NOVOS PARADIGMAS APLICADOS À TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO A PARTIR DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

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Ana Paula Guimarães* NOVOS PARADIGMAS APLICADOS À TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO A PARTIR DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NEW PARADIGMS APPLIED TO JURIDICAL PROTECTION OF UNBORN CHILDS CONSIDERING THE PERSONALITY’S RIGHTS LA SITUACIÓN JURÍDICA DEL NIÑO POR NACER E LOS DERECHOS DA PERSONALIDAD

Resumo: Aspecto fundamental para a compreensão e aplicação do direito civil, a condição jurídica do nascituro é um ponto nevrálgico e que suscita muita discussão dentro da ciência jurídica. O surgimento dos direitos da personalidade agrega novos sentidos à tutela jurídica do nascituro. No cenário brasileiro, a polêmica associada ao tema se revela, principalmente, pela dificuldade em uniformizar teoria (representada pela doutrina) e utiliza-lá na prática (expressa na jurisprudência) em relação ao tratamento dispensado ao ser humano de vida intrauterina. Este trabalho busca apresentar a forma como o nascituro é enquadrado em nosso ordenamento jurídico, os direitos que lhe são garantidos e o modo pelo qual a jurisprudência tem aplicado tais desígnios, frente aos direitos da personalidade. Abstract: Fundamental aspect for us to understand and apply the civil law, the unborn child’s juridical status is a very delicate issue that causes many discussions in law’s science. The emergence of the “personality’s rights” brings a new sense to the protection of those individuals. In Brazilian’s background, the problem related to this issue it’s been caused mostly by the difficulty to uniform practice in courts (jurisprudence) and theory (what is said about this theme in skilled books and doctrines of law) in what concerned to the treatment with human beings of

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Graduanda em Direito pela UFG.

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uterine life. This paper intends to present how the unborn child is frame by our legal system, the rights it has guaranteed and the way by which these guidelines has been applied in real cases. Resumen: La situación jurídica del niño por nacer es un punto muy importante para la comprensión y aplicación de la ley civil y plantea un gran debate dentro de la ciencia jurídica. El surgimiento de los derechos de la personalidad a creado un nuevo significado a la protección legal del niño por nacer. En Brasil, la controversia asociada con el tema revela la dificultad de crear una teoría uniforme entre la teoría y la práctica acerca del tratamiento del ser humano de la vida intrauterina. Este estudio tiene como objetivo presentar cómo el niño por nacer se representa en nuestro sistema legal, los derechos garantizados a él y la forma en que se aplica la ley a ellos frente a los derechos de la personalidad . Palavras-chave: Nascituro, personalidade, jurisprudência, direito civil. Keywords: Unborn child, personality, jurisprudence, civil law. Palabras clave: Nonato, personalidad, legal, Derecho Civil.

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INTRODUÇÃO Uma mudança sensível se opera em nosso direito. Desde a superação da dicotomia público-privado no campo jurídico, constantes mudanças vêm ocorrendo no sentido da construção de um direito “uno, indivisível e indecomponível” (LENZA, 2015, p.106). Assim, já não há mais espaço para se entender o direito civil no âmbito da regulação própria, império da vontade das partes e da liberdade individual. A publicização, a despatrimonialização e o reconhecimento dos direitos à personalidade, no direito civil, afetam sobremaneira a condição jurídica do nascituro. Isso porque, seu status jurídico até então se justificava pela natureza patrimonial de grande parte dos direitos no âmbito civil, contudo, em face de direitos centrados na proteção da pessoa humana e sua dignidade, torna-se imperativa a reconsideração da situação jurídica do ser humano já concebido e não nascido. Embora não haja atualmente previsão legal que garanta ao nascituro a condição de titular de direitos, existem diversos exemplos na própria lei de tutela jurídica do ente já concebido e não nascido. É o caso do direito à representação e curatela, doação, herança e alimentos, direito à vida e à saúde. Além desses, tem se formando novíssimo precedente judicial que garante ao nascituro direitos personalíssimos (e não mais apenas patrimoniais) como a honra, a dignidade e a vida. O deslocamento no enfoque materialista para uma discussão mais ampla sobre bens personalíssimos demandam uma atualização nas categorias até então utilizadas nesse campo, por exemplo, aquela relativa à pessoa natural, personalidade, sujeito de direito e ao próprio nascituro. Este trabalho busca explicar a ascensão dos direitos da personalidade dentro do campo jurídico, seus efeitos e contribuições para o direito civil pátrio e, a partir de tais considerações, a situação jurídica do nascituro, tratando de seu conceito, sua história e os diferentes enfoques com que se trata essa figura: a perspectiva legal, doutrinária e jurisprudencial. Além disso, há também breve comentário acerca do impacto que a figura do nascituro exerce em temas como manipulação genética, técnicas de fertilização e tratamentos feitos com células embrionárias. 197


DESPATRIMONIALIZAÇÃO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL O fenômeno de codificação do direito, que se desenvolve mais acentuadamente entre a segunda metade do século XVIII e século XIX, no período conhecido como Era das Codificações, teve influência fundamental no desenvolvimento da cultura jurídica ocidental (BOBBIO, 1909). Seu grande símbolo, o Código de Napoleão, que tratava da matéria civil na França, consagrou a ideologia burguesa capitalista em ascensão na época, garantindo precipuamente a tutela ao patrimônio e à liberdade individual. Sobre o mesmo ideal ergueríamos, séculos mais tarde, nosso próprio ordenamento e seus códigos. Não surpreende, portanto, o viés patrimonialista de nosso direito até final do século XX. O Código Civil de 1916, que permaneceu em vigor por quase um século, estruturou-se sobre a tríade patrimônio, contrato e família, de modo que o referido diploma legal passava à margem de temas como os direitos da personalidade e a proteção da dignidade humana, apenas tangenciando-os, a partir de viés patrimonialista, ou mesmo negligenciando-os totalmente. Cumpre lembrar que os códigos do início da idade contemporânea seguiam a tendência da dicotomia direito público e direito privado, de modo que cada código tinha primazia dentro da matéria que regulava, sem que houvesse interferência de princípios de ordem pública em âmbito privado. Não havia a supremacia do texto constitucional, visto como mero documento político, ou seja, apenas uma referência, sem aplicabilidade direta, que instruía a relação entre o cidadão e o Estado. Cabia, portanto, ao código civil, dotado de força normativa própria, disciplinar grande parte das relações entre particulares, sendo decorrente dessa grande importância a alcunha de “Constituição do direito privado” (BARROSO, 2015). O advento das grandes guerras do século XX, a profunda crise econômica iniciada em 1929, juntamente com a construção de uma visão crítica das desigualdades socioeconômicas entre os indivíduos, que colocava em xeque o pilar da igualdade material, ruíram o Estado liberal, fazendo surgir, em seu lugar, o Estado social de direito. Sob a égide desse novo modelo, inicia-se um 198


