichado com fotos de toda a família e frases divertidas coladas. Na maioria das fotos, Luna, da raça Fox Terrier, pelo duro, xodó do menino, estava destruindo algum bichinho de pelúcia. Todos amavam aquela cachorrinha terrível!

Nesse ano, o menino teve uma ideia que parecia fantástica: daria flores!

Sabia que a mãe gostava de rosas e ouviu falar que no centro da cidade, lá na altura do calçadão da XV, tinham rosáceas, e pensou: “Todos dão buquê de rosas, eu vou dar um buquê de rosáceas!”

Com certeza, dona Maria iria amar qualquer presente que viesse de Zezinho, mas mal sabia ele que a rosácea não era bem o que imaginava.

Não contou a ideia para ninguém, fez segredo até para o pai, que prometeu levar o menino para comprar o presente surpresa. Logo que Maria foi para o trabalho, prepararam-se para sair.

Era dia de folga de Pedro; ele é engenheiro. Muito trabalhador, ensinou desde cedo que Zezinho tinha que estudar, respeitar os colegas e também se divertir! Eles brincavam de bets e de carrinho de rolimã, que Zezinho fez com a ajuda do pai.

Sair de casa era sempre um ataque de riso. Ninguém conseguia pegar

Luna, que precisava ficar na parte fechada do quintal, mas que insistia em ficar latindo para o pessoal da rua. Um pouco latia, um pouco mordia o bichinho de pelúcia e um pouco fugia. Era um trabalho pegar a danada!

Depois de tudo organizado, vestiram a japona, touca, luvas e saíram felizes

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para pegar o biarticulado. A estação tubo ficava pertinho de casa. Os dois já sabiam as estações em que o ônibus passava e se divertiam imitando a voz que anunciava as paradas, além de se equilibrar na sanfona que fazia a conexão do ônibus.

Uns quinze minutos de viagem, já quase chegando, se anteciparam à voz gravada e falaram juntos: “próxima parada, Estação Central...”

Quando desceram, Zezinho contou para o pai sobre o presente que iriam comprar.

Pedro ficou feliz com a intenção, abraçou o menino, e disse baixinho no ouvido:

– Vamos ter trabalho pra tirar a rosácea do chão, meu filho...

O menino não entendeu nada, e logo o pai explicou:

conhecido como mosaico português, é uma calçada feita de pedrinhas como esta que estamos pisando. São feitos vários desenhos com as pedras e um deles é a Rosácea Paranista, em forma de pinhões em círculo.

O menino ficou quieto por um minuto e depois caiu na gargalhada com a confusão que fez. O pai também riu, e saíram andando para olhar a calçada.

Foram pelo calçadão da XV em direção à Praça Osório, onde tem uma calçada grande de rosáceas. Pedro, contou a história do calçadão, que foi o primeiro do Brasil, e Zezinho amou ainda mais Curitiba, a cidade em que moravam.

No calçadão não passa carro, então, andaram sem pressa olhando os desenhos no chão e as lojas. Comeram pipoca e depois tiraram fotos do “presente”.

Em casa, escreveram um conto com a aventura que tiveram, colaram as fotos da Rosácea Paranista e na capa escreveram “Buquê de Rosáceas”.

Com certeza, foi o “buquê” mais lindo que Maria ganhou!

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–“Petit-pavé”, também

CAROLINE LIMA RAMALHO CASAGRANDE

Curitibana, filha de cearense com gaúcho, formada em Comunicação Social pela Universidade Tuiuti do Paraná e em Letras - Português pela Universidade Federal do Paraná, atua como atriz, contadora de histórias e compositora na Cia Girolê desde 2007. Descobriu-se como leitora e escritora no teatro desde seus 14 anos. É autora de algumas obras de dramaturgia como O Voo da Borboleta e As estranhas aventuras de Rude Paçoca, ambos selecionados pelo concurso Novas Dramaturgias de Teatro para Crianças promovido pela Cia do Abração em 2009. É idealizadora do programa de rádio infantil Caixinha de Condão e programadora de conteúdos na Rádio Butiá Brasil. Atualmente também é professora de teatro e musicalização infantil.

O desafio

CAROLINE LIMA RAMALHO CASAGRANDE

Eraum dia claro nas matas atlânticas do Paraná de dentro, quando dois bichos começaram a reparar nas manias um do outro.

De um lado, o bugio, macaco arteiro que era, tirava sarro da coruja que não parava de mexer a cabeça de um lado para o outro. E a coruja logo caçoava do bugio que vivia se coçando:

– Cuidado, hein, bugio, qualquer dia vai ficar sem unha de tanto se coçar...

E o bugio retrucava:

– É melhor você se cuidar, coruja, qualquer dia cai a sua cabeça e os vizinhos vão comentar: “olhem a coruja, coitada, não tem cabeça!”

Começavam tirando sarro, dando risada um da cara do outro e daí a pouco já estavam brigando e cada um ia pra sua casa, envaretado.

No outro dia, era a mesma coisa, e os outros bichos não aguentavam mais aquela lenga-lenga dos dois:

– Olha o maior coçador dos pinheirais!

– Chegou a cabeça de parafuso das Araucárias... – Parece que tomar banho resolve, bugio, vai tomar banho, seu macaco! – Pelo menos a minha cabeça não tá solta no meu corpo, cabeça frouxa!

Quá quá quá pra um lado e depois briga, choro e lamentação pro outro. Mas aconteceu que depois de um tempo, quando eles iam começando a se bicar de novo, os bichos resolveram lançar um desafio para o bugio e para a coruja.

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Quem aguentava mais tempo, o bugio sem se coçar ou a coruja sem mexer a cabeça?

Convidaram todos os bichos pra ver o desafio em um condomínio na cidade de Araucária. Lá, como em muitos lugares, a cidade tinha avançado na mata e os bichos tiveram que ceder espaço aos humanos e ir se acomodando do jeito que dava.

