Estadão - O Estado de São Paulo

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SEXTA-FEIRA, 6 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S. PAULO

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Cinema Estreias: REUTERS

“Eu precisava descobrir como era a sua alma” Frank Langella explica como criou Nixon, que impressionou até o verdadeiro Frost Ubiratan Brasil NOVA YORK

ENTREVISTA – Sheen e Langella, respectivamente como Frost e Nixon: duelo sensacional entre atores com cenas que beiram a perfeição

Nixon, elo entre as obras de Howard e Snyder Ex-presidente faz a ponte entre Frost/Nixon e Watchmen, que misturam TV e quadrinhos e realidade e ficção para retraçar a história dos Estados Unidos Luiz Carlos Merten

Há um elo que une Watchmen, de Zack Snyder, e Frost/Nixon, deRonHoward,duasdasprincipais estreias de hoje nos cinemas de São Paulo. Há uma terceira grande estreia e é Quem Quer Ser Um Milionário?, de Danny Boyle, vencedor de oito Oscars, incluindo melhor filme e direção, na recente premiação da Academia de Hollywood. MasWatchmeneFrost/Nixoninteressammais, neste momento. O elo é o ex-presidente Richard Milhous Nixon, um dos mais polêmicos da história dos EUA. Em1975,pressionadopeloclamor produzido pelas denúncias deseuenvolvimentonocasoWatergate,NixonrenunciouàPresidência, para evitar o impeachment.Frost/Nixoncomeçajustamente com a renúncia. Nixon abandonou a Casa Branca, mas nãoadmitiusuaculpanempediu desculpas ao povo norte-americano. O jornalista britânico David Frost farejou o que seria a grande matéria – uma entrevista, na TV, em que Nixon, encurralado,abririaenfimaguardapara falar sobre Watergate. O fato ocorreu, a história é real, mas,

como volta e meia ocorre nas ficções do diretor Howard, a realidade é mais complexa e intervém de forma inesperada. Em Apollo 13, os astronautas norte-americanosficamsemrumo no espaço e o que seria uma tragédia vira um relato de segunda chance. Em Frost/Nixon, quem começa a se sentir encurralado é o jornalista, não o expresidente, um político ladino que tira proveito de sua imagem de estadista. Chega o momento em que Frost, sozinho na noite, avalia o que parece sua derrota e até desmoralização profissional. É quandotoca o telefone. Do outro lado da linha, Nixon.O telefonemaocorreu de fato? O próprio ex-presidente faz a pergunta a Frost. Pode ser licença poética, ou dramatúrgica, do roteirista Perter Morgan, mas funciona admiravelmente, como ponto de inversão. O duelo entre os atores Michael Sheen e Frank Langella é sensacional e Langella, como Nixon, consegue ser mais nixoniano do que o ex-presidente. Pode ser outra licença do roteirista, mas o desfecho, quando ele, tenso, abandona o local da entrevista e trava aquele curto

diálogo com a dona do cão a quem acaricia, beira a perfeição. Richard Milhous Nixon, cãosem dono?Um outroNixon, interpretado por Robert Wisden, aparece em Watchmen. O filme de Zack Snyder, diretor de Madrugada dos Mortos e 300, baseia-se na graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons. Moore é um dos personagens mais excêntricos dos quadrinhos, recluso como o lendário J.D. Salinger, de O Apanhador no Campo de Centeio. O próprio Moore, que cria quadrinhos como romances, declarou certa vez que considerava Watchmen ‘intrinsicamente infilmável’ e TerryGilliam,queacalentoudurante anos o sonho de adaptar a graphic novel, desistiu porque achava que, menos de cinco horase meia deduração,equivaleriam a uma diluição do original. A versão de Zack Snyder tem 2h40. Como em A Liga dos Heróis,éahistóriadeumafraternidade de super-heróis, que, logo no começo, estão dispersos ou sendo dizimados. A ação passa-senosanos70,sobapresidênciadeNixon.Ossuper-heróishaviam adquirido tal poder que sua atividade foi regulamenta-

Heróis decadentes e visual de impacto em Watchmen Filme de Zack Snyder enfileira um rosário de ideias confusas DIVULGAÇÃO

