Revista Brasileira de Contas Públicas

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Número 1 | Ano I | Dezembro de 2014

REVISTA BRASILEIRA DE CONTAS PÚBLICAS


índice 03

EDITORIAL Palavras do Diretor Presidente da Escola de Contas Públicas do TCM-SP

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DOUTRINA A RESPONSABILIDADE DO PODER E O DIREITO AO BOM GOVERNO Monica Herman Caggiano

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DOUTRINA O ENSINO DO DIREITO CONTÁBIL Valmir Leôncio da Silva

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DOUTRINA A ATUAÇÃO DO PARLAMENTO E DO TRIBUNAL DE CONTAS NA APLICABILIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA Tatiana Penharrubia Fagundes

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DOUTRINA O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES Patrícia Verônica Nunes de Souza

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DOUTRINA TRIBUNAIS DE CONTAS: LEGITIMIDADE PARA SUSPENDER ATO LICITATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ATRAVÉS DE MEDIDA CAUTELAR Nelson Luiz Brandão Junior

As opiniões expressas nas doutrinas, estudos de casos, artigos e notícias publicados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não traduzem a opinião desta Revista.

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ESTUDO DE CASO DÍVIDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO “É IMPAGÁVEL A DÍVIDA DE SÃO PAULO” Norberto Antonio Batista e Gabinete do Conselheiro Domingos Dissei

Caso exista algum erro ou impropriedade na indicação da fonte e/ou autoria das postagens publicadas, favor comunicar o fato através do e-mail alvaro.caggiano@tcm.sp.gov.br

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ESTUDO DE CASO INDICADORES GERENCIAIS DE CONTAS PÚBLICAS José Frederico Meier Neto

expediente REVISTA BRASILEIRA DE CONTAS PÚBLICAS Edição impressa em 8 de dezembro de 2014 Coordenador: Alvaro Theodor Herman Salem Caggiano - Assessor da Escola de Contas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo Edição de Arte: Juliana Machado

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editorial

A

partir da década de 80, começa a viger, entre nós, a ideia de que a investidura em cargo público deveria ocorrer dentre candidatos previamente aprovados em concurso público. Com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, a Constituição Federal de 1988 estabelece que: “II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” Desta forma, a Administração Pública assume o compromisso com práticas profissionais que estão a exigir conhecimento técnico dos vários setores onde opera. Nessa, perspectiva, conteúdo doutrinário e estudo de caso, tratados nesta Revista, terão como destinatários, os segmentos sociais voltados à atividade financeira do Estado.

Os servidores públicos, as pessoas jurídicas que mantêm vínculo com o Estado, os estudantes e a sociedade civil constituir-se-ão no público alvo da Revista. Como objeto das apuradas investigações que se registrarão, por intermédio das doutrinas e dos “cases”, merecerão destaque a contabilidade, as finanças públicas, o orçamento, a situação patrimonial do ente público, a operacionalidade da atividade administrativa financeira, dentre outros temas relevantes. Considere-se, por derradeiro, que os Tribunais de Contas, o Ministério Público e o Poder Judiciário assumem, hoje, papel relevante no cenário das Contas Públicas. Essa missão decorre, mesmo, das exigências sociais a que todos estamos submetidos. Abraços e boa leitura a todos.

Eurípedes Sales

Diretor Presidente da Escola Superior de Gestão e Contas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

Dezembro de 2014

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A RESPONSABILIDADE DO PODER E O DIREITO AO BOM GOVERNO Monica Herman Caggiano

Professora Associada de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito – USP. Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Titular de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenadora do Curso de Especialização em Direito Empresarial da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Procuradora Geral do Município de São Paulo (1994 - 1996). Secretária dos Negócios Jurídicos do Município de São Paulo (1995 - 1996). Procuradora Municipal do Município de São Paulo (1972/1996). Chefe do Gabinete do Vice-Governador do Estado de São Paulo (2003-março/2006). Assessora Especial do Governador do Estado de São Paulo (2006). Consultora jurídica em São Paulo.

sumário 1. Poder e Responsabilidade. 2. Brasil. Um Estado Democrático de Direito. 3. Ficha Limpa. A Lei e seus impactos. 4. Reflexões Finais. 5. Notas. 6. Bibliografia

palavras-chave Princípios da Administração Pública; Moralidade Pública; Fenomenologia do poder; Corrupção, um complexo coletivo; Ranking da Corrupção; Improbidade administrativa; Direitos fundamentais; Ficha Limpa; O poder de controle dos Tribunais de Contas.

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INTRODUÇÃO

Parece lugar comum. Mas, como já ressaltado antes, o ser humano, por sua própria natureza, apresenta a sociabilidade como qualidade própria e peculiar. A vida em sociedade é indispensável para o seu progresso e ilusória se afigura a possibilidade do isolamento, como na fantástica e lendária ilha de Robinson Crusoé. A comunidade, no entanto, reclama decisões. Quem tem o direito de decidir e como constitui e constituiu, em todos os tempos, a questão a ser resolvida para, diante do poder, presente em qualquer organização social1, restar preservada a liberdade do ser humano, sua eterna expectativa. Recorrendo ao sentido de política já grifado nas lições de Platão, com a sua ideia de “polis”, HANNA

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ARENDT2 em célebre manifestação passa a acoplar aos homens a qualidade de “zoonpolitikon” – considerando o indivíduo um ser político por excelência. E, na verdade a presença do elemento político é detectada em todas as sociedades. O poder político, quer visto como magia, quer como fenômeno social, quer, ainda, como competência para a tomada de decisões e coordenação, é inerente às comunidades sociais. O poder político e a regulamentação, que deste emana, constituem fatores próprios dos agrupamentos humanos. Esta vontade dominante (o poder), investida de autoridade para dirigir as condutas sociais e coordenar os esforços individuais, é encontrada até mesmo nos modelos mais primitivos, nas sociedades pré-estatais: na horda, no clã (de caráter matriarcal), na tribo, fórmulas em que o poder é concentrado nas mãos do religioso, do


doutrina ¨ chefe guerreiro, do mago ou, ainda, no âmbito de um conselho de chefes de tribos ou clãs. Prevalece aqui a ideia do “Totem”3, como afirma DURKHEIM. Na trilha evolutiva da fenomenologia do poder, alcança-se o estágio das sociedades contemporâneas, juridicamente organizadas, em que o poder – exercido por intermédio de normas editadas e aplicadas de conformidade com procedimentos regulares, estáveis, previamente estabelecidos – é retirado das mãos do soberano individual, do rei, do monarca, que o concentrava por força da hereditariedade e passa a ser atribuído a um ente impessoal, distinto dos indivíduos que compõem a respectiva textura social: o Estado. A sociedade, porém, é constituída de homens e não de anjos, afirmava MADISON e, consequentemente, persiste no panorama que o século XXI descortina, de forma ainda mais robusta, a inquietação sobre a melhor forma de organização e de limitação do poder político e, daí, a incessante perquirição de receitas a preordenar sistemas políticos hábeis a garantir modelos governamentais que contem com mecanismos seguros de limitação e de controle do exercício do poder. Emerge e conquista espaço o constitucionalismo, um movimento que atravessa os três últimos séculos, firmando-se e encontrando consagração no século XX, concomitantemente à expansão da democracia. Isto porque, com a conotação clara de “movimento político e jurídico”, no dizer de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o constitucionalismo – explicita o mestre – direciona-se a “estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer governos moderados, limitados em seus poderes, submetidos a Constituições escritas”4 - ou seja, regimes democráticos. E, de fato, é a Constituição que – hoje – fixa o enquadramento do poder no âmbito do Estado, regulamentando suas quatro diferentes dimensões: a) o Direito ao Poder, compreendendo o direito de sufrágio; o direito de associação e reunião; o direito de livre expressão e manifestação do pensamento; b) o Direito do Poder, fixando a organização e a estrutura dos órgãos do Estado, inclusive o fenômeno partidário como canal de participação política e

comunicação da cidadania com o Poder; c) o Direito perante o Poder, estabelecendo um sistema de defesa dos direitos fundamentais, com as garantias e os instrumentos preconizados para a respectiva tutela; d) o Controle do Poder, indicando os mecanismos para a preservação da própria Constituição e dos direitos que ela alberga. Demais disso, avulta a ideia do Estado de Direito, exatamente nesta direção; uma doutrina político-constitucional engendrada a partir do princípio de que, para combater os riscos do arbítrio e dos abusos, impositivo se apresenta o balizamento da atuação do Estado. Subordinar a atividade estatal à ordem jurídica posta, condicioná-la à observância da Constituição, do quadro normativo infraconstitucional (da legalidade), do catálogo de direitos fundamentais – nas suas três dimensões5 – e do cânone do devido processo legal formam os pilares desta teoria que conquistou espaço privilegiado na maior parte dos ordenamentos jurídicos contemporâneos6. Este novo contexto de exercício do poder, em ambiente democrático, timbrado pela prevalência da Constituição e de seus fatores de limitação, coloca o analista, de imediato, diante do problema da responsabilidade pelo seu exercício. É que o princípio da irresponsabilidade do rei já não mais se aplica a este panorama preordenado pelos standards da democracia plasmada no constitucionalismo. O novo modelo repousa sobre a plataforma da representação política que impõe responsabilidade quanto às decisões. Sob o comando constitucional “Toda pessoa investida de um mandato eletivo, a lhe conferir a qualidade de órgão com poderes públicos é obrigada a prestar contas de seus atos e de assumir as consequências.”7 A responsabilidade do poder revela-se elemento estruturante dos governos constitucionais. Por outro turno, convém frisar que a própria representação política – a receita operatória das democracias – importa em responsabilidade dos representantes. Estes – representantes/governantes - devem responder por suas ações e políticas praticadas perante os representados/governados: o cidadão. No cenário democrático, constitucional, Dezembro de 2014

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aos governos impõe-se: (1) a produção responsável das decisões políticas; (2) condutas responsáveis. Para demonstrar esta relação de responsabilidade que se estabelece entre governantes e governados, Robert Dahl desenvolve a tese conhecida como responsiveness que se assenta exatamente na: (1) conformização da decisão política às expectativas da comunidade; (2) capacidade de resposta adequada, por parte do Poder político, às demandas dos cidadãos8. Nessa trilha, ainda, o desenvolvimento da teoria – também de origem americana – que subordina os governos à exigência de accountability, a envolver o dever de prestar contas à comunidade social quanto às políticas públicas produzidas e aplicadas. É verdade que a complexidade dos fenômenos sociais e políticos – um território em contínua mutação sob o impacto de transformações sociais, da trajetória evolutiva e fortalecimento dos partidos, do desenvolvimento, aperfeiçoamento técnico e robustecimento da máquina estatal, consolidando um quadro tecnocrata de crescente relevância e altamente influente – vem produzindo um inevitável desgaste e um agudo grau de senilidade ao modelo idealizado para a limitação do poder político. Daí oportuna nos parece a ideia de revisitar o espinhoso e sensível campo do DIREITO DO CIDADÃO AO BOM GOVERNO, um direito que, embora, hoje, já sob tutela constitucional, continua a demandar medidas, ações, que venham a lhe assegurar concretude e a implementação da sua eficácia.

