Coletânea de Contos Infantis Sesc (2018)

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Serviço Social do Comércio – Sesc PR

Coletânea Sesc de Contos Infantis

Curitiba, 2018

Catalogação na Fonte: Sesc Paraná - Gerência de Cultura

C694 Coletânea Sesc de Contos Infantis / Curitiba : Sesc PR, 2018.

64 p.: il. color.

ISBN 978-85-60587-12-4

1. Contos infantis. 2. Literatura infantojuvenil. I. Sesc PR. II. Título.

CDD – 028.5

TRADIÇÕES DA CULTURA PARANAENSE REUNIDAS EM COLETÂNEA INFANTIL

O Sesc Paraná organizou essa coletânea de Contos Infantis para homenagear a cultura e a arte paranaense.

É uma seleção de narrativas inéditas – produzidas por novos autores – que estão morando no Paraná ou são nativos do estado e hoje vivem em outros lugares.

A antologia dedicada aos pequenos é composta por 10 histórias ilustradas, uma verdadeira viagem pelas cidades do Paraná, que representam um pouco das nossas tradições culturais.

Agradecemos aos autores que dedicaram algum tempo para escrever sua história, que teve o Paraná como cenário e que, a partir de agora, será compartilhada com crianças e adultos.

BOA LEITURA

Sesc Paraná

SUMÁRIO TAINARA CRISTINA DE PAULA MAIA CONTO INDÍGENA...............................................9 CRISTINA MARIA DEMARCHE O TAMANQUINHO MÁGICO.............................14 GUSTAVO VAZQUEZ RAMOS SONHANDO COM TRENS.................................20 ANA WELTER MARIA CLARA NA GRACIOSA..........................27 RITA DE CÁSSIA KLOSIENSKI JANKOWSKI AMADA GOIABADA...........................................32
LAURA GERALDO MARTINS MARAFANTE CAMINHO DE PASSARINHO............................38 GIANA BATISTA GUTERRES DA SILVA A MENINA QUE QUERIA SER DETETIVE........44 ANDERSON NOVELLO O MISTÉRIO DO POÇO SEM FUNDO...............50 MARTA MORAIS DA COSTA A JANELA E O MAR...........................................56 DOUGLAS GOMES DARONCO CHEIRO DE MAR................................................63

TAINARA CRISTINA DE PAULA MAIA

Tainara Cristina de Paula Maia é turismóloga, estudante de Filosofia Clássica e estudante de Letras. Buscadora da verdade e apreciadora da natureza, através das letras vem exaltar a simplicidade e a beleza. Com o intento de encantar o leitor, o Paraná serviu de grandiosa inspiração para este conto. Escolhi os povos indígenas para expressar a identidade e a cultura paranaense, pois estes carregam em si grandiosas histórias de seu povo e desta terra vermelha abundante. Agradeço por aqui expressar sua ímpar natureza exuberante e seu povo forte paranaense do qual, orgulhosamente, faço parte.

CONTO INDIGENA CONTO INDÍGENA

TAINARA CRISTINA DE PAULA MAIA

Na mata, num final de tarde com o Sol poente, nas terras vermelhas, brandas e férteis do Paraná, um povo gentil ali habitava. Quem vivia ali eram os bravos guerreiros guaranis. Indígenas fortes, filhos das selvas e da mata abundante. Neste povoado, havia uma índia com flor de rio nos cabelos, que ofuscava o Sol com sua formosura. Naquele dia, cumpria sua honrada função na tribo. Estava incumbida de fazer um vaso belo de cerâmica e cores. O chefe cacique queria celebrar na festa que ocorreria à noite junto ao povoado na fogueira, o motivo da festa era a alegria da fartura da caça do dia. O cacique entendia o acontecido como presente de Tupã à aldeia e deveriam todos alegrar-se e agradecer pelo bom acontecido.

A tribo toda se preparara, tinta de urucum formava os mais belos desenhos geométricos nos rostos das índias. Os cocares mais coloridos eram cuidadosamente escolhidos para combinar com os instrumentos que tocariam a noite toda. Dançavam em roda alegremente em volta da fogueira que ficava no centro da aldeia. Em imensa alegria todos celebravam a natureza e agradeciam a boa caça. O Cacique agradecia e pedia bom tempo para a nova safra, como também vida longa e força ao seu povo guerreiro. No meio da grandiosa festa, a doce índia ouviu ao longe uma flauta doce. Procurou quem estava tocando e logo o encontrou. Era o príncipe guerreiro, esbelto como tronco de Araucária, filho forte dos guaranis. Tocava a flauta musicada enquanto o coração da índia batia forte. Ela sentiu que aquele som anunciava que belas coisas estariam por vir.

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No dia seguinte, a aldeia funcionava em harmonia. Todos trabalhavam como se fossem um só. Cada um tinha suas tarefas e afazeres. As índias ocupavam-se com a feitura de cerâmica e alimento para todos. Faziam as redes e cuidavam das plantas e da formação dos indiozinhos guerreiros.

Já os índios fabricavam as flechas e arcos fortes para lutar e caçar. Derrubavam o mato para trabalhar com a terra. Cuidavam também da aldeia, protegendo-a de todo mal. Andavam cuidadosamente na mata, caçavam e pescavam somente o alimento para o dia e nada mais. Respeitavam assim a natureza sem desperdício, agradecendo e cuidando bem dela todos os dias.

No fim do dia, os velhos índios acendiam a fogueira. As mulheres serviam o alimento enquanto o velho Cacique passava seu conhecimento das histórias ancestrais ao povoado em volta da fogueira. Ao terminar, o pajé anunciou à tribo que o novo cacique teria que assumir a aldeia e protegê-la. Já estava na hora, o antigo cacique já estava ancião.

Ao novo Cacique, o pajé dizia que dali por diante teria que enfrentar guerreiros, tremores e mudanças no ar. Precisava ser forte, valente e veloz para não deixar sua história e seu povo morrer.

Depois dessa noite, três dias se passaram. Ao entardecer o novo Cacique sentou-se no monte. Olhou orgulhoso a terra de seus ancestrais. Lembrou-se daquilo que lhe foi ensinado e pensou: “Das flechas que fiz me quero valer! Do sangue vermelho Guarani que corre em mim! Índio guerreiro eu sou! Vim dessa terra vermelha que forte faz crescer tudo! Terra vermelha que dá fruto, dá vida e alimento para o meu povo. Terra vermelha que abriga os mais cantadores passarinhos. Terra vermelha que faz abrigo e dá novo caminho ao povo lutante desse pedaço de chão! Serei bom guerreiro para meu povo! Foi assim que aprendi. Sou forte, sou honroso, sou filho de Guarani!”

Andando pelas matas na manhã d’outro dia, o jovem Cacique viu ao monte as terras férteis viradas da boa colheita, que anunciavam a fartura da mandioca e do milho. Durante a colheita observou uma jovem índia, de tamanha bondade e beleza, que pensara que vira uma gralha-azul da mata.