gradual processo de superação da dicotomia entre direito público e privado. Essa divisão, que aparta o campo jurídico, de forma quase incomunicável, em dois grandes ramos, passa a ter aplicação cada vez mais difícil em uma sociedade progressivamente complexa, na qual se desenvolvem relações que mesclam diferentes interesses. Desse modo, tornam-se insuficientes tanto o critério subjetivo, que determina como direito público aquele em que atua como titular da pretensão o Estado, e direito privado, concernente às relações entre particulares, quanto o finalístico, que aloca esses dois ramos de acordo com a finalidade pretendida, respectivamente, a tutela do interesse geral e a do interesse dos particulares. Campos como direito de família e do trabalho ilustram bem a interpenetração, complementaridade e até mesmo subordinação entre direito público e privado. Esses setores, anteriormente circunscritos à esfera particular e regidos pela autonomia da vontade e a liberdade individual, passam no modelo social a ter grande repercussão no ambiente público e começam a ser regulados pelo Estado. Nesse sentido, os contratos de trabalho e relações familiares, em que pese o direito de cada indivíduo contratar e se relacionar de acordo com seus desígnios, devem operar em respeito a normas e princípios de ordem pública. Trata-se, pois, da fase de publicização pela qual são introduzidas normas de ordem pública no âmbito privado. Essas normas, chamadas também de cogentes, têm aplicação obrigatória e, portanto, primazia em relação à vontade das partes (GONÇALVES, 2012). Essa interferência do Estado em relações particulares reflete a necessidade de se protegerem as partes mais fracas em relações notadamente assimétricas, como o consumidor, o locatário e o empregado, caracterizando, pois, o dirigismo contratual (BARROSO, 2015). Segue-se ao período de publicização, uma mudança ainda mais profunda, em decorrência da construção do neoconstitucionalismo. Nas palavras de Luís Roberto Barroso (2015, p.300): O termo identifica, em linhas gerais, o constitucionalismo democrático do pós-guerra, desenvolvido em uma cultura filosófica pós-positivista, marcado pela força normativa da Constituição, pela expansão da jurisdição constitucional e por uma nova hermenêutica. (BARROSO, 2015, p.300)

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A incidência vertical das normas constitucionais, como consequência da posição hierarquicamente superior da Constituição no ordenamento, implica significativas mudanças na legislação infraconstitucional, especialmente em relação ao Código Civil. Assim, embora a atualização do diploma legal tome lugar apenas em 2002, mais de dez anos depois da promulgação da Constituição de 1988, aplica-se uma nova interpretação, em conformidade com o sistema jurídico inaugurado pela CF/88, com uma perspectiva de despatrimonialização e repersonalização. Ganham destaque, portanto, os direitos da personalidade, resguardando bens físicos, psíquicos e espirituais do indivíduo. Outrossim, o princípio da dignidade da pessoa humana, vértice de todo o ordenamento, impõe reconsiderações a figuras como a mulher, o deficiente, o incapaz e aquele que muito nos interessa: o nascituro.

SURGIMENTO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE A constitucionalização do direito privado tem especiais efeitos no direito civil. Não obstante os avanços trazidos pelo Código de 1916, destacável por sua concisão, clareza e eminente técnica jurídica, as influências ideológicas que o forjaram davam a ele caráter ultrapassado, conservador e demasiado individualista, em suma, nosso diploma, fruto e gênese de sua época, ilustrava os anseios da sociedade colonial brasileira do início do século XX, inserida num contexto de economia capitalista e sociedade burguesa. Abaixo transcritas, as palavras de Pablo Stolze(2012) fornecem rica e breve descrição sobre o tema: O código marca a tendência ideológica do seu momento (...).Nesse contexto, o Código Civil de 1916, cuja concepção original foi elaborada por CLÓVIS BEVILÁQUA em 1899 (...), traduz, em seu corpo de normas tão tecnicamente estruturado, a ideologia da sociedade agrária e conservadora daquele momento histórico, preocupando-se muito mais com o ter (o contrato, a propriedade) do que com o ser (os direitos da personalidade, a dignidade da pessoa humana).(STOLZE, 2012, p. 77)

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Dentre as mudanças ocorridas no Código de 2002, inseridas nesse movimento de repersonalização do direito civil, há a inserção do capítulo sobre os direitos da personalidade. Nota-se que, embora não houvesse no Código de 1916 espaço reservado aos direitos da personalidade, como aconteceria com seu sucessor de 2002, no Capítulo II (Dos direitos da personalidade), à matéria era dado tratamento constitucional, ainda que de forma precária, pelo art. 179, referente aos “Direitos Civis e Políticos do Cidadão Brasileiro”. Encontrava-se aí a tutela do direito à liberdade, à inviolabilidade de domicílio, ao segredo epistolar e aos direitos autorais, respectivamente, no caput e incisos VII, XXVII, XXVI. Entende-se por direitos da personalidade o conjunto de prerrogativas inerentes à pessoa, seja ela natural ou jurídica, que visam resguardar sua integridade naquilo que concerne aos bens essenciais à existência do sujeito de direito, como a vida, a intimidade, a privacidade e a liberdade. Seu reconhecimento na categoria de direitos subjetivos é recente na história da humanidade, tendo como marco a Declaração de Direitos de 1789, e até hoje esbarra em questões polêmicas para sua plena aplicação. Embora incipiente, é justo mencionar que desde a antiguidade há noticiais da tutela jurídica de bens personalíssimos, como a vida, a integridade física, a honra e a liberdade, ainda que não houvesse expresso o conceito de personalidade. Na Roma antiga, o jus civile, destinado a disciplinar as relações entre os sujeitos livres da república, previa proteção jurídica em caso de morte, ofensas corporais, rapto, injúrias, etc. Para esse fim, fora desenvolvida a actio iniuriarum, o direito de ação voltado para a tutela tanto da injúria abstrata, que abrigava a honra, a liberdade e a integridade física, e a injúria concreta, referente a ofensas dirigidas ao patrimônio do sujeito (LACERDA, 2010). A queda do império romano e sucessiva ascensão do cristianismo significam para a história dos direitos da personalidade profundas transformações, visto que altera a própria visão que se tinha do homem, um ser agora dotado de transcendência e sujeito a um complexo moral e ético de regras. É com os pensadores medievos, como São Tomás de Aquino, que se inicia a construção do direito subjetivo, ou seja, ligado ao sujeito que possui a faculdade 201