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BRASIL. UM ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A busca da melhor das receitas para instalar e consolidar, entre nós, as práticas democráticas, o pluralismo, a ampla participação e, especialmente, o exercício limitado e controlado do poder político, foi indicador de preponderância no processo de confecção da Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, um documento a plasmar o Estado brasileiro no formato de estado democrático de direito (art. 1º- C.F.)9. E mais, perseguindo a ideia do bom governo, preconizou o constituinte todo um capítulo10 desti6

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nado ao enquadramento da atividade administrativa numa estrutura jurídica conformada por princípios e regras, prima facie intransponíveis. Nesta esteira o célebre preceito do art. 37, da Constituição Federal, que inaugura em plataforma constitucional tratamento específico de institutos de Direito Administrativo, impondo ao Estado e a todos os seus órgãos a observância da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, este último emergente da edição da E.C. nº 19/1998. Enfim, uma moldura perfeita para o padrão de Estado de Direito: o poder atuando sub lege, com barreiras previamente definidas, sob sofisticados e múltiplos sistemas de controle. E, de fato, marcam presença no tecido constitucional preceitos assegurando o controle político, atribuído ao Parlamento,11 o controle técnico modelado no padrão “tribunal de contas”12 e, ainda, o controle popular, conferido aos indivíduos mediante o direito de petição, dirigindo representações aos órgãos públicos13 e, em particular, o poder de controle atribuído ao cidadão por intermédio do potente instrumento que é a ação popular14. E ainda mais, introduziu-se a ação de improbidade administrativa com severas punições a atingir os administradores cuja atuação se afigurou lesiva à moral pública e aos standards da boa administração fixados no caput do já referido art. 3715, bem assim a ação de impugnação do mandato eletivo, por abuso do poder econômico, corrupção ou fraude (art. 14, §s 10 e 11 – C.F.). Transcorridos, contudo, mais de 25 anos da promulgação do empolgante documento constitucional brasileiro, superando esta até um terço de século, muito pouco se avançou quanto à exigência de bom governo. Marginalizado resta o direito do cidadão a uma atuação governamental modelada pela moral e preordenada à boa administração, como exigia o deão Maurice Hauriou. Forçoso reconhecer que, no que diz respeito ao exercício democrático, as instituições a assegurar o pluralismo e a participação no polo decisional mereceram melhor sorte. Nesse diapasão compete realçar os processos eleitorais e a representação política, a que estes servem de base operacional, que compareceram como práticas correntes e bem sucedidas ao longo


destes anos. O cânone do “free and fair elections” foi razoavelmente atendido. Aliás, referindo-se ao sucesso das instituições representativas, afirma Cláudio Lembo: “Apesar do mau agouro de alguns, a democracia tornou-se sólida e conseqüente,...”16. Porém, a insatisfação com a conduta dos políticos e dos administradores públicos – os detentores do poder – persiste e vem se exacerbando num ritmo quase desenfreado. Basta para tanto examinar uma das últimas pesquisas realizadas que descortina um alarmante quadro sobre o descrédito em relação aos representantes e à máquina governamental17:

Nota média atribuída à atuação dos deputados e senadores brasileiros (0-10) Em que medida os deputados e senadores brasileiros trabalham

Os Deputados e Senadores:

3,9 Muito: 02%; O suficiente: 10% Pouco: 84%; Não sabe: 04% Representam e defendem os interesses da sociedade: 03% Representam e defendem os interesses dos grupos políticos: 31% Representam e defendem os próprios interesses: 63%

O nome do Presidente da Câmara dos Deputados

Não sabe: 86%; Sabe: 14%

Lembra alguma medida de deputado ou senador que tenha sido relevante para a sua cidade

Sabe: 23%; Não conhece: 76%

Lembra de medida adotada por governador importante para a sua cidade

Sabe: 49%; Não conhece: 51%

A que animal associaria a imagem dos parlamentares

Cão de guarda: 14%; rato: 37% Coruja: 14%; abutre: 28%

Características que melhor definem os parlamentares brasileiros

Honestos: 8%; preguiçosos: 31% Dedicados: 04%; mentirosos: 49% Insensíveis quanto à população: 52% Trabalhadores: 07%; Desonestos: 55%; Oportunistas: 45%; sinceros: 05% Sensíveis aos interesses da população: 08%

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Esta apatia e incredulidade quanto à figura do homem público alarga-se, hoje, em razão de dois famosos e desgastantes episódios: o Mensalão18 e a Máfia dos Sanguessugas19. Ambos tiveram por cenário, principalmente, o Parlamento. O primeiro envolveu a denúncia de 19 parlamentares deputados e o segundo 72 deputados e 3 senadores. Ao todo 91 parlamentares investigados e 3 cassados. A esses deve ser acrescida a história da “dança da pizza” protagonizada pela ex-deputada Ângela Guadagnin (PT/SP) que debochou do público, introduzindo no plenário do Parlamento uma estranha e exótica dança a homenagear a impunidade, ferindo o decoro próprio de uma Casa de Leis. Perdeu o mandato e não foi reeleita. Alinhando-se a este quadro macabro, o fator “Mensalinho”, envolvendo o próprio Presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP/ PE), que cobrava propina do concessionário do restaurante que funcionava na sede do Congresso. Renunciou e se candidatou à reeleição. Não foi reconduzido. A recente história do nosso Parlamento sob a Constituição de 1988 não oferece, de fato, indicadores de vontade política de afastar os desmandos e assegurar uma atuação permeável à boa administração e moralidade pública. Contabilizando os casos desde 1991, os registros apontam apenas 24 congressistas cassados (22 deputados e 2 senadores) e 17 renúncias concretizadas com o evidente objetivo de evitar a cassação (14 deputados e 3 senadores)20. Demais disso se examinarmos os resultados das urnas no pleito de 2006, identifica-se, só em São Paulo, 19 (dezenove) deputados estaduais e federais respondendo a processos por improbidade e que, em princípio, podem vir a ter o seu mandato cassado. Participaram do pleito e sagraram-se vitoriosos nas urnas21. Enfim, em 2013 o Ministério Público federal deflagrou um verdadeiro mutirão contra a corrupção,envolvendo investigações em 14 (quatorze) Estados, 92 (noventa e duas) prisões, 291 (duzentos e noventa e um) investigados e verba pública sob apuração no valor de R$ 1.146 bilhões22. É que, essas espécies de nefastas histórias (unsavory tales) a habitar os palcos políticos não 8

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se limitam tão só a condutas adotadas no exercício do mandato parlamentar. Invadem os governos estaduais e municipais, afigurando-se significativo o número de prefeitos envolvidos em processos de improbidade e afastados de seus cargos. Oportuno frisar que o fenômeno dos “sanguessugas” envolveu também 60 prefeitos municipais23, beneficiados pelas benesses na distribuição de ambulâncias. Aliás, nas eleições municipais de 2012, cerca de 477 candidatos a prefeito de município foram questionados quanto à vida pregressa, sendo suas respectivas candidaturas impugnadas em razão de terem sofrido rejeição de contas24. E, nesta oportunidade, a primeira aplicação da Lei Ficha Limpa (Lei complementar nº 135/2010), que veda a postulação de cargos públicos com fundamento em questões de moral pública e probidade administrativa, só no Estado de São Paulo foram impugnados 281 pedidos de candidatura (a prefeito, vice e vereador). Esses desvios encontram, decerto, território fértil e extremamente favorável nos períodos pré-eleitorais e, neste momento, também, numerosos os casos de má conduta que vêm florescendo. Célebre a história do casal Capiberibe – ele o senador João Capiberibe e ela Janete, ambos acusados de compra de votos nas eleições de 200225. Mister ressaltar que, entre nós, as dificuldades detectadas para garantir a lisura e a moral como elementos vetores a comandar as condutas dos administradores públicos refletem notadamente uma deficitária aplicação do extenso arsenal de instrumentos que a Constituição – como acima verificado – preconizou para garantir ao cidadão um bom governo. Efeito desta frágil e tímida operabilidade que se oferece àqueles mecanismos, avulta o reforço que o Tribunal Superior Eleitoral pretende assegurar, por via de seus julgados e resoluções, aos fatores inibidores de candidatura. Nesta esteira, ilustrativa a Resolução que cuida da prestação de contas e que, por maioria de votos dos integrantes daquela Corte (4x3), acolheu entendimento da Ministra Nancy Andrighi determinando que a certidão de quitação eleitoral exigida para fins de candidatura só poderia ser expedida desde que cumprida a exigência da apresentação das contas e da aprovação das


mesmas, conferindo, pois, maior rigor ao requisito necessário para postular posto público. Mas, há que se lembrar, também, atual tendência do Supremo Tribunal Federal de excluir os agentes políticos, ou seja, os detentores de mandatos eletivos e seus auxiliares (ministros, secretários de Estado, adjuntos), da incidência da temida Lei de Improbidade administrativa (Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992). A se confirmar a perspectiva da isenção destes personagens quanto à aplicabilidade deste texto legal, de acentuada severidade, estará se decretando a impunidade dos atores da política, nulificando-se mais de 10.000 (dez mil) processos tramitando no complexo sistema do Poder Judiciário e atingindo autoridades e ex-autoridades.

