Minas Faz Ciência 48

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Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Antonio Augusto Junho Anastasia SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Mario Neto Borges diretor de Ciência, tecnologia e inovação: José Policarpo G. de Abreu diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, Giana Marcellini, José Luiz Resende Pereira, Magno Antônio Patto Ramalho, Paulo César Gonçalves de Almeida, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Rodrigo Corrêa de Oliveira

patrimônio a preservar Bens imateriais, como a literatura, ajudam a formar o patrimônio cultural e histórico de um povo, e são de interesse permanente para a constituição de sua identidade. O Acervo de Escritores Mineiros, tema da reportagem que abre esta edição, é um desses espaços de preservação da memória, de alto valor simbólico. Em Belo Horizonte, onde está localizado, essa iniciativa ganha ainda mais relevância, ao se considerar que a capital mineira, desde sua fundação, em 1897, tem demonstrado ligação intensa com as letras. Considerado um centro de pesquisa sobre a memória literária e cultural, despertando o interesse até mesmo de outros países da América Latina, o Acervo conta atualmente com 11 coleções de escritores, reunindo documentos, objetos, livros autografados e outros itens. Dezenas de pesquisas desenvolvidas no Acervo de Escritores Mineiros resultaram em monografias, dissertações e, teses acadêmicas e em outros tipos de trabalhos críticos, que permitem conhecer melhor nossa literatura e cultura, nossos autores e suas obras. Outra reportagem deste número destaca o trabalho de dois vencedores do Prêmio Jovem Cientista de 2011, sendo que ambos desenvolveram suas pesquisas em instituições do Estado. Uende Aparecida Figueiredo Gomes, da Universidade Federal de Minas Gerais, e Kaiodê Leonardo Biague, do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, ganharam nas categorias Graduado e Ensino Superior, com propostas dentro do tema Cidades Sustentáveis, um assunto em pauta na comunidade científica. Merece menção, também, o texto que se concentra no projeto “Atlas Toponímico do Estado de Minas Gerais”, que, desde 2005, se dedica à investigação da origem dos nomes dos 853 municípios do Estado, bem como pontes, rios, córregos, fazendas ou povoados mineiros, de modo a eternizar histórias de valor inestimável. Até o momento, a iniciativa rendeu a catalogação crítica de aproximadamente 85 mil nomes próprios de lugares, os chamados “topônimos”. Não se pode deixar de registrar o estudo desenvolvido em parceria por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata mineira, e da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em Portugal, que propõe a utilização de submarino em água doce, exclusivamente para inspeção de barragens e fundos de lagos e represas. O veículo subaquático autônomo se orienta e desenvolve o trabalho automaticamente. O objetivo do veículo desenvolvido no interior de Minas é fazer a supervisão completa do reservatório das hidroelétricas, tanto das barragens quanto do assoreamento dos reservatórios, com maior precisão e a menor custo. Só no Estado de Minas Gerais, por exemplo, existem 720 barragens. Ao publicizar esses espaços, projetos e pesquisas científicas, nos damos conta da importância da divulgação científica. Neste início de século, com a avalanche de novidades tecnológicas, iniciativas inovadoras e estudos que buscam avançar o conhecimento nas mais diversas áreas, é cada vez mais relevante o papel daqueles que procuram organizar e, ao mesmo tempo, dar sentido a informações relacionadas com esses fatos. Nosso entrevistado, Atila Iamarino, um dos coordenadores do ScienceBlogs Brasil (a versão nacional do maior condomínio de blogs de Ciência do mundo), fala, entre outros assuntos, dos desafios para quem trabalha com divulgação científica no país.

ao lEI to r

EX p ED I EN t E

MINAS FAZ CIÊNCIA Assessora de Comunicação Social e editora Geral: Ariadne Lima (MG09211/JP) editor executivo: Fabrício Marques Assessora editorial: Vanessa Fagundes redação: Ariadne Lima, Fabrício Marques, Vanessa Fagundes, Juliana Saragá, Maurício Guilherme Silva Jr., Ana Flávia de Oliveira, Marcus Vinicius dos Santos, Hely Costa Jr., Kátia Brito (Bolsista de Iniciação Científica). diagramação: Beto Paixão revisão: Glísia Rejane Projeto gráfico: Hely Costa Jr. editoração: Fazenda Comunicação & Marketing Montagem e impressão: Lastro Editora tiragem: 20.000 exemplares Capa: Hely Costa Jr.


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Acervo de Escritores Mineiros reúne coleções, objetos e trabalhos de escritores mineiros de expressão nacional, como Murilo Rubião e Fernando Sabino

Pessegueiro

O melhoramento genético do Prunus persica para regiões subtropicais é o objetivo de pesquisadores da UFV

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Português para engenheiros

Para além dos números, pesos e medidas, pesquisadoras defendem a importância de disciplinas de escrita e leitura nos cursos de engenharia

Plantas Medicinais

Da terra para as prateleiras: pesquisa ensina comunidades de Viçosa a utilizar corretamente as propriedades medicinais das plantas

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Trilhas do Cipó

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identidade

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LEMBRA DESSA?

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Leituras

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5 perguntas para...

Entrevista

Atila Iamarino, um dos criadores do Science Blogs Brasil, fala sobre o projeto, a interação com os internautas e os desafios para quem trabalha com divulgação científica no País

Identidade revelada

Pesquisa investiga a origem e a evolução dos nomes de municípios, morros, rios e diversos lugares das Minas Gerais

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Especial

Estudo aponta os efeitos do ecoturismo sobre o solo e a vegetação da trilha da cachoeira da Farofa, principal atrativo turístico do Parque Nacional da Serra do Cipó

Núcleo de Direitos Humanos da UFMG desenvolve pesquisas que caracterizam a identidade LGBT mineira e a violência contra este grupo no Estado

Grupo da UFV amplia estudos de preservação da onça parda, inserindo novos animais felinos como a jaguatirica

Ergoberço

Protótipo de berço, diferente dos que são oferecidos no mercado moveleiro, oferece conforto e segurança para bebês e pais

Ciência de cabeceira: “História das Plantas mais notáveis do Brasil e do Paraguai” e “Crítica e coleção”

Denise Eler, uma das precursoras da metodologia do Design Thinking no Brasil

Juventude de futuro

Conheça as pesquisas e os jovens mineiros que venceram o prêmio Jovem Cientista nas categorias Estudante de Ensino Superior e Graduado


Quero parabenizar a equipe responsável pelo projeto Minas Faz Ciência, recebo a revista em minha residência e utilizo muitas matérias em minhas aulas de Matemática. Sou criador do blog Matemática Crítica: http://www.matematicacritica.blogspot.com, no qual também tenho escrito matérias com subsídios da Revista Minas Faz Ciência. Obti ótimos resultados em minhas aulas ao aproximar a Ciência que se faz de verdade nas universidades, com a Matemática Escolar (dentro de minhas limitações, claro). Isso só é possível devido à distribuição gratuita da revista, já que não seria justo, embora muitas vezes o façamos, pagar do próprio bolso para lecionar. Mais uma vez, parabéns e muito obrigado pela colaboração. Maurício P.M. Fernandes Professor / Colégio Objetivo São Paulo (SP)

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Submarino de água doce

Cientistas mineiros e portugueses criam veículo para investigação de barragens brasileiras

Esta entrevista [“Inovação que vai além da tecnologia”] mostra com clareza que não importa o setor de atuação, inovar tem a ver com fazer o que o cliente realmente deseja, ainda que ele não saiba (o que acontece na maioria das vezes). E o ambiente não pode ser usado como desculpa para não inovar. Inovar tem a ver exa-

É com prazer e satisfação que recebo a revista Minas Faz Ciência, agora com novo e agradável projeto editorial e gráfico. Como jornalista, e também pesquisador, destaco as matérias interessantes e que ajudam a fazer, a importante e necessária, ponte entre o que é produzido no meio acadêmico e os leitores de diversificados campos de atuação. Na edição de número 47, além de matérias como “Aids, 30 anos: um desafio permanente” e “Código que rompe amarras”, destaco as seções “Leituras”, com dicas de lançamento de livros, e “Varal”, com a bela imagem trabalhada por Marcelo Kraiser, professor da Escola de Belas Artes da UFMG. Parabéns. Fernando Albuquerque Miranda Jornalista e doutorando em Letras Universidade Federal de Juiz de Fora Juiz de Fora (MG) Muito bacana a revista. Destaco a matéria sobre a Aids. Informativa, com muitos dados, números e de leitura fácil. Parabéns! Cida Santana Jornalista Montes Claros (MG) Brilhante a reportagem: “Código que rompe amarras”, desta célebre revista! Já temos provado que ideias e ideais (perdão pelo trocadilho) nossos pesquisadores têm de sobra. Faltam políticas públicas para tornarem possíveis tantos sonhos, uma vez que nossos jovens talentos são “garimpados” por grandes empresas internacionais. Basta! Deixem o ouro do Brasil no Brasil. Fernanda Prado Dentista Manhuaçu (MG)

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/ empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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C ARTAS

tamente com o fato de transformar o ambiente ao nosso redor, utilizando as ferramentas que estão à nossa disposição. Além de tudo isso, tão importante quanto ter uma boa ideia, é saber vender esta ideia para quem irá comprá-la. Sarah de Castro (Publicado no blog http://fapemig.wordpress.com)


cultura

Acervo de Escritores Mineiros guarda documentos, coleções e objetos de autores de destaque na história literária e cultural de Minas e do País Fabrício Marques

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Inaugurada oficialmente em 12 de dezembro de 1897, a capital mineira foi, desde então, cenário e personagem de escritores de variadas tendências e gerações. “Raríssimas cidades, como Belo Horizonte” - observa Angelo Oswaldo de Araújo Santos, no livro Praça Sete -, “ambientam construções literárias e poéticas desde a sua fundação”. Essa forte ligação com a literatura é uma característica especial da cidade, que abrigou, ao longo da história, nomes como Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Darcy Ribeiro. Para preservar essa memória, verdadeiro patrimônio cultural, foi criado o Acervo de Escritores Mineiros (AEM). Tudo teve início em agosto de 1989, quando a família de Henriqueta Lisboa doou à Faculdade de Letras (Fale) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) os fundos documentais da escritora. A eles se juntaram os acervos de Murilo Rubião, Oswaldo França Júnior, Abgar Renault e Cyro dos Anjos.

Em 20 de outubro de 2011, o AEM foi reinaugurado, recebendo mais seis acervos, dos escritores Carlos Herculano Lopes, Fernando Sabino, José Maria Cançado, Lúcia Machado de Almeida, Octavio Dias Leite e Wander Piroli. As 11 coleções são administradas pelo Centro de Estudos Literários e Culturais, um órgão complementar da Fale. “Em termos práticos, a principal importância do AEM consiste em ser um centro de pesquisa sobre a memória literária e cultural, não só de Minas, como também do Brasil e mesmo da América Latina”, pontua o diretor do Centro, Reinaldo Martiniano Marques. O diretor observa que o Acervo se insere num esforço das Universidades, especialmente nas áreas das Ciências Humanas e Sociais, de montagem de centros de memória e de documentação que permitam alavancar pesquisas e produção de conhecimento nesses domínios. “Com isso, espera-se que inúmeras pesquisas


Foto: Foca Lisboa

desenvolvidas no AEM redundem em monografias, dissertações e teses acadêmicas, e também em outros tipos de trabalho crítico, que nos permitam conhecer melhor nossa literatura e cultura, nossos autores e suas obras”, completa. Quanto aos critérios para se aceitar o acervo de um escritor, são relacionados, de maneira geral, tanto à importância do escritor para as letras de Minas e do Brasil, quanto à relevância do arquivo a ser doado. O ideal é receber o acervo do escritor integralmente, com sua biblioteca, arquivos documentais, coleções de objetos pessoais e de obras de arte. Para as pesquisas com fontes primárias da literatura importam sobretudo os originais dos textos, as edições de suas obras, a correspondência com outros escritores e críticos, as entrevistas, por se constituírem em material fundamental para as críticas genética e textual. Documentos e objetos pessoais, obras de arte, entrevistas, entre outras coisas, contribuem para trabalhos de crítica biográfica. Recortes de jornais e artigos sobre sua obra fornecem elementos para estudos de recepção crítica. “Todavia, quando não se trata de doação do acervo integral, também podemos receber fundos parciais de documentos de um titular, que designamos como uma ‘coleção especial’. Mas, essa questão dos critérios está vinculada à implementação de uma política de acervos dentro das Universidades, o que está por se fazer ainda em muitas delas”, afirma Reinaldo Marques. É importante entender como funciona o contato do público com o Acervo. Todos os documentos encontrados no AEM – livros, manuscritos/datiloscritos das obras,

Acervo de Fernando Sabino: bateria do escritor (à esq.), que era baterista amador e apaixonado por jazz

cartas, obras de arte, objetos pessoais etc. – enquadram-se de maneira geral sob a rubrica de “obras raras”, explica o diretor. Alguns desses documentos estão em precário estado de conservação e demandam cuidados de restauração. Trata-se, afinal, de exemplares únicos e raros, pertecentes a um determinado escritor – um livro, uma carta por exemplo. Dessa maneira, na biblioteca, não se empresta os livros dos escritores e nem seus documentos. Só podem ser acessados e manuseados no próprio AEM. Para tanto, o pesquisador, por telefone ou presencial, deve agendar um horário de visita. “Aqui no Acervo há uma sala especialmente preparada para o trabalho dos pesquisadores visitantes. A política é a de facilitar ao máximo o acesso do pesquisador aos documentos, permitindo-se, inclusive,

os que possam ser escaneados, fotografados ou xerocados, dependendo do estado de conservação de cada documento”, ressalta Reinaldo. Do ponto de vista da conservação e preservação do documento, o ideal é que não seja manuseado, ou manuseado o mínimo possível. “Daí que se torna premente o trabalho de digitalização desses fundos documentais, viabilizando-se seu acesso virtualmente”. Cabe destacar, ainda, que o Acervo recebe apoio da FAPEMIG por meio de bolsas de Iniciação Científica e auxílio a eventos.

Novos acervos

Em relação aos novos acervos, foi providenciado inicialmente um registro dos itens de cada acervo do escritor (livros, documentos, objetos etc.), para efeito de se formalizar a doação; acondicionamen-

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sabe bem o significado de estar ao lado de nomes como Cyro dos Anjos, Murilo Rubião e Fernando Sabino: “Ser o primeiro escritor vivo a integrar o Acervo para mim é uma alegria e uma honra. Além do mais, estou entre amigos. Tive intensa convivência ao longo da vida, por exemplo, com Adão Ventura, Oswaldo França Júnior, Murilo Rubião, José Maria Cançado, Wander Piroli. Fiz diversas viagens Brasil afora com Fernando Sabino, participando de eventos literários”. Quando adolescente, estudando no Colégio Arnaldo, conheceu Henriqueta Lisboa. Quando ganhou seu primeiro prêmio literário, o Cidade de Belo Horizonte, com o livro de contos Memórias da Sede, conheceu Lúcia Machado de Almeida, que tinha participado do júri. Esteve na casa dela, conversaram muito. “Li praticamente todos os livros destes autores, e também dos outros, que não cheguei a conhecer, como Cyro dos Anjos e Abgard Renault”. Carlos conta que a ideia de doar seu acervo surgiu há uns quatro anos, durante uma visita que fez à instituição, como repórter do Estado de Minas. Entusiasmado com o carinho, com o respeito com que os acervos doados eram tratados, iniciou conversações com o professor Wander Melo Miranda, no sentido de

também doar o seu, reunidos ao longo dos últimos 35 anos. A ideia foi ganhando corpo, e no início do ano passado acabou se concretizando, com a entrega de centenas de livros, documentos pessoais, fotografias, filmes e cartas. “De certa forma eu tinha tudo razoavelmente organizado, portanto, não tive de me adequar a nenhum modelo. Até porque, não existe nenhuma exigência a este respeito. O que fiz foi reunir tudo, ter coragem para me desprender daquele material reunido ao longo de uma vida”. Os livros, por exemplo, foram divididos, em caixas separadas, por gêneros: conto, poesia, romance, história. Ao todo, doou aproximadamente dois mil volumes. “Mas ainda existe mais material aqui em casa, que no decorrer deste ano também irei entregar”, diz. O escritor considera que tudo o que doou é muito importante: são dezenas de cartas trocadas com autores de todas as partes do Brasil, livros autografados, entrevistas que concedeu a canais de televisão, copias dos filmes que fizeram sobre seus livros, entre outras coisas. “Boa parte da minha vida está hoje no Acervo”. O escritor comenta que, em sua casa, os livros ficavam em um quarto ou espalhados pela casa, razoavelmente bem cuidados. Mas reconhece que no Acervo, com certeza, Fotos: Foca Lisboa

to dos documentos em pastas adequadas e protegidos por papel neutro; tratamento museográfico de alguns desses itens. Reinaldo explica: “Somente com pesquisas e um tratamento arquivístico e biblioteconômico poderemos ter uma noção mais clara da riqueza desses acervos”. Mas, de imediato, chama a atenção a existência de textos inéditos dos autores: a primeira narrativa, intitulada “O estilingue”, de Carlos Herculano Lopes; um livro sobre jazz, escrito por Adão Ventura; um livro de poesia de José Maria Cançado. Destacam-se também o piano de Lúcia Machado de Almeida, um Pleyel do princípio do século XX, e a bateria do Fernando Sabino, instrumentos que demonstram as afinidades dos escritores com outras artes, no caso a música. Ainda no acervo de Fernando Sabino, há um exemplar da primeira edição de O encontro marcado toda anotada por Rosário Fusco, escritor ligado ao grupo Verde de Cataguases, dentro do modernismo mineiro. Não há uma página do livro que não esteja toda rasurada e marcada, com comentários quanto ao estilo de Sabino, sugestões de cortes, trocas de palavras etc. Material de primeira para trabalhos de crítica textual e de edição crítica. Carlos Herculano Lopes, único escritor vivo que integra o AEM,

Detalhe do acervo do escritor, advogado e jornalista Octavio Dias Leite

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Mobiliário inclui piano e cadeira de balanço, entre outros objetos, no acervo de Henriqueta Lisboa


estão muito melhor. Nesse contexto, o que mais pesou para doar o acervo, nesse momento, “foi o carinho, o zelo e o respeito com que a UFMG trata os acervos que já foram doados. Poucas vezes na vida tenho visto uma coisa tão bacana”. No dia da inauguração Carlos fez um discurso emocionado e emocionante. “Não preparei aquele discurso, não pensei nada antes. Falei de improviso, disse o que me vinha ao coração. Falei com emoção. Foi só isto. O que mais me marcou naquele momento foi saber que, se eu morrer de uma hora para outra, o que está sujeito a acontecer a qualquer um de nós, minha memória estará lá, muito bem preservada. E isto para mim já é uma glória. Até porque o meu sonho, que não chegou a ser realizado, era o de estudar na UFMG”. Como teve intensa convivência com vários dos autores que hoje fazem parte do Acervo, Carlos coleciona muitas histórias com eles. Uma que gosta de lembrar é sobre Murilo Rubião: “Uma vez estávamos no Bar Pelicano, no Edifício Malleta, ele, Bartolomeu Campos Queirós e eu, ainda um candidato a escritor. Em determinado momento Bartolomeu disse a Murilo: ‘Estou querendo parar de fumar’. Ao que Murilo, olhando-o por cima dos óculos respondeu, de pronto: ‘Será que a vida merece isto?’”.

o que resta nos arquivos literários?