de acioná-lo. Tal concepção seria fundamental para que, posteriormente, no período moderno, fosse reconhecido um direito da personalidade, mesmo que, a priori, de maneira generalista (LACERDA, 2010). A discussão sobre a racionalidade, o humanismo e o antropocentrismo ganham eminente espaço na Idade Moderna. O Estado, visto sob a ótica contratualista, era fruto da voluntária cessão de liberdade de seus cidadãos, e esses mereciam ter certas prerrogativas protegidas em face do poder central exercido pelo soberano. Ganhava força a ideia da individualidade do ser humano e, com o fim de garantir cada vez mais segurança aos indivíduos frente ao Estado absoluto, vive-se um momento de acelerada positivação de direitos. É no seio revolucionário da Idade Moderna que nascem os chamados direitos humanos, ou seja, prerrogativas inerentes aos homens por sua própria condição humana. No século XIX, há a primeira notícia de positivação expressa de direitos da personalidade, no caso, o direito ao nome, na lei romena de 18 de março de 1895, seguida pelo Código alemão e o Código suíço (DUTRA; LOPES; JOAQUIM 2011). Contudo, só em 1942, com o Código Civil italiano é que se tem um diploma legal que trata de forma mais significativa a matéria, dispondo sobre o direito ao próprio nome, ao corpo, à tutela, ao pseudônimo e à imagem. No mesmo período, tratava-se também sobre a natureza desses direitos: seriam eles um todo indivisível, de modo a haver um único direito geral da personalidade ou um rol de direitos os quais se poderia elencar nos diplomas legais? (DUTRA; LOPES; JOAQUIM 2011). Como se vê pelo exemplo italiano, a teoria atomista, ou seja, de que os direitos da personalidade se expressam por diferentes formas, podendo ser tuteladas como bens separados, ganhou mais espaço, até mesmo pela maior facilidade em positivá-los nas legislações. Há que se notar, contudo, que não se trata de rol taxativo, mas apenas enumeração de ordem prática, de modo que há direitos não expressos na lei e que ainda assim podem ser invocados pelo cidadão para sua proteção. Atualmente, em nosso país, o Código Civil dedica o Capítulo II do Livro “Das pessoas naturais” para tratar dos direitos da personalidade. Disciplina questões como o início da personalidade, 202


o nome, a disposição do próprio corpo e a natureza desses direitos. Além disso, a própria Constituição Federal traz a tutela a bens personalíssimos, como no art. 5°, que, em seu inciso X, afirma: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O NASCITURO Embora não seja um conceito de difícil apreensão, definir o que é o nascituro é tarefa que exige mobilizar diferentes campos do conhecimento. A começar pelo termo que dá nome ao ente, de origem latina, tem-se o significado literal de nasciturus que é “que deverá nascer, que está por nascer”. À definição de dicionário, feita por Francisco da Silveira Bueno, em obra intitulada “Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa”, Laudelino Freire adiciona a ideia do nascituro como ser concebido, mas que ainda não veio à luz, ou seja, há de nascer. Trabalha-se, em ambas as definições, com duas valiosas noções para o nascituro: concepção e nascimento. A concepção diz respeito ao momento em que dois gametas, óvulo e espermatozóide, se encontram, ensejando a fecundação. A partir da fecundação, as duas células reprodutivas se fundem, criando as condições genéticas e biológicas necessárias à geração de um novo indivíduo da mesma espécie. Na definição de Freire, somente a partir de então pode-se falar em nascituro, enquanto Silveira Bueno, por não mencionar expressamente essa condição, abre margem para a interpretação de que mesmo entes não concebidos poderiam ser nascituros. O ordenamento pátrio reconhece e protege a figura do nascituro não concebido como prole eventual e o menciona expressamente no art.1799 do Código Civil. O nascimento seria o momento a partir do qual o ser humano se destaca do corpo de sua progenitora, findando o período gestacional, e consegue manter-se vivo de modo independente. É o momento que distingue o nascituro da pessoa humana, dotando-a, 203


em nosso ordenamento, de forma definitiva de personalidade. Para a ciência jurídica, um dos conceitos mais reconhecidos para o nascituro foi formulado por Limongi França (apud ALMEIDA, 2000): “pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno”. Esse conceito afasta a situação do embrião fruto de fecundação in vitro, que é o ente já concebido, porém, fora do ventre materno. Sobre essa figura, faz-se pertinente maior detalhamento. Almeida (2000), a respeito da fertilização in vitro, explica que o resultado da fecundação nesse caso não pode ser considerado o nascituro, já que não se encontra no útero materno e, fora dele, não possui condições de se desenvolver e chegar à vida. Desse modo, a autora vincula o conceito de nascituro à situação de gravidez. Maria Helena Diniz (2014), com igual propriedade para se manifestar sobre o tema, adota posicionamento diverso, de modo que, embora reconheça ser a nidação, ou seja, a fixação da célula-ovo no útero materno, o momento no qual se inicia a vida viável, o nascituro deve ser juridicamente considerado desde a concepção, ainda que essa ocorra fora do corpo da mulher. Em que pese os argumentos favoráveis e contrários a cada uma das teses, não se pode dizer que qualquer delas esteja errada ou mesmo incompatível com nosso sistema jurídico, que se mostra, por vezes, dúbio ou obscuro ao tratar do tema. Cumpre lembrar que a situação do embrião concebido por técnicas de fertilização in vitro se encontra disciplinada em lei específica e, neste trabalho, considerar-se-á nascituro o ente de existência intrauterina. Se hoje a discussão acerca da condição jurídica do nascituro suscita controvérsias e acalorados debates, não se pode ignorar a preocupação com essa figura, que remonta aos tempos do próprio surgimento do direito. Na verdade, mesmo antes disso, a humanidade mostrava interesse no ente, de modo que Aristóteles, o eminente filósofo grego, já se dedicava na obra “A Política” a descrever o desenvolvimento embrionário. Em que pese o interesse no nascituro pela perspectiva biológica, não houve nesse período significativo desenvolvimento do tema na área jurídica. É no direito romano que se encontram os primeiros sinais de efetivo tratamento jurídico dado ao nascituro. O tema apresentava, na terminologia de Almeida (2000), uma “aparente contradição”, visto 204