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A nobre união aconteceu logo, pois o amor dos dois eram iguais. Assim se tornaram guerreiro e guerreira na luta da aldeia por seus ideais. Enfrentaram guerras, trovoadas e serpentes. Defenderam com flechas e fogo sua morada, também toda vida preciosa do povo, que ali estava entre os butiás a lutar na alvorada.

Na nova aurora, o Pajé anunciou ao novo Cacique que a tribo se salvaria de todos os males se montasse moradia perto do mar. O povo seguiu e montou as ocas, tornando logo o mar o lar de todos. O mar trouxe consigo renascida a fartura da vida que os ancestrais tanto sonharam. Cantando e vivendo com alegria, ali uniram a sua história, junto às águas fortes do Paraná.

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CRISTINA MARIA DEMARCHE

Meu nome é Tina, embora os documentos insistam em Cristina. Nasci em Curitiba, mas morei em outras localidades. Gosto de pensar que “somos todos do mundo”.

Jornalista, desde o início da faculdade desenvolvo atividades relacionadas a minha profissão. Produzi, fiz reportagens, editei e apresentei programas jornalísticos em emissoras de televisão.

Atuei em rádio e assessoria de imprensa. Fiz também trabalhos voluntários na minha área e tenho uma pós em Gestão de Pessoas.

Sou determinada, compreensiva, e procuro ser coerente com pensamentos e sentimentos. Gosto de aprender, conhecer pessoas, viajar, ler. Amo animais e plantas. Brisa, minha cachorrinha, quando morreu foi homenageada por mim em um livrinho para crianças. Tenho um filho e um neto, que são meu grande tesouro.

O TAMANQUINHO MAGICO O TAMANQUINHO MÁGICO

CRISTINA MARIA DEMARCHE

Viviane foi ao mercado municipal com sua mãe e esse era um dos seus locais favoritos para passear em sua cidade, Paranaguá. As bancas eram sempre uma festa de cores e perfumes. O lugar enchia os olhos, o nariz e até os ouvidos, porque muitos adultos e crianças circulavam por ali fazendo alvoroço. Nesse dia, passou por um dos corredores em que eram vendidos tamancos. E não é que tinha um de seu tamanhinho? Estava um pouco escondido entre os demais, bem maiores. Mas chamou sua atenção como se a tivesse chamado pelo nome.

Pediu à mãe que desse a ela o tamanquinho. Dona Alice ponderou muito porque estava com o dinheiro contado. Precisava comprar as frutas e verduras da semana. Mas pensou que a filha raramente pedia alguma coisa e resolveu levar o presente.

Ao chegar em casa, Vivi – como era chamada pela família e as amiguinhas e amiguinhos da escola – decidiu experimentar o tamanco. Foi só colocar nos pés e... ui! eles começaram a dançar. Vivi levou um susto porque seu corpo se mexia e remexia e ela não conseguia controlar. Toc, toc, totoc. Toc, toc, totoc, faziam os tamanquinhos no chão.

Ao ouvir o som, dona Alice veio da cozinha para ver o que estava acontecendo. “Vivi, eu não sabia que você dançava fandango”, disse ela.

A menina olhou para a mãe meio sem jeito, mas disfarçou e disse que estava aprendendo na escola. Realmente, a professora estava ensinando que o fandango é uma manifestação cultural das cidades litorâneas do sul do país, que quase tinha

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sido extinta, mas que um trabalho de resgate tinha sido feito a partir da década de 90 e, finalmente, que a tradição é grande em Paranaguá. Mas dançar.... nunca tinha dançado, não. E nem imaginava que aqueles passos que o tamanco a fez dançar eram de fandango. Apesar de já ter visto grupos de dança da cidade se apresentando, não saberia repetir.

Devagar, se segurando na cama, tirou um pé e depois o outro. E o corpo parou de sacudir. “Mas que esquisito”, pensou. “Será que estou ficando lelé da cabeça? Bem, se estivesse, minha mãe não teria visto e comentado”, chegou à conclusão.

A menina estava muito curiosa com essa experiência. Então, lentamente, calçou um pezinho de novo... e nada. Calçou o outro e... toc, toc, totoc, toc, toc, totoc. Mexe e remexe, mexe e remexe, mexe e remexe. “Pare, tamanco, pare!”, disse, mas ele não obedeceu. Enfim, tirou o tamanco mais uma vez. Ufa! Que situação, hein? Como é que Vivi iria explicar que o tamanquinho tinha vontade própria e que ela nunca poderia andar tranquilamente por aí com o presente que ganhou da mãe?

Sentou no chão, ao lado do par de tamancos, e ficou matutando o que fazer. Pensa daqui, pensa de lá, até que uma ideia brilhou. “Vou dizer à mamãe que vou precisar trocar o presente porque esse está me machucando”. E assim ela fez. Então, na próxima semana, quando foram às compras semanais, a mãe a levou à banca de tamancos. Infelizmente, não tinha nenhum outro que servisse nos pezinhos de Viviane. E agora, o que fazer? O jeito era voltar com esse mesmo e tentar encontrar nova solução.

“Vamos colocar esparadrapos em seus pés quando for usar o calçado, está bem?”, disse a mãe, nem imaginando que o motivo verdadeiro estava longe de ser o que a filha alegou.

Mas Viviane, no caminho de casa, encontrou uma alternativa melhor. Decidiu dizer à mãe que o tamanco seria usado na escola, em aulas de dança de fandango. Escondida, levou o tamanquinho para o porão de sua casa. Lá, quando quisesse usar e dançar, não seria ouvida por ninguém.

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E esse foi o segredo da menina durante alguns meses. Até que ela soube que a escola participaria de uma grande apresentação de fandango na festa da padroeira de Paranaguá, Nossa Senhora do Rosário. Rapidamente, Viviane se ofereceu para integrar um dos grupos, fazendo o maior sucesso durante os ensaios. Ninguém acreditava que uma garotinha tão pequenininha tivesse tanta desenvoltura com a dança. Ela, por sua vez, não esperava que o presente da mãe lhe desse tanta alegria.

No dia da apresentação, o grupo em que Vivi estava se destacou e ganhou o primeiro lugar. Feliz da vida, ela tomou a decisão de não esconder mais seu tamanquinho mágico no porão. Dali para a frente ele teria lugar especial em seu guarda-roupa.

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GUSTAVO VAZQUEZ RAMOS

Nascido em Brasília em 1980 e morando em Curitiba desde 1989, Gustavo Vazquez Ramos já escreveu contos, livros de aventura e principalmente literatura infantil. Publicou três livros nessa área – “Tito, o gato” (2013), “Tito e Tuli” (2015) e “A aprendiz de alfaiate e o dragão” (2017), além de participações em coletâneas e ter feito inúmeras atividades em escolas. Formado em Filosofia, seu primeiro livro “As Compensações”, de 2010, foi traduzido para o inglês em 2017 e será lançado em espanhol neste ano. Também escreveu o roteiro do premiado curta-metragem “Entrevista de emprego”. Vive com sua esposa, filha, e uma gata de estimação.

