Educação Inclusiva #4 | Modificando atitudes e comportamentos

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10 DE NOVEMBRO DE 2023

#4

FORTALEZA - CEARÁ

FERNANDA BARROS

Ana Kristia é cega e psicóloga no serviço público. “As empresas privadas não dão oportunidades”

A BUSCA PELA DIGNIDADE

DO TRABALHO

O SONHO DE SEGUIR A CARREIRA ALMEJADA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA TEM MAIS BARREIRAS. AINDA HÁ MUITO CAPACITISMO E POUCA INCLUSÃO


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EDUCAÇÃO INCLUSIVA Modificando atitudes e comportamentos FORTALEZA - CE, 10 DE NOVEMBRO DE 2023

EXPEDIENTE FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA Presidência: LUCIANA DUMMAR Direção Administrativo-Financeira: ANDRÉ AVELINO DE AZEVEDO Gerência-Geral: MARCOS TARDIN Gerência de Criação de Projetos: RAYMUNDO NETTO Gerência Educacional: DEGLAUCY JORGE Gerência de Audiovisual: CHICO MARINHO Gerência Editorial: LIA LEITE Gerência de Marketing & Design: ANDREA ARAUJO Análise de Projetos e Contas: AURELINO FREITAS, FABRÍCIA GÓIS e NARCEZ BESSA

PROJETO EDUCAÇÃO INCLUSIVA Concepção e Coordenação Geral: VALÉRIA XAVIER Curadoria de Conteúdo: ANDRÉIA VIEIRA Editora-executiva: PAULA LIMA Design: NATASHA LIMA Textos: ANA RUTE TAMIRES, CRISTINA BRITO, LETÍCIA DO VALE E LUCAS CASEMIRO Estratégia e Relacionamento: ADRYANA JOCA e DAYVISON ÁLVARES Análise de Projetos: DAMARIS MAGALHÃES REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

Mercado de trabalho As dificuldades de inserção do mercado de trabalho são potencializadas para pessoas com deficiência. Apesar da Lei de Cotas, o mercado privado ainda resiste com muito capacitismo. Nesta edição, mostramos como as barreiras são rompidas e como pessoas com deficiência conquistam seus sonhos profissionais. O projeto “Educação Inclusiva: Modificando atitudes e comportamentos” tem como principal característica a produção e veiculação de conteúdos de fácil assimilação sobre o papel da família, da escola e do poder público na inclusão de pessoas com deficiência (PcD) no âmbito do espaço de aprendizagem escolar. O artigo 227, parágrafo 1º, da Constituição Brasileira, diz que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” No cenário educacional brasileiro, a temática da educação inclusiva representa um conceito que luta por um ensino mais democrático, diversificado e enriquecedor, no qual todos os estudantes devem ser acolhidos. Assim, a educação inclusiva desempenha um papel importante, transformando a escola em um ambiente para a inclusão de todos, através da valorização de suas potencialidades.


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SUMÁRIO 4 6 Políticas públicas para inclusão

Empregabilidade além do preconceito

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Além do capacitismo

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Acessibilidade digital

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10 dicas de filmes e séries

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Acompanhe o projeto Confira os programas na TV FDR 13/11 Políticas públicas para pessoas com deficiência 14/11 O papel da escola na inclusão de pessoas com deficiência 15/11 O papel da família na inclusão de pessoas com deficiência 16/11 O mercado de trabalho e inclusão de pessoas com deficiência A programação da emissora é transmitida por sinal digital aberto (canal 48.1) e por sinal fechado (23 – Multiplay | NET 24 (SD) e 523 (HD) | 138 – Brisanet). Assista também as lives no YouTube do O POVO e da FDR Dias 31/10, 8/11, 10/11 e 14/11, às 16 horas, ao vivo. NA WEB CONFIRA MAIS CONTEÚDOS SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA: fdr.org.br/ educacaoinclusiva


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Políticas públicas para

INCLUSÃO

Como ao longo dos anos os governos têm pensado a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho TEXTO: Cristina Brito EMAIL: cristinabrito@opovo.com.br

