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Eumar Evangelista de Menezes Júnior* Priscilla Santana Silva** O DIREITO DAS MINORIAS, OS LIMITES CONSTITUCIONAIS E AS AÇÕES AFIRMATIVAS THE RIGHT OF MINORITIES, THE CONSTITUTIONAL LIMITS AND AFFIRMATIVE ACTION LOS DERECHOS DE LAS MINORÍAS, LOS LÍMITES CONSTITUCIONALES Y LAS ACCIONES AFIRMATIVAS

Resumo: O presente artigo, em suma, discorre sobre o direito das minorias, os limites constitucionais e as ações afirmativas. Objetiva-se um melhor entendimento das ações afirmativas em favor das minorias, uma vez que tais membros da sociedade, em alguma etapa de suas vidas, não conseguem gozar da igualdade material. Para tanto, se faz necessário conhecer o conceito de minorias, seus direitos, a legislação pátria e seus limites e como essas ações afirmativas protegem essas minorias. Abstract: In short, this article is about the rights of minorities, constitutional limits and affirmative action. Objective is a better understanding of affirmative action in favor of minorities, since such members of society, at some stage in their lives, can not enjoy the stuff equality. For this it is necessary to know the concept of minorities, the rights of same, the homeland legislation and its limits and how these affirmative actions protect them.

Professor Mestre do curso de Direito da UniEvangélica, pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Direito dessa mesma Universidade. Professor do Programa de PósGraduação da Moderna Assessoria Educacional. Advogado. ** Professora Mestre do curso de Direito da UniEvangélica, pesquisador do Núcleo de Pesquisa.

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Resumen: Este artículo, en definitiva, habla de los derechos de las minorías, de los límites constitucionales y de la acción afirmativa. El objetivo es una mejor comprensión de la acción afirmativa en favor de las minorías, ya que dichos miembros de la sociedad, en algún momento de sus vidas, no pueden beneficiarse de la igualdad material. Por lo tanto, es necesario conocer el concepto de minoría, sus derechos, la legislación brasileña y sus límites y cómo éstas acciones afirmativas protegen a estas minorías. Palavras-chaves: Minorias, Constituição, ações afirmativas. Keywords: Minorities, Constitution, affirmative action. Palabras clave: Minorías, Constitución, acciones afirmativas. CONCEITO E DIREITO DAS MINORIAS Para início, se faz necessária uma análise do conceito de minorias, que não é questão das menos polêmicas. O dicionário Aurélio, assim como outros dicionários de língua portuguesa, traz a indicação de minoria como inferioridade numérica, mas também uma nova inserção ao significado do termo “minoria”. Além de inferioridade numérica, identifica-o como subgrupo que, em uma sociedade, pode ser considerado diferente do grupo dominante e que por isso não participa integralmente e em igualdade de condições da vida social (FERREIRA, 1999). Na lição de Elida Séguin (2002, p. 9), pensa-se em minorias “como um contingente numericamente inferior, como grupos de indivíduos, destacados por uma característica que os distingue dos outros habitantes do país, estando em quantidade menor em relação à população deste”. Ainda na visão da autora supracitada, conceituar minorias é complexo, vez que sua realidade não pode ficar restrita 180


apenas a critérios étnicos, religiosos, linguísticos ou culturais. Oscar Joseph de Plácido e Silva (2004, p. 918-919) identifica minorias do sentido político como “um grupo de pessoas de mesma raça, língua, religião e origem nacional, vivendo em outra região que não a sua nação e querendo viver como se estivesse em seu país de origem, embora com os mesmos direitos civis e políticos”. A Organização das Nações Unidas, em busca de uma definição para o termo, por intermédio da subcomissão para Prevenção da Discriminação e a Proteção das Minorias, traz o entendimento de Francesco Capotorti (apud MONTEIRO et al., 2011): Um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não-dominante, cujos membros – sendo nacionais desse Estado – possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua.