Deixaram a gralha-azul como juíza, porque ela, lá de cima do pinheiro, podia ver muito melhor. No dia marcado, todo mundo fez uma roda e o bugio e a coruja ficaram no meio, de frente um pro outro. A gralha-azul deu a largada:

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– Que comece o desafio!

O bugio e a coruja começaram a se olhar fixamente, parados, esperando que não aparecesse nenhum humano ali no bosque do condomínio. Ficaram uns 15 segundos sem se mexer, que pareceram séculos, quando o bugio, muito esperto e louco pra se coçar, disse:

Se vier alguém de lá, eu saco minha espingarda... Tá vindo uma menina ali!

E aproveitou pra se coçar um pouquinho, fazendo de conta que estava tirando a espingarda da cinta.

– Aonde? – a coruja disse aproveitando para mexer a cabeça.

E a gralha gritou logo em seguida lá de cima do pinheiro:

Perdedores os dois!

E os bichos caíram na risada, rolavam-se no chão de tanto rir da cara da coruja e do bugio, aquele palhaço da floresta.

Dizem que o bugio foi visto por toda a vizinhança, naquele condomínio em Araucária, naquele dia claro, no que ainda resta das matas atlânticas paranaenses.

Quiseram até prender o bicho, mas não puderam... O bicho está protegido por lei e também pode aparecer nas nossas casas de vez em quando. Afinal, não estamos todos nas casas dos bichos?

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LEOMIR BRUCH

Leomir Bruch é artesão da palavra e contador de histórias mambembe. Nascido e criado em Palotina, Paraná, formouse em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Leomir é responsável pelo projeto itinerante de contação de histórias Expedição Viramundo, uma viagem literária pelo interior do Brasil e de sua gente. Movido pelo poder criador e transformador da palavra, lançou, em janeiro de 2019, seu primeiro impresso autoral, o ZINE intitulado “Chama”. Publica seus escritos em www.artesaodapalavra. wordpress.com.

Às encantadas LEOMIR BRUCH

Não

se sabe ao certo quando elas chegaram, ou até mesmo se elas sempre estiveram aqui. O que todo mundo sabe, e fala, é dos seus encantos. Dizem que suas vozes são doces e melodiosas, que ressoam nas gentes como mantras e – cuidado! –como chamados. Como eu queria ouvi-las!

Sempre que posso, acordo antes mesmo do sol, arrumo meu embornal, calço minha sandália e saio ao encontro delas. Ou melhor, à eterna espera. Minha mãe se preocupa, mas eu, bem no fundo, em segredo, acredito que ela também seja uma delas. Ela também tem uma voz doce e melodiosa. Com seu canto, ela sempre me embalou, me ensinou sobre as coisas daqui e do mundo, me encantou. Ela canta rezas e cantigas que habitam minha mente e me acompanham sempre que caminho ao encontro delas.

Caminho firme, passo apressado e silencioso. Não quero assustá-las. Há quem diga que elas partiram há muito, mas uma voz que canta dentro de mim diz que não.

A escuridão não me atrapalha; faço parte desses caminhos assim como eles fazem parte de mim. A gente se pertence. Já tropecei nessas raízes, pisei nesses espinhos e assim aprendi o ritmo e a textura de cada caminho. Chego acompanhado do silêncio da noite. Não há ninguém por ali, nem gente, muito menos elas.

O som das ondas quebrando preenche a imensidão. A escuridão abre caminhos para que meus olhos contemplem o céu. É noite sem lua, as estrelas fazem a festa, decoram o infinito azul.

Minha avó sempre me trouxe aqui para observar o espaço. Ela diz que somente de olhos para cima que entenderemos o quão

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pequenos somos. Eu nunca entendi ao certo, lá em casa mamãe sempre foi maior. Vovó deitava na areia, abria os braços para eu me aconchegar; vibrávamos a cada meteoro ou asteroide avistado cruzando o espaço. Nossa ciência era nomeá-los com nomes de gente da família ou de plantas; nos sentíamos parte de tudo aquilo que nossos olhos podiam tocar.

Os plânctons na areia imitam galáxias. Quando os vejo brilhando sob meus pés, tenho a impressão de que caminho num chão de estrelas, de que meus pés tocam o infinito. Deve ser assim que um astronauta se sente. Minha avó conta orgulhosa que pessoas de todo o mundo vêm à Ilha do Mel para sentir os pés tocando o céu, para brincar com as estrelas na areia.

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Me sento. A paciência é uma dádiva, dizem lá em casa. Daqui, consigo observar cuidadosamente a gruta que leva o mesmo nome da nossa Vila: Encantadas. São elas que me trazem aqui, as Encantadas, filhas dos índios Jurema e Acauã. Um dia, acordadas ao redor da fogueira por minha avó, as histórias da índia Jurema, do índio Acauã e de suas sete filhas não saíram da minha cabeça um segundo sequer. Minha avó narrava como se ali também estivesse. Cada palavra era recebida como surpresa e encantamento. Ninguém interrompia. O crepitar da fogueira, o canto distante do quero-quero e o mar quebrando em ondas eram os únicos sons que se misturavam à sua voz. A natureza a ajudava a narrar aquelas cenas.

Reza a lenda que Jurema e Acauã, índios de tribos inimigas, apaixonaram-se e viveram seu amor proibido. Acolhidos pela feiticeira Maribel, os dois se amaram e casaram escondidos de tudo e de todos. Porém, um dia – há sempre um dia –, o pai de Jurema, índio feiticeiro, entendedor das magias e encantos da floresta, descobriu a história proibida de sua filha. Enfurecido, não proibiu a união, mas amaldiçoou as filhas que Jurema e Acauã poderiam ter: seriam sereias, mulheres metade peixe e metade humano, que jamais poderiam se casar e que, além disso, matariam todo e qualquer homem que delas se aproximasse.