SONHANDO COM TRENS

SONHANDO COM TRENS

GUSTAVO VAZQUEZ RAMOS

Joséera um garoto que se interessava pelas novas tecnologias – as invenções que tornavam a vida mais ágil e fácil. Não havia uma novidade que ele não conhecesse. Nisso, ele era igual à maior parte das crianças de hoje.

A diferença era que ele havia nascido em 1875, quase cento e cinquenta anos atrás. Foi na cidade de Paranaguá que, assim como agora, era um importante centro de comércio.

José era um leitor assíduo dos jornais que seu pai comprava. Através deles, acompanhava as novidades científicas e tecnológicas da época. Nos últimos anos várias invenções haviam surgido: o gramofone, onde as pessoas podiam ouvir músicas sem haver músicos presentes; a lâmpada elétrica, que substituía o lampião; o telefone, que permitia às pessoas conversarem entre si à distância... Parecia que a criatividade humana não tinha limites.

Mas a invenção que mais atraía José era o trem. Naquela época já existia no Brasil muitas ferrovias, mas todas ficavam distantes, em outros estados, e o máximo que se podia fazer era ler sobre isso em livros ou periódicos. Essas informações não eram as mais claras. Nos textos falavam que o trem era como uma carroça, mas sem os cavalos para puxá-la; ao mesmo tempo tinha janelas e portas por onde se entrar, como uma casa. Também teria uma lareira com chaminé, que ao invés de servir para aquecer o ambiente, era para expelir a fumaça das caldeiras, que permitiam o movimento do veículo. Diziam que o trem deslizava por aqueles trilhos como uma cobra, serpenteando seu caminho floresta adentro, mas que era feito de metal e madeira. Podia também arrastar consigo vagões, que eram encaixados ou desencaixados conforme a necessidade. Infelizmente, as raras fotos que surgiam não eram nítidas.

À noite, José buscava juntar essas informações tão diferentes em algo que

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fizesse sentido. Uma cobra gigante de metal, com portas, encaixes e chaminé... Quando caía no sono, tudo isso se misturava em formas exóticas: uma cobra com um chifre por onde saía fumaça, uma casa com rodas deslizando por trilhos, um navio a vapor navegando na terra, uma minhoca gigante que engolia pessoas e depois as devolvia em outro local...

Um dia anunciaram que o trem chegaria a Paranaguá. José não conseguia parar de pensar sobre isso – finalmente veria um com os próprios olhos! Nos meses que se seguiram, não era raro ele acompanhar as obras da estação de trem: colocavam os trilhos de ferro no chão, construíam a sala de embarque, levantavam os sinais e semáforos na linha.

Mas, do trem em si, nada.

Os dias foram passando e a agitação na cidade só crescia. Havia boatos de que a própria princesa Isabel visitaria Paranaguá para o evento: a primeira viagem de trem de Paranaguá a Curitiba!

Antes dessa viagem, porém, o trem faria um evento-teste. Os habitantes poderiam assim conhecê-lo; a prefeitura iria organizar uma grande festa, com banda de música de fanfarra e fogos de artifício.

Um dia antes do evento, José pensou que nem conseguiria dormir, tão grande era a sua emoção. Mas acabou dormindo e, mal despertou, pulou da cama. Sem nem tomar o café da manhã, foi até a praça junto de sua família. Andou de lá para cá, comeu algumas guloseimas que estavam distribuindo, cumprimentou amigos e parentes... até que ele e toda a cidade ouviram o apito. Era a primeira vez que ouviam aquele som que, no futuro, se tornaria tão comum. Mas, por ser a primeira vez, deixou todos de cabelo em pé! E o apito soou outra vez e o barulho das rodas girando pelos trilhos começou a ficar mais forte, embora ainda não fosse possível ver coisa alguma.

Todos se enfileiraram à beira dos trilhos, com a cabeça virada para o lado de onde o trem viria. Pareciam estátuas, pois ninguém tinha coragem de se mover um passo que fosse. Prendiam a respiração. O coração de José batia forte em seu peito.

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E, após o que pareceu uma eternidade, o trem despontou no horizonte. Nessa hora, toda a tensão terminou. Os parnanguaras gritaram de alegria e jogaram seus chapéus para cima, vibrando por aquela invenção que mudaria a cidade. O século XX estava ali!

José estava de boca aberta quando o trem parou a sua frente. E, no fim das contas, era mais lindo e incrível do que aquilo que imaginara em seus sonhos. Olhava para as rodas, engrenagens e portas e não havia um canto daquela máquina que não fosse assombroso. Imaginar que um dia aquelas máquinas poderiam estar espalhadas por todo o Brasil, que levariam as pessoas de cá para lá rapidamente...

A festa continuou por horas e horas – foi um momento que nenhum dos presentes jamais esqueceu. E quando voltou para casa, José estava tão cansado que foi logo dormir – e dormiu um sono pesado, cheio de sonhos: ele dentro de um trem, viajando...

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ANA WELTER

Ana Welter (1960) nasceu em Toledo/PR, com formação em Filosofia, Pedagogia e Educação Física. Pós-graduada em História do Brasil; professora aposentada da SEED – PR; 1ª secretária da Academia de Letras de Toledo (ALT), membro do Clube da Poesia de Toledo/PR. Participação em diversas coletâneas e concursos; haicai premiado no IV Festival de Haicai de Petrópolis, Edição 2016; classificada em 2º lugar no Concurso de Haicai “Prêmio Massuda Goga” – 2017 –Grêmio Haicai Ipê de São Paulo. Voluntariado: Palestras em escolas públicas, trabalhos junto à Pastoral da Pessoa Idosa e Movimento Eucarístico Jovem.

MARIA CLARA NA GRACIOSA MARIA CLARA NA GRACIOSA

ANA WELTER

Nas

férias de julho, Maria Clara e sua família foram conhecer a estrada da Graciosa, matéria vista no semestre, em sala de aula.

De Curitiba, viajaram rumo ao litoral. Maria Clara observava com atenção os pinheiros e as árvores do caminho, achando tudo deslumbrante.

Durante o trajeto, decidiram qual seria o recanto a ser visitado por primeiro, entre os sete existentes. Optaram pelo mais conhecido, o Recanto Mãe Cativa. Ao chegarem, andaram muito, conhecendo as belezas do local; depois fizeram uma parada para o lanche e descanso na rede. Maria Clara adormeceu. Maravilhada com tudo que vira, chegou a sonhar com um indiozinho que a convidava para conhecer melhor a Graciosa.

– Vem comigo! Eu tenho asas, e juntos voaremos sobre a vegetação litorânea; e você verá do alto muita coisa bonita.

– Ah, eu topo sim, mas quero saber antes o seu nome – disse a menina.

– Meu nome é Arakoê, sou índio do tronco linguístico Tupi-Guarani. Os meus ancestrais habitaram este lugar, viveram nestas matas.

– E qual é o seu nome? – perguntou o índio.

