Fazendo 90

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u m a h o r t a s e m c u lt u r a é u m b a l d i o

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março 14 mensal d i s t r i b u i ç ã o g r at u i ta

o boletim do que por cá se faz 1


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direcção

aurora ribeiro

Nesse ano do século passado o número de residentes no arquipélago é de 256 mil e 673 pessoas. Sai entretanto o segundo disco dos Madredeus, “Existir”, que possui um instrumental intitulado “As Ilhas dos Açores”. A professora micaelense, Adelaide Batista, edita “De Emigração Tecido”, pela editora Signo. O escritor Urbano Bettencourt começa a leccionar as cadeiras de Literatura Portuguesa Clássica, Estudos Literários e Literatura Açoriana na Universidade dos Açores. É construída a ermida de São João Evangelista na Fajã de João de Dias, na Ilha de São Jorge. Às salas de cinema chegam os filmes “The Sheltering Sky”, de Bernardo Bertolucci, com Debra Winger e John Malkovich e “La Voce della Luna”, de Federico Fellini. Aldo Rossi recebe o Priztker e o prémio da arquitectura contemporânea é atribuído a Mies van der Rohe e a Norman Foster. Os Pink Floyd de Roger Waters dão um concerto para celebrar a queda do Muro de Berlim, assinalando a venda de “The Wall” em 30 milhões de exemplares em todo o mundo. O líder do Congresso Nacional Africano, Nelson Mandela, sai da prisão após vinte e sete anos de cativeiro. A Homossexualidade foi retirada da Classificação Internacional de Doenças pela OMS (Organização Mundial da Saúde). É criada a Associação Portuguesa de Educação Ambiental (ASPEA), organização nãogovernamental (ONG) com sede em Lisboa e com três delegações, em Aveiro, Monção e Porto, estando para breve a criação de uma delegação no arquipélago açoriano. É ratificada em Portugal a Convenção Sobre os Direitos da Criança. É também o ano do desaparecimento de Thomaz de Mello, caricaturista e artista gráfico brasilo português, autor do trabalho em tapeçaria intitulado “Açores”.

tomás melo

capa

cláudia furtado

colaboradores

ana alves ana correia ana lúcia almeida carlos alberto machado carlos bessa carolina furtado cristina lourido fernando nunes francisco maduro dias frederico cardigos inês ribeiro joão gonçalves les gallagher micael nunes miguel machete paulo borges paulo vilela raimundo pomar do atlântico

amigos fazendo

maria noémia pacheco terry costa zumo massimo gelich

patrocinador

IMAR -DOP

design editorial

ambas as duas

paginação

tomás correia da silva

capa

revisão

aurora ribeiro

cláudia furtado

propriedade

associação cultural fazendo

“ C o m o c r i a r u m o b j e c t o fa s c i n a n t e ,

sede

rua conselheiro medeiros

um objecto que mantenha o homem

nº 19 — 9900 horta

e m r e s p e i t o ? C o m o i n v e n ta r u m a

periodicidade

mensal

visualidade que se dirigirá, não à

tiragem

c u r i o s i d a d e d o v i s í v e l , o u at é a o seu prazer – mas somente ao seu desejo...” Pelo pouco que posso dizer, um objecto para mim terá que ter algo que desperte o espectador, que trabalhe com a sua percepção, desafie o seu sentido óptico, as sensações, beleza e envolva uma experiência de aura. Esta fotografia é uma das possibilidades de percepção do objecto. Este objecto estranho está confinado ao interior de uma caixa com uma abertura que força o espectador a mergulhar num mundo de escala ampliada, onde irá habitar o olhar. A abertura circular recorta o objecto e fundo negro com a parte branca da caixa. Este negro do fundo vem da ideia «atmosfera do negro» em que a sensação é de ser arrastado para o interior. A percepção é algo que não é totalmente objectiva, é variável e é aqui trabalhada perante o objecto dando uma certa ilusão de que, “...a menor mudança de ponto de vista acarreta todas as espécies de mutações na potência

500 exemplares

e na qualidade das coisas.”, isto quer dizer que cada movimento que se faça com o corpo, se estiver a ver pessoalmente ou no caso com câmara fotográfica, e se tire outra fotografia mudam algumas propriedades do que se está a ver. A limitação que é imposta ao corpo pelo dispositivo (caixa) força à experiência do háptico. Quero com isto dizer: operações que são realizadas pelo olhar e pelo cérebro, em que o olhar «desconecta-se» do corpo e tornase ele autónomo, ou seja, um olhar que não pertence ao corpo. Sendo isto apenas possível ao ver a escultura ao vivo. As esculturas que faço estão intimamente ligadas à cor, sendo assim são esculturas com carácter pictórico. A cor é autónoma, sendo assim basta a si própria. Ao longo dos tempos os artistas e os autores têm atribuído à cor significações simbólicas, cósmicas ou metafóricas. A cor aqui não está num suporte, não sendo utilizada como um «artifício», como tradicionalmente ao longo da história de arte. A cor está muito para além daquilo que um pintor vê na cor, ou seja, para Klein a cor é matéria, como “escultura”, a cor transporta qualidades do espaço. Resumindo, o dispositivo foi pensado para questionar a relação do háptico e do corpo, o objecto trabalha com a ideia de cor e a forma da cor. 2

impressão

gráfica o telégrapho

distribuição no faial

associação cultural fazendo distribuição no pico

mirateca arts distribuição na terceira

mah d i s t r i b u i ç ã o e m sã o m i g u e l

agecta registado na erc com o nº125988

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crónica

e o banco pariu um rato a s s o c i a ç õ e s c u lt u r a i s : t e at r o d e g i z - m ú s i c a v a d i a - f a z e n d o

Em Setembro de 2012 publicava-se no FAZENDO um texto que começava assim: “É verdade. O Banco de Portugal da Horta deixou definitivamente de garantir poupanças, atribuir empréstimos, cobrar juros e saldar créditos mal parados. Depois de um período de hibernação indefinida, despertou, mudou de nome e vai começar a dar. Dar tudo para que a cidade e a ilha continuem a crescer culturalmente num ambiente de partilha.” E, inocentemente, acrescentava: “No início de 2012, a Empresa Municipal Hortaludus em conjunto com a Câmara Municipal da Horta, lançou o desafio às várias Associações culturais da ilha: elaborar uma proposta para dinamizar o Banco de Portugal... Três Associações (FAZENDO, Teatro de Giz e Música Vadia) apresentaram um plano concreto que assentava em duas vertentes: 1) a da apresentação de produções (próprias ou não) e iniciativas ligadas às artes e 2) a da formação em linguagens artísticas diversas. Paralelamente, em conjunto com aquelas entidades, fizeram um levantamento da planta do local e definiram as intervenções físicas que o espaço deveria sofrer de forma a que, com um custo mínimo, se pudessem ter as condições necessárias para desenvolver os trabalhos. A proposta foi aceite e o Banco passou a ter novo apelido – BANCO de ARTISTAS.”

Dois anos volvidos impõese voltar aqui para dizer a quem se interessa por estas coisas que, afinal, o Banco pariu um Rato. Isto é, o Banco de Artistas transformou-se em fumaça. Ou apanhou a Sata, vá. Ou parecia que sim mas afinal já não. Confusos? Também nós! Mas expliquemo-nos. Em 2012, a Câmara Municipal da Horta (CMH), através do Vereador da Cultura e da Administração da então Hortaludus, fez crer às três Associações (entretanto apoiadas, reconhecidas e até enaltecidas, com direito a medalha, pelo Governo Regional e pela CMH) que estava interessada em ter colaboradores com provas dadas nesta matéria (como lhes apraz dizer) para dinamizar o espaço do Banco de Portugal. As Associações arregaçaram mangas e organizaram no decorrer da Semana do Mar desse ano um programa cultural para crianças e adultos no espaço exterior do Banco. A custo zero para a CMH. Houve jogos tradicionais, avós a contarem histórias, formações em teatro e dança, mostras de documentários, música ao vivo, biblioteca infantil e outras coisas mais. Passaram por lá 100 crianças e mais de 500 adultos que assistiram e participaram, muitas vezes em conjunto, numa iniciativa diferente e, arriscamos, interessante. Uma proposta a aprimorar em futuras edições mas que, nas palavras de alguns dos responsáveis do município e de diversos cidadãos, provou ser digna de repetição...