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Vestidos de medo e dor, Jurema e Acauã suplicaram ajuda a Tupã, deus do trovão, que habita o Sol. Ele os presenteou com a Ilha do Mel, onde Jurema deu à luz sete filhas. Dizem que a Gruta das Encantadas foi o local que os índios escolheram para abrigar e esconder suas filhas quando estas chegaram à adolescência e transformaram-se em sedutoras e encantadoras sereias.

É exatamente nesse lugar que incontáveis pescadores, marinheiros e curiosos teriam misteriosamente desaparecido, entregando-se às águas, para nunca mais voltar.

Entregue às minhas memórias, misturo histórias, sonhos e realidade. Deito para que os primeiros raios de sol que começam a despontar encontrem meu corpo...

Acordo com um canto distante que me convida a dançar.

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RODOLFO STANCKI SILVA

Rodolfo Stancki é jornalista. Atualmente, finaliza o doutorado em Tecnologia Social pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná, onde pesquisa a presença de narrativas fantásticas no jornalismo brasileiro. É mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela UEPG. Trabalhou como repórter do jornal Gazeta do Povo, entre 2011 e 2014. Atua como professor universitário e mantém uma coluna semanal no portal A Escotilha sobre cinema de horror. É casado e tem duas filhas. Escreve ficção nas horas vagas.

O lobisomem da floresta de araucárias

RODOLFO STANCKI SILVA

Lucas

morria de medo de sair para colher pinhão na floresta de Araucárias que ficava ao lado de sua casa. As árvores eram altas e a mata, escura. Quando ventava, ele ouvia de lá um barulho de uivo, como o de um lobo grande e bravo. Parecia ser um lobisomem. Daqueles que comem crianças.

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Deixa de ser bobo, menino. Lobisomem não existe. O barulho é do vento!

dizia a mãe.

Mas nada tirava da sua cabeça que a terrível criatura morava na floresta. Era meio homem, meio lobo. Exatamente como nos desenhos. Seus pés gigantes e peludos pisavam entre as pinhas e os sapés. Estava sempre com fome, esperando por suas vítimas, que passavam por ali na volta da escola.

Lucas, na verdade, nunca tinha visto o tal lobo. Quem dizia que lá tinha um lobisomem era o Fernando, um garoto bobo da escola.

Eu vi o bicho atrás da casa do meu avô – contou o espertalhão durante o recreio – Ele era bem feio, com a boca grande e o corpo coberto por um pelo laranja. O monstro só não me pegou porque meu cachorro, Tobias, latiu e o assustou.

A sala inteira acreditava naquela história. Lucas também. Afinal, um menino que tinha 8 anos e já estava no terceiro ano não iria brincar com uma coisa dessas. Fernando era bobo, mas era um cara sério.

Um dia, Lucas estava voltando sozinho da escola quando começou a ventar. Era perto da floresta de Araucárias. A mata estava escura e, como sempre, vinha dali o barulho de uivo.

“Uuuuuuuuuu…”

O garoto se lembrou da mãe, que dizia que lobisomens não existiam, e apressou o passo para chegar em casa rápido. Quando estava na metade do caminho, ouviu um som diferente vindo da mata: um rosnado, como o de um cachorro. Só que bem mais forte.

Lucas parou de medo. Naquele momento, queria ter um cão como o Tobias, para latir e assustar o monstro, mas estava sozinho. O menino olhou para o arvoredo de araucárias e, no meio dos troncos que se estendiam sobre o chão, viu a criatura, coberta com um pelo laranja. Era alta como uma criança de cinco anos e andava sobre as quatro patas. O focinho era preto e ele parecia bravo. “Fernando estava certo”, pensou.

Mas tinha algo diferente naquele monstro. Ele não parecia ameaçador. Estava irritado. Rosnava para algo no alto de um pinheiro: um serelepe, que segurava um pinhão no alto da araucária. Lucas pensou em fugir, mas estava fascinado pela

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imagem do lobisomem. Chegava a ser bonito. O garoto deu um passo em falso e o barulho fez a criatura virar a cabeça para ele. Como uma criança que é pega fazendo bobagem, o bicho disparou para dentro da mata.

“Estranho”, pensou o garoto. “Por que ele não veio me devorar? Era como…” Como se estivesse com medo.

Abismado, Lucas chegou em casa e contou para a mãe sobre o lobo laranja. Achou que ficaria preocupada, pensando que quase havia morrido, mas ela apenas sorriu.

– Filho, acho que você teve a sorte de encontrar um dos poucos lobos-guarás que ainda vivem nos Campos Gerais.

– Lobo o quê?

– Lobo-guará. Um animal em extinção, que já foi bem comum na nossa região. É maior que um cachorro, mas não é meio humano meio lobo. É só lobo. Quando eu era menina, tinham muitos deles por aqui, mas eles foram sumindo porque não soubemos cuidar muito bem das nossas florestas. Acho que eles ficaram com medo de gente. Por isso, ele saiu correndo quando te viu.

Lucas ficou boquiaberto. Um monstrengo daqueles com medo de uma criança? Queria encontrá-lo de novo agora, só para poder mostrar que ele mesmo, apesar de ser bem grande para um menino de oito anos, não era perigoso. Talvez pudesse até fazer amizade com o lobo. Quem sabe ajudá-lo a pegar aquele serelepe em cima da árvore.

Voltou à floresta no dia seguinte, mas não o encontrou. O mesmo ocorreu no outro dia. E no outro. E no outro. Na verdade, o garoto nunca mais veria o lobo-guará por aquelas bandas.