Luiz Zanin Oricchio

Como o diretor é Zack Snyder (o mesmo de 300) já se antevia que provavelmente Watchmen teria grande impacto visual. E, nesse quesito, a adaptação para a tela da história em quadrinhos de Alan Moore não decepciona. Há mesmo sequências de tirar o fôlego, a começar pela primeira, que abre o filme com impacto e autoridade. Vejam e confiram. Watchmen se desenvolve numa distopia (e de que outra maneira imaginar Nixon no poder por cinco mandatos consecutivos?), na qual permanece a ameaça da guerra nuclear e os ponteirosdotal relógio dameianoite se aproximam de maneira alarmante. Nesse ambiente, um dos super-heróis, o Comediante (Jeffrey Dean Morgan) é assassinado e seus colegas resolvem deixar a aposentadoria para investigar o crime. É curioso observar como,

DISTOPIA – O diretor Zack Snyder e seu “Nixon” (Robert Wisden)

em Snyder,se cruzam as necessidades de produzir um bom blockbuster e as de veicular algumas ideias que tem em mente. Duas exigências em nada incompatíveis,por mais quese diga que o grande público não quer pensar enquanto come pipocas e delira com o que vê na tela. De modo que o visual de forteimpacto nãoencobre aqui-

lo que o filme teria de mais pretensioso, no bom sentido do termo: levar a uma reflexão sobre o mundo contemporâneo, ainda que a história se passe em meados dos anos 80. Entre essas boas ideias, que vêm da própria graphic novel, diga-se, está a de de super-heróis decaídos, viciosos, dos quais o lúbrico Comediante é

da pelo Congresso dos EUA. É nesse quadro que se tece a intriga. Quem está liquidando os Watchmen, e por quê? A trama complicada envolve heróis que perderam o bonde da história. São amarguradosesolitários.Nixon,mentiroso contumaz, é o presidente – sugestivamente com um narizdePinóquio.Alguémestá tentando evitar oapocalipse atômico – ainda havia a URSS – e selando um acordo de paz, mas há um alto preço a pagar. Watchmen mostra o mundo como poderia ter sido,apartirdaGuerradoVietnã. Nixon é peça fundamental. O visual, como sempre em se tratando de Zack Snyder, impressiona e é o máximo que se pode elogiar. ● Serviço ● Frost/Nixon (Frost/Nixon, EUA/Reino Unido, 2008, 122 min.) – Drama. Dir. Ron Howard. 14 anos. Cotação: Bom

Veja trailer de Frost/Nixon no site

http://www.estadao.com.br/e/d5a

apenas a versão mais caricata. De certa maneira, eles fazem lembrar os semideuses da mitologiagrega. Serespoderosos, mas nunca perfeitos, sucumbem à vaidade, à ambição, à luta pelo poder, ao vício. São humanos, demasiado humanos, parapensar no Nietzsche popular e meio simplório que deve habitar a cabeça de Snyder. Esse ideário parece um bocado confuso, se formos analisar o filme a sério. Parece não haver problemas em matarmilhões depessoaspara manter um certo equilíbrio de poder, como verá o espectador. Mas chamá-lo depoliticamenteirresponsável seria dar a essas tramas soltas e pouco orgânicas uma colher de chá que elas não merecem. Em termos de entretenimento, vale por alguns bons momentos. Convém não queimar muitos neurônios com ele. ● Serviço ● Watchmen – O Filme (Watchmen, EUA/2009, 163 min.) – Ação. Dir. Zack Snyder. 19 anos. Cotação: Regular

Trailer de Watchmen – O Filme

www.estadao.com.br/e/d5b

Ron Howard pediu que a equipe e o elenco de Frost/Nixon tratasse o ator Frank Langella por ‘Senhor Presidente’ mesmo na folga de gravação entre as cenas – a intenção era que ele jamais abandonasse o espírito do personagem. Tamanho cuidado buscava ressaltar o trabalho minimalista de Langella, que compõe a figura do ex-presidente Richard Nixon com apenas algumas expressões. “Eu não pretendia impressionar ninguém, queria apenas representar um homem falível como somos todos”, contou ele. Ao contrário de seu colega Michael Sheen, que interpreta um personagem ainda vivo (o jornalista David Frost), Langella baseou-se em imagens de arquivo e impressões que guardou de Nixon. Assim, se repete em alguns momentos o famoso gesto do ex-presidente de levantar os braços com dois dedos esticados em V, ressaltando seu curto pescoço, o ator não precisou de um nariz postiço, como o fez Anthony Hopkins, em Nixon, que Oliver Stone dirigiu em 1995. “Parti de um pressuposto básico: descobrir como era sua alma, como funcionava sua mente. Em uma história, não interpretamos um serial killer ou um músico, mas uma pessoa que tem esse título. Daí a necessidade de se ir mais a fundo.”

