FINALIDADE DA PENA: DIREITO AO ESQUECIMENTO

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Welberth Ronine de Medeiros* FINALIDADE DA PENA: DIREITO AO ESQUECIMENTO PURPOSE OF THE PENALTY: RIGHT TO OBLIVION PROPÓSITO DE LA PENA : DERECHO AL OLVIDO

Resumo: A pena, além de seus diversos objetivos, possui a finalidade de proporcionar o direito ao esquecimento de atos praticados em um passado distante. A proteção constitucional da personalidade não admite que a sociedade explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e a sua vida privada, especialmente se esse fato for um obstáculo à sua ressocialização. O direito ao esquecimento é um importante instrumento para a ressocialização daquele que praticou um crime e, como atributo da personalidade, pode ser manifestado de diversas formas, seja protegendo a imagem, seja protegendo o nome da pessoa. A teoria do direito ao esquecimento versa sobre um aspecto da proteção da dignidade humana, eixo em torno do qual deve girar todo o sistema normativo. Abstract: The penalty, many beyond their goals, has the purpose of providing the right to oblivion of acts committed in the distant past. The constitutional protection of personality does not admit that society explore, for an unlimited period, the person of the criminal and his private life, especially if that fact is an obstacle to their rehabilitation. The right to be forgotten is an important instrument for the rehabilitation of the one who committed a crime and as a personality attribute, can be manifested in many ways, is protecting the image, whether it protects the person's name. The theory of law versa forgetting about one aspect of the protection of human dignity, axis around which should turn the entire regulatory system. * Especialista em Ciências Criminais pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás - ESMEG. Graduado em Direito pela UFG. Assessor de promotor de Justiça do MP-GO. Advogado licenciado.

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Resumen: La pena, muchos más allá de sus objetivos, tiene el propósito de proveer el derecho al olvido de los actos cometidos en el pasado distante. La protección constitucional de la personalidad no admite que la sociedad explorar, por un período ilimitado, la persona del criminal y su vida privada, sobre todo si ese hecho es un obstáculo para su rehabilitación. El derecho a ser olvidado es un instrumento importante para la rehabilitación de la persona que cometió un delito y como un atributo de la personalidad, se puede manifestar de muchas maneras, es la protección de la imagen, si se protege el nombre de la persona. La teoría de la ley versa olvidando un aspecto de la protección de la dignidad humana, eje en torno al cual debe girar todo el sistema normativo. Palavras-chave: Ressocialização, personalidade, dignidade da pessoa humana. Keywords: Rehabilitation, personality, human dignity. Palabras clave: La rehabilitación, la personalidad, la dignidad humana.

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INTRODUÇÃO Neste trabalho acadêmico, pretende-se analisar a finalidade da pena sob o enfoque da teoria do direito ao esquecimento. A abordagem transita por alguns aspectos históricos sobre a origem e a finalidade da pena, bem como destaca os objetivos atribuídos à pena pelo ordenamento jurídico brasileiro. Adverte-se, aqui, que a pena mostra-se necessária na restauração da ordem jurídica violada pela ação criminosa, retribuindo o mal por ela causado, prevenindo futuras ações delituosas, porém, essa não pode desconsiderar a ressocialização do delinquente. Nesse sentido, o interesse público que orbita o fenômeno criminal deve desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, permitindo assim, ao condenado que já cumpriu a pena, a oportunidade de integração social com menores obstáculos. ORIGEM DA PENA A palavra pena advêm do latim poena e significa, em sentido amplo e geral, qualquer espécie de imposição, de castigo ou de aflição, a que se submete a pessoa por qualquer espécie de falta cometida. Perde-se no tempo a origem das penas, pois os mais antigos grupamentos de seres humanos foram levados a adotar certas normas disciplinadoras de modo a possibilitar a convivência social. Conforme informações históricas contidas nos relatos antropológicos, oriundos das mais diversas fontes, a pena originariamente teve um caráter sacral, pois os seres humanos primitivos, não podendo explicar fenômenos que fugiam ao dia a dia, como raios, trovões, etc., atribuíam estes aos seres sobrenaturais, que premiavam ou castigavam a comunidade por seu comportamento. Esses seres sobrenaturais foram denominados de totens e a violação a estes ou o descumprimento das obrigações devidas a eles acarretavam graves castigos, de tal modo que é razoável 297