– Eu me chamo Maria Clara.

Muito bem, Maria Clara! Não podemos perder tempo, temos muitos lugares para visitar!

Lançaram-se em aventura, sobrevoando matas, banhando-se nas cachoeiras, subindo e descendo as mais altas rochas. Viram muitos animais diferentes. Chamou a atenção de Maria Clara, a gralha-azul, de que a professora tanto falara. A aventura seguia. Lançaram-se entre cipós, viraram cambalhotas, piruetas, pousaram nas copas das árvores, em cima dos montes. Fantástico!

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Desceram até Morretes e Antonina. Saborearam o “barreado”, prato típico da região que os tropeiros costumavam preparar enquanto viajavam. Experimentaram também alguns quitutes do lugar como: balas de banana, salgadinhos de mandioca, pastel e pamonha.

Muito curiosa, Maria Clara quis saber mais.

– Quem eram os tropeiros?

– Eram homens que viajavam pelas trilhas abertas na mata trazendo mercadorias para serem vendidas.

– Como carregavam as mercadorias?

– Em cima de mulas e cavalos, tudo era muito difícil. Nos pontos de venda, surgiram as principais cidades do Paraná.

– Arakoê, qual é o significado de seu nome? – O meu nome foi escolhido por meu pai e significa aurora, amanhecer –respondeu o índio.

– Tudo a ver com a beleza do lugar – completou Maria Clara.

– Ah! – lembrou o índio – antes de você partir, vou lhe deixar uma mensagem que meu pai costumava dizer para todos da tribo: “randuẽka, (a) monẽ ẽ kuatia (a) jetavy’o, que significa “estudar é saber mais”.

– E ele tinha razão – disse Maria Clara – quanto agora poderei contribuir na escola tendo conhecido a estrada da Graciosa!

– Tenho que ir – disse o indiozinho – Adeus, gostei muito de sua companhia!

Maria Clara despertou do sono, feliz e radiante, por ter vivido a aventura mais espetacular de sua vida.

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RITA DE CÁSSIA KLOSIENSKI JANKOWSKI

Rita de Cássia Klosienski Jankowski nasceu em Jacarezinho

(PR). Em berço familiar, começou os estudos de inglês, francês, alemão e italiano. A paixão pelas línguas estrangeiras a impulsionou a se graduar em Letras Português-Inglês e Letras Português-Francês. Possui cursos de pós-graduação em Língua Inglesa e Literatura Universal. Há muitos anos, mora em Curitiba, cidade escolhida como lar por seus antepassados, oriundos da Alemanha e Polônia. Trineta de um dos construtores da Catedral Basílica e da Santa Casa de Curitiba concilia as pesquisas históricas sobre a imigração no Paraná e as aulas de idiomas que ministra.

AMADA GOIABADA AMADA GOIABADA

RITA DE CÁSSIA KLOSIENSKI JANKOWSKI

Titi é uma moça muito caprichosa. Gosta de abrir a porta do armário da cozinha e encontrar panelas e tachos de cobre sempre brilhando. Vez ou outra, ela prepara doces de frutas, sejam eles em calda, geleia ou cremosos, daqueles que são cozidos lentamente e exalam perfumes que atraem abelhas para a panela. Sempre às sextas-feiras, Titi costuma fazer os doces que serão servidos no final de semana. Sua família gosta de tomar café com pãezinhos de queijo, recheados com goiabada cascão. Os vizinhos das casas ao lado e amigos são convidados a comer bolo de fubá com erva-doce, goiabada em calda e queijo branco fresco fabricado em Castro, na região dos Campos Gerais, no Paraná.

Há algumas semanas, quando estava prestes a entrar na cozinha, Titi ouviu a campainha. Pelo olho mágico, viu a vizinha Paula e sua filha Pietra, uma menina de voz suave, tão suave como o canto dos pássaros e de olhos brilhantes, tão brilhantes quanto são os diamantes.

Por favor, entrem. Sejam bem-vindas, disse Titi. Logo, a menina desatou o pacotinho de perguntas que toda criança com quatro anos de idade carrega. Num piscar de olhos, Pietra sentou-se na cadeira que fica bem perto da pia. E dali em diante, a conversa só ficou entre as duas.

Titi, como é que você faz a mágica de transformar frutas em doces?

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Vamos brincar de Circo? Por favor, abra bem os olhos e preste bastante atenção, pois o show vai começar!

– Senhoras e senhores, respeitável público: boa tarde!

– Hoje tem bananada?

– Tem sim senhor!

– Hoje tem goiabada?

– Tem sim senhor!

Titi deu início a um fabuloso show de mágicas. Pietra se divertia muito quando dizia as respostas, sempre de olhos no tacho de cobre. Titi, feliz da vida, explicou que a goiabada tem que ser feita com a melhor goiaba do mundo. Não pode ser comprada em supermercado. Sempre é preciso viajar até o Norte Pioneiro do Paraná e passar vários dias em Carlópolis. Somente lá, as goiabas grandes e suculentas, dignas de prêmios, são encontradas. As goiabas devem ser descascadas cuidadosamente. Qualquer amassadinho deve ser retirado.

– E se eu achar um bicho da goiaba?

–Tornem-se amigos. Ele é amigo da natureza! Mas não espere encontrá-lo tão cedo. As goiabas de Carlópolis são perfeitas. Já o açúcar, para a goiabada, precisa ser de Jacarezinho, cidade natal dessa receita. Lá, os canaviais são tão grandes que nem cabem nos olhos! Quando o vento acaricia a plantação de canade-açúcar, as folhas assobiam! Outra especialidade é o fogo para fazer o doce. A chama tem que ser baixinha. Sempre peça ajuda a um adulto para levar o tacho de cobre até um fogão a lenha.

– E onde eu encontro um fogão a lenha? Pietra perguntou rápida como um relâmpago.

– Eles sempre ficam nas aconchegantes fazendas, sítios, chácaras e casas de amigos. No interior do Paraná, somos todos amigos. O fogo tem que ser baixinho, a lenha para o fogo tem que ser especial, colhida dos galhos que naturalmente caem das árvores. Eles devem ser apanhados durante uma caminhada. Os olhos precisam estar bem abertos para ver as flores, para conhecer diferentes espécies de frutas, frutos, pássaros e animais.

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–Titi, quem ensinou essa mágica para você?

– Eu a aprendi quando era bem pequena. Aprendi com D. Iná, uma amiga de meus pais. Os doces preparados por ela eram perfeitos. O sabor e o aroma estão guardados no meu coração.

E assim, num passe de mágica, a iguaria estava pronta. Todos se sentaram à mesa e tiveram uma bela refeição. Riram, compartilharam momentos doces e felizes que ficarão para sempre na memória de todos.