Lucas não ficou triste. Na verdade, até gostava da ideia de ter tido aquele breve encontro especial com a criatura laranja. Aproveitava o recreio para compartilhar a história com os amigos da escola. Nunca dizia que era um lobisomem. Deixava que o bobo do Fernando inventasse essas fantasias. Ele também não tinha mais medo da mata de araucárias. Quando chegava o outono, entrava todo feliz na floresta para colher pinhões.

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FRANCISCO LOBO BATISTA

Francisco Lobo Batista nasceu em Altamira, no interior do Pará, é paraense papa-chibé, possui Graduação e Mestrado em Filosofia pela Universidade Federal do Pará. Desde 2015, reside em Curitiba e há quatro anos é mediador de Leitura pelo Programa Curitiba Lê.

A menina e a jabuti

FRANCISCO LOBO BATISTA

Erauma vez, na cidade de Laranjal, bem no interiorzinho do Paraná, uma menina que gostava de tudo quanto era bicho. Em sua casa havia um papagaio, um macaco-prego e um jabuti, que era o seu bichinho favorito e se chamava Isolda de Oliveira Ano-Novo. Isolda porque no jornal que a envolvia quando chegou estava estampado o nome Isolda, talvez de uma peça nunca vista; de Oliveira, pelo nome da família; e Ano-Novo, porque a ganhou de presente na virada do ano.

Apesar de amar seus bichinhos, a menina entediava-se rápido com o papagaio tagarela e mais ainda com o macaco-prego, por ser muito traquina.

Seus momentos mais felizes eram com Isolda de Oliveira Ano-Novo: um animal sem pressa de viver, que não se entediava com nada, era o tédio em forma de bicho, e não a deixava entediada, uma menina apática por natureza. E assim ficavam as duas: a menina deitada e Isolda reclusa em seu casco, paradas, sentindo a brisa às costas e cascos, observando o chacoalhar das flores e das folhas das árvores.

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Aliás, toda essa apatia começou quando seu pai, o Seu Ribeiro, pescador de profissão, não aguentando a pobreza e a vida simples do campo, há três anos fugiu de casa, abandonando mulher e filha; dizem que um dia saiu para pescar em sua canoa e nunca mais voltou. Nunca se soube se realmente fugiu ou se desapareceu em alguma margem do rio. O que se sabe é que, desde então, a menina pareceu ter adquirido uma curiosa fraqueza do corpo e da alma. Passou a andar sempre a passos lentos, a viver deitada na relva a olhar as estrelas ou a atribuir animais às formas das nuvens; brincadeiras que só de quando em quando a faziam abrir um leve sorriso. A menina parecia mesmo era uma alma penada, sem pena, sem nada.

Num certo dia, a menina foi ao encontro de Isolda, que para seu espanto, não se movia – o que não era nenhuma grande novidade – nem comia.

Passaram-se dias sem que ela comesse uma única folha, sem que colocasse a cabeça fora da concha, sem que mexesse um único músculo sequer. Ao que tudo indicava, Isolda não estava bem. Nos primeiros dias, a menina olhava a jabuti sem parar, buscando perceber algum movimento que denunciasse sua sonolenta e preguiçosa existência. Aos poucos acabou desistindo... Colocou-a numa caixa, que enfeitou toda, com frutas e flores, para que seu bichinho pudesse viver ou, nesse caso, morrer em paz. Mas, numa manhã, passando pela cozinha a menina avistou, de rabo de olho, a caixa, que agora estava vazia. Isolda, ao que tudo indicava, havia desaparecido, não dentro do seu próprio casco como era de costume, mas com casco e tudo.

E dias difíceis estavam por vir: as vendas de pinhão e frutas estavam cada vez mais escassas, e a comida já não alimentava a menina, tampouco sua mãe que, cansada da própria existência, mal se mantinha em pé. Foram meses de fome, sem a companhia paciente e tranquila da jabuti. Até mesmo os bichos que comiam somente frutas e folhas começaram a minguar de fome.

Passado um ano inteiro, num dia não tão belo assim, o vizinho de Dona Maria, mãe da menina, resolveu ajudá-la com o teimoso matagal, que já invadira

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parte da casa, destruíra um bom pedaço da cerca e parecia agora o lugar ideal para todo tipo de bicho peçonhento, bichos esses que a menina não gostava nem um pouco.

Após muito trabalho, do vizinho e de seus quatro filhos, eis que Isolda de Oliveira Ano-Novo, que estava o tempo todo escondida na mata, reaparece à porta da casa de Dona Maria, cuja magreza acentuara-se em pouquíssimo tempo. Ao ver a jabuti, Dona Maria deu um sorriso ao mesmo tempo feliz e cansado, irônico e voraz.

De volta da escola, a menina ouvira da mãe, com um olhar esfomeado, que Isolda regressara. Feliz e aliviada, entrou rapidamente à sua procura, mas, para sua surpresa, não a encontrou. Cansada de procurar, lançou um olhar curioso à mãe que agora carregava uma expressão ambígua, de surpresa e abatimento, como se acabasse de cair em si do que fizera.

Foi então que Dona Maria desviou o olhar lentamente, com uma tristeza inumana, ao fogão à lenha, que exalava um aroma delicioso de ensopado, irreconhecível até então. Sem entender nada, a menina passou eternos segundos contemplando a panela sem saber o que pensar. Somente quando as lágrimas naturalmente começaram a cair é que entendeu o que havia no ensopado. Ignorando a fome e tudo que lhe pudesse segurar ali, saiu correndo em disparada mata adentro, mata afora, sem direção. Vizinhos afirmam que ela correu durante horas e foi encontrada na beira do rio, que parecia avolumar-se devido ao seu choro. Dona Maria, por sua vez, triste como sempre e morta de fome, sentou-se à mesa com um prato, um punhado de farinha e uma colher, e saboreou o ensopado com o único tempero que possuía: o sal de suas próprias lágrimas.

