A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

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Suelim Iasmine dos Santos Braga* A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS THE INTERVENTION OF THE PUBLIC MINISTRY IN THE INCIDENT OF RESOLUTION OF REPETITIVE DEMANDS INTERVENCIÓN DEL MINISTERIO PÚBLICO DEMANDAS EN SOLUCIÓN DE INCIDENCIAS REPETITIVAS

Resumo: O presente trabalho analisa uma das inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, Lei n. 13.105/15, qual seja, o incidente de resolução de demandas repetitivas. Verifica-se que há uma mudança de paradigmas em relação a vários institutos processuais, por isso a importância de analisá-los. A nova lei processual em seu art. 977 determinou o Ministério Público como um dos legitimados para requerer a instauração do IRDR. Tendo em vista a importância do novo instituto, passa-se ao exame da importante intervenção ministerial nesse novo incidente. Abstract: This paper analyzes one of the innovations brought by the Code of Civil Procedure, 2015, Law 13,105 / 15, which is the resolution of incident repetitive demands. It is found that there is a paradigm shift in relation to various procedural institutes, so the importance of analyzing them. The Code in its article. 977 determined as one of the legitimate parties to request the initiation of IRDR prosecutors. Given the importance of the new Institute goes to the examination of important ministerial intervention in this new incident.

* Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes - RJ. Graduada em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Goiás. Servidora do MP-GO.

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Resumen: El trabajo analiza la actualidad una de las innovaciones introducidas por el Código de Procedimiento Civil de 2015 Ley 13.105 / 15, miércoles BE, el incidente se repite resolución demandas. Comprueba si hay un cambio de paradigmas Que de en relación con varios institutos de procedimiento, por lo tanto uno importancia de los análisis - ellos. La nueva ley de procedimiento en su arte. 977 determina el enjuiciamiento Como zumbido de legitimado para exigir a la entidad a IRDR. Dada la importancia del nuevo instituto pasa Si el examen de la intervención ministerial de la importancia de este nuevo incidente. Palavras-chave: Ministério Público, incidente, demandas repetitivas, processo civil. Keywords: Public Ministry, incident, repetitive demands, civil lawsuit. Palabras clave: Ministerio Público, incidente, demandas repetitivas, procedimiento Civil.

INTRODUÇÃO A nova legislação processual civil inovou grande parte de seus institutos, trazendo uma nova leitura a respeito dos que já existiam, mas também criando institutos novos, que não encontram correspondentes no Código de Processo Civil de 1973. Verifica-se que uma dessas inovações se refere ao incidente de resolução de demandas repetitivas, em que se busca uma uniformização dos julgamentos das demandas seriadas. A realidade processual brasileira tem nos demonstrado que as litigâncias em série têm se tornado uma realidade em nosso sistema jurídico. Por essa razão, é indispensável a criação de institutos que visem à padronização decisória, bem como à celeridade de julgamento dessa grande massa de processos que possuem a mesma questão de direito discutida. 150


Aliás, verifica-se que o novo Código de Processo Civil trouxe uma grande preocupação com a uniformidade e integridade das decisões, tanto é que criou um microssistema de criação de precedentes, em que todo o código é formado por institutos que visem à criação de padrões decisórios. Assim, verifica-se que o incidente de resolução de demandas repetitivas consiste em uma grande inovação processual, porque visa exatamente resolver uma das realidades processuais do ordenamento jurídico brasileiro, sendo esta a existência de demandas repetitivas. Contudo, a lei processual, ao criar o instituto, assegurou o Ministério Público como um dos legitimados para a instauração do incidente, bem como definiu que, nos casos em que não atua como requerente, atuará obrigatoriamente como fiscal da ordem jurídica. Assim, a nova lei processual conferiu ao órgão ministerial uma importante função frente ao incidente de resolução de demandas repetitivas, que deve ser analisada especificadamente. O MICROSSISTEMA DE RESOLUÇÃO DAS DEMANDAS REPETITIVAS Ab initio, devemos verificar que o Código de Processo Civil trouxe uma grande aposta inserida em seu texto legal, sendo esta o regime de precedentes e a sua vinculação. Claro que devemos salientar que no regime do Código de 1973 já existiam precedentes judiciais, como, por exemplo, os recursos excepcionais repetitivos e as súmulas vinculantes. Ocorre que o novo Código ampliou este regime de precedentes, criando incidentes e apresentando institutos que garantem uma maior vinculação dos julgamentos. Assim, o Código, ao criar incidentes para resolução das demandas, primou por buscar uma uniformização dos julgamentos dos tribunais. Um desses incidentes criados pela nova legislação processual é o incidente de resolução de demandas repetitivas, que, juntamente com os recursos extraordinários e especiais repetitivos, formam um microssistema de julgamento dos casos repetitivos na nossa nova legislação processual. 151