No Brasil, no terceiro trimestre de 2022, a taxa de analfabetismo para as pessoas com deficiência foi de 19,5%. Já a taxa entre as pessoas sem deficiência foi de 4,1%. Os dados fazem parte do módulo “Pessoas com deficiência”, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2022. Os desafios de inserção no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência são bem maiores do que os desafios para pessoas sem deficiência. A prova disso são os dados divulgados pela Pnad Contínua, que gera dados estatísticos. Esses dados servem para a criação de novas políticas públicas que auxiliem pessoas com deficiência a exercerem o seu papel de cidadãos. Para a inclusão desse público no mercado de trabalho ser medida e realizada de forma eficaz, a Lei 8.213/91, conhecida como Lei de Cotas, foi sancionada e determina que as empresas com 100 ou mais empregados devem preencher de 2 a 5% de suas vagas com pessoas reabilitadas ou que possuam deficiência. Dessa forma, empresas com até 200 empregados devem separar 2% das


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empregadas na faixa etária apta para o trabalho, registrou-se uma taxa de 26,6% para indivíduos com deficiência e 60,7% para aqueles sem deficiência.

O CEPID FAZ TRABALHO DE CAMPO EM BUSCA DE NOVAS VAGAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

vagas para pessoas com algum tipo de deficiência; de 201 a 500 funcionários, 3%; de 501 a 1.000, 4% e de 1.001 em diante, 5%. A Pnad Contínua 2022 também mostrou que 29,2% das pessoas com deficiência estavam na força de trabalho, cerca de 5,1 milhões e 12 milhões estavam fora da força de trabalho no Brasil. A região Nordeste foi a que apresentou menor índice de ocupação desse público, com 26,8%. O maior percentual de pessoas com deficiência na força de trabalho foi registrado na região Centro-Oeste, com 35,7%. Em 2022, dos 99,3 milhões de pessoas ocupadas no Brasil, 4,7% eram pessoas com deficiência: 5,4% eram mulheres com deficiência e 4,1%, homens. Quanto ao índice de ocupação, que representa a porcentagem de pessoas

Em Fortaleza, o Centro de Profissionalização Inclusiva para a Pessoa com Deficiência (Cepid) oferece cursos básicos, com carga horária entre 40 a 120 horas/ aula, para cargos e funções disponibilizadas pelas empresas parceiras. As vagas são cadastradas no sistema de atendimento ao trabalhador. Além disso, o Cepid faz trabalho de campo em busca de novas vagas para pessoas com deficiência. Adriano Pordeus de Lima, gestor da área de formação profissional do Centro fala sobre algumas das atribuições do órgão. “Nossa equipe faz visitas e/ou contatos constantes com as empresas em busca de captação de vagas, bem como de busca de flexibilização dos pré-requisitos dessas vagas, tendo em vista que muitas vezes a pessoa com deficiência não atende a todos eles, o que dificulta sua inclusão”, explica. Outras ações são realizadas pelo Cepid, como o Dia D de contratação da pessoa com deficiência. “O Dia D é um grande feirão de empregos, que reúne dezenas de empresas durante um dia, no Cepid, como forma de facilitar o contato candidato-empresa”, comenta Adriano. Ele fala que as instalações do Cepid também são cedidas para realização de processos seletivos das empresas parceiras. Dados do Cepid mostram que, de 2014 até o momento, foram qualificadas 5.714 pessoas, das quais 1.564 são pessoas com deficiência. Dessas, 1.951 pessoas com deficiência foram inseridas no mercado de trabalho. O número é maior do que o de pessoas qualificadas, pois nem todos os inseridos são pessoas qualificadas pelo Centro. Adriano explica que “há uma busca espontânea pelo serviço, independente de ter feito o curso ou não [no Cepid].”