Adriana Monteiro e colaboradores (2011), em busca de um conceito de minorias, afirmam que o termo tem duas vertentes, a sociológica e a antropológica, e, nesse sentido, trazem a contribuição de Moonen e suas afirmações sobre os aspectos anteriormente citados. Sociologicamente, minoria é um termo de expressão quantitativa, fazendo referência a um grupo numérico definido de pessoas pertencentes a uma determinada classe social, ou seja, leva em consideração somente o aspecto numérico (MONTEIRO et al., 2011). No sentido antropológico, existe uma ênfase no aspecto qualitativo, fazendo menção a minorias sociais, podendo ser até uma maioria numérica, ou seja, o que se leva em consideração não é o conteúdo numérico para a identificação das minorias, e sim o tratamento dado a certos grupos sociais nas relações de subordinação em relação à classe dominante (MONTEIRO et al., 2011). Na conceituação de Norbert Rouland (2004, p. 37), “o termo minorias é consubstancial à ideia de Estado e refere-se apenas a grupos nacionais que, no seio de uma população dominante, possuem e procuram preservar características étnicas, religiosas ou linguisticas próprias”. Ainda, o autor afirma que, em medida histórica, a emergência do Estado Moderno é relativamente recente e 181


o reconhecimento das minorias e de direitos muito mais ainda, se é que já tenha tido lugar. Antonio Minhoto (2009) conceitua o termo “minorias” afirmando que deve estar estritamente ligado às características que identificam a realidade das minorias sociais, sendo elas um segmento social vulnerável, incapaz de prover ele próprio suas necessidades básicas ou de atingir, por esforço próprio, certo grau de atividade social que proporcione viver uma vida digna e cheia de oportunidades, como é a dos que vivem na condição social dominante, e, por isso, demanda proteção especial por parte do Estado. O autor supracitado levanta a questão de caracterização das minorias como meio de classificá-los. A primeira característica tratada pelo autor denomina-se “incapacidade de autodefesa, sendo que as minorias têm dificuldades de se protegerem na busca de seus interesses de forma independente, perante os grupos dominantes, e ficam aquém de uma vida de oportunidades em virtude desta incapacidade” (idem, p. 21). Em sua segunda característica, define as minorias como “demandantes de proteção especial do Estado, em virtude de não possuírem condições de buscar oportunidades na mesma medida em que a classe dominante. As minorias sociais necessitam da proteção estatal para alcançarem igualdade de oportunidades” (idem, p. 21). Ainda, identifica as minorias na condição de vulnerabilidade social e cita Muniz Sodré, que afirma que “a vulnerabilidade social é caracterizada pelo fato de o grupo minoritário encontrar-se fora da institucionalização das normas jurídicas, o que o coloca em uma situação de exclusão que, por si só, autorizaria as políticas afirmativas em favor das minorias” (idem, p. 21). Em sua quarta característica, o autor (idem, p. 22) identifica as minorias sociais como distantes do padrão hegemônico, imposto pela classe dominante como o padrão social a ser seguido, o que traz a exclusão das minorias e seu distanciamento de uma realidade que não faz parte de seu dia-a-dia, gerando, também, uma incapacidade de autoproteção.