O art. 928 do Código de Processo Civil determina que “considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: Iincidente de resolução de demandas repetitivas; II- recurso especial e extraordinário repetitivos”. Sobre o referido artigo, Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, p. 1508) afirma que “os julgamentos proferidos em ambos os casos, ainda que por meio de técnicas procedimentais significativamente distintas, são precedentes obrigatórios”. Aliás, essa preocupação com o precedente, visando à uniformização da jurisprudência, evidencia-se logo no início do Livro III, o qual é denominado “dos processos nos tribunais e dos meios de impugnação das decisões judiciais”, tendo em vista o texto do art. 926, que afirma que “os tribunais deverão uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Nesse sentido, é o entendimento de José Herval Sampaio Jr1, ao afirmar que nessa toada, o novo CPC passa não só a priorizar os precedentes, mas também criar institutos que venham a uniformizar a jurisprudência brasileira justamente para atacar esse problema chave de nossa Justiça e ao mesmo tempo o faz de forma a equilibrar segurança jurídica e celeridade.

A respeito do microssistema de solução de casos repetitivos, a doutrina tem salientado a sua criação pelo Código de Processo Civil de 2015, o que é corroborado pelo Enunciado n. 345 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, o qual preceitua que: O incidente de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente.

Sobre o tema, Vinicius Silva Lemos2 leciona que:

O incidente de resolução de demandas repetitivas e de coletivização de demandas no novo CPC. Disponível em: <hhttp://joseherval.jusbrasil.com.br/artigos/167466921/ o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-de-coletivizacao-de demandas-no-novo-cpc>. Acesso em: 5 jul. 2016. 2 A desistência no Microssistema de Formação de Precedentes. Disponível em: <https://www.academia.edu/18876227/A_Desist%C3%AAncia_no_Microssistema_de_Forma%C3%A7%C3%A3o_de_Precedentes>. Acesso em: 5 jul. 2016. 1

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Com a identificação do problema da multiplicidade de demandas há tempos detectado, o legislador processual há muito aposta em julgamentos massificados, com a utilização de técnicas de amostragem, para um reflexo maior de uma única decisão, com validade e eficácia cascata e evidente formação de um precedente.

Assim, tendo-se em vista o problema da multiplicidade de demandas, exigiu-se do legislador uma técnica especial de gerenciamento dos casos repetitivos, o que culminou na criação do microssistema de casos repetitivos, como uma resposta a este anseio da antiga legislação processual diante da litigância repetitiva. Leonardo Carneiro da Cunha3 explica com propriedade esse anseio pela busca de mecanismos que tragam uniformidade de julgamento quando se estiver diante de múltiplos processos que envolvam causas repetitivas, in verbis: Diante do congestionamento das vias judiciais, ocasionado pelo acúmulo de causas repetitivas, o legislador vem introduzindo, no sistema processual brasileiro, instrumentos específicos destinados a lhes conferir solução prioritária, racional e uniforme. São vários os mecanismos, a exemplo do art. 285-A do CPC, da súmula vinculante, da repercussão geral, do art. 4º, §8º, da Lei n. 8.437/1992, do pedido de uniformização da interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Federais, entre outros. Afora tais instrumentos, destacam-se os recursos repetitivos e, especialmente, sua técnica de processamento e julgamento por amostragem (CPC, arts.543-B e 543-C), concebidos com a finalidade de conter e diminuir o fluxo de casos que são encaminhados, diariamente, aos tribunais superiores.

Assim, verifica-se que o legislador buscou criar institutos que visem afastar o clima de instabilidade e insegurança jurídica, combatendo o que o Ministro Humberto Gomes de Barros retratou no AgRg no REsp n. 382.736/SC, ao afirmar que nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme bóia, cheia de pessoas, é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só

Recursos Repetitivos. Disponível em: <http://www.leonardocarneiroda cunha.com.br/artigos/recursos-repetitivos/>. Acesso em: 5 jul. 2016.

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termina quando todos os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS Entre as muitas mudanças trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, está o incidente de resolução de demanda repetitivas, conhecido como IRDR. Conforme salienta Alexandre Câmara (2016, p. 500), “trata-se de mecanismo a ser usado para assegurar solução uniforme a demandas repetitivas, como o próprio nome indica”. Contudo, primeiramente precisamos analisar o que se entende por uma demanda repetitiva, para então podermos analisar o instituto do IRDR. Assim, demandas repetitivas são aquelas que, embora possuam partes distintas, possuem o mesmo objeto e a mesma causa de pedir, resultando em demandas idênticas, ou seja, demandas em série, que acabam desaguando em grande quantidade perante o Poder Judiciário. Alexandre Câmara (2016, p. 501) alerta para a diferença entre as demandas repetitivas e o instituto da conexão, vejamos: Perceba-se que se trata de fenômeno inconfundível com o da conexão. Nestas, duas ou mais demandas têm a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. Se dois acionistas de uma companhia ajuízam demandas individuais e autônomas para postular a anulação de uma certa assembleia geral, essas duas demandas terão o mesmo objeto (já que em ambas se busca a invalidação do mesmo ato). Se um condomínio edilício ajuíza, em face de dois diferentes condôminos, demandas de cobrança de quotas condominiais atrasadas, essas demandas não têm o mesmo objeto (já que em cada uma delas se busca o pagamento de uma dívida diferente), ainda que tenham elas objetos iguais. Não se pode, pois, confundir os conceitos de igual (que pressupõe a existência de dois ou mais entes que, comparados, se revelam idênticos) e de mesmo (que pressupõe a existência de um só ente, que se manifesta mais de uma vez).