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Lei de cotas no mercado de trabalho No Brasil, políticas públicas foram desenvolvidas com intuito de garantir acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho. A primeira lei foi criada em 1991 e é conhecida como Lei de Cotas (Lei 8.213/1991). A lei assegura o direito das pessoas com qualquer tipo de deficiência de se inscrever em concurso público, sendo-lhes reservadas até 20% das vagas. Apenas em 1999, com o decreto 3.298/99, que a lei foi regulamentada no País. A Lei de Cotas é considerada um dos principais elementos para a promoção da inclusão social de pessoas com deficiência, pois promove uma maior autonomia para essas pessoas, inclusive financeira. Entretanto, somente em 2006 a implementação efetiva da reserva de vagas de trabalho em empresas privadas teve início, quando o Ministério Público do Trabalho e Emprego intensificou a fiscalização das empresas e começou a impor sanções àquelas que não estavam em conformidade com a lei. No passar dos anos, órgãos como o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (Conade), foram criados para acompanhar e avaliar o processo de inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Em 2020, o Governo Federal lançou o projeto “Brasil Inclusão”, uma iniciativa destinada a regulamentar medidas relacionadas à empregabilidade e outras ações para beneficiar as pessoas com deficiência, por meio de uma plataforma de cadastro único. O Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro – Inclusão), foi lançado em 2022, e tem por objetivo tentar minimizar a burocracia, gerar mais eficiência e reduzir custos e melhorar o acesso das pessoas com deficiência a políticas públicas.


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EM PRE GA BILI DADE

além do preconceito Incluídos no mercado de trabalho, PcDs entregam mais que produtividade – provam valor na cultura das organizações TEXTO: Lucas Casemiro EMAIL: Lucas.casemiro@opovo.com.br

Se o desemprego é uma situação delicada por si, para as pessoas com deficiência a odisseia em busca da empregabilidade começa já no processo seletivo. “Eu sempre encontrei espaço no serviço público, com muito estudo, porque as empresas privadas não nos dão oportunidades. O gargalo é o ingresso nas empresas”.

FERNANDA BARROS

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA

O relato é de Ana Kristia, que teve a vida totalmente transformada quando precisou enfrentar os desafios da cidade grande. Há quase duas décadas, a então jovem de 17 anos deixava Quixeramobim, cidade onde nasceu e que a ensinou o significado de liberdade diante dos desafios da cegueira, e desembarcou em Fortaleza para estudar Psicologia. Com o caos da Capital, veio o sentimento de aprisionamento. Ele trouxe, por sua vez, um estalo que acontece naqueles momentos raros, que revelam profunda consciência de si. “Eu sou uma pessoa com deficiência!”, ela percebeu. “Por ser uma pessoa funcional, que estudava, trabalhava, eu não me entendia como PcD. Quando cheguei em Fortaleza, tudo mudou. Reconhecer isso é uma posição política também”. A partir de então, Kristia passou a entender sua condição física como parte integrante de sua identidade, que se transformou também em luta coletiva.

EDUCAÇÃO SEMPRE FOI ALGO FUNDAMENTAL. É O CAMINHO QUE EU TINHA PARA ENTRAR NO MERCADO DE TRABALHO


Ana Kristia é psicóloga, é cega, trabalha no serviço público é casada e mãe de duas meninas

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mais para aprender alguns processos. Eu sempre peço para que tenham paciência no início. Hoje, eu faço em cinco minutos uma tarefa que, no início, executava em meia hora”, conta ela, que não quer ser vista como heroína. Fortaleza foi desafiadora. Passados 18 anos desde sua chegada, as maiores barreiras que a moradora do bairro Parangaba encontra na cidade ainda são as mesmas. De calçadas irregulares ou inexistentes a muito desrespeito no trânsito, com condutores ignorando semáforos, sinais sonoros e faixas de pedestres – uma estrutura física e comportamental que desrespeita, em última instância, a sua existência no mundo. “Eu tenho deficiência visual, mas os cegos são os outros, que não me enxergam”, diz.