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LAURA GERALDO MARTINS MARAFANTE

Laura Marafante nasceu em 1988, na cidade de Jaboticabal, interior de SP. É atriz, graduada em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Literatura Brasileira (UEL), especialista em Arte e Educação (Esap-Londrina) e mestra em Letras/Estudos Literários (UEL). Após viver onze anos em Londrina (PR), decidiu, em 2018, mudar os ares e buscar novos rumos na cidade de Curitiba. Apaixonada por ler e escrever desde pequena, publicou seu primeiro livro bem cedo, aos 12 anos de idade, dois anos após tê-lo escrito. Somente cerca de vinte anos depois, com este conto, se arrisca novamente a perambular pela escrita literária e inevitavelmente, reencontra a si mesma.

CAMINHO DE PASSARINHO CAMINHO DE PASSARINHO

Umsalto sob a poça d’água. Quase um escorregão. Mais um salto sob outra... corpinho desequilibrado. E agora um pulo! Direto para dentro de uma enorme poça! A água suja, que ali descansava, agora se sacode toda pelos lados e molha Dadá.

Lis, a pequenina saltadora de grandes poças d’água, ri da irmã mais velha molhada e emburrada, que não viu graça nenhuma. Coisa de irmã. Brabeza que passa!

As duas irmãs voltam juntas da escola para casa, em Tamarana, uma cidade bem pequenininha no interior do Paraná. Terra dos índios Kaingangs, da serra do Arreio e hoje é terra que molha e terra que voa.

A casa é logo em frente, atravessando a praça, mas hoje o caminho parece maior do que de costume. Quem caminha logo atrás da Dadá, vê um guarda-chuva vermelho de pernas.

Lis, um pouco mais à frente da irmã mais velha, agora caminha devagarzinho, alternando com pequenos pulinhos, segurando um guarda-chuva azul. Distraída, ela nem percebe que ele se mexe para todos os lados, cutuca as pessoas que passam, os cachorros e até os coitados dos postes, quietinhos, parados ali na deles.

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– Lis! Segura direito! – diz Dadá, preocupada com a irmã desatenta. A pequenina, obediente, agarra firme o guarda-chuva com as duas mãos, cobrindo o rosto como pode para se proteger da chuva. Agora quem caminha logo atrás, vê também um enorme guarda-chuva azul de pernas. Uma dupla então de guarda-chuvas ambulantes. Um vento gelado que às vezes por Tamarana passeia, arrasta um pouco de chuva no rosto de Lis:

– Ai, que água mais fria! – e com o susto, ela para de repente, causando um esbarrão com a irmã e lá se vão as duas para o chão!

Enquanto riem da atrapalhada e se levantam, um vento muito forte, de nome ventarola e sobrenome vendaval, joga o guarda-chuva vermelho de Dadá para o alto, e ele voa cada vez mais alto, onde nenhuma das duas consegue alcançar.

Dadá grita e corre atrás do guarda-chuva e Lis também tenta ajudar como pode. Mas que nada. Ele ri e foge das duas!

O guarda-chuva vermelho dança com o vento, rodopia para um lado, rodopia para o outro, também para cima e para baixo, passa rasante sobre as cabeças e solta todos os ferros que vestia. E depois de tanto remexer-se, acaba virando um pedaço de coisa vermelha quebrada, com cara de maluquice e cansaço, largado na sarjeta.

A chuva, que não estava muito forte até então, começa a apertar…

– Vem Dadá! Corre! Vem pra debaixo do meu guarda-chuva! – grita Lis. Elas começam a caminhar juntas, com passos bem curtos e sintonizados, as quatro mãos segurando firme no guarda-chuva azul. Dadá passa pelo guardachuva vermelho com olhar tristonho e fez careta para o vento. Chateada, ela caminha olhando para baixo, chutando as pedrinhas pequenas que aparecem no caminho.

Lis resolve correr até a casa, muro grande e amarelo, já bem de frente. Dadá não quer correr. E nessa caminhada em que ainda olha para baixo, quase chuta algo que não era pedra. Para e olha, e olha de novo e de novo. Nota algo diferente. Agacha para ver de pertinho. Algo que provavelmente a Lis na sua agitação não reparou.

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Um apito! Dadá descobre que tinha um apito bonito, todo colorido, caído no chão! Ela então o apanha, protegendo-o com as mãos junto ao peito e corre cheia de alegria para mostrar a descoberta à irmã.

– O que é? Deixa eu ver! Deixa eu ver! – repetia a pequenina com os olhos arregalados de curiosidade.

Dadá chega bem pertinho da irmã e abre cuidadosamente cada um dos dedos…

– É um passarinho, Lis… um passarinho de por na boca!

Ela apita bem alto, uma, duas, três vezes e não consegue mais parar! Faz a irmã rir e tapar os ouvidos, ri também, da irmã e de alegria e já nem se importa mais com o guarda-chuva vermelho com cara de coisa que veio e já foi.

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GIANA BATISTA GUTERRES DA SILVA

Jornalista, produtora cultural e está concluindo Produção Cênica na UFPR. Trabalha com projetos relacionados à literatura e teatro infantil, teatro de animação, dramaturgia inclusiva e voltados à arte feita por mulheres, e ainda, relacionados com Jornalismo Cultural. Já fez parte da equipe do Museu do Boneco Animado em São José dos Pinhais e atualmente compõe a equipe da Cia. Bonecodificado Teatro de Animação. Participa do coletivo artístico Encontra Cultura, que trabalha no fortalecimento de uma rede de artistas. Divulga seus textos nas redes sociais com o perfil Floresci Versos.

A MENINA QUE QUERIA SER DETETIVE A MENINA QUE QUERIA SER DETETIVE

GIANA BATISTA GUTERRES DA SILVA

era uma típica menina curitibana. Gostava de pular entre os detalhes brancos e pretos na calçada e de ir a algum parque aos domingos. Um dia, andava distraída pela rua quando uma semente caiu bem a sua frente. Reparou em uma árvore diferente e bonita. Por onde olhava, mais encontrava aquilo que pareciam pinheiros. Curiosa, decidiu que ia investigar mais de perto aquela planta. Em uma manhã fria de outono, ir para a aula foi um grande desafio. Mas, ao chegar na sala, reparou que no quadro estava escrita a palavra “Curitiba”. Ela nunca tinha parado para pensar em como aquele nome era bonito e gostoso de escutar!

Quando voltou para casa, começou logo que pôde com a sua maratona de perguntas. Pela casa, ecoavam os seus “porquês”... Os pais explicaram que aquela árvore misteriosa se chama Araucária e lhe deram alguns livros para que ela pudesse descobrir seus próprios segredos.

Cada página que lia, em cada fotografia, estava lá aquela palavra: “Curitiba”. Com papel e lápis na mão ela traçou um roteiro por praças, museus e todo lugar que viesse a sua imaginação e que pudesse conter pistas. Não revelava a ninguém, mas também tinha seu próprio segredo: queria ser detetive! Por motivos que nem ela saberia explicar…

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Laura

No dia seguinte, vestiu o casaco verde que ganhou da sua avó. Encheu os bolsos com tudo aquilo que achou que poderia ser necessário: caderno, mapa, câmera, binóculos, anotações e biscoitos caseiros. Uma receita secreta de família que a sua avó preparava, que a sua mãe que veio do outro lado do mundo sempre fazia.