Assim, o instituto das demandas repetitivas configura-se 154


quando se tem causas de pedir iguais4, mas que não é a mesma causa de pedir, e tem-se pedidos iguais, mas não se trata do mesmo pedido5. Quanto aos requisitos para a sua instauração, o art. 976 elenca-os, salientando que se trata de requisitos cumulativos, tendo em vista que devem ser observados conjuntamente. Entretanto, caso, no momento do ajuizamento do incidente, não esteja presente um dos requisitos, mas sendo este vício sanado posteriormente, o parágrafo único autoriza que o incidente seja novamente proposto6. O primeiro requisito trazido pelo artigo é a “efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito”. Sobre esse requisito, salientase que o incidente não pode ser instaurado em caráter preventivo, devendo sempre existir processos repetitivos já instaurados, pois isso busca que se evite uma atividade judicial em vão, bem como se busca um amadurecimento da decisão. Sobre esse primeiro requisito, Alexandre Câmara (2016, p. 502) afirma que fica claro que o incidente se destina à definição de um padrão decisório para as questões de direito, e não para as questões fáticas (as quais, evidentemente, podem variar de um caso concreto para o outro).

O outro requisito, que deve ser analisado conjuntamente com o primeiro requisito, é o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica7. Assim, o IRDR deve ser instaurado quando houver a existência de decisões divergentes.

Enunciado n. 89 do FPPC: “Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas”. 5 O Enunciado n. 90 do FPPC determina que “é admissível a instauração de mais de um incidente de resolução de demandas repetitivas versando sobre a mesma questão de direito perante tribunais de 2º grau diferentes”. 6 O Enunciado n. 88 do FPPC determina que: “Não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas e, por isso, não é admissível qualquer interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”. 7 Sobre o tema, o Enunciado n. 87 do FPPC determina que: “A instauração do incidente 4

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O art. 976, § 4º, elenca um requisito negativo. Daniel Amorim Assumpção Neves afirma que não se admitirá a instauração do incidente ora analisado quando um dos tribunais superiores, no âmbito de suas respectivas competências, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.

Assim, se já foi afetado para julgamento pela técnica do recurso extraordinário ou recurso especial repetitivo, não há sentido em se instaurar o IRDR num tribunal de 2ª instância. Quanto à existência de um quarto requisito, previsto no art. 978, parágrafo único, verifica-se que há controvérsias, qual seja, a necessidade ou não de que exista pelo menos um processo perante o tribunal. Daniel Amorim Assumpção, mais adiante, afirma que “parcela da doutrina8 entende que não, de forma que o IRDR deva ser admitido ainda que os múltiplos processos estejam em primeiro grau”. Contudo, Alexandre Câmara alerta para o fato de que esse entendimento gera um problema insuperável9, pois se estaria, por lei ordinária, dando aos tribunais uma competência que antes eles não tinham e competência de tribunal não pode ser fixada por lei ordinária e sim pela Constituição. Assim, para o renomado autor10, é requisito do IRDR que haja pelo menos um processo no tribunal, sendo este o entendimento consagrado no Enunciado n. 344 do FPPC, podendo esse de resolução de demandas repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à segurança jurídica”. 8 Luiz Marinoni, Sergio Arenhart e Daniel Mitidiero [Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 914) entendem que, ainda que haja somente processos em primeiro grau de jurisdição, o incidente poderá ser instaurado, pois “o órgão que decidir o IRDR torna-se prevento para o julgamento do recurso, da remessa necessária ou para o processo de competência originária de onde se originou o incidente (art. 978, parágrafo único, CPC). 9 Câmara alerta que uma das interpretações dadas ao referido parágrafo único do art. 978, é de que o incidente pode ser instaurado num processo que tramita ainda na 1ª instância. Assim, um juiz percebe a repetição, provoca o tribunal para que se instaure o incidente. Instaurado o incidente, tem-se um órgão indicado no regimento interno que é competente para julgar o incidente. Dessa forma, tem-se um processo do qual o incidente se originou e, quando o processo chegar no tribunal, quem vai julgar o processo será o mesmo órgão que fixou a tese (é como se fosse um juízo prevento para julgar o recurso). 10 Nesse sentido: DIDER JR., Fredie; NEVES, Daniel Amorim Assumpção.