que ora se tratava o nascituro como mera extensão do corpo materno, sem existência própria, ora como criança já nascida. A autora dirime o conflito apontando que a regra geral aplicável corresponde à primeira das visões, ou seja, negando direitos ao ser ainda não considerado como homem. A equiparação com o homem, após o nascimento, servia como ficção, referindo-se à iminente vida real da criança, por exemplo, para que se evitasse a interrupção proposital da gravidez, conduta essa já sujeita à cominação de pena. Em suma, o primeiro seria um princípio geral, enquanto o segundo se refere a uma regra excepcional a ser aplicada em certos casos. Em que pese a regra geral aplicada no direito romano ao neonato, Almeida (2000) ressalta o caso do direito à alimentação, constante do Digesto (fragmento 1, título 9, livro 37). Tal direito, que visava à proteção da vida não estava condicionado ao nascimento nem à aquisição de personalidade. A autora conclui, valendo-se das palavras de Limongi, que conceder tais direitos ao nascituro era equivalente a dotá-lo de personalidade, visto que, nas palavras deste último: “atribuir direitos é atribuir personalidade”. A proteção ao nascituro, contudo, não se dava de fato como respeito à sua personalidade, mas muito mais pelo direito do pai. Nessa seara, destaca Almeida (2000) que o aborto intencional, especialmente quando cometido pela gestante, era severamente punido, pois também representava um dano causado à figura do marido. Desse modo, proteger o nascituro era, implicitamente, proteger os direitos do pai, que tinha no filho a continuação de sua linhagem. É nesse contexto que se coloca o chamado ius vitae ac necis, que pode ser interpretado como o direito de vida e morte que o pai tem sobre sua prole. Sintetiza Almeida: “(...) é provável que a proteção do nascituro fosse efetuada, ao mesmo por um longo tempo no Direito Romano, em função exclusiva dos interesses do pater familias”(ALMEIDA, 2000, p.35). O surgimento do cristianismo inaugura novo momento para o tratamento dispensado ao nascituro. O conceito de alma passa a ser essencial na definição do momento no qual se inicia a tutela jurídica do nascituro, pois uma vez dotado de alma, ou “animado”, tornava-se um dever zelar pela vida do ser humano, antes mesmo de cuidar de seus interesses patrimoniais. Em decorrência, o 205


aborto passa a ser severamente punido, até mesmo com penas capitais, sendo igualado, pois, ao homicídio. Não obstante existirem desde a antiguidade formas de tutela jurídica do nascituro, não se pode dizer que essa proteção fosse feita a partir da ideia de que o nascituro seria um ser dotado de personalidade e, por isso, sujeito de direito. Mesmo hoje, há pouco consenso sobre o nascituro ser ou não dotado de personalidade. A situação mais comum, observada nas leis de países como França, Espanha e Suíça é que a personalidade somente seja concedida à criança que atenda aos requisitos de nascer viva e viável. Caso particular é o da Espanha, que, além dos supracitados requisitos, exige a forma humana e existência fora do corpo materno por mais de vinte e quatro horas para que se conceda personalidade ao neonato. Não obstante o reconhecimento da personalidade se dê apenas a partir do advento do nascimento, alguns direitos são garantidos ao nascituro, como o de receber doação no Código espanhol; na França e na Suíça, o de suceder em iguais condições que a criança já nascida, embora os direitos só sejam efetivados com o cumprimento da condição de nascimento com vida e viabilidade. Cumpre lembrar que os exemplos trazidos não compõem um rol taxativo, mas mera exemplificação, de modo que, além do mencionado, outros direitos são garantidos ao ser de vida intrauterina. Caso interessante é o italiano, que, a despeito de ser considerado insuficiente no que tange à tutela do nascituro, apresenta interessantes projetos de lei, a fim de atribuir personalidade ao ente que ainda não nasceu, e propõe uma diferenciação no tratamento aos direitos patrimoniais e não-patrimoniais, de modo que ficam subordinados ao evento do nascimento somente os primeiros. Na América Latina, o debate sobre a proteção jurídica do nascituro parece ter avançado no sentido de um resguardo ainda mais amplo. Assim, o Código Civil argentino já reconhece a personalidade jurídica desde a concepção e reputa ao concepto a condição de totalmente incapaz. Situação semelhante é a do Peru que, ao fazer a distinção entre pessoa e sujeito de direito, garante que o nascituro é sujeito de direito e, por isso, está amparado pela tutela jurídica mesmo antes do nascimento. 206


O Chile, embora adepto da teoria da personalidade condicional, que impõe o nascimento com vida como condição suspensiva para o reconhecimento da personalidade, garante a proteção de direitos que se façam úteis e necessários para que haja o evento do nascimento, como o próprio direito à vida e à saúde. Almeida (2000, p.91) sobre o tema diz: “ Tais direitos (...) têm por objetivo a consecução do próprio nascimento: por isso dele independem, constituindo-lhe um prius”. No Brasil, muito já se ocupou a doutrina de elaborar teses que respondam ao questionamento supracitado, de sorte que três são as correntes teóricas de maior destaque nesse campo: natalista; concepcionista; e, personalidade condicional. A primeira delas pode ser sintetizada nas palavras de Silvio Rodrigues (apud GONÇALVES, 2012) Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida.

Seu respaldo se encontra no art.2° do Código Civil, que enfatiza, em sua primeira parte, que a personalidade se inicia a partir do nascimento com vida. Nesse sentido, o nascituro, segundo Paulo Carneiro Maia, goza de mera expectativa de direito, para casos expressamente previstos em lei (apud ALMEIDA, 2000). Cumpre salientar que, para muitos dos autores filiados a essa corrente, a capacidade de ser sujeito de direitos e a personalidade são indissociáveis, e, uma vez que não seja conferida capacidade ao nascituro, não seria ele, conseguintemente, dotado de personalidade. João Luiz de Alves Rodrigues (apud ALMEIDA, 2000) alerta que não haveria qualquer fim prático em conferir ao ser humano de vida intrauterina a personalidade, que seria justamente a “capacidade da acquisição e gozo de direitos”, vez que seus efeitos jurídicos só surgem por ocasião no nascimento. Caio Mario (2011), nessa seara, afirma se o feto não vem a termo, ou se não nasce vivo, a relação de direito não se chega a formar, nenhum direito se transmite por intermédio do natimorto, e a sua frustração opera como se ele nunca tivesse sido concebido, o que bem comprova a sua inexistência no mundo jurídico, a não ser que tenha nascimento.