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MARIAM TRIERVEILER PEREIRA

Máriam Trierveiler Pereira é engenheira civil, mestre e doutora em engenharia ambiental e docente há vinte anos, tendo atuado em ensino médio, cursos técnicos, tecnológicos, graduações e pósgraduações.Atualmente é professora do Instituto Federal do Paraná e coordena projetos culturais em parceria com a Fundação de Cultura e Turismo de Umuarama. É bailaora e professora de dança flamenca, além de produtora artística e diretora da Cia de Dança IFPR Schubert, desde 2010. Influenciada pela mãe jornalista, nas horas criativas é escritora de contos infantis, contos infantojuvenis e poesias.

lto sob a poça d’água. Quase um escorregão. Mais um salto sob outra... corpinho desequilibrado. E agora um pulo! Direto para dentro de uma enorme

A lenda do índio do bosque

Naquela

manhã ensolarada de sexta-feira, Nicolas acordou animado com a ideia de ir ao Bosque dos Xetás com sua turma do 8º ano da escola. Mal conseguira dormir. Na mesa da cozinha, encontrou o material que já havia arrumado de véspera, a pedido dos professores: lupa, lanterna, pinça e saquinhos de pano. Ao lado, achou uma maçã, um pãozinho e uma garrafa de água que sua mãe tinha preparado. Cantarolando, colocou tudo em uma pequena mochila, deu um abraço apertado na mãe e saiu feliz, aos pulinhos. Seria um passeio inesquecível!

A professora de Ciências e o professor de Literatura haviam organizado uma excursão ao bosque da cidade para que os estudantes pudessem olhar de perto algumas espécies de vegetais e animais. Naquele local, não era permitida a entrada do público em geral, apenas de instituições com autorização da prefeitura. Como a escola ficava bem perto, foram a pé. Nicolas ia tagarelando com Otto, seu melhor amigo. Quantos pássaros gorjeavam naquela manhã!

Na entrada do bosque, em uma grande oca, as crianças foram recepcionadas por monitores, que lhes explicaram a história do local. Nicolas ouviu tudo com atenção, não queria perder nenhuma informação.

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Terminada a palestra, todos se reuniram para começar a trilha por dentro da mata fechada. Logo no início, já puderam sentir o forte cheiro úmido do verde ao amanhecer. A professora Jasmin parava de vez em quando para mostrar raridades:

– Olhem, esse é um fungo Baltazarian. Esse nome foi dado em homenagem a um cientista brasileiro. E esse outro foi uma bióloga paranaense que descobriu. Ele se chama Phallus aureolatus, difícil esse nome, né?

Nicolas, aplicado, a cada explicação ia com sua lupa para examinar bem de pertinho. De vez em quando, recolhia uma pedra colorida ou sementes com a pinça e guardava nos saquinhos de pano. A professora aguardava todos terminarem as observações para continuar a expedição.

– Crianças, vejam essa árvore. É um jaborandi-do-mato. Sua raiz é anestésica e era muito usada pelos índios Xetás.

Quando chegaram a uma das nascentes do bosque, a turma fez uma pausa para o lanche. Alvoroçados, os estudantes comentavam sobre suas descobertas. Foi nesse momento que o professor de Literatura, Francisco, pediu a atenção de todos, pois ia contar a lenda do índio do bosque:

“Há muito tempo, nestas terras, muito antes de algum branco querer fundar a cidade de Umuarama, exatamente aqui, nesta nascente, existia uma pequena aldeia dos índios Xetás. Eles percorriam grandes áreas para caça, pesca e plantavam mandioca onde hoje é a nossa escola. Eram todos descendentes do cacique Nhaguakã e tinham uma particularidade muito especial: eram todos muito altos. Mas muito altos mesmo! Nessa tribo, morava um jovem índio, Tukaajo, que além de muito forte, e alto, tinha o coração muito bondoso.

Um dia, Tukaajo conheceu uma bela índia de uma tribo vizinha, Tiguá, filha do cacique. Como o pai não aprovava o namoro e sabia da bondade de Tukaajo, exigiu que ele trouxesse penas de um uirapuru para provar o seu amor. O jovem guerreiro ficou desolado e não aceitou a proposta de ter que matar um pássaro. Porém, seu amor ardia por Tiguá e, depois de muitos dias e

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muita resistência, escolheu sua melhor flecha para selar o contrato. Procurou pela floresta um vistoso uirapuru e, com muita dor na alma, mirou em seu alvo. Tupã, vendo a angústia de Tukaajo, dividido entre o amor de Tiguá e a morte da ave, transformou-o em uma estátua. Na mesma hora, o uirapuru também se converteu em pedra. Hoje, podemos ver Tukaajo na frente desse bosque e o Uirapuru na frente do outro bosque da cidade.”

Após o relato do professor Chico, fez-se um breve silêncio entre todos. Então, a professora Jasmin convidou seus alunos para voltarem à escola. Antes de saírem do bosque, tiraram uma foto na frente da estátua de Tukaajo. Na escola, os alunos tiveram que fazer redações e apresentações sobre a visita. Nicolas e Otto falaram sobre a importância da natureza nas cidades e sobre a preservação da cultura indígena.

Chegando em casa, Nicolas contou para sua mãe todos os detalhes da visita. Ela percebeu que de todo o passeio o que mais havia impressionado o menino tinha sido a lenda do índio.

De fato, depois desse dia, toda vez que Nicolas passava na frente do Bosque dos Xetás e via o Grande Guerreiro Tukaajo um pensamento ecoava em sua mente: “o amor e a bondade nos recompensa, nos faz eternos”.

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LUCRECIA WELTER RIBEIRO

Nasceu em Toledo–PR (1953), formação superior, presidente da Associação das Academias de Letras, Ciências e Artes do Paraná, presidente da Academia de Letras de Toledo–PR, membro do Clube da Poesia de Toledo–PR, coordenadora e fundadora do Grêmio Haicai Sakura de Toledo–PR, delegada da UBT – União Brasileira de Trovadores em Toledo–PR, poeta multipremiada em concursos literários. Tem livros publicados.