Foi então explorar a rua. Lá reparou que a calçada era cheia de desenhos de pinha. Por onde quer que olhasse, lá estavam os pinhões. Encheu seu caderno de anotações e sua cabeça de perguntas.

Chegou em casa cansada, mas não o suficiente para correr na porta quando a campainha tocou. Era uma caixa de presente para ela. Quando abriu, era um desenho de araucária e com um convite para um piquenique em família no bosque de Araucárias.

Ao compartilhar a história maluca com os seus pais, ficaram horas conversando e contando histórias de família. Seu diário de expedição ganhou novas informações: “Curitiba” é uma palavra indígena que significa Curi = pinheiro e Tiba = muito pinheiro.

Laura ficou maravilhada quando chegaram no dia seguinte ao bosque. Nunca tinha visto tantas araucárias juntas. Curiosa, reparou em um pássaro azul no chão. Seu pai contou que não era uma ave qualquer, e sim uma gralha-azul, a ave símbolo do Paraná. Disse que ela enterrava o pinhão no chão e assim nasciam novas araucárias. Sua mãe explicou que por ter essa missão nobre, a gralha ganhou lindas penas azuis, como diz a lenda.

A gralha, bem esperta, saiu voando. Laura então correu atrás, puxando seus pais pelas mãos. Quando se deram conta, estavam rodeados por animais. Tinha cotia, bugio, serelepe e muitos outros. Todos queriam falar ao mesmo tempo. Demorou até que a dona Gralha-azul colocasse ordem na bicharada.

Ela explicou que todos aqueles animais se alimentam do pinhão, mas estavam assustados com algumas notícias que escutaram por aí. Contaram que o serelepe andou pela cidade, até que de cima de uma árvore percebeu a busca da menina e decidiu enviar o convite e a caixa misteriosa.

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Conversaram por horas sem ver o tempo passar. Laura e sua família decidiram que precisavam fazer alguma coisa pelos animais. Juntaram a família e seus amigos, que trouxeram novos amigos, e cada um trazia novas mudas de araucária. A notícia se espalhou rapidamente por toda a cidade. Todos queriam conhecer Laura e ajudá-la a espalhar árvores. Espalharam árvores, como se fossem poesia. Laura então fez a maior descoberta de sua vida e quando olhou para o lado, jurou que tinha visto uma araucária sorrir para ela.

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ANDERSON NOVELLO

Anderson Novello nasceu na cidade de Palmeira, interior do Paraná. Sempre gostou de ler, ouvir e contar histórias. É mestre em Literatura, Bacharel em Artes Cênicas, especialista em Ensino de Arte e Licenciado em Letras. Tem experiência como professor nas áreas de Letras e Artes no Ensino Fundamental, Médio e Superior. Atualmente, mora em Curitiba. Viaja pelo Brasil ministrando cursos e palestras, principalmente sobre Literatura e Contação de Histórias. É autor dos livros de Literatura Infantil “A bruxa do batom borrado” e “O pintinho ruivo de raiva”. É, também, membro vitalício da Academia de Letras dos Professores da Cidade de São Paulo, onde ocupa a cadeira nº 139.

O MISTERIO DO POCO SEM FUNDO O MISTÉRIO DO POÇO SEM FUNDO

ANDERSON NOVELLO

Apenas uma coisa era mais rápida que os ventos que viajavam pelos pontos cardeais do Paraná: a língua de Dona Frederica. De Guaraqueçaba a Foz do Iguaçu, de Jardim Olinda a General Carneiro, não havia criatura cuja história Dona Frederica desconhecesse.

O hábito de “não guardar segredos” rendeu à Dona Frederica uma coleção de apelidos ao longo da vida: Dona Mexeriqueira, Dona Enxerida, Dona Faladeira, Dona Fofoqueira e, por fim, Dona Frederica Futrica.

“Não faço fofoca” – ela dizia. “Apenas conto histórias”. E rimava: “Frederica não faz futrica. Frederica publica, mas não multiplica”.

Não se sabe se por ética, por esquecimento ou por criatividade, Frederica sempre contava os milagres omitindo ou confundindo os santos. Por isso, não dava tempo de ter raiva ou rancor dessa vivente tão carismática e cheia de caras e entonações.

Ela morava na simpática cidade de Teixeira Soares, sudeste do Paraná, na época em que ainda era possível chegar até lá de trem, vindo de Ponta Grossa ou Irati. Diariamente, oito crianças procuravam por Dona Futrica, atraídas pelos causos que só ela sabia contar. A estação ferroviária era ponto de encontro. Certa vez, Dona Frederica contou a misteriosa história do poço sem fundo. Didática que só ela, começou explicando que um poço é um buraco bem fundo, cheio de água e cercado de terra por todos os lados. Mas que aquele poço misterioso era diferente: não tinha água e nem fundo! Tinha apenas segredos. E garantiu que o tal poço ficava ali mesmo, em Teixeira Soares, lá para trás do quintal da família Ribeiro.

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As crianças logo quiseram saber o que aconteceria se alguém caísse no tal poço – sem água e sem fundo.

Dona Futrica, tossindo, prometeu continuar a história no dia seguinte, mas só se as crianças conseguissem um pote de mel, vindo lá da cidade Ortigueira. Alegou que só o mel a curaria da... COF! COF! COF!

No dia seguinte, já sem tosse aparente e com o pote de mel em mãos, Dona Frederica nem quis saber como as crianças haviam conseguido a especiaria. E foi logo revelando mais detalhes sobre a história. Ela jurou – pela alma de sua avó –que o poço realmente não tinha fundo e que, se alguém caísse no tal poço e não morresse na queda, iria parar lá no Japão.

“E não adianta vocês irem lá, bem para trás do quintal dos Ribeiros, tentar encontrar o poço. Este é o mistério: é o poço dos namorados! Só quem namora consegue enxergar o poço. Ele não é visível aos olhos dos solteiros!”

Dona Futrica voltou a pigarrear e a tossir, dizendo que adoraria contar, mas estava com uma fome danada. Quem sabe, se as crianças conseguissem uma redinha cheia de maçãs, bem vermelhinhas, vindas lá de Porto Amazonas, ela pudesse continuar a história.

No dia seguinte, com as maçãs em mãos e, misteriosamente, sem pigarro nem tosse, Dona Frederica prosseguiu:

“Eu tinha uma amiga chamada Lola. E ela tinha um namorado chamado Esteves. Todos os dias, os dois marcavam de se encontrar lá no poço dos namorados. Mas os encontros eram rápidos, pois o pai de Lola era muito bravo e jamais – jamais! – poderia desconfiar do namorico. Então, quando Lola e Esteves se encontravam, era apenas para conversar e trocar cartinhas. Lola guardava todos os bilhetinhos numa caixa e escondia no guarda-roupa. Um dia, seu pai encontrou a caixa, leu todas as cartinhas e descobriu que os dois estavam namorando”.