Posteriormente, e sempre em estreita concertação com a CMH e o seu vereador (foram várias as reuniões conjuntas), preparámo-nos para a inauguração do espaço propriamente dito (o interior). Foi escolhido o dia 3 de Novembro de 2012 para o efeito e estruturou-se uma agenda que previa um discurso de abertura do Sr. Presidente da CMH, uma exposição permanente do espólio do Teatro de Giz, uma exposição de instrumentos tradicionais construídos no Faial, um monólogo de teatro, um pequeno concerto e a apresentação do calendário de actividades anual, que incluía aulas semanais de instrumentos, oficinas de teatro, oficinas de artes plásticas, oficinas de construção de instrumentos e as actividades previstas para a Semana do Mar de 2013. Nos entretantos, era necessário pintar paredes, rever o sistema eléctrico do edifício, resolver problemas de infiltrações, melhorar a acústica do espaço, enfim, garantir os mínimos para um funcionamento adequado. Por razões alheias às Associações (que foram muitas vezes para o local contribuir com o seu trabalho), o tempo foi-se dilatando, instalando, passou o dia 3, o dia 10, o dia 30, e entrámos no ano seguinte... Disseramnos que a inauguração ficava adiada para data a definir, mas que o melhor era ir fazendo alguma coisa, dentro do possível, claro está. O compasso de espera foi-se espreguiçando e as Associações, com o conhecimento da CMH, decidiram avançar com algumas iniciativas: a Música Vadia inaugurou a exposição de instrumentos tradicionais do Faial no princípio de Abril de 2013, com mais de 20 cordofones construídos por artesãos da ilha; o Teatro de Giz planeava a exposição do espólio da companhia de teatro italiana Piccolo di Milano, que lhe foi ofertada aquando do episódio do naufrágio do navio CP Valour e que esteve na origem da longa metragem realizada por Zeca Medeiros (e co-produzida pelo TG com a RTP Açores); o FAZENDO planeava um ciclo de mostras de cinema documental para quando estivesse concluída a insonorização de uma das salas de baixo. 2013 trouxe também com ele algumas alterações significativas, primeiro na Administração da Hortaludus EM, que até então sempre tinha apoiado o trabalho das Associações, e depois com a gestão de sobrevivência da mesma em virtude da anunciada fusão com a UrbHorta. Neste cenário de impasse surge então o primeiro indicador de mudança. O Sr. Vereador da Cultura, ao apresentar o programa preliminar da Semana do Mar numa conferência de imprensa a 27 de Maio, afirma que o espaço exterior do Banco de Artistas será ocupado por uma empresa local, que instalará um parque de insufláveis, e que no interior do Banco decorrerão algumas exposições temáticas. Ainda quisemos acreditar que se tratava de um erro de comunicação ou semelhante coisa e solicitámos, por escrito, um pedido de esclarecimento. A resposta tardou mas chegou, e não deixava dúvidas. Em resumo, dizia assim: “Temos consideração pelas Associações culturais mas quem manda no Banco somos nós. As Associações não apresentaram nenhum plano de actividades para 2013. Se tiverem alguma actividade que queiram fazer, comuniquem que depois logo se vê da possibilidade da sua integração no plano já definido.” Perante tamanhas falta de lealdade e seriedade, argumentámos o óbvio: 1) há mais de um ano que estávamos a trabalhar em suposta cooperação com 3

a CMH para criar um verdadeiro Banco de Artistas sem que isso pusese em causa a autoridade da CMH (a nossa labuta anda longe do negócio de imóveis); 2) o Sr. Vereador tinha evidente conhecimento dos sucessivos projectos, planos, dossiês e actividades propostas, onde se incluía a programação para a Semana do Mar, que só ainda não estavam agendadas porque esperávamos respostas e acções por parte da CMH; 3) apesar disso estavam a decorrer actividades no Banco promovidas pelas Associações com o apoio da CMH e 4) conseguíamos perceber que, em ano de eleições, quisessem jogar pelo seguro mas não aceitávamos que se planificasse o Banco à revelia dos supostos parceiros culturais, nós, que sempre tivemos abertura para conciliar, integrar e arranjar forma de fazer as coisas acontecerem. Silêncio. Esperámos. Passou Julho, veio Agosto e a Semana do Mar, Setembro, Outubro e as Eleições Autárquicas e, depois de alguma insistência, lá se conseguiu finalmente agendar uma reunião com o futuro Conselho de Administração da UrbHorta, que teria a seu cargo a gestão do Teatro Faialense e o Banco de Portugal e presidido pelo Vereador da Cultura. Em Novembro acabaram-se as dúvidas. Percebemos que, afinal, a CMH faz a gestão do espaço em exclusivo (não há colaboradores) e define a agenda de acordo com propostas recebidas do quadrante ‘desportivo-cultural’. Perguntámos porque é que os desígnios para o Banco se tinham transmutado de forma tão evidente. Insistimos, claro, que são muitos os municípios espalhados por este país que encaram as Associações Culturais como verdadeiros parceiros, e que graças a isso conseguem definir e fazer acontecer uma coisa chamada estratégia cultural para os lugares, vilas, cidades. Pelo sim pelo não, ainda sublinhámos que a única coisa a que nos propúnhamos era a gastar o nosso tempo e a consumir calorias na planificação e uso de um espaço dos munícipes que serviria o crescimento e a cultura da cidade e da ilha. Ficaram de reavaliar a situação. Disseram-nos, como naquelas entrevistas de emprego, – ‘depois entramos em contacto com vocês’. Até hoje. Concluímos assim que, na nossa perspectiva, a CMH considera que as Associações, como outros agentes culturais, não passam de grupos amorfos de gente com os quais se estabelecem “protocolos de cooperação financeira ou de carácter pontual como são as utilizações dos espaços pertencentes à CMH”. Não interessa o porquê, o como, a qualidade, o empenho. O que interessa é dar-lhes uns tostões para eles fazerem as coisas deles, porque no futuro isso reverte a favor... de quem manda. Porquê? Porque sim. Porque podem. Porque não nos podem fazer bem nenhum.


música

vânia dilac cantora ou diva?

lulu monde

Vânia Dilac é diva das cantigas e das antigas pois tem o dom e a dádiva de encantar para quem tiver intenções de se deixar render e cativar pelo seu canto. Esta é, sem qualquer dúvida, uma voz desmedida, solta, com rédea livre de quem sabe que nada nem ninguém pode travar aquele curso de águas cálidas que habitam e escorrem na sua voz e na máxima energia e vitalidade. Por isso não lhe peçam grandes teorizações sobre os temas que interpreta – apenas que cante no auge da sua sinceridade vocal. Por mais que ela enfeitice com a sua voz e música sem muros nem ameias e, essencialmente, no fervilhar da interpretação de temas de outros autores:“Blue Moon” de Frank Sinatra, “Fever”, de Peggy Lee, “Summertime”, de George Gershwin, “Sodade” de Cesária Évora ou “Halleluyah” de Leonard Cohen, é nos temas cantados em português que este canto ardente em tons de veludo ganha velocidade, espessura e rumo. Acompanhada por Paulão (bateria) e Clayton (teclados) é, portanto, uma voz que propaga com grande rapidez e calor a chama neste Inverno frio e húmido. Ouvi-la a cantar Amália Rodrigues (“Barco Negro”), Paulo de Carvalho (“Mãe Negra”) ou Jorge Palma (“Frágil”) é acreditar que há um vulcão interior em ebulição pronto a expelir sons e trovas, carregado dum eco feminino dolente e magoado, profundamente negro como a maioria das vozes da soul sem esquecer o carimbo do timbre da sua alma africana. É de eriçar o pêlo quando eleva a sua voz nas canções de Amália ou Jorge Palma, naquele português misturado, modelado e mélico, para de imediato lhe sentirmos a garra, o enleio sonoro, o sentimento pujante em cada frase melódica. Uma verdadeira pérola, certamente. Escutar Vânia Dilac é também uma regalia porque podemos imaginar o quanto estará para vir já que há aqui qualquer coisa de vidro fino, delicada, um diamante em bruto por lapidar e que é necessário preservar e cuidar enquanto irradia fulgência e brilho. A cantora vive em São Miguel, bebe muita música soul e o blues num arquipélago que fica não muito longe do local de origem destes géneros musicais, sendo normal que esta almeje voos mais altos ou que deseje cantar em outras paragens, palcos e destinos. Entrementes e para uma cantora que absorve as águas cálidas da ilha há mais de trinta anos, pois ela nasceu em Moçambique, bem como sabe de cor e salteado as dores e as mágoas das nossas maiores cantoras que a precederam, bastava que cantasse num disco pessoal com letras de uma dezena de poetas nesta nossa língua que nos une para firmar e confirmar o seu talento neste tempo e espaço e que assim possamos assistir ao emergir de uma grande voz em território insular, tantos anos depois da fase de oiro das vozes femininas de 80/90 da música açoriana.