A deficiência começou ainda na infância, com a descoberta de um glaucoma, e foi se agravando com o passar do tempo. “Na época da escola, era chamada de visão subnormal, hoje a nomenclatura mudou, é baixa visão. Eu conseguia contornar a dificuldade de enxergar sentando mais à frente na sala de aula, mas, à medida que o tempo passava, eu ia enxergando cada vez menos”, lembra Kristia. Até chegar ao mercado de trabalho formal, a trajetória da mulher de 35 anos foi marcada por muito estudo e apoio de familiares e colegas. “Educação sempre foi algo fundamental. É o caminho que eu tinha para entrar no mercado de trabalho, que não é inclusivo”. Hoje servidora pública concursada do Ministério Público da União (MPU), sua rotina de trabalho, em regime de home office, é comum à de muitos outros empregados. “Eu tenho a mesma capacidade de qualquer pessoa sem deficiência, a diferença é que eu vou demorar um pouco

Essa invisibilidade se reflete na constante ausência de lugar para pessoas como ela no mercado de trabalho. Ana Kristia é cega, mas é também mulher, esposa e mãe de duas filhas, e isso vale ser destacado. Carrega na fala, sempre serena, o simbolismo da chamada “interseccionalidade” de fatores sociais, cuja soma resulta na definição de si. “Eu não sou apenas cega”, reitera ela, que constantemente se vê no papel de cuidar das filhas em seu espaço de trabalho. A exclusão para pessoas com deficiência no mercado cearense é grande, mas é ainda maior se essa pessoa for uma mulher. “Papéis sociais são o tempo todo esperados de pessoas adultas. É até mesmo cobrado que uma mulher adulta se case, trabalhe e tenha filhos, como se fosse um roteiro a ser cumprido. Mas, se essa mulher tiver deficiência, é como se essas expectativas fossem zeradas. Ah, porque é cega, então pode. Eu trabalho para mudar isso. Eu trabalho porque eu me sinto bem, porque fico com a autoestima lá em cima!”, conta. “É importante falar das barreiras, mas também sobre como derrubá -las”, encerra.

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O retrato da exclusão Se a realidade para pessoas com deficiência (PcDs) atuantes na função pública tem sido de avanços nos últimos anos, o cenário nas empresas privadas ainda tem muito a melhorar no Brasil e no Ceará. De acordo com estudo realizado pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) e divulgado em agosto deste ano, mais de 1,9 mil postos de trabalho entre as pessoas com deficiência foram extintos no Ceará desde a pandemia de covid-19. PERFIL DA EXCLUSÃO DE PCDS NO MERCADO DE TRABALHO CEARENSE

19,5%

das PcDs têm pouca ou nenhuma escolarização formal.

32,3%

é a taxa de analfabetismo de PcDs no Ceará – uma das maiores do Brasil.

2 A CADA 10 Apenas

mulheres com deficiência participam do mercado de trabalho local.

32,1%

é a participação dos homens com deficiência no mercado de trabalho local.

25,5%

de PcDs em idade ativa para o trabalho participam efetivamente do mercado de trabalho estadual (236 mil). Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).


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As lacunas da Lei de Cotas

Superação

Apesar de a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência ((Lei 8.213/1991) garantir a inclusão de PcDs no mercado de trabalho formal há três décadas, ela não tem sido respeitada. “A fiscalização (da Lei) não tem sido suficiente, além de ter sido boicotada na última gestão federal”, avalia Alexandre Mapurunga, autista, diretor técnico da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça) e pesquisador em Estudos da Deficiência e Educação Inclusiva.

Felizmente, o desemprego não é a realidade para Levi Pimenta, que há 11 anos trabalha como auxiliar de loja em uma rede de farmácias de Fortaleza. “O meu maior sonho profissional é ser gerente de loja”, conta o homem de 34 anos com Síndrome de Down (SD).