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Sobre o tema, Flavio Tartuce(2007) aponta que essa tese se mostra especialmente adequada no que diz respeito a direitos patrimoniais, como no caso de herança e sucessão, contudo, em face aos novos valores tutelados pelo direito civil, que atravessam o âmbito da propriedade, tal teoria torna-se incompatível. De encontro à tese natalista, a teoria concepcionista afasta a ideia e expectativa de direitos e defende que seja reconhecida a personalidade do nascituro, desde o primeiro momento de sua existência ainda uterina. Importantes pensadores filiados a essa corrente justificavam sua preferência, destacando que nem sempre os direitos do nascituro têm sua eficácia submetida ao nascimento com vida, como no caso do próprio direito de nascer (MONTORO; FRANCO, 1916). Sobre o conflito existente acerca do binômio capacidade e personalidade, os concepcionistas solucionam o problema afirmando que, embora a personalidade se inicie com a concepção, é necessário o nascimento para que se efetive a capacidade jurídica. Corroboram essa segunda teoria os diversos exemplos em nossa legislação que reconhecem direitos e deveres à pessoa que ainda não nasceu, como a possiblidade de ser curatelado (art. 1.779 do CC), de ser beneficiado com doação ou legado (art. 542 e 1.798 do CC), na punição do aborto(art. 124 a 127 do CP). Por fim, a teoria da personalidade condicional sustenta que os direitos concernentes ao nascituro estariam submetidos a uma condição suspensiva, qual seja, o nascimento com vida. Assim, são garantidos direitos ao nascituro desde o momento da concepção, contudo, os mesmos apenas se tornam irrevogavelmente adquiridos, a partir do nascimento com vida, semelhante ao que vem disposto no artigo 130 do Código Civil brasileiro. Aloysio Maria Teixeira (apud ALMEIDA, 2000) usa como comparação para a situação o ausente, cujos direitos se encontram em estado potencial, condicionado seu exercício ao regresso. Resta, porém, importante questionamento levantado por Tartuce (2007): seria possível subordinar direitos da personalidade à condição, ou qualquer outro fator limitante de eficácia no negócio jurídico? Segundo o próprio autor, a resposta é negativa e parece a mesma quando analisamos o diploma legal que, em seu artigo 11°, veda a limitação voluntária ao exercício do direito 208


personalíssimo. Embora no caso do nascituro não se trate de uma voluntariedade do sujeito, mas do próprio legislador, que condicionaria a personalidade e seus direitos.

A PERSONALIDADE DO NASCITURO Personalidade e pessoa, em direito, são conceitos com eventuais pontos de tangência. Segundo Maria Helena Diniz (2009), a personalidade seria a aptidão genérica que a pessoa tem de exercer direitos e obrigações na esfera civil, ou seja, a possibilidade de um ente tornar-se um sujeito de direito. Flávio Tartuce, ao tratar sobre o tema, explica que o reconhecimento da personalidade, bem como dos direitos a ela concernentes, faz parte da construção contemporânea do direito civil, que abandona o cânone do patrimônio e passa a orbitar em torno da pessoa humana, protegendo-a e resguardando-a. Uma dessas questões é sobre o início da personalidade da pessoa natural. Indaga-se: o ser humano que ainda não nasceu, mas já foi concebido, possui personalidade? Responder essa pergunta, muito mais que um mero capricho científico ou doutrinário, é um passo necessário à efetiva garantia desse grupo de direitos de reconhecida importância para a pessoa humana. Isso porque, se os direitos subjetivos são a faculdade que a pessoa detém de exigir em juízo determinado comportamento de outrem ou para si mesmo, é fundamental saber quem é o ente que dispõe dessa faculdade, ou, nas palavras de Tartuce (2007), “é preciso saber o momento a partir do qual a pessoa encontrase amparada pelo manto da proteção legal”. O Código Civil de 2002 dispõe que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida” e complementa com a seguinte ressalva: “mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A literalidade do dispositivo abre margem para interpretações contraditórias. Se a primeira parte invoca um princípio claramente natalista, a segunda apresenta forte influência concepcionista, posto que sequer alude a uma expectativa de direitos, mas simplesmente direitos. 209


Para solucionar a aparente contradição, Almeida (2000) sugere que a leitura do dispositivo seja feita de forma sistêmica, pois o próprio código, se interpretado em sua totalidade, consagraria a proteção jurídica ao nascituro desde o momento de sua concepção: Isoladamente, mencionada norma é contraditória, mas pensamos ser possível conciliá-la com o sistema acolhido pelo código. Este, do mesmo modo que os códigos civis estrangeiros e demais diplomas legais que integram o sistema positivo pátrio, ao atribuir ao nascituro direitos e estados - atributos da personalidade - desde a concepção, consagra a teoria concepcionista e não a natalista, consoante tem parecido à maioria dos autores. ( ALMEIDA, 2000, p.197)

Sobre a questão, Maria Helena Diniz oferece interessante solução, a partir da criação de duas categorias: a personalidade jurídico-formal e a personalidade jurídico-material. Com efeito, antes de nascer o ser humano disporia da primeira delas, que garante os direitos da personalidade e, após o nascimento, seria dotado também da segunda, a qual lhe garante os direitos de ordem patrimonial. Há, em nossa legislação, diversas previsões para o tratamento do ente ainda não nascido, como sujeito de direito dotado de personalidade. Em nosso Código Civil, podemos mencionar o reconhecimento de paternidade (art. 1.609), o direito a alimentos (art. 1.964), sucessão (art. 1.798) e curatela (art. 1.779). A recente aprovação da Lei n. 11.804, relativa ao direito a alimentos gravídicos, representou mais um passo no sentido de se reconhecer a personalidade do nascituro. Isso porque, no caso dessa lei, o titular do direito é o próprio nascituro, situação comprovável pelo fato de que, após o nascimento, a pensão é convertida em pensão alimentar, também de titularidade do próprio neonato.