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FICHA LIMPA. A LEI E SEUS IMPACTOS

Já foi exposto em outras ocasiões. Relevante, porem, anotar o fato de que a evolução do voto no Brasil identifica uma longa trilha de vicissitudes. A paisagem doméstica, inobstante os óbices a manifestação da vontade politica, pelo voto, descortina uma verdadeira vocação eleitoral, hoje quase parte da índole brasileira. O exercício do voto, notadamente em esfera local, era uma prática bastante difundida, ate mesmo no período da colonização, fenômeno que posiciona o sufrágio quase como um elemento inerente ao espírito brasileiro, formatado ao longo dos anos26. Como registrado em trabalhos anteriores, o voto incorporou-se às tradições brasileiras; isto independentemente do papel, da função ou da importância que lhe tenha sido conferida pela abundante legislação com que foi contemplado. Os processos eleitorais de 2010, 2012 e 2014 retratam de certa forma a emancipação do eleitor brasileiro que, a esse passo, pretende mais do que depositar o seu voto na urna; reclama por lisura, participa e sua presença é expressiva no momento eleitoral; debate pela internet e utiliza as redes de comunicação para apontar as virtudes e as deficiências das candidaturas propostas e dos resultados alcançados. Pode-se afirmar que o eleitor do século XXI já incorporou o papel de jogador com veto no mundo democrático.

Consciente da sua relevância na produção da decisão política, o eleitor exerce a cidadania por intermédio de todos os instrumentos que o novo constitucionalismo e a sofisticada tecnologia colocou a sua disposição. Ele comparece às urnas e vota; mas atua, ainda, por intermédio de mecanismos diferenciados: a ação popular, o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo, as ações civis públicas, as célebres Adi’s, enfim são todos mecanismos que autorizam a intervenção cidadã na implementação das decisões políticas fundamentais e, de outra parte, impulsionam e alimentam o avanço do fenômeno da politização da justiça ou judicialização da política. Considere-se, também, que a comunicação pela web derrubou fronteiras e hoje, com o auxílio da alta tecnologia, o eleitor constrói e desconstrói candidaturas. Chega a propor novas regras de condução dos pleitos, a exemplo da festejada e polemica lei que passou a ser conhecida como “ficha limpa” (Lei Complementar federal n 135, de 4 de junho de 2010) que exclui27 do processo eleitoral os candidatos que tenham sofrido condenação, por força de decisão de órgão colegiado, por corrupção eleitoral, abuso do poder econômico, compra de votos, etc. Referido diploma iniciou seus trâmites legislativos a partir de iniciativa popular, com a coleta de assinaturas via internet.28 Isto apos o insucesso da ADPF 144, em 2008. A partir deste momento foi produzido intenso movimento popular, tendo por palco a internet, provocando o Congresso, instando-o à feitura de uma lei. Esta, finalmente editada em junho de 2010, ano eleitoral, não mereceu aplicação advindo, de imediato, um impedimento constitucional: a vedação presente no art. 16 da Constituição Federal que impõe a anterioridade e anualidade a serem observados pelo legislador quanto à edição de normas incidentes sobre o processo eleitoral. A sua aplicação às eleições de 2010 não foi autorizada por decisão do STF de 23 de março de 2011, por não atender ao princípio do art. 16 da Constituição Federal. Mas imperou, de forma até intimidativa, dominando o cenário eleitoral municipalista de 2012, ocasionando reflexos ate hoje presentes em diversos municípios que embora tenham realizado Dezembro de 2014

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eleições, adentrando o ano de 2014 ainda se encontram acéfalos29. Sem o alcaide eleito. E mais, o complexo e controvertido campo de incidência deste texto acabou extraindo do cenário eleitoral de 2014 relevantes figuras que habitavam tradicionalmente a esfera político-eleitoral, a exemplo dos casos Arruda em Brasília, Paulo Maluf de São Paulo, Cezar Maia, candidato a Senador por Rio de Janeiro, José Riva, candidato a Governador em Mato Grosso e Neudo Campos, pretendendo o posto de Governador de Roraima. O universo de candidatos afastados das urnas atingiu significativo número, como significativa foi a quantidade de impugnações com fundamento na indigitada Lei Ficha Limpa (cerca de 1500 só em São Paulo). De amplo êxito pois a lei que concorreu para desembaraçar a cidadania de candidaturas que – de alguma forma – trazem uma carga de desmandos, usurpação de bens e de dinheiro publico, utilização inadequada do patrimônio publico, condutas poluentes do ambiente eleitoral. A rigidez e a drasticidade da Lei federal complementar n. 135/2010 e, por que não aduzir, a curiosidade dos pesquisadores quanto aos reflexos que a norma produziria em espaço político eleitoral, foram elementos condutores da criação de um Grupo de Pesquisa, composto por magistrados do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e de professores e alunos do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, registrado junto ao CNPq, dedicado a perquirir e mapear (1) o número de candidaturas impugnadas com fundamento no rigor desse diploma legal; (2) os mecanismos judiciais e o momento utilizados para obstar o prosseguimento da postulação de candidato e/ou a posse no cargo eletivo; (3) os fundamentos legais (todos constantes da lei ficha limpa) que compareceram de forma mais frequente como impedimento para a sequência do percurso da candidatura até o atingimento do posto politico-eletivo. E, o resultado advindo foi publicado na obra FICHA LIMPA. Impacto nos Tribunais: tensões e confrontos30, que desvenda para o analista a relevância do sistema de controle externo da atividade administrativa a cargo dos Tribunais de Contas. 10

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REFLEXÕES FINAIS

4.1. Os apontamentos lançados posicionam o analista diante de um quadro patológico que fulmina a plataforma do exercício do poder político, impedindo o regular e almejado funcionamento das instituições e dos instrumentos de limitação e de controle que lhe são próprios. Abarca uma fenomenologia específica – impregnada de desvios – que obsta o exercício eficaz dos direitos do cidadão e dos indivíduos que compõem a sociedade e o atendimento da exigência de um governo decente, vocacionado ao atingimento dos fins comuns da associação humana que forma o Estado. Não deprimem, no entanto, por completo, as instituições alicerçadas na Constituição de 1988. Estas vêm respondendo adequadamente às vicissitudes detectadas na evolução de sua trajetória de 26 anos, a exemplo do se demonstrou ao longo da aplicação da Lei Ficha Limpa realçando o poder dos Tribunais de Contas na prática do controle e como mecanismo a garantir a lisura no exercício do poder político. 4.2. O cidadão-eleitor, a seu turno, tem demonstrando confiança e batalha pela perspectiva de sua preservação. Evidência dessa realidade, a cidadania chega a propor novas regras de condução dos pleitos, a exemplo da festejada lei que passou a ser conhecida como “ficha limpa” (Lei Complementar federal n 135, de 4 de junho de 2010)31 que criou uma barreira à elegibilidade ou em razão de ter sofrido condenação, por força de decisão de órgão colegiado, ou por corrupção eleitoral, ou ainda por abuso do poder econômico, compra de votos, etc. Deve ser lembrado que referido texto iniciou seus trâmites legislativos a partir de iniciativa popular, com a coleta de assinaturas via internet.32 4.3. Há um trabalho excêntrico – porém excelente – a identificar a corrupção como um complexo coletivo da sociedade brasileira e isto no âmbito de um exercício de aplicação da teoria de Jung às sociedades. A ideia da “lei de Gerson” – levar vantagem – ou a vontade de demonstrar esper-


teza conduziriam o brasileiro a se inserir no mundo da corrupção, quer ativa quer passivamente. Esta é a opinião de Denise G. Ramos em trabalho apresentado sob o título “Corruption. Symptonof a cultural complex in Brasil?”33, onde cuida de desvendar os sintomas e a psicopatologia na vida dos indivíduos e do grupo social brasileiro. 4.4. Pois bem, verdade é que o Brasil tem comparecido na listagem da corrupção produzida por iniciativa da Universidade de Göttingen e que foi adotada pela Transparência Internacional(TI), uma ONG com sede em Berlim, que tem por meta a erradicação do fenômeno no mundo. O conhecido Índice de Percepções da Corrupção(IPCorr), é elaborado e publicado periodicamente em forma de ranking dos países em matéria de corrupção pela revista The Economist. Na sua edição de 30 de junho a 6 de julho/2001, o Brasil comparece ocupando a 46a posição, seguido de perto pela Argentina, Rússia, Venezuela , Indonésia, Nigéria e Bangladesh. A situação não mudou muito até este momento. A publicação de 1º de fevereiro de 2003 o posiciona no 45ª lugar e a listagem de 23 de outubro de 2004, sob o impacto dos escândalos parlamentares o rebaixa para a 59ª posição no referido ranking, ainda contando com outros países em pior situação, a exemplo da Argentina e Paquistão. Em 2006, o Brasil cai mais um pouco ocupando o 70º lugar que já pertenceu à Argentina em 2003. E, depois de subir para 69ª posição em 2010, retoma a queda e passa a ocupar o 71º espaço no ranking de 201134 e 72º em 201335. Garantir ao cidadão um bom governo corresponde, dúvida não há, a uma árdua tarefa que importa, inclusive, o saneamento dos segmentos atingidos por fenômenos patológicos. Tão só o exercício cotidiano dos direitos estampados na Constituição, a insistência na prática regular de cada um deles e o esforço conjunto em prol do fortalecimento das instituições é que, verdadeiramente, num clima democrático, permitirá alcançar um status de plena satisfação do cidadão – do cidadão-eleitor, do cidadão-contribuinte – com o seu governo.