Lulu Monde é uma banda natural de Ponta Delgada e que conta já com catorze anos de existência e de presenças constantes em palcos e concertos. A Galeria Arco 8 tem servido de palco para muitas das suas apresentações públicas e é um porto de abrigo para estas divagações e itinerários musicais em poiso tão próximo do mar e do oceano atlântico. Os Lulu Monde contém dentro de si uma pulsão libertária muito próxima do Jazz e em que os instrumentos como o sintetizador e a guitarra tem uma preponderância singular em cada composição e diálogo sonoro deste quarteto, por vezes quinteto ou sexteto, mantendo sempre a fasquia bem alta para cada elemento que a integra. Os teclados estão bem presentes enquanto denominador comum às deambulações sonoras encetadas pelo grupo, onde se salienta uma guitarra etérea e ondulante, procurando assim a consistência de melodias airosas numa cobertura rítmica enérgica a partir de uma bateria afirmativa e sincopada. A banda conta com Ricardo Reis na bateria, Ricardo Silva nos pianos e teclados, Paulo Bettencourt na guitarra e Luís Silva no baixo. Fernando Nunes

divagações e itinerários musicais em poiso tão próximo do mar

Fernando Nunes

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Geni e o Zepelim De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada O seu corpo é dos errantes Dos cegos, dos retirantes É de quem não tem mais nada Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina Atrás do tanque, no mato É a rainha dos detentos Das loucas, dos lazarentos Dos moleques do internato E também vai amiúde Com os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni! Um dia surgiu, brilhante Entre as nuvens, flutuante Um enorme zepelim Pairou sobre os edifícios Abriu dois mil orifícios Com dois mil canhões assim

música

geni e o zepelim Na, na, naaa, na, na, na, naaa

A cidade apavorada Se quedou paralisada Pronta pra virar geleia Mas do zepelim gigante Desceu o seu comandante Dizendo: “Mudei de ideia!”

Chico Buarque de Holanda tem dentro dele muita música e palavras que articula com mestria espacial, para contar histórias terrenas, de encantar (por vezes profundamente desencantadas). Em 1978 escreveu uma peça musical intitulada a “Ópera do malandro” encenada por Luís Antônio Martinez Corrêa (que viria a ser álbum em 1979 e filme em 1986), inspirada n’ “A Ópera dos Três Vinténs” (1928) dos alemães Bertolt Brecht e Kurt Weill, e na “Ópera dos Mendigos” (1728) do inglês John Gay. A ópera inclui várias canções que são obras primas, histórias universais de todos os dias . Mas aquela que destaco, desarma pela crueza com que revela algumas verdades terríveis que nos habitam – “Geni e o Zepelim” depois de ouvida, emudece, encanta e dá nós de garganta.

Quando vi nesta cidade Tanto horror e iniquidade Resolvi tudo explodir Mas posso evitar o drama Se aquela formosa dama Esta noite me servir Essa dama era Geni! Mas não pode ser Geni! Ela é feita pra apanhar Ela é boa de cuspir Ela dá pra qualquer um Maldita Geni! Mas de fato, logo ela Tão coitada e tão singela Cativara o forasteiro O guerreiro tão vistoso Tão temido e poderoso Era dela, prisioneiro

Geni é um travesti que habita um lugar pequeno na geografia e na mentalidade. Dá-se a quem dela precisa, levando o amor e o prazer ao encontro dos marginais, dos cegos, dos lazarentos, mas também dos moleques e velhos, das loucas e das viúvas. A diferença (independentemente do carácter, da bondade, da justeza) paga-se cara, como é óbvio, e o refrão é-lhe gritado todos os dias “Joga pedra na Geni!/ela é feita pra apanhar!/ela é boa de cuspir!/ ela dá para qualquer um!/Maldita Geni!”. Mas, como para os porcos há sempre um Natal, e porque a justiça (dizem) vem de cima, um dia surge nos céus um zepelin com um comandante disposto a arrasar aquela cidade brutal e mesquinha. E se ficássemos por aqui, tínhamos um final feliz. Mas não. No quase acto do juízo final, surge a proposta surpreendente – a Geni por uma noite, em troca de tudo o resto. Perante uma comunidade aliviada, a surpresa foi que (“e isso era segredo dela”) a pessoa dada só se dava a quem queria, e comandantes a cheirar a brilho e a cobre, não estavam contemplados. Numa romaria imensa, as cúpulas da sociedade vil e moderna, caem a seus pés, rogando que se entregue. Comovida e incapaz de negar a sua bondade, cede e sofre. Ao raiar o dia, depois do zepelin zarpar, quase sorri de felicidade pelo feito. Mas estas gentes, agora aliviadas, apressamse a mostrar-lhe o que de pior existe na dita humanidade.

Acontece que a donzela (E isso era segredo dela) Também tinha seus caprichos E ao deitar com homem tão nobre Tão cheirando a brilho e a cobre Preferia amar com os bichos Ao ouvir tal heresia A cidade em romaria Foi beijar a sua mão O prefeito de joelhos O bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com um milhão Vai com ele, vai, Geni! Vai com ele, vai, Geni! Você pode nos salvar Você vai nos redimir Você dá pra qualquer um Bendita Geni! Foram tantos os pedidos Tão sinceros, tão sentidos Que ela dominou seu asco Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante Como quem dá-se ao carrasco Ele fez tanta sujeira Lambuzou-se a noite inteira Até ficar saciado E nem bem amanhecia Partiu numa nuvem fria Com seu zepelim prateado Num suspiro aliviado Ela se virou de lado E tentou até sorrir Mas logo raiou o dia E a cidade em cantoria Não deixou ela dormir

Não tem nada de mais. É só isto. Até à próxima.

Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!

MIGUEL MACHETE

Chico Buarque

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ambiente

trepa penedos Vêm de muitas fatias da Terra, embalados de vontade, a disfrutar a Natureza. Até aqui terão caminhado, acampado e escalado noutros trechos do paraíso. Em serra ou junto ao mar, com neve, vento ou sob mantas de sol, esticam percursos de dias, à conversa com as cores e os pássaros. No Pico existem cinco zonas de escalada: Monte, Cachorro, Baía das Canas, Calheta do Nesquim e Lajes. Em S. Jorge estão equipadas duas zonas: Urzelina e Fajã do Ouvidor. Na Terceira há três áreas de escalada: Chanoca (norte de Angra), Posto Santo e Negrito. Em S. Miguel sinalizaram dois sectores: Ferraria e Lagoa. Quando navegamos na montanha, o grupo movimenta-se devagarinho, trôpego mas atento, numa alegre balbúrdia. Observarescutar-confiar-pensarescolher, eis o que nos entretém enquanto nos maravilhamos com as vistas. Do covão ao planalto, por falésias e reentrâncias, juntamo-nos e trocamos impressões, aliviamos mochilas e partilhamos emoções. A paisagem acompanha-nos. Estacamos no Desfiladeiro do Garajau, é uma parede vulcânica de 20m de altura, com 34 vias de ascensão, calibradas entre III e 7a+, de nível de dificuldade. O único 8c existente em Portugal localiza-se na Baía das Canas (Pico), tem 80m de altura e foi equipado pelo Mike. Seleccionamos os penedos que desejamos trepar, soltamos o material na pastagem e separamos mosquetões, gri-gris, expressos, boudriers, pés-de-gato, magnésio e cordas, claro. Providenciamos a segurança, o David vigilante no solo e eu com os dedos entalados no “Atoleimado”, um 6c apreciável. As vozes do trepador: “PI” é para caçar a corda e “MU” para folgá-la, as vozes do segurança: “essa raclette mais à esquerda, perto do joelho”; e assim se progride em paredes verticais. Uma vez alcançado o topo, avisamos o compadre e como um elevador descemos suavemente. Alternamos funções e mudamos as vias de escalada ao longo do dia; experimentámos: “Excomungado”, “Pular a cerca”, “Língua de fora”, “Peixe calhau”, “Vindima tardia”, “Sem cracas nem lapas”, “Musgolândia” e “Astérix”. Escalar nos Açores é ser-se continuamente confrontado com o horizonte verdazul, sublime e deslumbrante. As rochas são ossos, a drenar na água. Há boulders de escalada tão rente ao mar que a teia de segurança é descairmos ele adentro. As cagarras que tanto gostam destes lugares, emparedados de mar, habituam-se ao nosso movimento lento; de tempos a tempos vêem-nos mergulhar, como elas, mas muito mais deselegantes. Talvez nos meçam a coragem. Tudo nos apequena na montanha. Fica-se, sem ilusões, com o tamanho ridículo das pessoas comparado com aquela imensidão. E é tanta! Disse o sorriso a cintilar afecto.