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O PAPEL DA JURISPRUDÊNCIA NA DEFINIÇÃO DA TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO Posto que seja a legislação civil ambígua, quiçá contraditória, no tratamento dado ao nascituro, coube à jurisprudência grande papel na definição dos limites da tutela jurídica desse ente. Cumpre lembrar que, como aponta Noberto Bobbio, na ciência do direito contemporâneo, o momento da decisão do julgador não é mera ação declarativa ou reprodutiva de um texto legal, mas verdadeiro esforço de produção de um novo direito. Embora a doutrina, de modo quase unânime, situe o ordenamento brasileiro como adepto da teoria natalista, nota-se que na aplicação da lei é dada ao ser humano de vida intrauterina a possibilidade de ser sujeito de direitos inerentes à aquisição de personalidade. Assim, temos em nossa história judicial recente caso de pagamento de danos morais ao nascituro em razão da morte do pai em acidente de trabalho (Recurso Especial n. 399.028 – SP); indenização por ofensa à honra e à imagem (Processo n. 11.201838-5. 18ª Vara Cível da Comarca de São Paulo); e, indenização civil em caso de morte e pagamento de seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres em caso de dano causado ao feto (Recurso Especial n. 1.415.727 - SC). Sobre esse último, por sua pertinência temática e riqueza de conteúdo, faremos análise mais detida. Trata-se do Recurso Especial n. 1.415.727 - SC (2013/0360491-3), acerca do pagamento de seguro DPVAT aos pais em caso de morte do embrião ou feto por razão de acidente automobilístico: Recurso Especial n. 1.415.727 - SC (2013/0360491) Ementa: direito civil. acidente automobilístico. aborto. ação de cobrança. seguro obrigatório. dpvat. procedência do pedido. enquadramento jurídico do nascituro. art. 2º do código civil de 2002. exegese sistemática. ordenamento jurídico que acentua a condição de pessoa do nascituro. vida intrauterina. perecimento. indenização devida. art. 3º, inciso i, da lei n. 6.194/1974. incidência.(Resp.1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 4.9.2014).

O primeiro aspecto sobre o qual se debruça nossa análise é a própria instância da qual decorre a decisão em estudo. Trata-se 211


de recurso especial interposto junto ao Supremo Tribunal de Justiça, de sorte que as duas decisões anteriores se deram em sentidos diametralmente opostos: se, na primeira delas, a decisão da vara cível concedia o benefício do seguro DPVAT à mãe, pela perda do bebê em gestação; já na segunda, em grau de apelação, a nova decisão indeferia a concessão do mesmo benefício, por considerar o nascimento com vida como condição necessária ao pagamento da indenização. Tal cenário expressa o quão polêmica e delicada ainda é a discussão sobre o nascituro em nosso ordenamento. O ministro Luis Felipe Salomão, relator no recurso em questão, fundamenta seu voto a partir de certos critérios, como a diferença entre “pessoa” e “titular de direitos”, e a relação entre a existência da pessoa e a aquisição de personalidade. Segundo o magistrado, é necessário tornar clara a distinção entre pessoa e titular de direitos. Assim, conquanto toda pessoa seja titular de direitos, não se pode, de forma falaciosa, afirmar que a recíproca seja verdadeira, ou seja, nem todo titular de direitos é uma pessoa. Nesse sentido, ele traz como exemplos a massa falida e a herança jacente. Ambos, segundo Maria Helena Diniz (2011), seriam entes despersonalizados, caracterizados como “uma comunhão de interesses ou um conjuntos de direitos e obrigações de pessoas e de bens sem personalidade jurídica e com capacidade processual, mediante representação” (DINIZ, 2011, p.203). Em que pese a carência de personalidade, esses entes são capazes de contrair deveres e gozar de direitos na esfera civil. Para o ministro Salomão, essa poderia ser uma perspectiva também aplicada ao nascituro: Tais entes despersonalizados fornecem seguros sinais de que, do ponto de vista técnico-jurídico, se toda pessoa é capaz de direitos, nem todo sujeito de direitos é pessoa, construção essa que pode, sem maior esforço, alcançar o nascituro como sujeito de direito, mesmo para aqueles que entendem não seja ele uma pessoa (Resp.1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 4.9.2014).

Desse modo, para o relator, o nascituro, ainda que não seja considerado como pessoa - a despeito de casos por ele mesmo citados em que claramente se confere ao ente que ainda 212


não nasceu a condição de pessoa - deve ter defendida suas prerrogativas, visto que, mesmo como ente despersonalizado, o ordenamento jurídico o ampara, como esclarece a teoria dos sujeitos de direito sem personalidade de César Fiuza e Tércio Sampaio F. Jr. O nascituro é um ser humano, em gestação no útero materno. O art. 2º do Código Civil é bem claro ao dispor que a personalidade humana começa do nascimento com vida. Sendo assim, o nascituro não é pessoa. Como entender, então, que possa ter direitos, como o direito à saúde, à vida, direitos sucessórios e outros? E é o próprio art. 2º do Código Civil que diz estarem a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. A explicação é muito simples: conquanto não seja pessoa, por não ter nascido, o nascituro já goza de direitos; é, portanto, sujeito de direitos sem personalidade (FIUZA, 2011, p. 13-17).

A dificuldade em se falar sobre o nascituro parece repousar no fato de que tal entidade é de difícil caracterização para nosso ordenamento, que, por um lado, não aquiesce em conceder ao ser humano não nascido a condição de pessoa, detentora de capacidade e personalidade, tendo em vista sua incompletude do ponto de vista biomorfológico, e que, por outro, também não pode abandonar e negar sua tutela àquele que potencialmente virá a ser a pessoa natural e, inclusive, já existe enquanto expectativa para aqueles que com ele se relacionam, mesmo antes do nascimento, como pais e familiares, gerando obrigações e direitos para esses. Nesse ponto, nota-se que o julgado atualiza a interpretação de um problema antigo. Afinal, embora uma visão mais tradicional de nosso direito pareça rejeitar categorias complexas ou anômalas, é característica própria de nossos tempos a dificuldade em disciplinar fenômenos e sujeitos em esferas demasiado rígidas ou simplificadoras. A teoria dos entes despersonalizados como solução para a questão do nascituro demonstra consonância com outros fenômenos do direito contemporâneo, como o novo constitucionalismo latino-americano. Isso porque, esse movimento do direito constitucional, que ensejou profundas reformas na Lei Soberana de alguns de nossos países vizinhos, reconhece a existência de novos e peculiares sujeitos de direito. É o caso 213


da Bolívia com a “pachamama”, que corresponderia à representação jurídica dos seres vivos e não vivos que compõem a natureza terrestre. Outro ponto abordado pelo ministro Salomão em seu voto é a relação entre a pessoa e a personalidade civil. Com efeito, se o próprio Código Civil estabelece momentos diferentes para o surgimento de cada uma delas, é porque ambas não necessariamente estarão juntas, de sorte que o legislador anuncia o momento de início da personalidade civil (art. 2° CC), sem, contudo, fazer menção expressa ao início da existência da pessoa natural, podendo ser até mesmo antes do nascimento. Prossegue o magistrado: [...]se a existência da pessoa natural tem início antes do nascimento, nascituro deve mesmo ser considerado pessoa, e, portanto, sujeito de direito, uma vez que, por força do art. 1º, ‘toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. (Resp.1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 4.9.2014)