afirmar que as primeiras regras de proibição e, consequentemente, os primeiros castigos (penas), se encontrem vinculados às relações totêmicas. Além disso, segundo o saudoso Julio Fabbrini Mirabete, da mesma época seriam as proibições conhecidas como tabus, palavra de origem polinésia que significa ao mesmo tempo o sagrado e o proibido, o impuro, o terrível e, assim como as violações das regras totêmicas, a desobediência ao tabu acarretavam aos infratores diversos castigos1. Nesse sentido, a origem da pena coincide com o surgimento do Direito Penal, em virtude da constante necessidade de existência de sanções penais em todas as épocas e em todas as culturas. A pena é a consequência jurídica principal que deriva da infração penal. Observa-se, ainda, a partir de uma breve retrospectiva, que as penas e os castigos impostos àqueles transgressores das normas foram evoluindo em face de um sentido maior de humanização e que a obra de Cesare Beccaria, denominada “Dos delitos e das penas”, contribuiu de modo significativo para que as penas desumanas e degradantes do primitivo sistema punitivo, cedessem espaço para outras com senso mais humanitário, focadas na recuperação do delinquente. Dessa forma, as penas corporais foram substituídas pelas penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa, persistindo esse objetivo de humanização das penas, ainda nos dias de hoje. Assim, atualmente, pode-se afirmar que a pena é uma espécie de: […] sanção penal, isto é, resposta estatal ao infrator da norma incriminadora (crime ou contravenção), consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do agente. Sua imposição depende do devido processo legal, através do qual se constata a autoria e materialidade de um comportamento típico, antijurídico e culpável não atingido por causa extintiva da punibilidade.2

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2003. CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal. 3 ed. Salvador: JusPODIVM, 2015. p. 383.

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Com efeito, a pena é a resposta do Estado à conduta de uma pessoa que age em desacordo às normas jurídicas vigentes. Trata-se, portanto, de uma forma de controle social irrenunciável.

FINALIDADE DA PENA De acordo com os ensinamentos do eterno mestre Celso Delmanto, a função e a razão de ser da pena encontram-se umbilicalmente vinculadas à função e à razão de ser do Direito Penal, como instrumento excepcional e subsidiário de controle social, visando proteger bens considerados essenciais à vida harmônica em sociedade3. Nesse aspecto, através dos tempos, o Direito Penal tem dado respostas diferentes à questão de como solucionar o problema da criminalidade. A essas soluções a doutrina denomina de teorias da pena, que são opiniões científicas sobre a natureza e a finalidade da pena. Segundo o posicionamento majoritário, investigando o direito de punir do Estado, que nasce com a prática do crime, surgiram três correntes doutrinárias a respeito da natureza e dos fins da pena: as teorias absolutas, as teorias relativas e as teorias mistas. As teorias absolutas, também denominadas de retribucionistas, têm como fundamento da sanção penal a exigência da justiça, ou seja, pune-se o agente porque cometeu o crime, visa apenas retribuir o mal causado. Para os defensores da pena como retribuição, o sentimento de vingança, de retribuição do mal pelo mal, encontra raízes na essência do ser humano, uma característica natural, algo que passa de geração em geração como um instinto, razão pela qual a vingança proporciona para muitos indivíduos o sentimento de satisfação, de alívio, de “justiça realizada”. Nesse sentido, o pensador Kant, citado pelo professor Julio Fabbrini Mirabete, ensina que:

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DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 7 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

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[…] a pena é um imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois ao mal do crime impõe-se o mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta igualdade traz a justiça. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral. O castigo é imposto por uma exigência ética, não se tendo que vislumbrar qualquer conotação ideológica nas sanções penais.4