No livro Crítica e coleção (Editora UFMG, 2011), organizado pelos professores Eneida Maria de Souza e Wander Melo Miranda (leia resenha na págna 48), Reinaldo Martiniano Marques procura responder a seguinte questão: – O que resta nos arquivos literários? – De acordo com Marques, o artigo reflete sua preocupação atual em termos da pesquisa sobre arquivos literários, centrada na questão dos restos dos arquivos dos escritores, dos resíduos culturais. Segundo o pesquisador, apreender os desdobramentos dessa questão implica, de um lado, ter presente que o acervo de um escritor normalmente é uma mescla de biblioteca, arquivo e museu, uma vez que nele encontramos livros e periódicos, documentos relacionados a sua produção intelectual (originais manuscritos, datiloscritos ou digitados de suas obras), documentos pessoais, fotografias, correspondência passiva e às vezes ativa, objetos pessoais, coleções de obras de arte, de artesanato etc. De outro, carece estar ciente também da complexa tarefa de tratamento, organização e conservação desse acervo, a fim de disponibilizá-lo à pesquisa, marcada por um diálogo entre diversos saberes: arquivologia, biblioteconomia, museologia, por exemplo, a par dos saberes vinculados ao campo dos estudos literários, históricos e culturais. Nesse sentido, do ponto de vista arquivístico, importa classificar os documentos ordenando-os em um arranjo, numa ordem que facilite sua descrição e localização. “Nesse empreendimento somos muitas vezes atacados de um furor taxonômico. Classificar um acervo significa nomear, listar, ordenar, hierarquizar sua massa documental a fim de inventariá-la. Impor-lhe uma lei, uma ordem racional”, completa. “Nesse processo é que nos deparamos muitas vezes com os restos dos arquivos dos escritores”, diz. O diretor do AEM afirma que, a partir do trabalho junto ao Acervo de Escritores Mineiros, o que resta nos arquivos literários constitui um material bastante heterogêneo: instrumentos musicais (um piano, uma bateria); coleções: de miniaturas de instrumentos musicais, de

cachimbos, de peças de artesanato; garrafas de vinho e de cachaça; fragmentos de livros e revistas; recortes variados de jornais; inúmeros pedaços de papéis com anotações: de contas, de anedotas, de nomes e endereços, de citações de leituras; diários; medalhas de honra e de mérito; objetos pessoais diversos (canetas, mata-borrão, óculos). “Trata-se de elementos que persistem como restos de arquivos literários e culturais rebeldes à classificação, ao ordenamento, à localização, à guarda de seus arcontes. Inclassificáveis, indiciam os limites de uma razão ordenadora, alucinando-a com seu estatuto fragmentário, e denunciam o caráter arbitrário e convencional de qualquer ordem, catalogação, taxonomia”, observa. A hipótese do pesquisador é a de que esses restos e fragmentos dos arquivos literários “insinuam as margens da atividade escriturária, suas conexões com o fora, o alheio, o disperso, o devir outro”. Em suas palavras, revelam as conexões, marcadas por tensões e conflitos, da cidade letrada com a cidade real. Salientam as pegadas da voz no reino da letra, os rastros das tradições orais no solo da cultura letrada, erudita. Evidenciam insuspeitadas interfaces entre artes, artesanato, técnicas e signos. Como elementos marginais, atópicos e atípicos, esses resíduos de arquivos desafiam os saberes disciplinares e acadêmicos com seus métodos e procedimentos. Evocando realidades passadas, nos interpelam, interpelam o nosso presente, demandando leituras e interpretações que os redimam do esquecimento. Nesse contexto, e para ficar apenas em um exemplo, ao percorrer o acervo de Henriqueta Lisboa encontramos a Série Correspondência Pessoal, que inclui diversas cartas do intelectual Mário de Andrade, da escritora chilena Gabriela Mistral e de do escritor Guimarães Rosa. Já a Série Quadros inclui dois trabalhos de Cândido Portinari: O Galo, de 1945, e O Menino, do mesmo ano. Na série Coleção Bibliográfica podem ser encontrados vários títulos importantes da literatura brasileira e estrangeira, muitos sendo primeiras edições autografadas por autores como Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes. MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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Foto: Thiago Nunes/Divulgação

A dimensão do espaço

O escritor Carlos Herculano Lopes

O Acervo de Escritores Mineiros está localizado no 3º andar da Biblioteca Universitária da UFMG. Ocupa toda a ala lateral direita desse andar do prédio, com cerca de 980 m². Em 2003, o espaço foi inaugurado para abrigar os acervos dos precursores – Henriqueta Lisboa, Murilo Rubião, Oswaldo França Júnior, Abgar Renault e Cyro dos Anjos –, além de algumas coleções especiais, utilizando cerca de 700 m². Com a acolhida dos seis novos acervos – Octavio Dias Leite, Wander Piroli, José Maria Cançado, Fernando Sabino, Lúcia Machado de Almeida e Carlos Herculano Lopes –, aos quais se conferiu também um tratamento museográfico, ocupou-se todo o espaço disponível. “Podemos receber mais algum acervo, mas não teremos como dar-lhe o mes-

eSCriToreS do ACerVo ABGAr renAUlt (1901 – 1995) – Poeta e tradutor, educador e homem público. Foi ministro da Educação. Em 1969, entrou para a Academia Brasileira de Letras CArloS HerCUlAno loPeS (1956) – Romancista, contista e cronista. Jornalista, destaca-se seu trabalho no jornal Estado de Minas CYro doS AnjoS (1906 – 1994) – Romancista e memorialista. Formado em Direito. Em 1969, ingressou na Academia Brasileira de Letras FernAndo SABino (1923 – 2004) – Romancista, contista e cronista. Formado em Dreito, militou na imprensa. Foi adido cultural do Brasil em Londres HenriQUetA liSBoA (1901 – 1985) – Poeta, ensaísta e tradutora. Em 1963, foi a primeira mulher eleita para a Academia Mineira de Letras joSÉ MAriA CAnçAdo (1952 – 2006) – Crítico literário, poeta e jornalista. Atuou como editor e professor em diversas escolas lÚCiA MACHAdo de AlMeidA (1910 – 2005) – Escritora de literatura infantojuvenil. Desenvolveu trabalho relevante na divulgação de temas do patrimônio histórico MUrilo rUBiÃo (1916 – 1991) – Contista e um dos maiores representantes do gênero fantástico brasileiro. Criou o Suplemento Literário de Minas Gerais, em 1966. oCtAVio diAS leite (1914 – 1970) – Poeta, advogado e jornalista. Editou o jornal Horizonte (1952-1953) e a revista Livros & Fatos (1969-1970) oSWAldo FrAnçA jÚnior (1936 – 1989) – Romancista, contista e prosador. Integrante da Força Aérea Brasileira, foi afastado em 1964. Dedicou-se então à literatura. WAnder Piroli (1931 – 2006) – Contista, cronista e jornalista. Formado em Direito, exerceu a atividade de jornalista durante toda a vida.

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mo tratamento. Estamos confrontados agora com uma das dimensões essenciais da memória, dos arquivos literários: a do espaço”, observa Reinaldo Marques. E continua: “Trata-se daquele princípio topológico de que fala [Jacques] Derrida no livro Mal de arquivo. Isso é muito relevante no caso dos acervos dos escritores, especialmente quando se pretende tratá-los adequadamente, contemplando sua dimensão museológica”. O diretor do AEM informa que já há um projeto de reforma do prédio da Faculdade de Letras, no qual está prevista a construção de um novo espaço para abrigar arquivos de escritores. “Estamos, assim, esperançosos quanto ao futuro desse nosso trabalho com a memória literária”. O pesquisador deixa claro que a finalidade última da guarda, do tratamento (arquivístico, biblioteconômico e museográfico) e da conservação dos arquivos dos escritores consiste em disponibilizar seus fundos documentais para a pesquisa e produção seja de monografias, dissertações e teses acadêmicas, seja de trabalhos críticos e de cunho cultural. Isso implica torná-los acessíveis aos estudantes, professores, pesquisadores e à comunidade em geral. Nesse sentido, informa Reinaldo Marques, o Acervo de Escritores Mineiros tem sido procurado por estudantes e pesquisadores de vários lugares do Brasil envolvidos com pesquisas sobre os autores abrigados no AEM. Atualmente, há vários professores e estudantes realizando pós-doutorado, pesquisas de doutorado e mestrado junto ao AEM. No semestre passado havia, por exemplo, uma doutoranda da PUC-RS trabalhando com os documentos da Henriqueta Lisboa, e também um professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) fazendo pós-doutorado sobre Murilo Rubião. A presença maior é de mestrandos e doutorandos da Faculdade de Letras da UFMG, bem como de alunos da graduação com bolsas de Iniciação Científica. A partir de pesquisas desenvolvidas junto ao AEM, já foram defendidas treze dissertações, oito teses, três monografias de bacharelado e duas pesquisas de pós-doutorado. Estão em andamento pesquisas desenvolvidas por quatro mestrandos,


uma dimensão política dos arquivos

Numa de suas aulas no Collège de France, Michel Foucault observa que só há história e memória onde existem relações de força e de poder atuando entre os homens. Assim, como dispositivo importante de construções identitárias, a memória deve ser pensada como campo de luta política. A avaliação é do diretor do AEM, Reinaldo Martiniano Marques. Nesse sentido, afirma Marques, como instâncias de guarda das memórias coletivas e pessoais, os arquivos – históricos, culturais, literários, seja o caso – estão atravessados por relações de força, por jogos de poder. Neles a memória e o esquecimento travam uma luta incessante: o que deve ser guardado e o que deve ser esquecido. Isso dependerá das forças sociais e políticas postas em relação e confronto. “O sucesso de uma delas para impor sua memória como a memória de todos, articulando uma identidade nacional por exemplo, dependerá de sua capacidade de controlar o arquivo, a memória”, diz. Em sua opinião, cabe lembrar que os documentos que se guardam no arquivo são construções, podendo ser tanto verdade quanto mentira, dependendo do ponto de vista que os examina. “Que, conforme observa Jacques Le Goff, em seus usos pelo poder, os documentos se transfor-

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mam em monumentos. Desse modo, quem controla o arquivo, detém a guarda dos documentos, usufruirá daquele princípio nomológico de que fala Derrida em Mal de arquivo. Gozará de um privilégio hermêutico, interpretativo. Terá o comando, enunciando um discurso que se pretende o discurso da verdade”. No caso dos arquivos literários, torna-se relevante pensar as forças que o atravessam, apreendê-los também como campo de luta política. Eles constituem templos da cultura letrada, memórias dos homens de letras, de intelectuais que estabeleceram em muitos casos relações com os poderes instituídos. Como ressalta Reinaldo Marques, no contexto latino-americano, “segundo nos lembra a noção de ‘cidade letrada’ cunhada por Ángel Rama, nossos intelectuais, como membros daquele anel protetor do poder, afirmaram os privilégios da letra sobre a voz, das tradições escritas sobre as culturas ágrafas”. Foto: Thaiz Maciel

seis doutorandos e mais uma pesquisa de pós-doutorado. “Estamos contentes com essa demanda, mas o AEM tem potencial para a realização de muito mais pesquisas. Para tanto, faz-se necessário tanto um trabalho maior de divulgação do espaço e de seus acervos junto ao público acadêmico, quanto o tratamento adequado dos fundos documentais tornando-os mais acessíveis aos pesquisadores”, avalia Reinaldo Marques. Futuramente espera-se que toda a documentação que se encontra no AEM possa ser digitalizada e disponibilizada para pesquisas pela internet. O professor da UFSCar é Ricardo Iannace, pesquisador com bolsa de pós-doutorado júnior do CNPq, sob a supervisão de Wander Melo Miranda. A pesquisa que desenvolve versa sobre Murilo Rubião e resulta em ensaio em fase final de elaboração. Oficialmente, iniciou-a no segundo semestre de 2010, e a data de entrega do texto será julho de 2012. Mas, na verdade, desde 2006 coleta material e visita o Acervo de Murilo. O ensaio intitula-se “Edifícios e construções ou As arquiteturas do fantástico em Murilo Rubião”. Resume-se na leitura da obra de Murilo Rubião pautada por cinco de seus contos: “O edifício”, “O bloqueio”, “A armadilha”, “O homem do boné cinzento” e “A diáspora”. A obra de Murilo Rubião levou Iannace, imprescindivelmente, ao espólio do autor, depositado na Biblioteca Central da UFMG. O pesquisador afirma que a recepção que recebeu no Acervo de Escritores Mineiros foi das mais acolhedoras e profissionais que já viu – “quer pelo envolvimento e pela preservação dos funcionários e estagiários que ali trabalham com toda aquela preciosa documentação, quer pelo respeito e pela atenção despendidos ao pesquisador que ali chega”. “Como paulistano, sinto-me, quando estou no Acervo, um mineiro e tanto. Orgulho-me por estar ao lado de escritos e de memórias valiosíssimos à cultura nacional; e orgulho-me, também, pela convivência com professores, intelectuais e pesquisadores da UFMG, sempre admirados pelo talento e pela grandeza de suas produções acadêmicas”, comenta Iannace.

Minisites O Acervo de Escritores Mineiros apresenta os minisites dos escritores Henriqueta Lisboa, Murilo Rubião, Oswaldo França Júnior e Abgar Renault, além do minisite das Coleções Especiais, constituídas por doações referentes a Alexandre Eulálio, Ana Hatherly, Aníbal Machado, José Oswaldo de Araújo, Valmiki Vilella Guimarães e Genevieve Naylor.

Filha de Wander Piroli, Silvana Ferreira Piroli assina o termo de doação do Acervo do escritor

www.ufmg.br/aem

Visitas orientadas com agendamento prévio pelo telefone (31) 3409 4624.

Fonte: AEM

Mais informações: www.letras.ufmg.br

ACerVo de eSCriToreS MiNeiroS Horário de funcionamento: de segunda a sexta, de 9h às 12h e de 14h às 17h. endereço: Biblioteca Universitária UFMG. Avenida Antônio Carlos, 6.627

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agronomia

Para colher os melhores frutos Pesquisadores de Viçosa trabalham no melhoramento genético do pessegueiro para regiões subtropicais Virgínia Fonseca

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O pessegueiro (Prunus persica), originário da China, é um cultivo típico de clima temperado. A passagem pelo inverno rigoroso – e muitas vezes úmido – das regiões temperadas, faz parte do ciclo de desenvolvimento da planta. Para que possa ser cultivado de maneira proveitosa em locais menos frios, é necessário buscar variedades que se adaptem a esta realidade. Com este foco, desde 1986 a Universidade Federal de Viçosa (UFV) vem trabalhando no melhoramento genético da espécie, visando a adequação às condições da região. Os estudos foram motivados pelo potencial de Minas Gerais, desde que o plantio seja praticado com variedades adaptadas e adequadas. No Brasil, o cultivo tem se expandido tanto em área quanto em produtividade. A fruta é destinada a consumo in natura (frutos de mesa) e a indústria – além das conservas, o mercado de suco industrializado de pêssego vem se firmando. “A baixa necessidade de frio é característica fundamental para que se possa cultivar economicamente o pessegueiro em condições de clima subtropical, devendo ser este, portanto, o principal objetivo dos programas de melhoramento nestas regiões”, afirma o engenheiro-agrônomo e professor titular da UFV Claudio Horst Bruckner, coordenador dos trabalhos na instituição.

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Para as primeiras pesquisas e testes, Bruckner contou com uma coleção de germoplasma (unidades de conservação de material genético) de pessegueiro implantada anteriormente pelo professor José Maurício Fortes, também da UFV. O material permitiu que fossem iniciados processos de hibridação e seleção de melhores genótipos. As atividades intensificaram-se a partir de meados da década de 1990, com a ampliação do germoplasma e a participação de alunos de pós-graduação. Hoje, existem seleções em vias de serem aplicadas a lavouras de produção.

No clima de Minas

O cultivo do pessegueiro no mundo concentra-se principalmente nas latitudes entre 25º e 45º, tanto no hemisfério Norte como no Sul – o que corresponde a regiões de clima temperado, com uma média anual de 5ºC a 15ºC. A planta alter-


A dormência no inverno caracteriza-se pela redução do crescimento vegetativo – trata-se de um mecanismo de adaptação para resistir às baixas temperaturas. Durante esta fase, ocorre aumento do nível dos hormônios de crescimento e diminuição daqueles inibidores desse processo. Quando satisfeita a necessidade de frio da planta, que varia de acordo com o genótipo, e com a elevação das temperaturas no fim do inverno, os meristemas voltam a se desenvolver, ocorrendo a floração e brotação normais.

na um período vegetativo com uma fase de repouso durante o ano. Para sair deste repouso ou dormência, essas espécies precisam de um tempo de exposição a baixas temperaturas, chamada de necessidade de frio hibernal. As variedades tradicionais do pêssego tem alta necessidade de frio hibernal e, portanto, não apresentam brotação e florescimento em locais de inverno ameno, uma vez que as gemas não saem do estado de dormência. Espécies de clima temperado não adaptadas, quando utilizadas para plantio em regiões subtropicais ou tropicais, podem apresentar problemas como abertura de número menor de gemas e em intervalos irregulares de tempo; redução na produção; ruptura de caroços; atraso no amadurecimento dos frutos, que ficam pequenos e mal formados; sabor amargo; entre outros, que podem comprometer a própria sobrevivência da planta. As variedades com baixa necessidade de frio, por outro lado, adaptam-se a lugares com temperaturas mais elevadas no inverno, como ocorre no Sudeste brasileiro. No Brasil, as principais áreas de plantio não são as de inverno rigoroso, onde normalmente se cultiva macieira, por exemplo. O melhoramento genético tem sido eficiente em selecionar genóti-

pos com menor exigência de frio hibernal, adaptados ao cultivo em regiões com clima mais brando, como é o caso de Minas Gerais, onde a temperatura média anual gira em torno de 20º. Esses locais permitem florescimento adiantado, o que possibilita colheita precoce, alcançando melhores preços no mercado. “Pode-se realizar a colheita nos meses de setembro/outubro, enquanto a do Sul começa em novembro”, exemplifica o professor. “O pessegueiro é seguramente a fruteira em que mais resultados foram obtidos com o melhoramento genético”, complementa. O Sudeste apresenta boas condições para produção precoce, mediante o uso de variedades de baixa exigência de frio hibernal, ciclo curto entre o florescimento e a maturação, e tecnologia de produção adequada. A produção de pêssego nesta região do País está direcionada ao mercado de consumo in natura, o que torna a qualidade do fruto um aspecto de fundamental importância. “Com a globalização existe crescente necessidade de que a fruta nacional seja capaz de competir com a importada, mesmo localmente”, analisa Bruckner. Segundo o pesquisador, vem crescendo a relevância desta cultura, pois a indústria de sucos está se estabelecendo em diversos municípios da região, aumentando a demanda por frutas como pêssego. Assim, a cultura do pessegueiro vem se expandindo no Campos das Vertentes, sul de Minas.

Seleção e adaptação O objetivo das pesquisas desenvolvidas na UFV é selecionar genótipos de pessegueiro com baixa necessidade de frio hibernal, adaptados a condições subtropicais e tropicais de altitude, que apresentem frutos firmes e de qualidade. “A ideia é obter variedades de mesa que sejam bem aceitas pelo consumidor”, sintetiza o professor. Bruckner lembra que o Brasil possui outros programas importantes de melhoramento genético do pessegueiro, como os estudos desenvolvidos no Instituto Agronômico, em Campinas (SP), e na Embrapa, em Pelotas (RS). Esses dois programas foram responsáveis pelo lançamento da maioria das variedades de pessegueiros no Brasil. Segundo o profesMINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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Foto: Arquivo pessoal Claudio Bruckner

Produtividade de pêssego dos cinco maiores Estados produtores, em toneladas por hectare (Agrianual, 2011)

Frutos de formato aceitável (embaixo) e inadequado (acima). Durante o amadurecimento, a extremidade (bico) amolece antes das demais partes, e está sujeita a danos na embalagem

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sor, o diferencial do projeto trabalhado em Viçosa é que objetiva a seleção de variedades adaptadas a condições ainda mais marginais em termos de clima. A expectativa é a de que elas tenham boa adaptação, principalmente nas regiões mais altas do Sul do Estado, podendo adaptar-se também nos estados vizinhos, como Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, em altitudes superiores a 700 metros. A equipe trabalha com experimentos em campo. Na hibridação realiza-se a introdução de pólen de uma planta em outra para produzir a progênie (descendência), de onde se faz a seleção. São estudadas mais de 20 variáveis de pêssegos, incluindo a nectarina (pêssegos sem pelos). A escolha dos genótipos é feita de acordo com cada característica a ser trabalhada. Para adaptação climática observa-se a quantidade de gemas vegetativas brotadas e o florescimento de gemas reprodutivas. A capacidade de brotação e o vigor das plantas cultivadas em região de clima ameno são indicadores da adequação a esses locais. Essas características, somadas a produtividade, qualidade de frutos, resistência a doenças e outras que atendam as exigências do mercado consumidor, indicam plantas passíveis de serem selecionadas.