Essa legislação estabelece uma proporção mínima de PcDs que varia de dois a cinco por cento, de acordo com a quantidade de funcionários das empresas privadas. “Além disso, há um lobby do setor industrial capacitista que não quer empregar pessoas com deficiência e tenta o tempo todo mudar a legislação”, complementa Alexandre. O Laboratório de Inclusão Social trabalha para mudar essa realidade, tendo atendido, ao longo de seus 32 anos, mais de 9 mil pessoas com deficiência ou que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Para o coordenador João Monteiro, o caminhar com as deficiências humanas gera evolução. “Aumenta a capacidade de interesse, melhora a capacidade de relacionamento interpessoal na empresa, melhora a produtividade. Porque o simples convívio com a diversidade humana já cria um ambiente extremamente propício à evolução. E evolução é lucro. A maioria das empresas ainda não acordou para fazer a inclusão qualitativa”, alerta. Segundo ele, o perfil mais procurado pelas empresas ainda revela muito preconceito. São de pessoas com deficiências consideradas leves, como amputação de um dedo, cega de um olho, e não há interesse em incluir além da cota delimitada por lei. “A inclusão numérica é antiquada, não funcionou e não vai funcionar nunca, porque ela deixa fora mais de 90% das pessoas com deficiência”, diz o coordenador do equipamento da Secretaria da Proteção Social do Governo do Ceará (SPS). João Monteiro enfatiza que empregabilidade é sinônimo de produtividade. “Quem vai procurar o mercado de trabalho tem que produzir. Não vai ficar incluída por assistencialismo”, diz. Preparar os candidatos para se adequarem a essa exigência do mercado formal é um dos objetivos do Laboratório.

No trabalho, conquistado por intermédio da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) Fortaleza, ele se orgulha por ser capaz de realizar diversas funções, como auxiliar no controle de caixa, por vezes atendendo clientes no balcão e realizando o autoatendimento de loja. Mas nem sempre a experiência é positiva. “Às vezes, tem clientes preconceituosos, que ficam dizendo coisas que não é pra dizer”, relata o entrevistado, que apresenta algumas dificuldades na fala (gagueira). “Fico falando uma coisa e a palavra não sai direito, e algumas pessoas não têm paciência”. Levi desafia as barreiras que dificultam sua acessibilidade a espaços sociais e mantém uma vida ativa, incluindo aí as visitas semanais que faz à namorada, também com SD. Apesar dos desafios enfrentados no próprio local de trabalho que o acolheu, é lá que produz todos os dias,

ÀS VEZES, TEM CLIENTES PRECONCEITUOSOS, QUE FICAM DIZENDO COISAS QUE NÃO É PRA DIZER

que sente-se integrado e diz ser feliz. Ao encerrar a entrevista, Levi pede espaço para cantar uma música que muito ensaiou e apresentou no coral da escola, onde é atendido pela a Educação de Jovens e Adultos (EJA). A letra, de Milton Karm, diz o seguinte: “Não queira ser aquilo que o outro é / Nem que o outro seja, ora veja /tudo aquilo que você quer. Ninguém é igual a ninguém / ainda bem, ainda bem!”


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As marcas do

CAPACITISMO Das 3.730 pessoas com deficiência participantes, 81% discordam que as oportunidades de crescimento profissional são iguais para todos TEXTO: Letícia do Vale EMAIL: leticiadovale@opovodigital.com

Avançar na direção de uma sociedade mais inclusiva depende, entre outros aspectos, de estudos extensivos sobre as necessidades das pessoas com deficiência. A partir desse entendimento, a consultoria NOZ Inteligência desenvolveu o projeto “Pessoas com Deficiência e Empregabilidade”, em 2022, após se deparar com uma escassez de dados sobre os desafios enfrentados por profissionais com deficiência. Para a iniciativa, foi disponibilizada uma pesquisa quantitativa online, respondida por 3.730 pessoas com deficiência entre 20 de julho e 30 de setembro de 2022. O formulário contou com versões em português e em Língua Brasileira de Sinais (Libras). "Buscamos compreender as perspectivas em relação ao mercado de trabalho, identificar as dificuldades e aspirações, bem como avaliar as mudanças recentes, avanços e retrocessos que impactam essas vidas", relata a economista, coordenadora do estudo e fundadora da Noz, Juliana Vanin. Na visão da especialista, os dados coletados demonstram claramente a persistência de preconceitos e desafios no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência. Confira os principais resultados:

PORCENTAGENS EM RELAÇÃO À QUANTIDADE TOTAL DE PCDS RESPONDENTES:

15%

possuem menos de 29 anos

60%

estão empregados

2%

73%

têm entre 30 e 49 anos

2%

estão aposentados

são consultores e autônomos

70%

afirmaram sofrer ou já ter sofrido preconceito ou discrimnação devido à deficiência