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processo ser um recurso, uma remessa necessária ou um processo de competência originária do próprio tribunal. Fredie Dider Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha (2016, p. 626), corroborando com esse entendimento, afirmam que: Sendo o IRDR um incidente, é preciso que haja um caso tramitando no tribunal. O incidente há de ser instaurado no caso que esteja em curso no tribunal". Se não houver caso em trâmite no tribunal, não se terá um incidente, mas um processo originário. E não é possível ao legislador ordinário criar competências originárias para os tribunais. As competências do STF e do STJ estão previstas, respectivamente, no art. 102 e no art. 105 da Constituição Federal, as dos tribunais regionais federais estão estabelecidas no art. 108 da Constituição Federal, cabendo às Constituições Estaduais fixar as competências dos tribunais de justiça (art. 125, § 10, CF). O legislador ordinário pode - e foi isso que fez o CPC - criar incidentes processuais para causas originárias e recursais que tramitem nos tribunais, mas não lhe cabe criar competências originárias para os tribunais. É também por isso que não se permite a instauração do IRDR sem que haja causa tramitando no tribunal.

Nesse momento é importante fazer um apontamento sobre a criação do instituto do incidente. O nosso IRDR é inspirado no direito alemão, mas com uma diferença. Sobre o assunto, Vinicius Silva Lemos11 afirma que: O instituto teve como inspiração um paralelo estrangeiro, o procedimento denominado Musterverfahren, oriundo do direito germânico, um procedimento de julgamento de processo modelo, no qual se elege uma ‘causa piloto’ na qual serão decididos determinados aspectos gerais e comuns a diversos casos já existentes, sendo que a solução encontrada será adotada por todas as ações pendentes sobre o mesmo tema.

No sistema comparado, encontram-se basicamente dois sistemas destinados a lidar com a litigância repetitiva e a criar padrões decisórios que vão servir de base para julgamentos de outros casos. O primeiro sistema é denominado de procedimento modelo, oriundo do direito alemão, onde o tribunal simplesmente fixa A desistência no Microssistema de Formação de Precedentes. Disponível em: <https://www.academia.edu/18876227/A_Desist%C3%AAncia_no_ Microssistema_de_Forma%C3%A7%C3%A3o_de_Precedentes>. Acesso em: 5 jul. 2016.

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a tese, não julgando o caso concreto. Já o segundo sistema, denominado de procedimento piloto, oriundo do direito inglês, seleciona um processo, atribui este a um órgão previamente determinado e esse órgão julga o processo e o julgamento do caso servirá como precedente para o futuro julgamento de outros casos. No processo-modelo alemão, no entanto, como explica Antônio do Passo Cabral12: A finalidade do procedimento é fixar posicionamento sobre supostos fáticos ou jurídicos de pretensões repetitivas. A lei é clara em apontar estes escopos (Feststellungsziele) expressamente, assinalando que devem inclusive ser indicados no requerimento inicial (§ 1 (2)). Assim, não é difícil identificar o objeto do incidente coletivo: no Musterverfahren decidem-se apenas alguns pontos litigiosos (Streitpunkte) expressamente indicados pelo requerente (apontados concretamente) e fixados pelo juízo, fazendo com que a decisão tomada em relação a estas questões atinja vários litígios individuais. Pode-se dizer, portanto, que o mérito da cognição no incidente compreende elementos fáticos ou questões prévias (Vorfragen) de uma relação jurídica ou de fundamentos da pretensão individual.

O nosso sistema, embora tenha se inspirado no direito alemão, por causa do parágrafo único do art. 978, não é de procedimento modelo, mas sim de procedimento piloto, porque o tribunal julgará o caso concreto. Entretanto, no Brasil, existe uma peculiaridade. O § 1º do art. 976 determina que a desistência ou abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente. Sendo assim, nosso procedimento é de procedimento piloto, porque julga o caso, mas se houver desistência do recurso ou abandono do processo, o procedimento se transforma em um procedimento modelo. Quanto ao procedimento, inicialmente se verifica que há a necessidade de um pedido para a instauração do incidente, dirigido ao presidente do tribunal. Salienta-se que esse pedido deve ser feito por um dos legitimados do art. 977. Assim, o juiz ou relator

O novo procedimento-modelo (Musterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Disponível em: <http://www.academia.edu/215397/ O_novo_Procedimento-Modelo_Musterverfahren_alem%C3%A3o_uma_alternativa_%C3%A0s _a%C3%A7%C3%B5es_coletivas>. Acesso em: 6 jul. 2016.