São caminhos varridos por intempéries, põem-se íngremes para terem apenas gente de voar.

Enquanto a luz se enrola na água intervalamos para atacar as marmitas, sem pressa. É comovente o sabor que a vida nos oferece se apreciamos a viagem. O sol está além, em feitio de generosidade grande. O silêncio é profundo e solene, o que nos desmonta completamente. É fácil reinventar a beleza num lugar assim, ao qual se acede depois de horas de marcha, ao dependuro das sensações. São caminhos varridos por intempéries, põem-se íngremes para terem apenas gente de voar. Por isso, reclama tanto a passarada, detestam que aqui cheguemos à revelia. O vento esfria, a paisagem fica inteira. O arrepio da água pode ser do caminho das baleias, mais adiante. Estão atarefadas com ir e vir, em curiosidade e almoço, o arredondado das costas a surgir à superfície. As palavras podem pouco num sítio destes, onde o que se vê já é discurso completo. A montanha tão alta, monolítica, um corpo comprido que se impõe ao mar. E o mar amolece, suave, calmo, atlanticamente pacificado. Quem assiste a esta festa fica triste de não a conseguir comunicar. A fotografia não faz jus à

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boniteza, nem serve de muito como amostra plana do que aqui está. O desenho também apouca o que aplaudimos, o privilégio de sermos apenas alma e reverência, a espantarmo-nos e a sentirmo-nos humildados. Demoramos a acordar do sonho, as nuvens vêm vindo. Está certo que nos ponhamos a andar. O trilho segue por mato empapado, às vezes sobre troncos. Na encosta, os bezerros estão separados das vacas, nenhuma tem cornos, são de leite. O sol faz cócegas no horizonte e a temperatura cai a pique. Acalenta-nos saber que a travessia termina à roda da fogueira, o pão a cozer no forno em folhas de roca-de-velha; nós a derretermos em cumplicidade e aceitação. Entretanto, o araçaleiro no quintal a cada manhã tem mais flores. Nada muito diferente cristina lourido de um amor.


os nossos trilhos fa z e n d o l i g a ç õ e s

trilhos.visitazores.com/pt-pt

artes plásticas

a internacionalização da arte À data em que escrevo este texto decorrem os preparativos para a próxima 33ª edição da Feira Internacional de Arte Contemporânea - ARCO Madrid, que estará aberta ao público de 19 a 23 de fevereiro de 2014. Nas treze galerias portuguesas representadas no certame incluiu-se a Galeria Fonseca Macedo, de Ponta Delgada, que fazendo jus à sua razão de existir “tem como objetivo promover a arte contemporânea, apresentando artistas emergentes e consagrados do país e do estrangeiro.” A repetição deste esforço, que esta galeria e os seus proprietários vêm concretizando nos últimos anos, é sobejamente importante para poder passar em claro ao nosso mundo arquipelágico, demonstrando que uma real colaboração entre os criadores e os mercados pode e deve ser conscientemente assumida como uma obrigação de todos nós. Os artistas por si só, independentemente do seu local de nascimento ou de residência, deverão

usufruir dos mesmos direitos dos seus pares, na discussão/construção da contemporaneidade da arte, sendo a presença destes em feiras de abrangência internacional que permitirá a divulgação do seu trabalho e a valorização do meio artístico onde se inserem. Num período em que as distâncias se diluem e as oportunidades dos criadores dependem essencialmente da sua capacidade de síntese criativa, continua a ser importante a presença destes (e das suas obras) junto dos seus potenciais mercados. Assumindo claramente essa missão, e dando corpo ao propósito de dar a conhecer os artistas que representa, tem vindo a Galeria Fonseca Macedo a criar as condições necessárias para que o isolacionismo geográfico não se torne impeditivo para que artistas como: Ana Vieira, Catarina Branco,

Cristina Ataíde, Luís França, Maria José Cavaco, Sandra Rocha, Tomaz Borba Vieira, Urbano, Victor Almeida e… muitos outros, tenham oportunidade de reivindicar o seu lugar no mundo global da arte contemporânea. O reconhecimento dos artistas e da sua obra nunca deverá ser dissociado do direito desses criadores viverem do fruto do seu trabalho e da sua formação. Assim, a aproximação destes aos seus potenciais clientes permitirá, com a interferência proativa dos galeristas, a concretização de um esforço formativo (em que todos participámos através dos nossos impostos) e num aperfeiçoamento social de um setor que vem servindo de laboratório conceptual de cenários que, desde que há memória, vêm condicionando e influenciando as sociedades. Fazendo votos para que este tipo de atitude irreverente e contrária à alegada “prudência dos mercados” se repita e replique, proponho-vos o acompanhamento deste assunto e dos percursos dos artistas que consideramos “nossos”. P a u l o VILELA R a i m u n d o

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ciência

ilustrando as espécies marinhas dos açores As novas ilustrações foram desenvolvidas para cativar o público e houve um esforço para mostrar espécies marinhas como animais vivos e coloridos no seu habitat natural.

tábua de interface. A técnica não substitui o talento artístico, mas tem um conjunto de vantagens, incluindo um fluxo de trabalho mais eficiente e mais rápido: • Estão disponíveis 16 milhões de cores • Se for feito um erro, é fácil voltar atrás e repetir a pincelada • É limpo e pode ser feita uma pausa ou recomeçar a qualquer momento • É fácil ampliar o desenho para poder trabalhar nos menores detalhes • O resultado é adaptável aos diferentes mecanismos de impressão Aventurar-se na ilustração digital não é uma tarefa pequena. De facto, há programas de computador e a internet disponibiliza boa informação na forma de tutoriais e estudos de caso de outros artistas. No entanto, isso não dispensa a necessidade de pesquisa e dedicação à autoaprendizagem. A adesão aos suportes tecnológicos pode ser difícil e, muitas vezes, requer um alto grau de versatilidade. Terá de pesquisar de forma criativa e experimentar as novas técnicas antes de, finalmente, encontrar o caminho certo para o resultado desejado. As ilustrações da Fishpics foram usadas para posters, livros, revistas, apresentações, quadros, exposições, salões comerciais, animações 3D e produtos como puzzles, magnetes, t-shirts, cartas de jogar e postais. Estas imagens foram utilizadas para promover a vida marinha dos Açores, de Portugal continental, da Madeira, das Canárias e de Cabo Verde. Conforme aumenta o arquivo da Fishpics, é possível orientar os trabalhos futuros também para o Mediterrâneo e costa Atlântica do Brasil. No final, espera-se que estas obras possam ser vistas como uma homenagem à vida marinha dos Açores. Mais informação em: http://www.fishpics.info/

As ilustrações desenvolvidas pela empresa Fishpics estão orientadas para o estabelecimento de uma melhor comunicação das espécies marinhas e resultam de uma colaboração de longos anos entre mim e o IMAR-DOP da Universidade dos Açores. Durante este período, tive a oportunidade de coordenar diversos projectos de design orientados para a disseminação da biodiversidade dos organismos marinhos, ciências da vida e educação ambiental. Nos primeiros anos, as ilustrações eram feitas a preto e branco utilizando tinta-da-china e serviam, quase exclusivamente, para efeitos de identificação das diferentes espécies. Em 2003, sentindo a necessidade de comunicar para um público mais vasto, transmitindo mensagens de sensibilização e motivadoras da conservação marinha, e estando disponíveis programas de computador que auxiliavam na pintura, comecei a orientar-me para a utilização de novas técnicas que me permitiram criar desenhos com alta resolução, coloridos e, por estarem em suporte digital, a impressão era fácil e versátil. As novas ilustrações foram desenvolvidas para cativar o público e houve um esforço para mostrar espécies marinhas como animais vivos e coloridos no seu habitat natural. Geralmente, as pessoas preocupam-se com o que podem ver e, especialmente, se puderem ser cativadas pela beleza natural. Imagens de boa qualidade criam curiosidade e constituem uma forma eficaz de envolver a atenção do público antes mesmo da imersão na comunicação escrita sobre a necessidade de conservar os oceanos. As técnicas de ilustração e de pintura digital podem ser comparadas com a pintura clássica, mas em que a luz substitui a tinta. Os píxeis são aplicadas numa imagem usando um pincel digital manipulado virtualmente sobre uma