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Na última característica proposta pelo autor, ele afirma que “a opressão social tem grande capacidade de excluir diversos grupos do modo social moderno, capitalista e ideal, em que poucos têm tudo e ainda são os grandes beneficiários das oportunidades de crescimento social, intelectual, educacional e profissional” (idem, p. 22). Identificada a noção de minoria que se relaciona, portanto, muito além da ideia somente de inferioridade numérica, resta enfrentar outro desafio, que é o de análise dos direitos desses grupos minoritários, que preconizam a proteção ao princípio da igualdade. De início, cabe analisar, de forma breve, se os direitos das minorias tratam de direitos individuais ou coletivos. Sobre essa questão, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 27, confere ênfase aos direitos dos indivíduos pertencentes aos grupos minoritários, “embora eles possam ser gozados em comunhão com os demais integrantes do grupo”, o que pode impedir a utilização de remédios processuais de defesa coletiva desses direitos. Entretanto, o Comitê de Direitos Humanos determinou que essa é uma questão que depende do caso, devendo também haver a defesa dos direitos das minorias enquanto direitos coletivos. Assim, nos casos de respeito à língua, etnia ou religião de uma determinada pessoa pertencente a uma minoria, estamos tratando de direitos individuais. Quanto ao reconhecimento dos direitos à existência e identidade de um grupo minoritário enquanto tal trata-se de direitos coletivos (ALMEIDA e TEIXEIRA, 2011) Os direitos das minorias são regidos pelo princípio da igualdade e não discriminação, não havendo delimitação de um conjunto mínimo de direitos. Possível é observar que, além dos direitos comuns a todas as pessoas (como direito à vida, liberdade de expressão, direito de não ser submetido à tortura, entre outros), as minorias têm certos direitos básicos – direito à existência, direito à identidade e direito a medidas positivas (MONTEIRO et al., 2011). O direito à existência é o direito coletivo à vida, contra a dizimação física do grupo minoritário, conforme conteúdo proporcionado pela Convenção para Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Entretanto, outros direitos são requeridos para que as minorias se desenvolvam plenamente; é o caso do direito à identidade, já que a simples existência física não garante a permanência das manifestações culturais. As pessoas pertencentes a grupos minoritários 183


devem ter o direito de desenvolver, individualmente ou com os demais membros do grupo, suas manifestações culturais, como traço distintivo de seu modo de ser. As medidas positivas, por sua vez, são necessárias no sentido de tornar efetiva a promoção da identidade das minorias e proporcionar condições para a efetividade no gozo de direitos. Desse modo, os Estados devem apoiar as minorias em equilíbrio com o apoio conferido à maioria da população (ou, até mesmo, um tratamento diferenciado, de modo a se obter igualdade de condições na prática de direitos). Os direitos das minorias, também englobados nos direitos sociais e culturais, exigem uma participação eficaz do Estado em seu processo de implementação.

A CONSTITUIÇãO FEDERAL E SEUS LIMITES O Brasil, apesar de ao longo da história estar repleto de exemplos de discriminação e de dominação, encontra-se atualmente entre os países que respeitam as minorias e oferecem a elas conhecimento de seus direitos (TEIXEIRA, 2008). Na Constituição, em seu artigo quarto, inciso dois, vê-se que o Brasil é um país que rege suas relações internacionais pelo princípio da “prevalência dos direitos humanos”. Também na Constituição, percebe-se que o país tem como um de seus fundamentos a cidadania (artigo 1°, inciso II, CF/88) e que é um Estado que apoia o pleno exercício dos direitos culturais (artigo 215 e 216, CF/88). Para coroar, na Constituição estão garantidos os direitos à igualdade e liberdade sem descriminar ninguém: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

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Essas garantias revelam a proteção ao indivíduo independente de ele fazer parte de minoria ou maioria. A punição para o desrespeito e a discriminação está também assegurada na constituição: “Art. 5º; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Por vezes, direitos fundamentais não são garantidos por si mesmos, ainda que possuam status constitucional. Para tanto, recorre-se a esse reforço, que contém outros elementos caracterizadores do déficit de igualdade entre os pertencentes às minorias definidas na relação jurídica. O direito fundamental, então, passa a depender de justificativas complexas além da norma, apoiadas pelo contexto histórico compreendido criticamente. O pertencimento a uma minoria, estabelecido como reforço de argumento, pode ser entendido como o diferenciador necessário para a proteção de certos grupos (DWORKIN, 2005). O direito das minorias representa, portanto, direitos fundamentais de parcelas da sociedade eleitas como minorias a partir de parâmetros de marginalização histórica. Segundo Gabi Wucher (2000), a marginalização desses grupos deu-se por meio de discriminação social, representação política deficiente ou inexistente, subvalorização cultural, omissão – ou mesmo violência – das instituições estatais, para citar as principais causas de desprestígio em relação às minorias. O termo, ressalte-se, não está necessariamente associado a uma minoria quantitativa: os grupos minoritários podem ser compostos de parcelas consideráveis da sociedade. O tratamento a ser dado ao direito das minorias encontrase em princípios acolhidos pelo Estado Democrático de Direito, tanto para negar como para justificar as demandas de grupos minoritários, uma vez que o conflito é a característica inerente à noção de minoria. A análise da argumentação das decisões nos casos que envolvem minorias pode revelar, assim, como os princípios constitucionais são empregados para a interpretação das normas no Estado Democrático de Direito. A interpretação determinará a materialização ou não do princípio democrático, na seara judicial, diante das lides em que, necessariamente, outros princípios constitucionais serão o cerne das discussões (MARTINS e MITUZANI, 2011). Logo, os limites constitucionais podem ser evidenciados no momento em que surge a necessidade e a possibilidade de novos 185