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poderá solicitar de ofício, enquanto que as partes, o Ministério Público e a Defensoria Pública solicitarão por petição. Entretanto, tanto o ofício quanto a petição devem ser instruídos com documentos que demonstrem que os requisitos de admissibilidade foram preenchidos. Chegando o incidente perante o presidente do tribunal, este encaminhará para a distribuição. Conforme o art. 981, o incidente será distribuído a um relator, contudo, esse relator não pode, por decisão monocrática, dizer se o incidente é ou não admissível, pois essa decisão tem que ser do órgão colegiado13. Dessa forma, o relator, logo que receber o IRDR, requererá a sua inclusão em pauta para exame de sua admissibilidade, salientando-se que não há exigência de quórum especial ou qualificado. Após, admitido o incidente14, o relator tomará uma das providências descritas no art. 982, ou seja: a) suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no estado ou na região, conforme o caso15; b) poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias; e, c) intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias. Quanto à instauração do incidente, este pode ser instaurado em qualquer tribunal de 2ª instância, e a decisão que se vai produzir mediante o incidente vinculará os juízes e órgãos vinculados àquele tribunal. Salienta-se que, caso haja RE ou REsp da decisão do IRDR, a decisão que se produzirá no recurso excepcional vinculará todo o território nacional16. O §3º do art. 982 determina que os legitimados dos incisos II e III do art. 987 (partes, Ministério Público e Defensoria Pública) Este entendimento está expresso no Enunciado n. 91 do FPPC: “Cabe ao órgão colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática”. 14 Enunciado n. 92 do FPPC: “A suspensão de processos prevista neste dispositivo é consequência da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas e não depende da demonstração dos requisitos para a tutela de urgência”. 15 Enunciado n. 93 do FPPC: “Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados especiais no mesmo estado ou região”. 16 Enunciado n. 94 do FPPC: “A parte que tiver o seu processo suspenso nos termos 13

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poderão requerer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal a suspensão dos processos repetitivos que tramitem em toda a jurisdição nacional17. Aliás, esse pedido pode ser feito independentemente dos limites da competência territorial. Explico. As partes de um processo no Rio de Janeiro, por exemplo, podem requerer a suspensão dos processos no país, por causa de um IRDR instaurado no Piauí. Para explicar esse parágrafo, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado n. 95 para determinar que “a suspensão de processos na forma deste dispositivo depende apenas da demonstração da existência de múltiplos processos versando sobre a mesma questão de direito em tramitação em mais de um estado ou região”. Assim, basta a existência de múltiplos processos para que seja requerido às cortes de sobreposição a suspensão da tramitação dos processos que versem sobre a mesma questão de direito. Diante de tantas inovações com grande repercussão, o legislador trouxe uma inovação que visa garantir a ampliação do contraditório. É que o art. 983 traz a previsão de uma abertura procedimental ao determinar que o relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

Essa abertura procedimental visa permitir que todo mundo que for interessado possa se manifestar no processo, podendo haver intervenção de amici curiae. Além disso, o Código diz muito claramente que o relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive, os que podem ser amici curiae, prevendo

do inciso I do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”. 17 § 3o Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

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no seu § 1º que haverá uma audiência pública com a participação de expert na matéria. Sobre essa ampliação do contraditório, Alexandre Câmara (2016, p. 505) ensina que: Tem-se, aí, pois, uma ampliação do contraditório - com a possibilidade de participação de interessados e amici curiae com a realização de audiências públicas - que confere legitimidade constitucional à decisão que se irá proferir para servir como padrão decisório dotado de eficácia vinculante.

Concluídas todas essas diligências, o relator solicitará dia para julgamento do incidente. Entretanto, este deve ser julgado dentro do prazo de 1 ano, contado da instauração do incidente, sendo que o julgamento terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Caso esse prazo de 1 ano seja ultrapassado, cessará a suspensão dos processos, salvo se houver uma decisão fundamentada do relator em sentido contrário. Quanto ao julgamento, será seguida a seguinte ordem: a) o relator fará a exposição do objeto do incidente; b) poderão sustentar suas razões, sucessivamente: b.1) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos; e, b.2) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência. Salienta-se que o prazo para sustentação oral, nesse caso, não segue a regra geral de 15 minutos, mas sim de 30 minutos. Tendo em vista o sistema de formação de precedentes e de padrões decisórios, o §2º do art. 984 determina que o conteúdo do acordão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sem favoráveis ou contrários. Logo, verifica-se que os fundamentos contrários também geram vinculação. Assim, julgado o incidente e fixada a tese, essa será aplicada a todos os processos que versem sobre questão idêntica de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo estado ou região, o que se aplicará aos casos futuros 161