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ciência

quantas espécies marinhas há nos açores? A diversidade marinha nos Açores é caracterizada por uma mistura de espécies de climas frios, temperados e tropicais de diferentes origens. A natureza vulcânica do arquipélago, sua juventude e localização central, mas remota, e a influência da Corrente do Golfo providenciam as condições para o estabelecimento de uma biodiversidade única e de um modelo interessante para estudos de evolução, biogeografia e ecologia. No entanto, estas mesmas características geográficas e geológicas são consideradas responsáveis pelo baixo número de espécies litorais marinhas. O conhecimento da biodiversidade dos invertebrados marinhos nos Açores ainda está restrito aos grupos mais conspícuos, reflexo das dificuldades de amostragem no subtidal e na falta de especialistas em grupos taxonomicamente difíceis. A Universidade dos Açores tem desempenhado um papel importante superando estas limitações nomeadamente através de cooperação científica internacional

e na utilização das novas tecnologias digitais. Apesar de algumas dificuldades persistentes, como a longa linha de costa, custos associados a uma boa amostragem e falta de cobertura taxonómica completa, têm vindo a ser produzidas todos os anos, listas actualizadas de diversos grupos de organismos. O número exacto das espécies que ocorrem nos ecossistemas costeiros e marinhos dos Açores é muito difícil de determinar, atendendo ao estado actual do conhecimento taxonómico. Com efeito, muitos grupos necessitam ainda da realização de trabalhos de inventariação de base e outros necessitam de profundas revisões taxonómicas. Num trabalho coordenado por Ana Costa do Departamento de Biologia (invertebrados), Ricardo Serrão Santos do Departamento de Oceanografia e Pescas (vertebrados) e por mim próprio listámos 1885 taxa marinhos pertencentes a 16 filos. Face à informação disponível, podemos afirmar que os peixes (543 taxa), moluscos (353 taxa), macro-algas (327 taxa) e artrópodes (291 taxa) são os grupos mais diversos. Estamos a desenvolver estudos sobre a inventariação e distribuição da biodiversidade marinha dos Açores no âmbito do projecto AtlantisMar financiado pela Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura. Estes dados estão as ser carregados na plataforma Atlantis 3.0. Mais informação em: Portal da Biodiversidade: http://www.azoresbioportal.angra.uac.pt/ Plataforma Atlantis 3.0: http://www.atlantis.angra.uac.pt/atlantis/common/index.jsf pa u l o b o r g e s

ciência

espécies, espécies e mais espécies Ao longo dos anos, os investigadores da Universidade dos Açores têm-se deliciado com os organismos que vão encontrando nos nossos mares. Esta tradição, que na realidade já remonta às expedições do Príncipe Alberto I do Mónaco, no século XIX, é muitíssimo compensadora. Desde polvos-com-acne, autênticas marés vermelhas ou passando por planárias, sim, planárias, tudo aparece por aqui. Algumas espécies são raras, como o caranguejocinzento-da-costa ou a tartaruga-verde; outras são comuns, mas ninguém as conhece. Por exemplo, quem conseguiria reconhecer uma lesma-pêssego? Quem sabe o que é um pai-velho? O que é uma vinagreira? Por quantas células é constituído um Pyrossoma colonial? Não é fácil... É um mundo fascinante que se encontra para lá da linha de água. No entanto, as espécies que maiores simpatias movimentam são, sem dúvida, os golfinhos, as tartarugas-bobas e os cagarros. Algumas espécies de golfinhos residem nas nossas ilhas e, por isso, podem ser observadas em qualquer dia do ano em que haja bom tempo e tempo para ir passear para o mar. Ninguém lhes fica indiferente. Já as tartarugas, na realidade, movimentam simpatias reforçadas. Quando são pequenas, os açorianos são capazes de movimentar mundos e fundos para as salvar. Após as últimas tempestades de Inverno, quando as jovens tartarugas, recém-nascidas nas praias da Florida dão à costa dos Açores, há um esforço para as apanhar e entregar nos Parques de Ilha e apelar à sua recuperação. Os indivíduos maiores são reconhecidos

pela importância que têm no controlo das populações de águas-vivas e caravelas, razão pela qual são consideradas preciosas. Por favor, comam as alforrecas antes que elas cheguem às praias! Os cagarros são a espécie emblema dos Açores! Não há no país qualquer espécie que movimente, literalmente, todas as pessoas no sentido de a salvaguardar. Seja integrados na actividade de escola ou integrados na brigada nocturna dos escuteiros com uma das forças policiais, há quase disputas para tentar obter o maior número de salvamentos. No ano de 2013, nos Açores, foram salvos 7 mil cagarros! É um número impressionante e que tem reflexos muitíssimo positivos na salvaguarda desta espécie que sonoriza as noites de verão das zonas costeiras dos Açores. É difícil hierarquizar a importância das espécies marinhas dos Açores. Todas são importantes! No entanto, não podíamos terminar este artigo sem falar das baleias-azuis e dos cachalotes. Já está! Já falámos, podemos acabar. Mais informação em: http://achadosmaracores.blogspot.pt/ F r e d e r i c o c a r d i g o s e j o ã o g o n ç a lv e s

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cinema

ciclo de cinema cabo-verdiano Sob o mote “Olhares e Percursos”, o CineClube da Ilha Terceira saiu, uma vez mais das salas de cinema tradicionais e aliou-se ao Restaurante “A Africana” para aquecer as noites de inverno da Terceira com cinema e gastronomia. Assim, pronto a servir, constaram do menu, no dia 31 de janeiro, cachupa e “A Ilha da Cova da Moura”, de Rui Simões. A 15 de fevereiro, juntamente com especialidades culinárias à moda de Cabo Verde, houve “Kolá San Jon é Fests di Kau Berdi”, do mesmo realizador. E a 21 de fevereiro, “Cabo Verde em 1937”, de Mario Rose, teve por acompanhamento as bafas (pastelinhos de milho com recheio de carne e de peixe, chamuças e cuscuz). Com os aromas da cachupa e a boa disposição a envolver os presentes projectouse “A Ilha da Cova da Moura”, documentário de 2010, que nos levou até a uma área da Grande Lisboa, Cova da Moura, associada por então à ideia de violência, insegurança, perigo, falta de instrução ou simplesmente pobreza. Rui Simões, num registo límpido e despretensioso, mostra-nos um outro lado do bairro e olha sem preconceitos para a comunidade que ali vive. Acompanhámos assim o quotidiano desse lugar, descobrindo nele reflexos de Cabo Verde e maneiras de combater a exclusão social que teima em perpetuar-se nas vidas dos seus moradores. Recorde-se que, no ano de 2005, dois acontecimentos despertaram a gula mediática: o homicídio de um polícia que patrulhava as ruas locais e o célebre arrastão que nunca existiu, no dia 10 de Junho, cuja autoria foi, desde logo, imputada aos habitantes jovens daquele lugar. Televisões, jornais e fotógrafos nacionais e estrangeiros viraram as suas atenções para um bairro que se erguera clandestinamente nos anos setenta, entre as freguesias da Buraca e da Damaia, fronteira suburbana entre Lisboa e a Amadora, concelho mais populoso de Portugal. Descobriu-se então a verdadeira Cova da Moura, habitada por uma maioria