meios de proteção a um determinado grupo minoritário, como uma legislação própria. A seguir, um posicionamento sobre a questão e exemplos de grupos minoritários independente de terem ou não esse tipo de legislação. Havendo lei específica para um dado grupo de minoria, a problemática da interpretação constitucional é reduzida. Os dispositivos são dirigidos especificamente para o grupo minoritário, de forma que a margem de possibilidades interpretativas é bastante reduzida. Segundo Argemiro Cardoso Moreira Martins e Larissa Mituzani (2011), o problema aparece quando tais leis não existem e as minorias devem se valer das normas gerais para tratamento de suas especificidades. O vínculo à norma constitucional é recorrente, porque os grupos considerados minoritários que não possuem legislação própria para a proteção de seus direitos, tal como a minoria indígena ou as mulheres, valem-se da construção argumentativa a partir de princípios constitucionais. Princípio recorrente é o da igualdade. Ele é entendido, quando aplicado ao direito das minorias, em seu sentido material, visto que seu sentido formal limita a igualação real buscada pelo Direito. Em um primeiro momento, a problemática da figura das populações ou povos indígenas está ligada à problemática que esses povos sofreram em seus processos de colonização e de dominação, os quais levaram a sua dizimação e escravidão, bem como à posse das terras que ocupavam, confinando-os a porções ínfimas se comparadas às originalmente ocupadas (CHIRIBOGA, 2014). No Brasil, a Constituição da República de 1988, no Capítulo VIII, do título VIII, artigos 231 e 232 e seus respectivos parágrafos, ao tratar dos índios brasileiros, bem como de suas terras: i) colocou a União como competente para legislar sobre as populações indígenas; ii) prescreveu a necessidade de autorização congressual para mineração em terras indígenas; iii) previu a respeito da preservação da cultura indígena. Os direitos à saúde e à propriedade, bem como o princípio constitucional da igualdade, são extensivos às comunidades indígenas. Contudo, mesmo com todo esse resguardo, o vínculo a uma legislação própria pode ser exemplificada pelo Estatuto do Índio (Lei n. 6.001/1973) e pela Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada 186


pelo Decreto n. 5.051/2004, aplicado a essa minoria constitucionalmente reconhecida. O aumento do número de idosos é uma realidade no Brasil, isso porque a população cresceu desordenadamente e em progressão geométrica, sem o devido planejamento e controle de natalidade, fator este aliado ao crescimento da expectativa de vida do ser humano, que tem aumentado à medida que a saúde pública tem conseguido avanços tecnológicos, na fabricação de medicamentos e controle de endemias. Existe uma previsão de que, em 2020, um em cada treze cidadão brasileiro será idoso (SEGUIN et al., 2001). Ademais, eles vêm sofrendo discriminações e preconceitos, como se o idoso se tornasse uma pessoa inútil, requerendo somente cuidados e atenção, sem nenhuma valia para a sociedade. “Por vezes esse preconceito e discriminação, e em alguns casos até violência, que sofre o idoso, parte exatamente daqueles que deveriam dar o amparo e cuidado por ele requerido, ou seja, a própria família” (MORAES, 2005, p. 2041). A Constituição, em seu artigo 230, é enfática ao dizer que “[a] família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. Perceba-se que o referido artigo prevê que a dignidade da pessoa do idoso deve ser preservada, remetendo-se, assim, ao artigo 1º, inciso III, da Magna Carta, que prevê o princípio da dignidade da pessoa humana, seja ela criança, jovem, adulta ou idosa. Baseados neste dever de proteger o idoso, e diante de questões específicas dessa minoria, limitadas na Constituição Federal, os legisladores aprovaram a Lei n. 10.741/2003, que ganhou a denominação de Estatuto do Idoso, nos mesmos moldes em que foi feito com o Estatuto da Criança e do Adolescente e outros grupos minoritários. Antes da edição deste Estatuto, existia apenas a Lei n. 8.842/1994, que estabelecia tão somente normas gerais de uma política nacional a ser adotada em favor do idoso. Outro caso de legislação especial voltada para a proteção de uma minoria é a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006). O tratamento diferenciado conferido a mulher pela referida lei tem fundamento constitucional no artigo 226, § 8º, da CF de 1988, e em âmbito internacional na Convenção de Belém do Pará, de 1994 187


(sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher), partindo do pressuposto de que o gênero feminino precisa de proteção, assim como as minorias que exigem cotas nas universidades, idosos, crianças, deficientes físicos, homossexuais, dentre outros (SANTOS, 2007). Os conceitos são diversos para a definição de pessoas portadoras de deficiência, ou pessoas portadoras de necessidades especiais, em uma visão politicamente correta. De forma geral, para a ONU (Resolução 33/3447), “o termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais” (SEGUIN et al., 2001, p. 210). Após a Constituição Federal de 1988, a Lei n. 7.853/1989 instituiu políticas públicas de governo em favor da pessoa portadora de deficiência física. No sentido de se aclarar mais um pouco como se dá a proteção dessa minoria, o Decreto n. 3.298/1999 regulamentou a Lei n. 7.853/1989, adotando os conceitos legais necessários à execução da referida lei. Segundo Marcelo dos Santos Bastos (2011), um destaque deve ser dado à integração da pessoa portadora de deficiência física ao mercado de trabalho, assegurada pela CF em seu artigo 203, inciso III, e especificadamente assegurada na lei específica n. 8.112/1990. Talvez o grupo que mais tenha sofrido preconceito e discriminação na sociedade mundial, depois da discriminação racial sofrida pelos negros, foi a classe dos homossexuais, seja por razões religiosas, médicas ou de comportamento social. Contudo, também é a minoria que mais tem avançado no campo de ver seus direitos atendidos ou, no mínimo, “respeitados”. A maioria das comunidades quilombolas permanece à míngua, convivendo com a iminente possibilidade de serem extintas lentamente. A conscientização da população em geral, e o conhecimento acerca da situação destes povos, é de extrema importância para que se possa modificar sua atual situação. É por meio da ação cidadã que se conquistam os direitos das minorias em um Estado Democrático de Direito, como o nosso (ANJOS, 2006). O Decreto 4.887/2003 regulamenta identificação, reconhecimento, delimitação, 188


demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos. O artigo 15 do decreto autoriza o INCRA a representar “os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos das questões surgidas em decorrência da titulação de suas terras”. Contudo, mesmo com a concessão do título a algumas comunidades, ainda hoje se discute sua validade para regulamentar o direito garantido na Constituição Federal. As pessoas que travam uma árdua batalha pela vida também formam uma minoria, pois pertencem a certo grupo de pessoas que contraíram determinada doença e necessitam de amparo do Estado, no fornecimento de medicamentos para continuarem vivos. Neste caso se incluem os portadores do vírus HIV, os soropositivos da Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida – SIDA. Por força da Lei n. 9.313/1996, em seu artigo 1º, todos os portadores do vírus anteriormente referido receberam, gratuitamente, toda a medicação necessária ao seu tratamento, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), programa gerido pelo Estado, em todos os seus níveis: União, Estados, Distrito Federal e Municípios (LIMA, 2009). Segundo Jônatas Eduardo B. M. Teixeira (2008), no Brasil a minoria religiosa engloba todas as religiões não católicas (protestantes, espírita, umbanda, candomblé, budista, mulçumana, judaica, etc.). As religiões que enfrentam mais preconceito são as de origem africana, principalmente candomblé e umbanda. Elas sofrem constante demonização por parte de alguns setores da Igreja Católica e principalmente pelas Igrejas Protestantes. Os protestantes, os pentecostais e os neopentecostais e as ramificações cristãs mais diferenciadas das regras sociais como as Testemunhas de Jeová e a Adventista do Sétimo Dia também são fortemente desrespeitadas. Diante da pluralidade da sociedade brasileira existem, ainda, outros grupos designados minorias, que anteriormente não foram elencados, mas não deixam de ser de grande importância social.