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Os pesquisadores constataram que existe certa correlação entre necessidade de frio para a brotação de gemas e para a germinação de sementes. “Baseado nisso, aperfeiçoou-se a metodologia de seleção com base no percentual de sementes germinadas após receberem tratamento de frio”, explica Bruckner. Esse estudo fez parte da dissertação de mestrado do aluno José Osmar da Costa e Silva, atualmente doutorando. Um dos experimentos consistiu na avaliação do tempo de germinação de sementes de variedade com baixa necessidade de frio em contraponto com outra, resultante do cruzamento desta mesma variedade com uma de alta necessidade de frio. A primeira apresentou germinação rápida e uniforme, enquanto a segunda mostrou germinação lenta. “A necessidade de frio era influenciada pelo genótipo, e esse resultado indicou que a necessidade para superação da dormência em sementes poderia ser empregada na pré-seleção das plantas mais adaptadas ao clima subtropical”, comenta Silva. A metodologia permite que se faça a seleção na fase de germinação de sementes. É possível escolher para plantio apenas as que apresentaram melhor resul-


científicas do trabalho desenvolvido pelo grupo, que já resultou na publicação de artigos, dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, além de outras duas em andamento. O projeto conta com o envolvimento de diversos estudantes de graduação, mestrado e doutorado, além de bolsista de pós-doutorado e professores da UFV, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outros colaboradores.

Produção de pêssego no mundo • 8° lugar na produção mundial de frutas • 15,4 milhões de toneladas anuais • 1,4 milhões de hectares plantados • Maiores produtores mundiais: China (cerca de 37% do total); Itália; Estados Unidos e Espanha. Os quatro são responsáveis por mais de 65% da produção mundial. • América do Sul: Chile (2% da produção mundial); Argentina (1,8%); Brasil (1,4%).

Pelo Brasil afora A produção anual de pêssegos no Brasil gira em torno de 230 mil toneladas, sendo que a região Sul concentra o maior cultivo, tendo à frente o Rio Grande do Sul. Mas os estados do Sudeste destacam-se na produção precoce. São Paulo (40 mil toneladas/ano) e Minas Gerais (26 mil toneladas/ano) estão em segunda e terceira posições, respectivamente, com relação à produção. Minas tem conseguido estabilizar-se como a maior produtividade por hectare, seguida por São Paulo, segundo dados do Agrianual 2011 (ver gráfico). Fotos: Arquivo pessoal Claudio Bruckner

tado, ganhando tempo ao reduzir a quantidade de análises em condições de campo. Para avaliação de algumas características na fase adulta do pessegueiro podem ser necessários até três anos. Assim, a possibilidade de pré-seleção ajuda a reduzir custos e esforços, permitindo focar em um número menor de plantas. A busca pela qualidade dos frutos também é uma constante nas pesquisas. Para obter pêssegos de mesa mais firmes são introduzidas variedades de conserva entre os genótipos usados nos cruzamentos. O resultado são frutas mais doces, com boa aceitação, e ao mesmo tempo resistentes, capazes de reduzir perdas no transporte e armazenagem. A qualidade é avaliada em laboratório quanto a coloração, teor de sólidos solúveis, acidez, firmeza, entre outros aspectos. Atualmente existem seleções que deverão ser passadas para avaliação em áreas de plantio, o que talvez ocorra em 2012. Bruckner acredita que em breve as variedades desenvolvidas estarão à disposição dos produtores, “proporcionando mais variedades para o cultivo e contribuindo para o desenvolvimento da fruticultura, principalmente mineira”. O professor também cita as contribuições

Avaliação de firmeza em penetrômetro faz parte dos testes de qualidade realizados em laboratório

Projeto: Melhoramento

genético do pessegueiro para regiões subtropicais Coordenador: Claudio Horst Bruckner Edital: Agronegócio Valor: R$ 151.230 José Osmar da Costa e Silva e Claudio Horst Bruckner: trabalho pelo desenvolvimento da fruticultura

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sustentabilidade

Soluções que valem ouro Ana Flávia de Oliveira

Viver em uma grande cidade significa que teremos que conviver ou, no mínimo, tomar conhecimento de certas situações que podem colocar a vida das pessoas em risco ou comprometer a qualidade de vida, sobretudo de quem vive em condições mais vulneráveis. Problemas como moradias em áreas de risco, falta de água potável, descarte inadequado do lixo e mobilidade urbana são algumas das queixas mais frequentes da população. Mas não basta apenas dar melhores condições às

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pessoas, também é necessário pensar em ações integradas com a ideia de sustentabilidade. O assunto está em pauta na comunidade científica e foi o tema do Prêmio Jovem Cientista (PJC) de 2011. Na entrega da premiação, ocorrida em Brasília, os mineiros se destacaram. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) ganhou o Mérito Institucional por ter sido a universidade brasileira com o maior número de trabalhos científicos inscritos. E os vencedores de duas das três categorias de-

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senvolveram seus trabalhos em instituições do Estado. Uende Aparecida Figueiredo Gomes (UFMG) e Kaiodê Leonardo Biague (Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix) ganharam nas categorias Graduado e Ensino Superior, respectivamente. Ambos apresentaram propostas dentro do tema Cidades Sustentáveis. Segundo Uende, é difícil descrever em palavras a emoção de receber o prêmio. “Alegra-me saber que pude contribuir para dar mais visibilidade ao tema saneamento


básico”, comenta. O título representa, de acordo com a vencedora, um reconhecimento do esforço de cientistas que têm dedicado suas vidas ao desenvolvimento de pesquisas. Para ela, isto poderá ser um incentivo para que os jovens brasileiros entrem para o mundo da Ciência e contribuam para a solução dos problemas genuinamente brasileiros. “Vivemos em um país que está sendo construído e que necessita de contribuições para que seus cidadãos possam exercer suas potencialidades”, afirma. Kaiodê conta que sempre se interessou por arquitetura, transporte e mobilidade urbana, desde criança. Em 2011 foi contratado por uma empresa da área de Engenharia Mecânica, na divisão de energias renováveis. Lá, os funcionários são estimulados a desenvolverem produtos e/ ou serviços no tempo em que não estão ocupados com seus afazeres. Foi quando pensou em unir energia e mobilidade no mesmo projeto, conseguindo apresentar uma proposta que, além de agradar seus gestores, também é de utilidade pública. “Como o tema do Jovem Cientista era ‘Cidades sustentáveis’, achei que a ideia era válida para ser apresentada”, relembra. Para o universitário, a oportunidade foi uma chance de se aprofundar nos conhecimentos de metodologia de pesquisa, necessários à realização dos trabalhos de conclusão de curso. Ele conta que não esperava vencer. “Minha participação foi despretensiosa, principalmente, porque o trabalho é conceitual e não experimental, como os demais”, recorda. Kaiodê acredita que o prêmio trouxe um senso de responsabilidade maior porque sabe que, hoje, tem o poder de incentivar outros jovens. “Estava no metrô com a mochila do prêmio e fui reconhecido por uma estudante. Ela havia acompanhado a minha história, e isso é muito gratificante, porque as pessoas pensam que o cientista é só o cara de jaleco. Ciência não é só isso, existem outras formas, e o prêmio mostra isso”, observa.

Conheça cada um dos projetos premiados Saneamento básico O fato de já ter convivido com a ausência de acesso aos serviços de saneamento básico fez com que Uende Gomes tivesse a real dimensão do que isto representa em termos de qualidade de vida para as comunidades. Quando decidiu fazer mestrado, optou pela linha de pesquisa “Políticas Públicas e Gestão em Saneamento”, no Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da UFMG, coordenada pelo Professor Léo Heller. Ela subiu morros de Belo Horizonte e da Grande BH em busca de conhecimento sobre a realidade das pessoas que vivem em regiões que ainda não existe o saneamento básico. O objetivo da pesquisa foi realizar uma avaliação comparativa de intervenções de saneamento básico em áreas de vilas e favelas. Os locais escolhidos foram o Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, e as Vilas Ipê Amarelo e Nova Esperança, em Contagem.

“Estava no metrô com a mochila do prêmio e fui reconhecido por uma estudante. Ela havia acompanhado a minha história, e isso é muito gratificante porque as pessoas pensam que o cientista é só o cara de jaleco.” Kaiodê Leonardo Biague (Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix)

Foto: Kaiodê Leonardo Biague

Perspectiva de como deverá ficar a estação do BRT após a implantação do sistema de captação de energia MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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das tarifas, o trabalho revelou que nove das 11 famílias acompanhadas comprometiam mais de três por cento da renda com o pagamento da conta de água, mesmo que a maioria ainda não pagasse pelo esgotamento sanitário. Sendo assim, este impacto na renda será ainda maior quando as intervenções finalizarem. A autora da pesquisa alerta que, pela recomendação da ONU – Organização das Nações Unidas – nenhuma família deve investir mais de três por cento de sua renda com pagamento da conta de água, uma vez que existe a possibilidade de limitar consumo em razão da incapacidade da família em arcar com os custos da conta de água. Quanto à regularização fundiária, a conclusão foi de que a legislação pode justificar tanto a intervenção como a não-intervenção. “O acesso aos serviços de saneamento básico por esses cidadãos fica submetido a decisões que não são pautadas em um quadro legal claro em razão da irregularidade da ocupação”, analisa.

Cenário atual e novas possibilidades

O cenário histórico dessas regiões, apesar de ainda estar longe do ideal, de acordo com as constatações da pesquisa, Foto: Uende Gomes

Em relação ao saneamento básico que, no Brasil, é composto pelos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem das águas pluviais e gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, a situação nas vilas estudadas reproduzia o quadro observado em outras áreas periféricas sendo marcada pela precariedade. Uende Gomes descreve que era possível observar esgotos escorrendo a céu aberto, fossas em mau estado de conservação e resíduos sólidos acumulados nas vias, o que comprometia também os sistemas de drenagem pluvial implantados pelas intervenções. Quanto ao abastecimento de água, os moradores relataram que, em alguns momentos, ocorrem falhas na distribuição. Este quadro indica, de acordo com o estudo, que o acesso aos serviços de saneamento básico, em áreas de vulnerabilidade social, contrasta e é incompatível com os bons indicadores econômicos que o Brasil tem apresentado, colocando o país como protagonista nas mudanças mundiais. Os resultados da pesquisa indicam que, tanto a regularização fundiária quanto a adequação tarifária , são dois gargalos importantes para que o Brasil alcance a universalização aos serviços de saneamento básico. Em relação à adequação

Situação em área que ainda não há saneamento básico, na Grande BH

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alcançou avanços nos últimos 30 anos. Ao longo do estudo constatou-se que as mudanças ocorreram a partir de um processo de mobilização dos moradores. Falta ainda maior reconhecimento do Estado no sentido de oferecer acesso ao abastecimento de água. “O enfrentamento e a superação dos desafios que envolvem ampliação do acesso ao saneamento básico em áreas de vilas e favelas demandam investimentos, mas exigem também e, em minha concepção, de forma mais relevante, a elaboração de políticas públicas que incorporem princípios como direito, equidade e cidadania. E, ainda, que possam contar com equipes formadas em um paradigma que reconheça estes princípios como essenciais, em especial, quando o alvo das intervenções são vilas e favelas”, esclarece Uende Gomes. O estudo conclui que a ampliação de cobertura não garante o acesso e que os resultados da pesquisa podem contribuir para o aprimoramento de políticas públicas voltadas à ampliação de acesso aos serviços de saneamento em vilas e favelas. A pesquisa destaca que as questões relativas à adequação tarifária são delicadas e carecem de novas análises. Gomes cita um modelo de política tarifária que prevê a cobrança de taxas diferentes de acordo com o nível socioeconômico em que o usuário se enquadra. Uma experiência bem sucedida desse modelo tarifário, segundo a pesquisadora, é praticada na Colômbia. “Neste país, os usuários estão classificados em seis categorias distintas. A categorização dos consumidores baseia-se na classificação do bairro onde reside, o que considera indicadores socioeconômicos. Sendo assim, os prestadores de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário aplicam tarifas diferenciadas dependendo da categoria social em que se enquadra o bairro do usuário”, explica. O que é distinto do que é feito em Minas Gerais em termos de Tarifa Social. No estado, os critérios aplicados pela companhia de água e esgoto para inclusão do usuário na Tarifa Social são: quantidade consumida de água (até 15m3) e área construída do imóvel (até 44m2) o que em muitos casos é incompatível com o tamanho das famílias (geralmente maiores nessas áreas) e com o fenômeno da autoconstrução de


moradias também muito comum em regiões de vilas e favelas.

Energia alternativa

“O projeto aproveita a estrutura do BRT para gerar energia”. Assim Kaiodê Biague resume o objetivo principal da sua ideia. Ele explica que o princípio segue o que já é feito atualmente em residências. As coberturas das estações e terminais do Bus Rapid Transit – BRT – serão aproveitadas para a geração de energia fotovoltaica, aquela que é gerada a partir da conversão da radiação solar em energia elétrica. As placas de captação de energia funcionam como minibaterias. “Como terão um afastamento considerável em relação a prédios vizinhos e árvores, dá para produzir uma quantidade considerável de energia. Na área central não teria como utilizar a tecnologia por conta da altura dos prédios. As árvores também dificultam na região central”, relata. No entanto, em duas das principais avenidas de Belo Horizonte, a Presidente

Antônio Carlos e a Cristiano Machado, seria possível implantar o sistema, embora as vias apresentem pontos críticos. “Na primeira seria perto do Anel Rodoviário e da UFMG. Já na segunda, tem um pouco mais de árvores, na região do bairro Cidade Nova, mas é possível implantar, mesmo que algumas tenham que ser suprimidas, mas a compensação pode ser feita com o trabalho de jardinagem e plantio em outra área”, argumenta. O projeto ainda está na fase conceitual, por isso, ainda deve passar por mais alguns passos: avaliar a viabilidade sob aspectos como vandalismo e as intempéries, que podem prejudicar o sistema, além de buscar soluções para torná-lo mais robusto.

Ajustes

Agora é necessário definir de que modo a energia será armazenada. Porque ela é gerada e convertida para baterias. A tarefa seguinte será pensar onde guardar as baterias. “Esse é um ponto que ainda

Cenários O projeto apresenta duas possibilidades para a captação de energia. Em um terceiro, a água das chuvas também poderá ser coletada.

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Básico e mais provável: a energia gerada seria jogada na rede elétrica. Próximo do modelo alemão de telhados solares. Além de receber energia da concessionária, ele também envia energia para lá, o que proporciona uma série de ganhos. A transmissão fica mais regular, ajuda a reduzir os picos diurnos de energia. Dentro da perspectiva de cidades sustentáveis, a energia será aproveitada para alimentar a própria estação, mas também serão pensados projetos de requalificação urbana, por meio da iluminação e fornecimento de energia para a irrigação pública, por exemplo. Poderia haver uma bomba d’água alimentada por essa energia, e, até o projeto de táxi elétrico em alguns pontos. Exemplo: Avenida Antônio Carlos, pontos na UFMG e próximo ao Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), no bairro Lagoinha. Na Cristiano Machado, o local escolhido poderia ser no shopping que existe na região, o que traria mais retorno aos taxistas. A cobertura pode também captar água, que poderá ser útil na irrigação de jardins próximos.

está em aberto. Porque, se eu colocar, na superfície (ou à frente da estação ou na calçada), tem a questão do vandalismo, que é um fator que deve ser considerado. Se eu pensar em subterrâneo, é mais seguro, mas eleva o custo de execução”, ressalta Biague. De acordo com ele, a questão da água segue a mesma lógica. Tudo deve ser pensado no sentido de fazer um sistema híbrido por estar no meio urbano. “Por exemplo: hoje tem sol, então, está gerando radiação. Se amanhã ou depois, ficar nublado, não vai conseguir produzir. Nesse caso entra a energia da Cemig para garantir o funcionamento. Ele não seria totalmente independente da rede. O mesmo caso ocorre em relação ao abastecimento de água. No período da seca, os reservatórios irão necessitar de abastecimento”, diz. O projeto já está gerando frutos. No final de 2011, Kaiodê Biague participou de uma reunião com o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, e técnicos da BHTrans, empresa de engenharia de tráfego da capital, para apresentar o trabalho. “Eles receberam bem a proposta. A BHTrans sinalizou que vai viabilizar o projeto do BRT a fim de aprimorar os estudos para dar sequência à pesquisa. Quando aparecerem resultados mais concretos da fase experimental, poderá ser criado um protótipo, que deverá ser construído até 2014”, comemora.

Projetos futuros Uende Gomes pretende seguir a carreira acadêmica e se aprofundar nos estudos sobre políticas públicas. Para isso, mudou-se para a Cidade do México, onde desenvolve parte do curso de doutorado, em parceria com a UFMG. Ela participa do Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos também sob a orientação do Professor Léo Heller, o mesmo que a orientou durante o mestrado. Kaiodê explica que sente vontade de passar conhecimento para outras pessoas, mas para isso não precisa se dedicar exclusivamente à carreira acadêmica. “O meu desejo é ir para o mercado de trabalho, a carreira acadêmica também é uma possibilidade, posso trabalhar com menos matérias”. MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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fitoterapia

Canteiros de saúde Projeto investe na transmissão de conhecimento, técnico e teórico, para que comunidades construam ricas farmácias-vivas

Maurício Guilherme Silva Jr.

“Prevenir é melhor do que remediar”. Para concretização da ilustre máxima popular, a natureza sempre cumpriu seu papel, não é verdade? Inúmeras, afinal, são as plantas capazes de melhorar o funcionamento do corpo ou auxiliar a cura de enfermidades. Mas o que se pode dizer da ação dos homens – ou, mais especificamente, dos cidadãos brasileiros? Inerente à resposta, a boa notícia diz respeito à constatação de que não apenas é extremamente fácil adquirir plantas medicinais no País, como também se mostra antigo a tradição do cultivo de tais “dádivas” do reino vegetal. “Facilidade e costume”, contudo, não podem ser instantaneamente interpretados como sinônimos de “perfeição”. Antes de

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Foto: Rosana Gonçalves

celebrar as benesses da natureza, ou a boa conduta das comunidades, é fundamental que uma série de perguntas seja respondida, de modo direto e objetivo: em primeiro lugar, que características terapêuticas, exatamente, destacam-se em cada planta? Existe momento certo para recorrer às ervas, flores ou folhas? E quais as técnicas adequadas para cultura, colheita e consumo dos “milagres verdes”? Devido à simplicidade da compra de plantas ou chás com finalidade terapêutica, possivelmente, todos responderão de modo bastante particular a tais questões. Apesar disso, é sempre bom ter a possibilidade de aprender – e prevenir-se – com quem lida cientificamente com o assunto. É o caso dos pesquisadores ligados ao projeto Plantas medicinais: do cultivo às farmácias-vivas, fruto de parceria entre as universidades federais de Ouro Preto (Ufop) e Viçosa (UFV), que busca resgatar, discutir e disseminar, numa rede de comunidades e entidades, informações acerca das plantas medicinais – com ênfase nas indicações terapêuticas e na manipulação de fitoterápicos. Coordenada pela pesquisadora Rosana Gonçalves Rodrigues das Dores, professora de Homeopatia e Farmacognosia na Faculdade Pitágoras e à frente do curso de extensão em Plantas Medicinais da UFV, a iniciativa – que conta com financiamento da FAPEMIG e auxílio financeiro da UFOP – centra-se, justamente, no atendimento às demandas sociais. Propõe, em síntese, oferecer know how às comunidades e instituições interessadas na implementação de hortos e farmácias-vivas, com o devido suporte de estudos agronômicos, fitoquímicos, farmacológicos, bioquímicos e toxicológicos. Oficialmente, o projeto surgiu em 2006, como forma de atender à crescente demanda de uma série de ONG’s e, ainda, das comunidades mineiras de Rosário da Limeira, Rio Acima, Cambuquira e Matias Barbosa. “Ao ministrar palestras, detectava a precariedade dos produtos oferecidos à população, fruto da falta de informações técnicas sobre o processamento de plantas medicinais e da consequente perda de eficácia dos fitoterápicos”, explica Rosa-

Além de professores e estudantes da UFV e da Ufop, colaboram com o projeto pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), da Superintendência de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde (SAF/SESMG) e da Faculdade Pitágoras. na Gonçalves, ao comentar, ainda, que tais equívocos ou erros técnicos estão aptos a ocorrer nas diversas etapas da cadeia produtiva – do cultivo à colheita; das escolhas do processo e da temperatura de secagem à opção pela forma de armazenamento das plantas: “Tudo isso, muitas vezes, pode comprometer a qualidade da droga vegetal, a matéria-prima, destinada à manipulação de fitoterápicos”. A identificação dos desafios acabou por servir de força motriz à participação das universidades, como geradoras e transformadoras do conhecimento. “Ciente das dificuldades a serem sanadas, traçamos metas junto à Ufop e à UFV, na tentativa de atenuar os problemas”, explica a pesquisadora, responsável por idealizar e propor o projeto. Ela também chama a atenção para a natureza “holística e multidisciplinar” do conhecimento transmitido aos interessados em farmácias-vivas: “Sempre há troca de saberes. Além de conhecer a realidade do Estado, o papel dos pesquisadores é resgatar e valorizar o conhecimento popular como ferramenta para a ciência”.