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A panela do bisavô

LUCRECIA WELTER RIBEIRO

– Por

que você revira tanto esse baú, Lara?

– Preciso de material pro meu trabalho de escola, Bisa. Sobre o “Tropeirismo no Paraná”.

– E encontrou o que precisa?

– Encontrei essa foto

interessante: uma panela pendurada no ar, com fogo debaixo dela. Cozinhar com panela no ar? E com tanta gente em volta dela? Eu nunca vi isso. Por que não cozinhavam no fogão?

– Ah, sim, carregar um fogão seria impossível para quem precisava percorrer longas trilhas a pé e outras no lombo de um muar.

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– Muar? O que é muar, Bisa?

– Não está vendo na foto esses animais descansando? São os muares, animais dóceis e disciplinados. Filhos de cavalo e jumenta. Eram bons no transporte da carga dos tropeiros e muito úteis no campo. Esse homem da esquerda é o seu bisavô, Balduíno, meu marido. Ele era muito brincalhão e carinhoso. Lembro-me de quando ele chegava, e gritava o meu nome e o de cada filho, desde o portão, depois de seis meses viajando com a mercadoria e os animais que vendia. Ele trazia sempre consigo um pacote de guloseimas, a que chamava de “caramelos”. As crianças faziam uma festa com os doces.

– Não dava medo de ficar sozinha durante seis meses, Bisa?

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Eu estava sempre acompanhada dos meus onze filhos. Morávamos exatamente nesta casa em que estamos. Naquele tempo, esta localidade não passava de uma vila, que surgiu graças aos tropeiros que aqui se abrigavam de um dia para outro. Por conta dessas paradas, surgiu primeiro um núcleo de pessoas, depois uma vila que, mais tarde, virou a nossa cidade de Castro. – Nossa, Bisa! E de onde vinham esses homens?

Assim como ocorreu com seu bisavô, a maioria desses homens vinha do Rio Grande do Sul. O Paraná oferecia fartura em campos de pastagens para os animais da caravana. O destino era o comércio de Sorocaba, estado de São Paulo.

– Isso ainda acontece, Bisa?

Não, minha querida! No Brasil, o tropeirismo encerrou seu ciclo dois séculos depois de começado. Vou te levar ao museu para conhecer a Rota dos Tropeiros, o vestuário típico e apetrechos desses homens corajosos, a quem muito devemos. Vamos ver inclusive o carro de madeira puxado pelos animais, chamado cangalha.

Cangalha? Que nome estranho!

Esse carro da foto é uma cangalha.

Vamos ao museu agora, Bisa?

Vamos sim. Lá, uma surpresa aguarda por você, Lara!

– Uma surpresa? Oba! Estou curiosa. Depois de uma hora dentro do Museu do Tropeiro, a surpresa:

Bisa, Bisa, veja aí, a panela que cozinha no ar! A da foto! E é de ferro!

Viu, Lara? Que bom você poder vê-la bem à sua frente. Veja também a máquina fotográfica que registrou aquela foto. Uma verdadeira relíquia!

– Vovó! Que coisa maravilhosa! A minha professora vai gostar de saber.

Leia o que diz o papel!

Nossa, Bisa, está escrito que foi doado pelo tropeiro Balduíno e sua esposa Matilde. É o nome do meu bisavô e o seu! Eu estou tão feliz!

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Eu também sinto orgulho disso tudo, sabia? É uma parte da história da nossa família, minha e sua.

– Aqui a panela está suspensa por correntes de ferro, Bisa. Vou observar melhor a panela da foto. Será que está mesmo no ar?

A emoção e o orgulho da menina cresciam à medida que se dava conta da presença de outros instrumentos de trabalho que também pertenceram ao bisavô.

Ao chegarem em casa, a menina retomou as fotos antigas para conferir o que mantinha a panela no ar. Percebeu, então, que havia arames presos aos galhos de uma árvore sustentando a panela.

Orgulhosa pela história de seus ascendentes, Lara prometeu zelar pelas fotografias e pelas peças antigas. E mostrou-se interessada em herdar as relíquias da família, se essa fosse a vontade de sua bisavó.

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JAIR LISBOA DOS SANTOS

Nascido em Goioerê (PR), morou em Curitiba 33 anos. Hoje radicado no Rio, onde trabalha há 11 anos na profissão Engenheiro de Telecomunicações. Iniciou-se na vida de escritor em 2011 através do livro independente de poesias. Algumas poesias por apenas 1 conto. Em 2014, por desvio de comportamento, mudou de gênero e iniciou-se na prosa. Publicou de forma independente em outubro de 2016 o romance O fado de Rudi e em outubro de 2017 lançou seu primeiro livro de contos, Contos dúbios. Esse foi o vencedor do Prêmio Bunkyo de Literatura (São Paulo) de 2018 para livros de contos lançados entre 2016/2017. Detentor de 25 prêmios literários nacionais entre Contos e Poesias. Piazinho é seu primeiro conto infantil.

Piazinho

JAIR LISBOA DOS SANTOS

Foihá muitos anos, poucos dias depois da última neve que vestiu Curitiba, branca de neve. Vindo de Jandaia do Sul, cidadezinha do Norte do Paraná, o menino Dadá, com anos que ainda cabiam nos dedos das mãos, mudou-se para a capital. Lá no interior não havia edifícios e quando, assombrado, viu os prédios quase tocando as nuvens, as imensas araucárias e o gigante Relógio das Flores, sentiu-se mais pequenino do que já era.