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AÇÕES AFIRMATIVAS COMO pROTEÇãO DAS MINORIAS As ações afirmativas são políticas públicas e mecanismos de inclusão, concebidas por entidades públicas ou privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicionais, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito. O princípio da igualdade se destacou nas Constituições anteriores à de 1988, porém, tratava-se somente da igualdade formal, tratamento dispensado pelo Estado a seus administrados sem levar em consideração as distinções existentes em cada classe social brasileira, o que não trazia garantia de igualdade de oportunidades a todas. A respeito do princípio da igualdade, Serge Atchabahian (2006) observa que este princípio foi tido, por muito tempo, como garantia da concretização da liberdade e de uma sociedade justa, como se fosse o suficiente para a garantia dos direitos fundamentais. Tal princípio, porém, não atingiu seu propósito por não garantir o tratamento igualitário por parte do Estado e da sociedade em favor das minorias sociais, no sentido de lhes garantir igualdade de oportunidades para o alcance de um nível de vida digna. Surgiram, então, as ações afirmativas, como meio de efetivação da igualdade material traduzida em igualdade de oportunidades, para que as minorias sociais pudessem ter as mesmas oportunidades da classe dominante (ALMEIDA e TEIXEIRA, 2011). O Estado e as empresas têm participação decisiva na implementação de políticas públicas, exigindo-se uma atuação ativa, pois no mundo capitalista somente as pessoas com poder decisório seriam capazes de sustentar mudanças nas estruturas da sociedade. Portanto, as ações afirmativas obrigam tanto as entidades públicas como as privadas, servindo para combater todas as formas de discriminação existentes ou que, porventura, venham a existir (CECCHIN, 2006). Importante diferenciar as políticas governamentais “neutras” das de combate governamentais “positivas” de combate à discriminação, por meio de ações afirmativas. Jorge Barros Gomes (2001, p. 40-41), foi feliz na distinção:

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Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade ao acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária, e visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral ou específica, ou através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo. Em síntese, trata-se de políticas e de mecanismos de inclusão concebidas por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.

Assim, para o combate à discriminação são utilizadas políticas neutras e positivas. Enquanto estas agem de forma promocional, aquelas de forma proibitiva ou inibitória. Relevante destacar que o Poder Judiciário, em sua função jurisdicional de inclusão social, pode transformar políticas neutras, meramente proibitivas, em verdadeiras ações afirmativas, determinando que as entidades ou instituições cessem atos discriminatórios e implementem políticas promocionais. Segundo o referido autor, os objetivos das ações afirmativas não ficam restritos à proibição de determinadas condutas, mas requerem a promoção de políticas capazes de efetivamente proporcionarem uma transformação social, de ordem cultural, pedagógica e psicológica. As ações afirmativas, como principal instrumento de implementação da igualdade material, têm alicerces e fundamentos na justiça. Discute-se, porém, se essa justiça é compensatória ou distributiva (CECCHIN, 2006). 191