81%

12%

têm idade superior a 50 anos

2%

são empreendedores

34%

estão desempregados

55%

afirmaram sofrer ou já ter sofrido bullying, rejeição ou isolamento

discordam que as oportunidades de desenvolvimento e crescimento profissional são iguais para as pessoas com deficiência e os demais funcionários

51%

afirmaram sofrer ou já ter sofrido assédio moral

71%

acreditam que a sociedade brasileira é muito capacitista

PORCENTAGENS EM RELAÇÃO À QUANTIDADE DE RESPONDENTES PCDS EMPREGADOS:

60%

afirmaram nunca terem sido promovidos

30%

não atuam na área por falta de oportunidades no mercado PERFIL DAS EMPRESAS EM QUE OS RESPONDENTES PCDS EMPREGADOS ATUAM:

61% 25% 14% serviços indústria comercio PORCENTAGEM DOS CARGOS EXERCIDOS PELOS RESPONDENTES PCDS EMPREGADOS:

0% (9 entre 3.730) alta liderança 12% 22% média liderança analistas 29% assistentes

36% auxiliares

Acesse a pesquisa em: https://www.nozinteligencia.com.br/ pcdempregabilidade


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O que é e como promover a

ACESSIBILIDADE DIGITAL Entenda o conceito e alguns dos recursos que impactam na vida de pessoas com deficiência visual, promovendo inclusão

TEXTO: Ana Rute Tamires EMAIL: rutetamires@opovo.com.br

idosas, sem habilidade para usar a internet, que utilizam dispositivos móveis, etc”.

A tecnologia e os meios digitais fazem cada vez mais parte da vida cotidiana. E esse ambiente também apresenta obstáculos para as pessoas com deficiência. Mas, como podemos pensar a acessibilidade no ambiente digital?

Nádia Ribeiro, coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas e tradutora de libras do campus de Fortaleza do Instituto Federal do Ceará (IFCE), destaca que a acessibilidade nos meios digitais é prevista pela Lei Brasileira de Inclusão (Lei Federal 13.146/2005).

Acessibilidade digital é definida como uma série de recursos que possibilita a navegação de qualquer pessoa na web de forma independente. O conceito pressupõe que os sites e portais sejam projetados de modo que todas as pessoas possam perceber, entender, navegar e interagir de maneira efetiva com as páginas. Conforme o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, “páginas acessíveis são mais facilmente indexadas por mecanismos de busca, são compatíveis com uma maior variedade de aplicativos, além de serem mais fáceis e rápidas para navegar, beneficiando, assim, a todas as pessoas, incluindo pessoas

A lei determina que os sítios de internet não só públicos, mas também da iniciativa privada, devem oferecer uma experiência acessível para seus usuários. Mas essa não é a realidade da maioria dos sites, “apenas uma parcela ínfima” deles é acessível a todos os públicos, incluindo as pessoas com cegueira total ou com baixa visão. “Para que essas pessoas consigam compreender a mensagem em condições de equidade, é necessário que a informação chegue, primeiramente, de que há um leitor de tela gratuito, por exemplo”, destaca.

PÁGINAS ACESSÍVEIS SÃO MAIS FACILMENTE INDEXADAS Ela avalia que há um grande fluxo de tecnologias assistivas sendo criadas por organizações ou universidades públicas. “Todavia, o grande gargalo é oportunizar à maioria dessas pessoas com deficiência uma experiência com esses produtos”. Allan George de Sousa, que tem baixa visão e é formado em Ciências da Computação e mestrando em tecnologia Educacional, está criando uma plataforma digital acessível.