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NOTAS 1

Neste sentido, ver o magistério de AGESTA, Luis Sanches, Encontramos organizações de poder e fenômenos de poder em todos os países e em todos os tempos. A história e a antropologia constatam este fato. Da mesma maneira, em uma tribo africana e na história do povo de Israel ou em Atenas e Esparta ou no feudalismo medieval, tratamos sempre de fenômenos do poder organizado. Esta universalidade dos fenômenos do poder e da organização do poder parece comprovar o fato de que estes correspondem a uma exigência da natureza humana e por isto os denominamos de fato natural (hecho natural). SANCHES AGESTA, Luis. Princípios de teoria política. 7. ed. Madrid: Ed. Nacional, 1983. p. 72. 2

ARENDT, Hannah. Los origines del totalitarismo. Madrid: Taurus Ediciones, 1974. 3

Tótem: Em diversos povos e sociedades, animal, vegetal ou qualquer entidade ou objeto em relação ao qual um grupo ou subgrupo social (p. ex., uma tribo ou um clã) se coloca numa relação simbólica especial, que envolve crenças e práticas específicas, variáveis conforme a sociedade ou cultura considerada. 4 FERREIRA

FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. 5

Sobre a relação entre o modelo do Estado de Direito e os direitos fundamentais, nas suas diferentes dimensões, ver LEMBO, Cláudio. A pessoa: seus direitos. Barueri-SP: Manole, 2006. 6 Não assume a primazia, no entanto, de ser a primeira das fórmulas

de limitação do poder político. Encontra antecedentes e precedentes na tradicional e histórica receita britânica do “ruleoflaw”, na sua antecessora “lawoftheland” e na proposta francesa, desenhada no célebre Espírito das Leis – a hoje clássica separação de poderes. 7 AVRIL,

Pierre. Pouvoir et responsabilité. In: LE POUVOIR: mélanges offerts à Georges Burdeau. Paris: LGDJ, 1977. p. 23. 8 DAHL,

Robert Alan. Polyarchy: participation and opposition. 4. ed. London: Yale University Press, 1973. 1973. 9É

verdade que o autor do modelo, sob a influência da teoria defendida pelo espanhol Elias Dias, pretendia conferir à expressão “estado democrático de direito” a idéia de um Estado em evolução para o socialismo pleno; um Estado em transição para alcançar o estágio do socialismo no seu mais elevado nível. No Brasil, contudo, os ares tropicais desvirtuaram o modelo idealizado no papel. E, hoje, a expressão deve ser entendida e interpretada na sua literalidade: um estado que adota a democracia como regime jurídico e o Estado de Direito como instrumento de limitação do poder político. 10 Trata-se

do Capítulo VII (Da Administração Pública), do Título III, (Da Organização do Estado) - Constituição Federal. 11

Art. 49, incisos IX e X – Constituição Federal.

12 Arts.

70-75 da Constituição Federal.

13 Art.

37, § 3º e art.74, § 2º - Constituição Federal.

14 Art.

5º, inciso LXXIII – Constituição Federal.

15 Art.

37, § 4º - Constituição Federal e Lei n. 8.429, de 02.06.1992. Dezembro de 2014

11


16

LEMBO, Cláudio. Vinte anos de democracia. In: ______. Eles temem a liberdade, Barueri-SP: Manole; CEPES, 2006. p. 47. (Série Culturalismo). 17 Pesquisa

Ibope Opinião, a pedido da revista Veja, São Paulo, ed. 31 jan. 2007. p. 48 e ss. 18

Saldo apurado no episódio conhecido como o do mensalão: 19 deputados denunciados; 3 cassados, 12 absolvidos, 4 renúncias. Foi objeto da Ação Penal 470, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, tendo por resultado a condenação de políticos de relevante posição no cenário político-partidário. 19 Máfia

dos Sanguessugas: resultados - 4 recomendações de cassação; 11 absolvidos; 2 renúncias; 55 processos arquivados. 20 Fonte:

O Estado de S. Paulo, São Paulo, 22 dez. 2006. p. A4.

21 Ver

notícia publicada no jornal O Estado de S. Paulo, São Paulo, 04 jan. 2007. p. A10. 22 O

Estado de S. Paulo, edição de 10.04.2013, p. A4.

23

Ver listagem publicada na revista Veja, São Paulo, ed. 26 jul. 2006. p. 62.. 24 Desse total 96 políticos apresentavam contas anteriores rejeitadas

pelos Tribunais de Contas e pelos Legislativos e 159 somente pelos Tribunais de Contas. Cf. levantamento realizado pela equipe do site www.uol. com.br, edição de 07 de outubro de 2012, 04:15 hs. 25

Jornal O Globo, Rio de Janeiro, ed. 28 abr. 2004 – matéria de Carolina Brigido. 26

Ver neste sentido, o nosso: O cidadão eleitor: o voto e o papel que desempenha no quadro brasileiro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo: estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. 27

Por decisão do STF, de 23 de março de 2011 – 5 votos a 6 – a denominada lei “ficha limpa” não foi aplicada às eleições gerais 2010, em razão do dispositivo constitucional que exige a edição da lei eleitoral um ano antes do pleito para que possa incidir sobre esta consulta eletiva. Teve aplicação – bastante debatida - no âmbito das eleições municipais de 2012. 28 Na

realidade, aludida Lei “ficha limpa” teve início com uma ação (ADPF 144),proposta pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) solicitando que os juízes eleitorais examinassem a vida pregressa dos candidatos para fins de acolher ou não o pedido de registro da candidatura. A questão que se colocava: Quem responde a processo na Justiça deveria ser impedido de concorrer a cargo eletivo? A ação foi julgada improcedente com pronunciamentos relevantes por parte dos Ministros Gilmar Mendes: - “embora a maior parte da opinião pública esperasse do Supremo a decisão de dar aos juízes eleitorais a possibilidade de rejeitar candidaturas de réus em ações penais e processos de improbidade administrativa, a Corte não deve julgar o assunto gerando injustiças”. E afirmou mais: “Cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua”. Cesar Peluso que, a seu turno votou pela improcedência da ação, enfatizou a dignidade humana, assinalando que “a pecha de cri12

Revista Brasileira de Contas Públicas

minalidade é a mácula mais grave que se pode imputar a uma pessoa”. Não obstante o insucesso da ação em 2008, fato é que a partir deste momento foi produzido intenso movimento popular, via internet, provocando o Congresso e instando a feitura de uma lei. Esta foi finalmente editada em junho de 2010, ano eleitoral, criando um impedimento constitucional a sua aplicação: a vedação presente no art. 16 da Constituição Federal que impõe a anterioridade e anualidade a serem observados pelo legislador quanto à edição de normas incidentes sobre o processo eleitoral. A sua aplicação às eleições de 2010 não foi autorizada por decisão do STF de 23 de março de 2011, por não atender ao princípio do art. 16 da Constituição Federal. 29 Ao todo 107 prefeitos sofreram afastamento, por motivo de cassa-

ção dos mandatos com base na denominada Lei “ficha limpa” (cf. dados oferecidos pelo Relator do projeto e hoje ex-parlamentar).Neste escaninho de se recordar o episodio envolvendo o Município de Santana de Parnaíba, S.P., onde o prefeito eleito no pleito de 2012 teve o mandato cassado seis meses apos a posse. Isto em razão de ter tido a candidatura impugnada com base na aludida Lei Ficha Limpa, sendo a decisão final proferida pelo TSE apenas em 2013, quando já exercia o posto de Prefeito da Cidade. Enfim, a votação que contemplou o candidato vencedor foi anulada e anulado foi o pleito por inteiro. Em 1o de dezembro de 2013, os paraibanos voltaram as urnas. E mais uma vez, o candidato vencedor sofreu impugnação, novamente sob o fundamento da incidência nas vedações da referida norma. Por mais uma vez, o prefeito eleito foi afastado. De se remarcar outrossim que a situação não se oferece como singular ao município de Santana de Parnaíba. Em verdade, 65 (sessenta e cinco) cidades de 19(dezenove) Estados brasileiros tiveram que organizar e efetuar novas consultas eleitorais para a designação de prefeitos em razão de terem anuladas as eleições de 2012. (Fonte: TSE) 30

CAGGIANO, Monica Herman (Coord.). Ficha limpa. Impacto nos Tribunais: tensões e confrontos. São Paulo: Thompson Reuters; Ed. Revista dos Tribunais, 2014. 31

Por decisão do STF, de 23 de março de 2011 – 5 votos a 6 – a denominada lei “ficha limpa” não foi aplicada às eleições gerais 2010, em razão do dispositivo constitucional que exige a edição da lei eleitoral um ano antes do pleito para que possa incidir sobre esta consulta eletiva. 32

Na realidade, aludida Lei “ficha limpa” teve início com uma ação (ADPF 144), proposta pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) solicitando que os juízes eleitorais examinassem a vida pregressa dos candidatos para fins de acolher ou não o pedido de registro da candidatura. A questão que se colocava: Quem responde a processo na Justiça deveria ser impedido de concorrer a cargo eletivo? A ação foi julgada improcedente com pronunciamentos relevantes por parte dos Ministros Gilmar Mendes: - “embora a maior parte da opinião pública esperasse do Supremo a decisão de dar aos juízes eleitorais a possibilidade de rejeitar candidaturas de réus em ações penais e processos de improbidade administrativa, a Corte não deve julgar o assunto gerando injustiças”. E afirmou mais: “Cada vez mais nós sabemos que o Direito deve ser achado na lei e não na rua”. Cesar Peluso que, a seu turno votou pela improcedência da ação, enfatizou a dignidade humana, assinalando que “a pecha de criminalidade é a mácula mais grave que se pode imputar a uma pessoa”. Não obstante o insucesso da ação em 2008, fato é que a partir deste mo-


mento foi produzido intenso movimento popular, via internet, provocando o Congresso e instando a feitura de uma lei. Esta foi finalmente editada em junho de 2010, ano eleitoral, criando um impedimento constitucional a sua aplicação: a vedação presente no art. 16 da Constituição Federal que impõe a anterioridade e anualidade a serem observados pelo legislador quanto à edição de normas incidentes sobre o processo eleitoral. A sua aplicação às eleições de 2010 não foi autorizada por decisão do STF de 23 de março de 2011, por não atender ao princípio do art. 16 da Constituição Federal. 33 RAMOS,

D.G.; SINGER, T.; KIMBLES, S. Corruption a sympton of a cultural comples in Brazil. In: SINGER, Tom; KIMBLES, Samuel L. (Ed.). The cultural complex: contemporary jungian perspectives on psyche and society. London: Cultural Complexes; Routledge, 2004.. 34 TRANSPARENCY

International. Disponível em: <www.transparency.org>. Acesso em: 21 nov. 2012. 35

TRANSPARENCY International. Disponível em: <www.transparency.org>. Acesso em: 16 nov. 2014.