A justiça compensatória ou reparatória está ligada a fatos históricos, voltada a corrigir erros do passado. As injustiças foram cometidas com os antepassados das pessoas que hoje são consideradas minorias. Essas minorias estariam sofrendo os reflexos de um tratamento diferenciado recebido durante anos. Com base nestes fundamentos, diz-se que as ações afirmativas visam corrigir distorções do passado, reparando as atrocidades cometidas por grupos dominantes, em prejuízo dos dominados. Os descendentes desses grupos sociais dominantes estão, hoje, em larga vantagem sobre os descendentes dos grupos excluídos. Para corrigir estas distorções é preciso que os grupos sociais beneficiados indenizem os grupos sociais prejudicados (CECCHIN, 2006). Já a justiça distributiva está centrada em critérios mais objetivos, determinantes da discriminação, como raça, sexo e cor. Ainda que isso decorra de concepções ideológicas do passado, o fundamento é a injustiça presente, decorrente das injustiças sociais. Supõe-se que todos são iguais ao nascer, não se cogitando dos erros do passado. As riquezas materiais e imateriais não podem ser distribuídas por critérios discriminatórios. A justiça distributiva parte da igualdade ao nascer, observada as distinções naturais, inerentes à raça e ao sexo. Respeitadas as condições e peculiaridades de cada um, não se vislumbra motivos para perpetrar uma desigualdade material. Se todos são iguais ao nascer, permite-se a conclusão de que as oportunidades também devam ser iguais. É público e notório que as melhores Universidades Federais e Estaduais, pagas com o dinheiro dos impostos, são frequentadas por pessoas que, via de regra, teriam condições de pagar por seus estudos. Ora, não se justifica tamanha desproporcionalidade com o estudante de escolas públicas. O que era para amparar os desprotegidos está servindo para acolher os mais abastados, devido ao preparo educacional particularmente financiado no ensino fundamental e médio. Salta aos olhos tamanho despautério, pois as escolas públicas devem ser frequentadas por pessoas que não têm condições de pagar suas mensalidades. Essas distorções devem ser aparadas por meio de políticas públicas que deem condições igualitárias de acesso às Universidades Públicas. Neste contexto, identifica-se um grupo de minorias jurídicas, determinados por fatores econômicos. 192


Independentemente da teoria adotada (compensatória ou distributiva), o alicerce que fundamenta as ações afirmativas mostrase rochoso, quase insuscetível de abalo, uma vez que os argumentos tendem a proporcionar a igualdade material, sem que isso possa representar uma discriminação negativa. Pelas injustiças do passado ou pelas injustiças do presente, o importante é coibir toda e qualquer forma de discriminação, elevando todos os povos e raças ao mesmo patamar civilizatório, com oportunidades e vantagens igualmente concedidas, sem que a distinção natural possa interferir nos critérios de evolução e aprimoramento pessoal. A dignidade humana se baliza pala igualdade material de direitos, sendo reprováveis condutas discriminatórias como forma de manutenção de poder (SILVA, 2005).

CONCLUSãO Apesar de todas as garantias e direitos estipulados pela Constituição Federal, as minorias ainda não atingiram por completo a igualdade material pela igualdade de oportunidades como forma de reconhecimento de seus direitos constitucionalmente garantidos. Baseados neste dever de proteção, e diante de questões específicas de cada um desses grupos minoritários, limitadas na Constituição Federal, os legisladores optam por uma legislação específica capaz de atender à individualidade de determinada minoria. Outra questão relacionada à proteção de minorias são as “ações afirmativas”, ou seja, medidas destinadas a eliminar formas atuais de discriminação ou compensar as minorias pelos persistentes efeitos de discriminações passadas. Isto é desenvolvido pelo Estado, por meio de políticas públicas que têm o objetivo de aplicar a igualdade material por meio da igualdade de oportunidades em favor das classes social, econômica e historicamente discriminadas, para que possam ter a seu favor as mesmas oportunidades de desenvolvimento desfrutadas pela classe dominante. A Constituição de 1988 instituiu um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, 193


a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade justa, fraterna, pluralista e sem preconceitos. O conceito de Estado Democrático de Direito é ainda fundamentado na cidadania, na dignidade da pessoa humana e no pluralismo político, tendo como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a promoção de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A proteção constitucional das minorias, assim como os limites constitucionais, são temas que ainda cabem bastante discussão e debate.

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