Calendula officinalis L. – Calêndula

Saber multiplicado

Além da transmissão de conhecimento e da aproximação entre as universidades e os municípios mineiros, o projeto A professora Rosana Gonçalves comenta que o apoio financeiro e logístico da FAPEMIG foi decisivo para a instauração do projeto, de modo a gerar demanda e interesse em diversas localidades, além de subsidiar a criação do Programa Componente Verde, pela Secretaria de Estado da Saúde, via Superintendência de Assistência farmacêutica. MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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e farmácias-vivas nas cidades mineiras”, esclarece a pesquisadora, ao lembrar que o projeto alia o uso de espécies terapêuticas à preservação do meio ambiente. “Por fim, damos suporte às equipes do programa Saúde da Família, que atuam nas comunidades com o intuito de implantar serviços de Fitoterapia e potencializar agentes comunitários e moradores, para que se tornem multiplicadores”, completa.

oferece pessoal qualificado à implantação da Fitoterapia na saúde pública, além de incentivar e implantar o cultivo orgânico de plantas medicinais em pequenas propriedades rurais, escolas e outros estabelecimentos das cidades do interior. “Neste sentido, fornecemos técnicas adequadas de cultivo, colheita, pós-colheita, secagem e processamento de plantas medicinais. Isso é realizado por meio de avaliações das diversas etapas da cadeia produtiva, com o uso de técnicas primárias de controle de qualidade, todas voltadas ao uso farmacológico de fitoterápicos pela população”. Outros objetivos da iniciativa referem-se ao ensino de química de produtos naturais e ao desenvolvimento de atividades que permeiem a educação em saúde – das práticas esportivas às técnicas nutricionais. “Além disso, em atendimento ao Decreto nº 5.813, almejamos a implantação do horto de plantas medicinais

Tradição é tradição

Fotos: Rosana Gonçalves

Ainda em andamento, o projeto – que, conforme ressaltado, transmite conhecimentos técnicos de modo integral, da seleção das espécies, baseada nas doenças prevalentes, aos cuidados com o medicamento – tem oferecido cursos, palestras e oficinas aos interessados em desenvolver trabalhos com plantas medicinais. “Podem participar todas as comunidades que demonstrarem interesse. Ainda mais em Minas Gerais,

Stevia rebaudiana (Bert.) Bertoni – Estévia

Mentha officinalis L. – Hortelã

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Pelas estradas (terapêuticas) de Minas... Alecrim, guaco, malva, romã e pata-de-vaca. Eis algumas dentre as centenas de plantas usadas pela população devido às suas propriedades terapêuticas. Somem-se a elas espécies as mais diversas, cultivadas em múltiplas regiões das Minas Gerais: “Somos muitas realidades em um só Estado”, ressalta Rosana Gonçalves. No Norte, por exemplo, há relatos do uso de plantas do Cerrado, como Barbatimão (Stryphnodendron barbatiman Mart) e Fava-d’anta (Dimorphandra mollis Benth). No Sul do Estado, por sua vez, a opção das pessoas recai sobre vegetais exóticos e aclimatados, como a Sálvia (Salvia officinalis L.) e a Camomila (Matricaria recutita L.). Já em comunidades mais preservadas – conforme revelou, em dissertação de mestrado, a pesquisadora Carolina Weber Kffuri – a Tajuba (Maclura tinctoria D. Don ex Steud.) – planta boa “para quebrar os dentes careados” – parece ser a predileta da população.

onde a farmácia-viva está integrada à vida. Nossa colonização arraigada de plantas, usadas com fins de cura, dos chazinhos da vovó às benzedeiras e raizeiros, faz com que o resgate da tradição torne-se muito atrativo”, ressalta Rosana Gonçalves. Importante lembrar que os gestores interessados no projeto são orientados, pelos pesquisadores, a procurar a Secretaria de Estado da Saúde, com o intuito de que participem do Programa Estadual de Práticas Alternativas e Complementares, assim como do Componente Verde, iniciativa do Plano Estadual de Estruturação da Rede de Assistência Farmacêutica, o Farmácia de Minas. “A demanda para inclusão de fitoterápicos no SUS [Sistema Único de Saúde], via prefeituras, existe desde 2006 e, atualmente, com a Política Nacional de Plantas Medicinais, toda cidade pode ter, no elenco de medicamentos, alguns fitoterápicos”, explica. Segundo a pesquisadora, seria importante frisar o exemplo da Pastoral da Criança, entidade que, desde seus primórdios, trabalha com plantas como subsídio para a complementação nutricional. “Eles se utilizam, entre outras técnicas, da multimistura, e produzem fitopreparados, como xaropes de cebola, de umbigo de bananeira e abacaxi, que é usado na gripe”, explica Gonçalves, para, em seguida, resumir, em poucas – mas definitivas – palavras, a meta primordial do projeto: “Nossa proposta é ensinar aprendendo”.

Organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Projeto: Plantas medicinais: do cultivo as farmácias-vivas Coordenador: Rosana Gonçalves Rodrigues das Dores Modalidade: Apoio a Projetos de Extensão em Interface com a Pesquisa Valor: R$ 28.600


entrevista

Nós blogamos Importantes aliados na divulgação científica, blogs de ciência crescem e conquistam público Em 2009, o portal da revista Nature (www.nature.com) organizou um suplemento especial sobre jornalismo científico. O objetivo era discutir a profissão em face das mudanças que vinham ocorrendo no mundo. Ao mesmo tempo em que destacava a crise do jornalismo em seus moldes tradicionais, a edição trazia um contraponto: o crescente número de blogs de divulgação científica, muitos deles produzidos pelos próprios cientistas. Uma pesquisa conduzida pelo veículo em março daquele ano, ouviu cerca de 500 jornalistas científicos e mostrou que 63% deles encontraram pautas em blogs de ciência. Como comparação, em 2004, essa porcentagem era de 18%. No Brasil, o número de blogs especializados em Ciência e Tecnologia não para de crescer – assim como o número de pessoas que passaram a buscar na internet informações sobre o tema. Hoje, é possível encontrar espaços destinados a apresentar os bastidores, mostrar as descobertas e discutir as mais variadas áreas da Ciência. Para o jornalismo, isso significa diversidade de fontes de pesquisa e de pontos de vista. Para os cientistas, atualização, novas referências e contato com colegas de outras instituições. Para a população, maior qualidade da cobertura e da discussão sobre Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. Hoje, muitos blogs de Ciência se agrupam em condomínios, como o ScienceBlogs Brasil (http://scienceblogs.com. br/). O SbBr é a versão nacional do maior condomínio de blogs de ciência do mundo. O projeto nasceu em 2008, fruto de um

Vanessa Fagundes

projeto pessoal de dois biólogos formados pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), Carlos Hotta e Atila Iamarino. Hoje, reúne mais de 30 blogs que falam, entre outros, sobre universo, vida e humanidade, e é uma das principais referências quando o tema é a blogosfera científica brasileira. Atila Iamarino, biólogo, doutorando em Ciências Biológicas (Microbiologia) pela Universidade de São Paulo (USP) é um dos coordenadores do ScienceBlogs Brasil, junto com Kentaro Mori, graduando em Análise de Sistemas na FATEC-SP. Nesta entrevista, Iamarino conta sobre o projeto, a interação com os internautas e os desafios para quem trabalha com divulgação científica no país. O termo “weblog” foi empregado pela primeira vez pelo norte-americano Jorn Barges, em 1997, para referir-se a um conjunto de sites que “colecionavam” e divulgavam links interessantes na web como o seu próprio site, o Robot Wisdom. O termo “web” + “log” (algo como registro da rede) foi usado assim para descrever a atividade de logging the web. Os primeiros blogs eram muito parecidos com qualquer site da web. A partir do surgimento de ferramentas simplificadas de publicação, eles passaram a ser adotados e apropriados para os mais diferentes usos, diferenciando-se nesse processo e criando uma identidade própria. (Fonte: Blogs.com: estudos sobre blogs e comunicação. Adriana Amaral, Raquel Recuero, Sandra Montardo (orgs). São Paulo: Momento Editorial, 2009)

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Como começou o projeto do ScienceBlogs Brasil? Bom, eu sempre gostei muito de divulgação científica. No começo da graduação, comprei o Livro de Ouro da Evolução, do Carl Zimmer, e me empolguei demais, ele escreve sobre coisas que eu gosto mesmo de ler. E descobri que ele tinha um blog, o The Loom (http://blogs.discovermagazine.com/loom/), que na época estava no ScienceBlogs americano. Daí comecei a acompanhar os blogs de lá, mas só lia, não pensava em escrever nada. Isso foi em 2006. No ano seguinte, teve um encontro de jornalismo científico da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC). Eu fui e encontrei um colega que tinha feito uma disciplina comigo na pós, o Rafael Soares, do blog RNAm (http:// scienceblogs.com.br/rnam/). Nós trocamos ideias sobre blogs e ele me incentivou a começar a escrever. Então eu montei o Transferência Horizontal, comecei a escrever e a buscar outros blogs em português para conversar e trocar links. Daí trombei com o Brontossauros em meu Jardim (http://scienceblogs.com.br/ brontossauros/), o blog do Carlos Hotta. Comecei a comentar no blog dele, ele começou a comentar no meu, até que pensamos: por que não começamos a escrever juntos? Podíamos montar uma coisa mais séria. Então, ele lembrou do ScienceBlog americano, e deu a ideia de montarmos um condomínio de blogs em português. E aí surgiu o Lablogatórios. Nós colocamos o Lablogatórios no ar em agosto de 2008 e, a princípio, convidamos os blogs que gostávamos de ler. Deu três dias e o pessoal do ScienceBlogs.com entrou em contato com a gente e nos convidou para sermos o ScienceBlogs Brasil. Nem a Folha de S. Paulo, o UOL, IG, ou qualquer outro veículo da internet, em português, tomou conhecimento do que era o Lablogatórios, ou da utilidade de uma rede de blogs em ciência. E a maior rede de blogs do mundo, em três dias, já estava contatando a gente. É muito diferente a abordagem. Nós topamos, ficamos seis meses na preparação, mudamos o nome, o gerenciamento do site, compartilharmos o conteúdo com eles e montamos o ScienceBlogs Brasil (SbBr).

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Em sua opinião, por que a ideia de um condomínio de blogs é interessante? Por compartilhar credibilidade. A ideia do Lablogatorios era principalmente essa, juntar audiência, porque, se comparado com outros, Ciência é um tema que ainda tem pouca visita, infelizmente. Pensamos: – se unirmos todos, poderiamos compartilhar as visitas, o leitor e conseguiriamos transmitir mais credibilidade. Na internet, é muito fácil achar conteúdo de pseudociências do pior tipo – campanha antivacinação, teorias da conspiração que falam que o câncer foi criado para matar, que o vírus HIV foi construído em laboratório, enfim. Para o público leigo, que teoricamente é o foco dos blogs, fica difícil, confunde, tem muito conteúdo que parece correto, mas é cientificamente errado. A regra da comunidade de blogs é que você compartilha um pouco da sua credibilidade. Se você entrou no meu blog, gostou do que eu falo, achou que é legítimo, terão outros blogs de que você também irá gostar. A quantidade de acessos é grande? Os acessos são quantificados por blog. Então eu posso te falar do meu, o Rainha Vermelha (http://scienceblogs.com.br/ rainha/), em tempos em que estou escrevendo bem, com frequência, chega a ter mil acessos diários. Não são visitantes únicos, são mil pageviews – se um visitante entra e vê três páginas, conta como três pageviews. Atualmente, fica em torno de 600-700 visitantes diários. É um blog de Ciência bastante acessado, chutando alto, um blog do gênero vai ter um torno de 500 visitas diárias, por aí. Alguns por conta de conteúdo antigo, bastante coisa fica indexada pelo Google. Por exemplo, tem bastante aluno que busca informações para trabalho escolar, e aí o blog vai ter de dois a três mil acessos. Por exemplo, o blog de Física Efeito Joule (http:// www.efeitojoule.com), que é de um amigo, não está no SbBr. Ele fez um texto, “como economizar energia elétrica”. Eu garanto que esse texto tem umas cinco mil visitas diárias pelo tanto de visitantes que ele me manda de lá.


Foto: Arquivo pessoal

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Como é a relação com o público? Qual a importância dos comentários deixados pelos leitores? É engraçado, você acaba criando uma relação com os comentaristas. Tem um pessoal que sempre entra e comenta. Eu sei que se fulano entrar e comentar, é porque o texto agradou. Como em sala de aula, que tem cinco ou seis alunos ali na frente e você vai medindo a aula por eles. Hoje em dia, com o Twitter, tudo fica mais próximo. Tem muita gente com quem eu converso no Twitter e encontro no blog. Que lê o blog ou eu li o blog da pessoa e esse círculo acaba expandindo. Mas, para mim, tem comentários que são um bom jeito de medir o resultado do post. No entanto já ouvi muita gente dizer que não quer escrever um blog de Ciência por medo de comentários. De críticas mesmo. Cientista tem muito isso, essa preocupação com a imagem, com o que vão pensar. Você acha que dá para aprender a partir dessa interação com os leitores? É o melhor jeito de aprender mais a respeito de alguma coisa. Primeiro, quando você vai fazer o post, descobre muito mais sobre um paper do que se estivesse lendo sozinho. Você começa a escrever e fala: como é que eles pensaram isso? Como é que eles chegaram a tal coisa? E aí é obrigado a ler o artigo com muito mais carinho para responder essas questões. Nos comentários sempre tem alguém que indica outro trabalho, ou alguma coisa que já fizeram, que já ouviu falar, ou um vídeo sobre o tema, ou mandam um e-mail para comentar sobre o que leu. É um ótimo jeito de aprender. E quando os leitores não concordam com os textos e ficam nervosos? Eu me divirto, sinceramente. Mas isso acontece pouco. Um post meu, normalmente, tem de quatro a cinco comentários. Mas na época da crise da gripe suína, quando estava escrevendo sobre o vírus e tudo mais, alguns posts bateram 180 – 200 comentários. E aí tinha gente xingando mesmo, dizendo que eu falava para vacinar porque eu era pago pela indústria farmacêutica, um monte de coisa assim. Mas pensei, que bom, ganhei o primeiro xingamento, sinal de que tem bastante gente lendo.

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Recentemente, o site do SbBr mudou de visual e agora ficaram bem visíveis os links para outras redes sociais, como o Twitter e o Facebook. Você acha que essas outras redes esvaziam os blogs? Ah, pelo contrário. Eu acho que é o jeito mais fácil de cair em uma rede que não é a sua. Quem entra no meu blog é o cara que gosta de Ciência, que assina o feed, que volta sempre para ver o que tem de novo. Mas com o “curtir” do Facebook é impressionante. Alguém clica nesse botão e, imediatamente, o texto cai no mural de pessoas que não têm nada a ver com Ciência, que a princípio não se interessariam por aquilo. O Facebook, para mim, ajuda muito com o aumento das visitas no blog, mais que o Twitter. Porque no Twitter quem te segue tende a ser gente próxima, e o movimento é uma coisa muito espontânea. Há um tempo coloquei um texto sobre o SWU [Music & Arts Festival: festival de música que busca a conscientização pela sustentabilidade] no Twitter, muita gente que não tinha nada a ver com Ciência ou com o blog começou a retwittar. Naquele dia, tive de 10 a 15 mil visitas, mas, foi uma coisa instantânea, uma semana depois já não tinha mais visita nenhuma. O efeito no Facebook é mais duradouro, então acaba virando uma ferramenta para você sair do círculo temático. Isso para mim é a melhor coisa, gente que não é da área de Ciência lendo textos sobre Ciência. Essa é a maior dificuldade que a gente tem, conseguir chegar em quem não entra na internet para ler Ciência. Qual a importância dos blogs de Ciência para a divulgação científica? Eu gosto de dizer que já são importantes, e a cada vez, serão ainda mais. Lá fora e aqui no Brasil tenho visto cada vez mais os cadernos de ciência encolherem. A Superinteressante quase não trata mais de Ciência: mês sim, mês não, tem uma matéria sobre espiritismo, criacionismo, a vida de Jesus, fantasma, aura. O Estadão [O Estado de S. Paulo], pelo que sei, estava com duas pessoas para cobrir a área. O G1 estava com uma pessoa para cobrir Ciência e Saúde e a Folha [de S. Paulo] acabou de juntar a editoria de Ciência e Saúde. Vejo os jornais encolhendo e o primeiro espaço que vai embora é o de

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Ciência. E não sei como alguém consegue escrever seis textos de Ciência e Saúde em um dia, ler o artigo por trás da descoberta, entrevistar alguém da área. Tenho visto muita tradução literal de press release. Teve um caso em 2009 ou 2010, um artigo que saiu sobre a estrutura do genoma do HIV. Vi primeiro na Agência Fapesp, saiu com erro, falaram que tinham publicado a sequência do genoma. Eu alertei, a sequência do genoma saiu em 1982, a novidade agora era a estrutura do genoma, não a sequência. Eles corrigiram rápido, mas aí comecei a ver um monte de texto em outros veículos com o mesmo erro. Todo mundo tinha copiado o primeiro texto, ou então, tinham feito uma versão mal traduzida do original em inglês. Cheguei a traduzir o press release no tradutor automático e vi diversas fontes reproduzindo um erro banal da ferramenta, simplesmente copiando. Então, o que eu acho ruim no blog de Ciência é que ele não tem o destaque de um caderno de Ciência, a pessoa tem que procurar. No caderno de Ciência, quem está folheando o jornal passa por ele. Mas, ao mesmo tempo, você tem contato com quem trabalha naquilo, ou está fazendo pesquisa, e está muito mais capacitada para escrever com referências, citando artigos, links, fontes, colocando vídeo. Jornalismo investigativo eu duvido muito que vá ter em blogs. Mas divulgação científica, explicação de novas teorias, de novos artigos, acho que hoje isso tende a estar muito mais em blogs do que em jornais. Na internet, você tem acesso a muita informação correta, mas também a muitos erros e equívocos. Como contornar esse problema? Acho que o mais urgente era que isso fosse abordado no ensino fundamental. Para mim, mais importante que muita matéria que a pessoa tem que decorar ou que só precisa para o vestibular, é uma disciplina que ensinasse a fazer busca na internet, a pesquisar e a filtrar o conteúdo que encontramos lá. Tenho amigos professores que já tiveram muitos problemas assim, passam um trabalho e o aluno entrega o material com o banner da Wikipédia. O aluno não tem o trabalho de interpretar o que leu. Um desses amigos, professor de


História, resolveu fazer um teste e deu o trabalho “Por que ‘fulano de tal’ fez aquela coisa?”. Não é quando nem como, mas por quê. Era preciso entender o contexto para responder. Ele disse que apenas um trabalho tirou 10, esse trabalho tinha pouco mais de duas frases. Quase todos os outros tiraram 0 porque simplesmente copiavam. É muito mais orientação e educação de quem está acessando aquilo do que a própria internet. Você acha que o número de blogs de Ciência tende a crescer no Brasil? Sim. Acho que a gente já teve um movimento de blogs bastante generalistas, os primeiros falavam um pouco de tudo. Hoje, eu, por exemplo, tendo a falar muito mais do que gosto, do que faço, que é trabalhar com evolução, com vírus. Acho que a gente passará a ter muitos blogs em nichos: blogs de médicos, de pessoas que trabalham com psicologia do comportamento, que trabalham com arqueologia de mamíferos, ou bactérias marinhas. Blogs bastante direcionados. Uma coisa que sinto muita falta, que tento incentivar, é convencer outros blogs que não são de Ciência a tratar de conteúdo específico. Uma das minhas primeiras experiências foi de escrever sobre ciência no blog Papo de Homem (http://papodehomem.com.br), que é um blog do universo masculino. Fui lá falar de ciúmes, de traição, do ponto de vista do homem. Teve um artigo, “A mulher é realmente o sexo frágil?”, que citava um paper, dizendo que não, o macho é o que mais morre na natureza. Bateu uns 800 comentários, gente discutindo todo tipo de coisa. Um texto sobre a evolução do homossexualismo também foi muito visitado, teve muita discussão, e lá no final eu cito o paper, a referência, sabe? É um review mesmo. Isso rende vi-

sita, rende discussão, pessoas falando que nunca tinham pensado nisso daquele jeito. É muito legal. Uma das coisas que acho que falta é isso, blogs que não são de Ciência e que já têm uma audiência grande, tratarem um pouco de Ciência ali dentro. Se você pegar grandes blogs em inglês, como o Boing Boing (http://boingboing.net/), vai ver que sempre tem uma coluna de Ciência, um cientista ou um jornalista de Ciência que escreve ali. Além disso, tem muita gente que não faz ideia do que seja um blog, não reconhece quando está em um. Após divulgar o que é blog, temos que convencer as pessoas a ler sobre Ciência. É muita coisa ainda para vencer. Quais são os planos para o futuro do SbBr? Planejamos abrir pelo menos mais dez blogs novos depois de ficar quase um ano sem nenhum novo. Para isso, abrimos uma seleção no final de 2011. A gente também deve fazer uma parceria logo, logo, com um site como o UOL ou o IG, para anunciar nosso conteúdo na homepage deles, provavelmente na editoria de Educação ou de Ciência. Uma parceria grande dessas é importante para novas visitas. E uma coisa que eu gostaria muito que o SbBr fizesse, mas ainda precisamos de mão de obra para isso, é trabalhar com outras mídias. Eu sinto falta de ter um podcast ou vídeos de Ciência, que atingem um público diferente e tratam o tema de um jeito diferente. Isso ainda faz muita falta em Ciência.