cabo-verdiana, que ali repete os modos e costumes das ilhas de que são oriundos como forma de combater o desenraizamento e o estigma social. E somos confrontados com uma ilha de Cabo Verde naufragada em terras portuguesas, a braços com o pesado conceito de exclusão. O realizador, que durante três anos conviveu com os habitantes da Cova da Moura, filmou o dia a dia do bairro, falou com moradores, entrou nas suas casas. O resultado tem tanto de inquietante quanto de encantador. No dia 15 de fevereiro, com a sala cheia e debaixo de uma ambiência de festa, acompanhada com os saborosos pratos da Nené, que alguns complementaram com grogue, foi exibido o documentário de 2011 que continua a saga de alguns dos habitantes da Cova da Moura, “Kolá San Jon é Festa di Kau Berdi”. Neste filme, os cabo-verdianos do bairro recuperam as festas tradicionais do seu país, num ritual característico das Festas Juninas. Ao longo de 60 minutos, o espectador acompanha um grupo de residentes numa viagem a Cabo Verde nos festejos do seu santo padroeiro, São João Baptista. Um momento de alegria, convívio e harmonia, em que os habitantes cabo-verdianos recuperam a tradição e reproduzem os ritos e os ritmos dessas festas, ao mesmo tempo que procuram recuperar as suas raízes e transmiti-las aos seus descendentes. A Festa do Kola San Jon é uma tradição oriunda das ilhas de Santo Antão, São Vicente e São Nicolau, que passou a ser celebrada no bairro português desde 1992. Trata-se de uma manifestação que envolve música, dança, palavra e artefactos, por meio dos quais os animadores recriam alguns aspectos da tradição cultural cabo-verdiana. Rui Simões, num registo sóbrio e próximo da respiração dos anti-heróis que dão corpo e voz ao documentário, leva-nos pelas memórias e estórias de gentes que vivem profundamente o Kola San Jon, alguns deles estando fora das suas ilhas natais há várias décadas. Assim, sob a comoção dos reencontros e regressos, verificamos como há nas raízes de um povo uma sabedoria ancestral, capaz de iluminar com um forte sorriso o lado mais negro de qualquer crise. O ciclo de cinema terminou com chave de ouro, degustando-se bafas e assistindo-se à exibição de “Cabo Verde 1937”, que constitui, provavelmente, o registo das primeiras e mais antigas filmagens que existem sobre esse arquipélago, realizadas pelo aventureiro Mario “Marty” Rose, de Massachusetts (Estados Unidos da América), quando visitou algumas ilhas a bordo de uma escuna, em 1937. Documentário mudo e privado, com cerca de duas horas de imagens que mostram como era “na temp de canequinha”, inclui ainda registos dos finais de 1930 levados a cabo na cidade de New Bedford (Massachusetts). Exibiu-se a versão com música adicionada por Ron Barboza, de New Bedford. E como sempre acontece com documentos antigos, a sessão terminou numa animada tertúlia que se prolongou noite dentro. Para levar a cabo esta iniciativa o Cine-Clube da Ilha Terceira contou com os apoios do Museu de Angra do Heroísmo, da Academia da Juventude e das Artes da Ilha Terceira e da Associação Cultural Burra de Milho e do parceiro digital One Great. O resultado final foi bastante positivo, mostrando que há muitos espaços para ciclos de cinema alternativo. C a r l o s B e s s a ( D i r e ç ã o d o CCIT )

cinema

história dos açores uma animação de Tiago Rosas

Tiago Rosas realizou um pequeno filme de animação com o título “História dos Açores”, na totalidade dois anos de labuta continuada e intensa. Tratase de uma curta-metragem de escassos dezoito minutos e onde podemos ver em desenho animado uma visão histórica das ilhas açorianas através dos tempos e diferentes épocas socioeconómicas. A voz da narração pertence a Zeca Medeiros que nos vai contando a cultura, as lendas, os mitos e as transformações ocorridas no arquipélago desde o povoamento até aos nossos dias. Saliente-se no entanto aqui a visão particular do autor do filme sobre a história do arquipélago – essencialmente o retrato que faz do período pós ciclo autonómico e onde é muito interessante e estimulante, tanto visual como narrativamente, conferindo deste modo um carácter e marca autoral à animação que é sempre salutar exercitar e manter. Esta produção pertence à Anfíbios Filmes, contando com os textos de Magda Furtado, sendo estes ditos de forma cuidada e atraente, não deixando por isso de ser rigorosos, o que seria até pedagógico e motivo de curiosidade para a divulgação deste trabalho junto das escolas e dos centros de formação bem como junto de todo o público interessado nesta visão peculiar sobre a História dos Açores. Fernando Nunes 10


teatro

as charlas do doutor mara “Futurofagia” foi o primeiro capítulo de “As Charlas Quotidianas do Doutor Mara” apresentado no palco da Travessa dos Artistas na noite de domingo, dia 3 de Fevereiro, com uma sala bem composta. O espaço da Travessa dos Artistas apresentou um cenário com apenas dois sofás para os dois actores intervenientes em palco: a actriz Judite Fernandes e o actor João Malaquias, com a ilustração de Luís Brum projectada na parede ao fundo. Cerca de cinquenta pessoas puderam assistir a este momento de teatro rápido – com uma duração de apenas doze minutos – e com a ideia de provocar digestão, reflexão e humor. A próxima charla a subir ao palco da Travessa é a “Metereopatia” e saliente-se, portanto, o que este “famoso charlatólogo” escreveu a propósito dessa “ciência” com cada vez mais adeptos em Portugal e nas Ilhas: “Foi sobretudo em dia de grande tempestade. Eu encontrava-me no norte do país a mostrar uma cidade do litoral a um encenador lisboeta, chovia imenso, e era impossível caminhar pelas ruas da cidade quando este me disse que aquele dia de chuva intensa era propício à leitura de romances russos... um dia assim seria para ler, deitado na cama, os romancistas russos, com Doistoievsky e Tolstoi à cabeça. Foi aí que pensei: “Há aqui uma mina de estudo para desenvolver”. A partir daquele momento, revi os meus conhecimentos básicos da psicologia moderna e atirei-me de galochas para o estudo da Metereopatia.” f e r n a n d o n u n e s

artes visuais

literatura

esta não foi podada nos açores

Vívia Cotovia, moradora cá da terra, desde nova auferia que belas asas havia de ter. Profeta, diriam alguns. Carnaval de 83, de anjo se mascarou e não obstante a proeza, da varanda se atirou.

Ric Heitzman

Micael Nunes

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MAH há 65 anos... e agora

A FAZER-SE EM MARÇO Museu no Feminino – Programa de celebração do Dia Internacional da Mulher Viajar pela Imagem – Fotografia de Margarida Quinteiro 8 de março, Sala do Capítulo, 15h00

Há 65 anos os Açores estavam divididos em três distritos, separados entre si pelo mar e, também, pela divisão administrativa. Cada um deles procurava a política cultural possível, na estreiteza das verbas e na dificuldade dos recursos humanos. Foi então que, por iniciativa do Instituto Histórico da Ilha Terceira e o ímpeto dinamizador de pessoas como Luís Ribeiro, Frederico Lopes, José Agostinho e outros, surgiu o Museu de Angra do Heroísmo, criado oficialmente em 30 de Março de 1949, pelo decreto-lei nº37 358, sob a égide da Junta Geral, tornando-se no primeiro e único museu criado pelo Estado, nos Açores, até ao 25 de Abril de 1974, quando passou para a tutela da Administração Regional Autónoma. A materialização do projeto foi assumida, de imediato, por Manuel C. Baptista de Lima, seu primeiro diretor, que o foi, aliás, até 1984, primeiro no Palácio Bettencourt, adaptado e ampliado para albergar Arquivo, Biblioteca e Museu Regional, e depois, a partir de 1969, no antigo convento de S. Francisco, transferindo para ali todo o acervo já constituído e permitindo maior independência de ação. A forte dinâmica imprimida por Baptista de Lima ao projeto de instalar e fazer progredir um verdadeiro Mouseion em Angra resultou no que hoje é o MAH, com notáveis coleções de militaria, transportes, pintura, imaginária, cerâmica, etnografia, mobiliário e artes decorativas, a par de acervos menos reconhecidos, mas não menos importantes, tais como, por exemplo, instrumentos técnicos e científicos, trajo civil e religioso, brinquedos e instrumentos musicais. Pode-se dizer, sem fugir à verdade, que é um museu de civilização, na variedade e multiplicidade dos seus acervos onde, de quase tudo existem exemplares. O sismo de 1 de Janeiro de 1980 danificou seriamente algumas zonas do antigo edifício conventual, ocasionando o encerramento parcial. A tragédia transformou-se, no entanto, em oportunidade já que motivou a reconstrução e efetiva adaptação do imóvel a um programa museológico. Em 1998 o Museu voltou, assim, a reabrir as portas, com nova roupagem e espaços, recuperando o seu lugar de protagonista e inspirador. Neste ano de 2014, o 65º aniversário do MAH é assinalado com a inauguração da Sala “Edifício de São Francisco – Memórias”, onde é recuperada a rica história de um edifício secular que acolheu já outras instituições como o Seminário Episcopal e o Liceu Nacional de Angra do Heroísmo. Francisco Maduro-Dias A “Casa das Musas” veio para ficar e continua a fazer-se!