Observa-se que para os adeptos das teorias absolutistas a pena era tida como puramente retributiva, não havia nenhuma preocupação com a pessoa do delinquente, o que resultou em inúmeras críticas, tendo em vista que a vingança é uma das reações menos nobres do ser humano, constituindo até mesmo motivo torpe no crime de homicídio atualmente. Além disso, a vingança é sempre algo personalíssimo e esta é insustentável diante da finalidade do Direito Penal em tutelar a vida harmônica em sociedade, motivo pelo qual não deve ser nutrida pelo ordenamento jurídico. Ademais, como leciona os mestres Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, o Direito Penal de um Estado de Direito, que aspira formar cidadãos conscientes e responsáveis, tem o dever de evidenciar todo o irracional, afastá-lo e exibi-lo como tal, para que seu povo tome consciência dele e se conduza conforme a razão5. As teorias relativas, também conhecidas como utilitárias ou utilitaristas, têm como fundamento da sanção penal a prevenção, um meio para alcançar determinadas finalidades, ou seja, atribuem à pena a capacidade e a missão de evitar que no futuro se cometam delitos. Para os defensores das teorias relativas, a pena é intimidação para todos, ao ser cominada abstratamente, e para o criminoso, ao ser imposta no caso concreto. O crime não seria causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada. As teorias relativas também reconhecem que, segundo sua essência, a pena se traduz num mal para quem a sofre. Mas, como instrumento político-criminal destinado a atuar no mundo, não pode a pena bastar-se com essa característica, em si mesma MIRABETE, 2003, p. 244. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. Volume I, parte geral. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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destituída de sentido social positivo. Assim, para se justificar, a pena tem de usar desse mal para alcançar a finalidade precípua de toda a política criminal, precisamente, a prevenção. Por sua vez, a crítica às teorias relativas consiste no fato de elas se valerem de uma pessoa como instrumento para a sua simbolização, ou seja, usa um indivíduo como um meio e não como um fim em si, desconhecem-lhe abertamente o caráter de pessoa, o que viola o princípio fundamental em que se assentam os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana. Quanto às teorias mistas, também denominadas de ecléticas, estas tentam recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas, ou seja, tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Segundo os defensores das teorias mistas não é possível dissociar uma e outra finalidade da pena, porque a imposição da sanção penal é sempre um castigo e um meio para prevenir. Ao dispor sobre as escolas penais, em especial sobre as teorias mistas, o professor Julio Fabbrini Mirabete afirma que “passou-se a entender que a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também um misto de educação e correção.”6 Com efeito, entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo complexo fenômeno que é a pena. Os mestres Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, na obra denomina “Manual de Direito Penal Brasileiro”, afirmam que: As teorias mistas quase sempre partem das teorias absolutas, e tratam de cobrir suas falhas acudindo a teorias relativas. São as mais usualmente difundidas na atualidade e, por um lado, pensam que a retribuição é impraticável em todas as suas consequências e, de outro, não se animam a aderir à prevenção especial. Uma de suas manifestações é o lema seguido pela jurisprudência alemã: prevenção geral mediante retribuição justa.7

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MIRABETE, 2003, p. 245. ZAFFARONI; PIERANGELI, 2013, p. 101.