ClIquE aquI

Alguns blogs de Ciência que vale a pena conferir: nome: Rainha Vermelha endereço: http://scienceblogs.com.br/rainha/ Autor: Átila Iamarino, biólogo e doutorando (USP) nome: Física na veia endereço: http://fisicamoderna.blog.uol.com.br/ Autor: Dulcidio Braz Jr, físico e professor nome: Ciência na mídia endereço: http://ciencianamidia.wordpress.com/ Autor: Tatiana Nahas, bióloga e professora

nome: Questões de ciência endereço:

nome: Ciência a Bessa endereço: http://scienceblogs.com.br/bessa Autor: Eduardo Bessa, zoólogo

http://revistapiaui.estadao.com.br/ blogs/questoes-da-ciencia Autor: Bernardo Esteves, jornalista

e professor da Universidade do Estado de Mato Grosso

nome: Brontossauros em meu Jardim endereço: http://scienceblogs.com.br/brontossauros/ Autor: Carlos Hotta, biólogo, professor do Departamento de Bioquímica (USP)

nome: Gene Repórter endereço: http://genereporter.blogspot.com/ Autor: Roberto Takata, biólogo, doutorando USP

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hIstórIa

Ao estimular fascinante “arqueologia lexical”, pesquisa toponímica investiga origens e evolução dos nomes de cidades, morros, rios e outros tantos ambientes mineiros

Maurício Guilherme Silva jr.

Ao transitar pelas estradas de Minas Gerais, motoristas e passageiros percebem-se numa espécie de paraíso multifacetado. Diante dos olhos, surge, por entre a vastidão do “mar de morros”, a esplendorosa heterogeneidade do ecossistema local. Para além das maravilhas da natureza, porém, outras inusitadas riquezas hão de se exibir, despretensiosas, nas muitas retas e curvas do caminho. Para percebê-las, bastará ao viajante atentar-se às tradicionais placas de identificação geográfica, onde “vibram” os nomes de cidades, pontes, rios, córregos, fazendas ou povoados. Por trás de tais singelos (ou curiosos) vocábulos, vestígios da ação do homem travestem-se em léxico, de modo a eternizar histórias de valor inestimável. Referência ao “acervo de palavras de um idioma”. À cata, justamente, dos tesouros e mistérios sob o “véu das nomenclaturas” de cidades e demais logradouros mineiros, desde março de 2005, uma série de pesquisadores dedica-se ao projeto Atlas toponímico do estado de Minas Gerais (Atemig), coordenado por Maria Cândida Trindade Costa de Seabra, professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais

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O Atemig integra vasta rede de pesquisa sobre nomes de lugares, proposta pela professora Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick, da Universidade de São Paulo (USP). Outros projetos da iniciativa referem-se aos estados de São Paulo (Atesp) – sob coordenação da própria Maria Vicentina –, Mato Grosso do Sul (Atems), com chefia da professora Aparecida Negri Isquerdo, e Tocantins (Atito), sob direção da professora Karylleila dos Santos Andrade.

seus objetos de estudo. Além da constituição de corpus com os topônimos presentes nas cartas geográficas do IBGE, a iniciativa busca, segundo Maria Cândida Trindade, catalogar e reconhecer “remanescentes lexicais na rede toponímica mineira, cuja origem remonta a nomes portugueses, africanos, indígenas, dentre outros”, assim como “classificar e analisar o padrão motivador dos nomes, resultante das diversas tendências étnicas”. Os pesquisadores procuram, ainda, analisar fenômenos gramaticais e semânticos acarretados pela influência das línguas em contato no território mineiro, cartografar nomes de acidentes físicos e humanos do Estado, construir glossários toponímicos e realizar “estudos diacrônicos a partir dos dados coletados”. Por fim, destacam-se três outras vertentes de inquirição seminais ao projeto: a realização de gravações orais em busca de nomes e expressões fora da “rede toponímica oficial” de Minas Gerais; “o estudo dos nomes de logradouros (bairros, ruas praças, becos) presentes em cidades mineiras” e a análise de mapas antigos que remetem à região – vertente esta que conta com a parceria da geógrafa Márcia Santos, do Centro de Cartografia Histórica da UFMG.

Foto: Arquivo pessoal

(Fale/UFMG). Até o momento, a iniciativa rendeu a catalogação crítica (com anotações sobre origens, evolução etc.) de aproximadamente 85 mil nomes próprios de lugares, os chamados “topônimos”. Realizada por meio do Centro de Estudos Toponímicos da Fale – ligado ao Grupo Mineiro de Estudos do Léxico (GruMEL), também com sede na UFMG –, a investigação definiu, como corpus de trabalho, as cartas geográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), correspondentes aos 853 municípios de Minas. Como “matéria-prima toponímica” para a pesquisa, somem-se, aos nomes das cidades, milhares de expressões e termos definidores de rios, córregos, fazendas, pontes e outros tantos lugares, edificações e/ou ambientes do Estado. “O trabalho é vasto e bastante meticuloso. O resultado, contudo, vale todo o esforço. Afinal, os topônimos são patrimônios culturais”, ressalta a professora Maria Cândida Trindade. Pois para observar, conhecer e preservar as riquezas socioculturais de uma nação, nada mais importante, aos pesquisadores, do que a ampliação das vertentes de desenvolvimento teórico e metodológico. Neste caso, pode-se dizer, até mesmo, que a toponímia – parte integrante da “onomástica”, responsável pelo estudo dos topônimos – caracteriza-se, naturalmente, como uma das mais multidisciplinares dentre as linhas de pesquisa da linguística, em função de suas necessárias inter-relações com a história, a arqueologia e a geografia. As metas do projeto Atemig revelam-se tão abrangentes e complexas quanto

“O trabalho é vasto e bastante meticuloso. O resultado, contudo, vale todo o esforço. Afinal, os topônimos são patrimônios culturais” Maria Cândida Trindade professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (Fale/UFMG)

Minha terra tem palmeiras... Os topônimos marcam-se pela origem múltipla. Se muitos nasceram a partir dos nomes de elementos da natureza (pedras, vegetais e animais), outros tantos dizem respeito, por exemplo, aos “grandes” homens e seus feitos (políticos e doutores, principalmente) ou às entidades metafísicas (santos católicos, divindades indígenas etc.). Para organizar os processos de tipificação das expressões e vocábulos investigados, os pesquisadores optaram por utilizar, no projeto Atemig, 23 categorias taxionômicas – representativas dos principais padrões motivadores de topônimos no Brasil –, fruto de metodologia desenvolvida pela professora Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick, da Universidade de São Paulo (USP). Dentre tais “tipologias”, importante ressaltar aquelas de maior destaque, em função de sua maior recorrência. Trata-se, em suma, de Fitotopônimos (alcunhas de lugar MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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motivadas pelos nomes de plantas); Geotopônimos (baseados no relevo); Antrotopônimos (relativos ao homem); Hagiotoponônimos (referentes aos santos); Hidrotopônimos (resultantes do convívio das comunidades com a água), Sociotopônimos (indicativos de aglomerações) e Corotopônimos (concernentes à nomenclatura de cidades, países, estados, regiões e continentes). Um dos mais interessantes resultados do projeto refere-se à categoria de topônimos mais identificada, pelos pesquisadores, nas centenas de localidades mineiras: “Em primeiro lugar, estão os nomes cuja origem remonta às plantas”, afirma Maria Cândida Trindade Costa de Seabra. Trata-se de termos como “Buriti” [ver box], vocábulo originário, como se pode perceber, da tradicional espécime de palmeira e, segundo o estudo, encontrada em inúmeros pontos do Estado, com ênfase para a região Norte. “Os nomes de lugares guardam o que de mais antigo se pode imaginar. No caso dos termos provindos de plantas, é possível, até mesmo, recuperar a história da flora em determinada região”, explica a coordenadora. O raciocínio também serve para as outras categorias de topônimos, que, cada um a seu modo, “trazem à nota” importantes vestígios

do passado. No que tange, por exemplo, aos termos de origem antroponímica, segunda tipologia mais identificada em Minas Gerais, há grande possibilidade de resgate (ou redefinição) de questões vitais à compreensão dos movimentos sociopolíticos. Tomem-se, como exemplo, os pastos de uma propriedade rural, denominados “Pascaló” e “Chico Lopes”, localizados no município de Barra Longa, na Fazenda Matheus Coelho. Estudos realizados pela professora Maria Cândida Trindade – entre 2000 e 2004, período em que desenvolvia sua tese de doutorado – revelam que os dois nomes estariam ligados, respectivamente, aos sertanistas Paschoal Lopes Braga e Francisco Lopes, a quem, no longínquo marco dos primeiros anos dos Setecentos, teriam sido concedidas cartas de sesmarias. Diante de tal constatação, perceba o leitor, “petrificadas” na pronúncia contemporânea dos termos, referências diretas àqueles que, há muitos séculos, eram responsáveis por dadivosas porções de terra na região. No que se refere à metodologia empregada pela autora, com vistas ao delineamento de tais deleitosas conclusões, importante lembrar a necessidade de análise, por parte da pesquisadora, de raríssimos documentos resguardados pelo Arquivo

Seu nome, sua identidade

No pequeno glossário abaixo, desenvolvido no âmbito do Projeto Atemig, confira a complexa e fascinante história por detrás de uma série de topônimos identificados em Minas Gerais: ALMÉCEGA – Nf • árabe(al-mástaká) < grego(mastíche) • Árvore cuja resina aromática, de coloração amarela, possui propriedades medicinais. • Nomeia – Metropolitana de Belo Horizonte – lagoa no município de Dionísio. – Norte de Minas – córrego nos municípios de Coração de Jesus, Pirapora. • Ver: almesca, amescla. babaçu – Nm • tupi(ibabassú) • Espécie de palmeira, cujo fruto é o coco-babaçu. • Nomeia – Sul / Sudoeste – córrego no município de Passos. – Triângulo / Alto Paranaíba – córrego nos municípios de Campo Florido, Car-

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mo do Paranaíba, Rio Paranaíba, Sacramento, Tupaciguara, Uberaba, Veríssimo; fazenda nos municípios de Campo Florido, Rio Paranaíba, Sacramento, Uberaba; localidade no município de Carmo do Paranaíba, Rio Paranaíba. • Ver: bagaço, bagaçu, baguaçu. buriti – Nm • tupi(mïrï’ti) • Palmeira alta e ereta, de folhas grandes; muito usada para confecção de canoas. Seus frutos são grandes e comestíveis. • Nomeia – Central Mineira – açude no município de Martinho Campos; córrego nos municípios de Abaeté, Araújos, Bom Despacho, Buenópolis, Curvelo, Dores do Indaiá, Estrela do Indaiá, Leandro Ferreira, Martinho Campos; fazenda

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nos municípios de Abeté, Araújos, Dores do Indaiá, Estrela do Indaiá; serra no município de Curvelo. – Metropolitana de Belo Horizonte – açude, lagoa no município de Papagaios; córrego nos municípios de Papagaios, Pitangui ; fazenda no município de São Domingos do Prata. – Noroeste de Minas – córrego nos municípios de Arinos, Buritis, Formoso; fazenda nos municípios de João Pinheiro, Lagamar, Paracatu, Presidente Olegário, Unaí; lagoa nos municípios de: Arinos, Presidente Olegário. – Jequitinhonha – córrego nos municípios de Berilo, Carbonita, Chapada do Norte, Diamantina, Minas Novas; fazenda no município de Diamantina, Itamarandiba, Minas Novas; lagoa no município de Minas


Público Mineiro: “Só ali eu poderia encontrar o que precisava para remontar os cenários da história”, afirma, ao ressaltar, ainda, que o “topônimo representa uma espécie de ‘etiqueta’”, capaz de carregar, em si, marcas diversas de um lugar, de um período, de uma sociedade.

Segundo mostram os estudos toponímicos, os nomes são capazes, até mesmo, de “registrar” o etéreo sentimento daqueles que sentem falta do que, um dia, fora sua amada realidade. A chamada “toponímia da saudade” revela-se, por exemplo, em casos como a do povoado de Gesteira: conforme identificado pelos pesquisadores do projeto Atemig, o termo diria respeito à iniciativa de imigrantes vindos do Centro-Norte de Portugal, que, em terras mineiras, buscavam homenagear – de modo exemplarmente saudoso – a cultuada Nossa Senhora da Conceição de Gesteira. Para além dos termos surgidos da dor da distância, porém, a identificação de outras inúmeras motivações apresenta-se como fundamental ao entendimento do processo de cristalização dos topônimos. Ligados ao projeto, professores e pesquisadores de distintos níveis acadêmicos – de estudantes de

graduação a pós-doutores – dedicam-se com afinco à descoberta das origens de palavras, por vezes, nebulosas. Nesse cenário, cada pequeno termo requer estudos multifacetados – o que, do ponto de vista metodológico, resume-se em conciliar investigações de campo, entrevistas em profundidade e ampla pesquisa bibliográfica. Daí, aliás, a vasta produção desenvolvida pelos estudiosos, cujas temáticas buscam inquirir a origem dos topônimos de modos os mais diversos e instigantes. Além dos já ressaltados objetivos centrais do projeto Atemig, também há pesquisadores envolvidos na análise, por exemplo, do léxico rural das Minas Gerais: “Trata-se dos nomes coletados no campo, mas pouco conhecidos nas cidades”, esclarece Maria Cândida Trindade. Como se pode perceber, mais do que estimular o contato com as riquezas do passado, as investigações toponímicas destacam-se pela capacidade de estimular, por meio da língua, a reaproximação de indivíduos em situações completamente distintas. Daí, pois, a importante dica ao leitor: em sua próxima passagem pelas tortuosas estradas de Minas, não se esqueça de dar ampla atenção às placas. Nelas, afinal, há tesouros invisíveis.

Novas; localidade em Carbonita; ribeirão em Minas Novas.– Norte de Minas – chapadão nos municípios de Bocaiúva, Itacambira, Juramento; córrego nos municípios de Bocaiúva, Brasília de Minas, Capitão Enéias, Cristália, Grão Mongol, Itacambira, Juramento, Lassance, São Francisco, Rubelita, Ubaí, Urucuia; fazenda nos municípios de Bocaiúva, Itacambira, Juramento; lagoa no município de Jequitaí; localidade nos municípios de Bocaiúva, Cristália, Grão Mongol, Itacambira, Juramento; riacho nos municípios de Brasília de Minas, São Francisco, Urucuia, Varzelândia; sítio nos municípios de Capitão Enéias, Grão Mongol. – Oeste de Minas – córrego nos municípios de Conceição do Pará, Divinópolis, Formiga, Igaratinga, Nova Serrana, Perdigão, Santo Antônio do Monte, São Gonçalo do Pará; fazenda nos municípios de Formiga, Santo Antônio do Monte; localidade no muni-

cípio de Divinópolis. – Sul / Sudoeste – córrego no município de São Sebastião do Paraíso. – Triângulo / Alto Paranaíba – córrego nos municípios de Araguari, Campo Florido, Canápolis, Capinópolis, Coromandel, Frutal, Grupiara, Ipiaçu, Itapegipe, Ituiutaba, Iturama, Monte Alegre de Minas, Monte Carmelo, Patos de Minas, Pirajuba, Prata, Uberaba, Uberlândia, Veríssimo; fazenda nos municípios de: Água Comprida, Araguari, Campina Verde, Canápolis, Capinópolis, Conceição das Alagoas, Estrela do Sul, Frutal, Indianópolis, Ipiaçu, Itapegipe, Ituiutaba, Iturama, Monte Alegre de Minas, Nova Ponte, Patos de Minas, Prata, São Francisco de Sales, Uberaba; lagoa no município de Frutal; localidade no município de Uberlândia; ribeirão nos municípios de Água Comprida, Conceição das Alagoas, Uberaba; rio no município de Uberaba. – Zona da Mata – córrego nos municípios

Os nomes da saudade

de Mar de Espanha, Santa Rita do Ibitipoca; fazenda no município de Piau. indequicé – Nm • tupi(andiràquicê) • Variante de Andrequicé. Planta leguminosa, gramínea cortante. • Nomeia – Metropolitana de Belo Horizonte – ribeirão no município de Santana do Riacho. • Ver: Andrequicé, indequessé. pindaituba – Nf • tupi(pinda’ïwa’tyba) • Lugar de muita pindaíba – nome comum a várias árvores da família das anonáceas, compridas e delgadas, de madeira leve de cor de pinho, muitas fornecem fibras.• Nomeia – Triângulo / Alto Paranaíba – córrego nos municípios de Araguari, Estrela do Sul, Indianópolis, Nova Ponte; fazenda nos municípios de Araguari, Cascalho Rico, Estrela do Sul.