Dona Futrica interrompeu a história e prometeu retomá-la no dia seguinte, caso as crianças trouxessem um litro de leite e um queijinho lá de Castro. E, se não fosse pedir muito, um iogurte também.

No dia seguinte, ainda com a boca cheia de queijo, Dona Frederica

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continuou:

“Como eu dizia, o pai de Lola descobriu o namoro bem no dia em que estava indo para Londrina, numa viagem de trabalho. Antes de partir, proibiu o namoro dos dois e ameaçou Lola dizendo que voltaria de Londrina com uma espingarda e que, se o tal cidadão, namorado de Lola, ainda estivesse pela cidade quando ele voltasse, a conversa ia ser feia. Acontece que Lola tinha uma tia, muito gentil e camarada, que ouviu a tal conversa cheia de ameaças. Ela esperou que o pai de Lola saísse e chamou Lola. Juntas, combinaram um plano”.

Alegando canseira, Dona Futrica prometeu continuar a história se...

Bem, vocês já sabem! Se as crianças conseguissem todo tipo de paparico, vindo das mais diferentes regiões do Paraná. Sete dias, três guloseimas e quatro

iguarias depois, a história teve um desfecho:

“Levou três semanas para o pai de Lola retornar de Londrina. Já chegou perguntando por Lola. A tia apareceu, chorosa e cheia de lencinhos, e explicou que o namorado de Lola, ao saber das ameaças, não aguentou de medo e se jogou no poço! E que Lola, não suportando a tristeza, jogou-se também. Catástrofe!

O pai de Lola passou nove meses trancado no quarto, definhando em tristezas. Nenhum casal de namorados se atrevia a chegar perto do poço, pois havia boatos de que os fantasmas de Lola e Esteves ficavam por lá, assombrando todo mundo. Acontece que, um dia, o pai de Lola acordou decidido a se jogar no poço também. A tia, para evitar uma tragédia, teve que desmentir tudo. Lembram que ela e Lola haviam combinado um plano? Pois é! A verdade é que o casal não tinha se jogado no poço coisíssima nenhuma. Eles haviam apenas se mudado para a vizinha cidade de Ponta Grossa, para namorar à vontade e fugir das ameaças. Quando o pai de Lola ficou mais calmo, Lola voltou de Ponta Grossa até Teixeira Soares de trem, na companhia de Esteves e dos gêmeos recém-nascidos.

Depois de tudo isso, as crianças perceberam que apenas uma coisa era mais funda que o poço que ficava lá para trás do quintal dos Ribeiros: o estômago de Dona Frederica Futrica.

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MARTA MORAIS DA COSTA

Marta Morais da Costa, mestre e doutora em Literatura Brasileira pela USP. Professora aposentada da UFPR (onde lecionou por 45 anos) e da PUCPR. Cronista, ensaísta, palestrante, crítica literária, consultora de projetos de leitura, parecerista editorial. Pesquisadora da Cátedra de Leitura Unesco-PUC-Rio e da Rede Nacional de Pesquisadores em Leitura – Reler. Membro efetivo da Academia Paranaense de Letras, em que ocupa a cadeira nº 27. Autora de Mapa do mundo: crônicas sobre leitura (2006), Palcos e jornais: representações do teatro em Curitiba (2009), Sempreviva, a leitura (2009) , Teatro infantil (obra em colaboração, 2016, prêmio Cecília Meireles da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ), Hoje se lê espetáculo? Lê, sim, senhor! (2016), Metodologia do ensino de literatura infantil (várias edições), autora da coleção Almanaque do leitor (de 1º a 5º anos)(2014–2016), entre outros.

A JANELA E O MAR A JANELA E O MAR

MARTA MORAIS DA COSTA

Ajanela abre-se para o mar. João lança o olhar para o horizonte e pensa: “por onde navega você, papai?” O menino sabe que a pesca permite à família alimento, roupas e moradia. Sabe que a ausência do pai se justifica: estudo, brincadeiras, um sono sem temores.

– Quanto tempo falta para o pai chegar, mãe?

Todo dia a mesma pergunta e a mesma dúvida.

– Calma, João! Só depois de você voltar da escola.

Estudar é bom: tem brincadeira, novidades e o olhar atento de dona Olga. Mas brincar com o pai tem cumplicidade e afeto. Não é brincadeira de bola, de corda ou de esconde-esconde. É brincar de pintar o barco e imaginar viagens ao desconhecido; brincar de descobrir os fios rompidos da rede, pensando em peixes fujões nadando em águas calmas; brincar de separar os peixes, por tamanho, espécie e beleza de escamas irisadas. É ouvir histórias de tesouros no fundo do mar.

Mãe, o pai já tá chegando? Minha aula já acabou...

Ô João, o barco do pai deve estar apontando no horizonte.

A corrida até a janela se faz com o coração aos saltos. Os olhos do menino rasgam a paisagem e buscam aquele ponto inconfundível: o Estrela azul e branco, a alegria, o alimento, o afeto.

As gaivotas voam rasantes e o barco ligeiro se aproxima da praia. A figura do pai na proa se faz mais e mais visível: o tronco que antes era uma mancha, um risco horizontal agora é o chapéu, pequenas aranhas tornam-se mãos sólidas. O

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barco, enfim, toca a areia onde a onda finda o mar.

João já está à espera, a barra da bermuda respingada pelas ondas. O rosto é pura expectativa do abraço, do convívio, da presença. O pai, braços abertos, olhos luminosos, traz o coração na paz da infância de João.

– Olá, filhão!

O trabalho de descarregar os peixes, as redes e os remos, é rápido. Depois a tarefa de arrastar o barco, terra adentro, e prendê-lo de modo a que o mar não o consiga levar para sua companhia.

Mas o dia não havia chegado a seu final: é preciso limpar os peixes, separar os de comer e os de vender na peixaria do seu Olinto.

João acompanha o pai, feito sua sombra. Anda, corre, carrega, organiza, puxa e lava. Faz o que pode, até o que não gosta, desde que não se afaste do pai.

– Seu Olinto, hoje a pesca foi boa! Nossa Senhora ajudou! Veja lá, calcule bem: qual foi meu ganho? Preciso pagar as despesas lá na venda de dona Mônica. Além disso, o João tá precisado de uma bermuda nova e de um sorvete. Né, João?

O menino ri com gosto, mostrando na boca as janelas entre os dentes. Não liga de mostrar: são a prova de que está virando gente grande. Até que um dia o pai não voltou. Naquele dia, a janela era só horizonte e água. Sem barco, sem chapéu, sem sorvete.

A casa se encheu de gente. Vieram o vô Humberto, a vó Letícia, dona Mônica e seu Olinto, os vizinhos da direita e da esquerda, e os de trás das dunas. Vieram uns policiais trazendo a falta de boas notícias: que o mar estava de ressaca, que havia a patrulha marítima procurando, que outros barcos também sumiram, que não havia sinais de náufragos.

A noite não tinha fim: tudo era escuro dentro do menino.