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BIBLIOGRAFIA

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Dezembro de 2014

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O ENSINO DO DIREITO CONTÁBIL Valmir Leôncio da Silva

Contador e Advogado, com mestrado em Administração, especialização em Contabilidade Pública e Aperfeiçoamento em Administração Pública. Agente de Fiscalização (Auditor), concursado, do Tribunal de Contas do Município de São Paulo TCMSP desde 1996.Conselheiro eleito do CRCSP e Coordenador da Comissão da área pública. Foi chefe e diretor do departamento de auditoria do TCMSP e Coordenador Técnico da Escola de Contas do Tribunal. É Professor da Escola de Contas do Tribunal e ministra vários cursos e palestras sobre a área pública. Professor do curso de a Pós-graduação em Administração Pública da FIPECAFI/ USP- Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da Universidade de São Paulo. Autor do livro, A Nova Contabilidade Pública ao Aplicada ao Setor Público, editora Atlas, 2012, 2ª edição. Coautor dos seguintes livros:- Administração Gerencial - Uma Revolução na área Pública. São Paulo: Ripress, 2010.- Lei de Responsabilidade Fiscal para os Municípios – Uma Abordagem Prática. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.Guia Municipal de Administração Pública. São Paulo: NDJ, 2006.- Lei de Responsabilidade Fiscal: abordagem Prática para os municípios. São Paulo: Scortecci, 2002.

sumário Resumo. 1. Introdução. 2. Origem da contabilidade. 3. Introdução a questão. 4. A importância do estudo. 5. A controvérsia. 6. Conclusão. 7. Notas. 8. Bibliografia.

palavras-chave Contabilidade. Administração Pública. Direito Contábil. Finanças Públicas.

resumo

E

ste estudo tem por objetivo analisar a interferência do direito na contabilidade mostrando a necessidade de criação de uma nova disciplina para ser ministradas na universidades. Essa disciplina é de tal importância que deverá ter lugar tanto no

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currículo do profissional do Direito como no da Contabilidade e deve ser dirigida a todos os estudantes desses cursos, que devem conhecer melhor o funcionamento da administração pública e principalmente a quem pretende seguir uma carreira pública.


doutrina ¨ 1

INTRODUÇÃO

A interferência do Direito nas Ciências Contábeis faz nascer um novo ramo do direito que é o próprio Direito Contábil, onde o profissional da contabilidade tem que obedecer a legislação vigente, as leis voltadas a área pública e a leis fiscais e tributárias, a avaliação dos estoques públicos, a exigência de se dispor de uma escrita fisco-contábil regular, a provisão para débitos duvidosos, a depreciação e amortização dos bens, o superávit contábil. Interessante que todas essas são situações em que o direito interfere noutra ciência autônoma que é a Contabilidade, desprezando ou impondo regras aos princípios consagrados daquela. As universidades carecem dessa nova disciplina e de profissionais habilitados para lecionar nos cursos de Contabilidade e também de Direito, tão importante matéria que deve ter lugar no currículo do profissional dessas carreiras para conhecerem melhor o funcionamento da administração pública e principalmente a quem pretende seguir uma carreira pública. Quanto entramos na questão da área pública temos um diferença maior ainda, pois o ensino das Finanças Públicas no Brasil, normalmente é limitado às questões orçamentárias e fiscais. Nos cursos de Ciências Contábeis, em que se poderia ter um aprofundamento maior na parte contábil, ficamos apenas na parte introdutória, além da carga horária insuficiente para um maior aprofundamento, temos carência de profissionais habilitados para ministrarem cursos na área pública, devido a falta de incentivo para dedicação exclusiva nessa área. Dessa forma, fica a Contabilidade Aplicada ao Setor Público ou Contabilidade Governamental, como alguns preferem chamar, limitada a um breve resumo de contas e de lançamentos, com o objetivo final de, apenas, por força de lei, apresentar ao cidadão a prestação de contas dos governantes, por força de dispositivos legais e constitucionais. Com a entrada em vigor da Lei de responsabilidade fiscal, LC nº 101/00, em 2000, e as novas normas de contabilidade aplicada ao setor público, em 2008, os administradores públicos estão se vendo obrigados a administrar profissionalmente, o dinheiro público, sob pena de severa punição. A população

sabe disso ? Os Contadores, ou como prefiro chamar, Cientistas da Contabilidade, têm que se expor se sujeitando a maiores riscos sem medo de errar, precisamos conhecer, o funcionamento da Administração Pública, discutir e participar ativamente da elaboração dos instrumentos de planejamento público e, principalmente, de sua execução, incluindo todos os aspectos orçamentários e financeiros que envolvem a aquisição ou prestação de serviços, orientação aos gestores públicos sobre a legislação vigente e das boas praticas a serem utilizadas na administração pública. Quando falamos de administração pública não podemos nos esquecer que ela abrange um universo, bem maior que a contabilidade, como podemos citar o planejamento público, execução orçamentária, que envolve, licitação, aquisição de bens e serviços e contratos, além da prestação de contas da administração, por meio dos demonstrativos contábeis Dessa forma, os Tribunais de Contas e os órgãos de controle interno de cada poder e órgão poderão ter a ajuda de profissionais melhores preparados para verificar a prestação de contas dos órgãos públicos e assim propiciar a sociedade de forma simples e clara, a transparência dos atos da administração pública. Mas, se quisermos ter uma sociedade cada vez mais critica temos que começar a ensinar noções gerais sobre administração pública desde os primeiros anos de estudo de uma criança, pois só assim formaríamos cidadãos capazes de entender, analisar, criticar e de sugerir novas formas de melhor administrar os recursos públicos.

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ORIGEM DA CONTABILIDADE

Contabilidade aplicada ao setor Público é a ciência que, estuda, orienta, controla e demonstra a programação orçamentária e a sua execução, a movimentação patrimonial e a formação do resultado que integram o conteúdo para a tomada de contas dos responsáveis por bens e valores públicos (Cruz,1988). Ela evidencia perante a Fazenda Pública a situação de todos, quantos, de qualquer modo, arreDezembro de 2014

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cadem receitas, efetivem despesas, administrem ou guardem bens a ela pertencentes ou confiados (Art. 83, Lei 4320/64). Ela teve sua origem, no Brasil, a partir de sua dominação pelos portugueses com o Conselho Ultramarino e com o Conselho da Fazenda. Em Minas Gerais, já em meados do século XVI (quando o ciclo do ouro vivia seu apogeu) praticavam-se escriturações contábeis do melhor nível, inclusive adotando métodos que na Europa só posteriormente seria objeto de publicações. Porém, de forma ordenada, foi a partir de 28 de junho de 1808 (XIX) que tivemos um alvará determinante dos controles da coisa pública. Esse alvará estabeleceu as normas contábeis aplicando inclusive o método das partidas dobradas para controlar as operações realizadas. Foi D. Fernando José de Portugal que encaminhou para aprovação de D. João VI este documento histórico que entre dizeres, incluía: “Para que o método de escrituração e fórmulas de contabilidade da minha Real fazenda não fique arbitrário, e sujeito à maneira de pensar de cada um dos contadores gerais, que sou servido a criar para o referido Erário: Ordeno que a escrituração seja a mercantil por partidas dobradas, por ser a única seguida pelas nações mais civilizadas, assim pela sua brevidade para o manejo de grandes somas como, por ser a mais clara, e a que menos lugar dá erros e subterfúgios, onde se esconde a malícia e a fraude dos prevaricadores.” Com a crise do café surgiu a necessidade de reorganização da contabilidade. Em 1905, no Estado de São Paulo, Carlos de Carvalho realizou a reforma do sistema contábil do Tesouro. Esse trabalho teve boa aceitação e foi, posteriormente, imitado por outros Estados Brasileiros. Com a necessidade de captação de recursos externos, no ano de 1914, surge o balanço de ativo e passivo da União e a organização do Tesouro. Contudo, somente em 1922, pelo Decreto 4.536, foi que se criou a Contadoria Central da Republica. Naquele ano surgiu também o Regulamento Geral da Contabilidade Aplicada ao Setor Público, ainda hoje vigente. A União, os Estados e os Municípios tiveram, através da Lei 4.320/64, padronização na contabili16

Revista Brasileira de Contas Públicas

zação das operações e a normatização precisa da dinâmica patrimonial pública. Em 1967, com o Decreto-Lei 200/67, a União passa a intervir acentuadamente na economia brasileira e suas atividades são gradativamente diversificadas. Rapidamente, Estados e Municípios a imitam. É extinta a Contadoria Geral da República e em seu lugar surge a Inspetoria Geral de Finanças. Como se vê, a Contabilidade Aplicada ao Setor Público, hoje mais apropriadamente chamada de Contabilidade Governamental, teve sua origem na Contabilidade Comercial , ou seja, o ramo da contabilidade aplicado às empresas. Entretanto, como os objetivos da Contabilidade Governamental e da Contabilidade Empresarial são evidentemente distintos, os procedimentos e principalmente os resultados obtidos foram se distanciando. Enquanto a Contabilidade Empresarial se esmera na apuração do resultado (lucro/prejuízo), a Contabilidade Governamental procura estudar a atividade financeira do Estado, compreendendo o estudo da receita, da despesa, do orçamento e do crédito público, e ainda executa a análise do fluxo financeiro dos recursos indispensáveis à satisfação das necessidades e ao desenvolvimento do Estado. A diferença fundamental básica está no fato de que a Contabilidade Governamental é dotada de um sistema de acompanhamento da execução orçamentária nela integrado. Nenhuma diferença existe entre esses ramos da Contabilidade em termos de instrumental utilizado para processamento dos registros e obtenção de dados. Entretanto, uma das funções básicas da Ciência Contábil, que é gerar informações capazes de propiciar aos seus usuários base segura às suas decisões, não foi valorizada pela administração pública até muito recentemente. Observa-se, contudo, ultimamente, a busca de uma proximidade maior entre os objetivos da Contabilidade Empresarial, com uma maior valorização da informação contábil por parte do setor público como auxílio ao processo decisório. Contabilidade é um instrumento que pode proporcionar à administração as informações e controles necessários à melhor condução dos negócios públicos. Isto quer dizer que a Contabilidade Go-