Sua nova moradia era um antigo predinho de apenas dois andares. O apartamento 01 era habitado pela Dona Mirtes, uma simpática viúva

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para lá dos oitenta anos. No 02, aguarde, pequenino leitor, deixemos para depois. Subindo as escadas, no 03 vivia um careca e seu cachorro, não tão simpático assim. O careca, no caso. E, ao lado, no 04, morava a família do nosso arrepiado Dadá. A magia da neve Dadá não via, mas certo é que no quentinho da cama, o frio o fazia dormir encolhido. E estranhava que passavam os dias e o sol preguiçoso não dava o ar da sua graça, o céu triste com aquela cor de chumbo. “Cadê o azul do céu?”, ele se perguntava. E para piorar, uma garoazinha que teimava em cair o dia inteiro. “Não, Curitiba não é no Paraná, só pode ser em outro país”, pensava Dadá. Nos fundos do predinho, havia um quintal e Dadá quis aventurar-se a explorar seu novo e úmido território. Porém, sentado numa pedra, o rosto corado do frio, com saudades dos amiguinhos que deixou para trás, bateu uma súbita tristeza. Dadá sentia que lhe faltava um amigo. E não seria a velhinha do 01 e nem o careca chato do 03. É aí que entra o apartamento 02. Lá morava um casal curitibano que tinha um filho. Porém, o moleque do 02 devia ficar de castigo, na frente da TV ou então metido debaixo das cobertas. Na primeira vez que se cruzaram, o branquelo, de gorro verde enterrado na cabeça, nem deu bola pro Dadá. E foi por acaso, ou por

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obra do destino, que eles se conheceram. E foi assim...

Certo dia, Dona Nevinha, a mãe do menino do 02, preparou uns docinhos e pôs para arejar no terraço. Dadá, que morava em cima, quando viu as gostosuras pela janela, lembrou-se da linha de nylon e do anzol, heranças do interior. E lá ia descendo o anzol e subindo brigadeiro, beijinho, cajuzinho, numa doce pescaria. Dona Nevinha deu pelo sumiço de alguns doces e, sabendo das dificuldades dos vizinhos recém-chegados, não teve dúvidas:

Juninho, leve esses docinhos e salgadinhos ao pescador espertinho do 04.

A partir dali começou a amizade entre os dois. Só que Dadá achou meio esquisito o jeito cantado do moleque falar. E não entendeu nada quando ouviu o pai de Juninho pedir:

Piá, vá ao mercadinho da esquina e me traga esta lista: duas bengalas, dois chineques, um quilo de vina, meio quilo de caturra e meio quilo de mimosa. Encabulado de perguntar, o curioso Dadá foi junto com Juninho conferir de perto. Daí achou muito engraçado: bengala era o pão baguete. O tal do chineque era um pão doce. Vina nada mais era que salsicha. A caturra era a banana nanica e a mimosa era a conhecida tangerina.

Quando Dadá convidou Juninho pra jogar burquinha, aí foi Juninho que não entendeu. E Dadá disse “Burquinha, uai, bola de gude”. E Juninho respondeu:

– Ah, é búrico. Aqui em Curitiba a gente chama de búrico.

Um montão de brincadeiras tinham nomes diferentes: no interior era soltar papagaio, mas em Curitiba era empinar pipa. O estilingue era setra e brincar de queimada era brincar de caçador.

O problema é que as brincadeiras dos meninos começaram a incomodar

o careca chato do 03, que, é bom que se diga, não precisava fazer cara feia.

Certa vez ele encarou Dadá e, furioso, cacarejou feito uma galinha choca:

– Piazinho, pare já com essa algazarra no quintal!

Novos companheiros se enturmaram e veio o jogo de bola, que afinal se

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chamava futebol. O bate-bola lá no interior era no campinho de terra, descalços, os pés vermelhos. Ali em Curitiba, sem terrenos baldios, o jogo rolava no calçamento dos fundos do predinho e de tênis nos pés. E era tão emocionante que nem com joelho ralado o jogo parava. Quero dizer, parava sim, com bolada na vidraça. Adivinha só de quem? Acertou, esperto leitor: do careca chato do 03. Certo dia, Juninho e Dadá acharam um bolinho de dinheiro caído na entrada do predinho. Imaginaram que poderia ser da Dona Mirtes, do 01, e foram falar com ela. E observando seus cabelos de fios prateados e um xale sobre os frágeis ombros, ouviram da velhinha uma voz doce como um quindim:

Vocês são meninos de bom coração, fiquem com o dinheiro! E sigam brincando como crianças, nunca deixem que essa alegria que carregam fuja da alma de vocês.

E a história não acabou assim, não. Durante anos, o moleque pé-vermelho Dadá e o piá curitibano Juninho foram amigos inseparáveis. Um pouco traquinas sim, mas meninos brincando soltos, livres como dois passarinhos.

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CAROLINA BECKER KOPPE

Nascida em Curitiba, desde pequena se encanta com histórias que lhe permitem voar para longe. Sua trajetória acadêmica e profissional centrou-se em lidar com a palavra, com seus muitos sentidos e mistérios. É formada em Letras, pela UFPR. Nessa mesma instituição, tornou-se mestre em Estudos Literários. Atualmente, é autora e editora de materiais didáticos e, por algumas horas no dia, dedica-se a dar vazão à intuição e à imaginação que a fazem descrever os mundos que encontra na ficção. Tito é seu primeiro conto voltado ao público infantil.

Tito CAROLINA BECKER KOPPE

Titoera um menino que, por onde passava, fincava suas raízes. Assim como uma muda de planta que está pronta para ser fincada na terra, ele tinha ramificações em seus pés que, logo que tocavam o solo, entravam em seu interior tão rápido que Tito não podia ficar no mesmo lugar por mais de três segundos.

A família de Tito só descobriu que ele tinha raízes quando ele começou a andar. Foi com a primeira pisada de pé inteiro na Terra que suas raízes começaram a crescer. Por conta de sua condição, Tito foi examinado por centenas de médicos. Viajou inclusive para o Norte do país para se consultar com especialistas. Simplesmente nenhum soube chegar a uma conclusão.

