Catálogo exposição "não lugares" Fabiano Devide

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Não-lugares

(…) ao centro, uma pequena elevação de terreno. Declives moderados à esquerda, à direita e à frente. Do lado de trás, declive abrupto. O máximo de simplicidade e simetria. Luz crua. O pano de fundo (…) representa a fuga e o encontro, ao longe, de um céu sem nuvens com uma planície nua. Samuel Becket, Dias felizes

O artista Fabiano Devide, em seus trabalhos apresentados na exposição Não-lugares, envolve o espectador em universos que, à semelhança dos espaços de Becket, falam do desamparo do homem na atualidade, em um mundo hostil onde é impossível qualquer tentativa de comunicação e de transcendência. Ao se identificar com os personagens (presentes ou sugeridos) dos trabalhos do artista, os espectadores, como os protagonistas de Dias felizes, estão condenados a vagar eternamente, sem passado e sem futuro, em cenários do provisório, do anonimato, do não-pertencimento. São os não-lugares, conceito proposto pelo antropólogo francês Marc Augé: espaços de passagem, territórios do efêmero, da impessoalidade e da solidão, marcas do mundo contemporâneo. Na tela de 2015 The observer, a identificação do espectador com o personagem é imediata. Cinza, preto e azul. Percebemos o azul como céu; um edifício cinza, curvo, visto em perspectiva ascendente; e o teto desse edifício, visto a partir de “aberturas”, campos negros nos muros cinzentos; neste teto há uma abertura, através da qual se vê uma nesga do céu sem nuvens. O personagem é apenas uma silhueta em preto “à frente” do cinza, imaginamos que olha para cima, para o pedaço de céu entrevisto através da fenda no teto da edificação; mas talvez esta silhueta seja apenas uma sombra ou um buraco na parede. O olhar do espectador penetra por esta figura negra e se coloca de imediato “dentro” do espaço da pintura, é ele é quem procura o céu e ao mesmo tempo sente a pequenez de quem só consegue perceber a realidade mediado por sua representação. Fabiano constrói este jogo de paradoxos que prende o espectador e o faz pensar.


Nos trabalhos da série Locus o artista captura o olhar do espectador com as perspectivas vertiginosas e elementos muito simples, a mesma paleta contida e o tratamento chapado que torna quase indistinguível o que é tinta e o que é suporte (nas pinturas sobre brim), ou o que é pintura e o que é colagem. Já nos trabalhos da série Blocos, os personagens são esboçados, contornos apenas sugeridos com parcos traços; e o campos azuis, que nas outras pinturas eram frestas, se transformam em blocos nos quais as figuras se apoiam ou com os quais interagem. Mas em todos os trabalhos aqui mostrados, o espectador, prisioneiro do espaço pictórico, torna-se o habitante anônimo do não-lugar. No Rio de Janeiro de hoje, onde a gentrificação se expande criando uma cidade de fantasia para visitantes provisórios, Santa Teresa é certamente um “lugar”, um bairro que resiste e mantém suas características históricas. Em uma casa de época, bem típica da região, reformada com amor e respeito aos materiais tradicionais, a contundência dos trabalhos de Fabiano é ampliada. O espectador não pode deixar de notar o contraste entre os planos escuros chapados dos ambientes das pinturas e colagens do artista e as paredes em tijolos maciços e o piso em parquet em madeiras nobres do ambiente expositivo. E o artista tira proveito desse contraste, ao incluir na mostra uma intervenção site-specific em uma das altas portas da casa, criando nela um campo de cor, referência direta a seus trabalhos e que, rompido, abre para um jardim lateral com um caramanchão. Em seus trabalhos o artista Fabiano Devide constrói metáforas com personagens vazios presos em espaços anódinos, nos envolvendo e aprisionando. Os cinzas e negros dos não-lugares, porém, apresentam fissuras através das quais a cor e a poesia apontam para possíveis rotas de fuga, rumo a lugares de plenitude, como o pássaro de Amanhecer para Quintana, voando livre rumo aos primeiros raios de luz da aurora. Jozias Benedicto, curador Outubro de 2016


Sem título, 2014 Da série Blocos Acrílica sobre tela 50 x 50 cm


Sem título, 2014 Da série Blocos Acrílica sobre tela 50 x 50 cm


Sem título, 2015 Da série Blocos Acrílica sobre tela 73 x 139 cm


Amanhecer para Quintana, 2014 AcrĂ­lica sobre brim 60 x 10 cm


The Observer, 2015 AcrĂ­lica sobre brim 100 x 50 cm


Cinema I, 2014 AcrĂ­lica sobre brim 70 x 70 cm


Cinema II, 2014 AcrĂ­lica sobre brim 70 x 70 cm


Sem título, 2014 Acrílica sobre tela 60 x 60 cm


Celeste, 2014 AcrĂ­lica sobre tela 20 x 20 cm


Blumenau, 2015 AcrĂ­lica sobre tela 60 x 120 cm


Sem título, 2016 Da série Locus Acrílica sobre tela 20 x 20 cm


Sem título, 2016 Da série Locus Acrílica sobre tela 20 x 20 cm


Sem título, 2016 Da série Locus Acrílica sobre tela 20 x 20 cm


Cubo, 2013-2016 Da série Blocos Luminária-objeto, múltiplo de 5 MDF 9mm, fórmica, vidro com película, lâmpada fria azul, fio 3m, 110V 30 x 30 x 20 cm