“Em diversas áreas, podemos identificar alguma tecnologia assistiva, como nos caixas eletrônicos de bancos, com leitores de tela integrados, para quem utilizar um fone de ouvido, vários sites têm recursos que facilitam a navegação nas páginas web com o uso de leitores de tela, ou recursos de ampliação e alto contraste integrados”, exemplifica. Apesar dos avanços, ele concorda que a grande maioria dos sites não são acessíveis ou têm problemas de acessibilidade. “Apesar de existirem padrões de desenvolvimento web, muitos desenvolvedores não se atentam a algumas mudanças nas suas práticas de desenvolvimento, as quais deixariam os sites bem mais acessíveis, e isso resulta em imagens sem identificação, áreas inacessíveis por usuários de leitores de tela, ou, até mesmo, a exclusão total de pessoas com deficiência visual em determinadas páginas”, avalia Allan, que trabalha na Universidade Federal do Ceará (UFC).


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Recursos para promover acessibilidade digital

Dicas para produzir conteúdos mais acessíveis no ambiente digital

Sobre os suportes necessários para pessoas com deficiência visual utilizarem telas, Allan explica que nos computadores, em todos os principais sistemas operacionais, em celulares Android ou IOS, os recursos, como leitores de tela, ampliação ou alto contraste, estão presentes e cada vez mais aprimorados.

- Todo conteúdo digital não textual deve conter descrição da imagem (fotos, ilustrações, tabelas, gráficos, gifs);

"Além disso, diversas soluções são desenvolvidas para apoiar as pessoas com deficiência visual, como aplicativos que reconhecem textos em tempo real, como o Envision ou Google Lookout, os quais possuem, além dessa, outras funções que podem ajudar bastante no cotidiano de uma pessoa cega ou com baixa visão, com funções que tentam identificar cores, objetos, peças de roupa etc", acrescenta.

- Na descrição de imagens, seguimos uma fórmula: o que/quem + onde + como + faz o quê + como + quando + de onde. A fórmula simplificada: formato + sujeito + paisagem + contexto + ação;

Geralmente, é preciso de um tempo para incorporar tantas funcionalidades, principalmente se a pessoa não tiver familiaridade com a tecnologia digital, ele relata. Pessoas com deficiência visual podem buscar por cursos no Instituto dos Cegos e na Associação dos Cegos do Ceará.

Estudo e pesquisa para promover inclusão digital Allan explica que o mestrado que cursa na UFC exige o desenvolvimento de um produto digital educacional. Ele pensou o projeto junto ao orientador, o prof. Dr. Windson Viana de Carvalho, pesquisador na área de tecnologia mobile, acessibilidade e ensino de Computação. O objetivo era desenvolver um recurso educacional digital que permita que alunos com deficiência visual, parcial ou total tenham acesso aos elementos visuais utilizados em uma disciplina presente nos cursos de Ciências da Computação e outros cursos na área de sistemas, chamada Estruturas de Dados, ele detalha.

- Evite a redundância na descrição. “A foto ilustra” é um pleonasmo. Seja simples, direto; - Evite, na descrição de imagens, adjetivos que representam juízo de valor (bonito, feio, bom, mau etc.); - Os conteúdos em vídeo devem ter audiodescrição. Ela deve contextualizar o conteúdo em vídeo sem atrapalhar a compreensão do áudio original;

A proposta em desenvolvimento é a criação de modelos digitais 3D que representem essas estruturas de dados, que podem ser impressos por uma impressora 3D, presente na maioria das instituições de ensino superior.

- Todo conteúdo em vídeo com texto falado deve possuir versão legendada (para surdos alfabetizados em português);

"Dessa forma, qualquer professor que ministre essa disciplina e receba um aluno com deficiência visual em sua turma, poderá ter acesso a esses modelos e solicitar a impressão das peças para que o seu aluno consiga acompanhar tudo que estiver sendo apresentado visualmente, de forma tátil, sem prejuízos no seu aprendizado, em relação aos outros colegas de sala", prospecta.