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ECoNoMIa DoMéstICa

Pesquisadora da Universidade Federal de Viçosa cria protótipo de berço que oferece conforto e segurança para bebês e pais

Kátia Brito

Karina Bernardes de Oliveira, 32 anos, está grávida de sete meses e, como toda mãe, assim que soube da gravidez começou a planejar o quarto do bebê. “Pensei na estética, o tema do quarto, o berço mais bonito, o guarda-roupa que vai combinar com a cômoda e os acessórios”, conta. Quando questionada se na hora de escolher o berço ela avaliou a segurança e a comodidade do móvel para a criança, a resposta foi rápida: “O pai é que pensa na questão de segurança! Meu marido observou se o berço ofereceria segurança para o bebê, se o colchão ficaria firme mesmo, como a grade poderia ajudar, se a madeira poderia soltar algum resíduo que pudesse prejudicar a saúde da criança e a posição para pegar nosso filho”. Ter um berço adequado ao corpo do bebê e às necessidades dos pais é essen-

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cial para a saúde e o bem-estar da família. Na Universidade Federal de Viçosa (UFV), desde 2003 a pesquisadora do Departamento de Economia Doméstica, Simone Caldas Tavares Mafra, trabalha com o mapeamento dos berços existentes no mercado e no desenvolvimento de um protótipo que proporcione qualidade de vida para os bebês e os pais. A pesquisa foi iniciada a partir do interesse de uma aluna que observou que, do mobiliário infantil, o berço é o que oferece maiores riscos para os usuários. No caso das crianças, os acidentes estavam relacionados com quedas e prisão dos braços ou a cabeça entre as grades do móvel; já para os pais o problema está na posição para pegar e colocar o bebê no berço. A partir dessas informações a pesquisadora foi a campo para recolher, junto a 20 famílias de Viçosa, pais de “primeira

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viagem” e outros mais experientes, relatos sobre o uso do mobiliário ao longo da vida dos filhos e as principais dificuldades para os pais e para o bebê. Os problemas, citados anteriormente, apareceram novamente no depoimento dos adultos. “A queda das crianças para fora dos berços foi o acidente mais relatado pelos pais, que explicaram que as crianças subiam em alguma coisa que estava dentro do móvel, e, normalmente, como a grade não estava em altura adequada para oferecer segurança, as quedas aconteciam”, explica Mafra. Depois da entrevista com as famílias, a segunda fase da pesquisa foi avaliar se o que os pais relataram a respeito do móvel era compatível com o que era vendido no mercado moveleiro de Viçosa. “Fomos a seis lojas e pudemos constatar que os berços vendidos apresentavam características de riscos para a criança. O mais sério


é que tanto vendedores como lojistas não tinham informações para o consumidor que reduzissem a situação de ineficiência do móvel”, afirma. Este estudo de campo ainda pôde apontar um problema na norma para os mobiliários vendidos no Brasil: a ausência de orientações para o usuário. De acordo com Mafra, em 2003 o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) entrou em contato para que fossem enviadas informações sobre aspectos físicos dos berços que a pesquisa tinha avaliado. Com isso, na ocasião, o Inmetro realizou testes de resistência do material utilizado nos berços e avaliou a norma de produção existente. Entretanto, não houve muitas mudanças na produção do móvel. Por isso, a pesquisadora percebeu a necessidade de criar um manual para compra de berços. “Estamos desenvolvendo uma metodologia para avaliação de berços. Acredi-

que mantém o colchão numa posição mais reta, reduzindo o desconforto do corpo e da coluna. No caso dos pais, o que acontece é que a criança cresce, e assim, aparece a necessidade de abaixar o estrado do berço, a fim de oferecer segurança aos pais, ao tirar e colocar o bebê no berço. Começam a fazer movimentos impróprios com a coluna, que acarretam um transporte de carga de forma inadequada, se eles têm a regulagem da grade, não precisam pegar esse bebê, que está mais pesado no fundo do berço, e podem pegá-lo de forma livre, sem o obstáculo da grade. Isso proporciona o conforto da coluna, movimentação dos braços e dorso de uma forma geral para os pais”, explica. A ergonomia também estará presente no acabamento do berço. A proposta da pesquisa é que o móvel não receba tinta ou aplicação de revestimento plástico, mas que seja empregado um acabamento de natureza ecológica e que não cause problemas de intoxicação nos bebês. Houve

rafusos aparentes, o que evita a criança de ferir a boca, língua e gengiva, ou até mesmo engolir estes itens, a eliminação de gavetas e outros objetos que possam ajudar a criança a escalar e cair e a não-fixação de cortinados, pois a criança pode puxar e correr o risco de ser sufocada pela tela. O Ergoberço, com grades, estrado e revestimentos adequados e diferentes dos berços do mercado, foi testado, em 2010, por 50 famílias, que aceitaram bem o protótipo. A única ressalva está na estética, pois a maioria achou a cor do móvel “estranha”. “Chegamos a um modelo sem nenhuma preocupação com a estética, ele não tem cabeceira e nem pés bem trabalhados porque o objetivo da pesquisa não é definir um berço em termos de design, mas definir um modelo com padrões eficientes quanto a segurança e conforto” observa Mafra. A próxima etapa da pesquisa é apresentar os resultados dos testes das famílias

tamos que será útil para avaliá-los, mas também para subsidiar outros móveis que tenham características semelhantes e que sejam utilizados por crianças com faixa etária entre 0 a 2 anos”. Unindo todas essas informações foi possível traçar o perfil do berço adequado para garantir a segurança e o conforto da família. Para construção do Ergoberço, novo modelo de berço proposto pela pesquisa, os aspectos ergonômicos foram essenciais. A ergonomia é uma disciplina que estuda as interações entre o homem e outros elementos de um sistema (cadeiras, mesas, camas etc) com o objetivo de transformar espaços e objetos, tornando-os compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas. “Na situação específica do bebê a ergonomia atua na postura adequada durante o sono, e para isso utiliza-se o estrado liso

essa preocupação com o revestimento do Ergoberço porque os pais relataram, nas entrevistas, que os filhos roíam a grade do móvel. “Nós testamos o verniz ecológico produzido pelo Instituto para o Desenvolvimento de Habitação Ecológica (Idhea) da Universidade do Estado de São Paulo (USP). Fizemos esse teste aqui para efeito de identificação de algum problema relacionado a ingestão pela criança, e detectamos, a partir do uso de ratos, que o verniz ecológico não causou nenhuma alteração no organismo dos ratos estudados”. O protótipo criado pela pesquisadora, além do conforto postural, oferece segurança para a criança à medida que ela crescer. A grade, por exemplo, tem um espaçamento menor que impede a criança de tentar passar a cabeça, pernas e braços por ela. Outras características do modelo proposto são a ausência de pregos ou pa-

com o Ergoberço para dar entrada no pedido de patente. “Enquanto estiver tramitando o pedido, vamos buscar financiamento para o segundo teste em campo e produzir novamente cinco berços e levá-los, talvez, a mais 50 famílias diferentes das que já participaram”, explica.

Projeto: ERGOBERÇO® Avaliação do produto berço para adequação às variáveis de segurança e conforto. Coordenador: Simone Caldas Tavares Mafra Modalidade: Demanda Universal Valor: R$ 23.489

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Educação

O desafio da formação Pesquisadoras do Cefet-MG defendem a importância de disciplinas ligadas ao ensino de escrita e leitura nos cursos de Engenharia Fabrício Marques

Quais as expectativas que os jovens carregam consigo sobre o curso superior que escolheram? De modo específico, o que esperam das aulas de Português aqueles que ingressam nos cursos de Engenharia? Dispostas a procurar respostas para questões como essas, pesquisadoras do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) desenvolveram o projeto “Leitura e escrita na formação do engenheiro”, entre 2009 e 2011. O objetivo era fazer uma sondagem a fim de conhecer melhor o perfil de leitor/produtor de textos do aluno novato. “Como o departamento de Linguagem e Tecnologia, onde atuo, é que oferece

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essas matérias ligadas a ler e escrever (textos técnicos, textos científicos), sentíamos que entrávamos muito ‘crus’ na sala de aula da Engenharia”, afirma a coordenadora geral do projeto, Ana Elisa Ribeiro. De acordo com a pesquisadora, há uma “lenda” de que os estudantes da área de Exatas serão menos dispostos com este tipo de disciplina. “Então era importante conhecer as necessidades dos futuros profissionais, ter mais propriedade para tratar do texto e da leitura em Engenharia. Não conhecíamos nenhuma sondagem mais sistemática nesse sentido, no Cefet-MG”. Desse modo, resolveram conhecer os estudantes ingressantes, saber com que textos e tecnologias


eles lidam, conhecer o que pensam (aí já incluindo estudantes de outros períodos) e saber o que coordenadores de curso e professores concebem como ensino de Português para futuros engenheiros. A pesquisa, assim, visava a um diagnóstico e, a partir dele, a melhorias na relação entre as aulas e a formação dos engenheiros. Para isso, foram usados diversos instrumentos: aplicação de questionários a cerca de 300 alunos, criação de grupos focais e entrevistas, conforme a necessidade. O tratamento desses dados gerou diversos artigos em revistas e congressos. O documento em vigor que orienta a composição e os alinhamentos dos cursos de Engenharia é o parecer do Conselho Nacional de Educação CES 1.362/2001 de 12 de dezembro de 2001. Nele estão instituídas as diretrizes que devem ser observadas nos currículos dos cursos de engenharia brasileiros, sendo que o engenheiro deve desenvolver um perfil profissional e acadêmico que abarque uma formação crítica e reflexiva. Entre as 14 diretrizes propostas para a formação do engenheiro na atualidade, a alínea (i) é a que interessou as pesquisadoras: “comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica”. Ana Elisa e Ana Maria Nápoles Villela entendem que essa alínea não deixa dúvidas sobre a necessidade de que os engenheiros, em formação, desenvolvam habilidades de leitura, escrita, fala e expressão gráfica. Aos cursos, portanto, cabe o desafio de propi-

ciar ao estudante oportunidades para que ele possa “comunicar-se eficientemente”. Após a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais, os cursos de engenharia vêm tentando se alinhar ao parecer e os cursos novos vêm sendo propostos de forma a atender o documento. A proposta do projeto partiu do interesse das professoras em alinhar melhor as aulas de Português Instrumental (entre outras oferecidas às Engenharias pelo Departamento de Linguagem e Tecnologia) aos interesses dos estudantes, da escola e do trabalho em engenharia. De outro lado, queriam remodelar essas aulas em relação ao que se tem pesquisado e conhecido na área de Linguística Aplicada, especialidade delas. “Há um conflito nisso: o professor de texto que atua na engenharia não é engenheiro. Por outro lado, um engenheiro não é professor de português ou redação. É importante que haja um bom diálogo aí”, ressalta Ana Elisa. Os resultados alcançados são, aproximadamente, o fato de saberem, com mais sistematicidade, como são os alunos que entram na Engenharia em relação ao consumo de leitura, cultura e à produção escrita. “Em geral, são alunos que leem bastante e não estão tão distantes da escrita quanto dizem os estereótipos. O curso de engenharia demanda muita escrita, assim como a profissão”, observa Ana Elisa. E completa: “Fizemos uma Jornada sobre Leitura e Escrita na Engenharia e convidamos engenheiros jovens, que atuam em

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Foto: Marta Rocha

Professora Ana Elisa Ribeiro, no pórtico da Mostra Específica de Trabalhos e Aplicações, feira que ocorre bienalmente no Cefet-MG, na Semana de Ciência & Tecnologia

Souza Soares. Os alunos contemplados com bolsas de IC da FAPEMIG foram Érika G. Alves Alcântara e Camila Rodrigues dos Reis, ambas de Engenharia de Materiais. Camila saiu do projeto, sendo substituída pelo aluno Thiago Câmara de Souza. Um terceiro subprojeto foi orientado pelas profas. Marta Passos Pinheiro e Micheline Madureira Lage (esta do Cefet-MG campus Timóteo): “Letramento literário nas engenharias do CEFET-MG: Repertório cultural dos alunos”. O bolsista foi Thiago Mendes Vieira (Engenharia da Computação). Em todos os casos, a preocupação era estudar a oferta de disciplinas ligadas ao ensino de escrita (e leitura) no Cefet-MG, nas Engenharias todas, em relação às diretrizes oficiais do país sobre a formação de engenheiros competentes, do ponto de vista comunicacional.

Inquietação grandes empresas, para falar sobre o dia a dia. Todos foram enfáticos em apontar a quantidade e a qualidade dos textos que precisam produzir todos os dias”. De fato, saber da necessidade de produção de textos com qualidade mostra ao aluno que ele precisa se desenvolver mais nesse aspecto, só que agora na seara dos textos técnicos. “Para sobreviver bem na graduação é necessário conhecer os textos acadêmicos, sem os quais ele não se forma. Tivemos uma visão mais nítida de quais são as expectativas dos alunos quanto às aulas de Português. Muitos se assustam quando chegam na graduação e encaram uma disciplina como essa.” – comenta a pesquisadora. Para ela, as expectativas estão bastante desalinhadas com relação ao que se propõe na Linguística Aplicada. “Muitos estudantes ainda ligam as aulas de língua ou de redação da Engenharia ao ensino de gramática normativa. Não é só isso que faz um bom texto”, avalia. As concepções dos coordenadores de curso e professores também foram colhidas. Tudo isso relacionado ao parecer do Ministério da Educação sobre habilidades do engenheiro. “Agora, com uma discussão mais interna ao departamento de Linguagem e Tecnologia, temos condições de

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desenhar melhor uma proposta de curso, assim como ficar mais atentos aos textos que circulam de fato na área técnica”, diz a coordenadora geral do projeto, que incluiu mais cinco professores, de início, contando um professor da Universidade Federal de Lavras (Ufla). Do Cefet-MG, participaram Marta Passos, Ana Maria Villela e Micheline Lage. Também inicialmente, havia oito estudantes, entre mestrandos e graduandos. Quatro deles tiveram bolsa de Iniciação Científica da FAPEMIG. O projeto maior gerou subprojetos. Ana Elisa orientou “Representações sobre ler e escrever nas engenharias do Cefet-MG: discursos sobre leitura e escrita para a formação acadêmica e para o trabalho”, com co-orientação da mestranda Suelen E. Costa da Silva. A bolsista foi Izabella Ferreira Guimarães (aluna de Engenharia de Materiais). Houve também o apoio de uma aluna voluntária do mesmo curso, Bárbara Rodrigues. Outro subprojeto, “Competências de leitura e escrita na formação do engenheiro: estudo dos projetos pedagógicos dos cursos de engenharia do CEFET-MG em relação ao Parecer CNE/CES 1.632”, foi orientado por Ana Maria Nápoles Villela, com co-orientação da mestranda Juliana

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“Eu e a professora Marta Passos tínhamos uma inquietação. Como trabalhamos com formação de leitor literário, em uma perspectiva do letramento [isto é, da leitura de literatura], queríamos conhecer o leitor dos cursos de Engenharia: o que liam, com que frequência, em que espaços, como etc”, afirma Micheline Lage. Partindo do perfil dos alunos no que tange a hábitos culturais legitimados, como ir ao cinema, frequentar museus, participar de exposições artísticas, queriam averiguar, junto a esses hábitos, o espaço para a leitura literária. Os resultados apontaram para uma proximidade de hábitos culturais, incluindo a leitura de livros literários, independentemente da localização dos cursos de Engenharia (interior de Minas e capital mineira). “Concluímos que a Internet tem sido a ferramenta responsável pela proximidade dos perfis dos jovens”, avalia Micheline. “A experiência foi muito rica, pois trabalhamos com uma equipe multidisciplinar. A atitude colaborativa foi a tônica desse projeto. Comunicávamos bastante por e-mail, trocávamos ideias todo o tempo, revíamos as questões dos instrumentos de coleta de dados de forma coletiva. Não fizemos nada que não fosse pela via do diálogo”, explica.


com o que eles chamam de “avaliação de necessidades”, que é uma espécie de sondagem da característica mais específica da comunicação em determinada área. “Isso pode se aplicar à redação para médicos, engenheiros ou economistas, por exemplo. Não trabalhamos aqui sistematicamente com “avaliação de necessidades”, mas hoje sabemos o que os alunos e coordenadores do curso esperam e podemos ajustar isso ao que nosso departamento pode oferecer. Temos também, claro, nosso conhecimento especializado”.

Sala de apresentação de trabalhos no 18º Intercâmbio de Pesquisas em Linguística Aplicada (Inpla), na PUC São Paulo, em 2011, onde resultados do projeto de pesquisa foram apresentados por alunos de Iniciação Científica e de mestrado do Cefet-MG

Foto: Arquivo Pessoal

“Conseguimos um número bastante significativo de dados, o que permitiu a construção de um cenário amplo acerca do perfil das engenharias do Cefet-MG. A riqueza desse projeto consistiu nisso: o leque de possibilidades que ele abre para mais pesquisadores”, frisa Micheline. Ela vislumbra ainda muitas perguntas a serem respondidas por meio da análise e do cruzamento desses dados. E tem saudades dos encontros, das trocas com os alunos, porque aprenderam muito com eles, e também do intenso diálogo com os pares. “Enfim, eu só tenho a agradecer à FAPEMIG por ter possibilitado esse nosso trabalho, que muito nos engrandeceu e muito contribuiu para a formação dos alunos e também para a nossa formação”, completa.

Descobertas “Com a pesquisa, aprendemos mais sobre o contexto em que damos aulas”, explica Ana Elisa Ribeiro. Na verdade, o projeto tinha duas faces: uma era conhecer o aluno e suas expectativas (além de conhecer esses elementos na própria escola); outra era usar esse conhecimento para melhorar as aulas, isto é, melhorar o alinhamento entre o que fazem os professores e o que os graduandos e futuros engenheiros precisam. “Não estávamos dando aulas para as paredes, mas para pessoas que sabem o que querem ser. A despeito disso, nem sempre elas têm clareza sobre a especificidade de certos expedientes comunicativos que terão de usar, praticar e ser bons neles”, comenta. Segundo a pesquisadora, um dos elementos fundamentais para a formação do engenheiro é a competência comunicacional oral e escrita. “Se pudermos propor cursos mais ‘conscientes’, nossa contribuição para a formação dos engenheiros será mais evidente. Acho que podemos tratar disso com mais sistematicidade agora”. No caso do Cefet-MG, há vários cursos de Engenharia, assim como diversos cursos técnicos. A pesquisa tratou de forma geral esses cursos. “No entanto, sabemos que ainda é possível refinar mais, tratando de cada engenharia em específico”, afirma Ana Elisa. Ela dá o exemplo do grupo de estudos de Português para Fins Específicos da PUC-SP, que trabalha

O que é a aula de português? Partindo do ensino proposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n. 9.394), aprovada em 20 de dezembro de 1996, Ana Elisa Ribeiro entende que se deve ensejar que todos dominem a leitura, a escrita e o cálculo, desenvolvendo capacidade de aprender para assegurar-lhes “a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. A aula Língua Portuguesa no ensino superior se enquadra nos “estudos posteriores” e, ao que parece, deve propiciar ao aluno uma atitude crítica diante do conhecimento que se processa e produz. Uma vez que o parecer de 2002 menciona as competências comunicacionais para a formação do engenheiro, presume-se não estar mais se referindo ao “básico” ou a questões de “nivelamento”. “A aula de Português deveria privilegiar o trabalho de produção de sentido, tanto no que refere à compreensão da leitura quanto à produção de texto”, defende a pesquisadora.