Trapézio, 2013-2016 Da série Blocos Luminária-objeto, múltiplo de 5 MDF 9mm, fórmica, vidro com película, lâmpada fria azul, fio 3m, 110V 30 x 30 x 20 cm


Caixa I, 2013 Da série Locus Objeto 18 x 18 x 6 cm


Entre, 2016 Instalação 310cm x 100cm

Intervenção na instalação “Entre”

Interação do público com a instalação


Locus II, III, IV, V, 2013-2015 Colagem, mĂşltiplo de 5 + P.A. 24 x 24 cm (cada)


Homenagem a Franz Walther, 2014 Da série Blocos Díptico, impressão de carbono e guache sobre papel Gerstaecker 200g 23 x 17 cm (esq.) e 34 x 26 cm (dir.)


Diálogo, 2014 Da série Blocos Impressão de carbono e guache sobre papel Gerstaecker 200g 26 x 34 cm


Sem título, 2014 Da série Blocos Impressão de carbono e guache sobre papel Gerstaecker 200g 34 x 26 cm


Sem título, 2014 Da série Blocos Impressão de carbono e guache sobre papel Gerstaecker 200g 17,5 x 23 cm


Montagem do texto crĂ­tico do curador Jozias Benedicto, com obra Caixa I, da SĂŠrie, 2013.


Montagem da SĂŠrie Blocos, Desenhos, 2014.


Montagem, Blumenau, 2015 AcrĂ­lica sobre tela 60 x 120 cm


Montagem da SĂŠrie Locus, Colagens, 2013-2015.


Detalhe da montagem, galeria do Hall.


Detalhe da montagem, galeria principal. Pinturas das sĂŠrie Blocos, 2014-2015 .


Detalhe da montagem, galeria principal, pinturas 2014-2015.


Montagem com vista panorâmica e luminårias-objeto acesas, galeria principal.

Montagem com vista panorâmica, galeria principal.


Fabiano Devide Natural de Florianópolis, Santa Catarina, em 1974. Artista e professor adjunto da Universidade Federal Fluminense. Reside e mantém ateliê no Rio de Janeiro. Possui formação artística na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV-RJ) desde 2009. O artista recebeu orientações de João Magalhães, Charles Watson, Pedro França, Ivair Reinaldim, Daniel Senise, Suzana Queiroga, Paulo Sérgio Duarte, Luiz Ernesto, Bruno Miguel, entre outros. Participou do Grupo de Estudos Ivair Reinaldim e mantém o site www.fabianodevide.blogspot.com desde 2010, onde escreve sobre arte contemporânea e o próprio processo criativo. Entre exposições individuais, coletivas e salões de arte contemporânea, já expôs nos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Goiás e Pará.

Principais exposições e salões Híbridos, Galeria Café/RJ, curadoria Jozias Benedicto, 2011. Afinidades: a escolha do artista, Caza_Arte_Contemporânea/RJ, curadoria Fábio Carvalho, 2012. Experiência Pintura, EAV-Parque Lage/RJ, curadoria Suzana Queiroga, 2012. 18º Salão Unama de Pequenos Formatos, Galeria Graça Landeira, Belém/PA, 2012. 42º Novíssimos, Galeria IBEU/RJ, curadoria Bernardo Mosqueira, 2012. Opening, Orlando Lemos Galeria, Belo Horizonte/MG, 2013. 12º Salão Nacional de Arte de Jataí, Museu de Arte Contemporânea de Jataí, Jataí/GO, 2013. Como refazer o mundo, Galeria Luiz Fernando Landeiro, Salvador/BA, curadoria Divino Sobral, 2014. Pintura! Galeria Solar Meninos de Luz, Rio de Janeiro/RJ, curadoria Osvaldo Carvalho, 2014. Mais Pintura, Espaço Cultural Contemporâneo ECCO, Brasília/DF, curadoria Luiz Ernesto e Bruno Miguel, 2014. Mais Pintura: Primavera, EAV-Parque Lage, Rio de Janeiro/RJ, curadoria Luiz Ernesto e Bruno Miguel, 2014. Aura Ocupa 1#, Galeria sala Branca, Porto Alegre/RS, curadoria Talitha Mother, 2015. Salve Jorge, Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, Rio de Janeiro, curadoria Raimundo Rodriguez, 2016. Não Lugares, Galerias do Canto da Carambola. Rio de Janeiro, curadoria Jozias Benedicto, 2016.


Não-Lugares Fabiano Devide

Realização: Canto da Carambola Curador: Jozias Benedicto Fotografia: Fabiano Devide Montagem: Elmiro Mendonça e Adriano Luiz Trindade Projeto de iluminação: Elmiro Mendonça Projeto Gráfico: Elmiro Mendonça e Fabiano Devide


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