que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal. Caso a tese adotada no incidente não venha a ser observada, caberá reclamação diretamente no órgão que proferiu a decisão do IRDR, e a decisão que não respeitou a tese será cassada. Da decisão do IRDR caberá RE ou REsp, sendo que nesse caso os recursos serão dotados, de efeito suspensivo e, no caso do RE, há uma presunção de repercussão geral. Salienta-se que a decisão dos recursos excepcionais, nesse caso, vinculará os juízes em todo o território nacional. Por fim, verifica-se que a tese adotada no IRDR poderá ser revista. O art. 986 determina que se faça a revisão da tese pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 987, inciso III (Ministério Público e Defensoria Pública). Entretanto, isso poderia em princípio impedir as partes de provocar a revisão da tese. Contudo, tudo o que o Tribunal de ofício pode fazer, as partes podem requerer, mesmo sem previsão expressa, sendo esse inclusive o teor do Enunciado n. 473 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO LEGITIMADO A Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 127, que o Ministério Público é instituição voltada à defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Já o art. 176 do Código de Processo Civil complementa, ao determinar a regra de que o Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis. De acordo com os arts. 177 e 178 do CPC, o Ministério Público poderá atuar como parte ou como fiscal da ordem jurídica. Nesse sentido, Misael Montenegro Filho esclarece que esse benefício decorre do fato de o Ministério Público atuar na defesa de um interesse público, acarretando a expansão do direito e da tutela jurisdicional a um grupo ou a uma coletividade de pessoas, ou a uma pessoa só, que necessita de amparo, como o incapaz, por exemplo.

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Assim, quanto a sua atuação, salienta-se que, quando o Ministério Público atua na condição de parte do processo, visa ao interesse público, preservando o direito difuso, coletivo ou individual homogêneo, conforme determina o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor. Dessa forma, é frequente o ajuizamento de demandas coletivas que visem à proteção de um interesse metaindividual. Contudo, em que pese a Constituição Federal ter estabelecido em seus artigos que compete ao Parquet a defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, tem-se admitido a atuação do órgão ministerial no campo de defesa dos interesses individuais homogêneos, aliás, esse foi o entendimento esposado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1.209.633/RS, bem como no julgamento do EREsp 114.908, sendo assegurado a legitimidade para defesa desses direitos, quando esses contiverem repercussão para o interesse público18. Assim, a Corte superior adotou a corrente que se orienta no sentido de que o órgão ministerial poderá propor a defesa de interesses individuais homogêneos, disponíveis ou não, quando estiver presente o requisito da relevância social do bem jurídico tutelado ou da própria resolução coletiva de conflitos. Assim, o Tribunal adotou a tese dos poderes implícitos. A outra face da autuação do Ministério Público se efetiva quando este for fiscal da ordem jurídica, conforme determina o art. 178 do novo CPC, nos casos em que houver: a) interesse público ou social; b) interesse de incapaz; e, c) litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. Salienta-se que sendo caso de intervenção do MP como fiscal da ordem jurídica e este não Observa que o Superior Tribunal de Justiça admitiu a legitimidade em casos de cobrança ilegal de taxas e juros por imobiliárias (Corte Especial, EREsp 114.908SP e EREsp 141.491-SC), de aumento ilegal de plano de Saúde (3ª Turma, RESP 286.732-RJ), de televisão por assinatura (3 ª Turma, REsp 308.486-MG), de nulidade de contratos bancários (3ª Turma, AGA 405.505-RJ), de pagamento de salário mínimo a servidores municipais (5ª Turma, REsp 95.347-SE), negando-a, em casos envolvendo matéria tributária (Corte Especial, EREsp 106.993-MS), arrendamento mercantil (3ª Turma, REsp 267.499-SC), revisão de renda inicial de benefício previdenciário (5ª Turma, REsp 423.098-SC) e vencimento de servidores públicos (5ª Turma, REsp 144.030-GO).

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for intimado, será caso de nulidade, que somente poderá ser decretada após a manifestação do órgão ministerial, sendo que este manifestar-se-á a respeito da existência ou inexistência de prejuízo. Quanto ao incidente de resolução de demandas repetitivas, verifica-se que o MP poderá atuar tanto na qualidade de requerente, quanto na de fiscal da ordem jurídica. Sobre o tema, Misael Montenegro Filho alega que: O inciso III do art. 977 da nova lei processual confere legitimidade ao Ministério Público para requerer a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas. Além disso, o §2º do art. 976 da mesma lei estabelece a regra de que, se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou abandono.

Assim, verifica-se que a lei processual de 2015 conferiu ao Ministério Público, quando houver efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito e que essa repetição coloque em risco a isonomia e a segurança jurídica, a prerrogativa de ser o requerente para a instauração do incidente perante os tribunais de 2ª instância. Isso vem de encontro com o disposto na Constituição Federal, ao determinar que o Parquet é instituição voltada à defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, pois o incidente de resolução de demandas repetitivas visa trazer uma uniformidade de julgamento em processos que se desenvolvem em série. Assim, o Ministério Público, ao requerer a instauração do incidente, estará primando pelo interesse social, mais especificadamente o direito à segurança jurídica e à isonomia19. Cassio Scarpinella Bueno(2015, p. 591) afirma sobre o tema que:

Neste sentido, Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha [Curso de Direito Processual Civil - nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. Salvador: Juspodivm, 2016. p.626.] alegam que: “É preciso, em resumo, que haja a chamada legitimidade adequada ou representação adequada. Tanto o Ministério Público como a Defensoria Pública podem suscitar o IRDR na condição de parte (e aí bastaria a previsão do inciso II do art. 977 do CPC), ou na condição institucional de Ministério Público ou de Defensoria Pública, sem que sejam partes em algum processo repetitivo em que se discuta a questão jurídica a ser examinada pelo tribunal (daí a previsão do inciso III do art. 977 do CPC).