vernamental deve abastecer de informações todo o processo de planejamento e orçamentação e, em especial, as etapas que compõem o ciclo orçamentário, quais sejam: a elaboração, estudo e aprovação, execução, controle e avaliação dos resultados auferidos pela gestão realizada. Mas não é tudo. A Contabilidade Governamental deve ser, ainda, um instrumento de registro, controle, análise e interpretação de todos os atos e fatos administrativos contribuindo para uma administração eficaz nos diversos níveis de governo”.1 Como vimos toda a evolução da Ciências Contábeis vem agregada a mudanças de comportamento da sociedade, haja vista que é o tipo das ciências que estuda o comportamento humano e se modifica de acordo com a sociedade, como é o caso das Ciências Jurídicas, pois todas objetivam da mesma forma o estudo do comportamento humano, senão vejamos: Como podemos perceber a contabilidade é uma ciência social, pois estuda o comportamento das riquezas que se integram no patrimônio, em face das ações humanas (portanto, a Contabilidade ocupa-se de fatos humanos). Ainda que a Contabilidade se utilize de métodos quantitativos, não podemos confundi-la com as ciências matemáticas (ou exatas), que têm por objeto as quantidades consideradas abstratas que independem das ações humanas. Na Contabilidade, as quantidades são simples medidas dos fatos que ocorreram em razão da ação do homem. Com relação ao Direito, por muito tempo o termo “ciência do direito” foi conhecido como Jurisprudência, e em Roma obteve seu auge como ciência. Os jurisconsultos romanos alçaram a ciência do direito em cima do preceito: “divinarum et humanarum rerum notitia, justi, justi atque injust scientia”. Que em português entendemos como o conhecimento das coisas divinas e humanas e a ciência do justo e do injusto. Em outras palavras, a ciência do direito é aquela empregada para compor, conciliar e dirimir querelas, que em virtude da convivência humana, se tornam impossíveis de não ocorrerem. A ciência jurídica como ciência social é aquela baseada na função precípua de doar condições de decisão dos conflitos humanos. Neste mister, é bem

verdade que a ciência do direito não tem como objetivo único, o de conhecer a matéria de litígio e tão somente impor a decisão. Não, ela não atua só nesta etapa, mas também permitindo às partes que saiam daquele conflito com experiências e sentimentos de justiça. Com isso, a ciência jurídica empresta à sociedade um meio de convivência pacífica e tranquila. Desta forma, não resta dúvidas de que a ciência do direito reside dentro do seio das ciências ditas sociais. Portanto, um ponto importante a destacar é a interferência das ciências jurídicas nas ciências contábeis, que muitas vezes se confundem, fazendo dessa forma nascer um novo ramo do direito que é o próprio Direito Contábil. É necessário que o estudo dessa nova matéria seja difundida em todas as universidades que ensinam direito. Pois apenas dessa maneira ter um completo “panorama da administração pública” junto com o ensino da contabilidade.

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INTRODUÇÃO À QUESTÃO

Iniciamos nosso tema tratando do campo de estudo da Contabilidade Aplicada ao Setor Público, ramo da contabilidade que se dedica ao estudo do patrimônio dos entes públicos, entendidos como aqueles que são regidos pelo direito público interno. A Contabilidade Aplicada ao Setor Público, também chamada de contabilidade governamental, não deve ser confundida com a contabilidade nacional, pois esta é uma disciplina da economia, cujo objeto são as chamadas contas nacionais, como por exemplo, o produto interno bruto (PIB), cuja metodologia desenvolvida pela Organização das Nações Unidas-ONU faz uso do universal método das partidas dobradas. No Brasil, a contabilidade pública advém diretamente da legislação. O principal dispositivo legal é a Lei 4.320/64, embora na sua maior parte ela traga regulamentação orçamentária e financeira e não patrimonial ou contábil. E está intimamente ligada com a gestão de recursos públicos. Área essa que ganhou maior visibilidade com a LC nº 101/00, a chamada Lei de Dezembro de 2014

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Responsabilidade Fiscal. De acordo com J. Teixeira Machado Jr. & Heraldo da Costa Reis em A lei 4.320 comentada”, 34ª edição, IBAM, 2012, pág. 162, “pode-se afirmar que a Contabilidade é estritamente patrimonial, o mais são especializações mediante agrupamentos ou segregações de contas com a finalidade de gerar informações das mais variadas naturezas que lhe permitam o conhecimento de operações extraordinárias não monetárias, com repercussões diretas no patrimônio, como consequência de atos praticados pelos gestores.” Desse modo, para o processamento de informações para controle e avaliação de desempenho a Contabilidade Pública, tradicionalmente, desmembra-se nos seguintes subsistemas: Contabilidade Orçamentária; Contabilidade Financeira; Contabilidade Patrimonial; e Contabilidade Gerencial. A Contabilidade como ciência e como técnica vem evoluindo e se aprimorando ao longo dos tempos fazendo incorporações e delimitando o seu campo de atuação, seguindo princípios para fazer face à evolução da sociedade e, por conseguinte, às inovações tecnológicas e interação nos diversos campos de atuação. Na história de sua evolução, verificamos que ela não foge à regra que é o conhecimento. Bem verdade é que, desde que foi apresentada a teoria sobre a origem das espécies, as discussões a respeito da origem do conhecimento se adequaram, até porque precisamos conhecer a natureza de algo quando procuramos conhecer a origem de qualquer coisa, onde e como surgiu, para que não venhamos a confundir, já nos seus primórdios, com outra que com ela tenha semelhança ou qualquer tipo de afinidade. Em seu trabalho intitulado Gênese do Conhecimento Contábil, o saudoso contador Prof. Lopes de Sá assim se expressa: “o conhecimento da contabilidade como dos demais ramos do saber humano, depende, substancialmente, do entendimento das razões essenciais que envolve o mesmo” Então podemos induzir que a questão referencial do “Direito Contábil, um enfoque na interação Contabilidade e Direito na Administração, mais se 18

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adequa com as expressões de Nietzsche, inserido em Haroche2: “Para poder assim dispor do futuro, quando não teve o homem de aprender a separar o necessário do acidental, a penetrar a causalidade, a saber dispor seus cálculos com certeza, e até que ponto não teve o homem de começar, ele próprio, a tornar-se “apreciável”, “regular”, tanto para os outros como para si mesmo e suas próprias representações, para poder enfim responder por sua pessoa enquanto futuro, assim como faz aquele que se liga por uma promessa.” Essa posição de Nietzsche tem relevância pela esparsidade documental que envolve o Direito Contábil e torna-se notório um aproveitamento através de intenso levantamento dos dados conhecidos e por pesquisas não só bibliográficas, mas também trabalhos de campo, para que se possa, enfim, definir o perfil que abrange o Direito Contábil e, consequentemente, expô-lo ao crivo dos órgãos científicos dos segmentos envolvidos.

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A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO

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A CONTROVÉRSIA

O Direito Contábil surge como um instrumento para adequar as mais diversas situações num processo administrativo. No dizer do prof. Lopes de Sá3 “Direito Contábil é a expressão adotada para representar a influência das leis jurídicas nos registros contábeis ou nos fatos patrimoniais.” Por sua vez, a integração da Contabilidade e direito torna-se um fato reconhecido pelos segmentos profissionais, visto que resultados pela falta de interação são conhecidos, pois contadores, sem uma adequação e conhecimento mínimo jurídico, não identificam situações que, embora sejam essencialmente da área contábil, necessitam da contribuição jurídica. Por outro lado, a falta de conhecimentos elementares de questões contábeis tem gerado situações constrangedoras por parte dos juristas.

Uma das inúmeras injustiças cometidas contra a Contabilidade, que podemos citar, refere-se à questão da contabilização ou não de fatos que não


passaram pela execução orçamentária, ou seja, não tiveram um rito legal para sua existência (Reserva, Licitação e Empenho) De um lado temos a Lei 4.320/64, que em seu artigo 61 preconiza que, “É vedada a realização de despesa sem prévio empenho.” E de acordo com a Lei da contabilidade esse fato não deveria ser registrado, pois não seguiu o rito legalmente estabelecido. Mas, analisando pelo lado do Direito Contábil, temos as Normas de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público - NBCASPs, editadas em 2008, que na de número 4, item 4 dispõe a respeito das transações realizadas no âmbito da administração pública: “Transações no setor público: os atos e os fatos que promovem alterações qualitativas ou quantitativas, efetivas ou potenciais, no patrimônio das entidades do setor público, as quais são objeto de registro contábil em estrita observância aos Princípios de Contabilidade e às Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. (Redação dada pela Resolução CFC n.º 1.437/13)”. É importante observar que tal norma não é uma Lei e sim uma resolução editada pelo Conselho Federal de Contabilidade, órgão do qual faço parte como contador e conselheiro do Conselho Regional do Estado de São Paulo – CRCSP, que edita normas regulamentares para a profissão contábil no Brasil. Dessa forma apoia-se a contabilidade em verdadeiros princípios, que deriva da própria lógica da Ciência, embora não tão presente na doutrina corrente, fato que, por si só, não obscurece sua validez: trata-se da “prevalência da essência sobre a forma”, quando esta deixa de retratar a realidade econômica do fato. É importante destacar que tal princípio é reconhecido, ainda, pela International Public Sector Accounting Standards – IPSAS, Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público, editadas pelo International Federation of Accountants –IFAC, órgão internacional que edita normas para o setor público. Outro fato que podemos destacar trata da contabilização dos bens que pertencem a administração pública, que segundo o § 2º do artigo15 da Lei 4.320/64 diz “Para efeito de classificação da despe-

sa, considera-se material permanente o de duração superior a dois anos.” Apesar desse artigo, o que se percebia até a edição das NBCASPs é que poucos entes públicos tinham entendido o alcance do artigo e realizavam uma adequada contabilização dos seus bens, talvez, porque muitos não “enxergavam” o poder de alcance do artigo 15, pela provável falta de conhecimento do direito contábil. O que se verificava, no entanto, eram que os entes públicos perdiam muito tempo e energia no controle de bens de pouca relevância, tais como, grampeadores, lixeira e apontadores, mas estes não estavam errados em contabilizar tais bens, pois estavam literalmente interpretando a legislação vigente. Mas o que se percebeu ao longo dos anos é que esse controle gerou um enorme gasto para administração, pois o custo benefício era baixíssimo. Enquanto perdíamos tempo com pequenas coisas (formigas), elefantes passavam ao nosso lado e não víamos, ou seja, bens de valores vultosos, como os de infraestrutura (viadutos, pontes e estradas) que deveriam estar contabilizados e fazendo parte do patrimônio da entidade, mostrando dessa forma a riqueza do ente público, não faziam parte da contabilidade. Isso leva a demonstrativos contábeis sub avaliados. O que pode levar o ente a perder recursos provenientes de empréstimos ou investimentos internos ou externos e, ainda, por parte de empresas interessadas em instalar-se, por exemplo no município. Podemos até dizer que o artigo por si só é vago e que faltaria, talvez maiores explicações, mas a Lei 4.320/64, que tem status de Lei Complementar, não tem o condão de entrar em detalhes, caso em poderíamos ter uma lei ordinária, para melhor explicar a situação. Mas, a questão que levantamos é, seria necessário sempre a edição de uma lei ordinária ou decreto para explicitar o entendimento de um artigo de lei complementar? Bom, mas se não temos essa explicação em outras normas legais, como poderíamos resolver essa situação ? É nessa hora que deveríamos nos socorrer a chamada ciência da contabilidade, mas como aplicar tal ciência no âmbito da administração pública, uma vez que não é uma norma legal ? Dezembro de 2014