ATÉ NAS FOLGAS DE GRAVAÇÃO ELE ERA CHAMADO DE “SENHOR PRESIDENTE” Ator com vasta carreira iniciada nos anos 1960, Langella confessou sua surpresa diante do desafio de interpretar Nixon, no teatro e no cinema. “Ele certamente foi a pessoa mais fascinante que já tive a oportunidade de representar”, garante. “Fiquei obcecado por sua história, por seus demônios pessoais. Nixon era um político irascível, dono de um humor que mudava rapidamente e, por conta disso, revelador de todas as suas idiossincrasias – ao contrário do que acontece hoje, quando a política é dominada por figuras pasteurizadas.” A caracterização, de fato, foi construída por detalhes. O

cabelo grisalho levemente ondulado, por exemplo, ou a voz rosnada, dita em tom baixo. Mas é pelo olhar que Langella revela a alma de seu personagem – desde o esgueirar debochado e interessado em dinheiro com que observa Frost no início da entrevista até a súplica escancarada por um perdão com que finaliza a conversa. O próprio David Frost confessou estar impressionado com o trabalho de Langella. “Ele não se parece com Nixon, mas, ao vê-lo, você sente estar diante de Nixon”, disse o jornalista à imprensa inglesa. “Langella transcende.” A transição do palco para o cinema também foi uma experiência particular. Langella lembrou que, no teatro, a luta pela busca do personagem era diária. “Depois de um tempo, adquiri um ritmo muito particular com o qual eu ocupava o palco de forma quase instintiva”, disse. “Diante das câmeras, porém, surgiu a oportunidade para experimentar novos elementos.” A mesma sensação foi desfrutada por Michael Sheen no papel de David Frost. Ele, no entanto, sentiu um progresso em seu trabalho quando interpretou para o cinema. “No teatro, você cria situações, como fingir que está viajando em um avião. Já diante da câmera, você está, de fato, dentro de um.” Interpretar um personagem real e ainda vivo impôs uma série de responsabilidades. Se há alguma vantagem em dispor de elementos que ajudam na composição, ao mesmo tempo há o risco de se criar uma caricatura. “Se eu interpretasse David Frost como um homem excessivamente competente, eu quebraria o suspense. Assim, especialmente seus erros, suas fraquezas tinham de estar presentes.” Já o largo período em que dividiu a história com Langella, no palco e para a tela grande, foi desafiante. “Durante 18 meses, em quase todos os dias, contávamos essa história juntos. Como era algo que sempre surgia com frescor, já não importava mais se interpretássemos para a plateia de um teatro ou diante de uma câmera e uma equipe de filmagem. A faísca sempre surgia e incendiava nossa encenação.” ● O repórter viajou a convite da Paramount

UMAHQMAIORDOQUEOSEUTEMPO ●● Hoje em dia, quando mesmo a

crítica aos super-heróis costuma ser clichê, a lição de Watchmen continua intacta. Quando imaginou a série Watchmen, em 1986, o escritor inglês Alan Moore estava não só desafiando uma convenção como usando a mitologia do herói como pretexto para reinterpretar a moralidade humana. Seu esforço foi reconhecido em todos os quadrantes (a revista Time incluiu a HQ entre os cem maiores romances do século). Usando narrativas simultâneas, metalinguagem, recursos simbólicos em cascata, o autor e seu parceiro, o desenhista Dave Gibbons, deram ao gênero um estofo único. Os heróis aposentados com mentalidade de homem médio americano, ou com tino comercial digno de um Maddof, rein-

ventaram o gênero. Num mundo onde um vigilante quase psicopata é a única força moral incorruptível, o que resta? Ou, como dizia o slogan do gibi: Quem vigia os vigilantes? ● JOTABÊ MEDEIROS


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