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A menção feita pelo inciso III do art. 977 ao Ministério Público e à Defensoria Pública merece ser interpretada amplamente, tanto quanto a do § 1º do art. 947, que trata do incidente de assunção de competência. A legitimidade daqueles órgãos dá-se tanto quando atuam como parte (em processos coletivos, inclusive) como, também, quando o Ministério Público atuar na qualidade de fiscal da ordem jurídica e a Defensoria Pública estiver na representação de hipossuficiente ou, de forma mais ampla, desempenhando seu papel institucional em processos individuais.

Entretanto, poderá surgir a dúvida a respeito de em quais casos o Ministério Público poderá requerer a instauração do incidente de demandas repetitivas. Para explicar a solução, usa-se a doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves (2015, p. 455), in verbis: Dessa forma, a legitimidade do Ministério Público para suscitar o incidente é ampla e irrestrita quando a questão envolver direitos difusos ou coletivos, mas, no caso de direitos individuais homogêneos, só terá legitimidade se o direito for indisponível ou disponível com repercussão social. É nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à legitimidade do Ministério Público na tutela coletiva.

Assim, para que o Ministério Público requeira a instauração do IRDR, deverá respeitar a sua competência constitucional20, bem como a orientação do STJ, podendo assim solicitar a instauração, por meio de petição ao presidente do tribunal, quando a questão envolver direitos difusos ou coletivos, e, no caso dos direitos individuais homogêneos, que se trata de direitos indisponíveis, ou sendo disponíveis, que possuam repercussão social. Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha (2016, p. 626) alegam inclusive que, havendo pertinência temática, o Ministério Público poderia ajuizar uma ação civil pública em vez de requerer a instauração do incidente, vejamos:

Nesse sentido, Luiz Marinoni, Sergio Arenhart e Daniel Mitidiero [Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 914] afirmam que: “A legitimidade do Ministério Público, para suscitar o incidente, é ampla e decorre da sua função institucional de defesa da ordem jurídica, expressamente consignada no artigo 127, da CF. Já a legitimidade da Defensoria Pública para o IRDR está condicionada ao seu papel no texto constitucional; por isso, só pode suscitar o incidente quando a questão de direito controvertida puder afetar, ainda que indiretamente, interesses de "necessitados" (art.134, CF).

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Para que o legitimado possa pedir a instauração do incidente, é preciso ser parte num processo que verse sobre tema que repercuta para diversas outras causas repetitivas. Deve, enfim, haver pertinência subjetiva da parte com a tese jurídica a ser fixada pelo tribunal. O Ministério Público poderia, até mesmo, em vez de requerer a instauração do IRDR, ajuizar ação civil pública para resolução coletiva da questão.

Entretanto, não sendo parte no processo, o Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica em todos os demais incidentes de resolução de demandas repetitivas, conforme determina o §2º do art. 976, ao determinar que “se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente”. Nesse sentido, é a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno (2015, p. 591), ipsis litteris: Se o Ministério Público não for o requerente, é o que dispõe o § 2º do art. 976, atuará necessariamente no incidente – e o fará na qualidade de fiscal da ordem jurídica, como se extrai do inciso III do art. 982, do caput do art. 983 e da alínea a do inciso II do art. 984 –, devendo assumir, inclusive, sua condução em caso de desistência ou de abandono do processo, nos termos do precitado § 1º do art. 976.

Assim, verificamos que não há como, em hipótese alguma, dispensar a intervenção do Ministério Público no IRDR, ainda que se não se verifique no caso em concreto nenhum fundamento para a sua atuação como fiscal da ordem jurídica, conforme determina o art. 178 da nova lei processual, pois este caso de intervenção como custos legis é estabelecido, de forma especial, pela própria lei, que determina o procedimento do instituto, deixando claro que sua intervenção é obrigatória, não se sujeitando ao crivo de discricionariedade21. E isso se dá pelo fato de que no julgamento do incidente em análise, a questão em debate reflete diretamente na promoção do respeito à ordem jurídica. Ademais, tendo em vista que o incidente busca a correta aplicação da lei, isso implica necessariamente o respeito ao próprio regime democrático, o que está intimamente ligado ao interesse social na decisão do incidente. Nesse sentido, Ricardo de Barros Leonel [Intervenção do Ministério Público no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov. br/revista_esmp /index.php /RJESMPSP/article/view/23>. Acesso em: 6 jul. 2016.