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ECologIa

o que falam as trilhas Pesquisa aponta os efeitos do ecoturismo sobre o solo e vegetação da trilha da cachoeira da farofa, principal atrativo turístico do Parque Nacional da Serra do Cipó

“A natureza tem uma voz de milhões de registros manifestados ao mesmo tempo, o que nos impede de apreendê-los”. O aforismo de Carlos Drummond de Andrade, publicado em O Avesso das Coisas, ilustra a grandiosidade da natureza, revelando a sua infinitude de espécies com suas diversas características peculiares. Ao mesmo tempo em que a natureza “fala”, as suas vozes não são totalmente perceptíveis ao homem. O trabalho de pesquisadores que desenvolvem estudos no ramo da Ciência denominado “Ecologia de recreação” é exatamente decifrar as formas que a natureza tem a “dizer”, quando submetida à constante visitação de pessoas, seja para ecoturismo, recreação, prática de esportes, ou simples contemplação da natureza. Desde 2007, um grupo de pesquisadores coordenados pelo professor Múcio

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Figueiredo, da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), iniciou uma investigação à respeito da qualidade do solo e da vegetação da principal trilha que conduz os turistas à cachoeira da Farofa, na Serra do Cipó, uma das unidades de conservação mais visitadas do Estado. Para descobrir os impactos causados pelo trânsito de pessoas, bicicletas e cavalos pela trilha, o grupo de pesquisa monitorou a perda de solo e realizou testes de pisoteio experimental nas laterais das trilhas. Além de diagnosticar os índices de compactação da superfície do solo no leito da trilha e fora do leito, na vegetação lateral. “Quando as pessoas, bicicletas e cavalos transitam pela trilha, tornam o solo desnudo, sem proteção vegetal, desencadeando um processo de desintegração dele. Medimos se havia

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Kátia Brito

perda ou acúmulo de material ao longo da trilha, além dos índices de compactação do solo”, explica Figueiredo. À medida que o solo fica instável, pois está sendo compactado e ao mesmo tempo desagregado superficialmente devido ao trânsito de pessoas, bicicletas e cavalos, torna-se propenso à erosão. Na medida em que a erosão avança no leito da trilha, gerando seu aprofundamento, o local torna-se incômodo para caminhadas e trânsito de bicicletas. O visitante (turista) busca, então, outros caminhos em meio à vegetação como alternativa ao incômodo causado pelo aprofundamento do leito (erosão) anterior, e é nesse momento que surgem novas trilhas. “Nós observamos, na trilha estudada, que havia até cinco leitos de trilha distintos abandonados, que as pessoas não usam mais porque se torna-


na medida em que expandem os locais de pisoteio através da abertura de trechos de trilhas alternativos”. A pesquisa está na sua última fase, em que foram abertas trincheiras nos solos do leito e das áreas de vegetação próximas à trilha e retiradas amostras para estudos laboratoriais a fim de identificar e comprovar a existência da compactação do solo em relação às áreas não pisoteadas fora das trilhas. As conclusões alcançadas até o momento apontam que a compactação apresenta variações de acordo com o tipo de solo encontrado na trilha e que não é a quantidade de pessoas que circula pelo parque que vai aumentar o problema, mas sim, como as pessoas se comportam ao caminhar pelas trilhas. Outros resultados verificados pelo grupo de pesquisa na literatura técnica mostram, por exemplo, que o trânsito de cavalos é extremamente danoso ao equilíbrio ambiental das trilhas. Esse tipo de uso - cavalos de montaria - é verificado na trilha investigada, mostrando, mais uma vez, o quanto que estudos geoecológicos são importantes para o gerenciamento ambiental de trilhas em unidades de conservação de uso público. Com o contínuo crescimento do ecoturismo brasileiro e mundial, a tendência é que os problemas apontados, se não forem geridos de forma adequada, sejam agravados. Portanto, os gestores das unidades de conservação têm um papel fundamental para avaliação e cuidado para com as trilhas, pois, elas são o meio de ligação entre o público e os atrativos naturais, viabilizando a sua visitação. Segundo o professor Figueiredo, caso as trilhas alcancem níveis críticos de degradação ambiental, a visitação aos atrativos naturais da unidade de conservação ficará comprometida. “O objetivo maior de diagnosticar e monitorar o estado das trilhas ecoturísticas é viabilizar a sua existência, fazendo com que a visitação continue ou até aumente. Não podemos privar a população de manter contato com a natureza. Se não houver a preocupação em planejar adequadamente o uso dessas trilhas, através de um diagnóstico ambiental objetivo, a visitação pode se tornar inviável a médio prazo”, observa Figueiredo.

Foto: Arquivo pessoal

ram focos erosivos, tornando-se, portanto, inadequados ao trânsito de visitantes. Isso é preocupante porque, em vez de um, teremos um conjunto de processos de degradação ambiental”, avalia. Os efeitos das novas trilhas abertas sobre a vegetação foram conhecidos a partir de uma técnica já consagrada em experimentos realizados nos Estados Unidos, Europa e Austrália, mas ainda praticamente não utilizada no Brasil, na qual são construídos sítios experimentais com raias de pisoteio. Em cada raia, foi aplicado o pisoteio em intensidades diversificadas e foi constatado que determinadas extratos de espécies vegetais se recuperam com rapidez e outras lentamente, como é o caso da vegetação do extrato gramíneo e herbáceo. “Em um dos sítios de pisoteio experimental, encontramos a brachiaria, espécie gramínea exótica, resistente e agressiva, que expulsa e ocupa o espaço de espécies nativas, que já existiam no local. Mesmo com o pisoteio, a brachiaria mostrou alta capacidade de recuperação (alta resiliência) em relação às outras espécies, gerando um desequilíbrio ecológico, pois não pertence ao bioma local”. Estudar o que acontece com os aspectos geoecológicos da natureza naquela zona do Parque Nacional da Serra do Cipó mostra, por exemplo, como tais estudos são importantes para que a integração do homem com a natureza possa ser mantida sem maiores danos ao meio natural local. Por isso, é necessário que os gestores conheçam os ambientes naturais do parque para implantarem ações de proteção do solo e orientação dos visitantes. “Propomos que seja criada uma espécie de protocolo de monitoramento dessas trilhas para identificar possíveis problemas à medida que forem identificados processos de degradação e tomar medidas para que, por exemplo, a erosão não aumente ou não haja a formação de poças de lama nos períodos chuvosos. Esse tipo de degradação das trilhas dificulta, e muitas vezes impede o trânsito de visitantes e ecoturistas, obrigando-os a buscarem caminhos alternativos que contornem o local impactado. Porém, inadvertidamente, começam a gerar outros focos de degradação ambiental,

Diagnóstico do índice de compactação da superfície do solo

Teste de pisoteio experimental em trecho da trilha

Projeto: Estudos geoecológicos em trilhas ecoturísticas do Parque Nacional da Serra do Cipó, MG CoordenAdor: Múcio do Amaral Figueiredo ModAlidAde: Demanda Universal VAlor: R$ 16.568

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ENGENHARIA

Submarino mineiro UFJF e Universidade do Porto trabalham no desenvolvimento de veículo subaquático autônomo feito exclusivamente para utilização em barragens Ana Flávia de Oliveira Marcus Vinícius dos Santos

Eternizados pela literatura, filmes e músicas, os submarinos fazem parte do imaginário de muitas pessoas como sendo uma “coisa misteriosa”. Avanço tecnológico, as primeiras naves com capacidade de navegar submersas datam do final de 1700. De lá até hoje suas aplicações vão além de poderosa arma de guerra ou de guarda,

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como originalmente pensadas pelo pioneiro estadunidense David Bushnell, durante a guerra de independência de seu país. Além de ferramenta auxiliar nos trabalhos de resgate, como no caso do navio Costa Concórdia, que naufragou na Itália no último mês de janeiro, o submarino também ajuda a explorar o fundo dos mares e a desvendar


ma para posterior manipulação e análise das informações geradas também é importante para a inspeção. “Com o novo sistema será possível descarregar todos os dados adquiridos pelos veículos e gerar um mapa virtual da represa, além de fazer o acompanhamento histórico dos defeitos encontrados mapeando áreas de risco e prevendo comportamento futuro”, destaca. Ao permitir reunir informações mais frequentes e a custo mais baixo, em estágios iniciais, o sistema otimiza suas aplicações e o investimento feito. Para se ter uma ideia do avanço que isso representa, atualmente a vistoria da barragem é realizada por equipes de mergulhadores com câmeras, o que gera alto custo, maior tempo de varredura e incertezas na qualidade e redundância de dados. Uma técnica conhecida como batimetria, coleta de dados por meio de equipamentos instalados em barcos, já é usada para controlar o assoreamento. Mas o submarino pode ir além. Logo, apenas em termos de operação e manutenção o novo equipamento já traria vantagens, mas a mesma plataforma poderá ser

usada ainda para preservação ecológica. Estudos apontam que o material assoreado que se acumula em reservatórios pode ter seus teores de carbono (C) e potássio (P) aumentados, significando uma boa qualidade de solo para plantio. Assim, o recolhimento de amostras de material assoreado junto com amostras para medir a qualidade da água, determina a saúde ecológica do reservatório e o potencial do material depositado, para ser reutilizado, por exemplo, em áreas de reflorestamento.

Foco no setor elétrico brasileiro

No Brasil já existem dois projetos com grande aporte de recursos - desenvolvidos nessa área. O primeiro realizado por uma empresa entre 2002 e 2003 criou um ROV (Remotely Operated Underwater Vehycle), que é um veículo subaquático comandado por um operador humano. Este dispositivo não é inteligente e cobre apenas pequenas distâncias, devido à necessidade de cabos. Uma evolução deste projeto foi desenvolvida pela Companhia Hidro Elétrica Os professores Leonardo Honório (UFJF), Nuno Cruz, Antônio Paulo Moreira e Aníbal Mattos (FEUP), e os doutorandos Carlos Pacheco e Nuno Campos, ao lado do protótipo do submarino, no laboratório da Universidade do Porto

Foto: Divulgação

riquezas submersas mundo afora. Mas se engana quem pensa que esse veículo é exclusivamente marítimo. Um estudo desenvolvido em parceria por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata mineira, e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em Portugal, propõe um uso lacustre e totalmente pacífico dessa tecnologia ainda de uso discreto: exclusivamente para inspeção de barragens. O projeto luso-brasileiro postula o constante acompanhamento das barragens, aqui e além mares, por meio da evolução de um (AUV) veículo subaquático autônomo, que se orienta e desenvolve o trabalho automaticamente. No caso, um submarino autônomo que permite o controle rigoroso das estruturas físicas das barragens e fundo de lagos e represas. Segundo os pesquisadores, a tecnologia pode suprimir qualquer possibilidade de rupturas ou acidentes. O fator segurança é tão crítico que o Projeto de Lei (PL 1.1812003) estabelece rigorosos prazos para que as barragens sejam inspecionadas no Brasil. O objetivo do veículo desenvolvido no interior de Minas é fazer a supervisão completa do reservatório das hidroelétricas, tanto das barragens quanto do assoreamento dos reservatórios, com maior precisão e a menor custo, usando veículos autônomos que possam atuar tanto na superfície quando em profundidade. Fácil? Não. “Apesar destes veículos já existirem no mercado, sua adaptação para funcionar para atender as inspeções sugeridas, além de não ser uma tarefa trivial pode não obter o resultado pretendido. Para tanto, é necessário projetar e desenvolver um veículo específico para o problema. Que seja capaz de mapear, simultaneamente, diversos tipos de dados necessários e associá-los com as suas respectivas posições absolutas”, resume o professor Leonardo de Mello Honório, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Energia Elétrica (Inerge), coordenador do projeto, e que trabalha principalmente com algoritmos evolucionários e com veículos autônomos. De acordo com o pesquisador, apesar da montagem de um submarino, como o proposto, já representar ganho de desempenho e qualidade na geração de dados, um siste-

Parceria internacional A Faculdade de Engenharia de Universidade do Porto, por meio do grupo de robótica submarina, possui grande experiência no desenvolvimento de AUVs, principalmente para vistoria marítima. O principal foco do grupo, que tem excelência na área, é a montagem e o controle de tais dispositivos. A Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora, também

com o seu grupo de robótica móvel, possui experiência em análise de dados e desenvolvimento de técnicas de inteligência e reatividade. Os pesquisadores se dividiram em duas equipes. Uma voltada para veículos autônomos terrestres, como o Driving4u - primeiro veículo autônomo do país; e um veículo autônomo aéreo, para vistoria de linhas de transmissão, e futebol de robôs.

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INVESTIMENTO De acordo com o professor Leonardo Honório, para a viabilização do projeto foi utilizada uma pequena base do sistema computacional de um veículo autônomo, que foi parcialmente financiado pela FAPEMIG. Este projeto tem um financiamento de mais de R$ 4 milhões, cuja grande parte é proveniente da Energias de Portugal (EDP), cujo controle acionário pertence ao grupo Lajeado. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) aprovou um plano de estudos envolvendo este projeto e forneceu bolsas de pós-doutorado e missões de trabalho para o intercâmbio de professores da UFJF e da Universidade do Porto. O submarino resultante deste projeto será entregue para a EDP para uso em suas barragens. “O Inerge (parcialmente financiado pela FAPEMIG), também financiou parte do projeto através da compra de equipamentos para montarmos outro submarino que será de propriedade da UFJF a fim de que, desta forma, consigamos continuar as pesquisas”, afirma Honório.

do São Francisco (Chesf), de 2005 a 2006. Lá foi desenvolvido um AUV (Autonomous Underwater Vehicle), ou seja, um “ROV autônomo”, capaz de seguir um plano de missão e captar imagens e dados de diversos sensores instalados, para análise futura. Um problema desta abordagem, destaca Honório, seria o fato de o robô ser programado para varrer e coletar dados, e não para analisá-los em tempo real a fim de possibilitar uma maior análise de áreas críticas. “Outro sério problema é a falta de precisão na geolocalização dos dados adquiridos”, avalia. Observando que isso impossibilita a análise temporal das condições do objeto inspecionado. “Sem isso é impossível um plano de manutenção preditivo e preventivo”, avalia. O projeto apresentado pela equipe da UFJF, por sua vez, é uma evolução dos dois modelos anteriores, pois, ao permitir que o AUV analise em tempo real supostos problemas, torna possível identificar falhas e aumentar a precisão das informações constatadas em regiões críticas. Por exemplo, caso uma imagem verificada não esteja em condições de análise, o próprio AUV irá fazer novas imagens até conseguir uma com boa qualidade. Desta forma, além de focar no plano de missão, o AUV foca na inspeção em si, na análise dos dados, utilizando modernas técnicas de inteligência artificial.

Impacto ambiental No Brasil, além dos 7.367 quilômetros de costa, existe fartura de recursos hídricos, o que incentiva a construção de barragens. Somente no estado de Minas Gerais, por exemplo, são 720 barragens, de acordo com o Inventário Estadual de Barragens, da Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Barragens são infraestruturais, sua longevidade e seu rendimento dependem diretamente da integridade da sua estrutura, bem como da análise das formas morfologia da bacia hidrográfica onde está localizada. Sua vida útil pode ser aumentada por meio da qualidade da manutenção que receber, assim como o recondicionamento de suas estruturas. Mas, por outro lado, as barragens têm um forte impacto no meio ambiente. A deposição gradual de sedimentos provoca o assoreamento. Em todo mundo são gastos seis bilhões de dólares, anuais, para a remoção dos volumes assoreados, sem falar na correção dos outros danos ambientais. Alguns processos de assoreamento são mais velozes que o previsto, reduzindo a vida útil dos reservatórios e gerando altos custos para a remoção dos volumes assoreados.

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Para a realização dos experimentos, o veículo funcionará em modo autônomo, segundo trajetórias pré-definidas ou definidas automaticamente em função da área onde será testado. O projeto propõe o desenvolvimento de um sistema que permita a visualização da parede da barragem, das estruturas adjacentes e a análise de características da água ao longo da bacia bem como da morfologia do seu fundo. “O novo invento, que estamos desenvolvendo, permitirá a realização da batimetria da bacia, analisando possíveis pontos de assoreamentos, e ainda recolher conteúdo que permita analisar a qualidade da água”, comenta Honório. Salientando, ainda, que o veículo será multiuso, podendo também ser ajustado para análise de assoreamento e coleta de análise da qualidade de água e sedimentos. Com precisa georeferenciação dos dados coletados, será possível, em um segundo momento, levantar um modelo 3D temporal, de realidade aumentada, contendo toda a informação reunida, possibilitando prever pontos de menor conformidade e realizar previsões precisas de manutenção. Para isso são usados sistemas robóticos, técnicas de percepção e fusão sensorial e de realidade virtual, que permitem o arquivo de dados, sua catalogação, bem como a consulta de uma forma amigável, simples e intuitiva, por meio de realidade virtual. A informação recolhida será concentrada num centro de processamento situado na própria usina e poderá ainda ser disponibilizada via Web. No desenvolvimento do projeto piloto os dados multissensoriais com georeferenciamento, necessários à criação do modelo de realidade aumentada, serão recolhidos automaticamente, por meio de um veículo submarino autônomo (AUV), que transportará, entre outros sensores, uma câmara de vídeo e uma sonda mutiparamétrica, utilizada para realizar vários tipos de análises da qualidade da água. Como será possível determinar a sua posição absoluta, com alta precisão, será possível a determinação da exata localização (georeferenciação) dos locais de onde os dados foram colhidos. Está previsto ainda no projeto a formação de profissionais para a devida operação do protótipo desenvolvido.


para SBPC Pesquisadores, estudantes e professores de todo o País já podem se inscrever na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), que em 2012 acontecerá na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, Maranhão. O tema que vai conduzir as discussões nas conferências, simpósios, mesas-redondas e encontros é Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza. Na reunião, serão mantidas as atividades para o público infanto-juvenil na SBPC Jovem; exposições interativas para todas as idades na ExpoT&C, mostra de Ciência e Tecnologia, e a SBPC Cultural, que apresenta aos participantes, da reunião, as características culturais da cidade e do Estado que sediam o evento. A 64ª Reunião Anual da SBPC será realizada entre os dias 22 e 27 de julho de 2012 e as inscrições já podem ser feitas no site http://www. sbpcnet.org.br/saoluis.

Acordo para melhor o ensino A FAPEMIG e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) assinaram Acordo no valor de R$ 70 milhões. A agência de fomento mineira vai oferecer R$ 24 milhões, por meio de liberação de verba do governo estadual e a outra parte (R$ 46 milhões), será destinada pela Capes. Esta é a primeira vez que um convênio entre as duas instituições vai contemplar a educação básica. Segundo a secretária estadual de Educação, Ana Lúcia Gazzola, serão lançados editais aos quais as universidades poderão concorrer e realizados projetos com escolas da rede pública. A finalidade é qualificar professores e o ensino

nessas escolas. “O foco desse acordo é melhorar o ensino meio da competência dos cursos de pós-graduação presentes no Estado. Vamos triplicar a concessão de bolsas a fim de que nossos pesquisadores sejam atraídos e se mantenham em Minas”, destaca o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges. O Acordo também tem os objetivos de melhorar a qualidade do ensino, pesquisa e extensão nas instituições de Ensino Superior, além de aumentar o número e as notas dos cursos de pós-graduação. A parceria prevê ainda o investimento na compra de equipamentos necessários às pesquisas.

Redução no tempo de tramitação de patentes O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) informa que pedidos de patentes depositados em 2011 terão o tempo de tramitação reduzidos de oito para cinco anos. A mudança só foi possível depois que foi concluída a informatização dos processos. Essa nova alteração é importante para o Instituto, que desde 2009 está aperfeiçoando o sistema de patentes com a finalidade de incentivar a inovação no setor industrial. O objetivo do órgão é alcançar, até 2015, a meta de quatro anos de espera pela tramitação de pedidos de patentes, que é compatível com os padrões internacionais.

Brasileiro premiado nos Estados Unidos O pesquisador e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), André Báfica, foi o único brasileiro a ser contemplado com o prêmio do Instituto Médico Howard Hughes para pesquisadores em início de carreira. Báfica foi premiado com a pesquisa que cria mecanismos de caracterização de uma proteína da tuberculose que faz com que a doença seja reconhecida pelo sistema imunológico. Futuramente o estudo pode ser usado para aumentar a eficácia do tratamento da doença. O cientista receberá US$ 650 mil para cinco anos de pesquisa e foi um dos 28 vencedores escolhidos entre os 760 que concorreram à premiação.