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Destarte, desde a origem até hoje, a pena sempre teve o caráter predominantemente de retribuição, de castigo, acrescentandose a ela uma finalidade de prevenção e ressocialização do criminoso. Pode-se afirmar, quanto à finalidade da pena no Brasil, que o Código Penal não se pronunciou sobre qual teoria adotou, mas modernamente entende-se que a pena tem tríplice finalidade: retributiva, preventiva e reeducativa. Assim, a pena mostra-se necessária na restauração da ordem jurídica violada pela ação criminosa, retribuindo o mal por ela causado, prevenindo futuras ações delituosas, sem desconsiderar a ressocialização do delinquente. DIREITO AO ESQUECIMENTO Além dos objetivos supramencionados, pode-se afirmar que a pena também possui a finalidade de proporcionar o direito ao esquecimento. O direito ao esquecimento, também conhecido como o direito de ser deixado em paz ou o direito de estar só, é o direito que uma determinada pessoa possui de não permitir que um fato, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral ou utilizado continuamente causando-lhe sofrimento ou transtornos. As pessoas têm o direito de serem esquecidas pela opinião pública. Os atos que praticaram no passado distante não podem repercutir para sempre, sob pena de flagrante violação ao disposto no artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”, da Constituição Federal, in verbis: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XLVII - não haverá penas: […] b) de caráter perpétuo;

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O direito ao esquecimento é um dos temas mais intrigantes da atualidade, pois envolve o debate sobre os limites do direito à informação, liberdades de imprensa e expressão, em face dos direitos constitucionais relacionados à privacidade, honra e personalidade. O ordenamento jurídico brasileiro é repleto de previsões em que se reconhece um direito ao esquecimento de fatos passados e confere previsibilidade ao futuro através de diversos institutos, como a prescrição, a decadência, o perdão, a anistia, a irretroatividade da lei, o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, a coisa julgada, o prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure em cadastros restritivos de crédito, etc. Com efeito, o direito ao esquecimento não é uma construção recente da doutrina e do ordenamento jurídico, entretanto, o tema teve seu ápice com o interessante caso Lebach, ocorrido na Alemanha. O caso teve início no ano de 1969, quando houve homicídios de soldados alemães na cidade de Lebach, Alemanha. Após o processo, um dos condenados cumpriu integralmente sua pena e, dias antes de deixar a prisão, ficou sabendo que uma emissora de televisão exibiria um programa especial sobre o crime no qual seriam mostradas fotos dos condenados e a insinuação de que eram homossexuais. Diante disso, o condenado ingressou com uma ação inibitória para impedir a exibição do programa (evitar o dano). Posteriormente, o caso chegou ao conhecimento do Tribunal Constitucional Alemão. Discutia-se, em síntese, se deveria prevalecer a liberdade de imprensa ou a proteção constitucional do direito de personalidade e privacidade. Ao decidir o mérito do caso Lebach, o Tribunal Constitucional Alemão asseverou que a proteção constitucional da personalidade não admite que a imprensa explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e sua vida privada. Assim, firmou-se o entendimento de que o princípio da proteção da personalidade deveria prevalecer, nesse caso, em relação à liberdade de informação e à liberdade de imprensa. Decidiu-se, ainda, que a divulgação da reportagem causaria grandes prejuízos ao condenado e a emissora foi proibida de exibir o documentário. Aqui no Brasil, a discussão sobre o tema ganhou importância nos Tribunais Superiores a partir da exibição do programa 303


da Rede Globo denominado “Linha Direta Justiça”, exibido entre os anos de 2003 e 2007, bem como após a edição do Enunciado n.º 531 da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, que dispõe que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. In casu, o programa da Rede Globo remete ao supramencionado caso Lebach e a questão defendida é que ninguém é obrigado a conviver para sempre com erros pretéritos. Na mesma direção, o enunciado do Conselho da Justiça Federal elenca o direito de ser esquecido entre um dos direitos da personalidade. Inúmeros são os argumentos utilizados contra o direito ao esquecimento. Muitos afirmam que o esquecimento não é o caminho salvador para tudo; que muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertadas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente; que o direito ao esquecimento não encontra fundamento no genérico princípio da dignidade humana, etc. Entretanto, em que pese os argumentos supracitados, destaca-se que a proteção constitucional da personalidade não admite que a sociedade explore, por tempo ilimitado, a pessoa do criminoso e a sua vida privada, especialmente se esse fato for um obstáculo à sua ressocialização. Nesse sentido, no âmbito penal, o direito ao esquecimento se manifesta de modo mais evidente através do instituto da reabilitação, previsto no artigo 93 e seguintes do Código Penal, e consiste em uma declaração judicial de que estão cumpridas ou extintas as penas impostas ao sentenciado, que assegura o sigilo dos registros sobre o processo e atinge outros efeitos da condenação. O condenado que cumpriu sua pena e uma vez suplantado os limites para possível declaração de reincidência, sem cometer novas infrações, tem direito a que o Estado, pelo menos no aspecto formal, elimine qualquer consequência estigmatizante da condenação cumprida, que se apresenta como totalmente contraproducente para a sua reincorporação numa vida normal.8