Mostra de fotografias de Margarida Quinteiro, que documentam vivências de viagens ao Tibete, China e Namíbia Fotossensível – Workshop de fotografia Pin-Hole 15 de março, Serviço Educativo, 14h00/17h30 Neste ateliê objetos latas, caixas e outras embalagens são, com a ajuda de um alfinete, reutilizadas como máquinas fotográficas e as fotografias feitas com as mesmas reveladas com café e detergente de roupa. Formador: Pedro Horta Público-alvo: adultos, jovens e crianças a partir dos 6 anos Custo de inscrição: 5 € Parceria: Clube de Oficiais da Base Aérea 4 Café Teatro – Esta noite não há música, L.C., Sem Companhia – Grupo de Teatro Experimental 27 de março, Dia Mundial do Teatro Coro da Igreja de Nossa Senhora da Guia, 21h30 O preconceito e o julgamento da primeira aparência são os temas desta peça de teatro da autoria de Carlos Alberto Machado, interpretada por Luís Carvalho, numa parceria com o Grupo de Teatro A Sala. A dramatização e a encenação foram realizadas conjuntamente pelo ator e pelo dramaturgo. Inauguração da exposição Álvaro Cunhal | Vida, Pensamento e Luta 28 de março, Sala Dacosta, 18h00 Exemplo que se Projeta na Atualidade e no Futuro. O Museu Faz Anos! – 65.º aniversário da fundação do Museu de Angra do Heroísmo 30 de mar, 15h00 Sessão inaugural da Sala Edifício de S. Francisco, Memórias A tia Jerónima visita o Museu… visita orientada à Sala Schneider-Canet, Reserva Visitável de Transportes de Tração Animal dos Séculos XVIII e XIX e exposição Do Mar e da Terra… uma história no Atlântico.

levantar do chão objectos pela cidade

ANA ALVES

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ambiente

haverá lugar para o empreendedorismo agrário no faial? Na nossa terra

O empreendedorismo promove o desenvolvimento económico e melhora as condições de vida das populações através da criação de emprego. A promoção e o estímulo ao empreendedorismo deverão fazer parte dos planos de qualquer região, município ou mesmo empresa. Nos Açores existem felizmente alguns apoios focados no empreendedor, a maioria atribuídos diretamente sob a forma de incentivos não reembolsáveis. No entanto, alguns destes apoios continuam a pecar pela excessiva carga burocrática; as entidades com competência na análise e condução destes processos têm dificuldade em dar resposta aos promotores em tempo útil, esquecendo-se que todo o projeto tem uma “data de validade”, uma oportunidade de negócio hoje poderá já não o ser amanhã! Alguns destes sistemas de incentivos revelam ainda falta de visão, sendo demasiado conservadores e restritivos. Recordo-me por exemplo dos prémios atribuídos pelo PRORURAL à instalação de jovens agricultores e que definem no âmbito de regulamento próprio Agricultor a Título Principal (ATP) como sendo aquele que deverá afetar pelo menos 50% do seu tempo à atividade agrícola e deverá obter pelo menos 50% dos seus rendimentos dessa mesma atividade. É imperativo que se perceba de uma vez por todas que os prémios atribuídos a primeiras instalações irão na maioria dos casos ser utilizados para colmatar a falta de capital próprio necessário para pôr o projeto em marcha e não para ultrapassar a total ausência de rendimentos que carateriza determinados projetos agrícolas nos primeiros 2 a 3 anos, nomeadamente os florícolas e frutícolas. Assim sendo, e não se podendo justificar rendimentos extra atividade agrícola devido à ausência dos mesmos na própria atividade, porque é que se insiste no conceito de ATP tal como está definido? Porque é que não se dá espaço de manobra aos promotores deste tipo de projetos para poderem exercer complementarmente outras atividades desde que ponham em prática o plano de negócios tal como definido na candidatura? Aumentem as vistorias, as inspeções, as auditorias… mas não impeçam o empreendedor de poder exercer mais de uma atividade ao mesmo tempo! Estamos uma vez mais a nivelar as coisas por baixo! Há quem queira e tenha a capacidade de estar envolvido em vários projetos em simultâneo! Ser empreendedor agrícola é lutar ainda por um espaço onde possamos levar a cabo o nosso projeto. É demasiado frustrante quando passamos meses a tentar adquirir um prédio rústico e no final perdemo-lo para um confrontante com direito legal de preferência, sem qualquer hipótese de reivindicação! Deveriam ser criados regimes de exceção que permitissem dar oportunidade a quem não é detentor de terra e quer iniciarse neste setor, o poder fazer pelo menos em pé de igualdade com os restantes intervenientes! O acesso à água para rega é outro obstáculo ao desenvolvimento do setor hortofrutícola e florícola. Construir reservatórios para captação de água da chuva em terrenos emprestados ou arrendados não é o mais aliciante dos investimentos. Resta-nos muitas vezes ligar à rede de abastecimento e pagar valores completamente proibitivos por m3 de água. O nosso Município deveria rever este valor rapidamente como forma de estimular a atividade. Não podemos ter produtos locais baratos se os fatores de produção são estupidamente elevados e muitas vezes incontornáveis! Quero acreditar que há lugar ao empreendedorismo agrário na nossa ilha, mas o empreendedor terá de ser escutado e acarinhado de modo a que estes projetos se tornem em mais-valias para o Faial. Sem produção não há transformação nem serviços! As micro, pequenas e médias empresas são os principais empregadores do nosso país. Que venham mais e melhores! p o m a r d o at l â n t i c o

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Os sistemas de incentivos revelam ainda falta de visão, sendo demasiado conservadores e restritivos.


literatura

montra de ler Rozana Dabney ANAIS DA FAMÍLIA DABNEY NO FAIAL

Cristina Brito A VIAGEM SEGUINTE

Edição: IAC-Instituto Açoriano de Cultura e Núcleo Cultural da Horta, tradução de João

Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, colecção mundos, 2014 (56 páginas)

C. S. Duarte, com assessoria de Ricardo Madruga da Costa. 1º vol: 2004, 572 páginas; 2º col: 2005. 576 páginas; 3º vol: 2006. 652 páginas. Contém índice analítico dos 3 volumes.

Trata-se de uma obra que aborda cerca de três quartos da vida desta família norte-americana na ilha do Faial – aspectos anteriores à sua fixação no Faial em 1806, até 1871, ano da morte de Charles William Dabney, o “patriarca” do “clã”. É, ao mesmo tempo, um valiosíssimo documento para se conhecer melhor a vida da ilha, do arquipélago, do país e mesmo da área atlântica. Constituída essencialmente por documentação epistolar, paciente e dedicadamente recolhida e transcrita por Roxana Dabney, é uma obra onde “se percebe, com maior amplitude, o pulsar do Atlântico e os seus ritmos, entretecendo o pano de fundo da realidade mais vasta em que os Açores se acham mergulhados” – argumenta Madruga da Costa na sua esclarecedora “Nota Introdutória”. c ARLOS ALBERTO MACHADO Dias de Melo PEDRAS NEGRAS

Cristina Brito é investigadora, mestre e doutorada, escritora e mãe, sobretudo viaja por si própria e nos espaços por onde tem andado a desejar A viagem seguinte. Neste seu livro navega pelo mar “o princípio de tudo” com diversas escalas pela África insular de São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, em tempos e circunstâncias diversas, desenhando um gráfico descontínuo de emoções e pensamentos telúricos (por certo uma bióloga agarra-se à matéria que a envolve), frequentemente poéticos, pois que “a sua ligação visceral ao mundo verde, ao mar azul e ao soco insuportável de calor húmido e animal” proporcionalhe o ambiente adequado à singular e original forma como se exprime. Enquanto a Cristina, entre Lisboa e São Tomé, sentada “numa esplanada a olhar o rio”, terminou este livro e se “prepara para a viagem seguinte”, também nós, nas margens do Tejo, ouvimos “as vozes familiares de todos os antepassados que já tivemos”. c ARLOS ALBERTO MACHADO

Edição: Ver Açor, Ponta Delgada, 2008 (4ª edição), 168 páginas.

A propósito do romance Pedras Negras, de Dias de Melo, poderíamos salientar o seu indiscutível valor documental, enquanto depositário renovado de usos e costumes locais, dados históricos ou testemunhos da vida baleeira. No entanto, aquilo que marca o leitor é a dimensão universal que a obra consegue atingir, dimensão essa reiterada, página após página, através do estilo incisivo e vigoroso do autor – nem predescrições ociosas, nem figuras de estilo acessórias, nem paragens perdidas no ritmado passar dos quase cinquenta anos que abrange a acção. Apenas, tal como a ilha de lava ensina às suas gentes, o essencial que constitui um homem, neste caso Francisco Marroco, o protagonista. c ARLOS A . m ACHADO

Célia Barreto Carvalho Suzana Nunes Caldeira Pedro Almeida Maia Ana Correia OS VENCEDORES DO MEDO Edição: Letras Lavadas, Lisboa, 2014

Herman Melville MOBY DICK Edição: Relógio d’Água, Lisboa. Tradução Alfredo Margarido e Daniel Gonçalves, 2005 (1851), 616 páginas.