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Assim, percebemos a importância do estudo e aprofundamento da interação entre a Contabilidade e o Direito, através de um aporte jurídico da contabilidade nos aspectos administrativos e contábeis, quiça a efetivação do conceito acadêmico e a praticidade do Direito Contábil, o que a levaria seus entendimentos a uma aceitação pela sociedade. Mas, voltando ao nosso assunto sobre a contabilização dos bens públicos, para respondermos essa pergunta temos que usar sem dúvida a ciência da contabilidade, mas que ainda não encontra, total, amparo na administração pública. Vejamos um outro ângulo, todos reclamamos dos 250 artigos que tem a nossa Constituição Federal e usamos a Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787, como paradigma para nossas discussões, Constituição essa que tem apenas 7 artigos. Pensando dessa forma, podemos entender que o artigo 15 artigo da Lei 4.320, não está incompleto, pois o deixou “aberto”, proporcionando assim, uma infinidade de interpretações sobre o que seriam bens permanentes com durabilidade superior a dois anos. Pergunto, se não estaria embutido no conceito de “bens permanentes” todos os bens públicos? E claro que sim, todos dirão. Mas, afinal, o que vem a ser bens públicos? Essa resposta está no Código Civil, artigos 98 e 99, onde podemos encontrar o termo bem público divido em três subitens, bens de uso comum, especiais e dominicais. É importante observar que aprendemos no estudo da contabilidade que patrimônio é o conjunto de bens, direitos e obrigações, ou seja, tudo o que pertence à entidade ora em análise. Já com relação às empresas privadas, que utilizam como base a lei 6.404/76, convencionou-se que devem ser contabilizados todos os direitos que tenham por objeto bens destinados à manutenção das atividades da companhia e da empresa. Assim, se usássemos o conceito de patrimônio e também o que vem sendo contabilizado pelas empresas privadas, guardadas as devidas proporções, desde a edição da 4.320, provavelmente estaríamos apenas discutindo sobre a contabilização 20

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de alguns bens que poderiam “escapar” em um primeiro momento ao conceito geral. Pararei a discussão por aqui, uma vez que não é objeto desse artigo, mas gostaria que refletissem a respeito da natureza da questão, vejam a multidisciplinariedade de matérias que são necessárias para discutir um artigo de uma lei: Lei 4.320/64 – que Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, base para Contabilidade Aplicada ao Setor Público. Lei 6.404/76 – que dispõe sobre as Sociedades por Ações, que é base para a Contabilidade Privada. Lei 10.406 – Código Civil Constituição Federal de 1988. Em um outro caso, saindo um pouco da Contabilidade Aplicada ao Setor Público, podemos citar temas ligados a Contabilidade Privada, que também devem ser objetos de discussão no âmbito do Direito Contábil. Por exemplos alguns dos problemas cometidos contra a Contabilidade refere-se à questão do “Leasing”” de um lado tínhamos o Instituto Brasileiro de Contadores. -IBRACON, que preconizava, “nos casos em que a operação caracterize e oculte uma verdadeira compra e venda financiada, o seu registro e evidenciação deve ser como como tal.” Deixe-se claro que, em momento algum, se disse ou pretendeu-se transformar arrendatário em proprietário. Apoiaram-se os profissionais de contabilidade num verdadeiro princípio, que deriva da própria lógica da Ciência, embora não tão presente na doutrina corrente, fato que, por si só, não obscurece sua validez, voltamos novamente na questão da essência sobre a forma, quando esta deixa de retratar a realidade econômica do fato. É importante referir que tal princípio é reconhecido pela comissão de normas Internacionais de Contabilidade , IASC , através da norma numero 1 (NIC-1), aplicável desde 1.975, como uma das considerações que “devem nortear a administração na relação e adoção de Políticas Contábeis apropriadas e na elaboração de demonstrações financeiras”.


Igual ou, mesmo maior destaque é dado a tal principio pelo Grupo de Trabalho Intergovernamental de Especialistas em Padrões Internacionais e Informação da ONU, onde a adoção da “Substance over form” visa a impedir que formas jurídicas escamoteiem uma realidade econômica, deturpando-se, via demonstração financeira, a imagem da produção da empresa e da evolução do seu patrimônio. Em nível de Brasil, o próprio IBRACON, através do pronunciamento intitulado “Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade”, reconhece a “essência sobre a forma”, apesar de formalmente ainda não lhe atribuir o status de principio ou convenção. De outro lado, temos as entidades que defendem os interesses das empresas de “Leasing”, tanto a nível nacional como internacional. Advogam tais entidades a Contabilização segundo os ditames da lei que regulamenta, hoje, o “Leasing” no Brasil, ou seja: o bem permanece no imobilizado da arrendadora até o momento da opção de compra, no término contratual, e ponto final! O assunto teve grande repercussão, tanto que culminou com o parecer de um festejado jurista, que não poupou adjetivos a Contabilidade “Uma Ciência Subalterna segundo ele” e mesmo, aos profissionais de contabilidade. Falou com tanta propriedade de nossa Ciência que a certa altura, lembrou tratadistas de séculos passados, que, apesar de terem legado valiosas contribuições ao desenvolvimento da Contabilidade, hoje, suas ideias seriam consideradas arcaicas. Mas, a verdadeira razão que motivou toda essa reação contra a iniciativa dos profissionais da contabilidade nada mais foi de que o receio dos reflexos fiscais que poderiam advir de um adequado tratamento contábil. Assim, buscaram resolver o problema de maneira mais cômoda, sem a devida preocupação com os usuários da informação contábil.

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CONCLUSÃO

Pelos fatos aqui relatados, percebe-se a importância do estudo do Direito Contábil, tanto nos cursos de Contábeis quanto nos de Direito, com ênfase nas questões ligadas a administração públi-

ca, que são regidas exclusivamente pelo aspecto legal, na contramão da evolução da sociedade que se modernizou e que quer atitudes éticas e morais, capazes de mostrar a realidade da administração pública, independentemente da legislação vigente. Assim, podemos entender que, salvo melhor juízo, o Direito Contábil se tornou uma realidade, que precisa ser ratificado pela sociedade, por meio dos estudos nas universidades, juntando-se assim, aos instrumentos de controle da sociedade.

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NOTAS 1

Texto extraído do artigo publicado no boletim do CRC de São Paulo em 1999, pelo Perito contábil, auditor independente e presidente do CRC MG, Dr.Washington Maia Fernandes. 2 HAROCHE, Claudine. Fazer Dizer, Querer Dizer .Hucitec, Ed.SP, SP,

1ª ed. 1992, p29. 3 LOPES DE SÁ, A. Vocabulário de Contabilidade, Ediouro, RJ, p85, 1994.

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BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Lei Complementar n.º101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) BRASIL. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993 (Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências). BRASIL. Lei nº 4.320/64, de 17 de março de 1964 (Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal). BRASIL. Decreto-lei no 201, de 27 de fevereiro de 1967 (Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores). MACHADO JR., J. Teixeira e REIS, Heraldo da Costa. A Lei 4.320 comentada. 34ª edição. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Administração Municipal, 2012. VADE MECUM. Acadêmico de direito, Constituição da República Federativa do Brasil. 15.ed. São Paulo: Rideel, 2014. SANTOS, Luiz dos Santos DIREITO CONTÁBIL Resumido. Rio de Janeiro- RJ: Lumen juris, 1996 FERNANDES, Edilson Carlos. DIREITO CONTÁBIL (Fundamentos, Conceito, Fontes e Relação com outros “ramos” Jurídicos). São Paulo: Dialética, 2013. HAROCHE, Claudine. FAZER DIZER, QUERER DIZER. 1ª ed. Ed. São Paulo: Edit. Hucited 1992 SÁ, Lopes de, A HISTÓRIA DA CONTABILIDADE. Vocabulário de Contabilidade. Ediouro S.A., Rio de Janeiro, 1994. SILVA, Valmir Leôncio da. A NOVA CONTABILIDADE APLICADA AO SETOR PÚBLICO uma abordagem prática. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014. Dezembro de 2014

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A ATUAÇÃO DO PARLAMENTO E DO TRIBUNAL DE CONTAS NA APLICABILIDADE DA LEI DA FICHA LIMPA Tatiana Penharrubia Fagundes

A autora é Doutora em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora de Teoria do Estado e da Constituição e de Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie (2011). Assessora de Secretaria I do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

sumário 1. Antecedentes. 2. Os órgãos de controle dos gastos públicos. 2.1. O Poder Legislativo 2.2. o Tribunal de Contas 3. Os requisitos configuradores de inelegibilidade prescritos na alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei da Ficha Limpa. 4. O impacto da aplicação da alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei da Ficha Limpa nos Tribunais. 5. Conclusão. 6. Notas. 7. Bibliografia. Textos Legais. Jurisprudência.

palavras-chave Tribunais de Contas e Parlamento. Lei da Ficha Limpa. Inelegibilidade. Impacto da Lei da Ficha Limpa nos Tribunais.

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ANTECEDENTES

A Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, conhecida como a “Lei da Ficha Limpa”1 é fruto de iniciativa popular de lei2, mobilizou a sociedade civil e obteve mais de 1,6 milhão de assinaturas. Além desse elevado número, representou, também, um importante marco na democracia brasileira, ao estabelecer situações de inelegibilidade levando em consideração a vida pregressa do candidato. A partir dela pode-se dizer que só devem participar do pleito eleitoral candidatos probos, com vida política idônea, qualificados para o exercício da função pública, rechaçando-se, ao contrário, os maus representantes, os corruptos, os desonestos, os que malversam o dinheiro público. Nas palavras de Monica Herman Salem Caggia-

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no, a Lei citada “exclui do processo eleitoral os candidatos que tenham sofrido condenação, por força de decisão de órgão colegiado, por corrupção eleitoral, abuso do poder econômico, compra de votos, etc”.3 Dentre as novidades trazidas pela Lei, interessa-nos para este trabalho cuidar apenas da alínea “g”4 do inciso I do artigo 1º que, dando nova redação para a alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90, prescreve: “Art. 1º. São inelegíveis: I – para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido


doutrina ¨ suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.5 A norma citada, ao se referir ao “órgão competente”, remete ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas, órgãos eminentemente de controle e que, no exercício de tal função, julgam as contas daquele que utilizou o dinheiro público. Se tais contas forem por eles rejeitadas, a consequência é a inelegibilidade do candidato com o afastamento, do pleito eleitoral, do gestor público que mal utilizou o dinheiro público. As hipóteses em que o julgamento se faz pelo Poder Legislativo e/ou pelo Tribunal de Contas, bem como os requisitos trazidos pela Lei para que o candidato seja impedido de concorrer a um cargo político serão estudados adiante. Antes de nos determos nas disposições da Lei da Ficha Limpa, convém discorrer sobre a importante função de controle que desempenham o Poder Legislativo e o Tribunal de Contas.