- Além das legendas, é crucial que o conteúdo tenha, também, janela de Libras (com avatar digital ou tradutor-intérprete), para surdos não oralizados;

- Conteúdos em áudio (como podcasts) também devem ter transcrição em texto; - É recomendável que todos os sites tenham um avatar digital para interpretação em Libras, para surdos não alfabetizados em português; - Os textos precisam ter uma estrutura mais simples, com frases e parágrafos curtos, ordem direta, voz ativa, sem figuras de linguagem ou termos pouco usuais; - Os hiperlinks dentro dos textos devem indicar o destino do link. Evite “Clique aqui”, “Saiba mais”, “post”. Prefira: “Acesse o site (nome do site)”, “Saiba mais no portal (nome do portal)”. Isso porque muitos cegos navegam somente pelos links; - Redes sociais, como o Facebook e Instagram, contam com alguns recursos para acessibilidade e têm páginas e fóruns específicos para esclarecer dúvidas e anunciar novidades. Acesse o Guia de boas práticas para acessibilidade digital (https://ceweb.br/ media/projetos/bruk/pt/ guia-boas-praaticas-paraacessibilidade-digital.pdf) Fonte: Movimento Web Para Todos


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10 FILMES E SÉRIES Uma lista para entrar no universo de pessoas com deficiências

Deficiência Intelectual ou Transtorno do Espectro Autista COLEGAS Gênero: Aventura/Comédia Sinopse: Stallone, Aninha e Márcio vivem em um instituto para pessoas com síndrome de Down. Inspirados pelos filmes que assistiram, eles roubam o carro do jardineiro e fogem para realizar seus sonhos. A imprensa começa a cobrir o caso e a polícia coloca “policiais trapalhões” para perseguir os jovens. Onde assistir: Netflix ADAM (2009) Gênero: Drama/Romance Sinopse: Adam tem autismo e se isola por isso. Quando Beth se muda para o mesmo prédio, ele muda de atitude e torna-se mais social. Ela dá uma chance para Adam, mas seus pais têm dificuldade em

aceitar o romance. Onde assistir: Mubi

SÉRIE: ATYPICAL (2017 - 2021) Gênero: Comédia dramática. Sinopse: Sam, um adolescente com autismo, resolve arrumar uma namorada. Sua busca por independência coloca toda sua família em uma aventura de autodescoberta. Onde assistir: Netflix 4 temporadas.

Físicas/motoras SÉRIE: SPECIAL (2019 - 2021) Gênero: Comédia, Drama Sinopse: Um jovem gay com paralisia cerebral decide recomeçar sua vida e fazer tudo aquilo que sempre deixou para depois: conquistar o primeiro emprego; morar sozinho e longe da mãe; e engatar um relacionamento amoroso. Onde assistir: Netflix 2 temporadas SÉRIE/DOCUMENTÁRIO: AMOR NO ESPECTRO (2022) Gênero: Romance Sinopse: Jovens com autismo buscam o amor e lidam com o mundo dos encontros e relacionamentos. Onde assistir: Netflix 1 temporada

AS SESSÕES (2012) Gênero: Comédia dramática Sinopse: Mark O’Brien é um escritor que contraiu poliomielite quando era criança e ficou paraplégico. Ele compartilha com um amigo que é padre a vontade de perder a virgindade e começa a se consultar com uma terapeuta sexual . Onde assistir: Star+

Sensoriais (auditiva/visual)

INTOCÁVEIS (2011) Gênero: Drama/Comédia Sinopse: Um milionário tetraplégico contrata um jovem da periferia sem experiência na função para ser seu assistente. No entanto, a relação que antes era profissional cresce e vira uma amizade que mudará a vida dos dois. Onde assistir: Telecine e Amazon Prime Video

- HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO (2014) Gênero: Drama/Romance Sinopse: Leonardo é um estudante cego que tenta buscar sua independência. Gabriel, um novo amigo, faz com que ele descubra mais sobre si mesmo e sua sexualidade. Onde assistir: Netflix, Telecine e Amazon Prime Video

37 SEGUNDOS (2019) Gênero: Drama Sinopse: Para se livrar da mãe superprotetora, uma artista de mangá com paralisia cerebral começa uma jornada em busca da autodescoberta sexual e pessoal. Onde assistir: Netflix

- FILHOS DO SILÊNCIO (1986) Gênero: Drama/Romance Sinopse: James Leeds é um professor de linguagem de sinais recém-contratado em uma escola para surdos, onde conhece a jovem Sarah Norman, uma antiga aluna da escola. Onde assistir: Amazon Prime Video (aluguel) e Apple TV (aluguel)


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