Há quem não tenha lido esta obra-prima da literatura universal? Ou, pelo menos, quem nunca tenha ouvido falar dela? Na (salutar) dúvida, atrevamo-nos a sugerir a sua (re)leitura. Moby Dick, na ideia e nas palavras de Melville é (foi) uma enorme e terrível baleia branca. O seu romance (do século XIX) incluiu um bravo capitão, Ahab, que, depois de ter perdido uma perna no confronto com o gigante dos mares, resolveu dar-lhe impiedosa perseguição, no seu navio Pequod – este é apenas um (im)possível resumo, porque Moby Dick, o livro, é também um pioneiro tratado de cetologia, uma reflexão filosófica sobre a condição humana, uma enorme epopeia da literatura mundial de todos os tempos, e… tantas outra coisas que, tal como o gigantesco cetáceo, generosamente pode acolher… Herman Melville nasceu em Nova Iorque, em 1819. Quando morreu na mesma cidade em 1891, teve, como o nosso Pessoa umas quatro décadas mais tarde, apenas direito a uma breve nota necrológica nos jornais. O reconhecimento, só a sua obra a teve, o homem não. O cinema, muito mais tarde, rendeu-lhe homenagem: John Huston, 1956; Orson Welles deixou um projecto inacabado (Moby Dick Rehearsed) e os celebrados Hanna and Barbera realizaram a série de animação Moby Dick and the Mighty Mightor (1967). Outras obras de Melville que somos tentados a deixar no esquecimento: Typee (1846), Omoo (1847), Redburn (1849), White-Jacked (1850), Pierre or the Ambiguities (1852), The Confidence Man (1857) e o póstumo Billy Budd, publicado em 1924. c ARLOS ALBERTO MACHADO 14

A coleção Vamos Sentir com o Necas é um projeto fundamentado na Psicologia que trabalha as emoções nas crianças como forma de favorecer a auto estima, fomentar a sã convivência e facilitar o sucesso escolar.
 Em cada livro, o leitor, seja a criança ou o educador, pai/mãe ou professor, irá encontrar uma história atrativa, em que os protagonistas são um grupo de crianças e o seu amigo especial, o golfinho Necas. Cada história é seguida de uma secção interativa de estratégias que correspondem a um conjunto de ferramentas simplificadas para ajudar a criança a lidar com as suas emoções e, assim, sair-se melhor no dia-a-dia, quer seja na escola, em casa ou com os amigos.
 As crianças das histórias — o António, a Rita, a Luana, a Maria, o Li e a Mariana — têm os mesmos receios e apreensões, sofrem as mesmas dúvidas e inquietações, têm as mesmas surpresas e alegrias das crianças dos nossos dias. O golfinho Necas faz a identificação das emoções e ensina aos amigos, numa linguagem simples e direta, a função que estas têm na nossa sobrevivência e a forma de as utilizar na promoção do bem-estar. Deste modo, o Necas ajuda-os a compreenderem o turbilhão interior que os move e como podem usar essa energia de forma positiva e saudável.
 Dotar os mais novos dos requisitos necessários à compreensão de si mesmos, e de si na relação com os outros, é um primeiro passo de enorme importância que contribuirá para um crescimento mais equilibrado e para o sucesso na vida. Ana correia


conto

cabeça de

aventuras de ezequiel malaquias no paraíso

rebus Jogo enigmático em que letras e imagens são usados para formar uma nova palavra ou frase. Os algarismos entre parêntesis indicam quantas palavras compõem o enigma e o número de letras de cada uma. As letras fornecidas devem ser compostas com o nome das imagens para formar novas palavras. Deve ser lido da esquerda para a direita.

(continuação do número anterior) Pelas 12 horas de um dia outonal, corria o ano da graça de 2013, na ilha do Pico, grupo central do Arquipélago dos Açores, o catedrático jubilado Professor Doutor Ezequiel Malaquias, especialista mundial em paraísos de toda a espécie, 64 anos de idade, celibatário, não aterrava, como era suposto por horários da SATA e previsto pela meteorologia. Ezequiel Malaquias tinha saída pelas 9 horas e trinta da manhã de Lisboa com destino ao aeroporto da Horta, ilha do Faial, cidade de onde seguiria depois, por barco, para a ilha do Pico, separada da primeira pelo canal celebrado por Vitorino Nemésio – o do mau tempo. O avião, já com a ilha do Faial à vista, fez duas tentativas de aproximação e aterragem, mas estava vento com velocidades acima das normas de segurança e, além disso, chovia, e a pista estava alagada, como se diz por estas ilhas açorianas. A alternativa era seguir para a ilha do Pico, cuja proximidade e supostas melhores condições técnicas permitiriam a aterragem em segurança. Assim fizeram. E, na verdade, conseguiram aterrar. Antes disso, no ar, o avião andou aos tombos, levado pela força do vento forte que mudava constantemente de direcção. Para os passageiros habituados e sem medo, nada de especial. Para os novatos e medrosos, foi um pesadelo. Para Malaquias foi pacífica a viagem. Apenas inquiriu, por duas ou três vezes, a assistente de bordo se o voo ainda demorava muito, “estou com pressa de chegar ao paraíso”, dizia, e ria-se muito alto, despertando tanto a curiosidade como a fúria dos restantes passageiros, em especial a do seu parceiro de poltrona, autarca natural das Lajes do Pico, que não parou de rezar à Senhora de Lurdes. Saídos da aeronave, fizeram os cem metros que a separava da gare, sob uma chuva abundante e fria, com dois assistentes de terra a serem levados pelo vento com os seus chapéus-de-chuva que tinham como função proteger os passageiros. Entre risos nervosos e protestos, seguia, de olhar límpido e curioso, o nosso catedrático Malaquias, absolutamente convencido de pisar terreno de deuses. Minutos depois, começou a espera da bagagem. A dele era equivalente ao total da dos outros passageiros e pela qual pagou uma pequena fortuna de excesso de bagagem. Esteve, aliás, para não conseguir embarcar, pois a SATA colocou-lhe sérias reservas, ou proibições, melhor dizendo, que apenas foram ultrapassadas recorrendo a um telefonema para a Casa Militar da Presidência da República, onde o ilustre catedrático tinhas conhecimentos e créditos. O Chefe da dita Casa ainda, timidamente, perguntou “Senhor Professor, desculpe a pergunta, mas tem mesmo necessidade de viajar com tanta bagagem?” “Pois claro, senhor Coronel, se vou escrever vários livros, como poderei fazê-lo sem livros? Fique sabendo que levo parte considerável da minha biblioteca, além de inúmera documentação!” E lá veio o Airbus A320, baptizado Natália Correia, com três quartos do porão preenchidos com a erudição do especialista em paraísos. Ao fim de uma hora de espera, quando só Ezequiel Malaquias permanecia junto à passadeira rolante, o chefe de assistência em terra do aeroporto do Pico, veio, aflito, comunicar-lhe que, infelizmente, os seus contentores pessoais tinham ficado retidos em Lisboa, “peço imensa, imensa desculpa, tudo faremos para…” “O quê?!”, interrompe Malaquias o homenzinho, “mas que raio de inferno vem a ser este?”

Neste número introduzimos uma variante do REBUS: quando uma letra surge entre parêntesis deve ser subtraída/eliminada da palavra da imagem correspondente.

LETRAS d o r e b u s ( 8 + 5 + 1 + 1 1 ) solução no próximo número

(a) ler da esquerda para a direita e de cima para baixo

solução do último rebus LETRAS d o r e b u s ( 3 + 6 + 5 )

(continua) c ARLOS ALBERTO MACHADO

solução: uma camisa limpa 3

15

6

5


açores

charlie chaplin

90 3 o banco pariu um rato 4 lulu monde 4 vânia dilac cantora ou diva 5 geni e o zepelim 6 trepa paredes 7 a internacionalização da arte 8 ilustrando as espécies marinhas dos açores 9 quantas espécies marinhas há nos açores 9 espécies, espécies e mais espécies 10 ciclo de cinema cabo-verdiano 11 as charlas quotidianas do doutor mara 11 esta não foi podada nos açores 11 uma história ao calhas 12 mah, há 65 anos... e agora 12 levantar do chão 13 haverá lugar para o empreendedorismo agrário

inês ribeiro

14 montra de ler 15 aventuras de ezequiel malaquias

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