O juiz também traz também um precedente em seu voto, que contribui para motivar seu convencimento. Ao se valer do REsp n. 1.120.676/SC, Salomão também ampara sua decisão no princípio da dignidade humana, que, segundo Luís Roberto Barroso (2015), é o próprio fundamento e objetivo do constitucionalismo democrático. Ainda de acordo com o ministro do Supremo, a dignidade diz respeito ao valor intrínseco da pessoa humana, que lhe confere o atributo essencial capaz de diferenciar homens de objetos, pois o valor referente à dignidade não pode ser apreçado. Nesse sentido, é esse o princípio que sustenta uma série de direitos fundamentais, dentre os quais o próprio direito à vida. Daí se extrai a seguinte relação: a defesa da dignidade humana compreende a tutela da vida. Por conseguinte, a proteção do direito de viver, existir, é um dos primeiros aspectos, talvez o mais essencial, para a adequada realização do direito à vida. Nas palavras do relator: Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também

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o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. (Resp.1415727/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 4.9.2014)

Não obstante, embora possa ser visto como primordial, ou seja, pressuposto a todos os demais, não se esgota no direito de nascer a tutela jurídica à vida, estendendo-se, pois, ao dever de outrem de reparar adequadamente danos eventualmente causados ao correto desenvolvimento dessa vida, quando for reconhecida sua incumbência para tal. Com efeito, Mendes e Branco (2014) analisam o direito à vida segundo três dimensões: a dimensão positiva, que obriga o Estado à criação de serviços que atendam adequadamente ao propósito de proteção da existência viva dos indivíduos, por exemplo, serviço de polícia, sistema prisional e organização judiciária; a dimensão da vida digna, que extrapola a ideia de simples preservação da “existência física”, mas da qualidade necessária para se desfrutar enquanto se vive, ou seja, o direito à habitação, vestuário, educação, etc; e, por fim, a dimensão negativa, qual seja o dever que se impõe a todos os sujeitos, públicos ou privados, de que não atentem ou agridam esse bem elementar. Desse modo, a devida indenização, como no caso de acidente automobilístico, é explicada dentro do rol de prerrogativas que o indivíduo detém pelo fato de possuir dignidade, ainda que lhe tenha sido furtada a chance de nascer. Nas palavras de Mendes e Branco (2014, p. 255), a vida humana merece ser protegida, sendo os aspectos acidentais do estádio do seu desenvolvimento e da sua eventual curta duração irrelevantes para o respeito devido a esse direito.

A opção do legislador em situar o direito à vida dentro do conjunto dos chamados direitos da personalidade, e sendo esses últimos, de acordo com o art. 2° do Código Civil brasileiro, iniciados por ocasião do nascimento, não exclui do nascituro o atributo da dignidade humana conferido a todas as pessoas, já que, segundo Barroso (2015), esse princípio é caracterizado pela universidade, qual seja, o fato de ser compartilhado por todos os homens e sem distinção. Já não se trata mais, portanto, de entender qual teoria, natalista, concepcionista ou condicional, é a mais adequada para a interpretação do caso concreto em discussão, mas o que de fato 215


é o nascituro e quais direitos e deveres nosso ordenamento pode (ou não) oferecer e/ou negar a ele. Nessa seara, um elemento importante trazido por Salomão é o fenômeno de despatrimonialização do direito civil, já abordado em nosso trabalho, que concorre para as modificações em nosso entendimento sobre a figura do nascituro. Tal fenômeno, que Barroso (2015) insere num contexto mais amplo de “superposição entre o público e o privado”, oferece subsídio à criação de um amplo rol de direitos que, embora regulados dentro da órbita do direito privado, escapam à esfera patrimonialista, correspondentes a bens imateriais da pessoa, como a honra, a imagem, a integridade moral e psíquica, etc. Conseguintemente, se retomamos as teorias até então utilizadas em nosso direito para tratar do início da personalidade, é forçoso notar que, a teoria condicional e a natalista se mostram adequadas quando aplicadas a questões patrimoniais, como a sucessão, visto que o nascimento com vida é determinante para que se indique a linha sucessória por que irão passar os bens legados ao recém-nascido, mesmo que seja acometido por morte muito precoce. Situação diferente é a do natirmoto, que não é admitido como herdeiro e, por isso, não influi na herança. Nesse caso, é condição para que se reconheça um herdeiro que ele nasça com vida, e o direito do nascituro só se efetiva a partir da realização dessa premissa. Essas mesmas teorias, no entanto, quando relativas a direitos não patrimoniais esbarram em problemas de ordem prática e ontológica, afinal, como seria a tutela condicional do direito à igualdade? O ente de vida intrauterina somente terá a prerrogativa de um tratamento equânime após o nascimento? E o direito à integridade física? No caso de lesão sofrida, que agrida a integridade física, moral ou psíquica, a mesma só poderá ser indenizada sob a condição do evento natalício? E se, como no caso apresentado, a lesão for de tal ordem que impeça o próprio nascimento? Almeida (2000), sobre esse respeito, afirma que o sentido de personalidade condicional diz respeito não à personalidade em si (que é indestacável do nascituro), mas a determinados efeitos correlatos de certos direitos (em geral, de ordem patrimonial), para os quais o nascimento com vida é um requisito do negócio 216


jurídico realizado, sendo necessário para sua eficácia total; e, mesmo a tese natalista, ao conferir “expectativas de direitos”, não pode se furtar a defender bens jurídicos necessários à concretização do nascimento. Nota-se, pois, que as três teorias apresentam pontos de adequação e incompatibilidade, conforme o bem de que se trata. O mote para a atual discussão é que têm surgidos novos interessees tutelados pelo ordenamento jurídico, que não se ajustam às teorias tradicionalmente adotadas. Maria Celina Bodin (2007) aponta que a responsabilidade civil, ao instituir o dever de ressarcimento, se configura como um dos primeiros instrumentos pelos quais se realiza a proteção dos bens, tão logo a sociedade se dê conta de sua importância. Sob essa ótica, como destaca o relator, o valor do DPVAT também tem função de garantir a compensação por danos pessoais sofridos por vítimas de acidente de trânsito, sendo, em última análise parte do valor devido pela reparação do dano, como indica a Súmula n. 246, mencionada por Luis Felipe Salomão, cuja literalidade institui que “o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada.” Finalmente, no caso analisado, podemos perceber que a tutela jurídica do nascituro, uma vez reconhecida sua personalidade, se dá por diversos mecanismos legais que oferecem proteção em caso de lesão a determinado bem jurídico. O reconhecimento do ser de vida intrauterina como ente personalizado é passo imprescindível para que se apliquem tais mecanismos. Ademais, em face da construção de um direito civil cada vez mais personalizado, é incoerente negar esse atributo ao nascituro.