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ZAFFARONI; PIERANGELI, 2013, p. 732.

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Destarte, a reabilitação pode ser requerida ao juiz da condenação, nos termos do artigo 743 do Código de Processo Penal, após o transcurso do período de dois anos desde o cumprimento ou a extinção da pena, computando-se o período de prova do sursis e do livramento condicional, se não sobrevier revogação. Esse prazo é o mesmo, não importando se o condenado é primário ou reincidente. Como primeiro requisito para a concessão do benefício, é necessário que o condenado tenha tido domicílio no país pelo período de dois anos a contar do cumprimento ou extinção da pena (artigo 94, inciso I, do Código Penal). Em segundo lugar, avalia-se o bom comportamento público e privado do condenado (artigo 94, inciso II, do Código Penal). Por último, é necessário o ressarcimento do dano causado pelo crime ou comprovação da impossibilidade de fazê-lo, renúncia da vítima ou a novação da dívida (artigo 94, inciso III, do Código Penal). A propósito: RECURSO 'EX OFFICIO'. REABILITACAO. CABIMENTO DA REMESSA OFICIAL. REQUISITOS LEGAIS. ATENDIMENTO. CONFIRMACAO DO BENEFICIO'. I - O RECURSO DA DECISAO QUE CONCEDE A REABILITACAO, PREVISTA NO ART. 743 DO CPP, CONTINUA SENDO O OFICIAL (ART. 746), NAO HAVENDO NA LEI DE EXECUCAO PENAL OU EM QUALQUER OUTRA LEI ESPECIAL REGRA QUE EXPRESSA E TACITAMENTE REGULAMENTE A MATERIA. II - EXCESSIVO RIGOR NA AVALIACAO DO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS SECUNDARIOS IMPLICA DESVIAR A FINALIDADE PRECIPUA DO INSTITUTO DA REABILITACAO. PROVADO QUE O CONDENADO, NO PRAZO DE DOIS ANOS APOS A EXTINCAO DA PENA, NAO VOLTOU A DELINQUIR, TEM ENDERECO CERTO E EXERCE ATIVIDADE LABORAL LICITA, IMPOE-SE A CONFIRMACAO DA SENTENCA QUE O REABILITA A CONVIVENCIA NO MEIO SOCIAL. III - RECURSO IMPROVIDO. (TJGO, RECURSO EX-OFFICIO 7366-5/223, Rel. DES. JOSE LENAR DE MELO BANDEIRA, 2A CAMARA CRIMINAL, julgado em 07/05/2002, DJe 13782 de 17/05/2002, grifo nosso)

Consoante o professor Rogério Sanches Cunha os dispositivos atinentes ao processo e julgamento da reabilitação devem seguir o Código de Processo Penal. Já os requisitos para a concessão da medida devem observar o Código Penal (reformado em 305


1984) e não mais aqueles referidos no Código de Processo Penal 9. Além do Código Penal e do Código de Processo Penal, o instituto da reabilitação também está previsto, implicitamente, no artigo 202 da Lei de Execução Penal. De acordo com o artigo 202 da Lei de Execução Penal, cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei. Por sua vez, em que pese a semelhança das normas, o mestre Cléber Masson enxerga nos dois dispositivos (artigo 93 do Código Penal e artigo 202 da Lei de Execução Penal) diferenças quanto ao alcance do segredo: O sigilo assegurado pela reabilitação é mais amplo, pois as informações por ele cobertas somente podem ser obtidas por requisição (ordem), não de qualquer integrante do Poder Judiciário, mas exclusivamente do juiz criminal. É o que se extrai do art. 748 do Código de Processo Penal.10