Mãe, o pai demora a voltar?

Sua voz era apagada, o olhar fixo no mar através da janela, queria pescar o pai que se escondera nas ondas. De vez em quando o desejo criava ilusões.

Mãe, vem ver, vem ver! Acho que é o barco do pai lá longe!

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– Onde, filho?

– Lá, mãe, do lado do farol...Ué, sumiu...

E a mãe, mais derrotada, voltava ao rosário, às velas acesas, à imagem da Senhora dos Navegantes. As lágrimas eram oferendas sem recompensa.

Mãe, agora é! Veja lá, do outro lado da baía, tá apontando o Estrela!

Nos dias seguintes, a janela era seu porto de espera, o lugar de suas esperanças. Não acreditava na conversa do policial:

Seu pai não volta mais, menino! Já faz tempo que ele sumiu e a gente não encontrou nem sinal dele. – Bobagem, seu polícia! O pai está na ilha da Galheta, conversando com o peixe-rei pra trazer a arca do tesouro que ele descobriu no fundo do mar. Eu sei, porque é a história que ele sempre contava.

O menino voltava a vigiar o horizonte. A mãe apagou as velas, pendurou o rosário na imagem e se pôs a fazer, mecanicamente, os serviços da casa.

Não pediu ao João para voltar à escola. Não exigiu que ele abandonasse a janela. Não pronunciou a palavra morte, fatídica e dilacerante. Os dias se tornavam mais longos e as noites mais escuras.

Um dia, um vulto manquitola, em trajes estranhos, magro como um mastro, desequilibrado como um barco na tormenta veio se aproximando da casa. Chegou à janela sem menino:

Ô de casa! Irene! João!

O menino mal reconheceu na janela, escondendo o mar, a figura do pai.

Náufrago, ferido, recolhido por barco estrangeiro, voltando à vida aos poucos, voltando à casa aos poucos. Mas com muitas histórias para contar e novas brincadeiras de regiões de longe, muito longe. Acima de tudo, com uma saudade imensa, difícil de curar.

Mãe, ô mãe, o pai chegou! Ele voltou!

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DOUGLAS GOMES DARONCO

Nasceu na cidade de São Paulo e mudou-se para Curitiba em 1994. Formado em Artes Plásticas pela Faculdade de Artes do Paraná, com especialização em Arte Educação. É autor das peças “Nós”, “Amores (re)Partidos”, “Chique – uma comédia curitiboca” e “Amorexia”, que foram encenadas por companhias teatrais de Curitiba. Professor da rede pública estadual do Paraná e tutor de cursos a distância, também realiza oficinas de arte e escreve textos para teatro escolar.

DE MAR

CHEIRO DE MAR CHEIRO

DOUGLAS GOMES DARONCO

Quando

Danilo soube que seu presente de aniversário de dez anos seria uma viagem até o litoral, seus olhos brilharam de alegria. Havia muito tempo ele pedia aos pais para conhecer o mar. Danilo sempre sonhava com ele. Em seus sonhos, caminhava pela areia sentindo as ondas, vindo e indo ao sabor do vento e trazendo um cheiro diferente que ele nunca soube explicar. Depois sentava na areia e construía um castelo que logo desmoronava com a chegada das ondas. Quando cansava da brincadeira, saía catando conchinhas de vários tamanhos e cores, que ia guardando num baldinho. Sonhar com a praia sempre deixava seu dia mais feliz!

Mas a cidade onde mora, Pitanga, fica no interior do Paraná e longe do litoral. A única vez que ele teve a oportunidade de viajar para a praia, numa excursão que a tia Laura estava organizando, seus pais o deixaram de castigo por ter quebrado a janela do seu Dito, um vizinho que sempre brigava com a molecada da rua e que já havia furado algumas bolas que caíram em seu quintal.

Naquele dia, para fugir do castigo e poder viajar, Danilo tentou convencer sua mãe:

– Mas mãe, a culpa não foi minha! Foi o Sérgio que chutou a bola.

– Não interessa, está de castigo e pronto!

Quando a mãe dizia “e pronto” não adiantava reclamar. E Danilo não viajou, ficou de castigo e triste por muitos dias. E o mar ficou apenas em seus sonhos. Por isso o presente de aniversário era realmente especial e Danilo passou a marcar num calendário os dias que faltavam para a viagem. Na escola, ele

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conversava com os amigos sobre o presente e ouvia com atenção as histórias dos outros meninos que já conheciam o mar. Alguns contavam vantagem sobre a coragem que tinham em enfrentar as ondas, outros falavam do gosto salgado da água do mar e dos bichos que vivem lá. Resolveu pesquisar na internet e descobriu que no litoral do Paraná não tinha ataques de tubarão, mas tinha muito siri e águaviva. Ficou com medo, mas teve vergonha de falar isso para os amigos. Quando o grande dia chegou, ele nem se importou com a demora e o desconforto do ônibus. Só queria mesmo era ver o mar! Passou por cidades, estradas e serras e assim que chegou à praia – Praia de Leste era o nome dela – ele correu descalço até a beira mar, ouvindo os gritos da mãe: – Danilo, cuidado! Não entra na água!

Ele parou e sentiu as ondas lambendo seus pés. Seu coração batia forte e suas pernas tremiam de alegria. Tudo tão lindo como nos seus sonhos. Ele fechou os olhos e respirou fundo. Aquele cheiro encheu seus pulmões e acalmou seu coração. Então Danilo descobriu que o mar tinha cheiro de felicidade.

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ

Ari Faria Bittencourt

Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac PR

Emerson Sextos

Diretor Regional do Sesc PR

Maristela Massaro Carrara Bruneri

Diretora de Educação, Cultura e Ação Social

Cesar Luiz Gonçalves

Coordenador Geral do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing

Ernani Buchmann

Coordenador de Jornalismo do NCM – Núcleo de Comunicação e Marketing Ramon Muniz

Ilustrações

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Uma história, uma criança e muitas possibilidades para falar sobre a cultura paranaense. Esta coletânea literária, fruto da terceira Seleção de Contos Infantis e Inéditos promovida pelo Sesc Paraná, mostra a diversidade e a riqueza de nossas manifestações culturais, lendas e costumes. O Sesc reconhece e valoriza os elementos da cultura paranaense presentes nas mais diversas manifestações artísticas e aqui incentiva a literatura e a formação de novos escritores. Venha ler conosco!

ANA WELTER – Toledo

ANDERSON NOVELLO – Curitiba

CRISTINA MARIA DEMARCHE – Curitiba

DOUGLAS GOMES DARONCO – Curitiba

GIANA BATISTA GUTERRES DA SILVA – São José dos Pinhais

GUSTAVO VAZQUEZ RAMOS – Curitiba

LAURA GERALDO MARTINS MARAFANTE – Curitiba

MARTA MORAIS DA COSTA – Curitiba

RITA DE CÁSSIA KLOSIENSKI JANKOWSKI – Curitiba

TAINARA CRISTINA DE PAULA MAIA – Londrina

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