A TRANSVERSALIDADE DA DISCUSSÃO SOBRE O NASCITURO É preciso ainda destacar a transversalidade do tema relativo à tutela jurídica do nascituro. Graças aos avanços tecnológicos e sociais das últimas décadas, a figura do ente ainda não nascido tem tomado cada vez mais espaço em nossa sociedade. Temas como a proteção do meio ambiente, reprodução assistida, manipulação genética e técnicas terapêuticas envolvendo células 217


embrionárias tratam diretamente dos limites e abrangência da tutela jurídica do ente não nascido. Quanto à esfera ambiental, nosso ordenamento traz também a figura das gerações futuras, cujos direitos são assegurados mesmo antes de sua concepção, quiçá seu nascimento, caso do artigo 225 da Constituição Federal, o qual exibe a seguinte redação: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Conseguintemente, a partir dessa previsão constitucional, resta saber como destituir de personalidade e direitos o ente já concebido e reconhecer a tutela jurídica a uma figura meramente eventual, cuja não concepção torna possível, em iguais proporções, sua existência ou não. Parecem inconciliáveis tais proposições em um mesmo ordenamento, como aduz a expressão latina: a maiori, ad minus,ou seja, não se pode abranger o mais, representado pela prescrição da Constituição, sem se alcançar o menos, que seria a tutela dada ao ente já concebido. Tema mais complexo é o da manipulação genética. Tais assuntos dizem respeito a uma chamada quarta geração de direitos, dando continuidade a três outras elencadas pelo tchecofrancês Karel Vasak (LENZA, 2015) e amplamente respeitadas na teoria do direito. Trata-se de uma dimensão que engloba a proteção do patrimônio genético da humanidade (TARTUCE, 2007). A manipulação genética de embriões, alterando a constituição de seus DNAs, ainda que se justifique, nobremente, pela tarefa de curar doenças transmitidas pelos genes, esbarra em enorme problema ético: as modificações feitas nesses organismos se pautam na completa negação de reconhecimento do embrião como figura humana, ainda que haja nele a potencialidade para que venha a se tornar uma pessoa, visto que detém o patrimônio genético para tal. Além disso, há que se observar ainda a extensão de tais alterações, visto que enormes e perigosas mudanças podem se operar num organismo a partir de alterações em seu código genético, inclusive, descaracterizando a natureza 218


de sua espécie. Nesse campo, mais que desejável, é necessária firme intervenção do direito, para que o desenvolvimento científico não represente um retrocesso para a humanidade, do ponto de vista jurídico e social. Sobre a reprodução assistida e as terapias com células embrionárias, que também adentram na perspectiva dos direitos de quarta geração, já há em nosso país disciplina legal. É a Lei Federal n. 11.105, conhecida como Lei da Biossegurança. Nesse dispositivo, é legalizado o uso de células-tronco provenientes de embriões concebidos in vitro e cuja inviabilidade já esteja comprovada ou presumida. Nesse caso, Tartuce (2007) afirma que tais requisitos garantem que o agregado celular não tenha mais condições de se densenvolver para a condição humana, ou seja, a atividade só é permitida em entes que já não tenha vida, pois, caso contrário, seria clara violação aos direitos do nascituro. O ponto, no entanto, não se encontra pacificado, tendo sido inclusive mote para ação direta de inconstitucionalidade, a qual foi negada pelo órgão julgador. O autor se baseava na tese de que utilizar o material embrionário seria negar o direito à vida, expresso na Constituição Federal, ao ente concebido. Em sua decisão, o Supremo Tribunal Federal se justifica nos seguintes termos: Asseverou que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2º do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se refere à "dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III), aos "direitos da pessoa humana" (art. 34, VII, b), ao "livre exercício dos direitos... individuais" (art. 85, III) e aos "direitos e garantias individuais" (art. 60, § 4º, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5º diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado. (ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.5.2008. (ADI-3510)

O voto acolhido pelos julgadores, embora tenha farto embasamento legal, não parece em harmonia com o posicionamento majoritário defendido por outras cortes, tampouco com diversas outras disposições legais que asseguram ao ente que, 219


nos termos do relator, não é ainda um “indivíduo-pessoa”, tutela jurídica de seus direitos. Não se defende que o direito deva impedir o progresso científico, mas que este último seja calcado em bases que não firam despudoradamente o primeiro, criando problemas de ordem sistêmica, que tornam incoerente todo o nosso ordenamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Como explanado, despatrimonialização do direito civil, centralidade do princípio da dignidade humana, surgimento dos direitos personalíssimos e avanços técnico-científicos são alguns dos fatores que influem no tratamento dispensando ao nascituro. Não se trata, pois, de rechaçar a maneira pela qual nosso ordenamento, assim como outros pelo mundo, trataram e vêm tratando essa figura tão controvertida, mas de atualizar categorias jurídicas, para que se possa manter uma relação de coerência e atualidade entre o direito e sua sociedade, sem a qual não se tem a manutenção de eficácia nem eficiência no primeiro, tampouco ordem e harmonia no segundo. A discussão sobre o nascituro extrapola o ramo do direito civil e os objetos a ele atinentes, sendo imprescindível para diversos outros campos do conhecimento humano. Com efeito, protelar a discussão sobre a situação jurídica do nascituro, ou mesmo fechar os olhos para as incoerências patentes acerca do tema em nosso direito, é negar provimento ao avanço não só no campo jurídico, mas científico, econômico e social. É preciso um amparo legal para lidar com questões surgidas a partir dos avanços tecnológicos e científicos do último século.O desenvolvimento relativamente recente de técnicas de manipulação genética, reprodução e fertilização laboratoriais bem como métodos terapêuticos envolvendo material genético, tornam imprescindível o avanço do direito nesses temas, regulando-os para que se desenvolvam de maneira adequada, sem ferir princípios já consagrados como essenciais à humanidade. Outrossim, nosso direito civil há muito passa por sensíveis 220


mudanças, que deslocam seu eixo de centralidade do domínio das coisas para a pessoa e sua dignidade. Desse modo, ainda que não haja alteração expressa na letra da lei, é necessário que uma nova hermenêutica faça jus aos desígnios do direito contemporâneo e, em última análise, aos clamores de nossa sociedade, pois, nas palavras de Ulpiano (apud PEREIRA, 2011) “ubi societas ibi ius, ibi ius ubi societas”.

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