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Por essas razões, o legislador canalizou a tutela do instituto ao Ministério Público, pois essas são suas funções institucionais, conforme determina o art. 127 da Constituição Federal. Sobre a importância da atuação do Ministério Público frente ao incidente de resolução de demandas repetitivas, Ricardo Barros Leonel22 salienta que: Há, no sistema processual brasileiro, várias situações análogas em que a sua atuação como fiscal é indispensável como, por exemplo: as ações de controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, dos incidentes de inconstitucionalidade, do incidente de uniformização de jurisprudência,14 da reclamação constitucional ao STF e ao STJ, dos pedidos de intervenção. Em todos esses casos, independentemente das questões de direito discutidas ou da qualidade das partes neles envolvidas, direta ou indiretamente, estão em jogo interesses relevantíssimos que se refletem com maior intensidade na necessidade de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais. Não seria aceitável que tramitassem e fossem julgados sem a intervenção do MP, instituição constitucionalmente vocacionada para a proteção de tais interesses.

Contudo, deve-se salientar, neste ponto, que a atuação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica não deve ser restrita ao oferecimento de pareceres, visto que deverá agir com zelo como se fosse verdadeiro autor da ação, tendo em vista a grande repercussão social do incidente perante a ordem jurídica. Aliás, esse é o entendimento do Promotor de Justiça Ricardo Barros Leonel, vejamos: Ao atuar no incidente em análise, o órgão ministerial não se deverá limitar à tradicional oferta do parecer, mas sim a agir como se, verdadeiramente, ele mesmo fosse o autor de uma ação coletiva de grande relevo social. Deverá, por exemplo: (a) postular diligências que se fizerem necessárias para o melhor esclarecimento da questão a ser examinada; (b) ter vista dos autos e se manifestar especificamente e de modo consistente, sempre que surgir algum debate relativo ao procedimento, antes da decisão do relator ou do próprio Tribunal; (c) opinar relativamente aos pedidos de intervenção de interessados, tendo como perspectiva a pluralização do

Intervenção do Ministério Público no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Disponível em: http://www.esmp.sp.gov.br/revista_esmp/index.php/ RJESMPSP/article/view/23. Acessado em: 06/07/2016

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debate, mas também a ordem processual e a necessidade de rápida solução do incidente; (d) realizar sustentação oral na sessão de julgamento; e assim por diante, buscando sempre trazer, concretamente, elementos que iluminem os caminhos a serem seguidos pelo tribunal.

Por fim, não podemos nos esquecer que o referido parágrafo determina que se, caso a parte requerente desistir ou abandonar o processo, o Ministério Público assumirá a sua titularidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Verifica-se que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma nova realidade a respeito de vários institutos, visando acabar com intermináveis discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Além disso, o Código demonstrou uma preocupação muito grande com a padronização decisória em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista a instabilidade e insegurança jurídica que há nos julgamentos perante o Judiciário. Assim, a nova lei processual busca a criação de padrões decisórios que visem vincular os julgamentos, buscando a isonomia das decisões. Ocorre que se tem verificado que há uma nova realidade de demandas em nosso ordenamento jurídico, que é o caso das demandas repetitivas, sendo aquelas que possuem a mesma questão de direito em discussão. E, com essa nova realidade, o legislador teve que buscar mecanismos que pautassem na isonomia de tratamento a essas demandas repetitivas, bem como que trouxesse uma celeridade aos julgamentos de casos idênticos, visto que essas demandas seriadas acabam por gerar grande volume de processos perante o Poder Judiciário. Então, o legislador inovou criando o incidente de resolução de demandas repetitivas, que visa ao julgamento de causas que tenham a mesma questão de direito. O incidente baseia-se, conforme visto, na seleção de dois processos representativos da controvérsia. Assim, o Tribunal julgará o caso e fixará a tese que será adotada perante os demais processos em curso e também vinculará os futuros processos, salvo no caso de revisão da tese. 168


Logo, o instituto demonstra ser uma grande evolução na padronização de decisões que devem ser iguais, visto que as demandas também são iguais quanto às questões de direito, embora possam se fundar em fatos e partes distintas. Outra grande inovação foi a legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública como legitimados para requerer a instauração do incidente. Entretanto, conforme visto, no caso do Ministério Público, este atuará obrigatoriamente como fiscal da ordem jurídica nos casos de IRDR em que não for o requerente. Assim, o Parquet passa a ter uma importante função na padronização das decisões em nosso ordenamento, sendo indispensáveis aqueles que atuam perante o MP o conhecimento do procedimento e das nuances do instituto, pois o MP sempre estará presente quando houver a instauração do incidente, seja como parte ou como fiscal da ordem jurídica.

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