Destaca-se que o instituto da reabilitação, após a reforma da parte geral do Código Penal (1984), possui dois objetivos: assegurar o sigilo da condenação e suspender condicionalmente os efeitos específicos (secundários) da condenação previstos no artigo 92 do Código Penal. Com efeito, se o condenado, após o cumprimento da pena, tem direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores razões possui o direito de ser esquecido, não pode permanecer com esse estigma. Nesse sentido, destaca-se, por necessário, a lição dos professores Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco:

CUNHA, 2015. MASSON, Cléber. Direito penal esquematizado - parte geral. 2. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 560. 9

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Se a pessoa deixou de atrair notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que o levaram à penitenciária.11

O direito ao esquecimento é um importante instrumento para a ressocialização daquele que praticou um crime e, como atributo da personalidade, pode ser manifestado de diversas formas, seja protegendo a imagem, seja protegendo o nome da pessoa. Ressalta-se que uma condenação criminal, além dos efeitos principais e secundários previstos na legislação, acarreta inúmeras consequências no contato social do condenado. Em pequenas cidades como Itaguaru-GO, utilizada como parâmetro para a elaboração deste trabalho e que, segundo o Censo IBGE 2010 possui uma população de 5.429 habitantes, o indivíduo sancionado criminalmente, mesmo após a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena, é extirpado da sociedade e está submetido a diversos tipos de constrangimentos praticados por seus semelhantes, dentre eles, a dificuldade de introdução/retorno ao mercado de trabalho, tendo em vista a desconfiança da comunidade que passa a ver a pessoa como “anormal”, “pessoa naturalmente má”, etc. Os professores Gustavo Octaviano Junqueira e Paulo Henrique Aranda Fuller, na obra denominada “Legislação Penal Especial”, ao lecionarem sobra a Lei de Execução Penal, afirmam que: O efeito da referida marginalização (colocação forçada do sujeito à margem da sociedade) acaba por provocar, no âmbito íntimo do egresso, o convencimento de que ele realmente é um delinquente, conformando sua expectativa sobre suas próprias potencialidades direcionadas à nova prática delitiva.12

Destarte, se em um mercado competitivo e esgotado como o brasileiro sequer o profissional capacitado tecnicamente consegue novo emprego, jamais o ex-presidiário terá oportunidade se o ordenamento jurídico não promover e assegurar o direito ao esquecimento. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 374. 12 JUNQUEIRA; FULLER, 2008, p. 203. 11

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Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é necessária a aplicabilidade do direito ao esquecimento no cenário interno, com base não só no direito positivo infraconstitucional, mas sobretudo na principiologia decorrente dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Conforme anteriormente mencionado, o ordenamento é repleto de previsões em que a significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, de tal modo que se mostra ilícito reagitar o que a lei pretende sepultar. Se não há mais interesse público na divulgação de um fato delituoso em virtude do decorrer do tempo, tanto o autor do crime quanto a vítima têm direito ao esquecimento. Em que pese a importância do tema, apenas recentemente o debate foi levado ao Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário com Agravo n. 833.248/RJ, onde os familiares da falecida Aída Curi, vítima de homicídio praticado há várias décadas, propuseram uma ação indenizatória contra a Rede Globo em razão do uso, não autorizado, da imagem da falecida no programa “Linha Direta Justiça”, oportunidade que aduziram o direito ao esquecimento. Salienta-se que o Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional, no dia 11 de dezembro de 2014, porém, até a data final da elaboração deste trabalho, o mérito do pedido não tinha ainda sido analisado. Quanto ao Superior Tribunal de Justiça, salienta-se que aquela Corte já analisou a aplicação do direito ao esquecimento em algumas oportunidades e ponderou, em uma delas através da Sexta Turma, que: HABEAS CORPUS - FURTO SIMPLES TENTADO - WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL - IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA - DOSIMETRIA - ART. 59 DO CÓDIGO PENAL - PENA-BASE TRÊS VEZES ACIMA DO MÍNIMO LEGAL - DESPROPORCIONALIDADE - TREZE CONDENAÇÕES TRANSITADAS EM JULGADO CONDUTAS PERPETRADAS HÁ 14 ANOS ANTES DA PRÁTICA DO NOVO DELITO - DIREITO AO ESQUECIMENTO - RELATIVIZAÇÃO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - NÃO APLICAÇÃO - NOVO DIMENSIONAMENTO DA PENA - PRESCRIÇÃO - RECONHECIMENTO - HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO - ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1 - […] 8 - Recentes julgados desta Corte (REsp 1.334.097/RJ