Alguns diziam que se tratava de um problema de pele. Outros achavam que os ossos de Tito estavam crescendo mais rápido do que o corpo. Outros, ainda, diziam ser esse um problema de pessoas nascidas no Sul, em uma região em que o frio era muito intenso. Cansado de sempre fincar raízes sem

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entender o porquê, Tito passou a andar em uma cadeira de rodas. No começo, a decisão até deu certo alívio, mas, passado um tempo, Tito foi ficando muito triste, pois não pisar na Terra passou a ser um castigo. Sem saber o que fazer, o menino pediu ajuda ao céu estrelado. Todas as noites, posicionava-se na janela do seu quarto para observar as estrelas e pedir a elas que o ajudassem a entender qual era a função de suas raízes. Depois de várias noites, Tito recebeu uma visita. Era Estela, a garota estelar. Estela veio ao encontro de Tito várias vezes. Os dois conversavam e Estela sempre ia embora antes do amanhecer, já que devia dar lugar ao Sol. Toda vez que Estela visitava Tito, ele perguntava de suas raízes. Embora soubesse o porquê de Tito ter raízes, Estela queria que ele mesmo descobrisse. Certa noite, ela falou:

— Eu venho de um lugar muito bonito, que fica bem longe da Terra, mas de onde eu posso escutar todos os humanos que pedem ajuda às estrelas. Quando o pedido vem da alma, tenho permissão para vir até aqui e ajudar.

— Nossa, Estela! Que legal seria ser como você! Então o meu pedido viajou para muito longe?

— Sim! Ao ouvi-lo por diversas noites, entendi que era algo que você queria muito e por isso estou aqui, para ajudá-lo a entender suas raízes.

Tito ficou muito feliz e, aos poucos, compreendeu que Estela era muito importante. Depois de ficar um tempo pensativo, disse:

— Que legal seria poder ajudar as pessoas, Estela, assim como você faz.

— Todos podem ajudar seu planeta de alguma forma, Tito. Todos os seres humanos têm uma função para a Terra. Tudo o que cada um de vocês faz é sentido por ela. Quando alguém planta uma árvore ou é gentil com um desconhecido, a Terra sorri. E eu posso ver o seu sorriso lá do meu planeta.

— Estela, isso é incrível! E a Terra está sempre sorrindo?

— Não. Os sorrisos que a Terra dá estão cada vez mais raros. As pessoas acham que não precisam ter nenhuma responsabilidade para mantê-la sorrindo

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para o resto do universo.

Tito ficou um tanto aborrecido. Nunca tinha imaginado que a Terra, assim como ele, sente as coisas. Então, lembrando-se dos hábitos de quase todos os humanos, ele percebeu a tristeza que a Terra estava sentindo.

Estela foi embora naquela noite e deixou Tito pensativo. Durante uma semana, ela não reapareceu. Sozinho, ele se deu conta de que o fato de ter raízes nos pés devia ter algo a ver com a Terra. Mas como saber o quê?

Tito resolveu pisar novamente no solo. Logo suas raízes começaram a crescer e a entrar na terra. Em poucos minutos, elas haviam chegado ao centro da Terra.

Quando isso aconteceu, Tito pôde sentir o planeta por inteiro. Conseguiu visualizar a Terra toda, desde seu interior, muito claro e brilhante, até a sua superfície, precisando de cuidados. Ele então compreendeu que sua função era ajudar os humanos a compreender a importância de pertencer ao lugar em que nasceram.

Ao chegar a essa conclusão, Tito foi aos poucos se transformando em uma linda araucária, uma espécie de pinheiro encontrado nas regiões mais ao sul do país. Um pinheiro com muitas ramificações, galhos e folhas estreitas e bem verdinhas. Uma árvore tão grande e tão alta que, quando o Sol está a brilhar intensamente, faz sombra em quase toda a extensão da Terra.

Cada folha que cai naturalmente de Tito contém uma mensagem para aquele que a pega nas mãos. As pessoas, quando leem o que está escrito nessas folhas, ficam silenciosas e encontram dentro de si o que têm de melhor para oferecer a Terra. Em pouco tempo, muitas pessoas passaram a conhecer a história de Tito. As crianças adoram ficar à sombra de seus galhos, esperando as folhas caírem. As mensagens que Tito transmite são tão especiais que todos passam por uma transformação. É por causa delas que hoje, lá das estrelas, Estela não para de ver a Terra sorrir.

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ

Darci Piana

Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

Emerson Sextos

Diretor Regional do Sesc PR

Maristela Massaro Carrara Bruneri

Diretora de Educação, Cultura e Ação Social

Cesar Luiz Gonçalves

Coordenador Geral do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Ernani Buchmann

Coordenador de Jornalismo do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Rosane Guarise

Assessora de Comunicação e Marketing do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

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Uma história, uma criança e muitas possibilidades para falar sobre a cultura paranaense. Esta coletânea literária, fruto da quarta Seleção de Contos Infantis promovida pelo Sesc Paraná, mostra a diversidade e a riqueza de nossas manifestações culturais, lendas e costumes. O Sesc reconhece e valoriza os elementos da cultura paranaense presentes nas mais diversas manifestações artísticas e aqui incentiva a literatura e a formação de novos escritores.

Venha ler conosco!

Autores:

Carolina Becker Koppe – Curitiba

Caroline Lima Ramalho Casagrande – Curitiba

Francisco Lobo Batista – Curitiba

Gilberto Martins Gondro – São José dos Pinhais

Jair Lisboa dos Santos – Goioerê

Joseane Pesuschi – Curitiba

Leomir Bruch – Palotina

Lucrecia Welter Ribeiro – Toledo

Mariam Trierveiler Pereira – Umuarama

Rodolfo Stancki Silva – Curitiba

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