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CURTAS DA CIÊNCIA

Inscrições abertas


CoMportaMENto

realidade oculta Escassez de dados impulsiona o Núcleo de Direitos Humanos a desenvolver pesquisas que caracterizem a identidade LGBT mineira e a violência contra este grupo no Estado juliana Saragá

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No dicionário, o termo homofobia é definido como aversão ou repulsa contra a homossexualidade ou homossexuais. Homofobia é um dos clássicos conceitos da história da Psicologia. Foi utilizado pelas primeiras vezes nos anos 70 para diagnosticar esta ansiedade que provoca medo e aversão frente a pessoas com orientação sexual homossexual. “O conceito de homofobia foi criado em uma Ciência muito individualista que não conseguia analisar as lógicas sociais, culturais e institucionais do preconceito e da violência. No entanto, ainda utilizamos o mesmo nome para contar, hoje, de coisas um pouco diferentes. Não é que não existam ansiedades individuais e questões eminentemente psíquicas relacionadas ao preconceito. Elas existem. Mas a homofobia, sobretudo no Brasil, tomou contornos distintos”, esclarece Marco Aurélio Máximo Prado, pesquisador, psicólogo e líder do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para Prado, hoje é possível pensar este conceito conjuntamente com outros nomes como a heteronormatividade - termo usado para descrever situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas - e o heterossexismo - refere-se à ideia de que a heterossexualidade é a orientação sexual “normal” e “natural” - os quais ajudam a compreender a homofobia institucional que, segundo ele, exclui e discrimina sem deixar-se ser evidente. “Aí reside um dos maiores desafios para compreender a homofobia no Brasil: ela existe, mas utiliza mecanismos próprios para disfarça-se na cultura”, completa. Nos últimos 30 anos, o movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) no Brasil, vem concentrando esforços para combater a discriminação. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), juntamente com mais de 200 organizações afiliadas, espalhadas por todo o país, desenvolveu o Projeto de Lei 5003/2001, que mais tarde veio se tornar o Projeto de Lei da Câmara (PLC)


122/2006, que propõe a criminalização da homofobia. Se aprovado, o projeto tornará crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero - equiparando esta situação à discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo e gênero, ficando o autor do crime sujeito a pena, reclusão e multa. “A homofobia no Brasil nunca foi encarada como uma questão pública e política, o que se faz urgente, pois se trata de um tipo de sistema de humilhação e violência que cria um espectro sustentado por discursos e práticas sociais cotidianas tidas como legítimas na cultura nacional. A homofobia atinge a todos, heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou toda a plasticidade sexual humana. Ela regula formas de ser, de amar, de se relacionar, transformando as relações amorosas e sexuais em relações cristalizadas, verticais, violentas e de humilhação”, opina o pesquisador.

Sem dados

Prado aponta que, no Brasil, as formas de enfrentamento da homofobia ainda são tímidas, como nas escolas, por exemplo. Para ele, é preciso investimentos de pesquisa e de políticas públicas para ser enfrentada, já que ela nunca aparece como uma forma de violência. “Um bom exemplo é que no Brasil não temos nem dados sobre as violências homofóbicas, pois a sua aparição já é abortada pelo próprio sistema homofóbico. Não sabemos quantas travestis são mortas, violentadas ou ameaçadas por ano. Os únicos dados que temos são coletados pelo GGB (Grupo Gay da Bahia), mas são pouco precisos, já que são produzidos apenas por meio do que sai na imprensa. Mesmo assim, estes números revelam um aumento incrível dos atos de violência homofóbica no Brasil”, afirma. Essa escassez de pesquisas e dados impulsionou, em 2007, a criação do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – da UFMG (NUH). Implantado em parceria com o Programa Brasil sem Homofobia, o NUH vem desenvolvendo um conjunto de ações de pesquisa, ensino e extensão. Vários estudos têm sido desenvolvidos sobre identidade

coletiva e movimento social LGBT; história do movimento LGBT de Minas Gerais; caracterização dos participantes das paradas LGBT de Belo Horizonte; relação entre mídia e homofobia, política e relações de gênero, entre outras questões que perpassam pela construção dos Direitos Humanos.

desvendando a realidade

Muitos projetos já foram desenvolvidos desde 2007 e alguns contam com o apoio da FAPEMIG. Um dos projetos apoiados é intitulado “Homofobia nas relações pessoais e institucionais”. “A pesquisa busca compreender como os discursos e práticas heteronormativas incidem sobre a vida destas pessoas em suas experiências com as famílias e nas escolas. São mecanismos sensíveis de exclusão e violência que aos poucos dificultam muito o cotidiano delas, observa Prado.” Um dos resultados da pesquisa foi a produção de dois vídeos sobre a história de travestis e transexuais de Juiz de Fora (MG). Os vídeos, produzidos em parceria com alunos de comunicação do Centro Universitário UMA, de Belo Horizonte, são constituídos de depoimentos de travestis e transexuais sobre suas relações com as famílias e experiências escolares. Na maioria dos relatos, elas revelam que foram excluídas de suas famílias e expulsas das escolas. Um dos minidocumentário pode ser assistido no You Tube sob o título “Muito Prazer: Travestis e Transexuais de Juiz de Fora”. Vídeo já possui mais de 133 mil visualizações. Além da FAPEMIG, os vídeos também receberam apoio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC), do Ministério da Cultura (MinC) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em 2009, o documentário recebeu o Prêmio Cultural LGBT do Ministério da Cultura, contemplou assim, iniciativas culturais que contribuíram para o combate à homofobia e para o aumento da visibilidade do segmento LGBT. Em 2010, os vídeos foram exibidos no Rainbow Fest - principal evento organizado pela ONG MGM (Movimento Gay de Minas), em Juiz de Fora.

“A pesquisa busca compreender como os discursos e práticas heteronormativas incidem sobre a vida destas pessoas em suas experiências com as famílias e com as escolas. São mecanismos sensíveis de exclusão e violência que aos poucos dificultam muito o cotidiano delas.” Marco Aurélio Máximo Prado Pesquisador, psicólogo e líder do núcleo de direitos Humanos e Cidadania lGBt (nUH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

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violência sexismo

relações pessoais

xclusão social

mídia

homofobia

Até 2013, o NUH deve concluir dois grandes projetos. O primeiro sobre direitos e violência vividos por travestis e transexuais, na região metropolitana de Belo Horizonte, que visa mapear as condições sociais, econômicas e de violência para compreender estas experiências da sexualidade e a relação com uma trajetória de exclusão social familiar, escolar e das instituições públicas em geral. O segundo é um projeto educacional para formar educadores que ajude o combate da homofobia e ao sexismo nas escolas públicas de vários municípios do estado de Minas Gerais. Este é o terceiro ano

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do projeto, cujo objetivo é a produção de materiais para auxiliar os educadores no trabalho em sala de aula ou mesmo em outras instituições, sobre as temáticas que envolvem a violência com relação às minorias sexuais. Os vídeos também fazem parte deste projeto e já foram exibidos em escolas de seis municípios do Estado. Prado fala de sua expectativa: “Esperamos que esta pesquisa com a participação das travestis e transexuais de Belo Horizonte possa gerar informações e estatísticas em relação á violência, homofobia e exclusão social. Só assim teremos melhores instrumentos para enfrentar a situação”.

sobrE o Nuh

NUH é um núcleo da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, que tem como propósito congregar pesquisadores e desenvolver atividades de pesquisa, ensino e extensão voltadas para o reconhecimento dos direitos, da cidadania, das identidades e das práticas culturais, políticas e sociais de indivíduos e grupos LGBT. Criado em dezembro de 2007, através de convênio entre a UFMG e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (Programa Brasil sem Homofobia), as ações do NUH desenvolvem-se em torno de quatro grandes linhas:

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No esforço de caracterização das realidades LGBT, das formas de violência homofóbica, especialmente no âmbito de Minas Gerais e de Belo Horizonte; No desenvolvimento de instâncias de diálogo com espaços institucionais e da sociedade civil no intuito de discutir formas de violência e discriminação homofóbica; No desenvolvimento de perspectivas teóricas e metodológicas de pesquisa, ensino e extensão articuladas às realidades e identidades LGBT No esforço de estabelecer e manter canais de diálogo entre universidade e sociedade civil, através da criação de espaços participativos e mecanismos de interface dos saberes.

@

saiba mais: Para saber mais sobre o núcleo, acesse

www.fafich.ufmg.br/nuh


lEMbra DEssa?

Conhecida também como puma ou suçuarana, a onça parda é o segundo maior felídeo da região Neotropical, que compreende desde a América Central até a América do Sul. O animal chega a medir mais de 1 metro de comprimento, sendo menor apenas do que a onça pintada. É um dos melhores saltadores entre os felinos. Uma de suas principais características é a capacidade de adaptação aos diversos habitats. Sua alimentação também é eclética, uma vantagem em relação à onça pintada. Possui uma variabilidade de presas, pois consegue subir em árvores e alimentar-se de ninhos, e captura animais de médio porte. A facilidade de adequação aos diversos ambientes faz com que a onça parda tenha ampla distribuição territorial, podendo ser encontrada em diferentes países. Esta espécie pode estar presente em vários tipos de biomas, entre eles o Cerrado, um dos mais ameaçados do mundo. Esta realidade fez com que pesquisadores do Departamento de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa (UFV) iniciassem um estudo a fim de contribuir para o manejo e conservação deste animal, e, como consequência, colaborar para integridade biológica da região. O projeto foi tema da edição nº 35 da MINAS FAZ CIÊNCIA, publicada em 2008. Na época da reportagem, o trabalho de campo, em seu sexto mês, estava sendo realizado no Parque Estadual do Rio Doce (Perd), situado na região Sudoeste do Estado, entre os municípios de Marliéria, Dionísio e Timóteo, na região do Vale do Aço. Em 2010, o projeto foi transferido para o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (Pesb) e foi ampliado. Agora, além da onça parda, o grupo investiga a conservação de outros grandes felinos, como a jaguatirica. “Nesta pesquisa, além do estudo da saúde, comportamento territorial, densidade da população dos felinos e de suas espécies presas, realizamos o levantamento das possíveis doenças transmitidas entre animais silvestres e animais domésticos residentes no entorno do parque. Temos o primeiro projeto, em Minas Gerais, a utilizar cão treinado para coletar fezes dos felinos para análise. As amostras coletadas estão sendo utilizadas para avaliação genética da população dessas espé-

cies através do DNA fecal”, explica o coordenador do projeto, Tarcízio Antônio Rego. Paralelamente ao trabalho de campo, o grupo realiza em cativeiro pesquisas com sêmen de felinos silvestres, visando o uso de novas metodologias para avaliar a fertilidade dos espermatozoides dessas espécies. Outra vertente importante do projeto, diz respeito à educação e conscientização da população. “A predação de animais domésticos por onças pardas gera medo nas comunidades do entorno do Parque e antipatia dos produtores rurais, quanto à preservação desses animais. Por isso, implementamos o trabalho de educação ambiental nas escolas do entorno do Pesb, principalmente nas Escolas Família Agrícola (EFA), onde os alunos são filhos de produtores rurais e recebem uma educação voltada ao campo”, explica o coordenador. Outra forma de conscientizar os produtores rurais e também minimizar as perdas econômicas devido à predação, é o Programa de Assistência Técnica a Produtores. O trabalho consiste em caracterizar as propriedades e fazer o levantamento das principais linhas de atuação da equipe, desenvolvendo ações para evitar novas predações. “Atuamos com a reprodução dos rebanhos, produtividade leiteira, orientação de pastagem e adubação de cafezal. Também realizamos campanhas de vacinação do gado, hemogramas e análises de solo dos cafezais”, enumera Tarcísio. A equipe de assistência técnica é formada por profissionais de veterinária e agronomia, um técnico em agropecuária, além de bolsistas de graduação em veterinária e zootécnica. O grupo também realiza palestras e cursos sobre produtividade agrícola e principais doenças de bovinos da região do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Gediendson R de Araujo / Projeto Suçuarana

preservação da onça parda

Grupo da UFV amplia pesquisa e trabalha também na conservação de outros grandes felinos, como a jaguatirica

Jaguatiricas capturadas para coleta de material biológico (sangue, pêlos, ectoparasitos e sêmen) e colocação de rádio colar para monitorá-las MINAS FAZ CIÊNCIA • DEZ/FEV 2012

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lEIturas

Expedições botânicas

Uma coleção de plantas extremamente considerável foi para a botânica o resultado de minhas viagens no interior do Brasil e das Missões no Paraguai; mas se eu não tivesse feito senão colher e dessecar amostras, não teria atingido o fim a que me propusera: o de conhecer a vegetação das regiões que eu percorria. Todas as espécies que relatei foram analisadas nos locais; recolhi todas as informações que pudessem despertar algum interesse sobre sua história, e entreguei-me, sobretudo, ao estudo das relações, o que eleva a botânica ao nível das ciências mais filosóficas.

Elas fazem parte da sua vida: nas paisagens, nos jardins, na decoração da casa ou nos aromas e sabores de um bom chá. Pela diversidade de tipos e aplicações, as plantas sempre despertaram a curiosidade dos pesquisadores e acabaram nas páginas dos livros. História das plantas mais notáveis do Brasil e do Paraguai é um bom exemplo. Lançado no Brasil pela editora Fino Traço, o livro é tradução da obra do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que, de 1816 a 1822, percorreu diversas regiões do Brasil, realizando uma das mais detalhadas descrições da vegetação encontrada no País. Saint-Hilaire viajou durante anos, percorrendo grande parte do Brasil, recolhendo informações e maravilhando-se com a extensa variedade de plantas encontradas no País e em seu vizinho, Paraguay, por onde também passou. Hilaire voltou para França com 7 mil plantas, 2500 pássaros, 16 mil insetos, 129 quadrúpedes, 35 répteis, 58 peixes e conchas e alguns minerais. A classificação do material rendeu duas grandes obras, entre elas, o livro agora traduzido. A publicação, que recebeu apoio da FAPEMIG, é parte das atividades da equipe do Banco de Dados e Amostras de Plantas Aromáticas, Medicinais e Tóxicas (Dataplamt), da Universi-

dade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela reúne as observações do pesquisador sobre as floras brasileira e paraguaia, incluindo impressões sobre os costumes das populações nativas. O livro traz dissertações sobre alguns dos gêneros botânicos encontrados e as descrições de suas espécies. O leitor também pode conferir as ilustrações das plantas, seus usos e conhecer os nomes científicos originais de cada uma. livro: História das Plantas mais notáveis do Brasil e do Paraguai Autor: Augustin François Cezar de Saint-Hilaire organização: Maria das Graças Lins Brandão e Christopher Willian Fagg tradução: Cleonice Paes Barreto Mourão revisão técnica botânica e do latim: Willian Antônio Rodrigues revisão técnica botânica: Renata Corrêa Martins e Juliana de Paula Souza editora: Fino Traço título original: Histoire des Plantes les plus remarquables du Brésil et du Paraguay Páginas: 372 Ano: 2011

Crítica e coleção

A questão da ruína tem ocupado lugar central nos debates político-sociais que atravessaram a sociedade argentina, assim como nas sucessivas catástrofes estruturais, que abalaram seus cimentos políticos, sociais e econômicos nos últimos 30 anos. O que fazer com os escombros de uma sociedade assolada, primeiro, pelo terrorismo de Estado, e, depois, pelo golpe rematador do neoliberalismo e da crise econômica de 2001, que subitamente mergulhou na pobreza a metade da população?

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Acervos literários são espaços de passagem entre vida e obra, desejo e frustração, imagens e palavras. Guardam a lembrança do que desapareceu ou está prestes a desaparecer para sempre. Vinte e cinco pesquisadores se voltam para este tema, examinando-o de diferentes ângulos, que vão da crítica genética à crítica biográfica e à crítica textual. Os textos apresentados são frutos dos colóquios internacionais A Invenção do Arquivo Literário II e V, que aconteceram entre 2007 e 2009. De acordo com os organizadores do livro, Crítica e coleção pretende suscitar o interesse do leitor pelo universo das investigações arquivísticas, da atividade obsessiva dos escritores pelos instrumentos de trabalho e pelas inumeráveis correções realizadas nos manuscritos. “Semelhante atitude assume o pesquisador de arquivos, na busca de resíduos e textos esquecidos pelos próprios escritores, além do silêncio imposto pelo cânone literário oficial”, assinalam os organizadores na apresentação

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do volume. Para eles, no âmbito da coleção, pode-se afirmar que todo arquivo literário compõe-se de livros e objetos, dotados de aura biográfica, por insinuarem as margens da atividade da escrita, suas conexões com o alheio e o disperso, fragmentos do cotidiano do escritor. Nesse contexto, cabe a interrogação: não seriam esses restos de arquivos uma das formas de desafiar saberes disciplinares e colocar em xeque a constituição racionalista e moderna dos arquivos? Tentar responder a questão é um dos propósitos do livro.

livro: Crítica e coleção organização: Eneida Maria de Souza e Wander Melo Miranda editora: UFMG Páginas: 378 Ano: 2011


Denise Eler é uma das precursoras, no Brasil, do Design Thinking, metodologia que concilia aspectos técnicos, financeiros e emocionais para produzir valor para a sociedade. Em parceria com empresas, cria projetos e programas para o desenvolvimento de competências pessoais relacionadas à criatividade e inovação. Formada em Designer pela Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg), Eler é especialista em Gestão Estratégica da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Educação Tecnológica pelo Cefet/MG, professora universitária e sócia de uma empresa de Design Intelligence, que faz consultoria para inovação em produtos, serviços e negócios.

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O que é inovação? Inovação é o resultado de um processo criativo que gera valor para um negócio. O conceito de “valor” é variável. Pode ser conseguir mais clientes, clientes novos ou mesmo retenção dos clientes atuais. Não é necessariamente um artefato tecnológico. Pode ser um modo de pensar que gera um novo processo de fazer algo. Inovação está na moda porque o progresso tecnológico dos últimos séculos democratizou os processos de produção. Há muita oferta de produtos e pouca diferenciação. Além disso, esta oferta é global, gerando uma hipercompetitividade entre as empresas.

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Quais são os tipos de inovação? É possível inovar em qualquer área. Fala-se em inovação tecnológica como mais frequência do que em inovação conceitual. Esta seria uma nova forma de pensar, que não, necessariamente, envolve a invenção de um novo artefato tecnológico. O Branding é um tipo de inovação conceitual que transforma completamente a forma de se gerir um negócio. O sistema “Just-in-time” da Toyota foi uma inovação nos processos produtivos, focada na obtenção de máxima qualidade dos produtos. A Google inovou na gestão de talentos,

4 3 5 permitindo que 20% do tempo de seus colaboradores sejam destinados a trabalhar em projetos próprios. A “Fruto do Brasil” inovou ao explorar os sabores “exóticos” das frutas brasileiras em sorvetes e picolés. Nintendo Wii foi um produto de inovação disruptiva (aquele que cria ou transforma radicalmente um mercado). Já o Kinect foi incremental (melhora o que existe).

O que falta para que boas ideias se transformem em ideias inovadoras? Primeiro as pessoas precisam recuperar a fé na sua criatividade. Depois, deve-se entender que existe um processo que conduz à inovação. Não é mágica. Parte-se de ideias para chegar a uma nova realidade. Isto exige tempo, riscos, e ousadia, metodologia e investimento. Ou seja, sem ideias não existe inovação, mas ideias são a ponta do iceberg. O processo de inovação é um processo de aprendizagem.

Google, Facebook e Apple são algumas das empresas que servem de exemplo em todo o mundo quando o assunto é inovação. De que forma outras instituições podem se espelhar no exemplo dessas? Google, Facebook, Apple e Amazon são consideradas as Quatro Fantásticas do mer-

cado porque conhecem profundamente seus clientes e não medem esforços para oferecer a experiência perfeita de consumo de seus serviços, mesmo que isto signifique investir em negócios que não são suas áreas core de expertise. Mas para chegar aqui, todas correram muitos riscos e fracassaram algumas vezes.

Além do Design Thinking, também existe o Design de Serviços e o Design da Gestão. Que conceitos são estes? Com a crise financeira de 2008, as grandes escolas de negócios e empresas tiveram de reconhecer que seu modelo de pensamento industrial não produz mais os resultados esperados. Elas perceberam que a complexidade contemporânea exige uma forma de pensar mais próxima do que era praticado durante o Renascimento, quando razão e emoção, matemática e poesia tinham os mesmos pesos na formação das pessoas. As Escolas de Design oferecem uma formação mais próxima deste ideal. Desde então, o interesse pela área tem aumentado. O Design de Serviços é aplicação das metodologias de design na inovação em serviços. Já o Design de Gestão ou de Negócios inova em Gestão e também gera novos negócios orientados pelos desejos das pessoas, não pela capacidade ou competência produtiva das empresas.

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5 PERGUNTAS PARA...

Denise Eler


Médico, é professor titular de Fisiologia do Exercício, na Escola de Educação Física da UFMG.

Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, mais conhecido como LOR, atua como cartunista desde 1972.

VARAL

Crédito: LOR

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