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e REsp 1.335.153/RJ, publicados em 9/9/2013), relatados pelo Ministro Luis Felipe Salomão, aplicáveis na órbita do direito civil - máxime em aspectos relacionados ao conflito entre o direito à privacidade e ao esquecimento, de um lado, e o direito à informação, de outro - enfatizam que "...o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua maior nobreza, pois afirmase, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana." (voto do Ministro Luís Felipe Salomão). […] (HC 256.210/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 13/12/2013)

Desse modo, os ministros daquele colegiado entenderam que a teoria do direito ao esquecimento versa sobre um aspecto da proteção da dignidade humana, eixo em torno do qual deve girar todo o sistema normativo. O fato de toda a realidade estatal se desenvolver a partir da dignidade humana impõe uma releitura da ordem jurídica, no sentido de reinterpretar as normas e ponderar os interesses, de modo a compatibilizar ambos com esse novo modelo. Negar o direito ao esquecimento a uma pessoa que já cumpriu a pena, ou até mesmo absolvida no fim da ação penal, é impor-lhe uma pena de caráter perpétuo, atribuindo-lhe uma marca indelével na sociedade. Destaca-se que o crime, por si só, atrai um natural interesse público, o qual é satisfeito pela publicidade do processo penal proporcionando a sociedade uma fiscalização da resposta estatal ao fato criminoso. Por sua vez, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, de tal arte que a exploração da imagem do criminoso deve perdurar somente enquanto ocorrer a persecução penal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Nos termos ponderados no Acórdão do Superior Tribunal 309


de Justiça, o reconhecimento do direito ao esquecimento sinaliza uma evolução cultural da sociedade, pois afirma-se, na realidade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana. Em suma, o direito ao esquecimento mostra-se absolutamente pertinente diante dos objetivos do sistema de execução penal e, até mesmo, ante o fundamento de preservação da dignidade humana previsto na Constituição Federal, permitindo assim ao condenado que já cumpriu a pena a mínima oportunidade de integração social com menores obstáculos e saudável construção de sua personalidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se da análise efetuada que se perde no tempo a origem das penas e que a proveniência desta coincide com o surgimento do Direito Penal, do qual a pena é a consequência jurídica principal que deriva da infração penal. Observa-se, ainda, que apesar da omissão do Código Penal quanto à finalidade da pena no Brasil, modernamente se entende que a pena tem tríplice finalidade: retributiva, preventiva e reeducativa, bem como deve perseguir um fim condizente com a democracia e com os ditames constitucionais. Nesse sentido, o direito ao esquecimento é um importante instrumento para a ressocialização daquele que praticou um crime e, como atributo da personalidade, pode ser manifestado de diversas formas, seja protegendo a imagem, seja protegendo o nome da pessoa. Conclui-se também que os atos praticados por um indivíduo, em um passado distante, não podem repercutir para sempre e que este tem o direito de ser esquecido pela opinião pública. Portanto, mais que uma das finalidades da pena, o direito ao esquecimento consiste em um aspecto da proteção da dignidade da pessoa humana e está em total harmonia com o sistema normativo vigente, razão pela qual deve ser fomentado.

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