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OS ÓRGÃOS DE CONTROLE DOS GASTOS PÚBLICOS

2.1 O PODER LEGISLATIVO A função de controle é eminentemente uma atribuição do Poder Legislativo. A função de elaborar a lei é a mais conhecida, entretanto, não é a única função típica do Poder Legislativo. Ao seu lado encontram-se: a representação política, a deliberativa, a eleitoral, a jurisdicional, a de poder financeiro e a de controle político6. As duas últimas estão relacionadas com a função de controle externo. Pela função de poder financeiro, o Parlamento exerce seu poder de instituir impostos e o de ser o responsável pelo controle financeiro dos atos praticados pelo governo, vigiando, neste caso, o uso e a destinação do dinheiro público pelos gestores públi-

cos. Apresenta-se, pois, como um papel de vigilância. Mais. Adquire uma vertente investigatória a respeito dos atos praticados pelos governantes. Sobre o tema, profere Monica Herman Salem Caggiano: “No mundo contemporâneo, contudo, a ênfase do poder financeiro dos Parlamentos incide, na realidade, sobre a sua vertente investigatória – o seu papel de verdadeiro vigilante – tarefa que o Legislativo desempenha com o auxílio de sistemas técnicos, desenvolvidos com o escopo de lhe assegurar mecanismos a melhor acompanhar todo o processo de execução orçamentária, viabilizando a adequada análise das receitas e das despesas, do ponto de vista da legalidade e da finalidade perseguida”.7 (grifos nossos) Esta importante tarefa de investigação é desempenhada com o auxílio do Tribunal de Contas, órgão técnico que, em nosso ordenamento, juntamente com o Poder Legislativo, exerce a função de controle externo, a eles constitucionalmente conferida. Por outro lado, a também função típica do Legislativo – de controle político8– faz com que o Parlamento atue como fiscal dos atos praticados pelo Poder Executivo. Nas palavras de Monica Herman Salem Caggiano, tal função: “(...) desponta munida de instrumentos, senão modernos e novidadeiros, ao menos de qualificada eficiência para a fiscalização das políticas públicas adotadas pelos governos e sua aplicação. Ingressa-se, pois, na esfera em que o Parlamento assume o papel de fiscal, de vigilante sobre a atividade governamental”.9 (grifos nossos) São exemplos de controle político, no ordenamento pátrio, as comissões parlamentares de inquérito, o pedido de informações a Ministros de Estado, o impeachment e o controle financeiro, dentre outros. 2.2 O TRIBUNAL DE CONTAS A Constituição Federal de 1988 reserva a Seção IX – “Da Fiscalização Contábil, Financeira e Orçamentária”, do Capítulo I – “Do Poder LegislaDezembro de 2014

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tivo”, do Título IV – “Da Organização dos Poderes” para cuidar da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial que deve ser exercida pelo sistema de controle interno de cada Poder e também pelo sistema de controle externo, este a cargo do Congresso Nacional que, não obstante, o faz com o auxílio do Tribunal de Contas. É o que determinam os artigos 70, caput10 e 71, caput11. Por disposição constitucional, portanto, a função de controle externo é realizada pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas. Define-se controle externo como o realizado por um órgão diferente daquele onde o controle será exercido. Assim, em matéria orçamentária, o Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas, fiscaliza, investiga, vigia os atos praticados pelos gestores públicos e, dentre outras competências, aprova ou rejeita suas contas. Ao tê-las aprovada, o gestor público estará apto para participar do pleito eleitoral. Se as tiver rejeitadas, ao contrário, terá sua candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa. Consoante já tive a oportunidade de afirmar, “o controle externo confere ao Poder Legislativo (federal, estaduais/distrital e municipais) e ao Tribunal de Contas respectivo a fiscalização relativa ao bom uso do dinheiro público e à administração eficiente dos gastos públicos”.12 Necessário, então, fazermos duas advertências: a primeira, a de que o Tribunal de Contas existe em todas as esferas13 da federação. A segunda, a de que auxílio não significa, em hipótese alguma, subordinação. Nem há que se falar que o Tribunal de Contas é auxiliar no sentido de subalternidade ao Poder Legislativo. Pelo contrário, em nosso entendimento, o Tribunal de Contas se qualifica como um órgão constitucional autônomo. Reforçam nossa tese os ensinamentos do então Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto: “Diga-se mais: além de não ser órgão do Poder Legislativo, o Tribunal de Contas da União não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional”.14 (grifos nossos) E continua: 24

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“Como salta à evidência, é preciso medir com a trena da Constituição a estatura de certos órgãos públicos para se saber até que ponto eles se põem como instituições autônomas e o fato é que o Tribunal de Contas da União desfruta desse altaneiro status normativo de autonomia”.15 (grifos nossos) Da leitura dos dispositivos, percebe-se que a função de controle externo é exercida por um Poder, o Legislativo e por um órgão constitucional autônomo, o Tribunal de Contas, cada qual exercendo parcela da função de controle externo que a Constituição Federal determinou: o primeiro realizando o controle político das contas públicas e o segundo, o controle técnico. Dentre as diversas competências do Tribunal de Contas, descritas nos incisos do artigo 71 da Constituição Federal, duas merecem destaque para este trabalho e sua incidência tem relação com a Lei da Ficha Limpa. São elas as tarefas de: 1) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Executivo, mediante a elaboração, pelo Tribunal de Contas, de um parecer prévio (inciso I16); e a de 2) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis pelos dinheiros, bens e valores públicos (inciso II17). No primeiro caso, compete ao Tribunal de Contas a realização do controle técnico das contas do Chefe do Poder Executivo, mediante a elaboração de parecer prévio, com posterior encaminhamento do resultado - aprovando-as ou rejeitando-as - ao Poder Legislativo respectivo (federal, estadual/distrital ou municipal), ao qual caberá o julgamento político das mesmas. A inelegibilidade do Chefe do Poder Executivo, na situação do inciso I do artigo 71 da Constituição Federal somente se configura se as suas contas tiverem sido rejeitadas pelo Parlamento, não bastando, nesta hipótese, a manifestação do Tribunal de Contas, ainda que o parecer prévio tenha sido pela rejeição das mesmas. Diferente raciocínio ocorre na segunda situação. Na hipótese do inciso II do artigo 71 da Constituição Federal, o julgamento proferido pelo Tribunal de Contas, rejeitando as contas do gestor público (menos o Chefe do Executivo) é suficiente para que o mesmo fique inelegível, nos moldes do


que determina a Lei da Ficha Limpa. Nesta situação, a inelegibilidade da candidatura depende exclusivamente do pronunciamento da Corte de Contas18. O Poder Legislativo, portanto, não se manifesta nesta hipótese.

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OS REQUISITOS CONFIGURADORES DE INELEGIBILIDADE PRESCRITOS NA ALÍNEA “G” DO INCISO I DO ARTIGO 1º DA LEI DA FICHA LIMPA Passemos, agora, aos requisitos ensejadores da aplicação da Lei da Ficha Limpa na situação da alínea “g” do inciso I do artigo 1º. Para facilitar a análise, reproduzimos a norma citada: “Art. 1º. São inelegíveis: I – para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”.19 O primeiro requisito – contas rejeitadas¬ - já foi parcialmente abordado. O Tribunal de Contas analisa três tipos de contas: as de governo, as de gestão e a prestação de contas especial20. Contas de governo são as relativas aos atos de governo, vale dizer que os atos praticados pelo Chefe do Poder Executivo, enquanto gestor do dinheiro público, são analisados pelo Tribunal de Contas, que elabora um parecer prévio e o encaminha para o julgamento político a ser realizado pelo Poder Legislativo respectivo. É a hipótese do inciso I do artigo 71 da Constituição Federal. Será unicamente o julgamento do Parlamento - rejeitando as contas do Chefe do Executivo - que gerará a inelegibilidade daquele que, enquanto Presidente, Governador ou Prefeito, teve as suas contas rejeitadas. Por exemplo, o candi-

dato que, enquanto Prefeito da Cidade “x”, teve suas contas rejeitadas pela Câmara Municipal fica inelegível, ainda que o Tribunal de Contas de tal cidade tenha exarado parecer prévio pela aprovação. Contas de gestão correspondem às contas de todos os demais gestores públicos – à exceção do Chefe do Executivo. Trata-se da aplicação do inciso II do artigo 71 da Constituição Federal. Neste caso, o Tribunal de Contas julga as contas e tal julgamento é suficiente para gerar a inelegibilidade do candidato. Por exemplo, o candidato que, enquanto Secretário de Educação, teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, torna-se inelegível. O candidato que, enquanto Presidente da Assembleia Legislativa/Câmara dos Vereadores, teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, fica inelegível. Questão intrigante diz respeito a saber se Chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito) que, enquanto ordenador da despesa teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, torna-se inelegível. A dúvida era saber se, por ser Chefe do Executivo, tal condição atraía para o Parlamento a competência para o julgamento das suas contas (aplicação do inciso I do artigo 71 da Constituição Federal) ou se, agindo como ordenador – e não como Prefeito – suas contas deveriam ser julgadas pelo Tribunal de Contas, incidindo, então, na hipótese do inciso II do artigo 71 da Constituição Federal. Ao analisar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, o Supremo Tribunal Federal examinou a matéria no julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 2921 e 30 e na da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578. A Lei da Ficha Limpa foi considerada constitucional, declarando-se a constitucionalidade, dentre outras, da alínea “g” mencionada. Restou também decidido que a Lei não poderia ser aplicada para as eleições de 201022, mas o foi na de 2014. Ou seja, o inteiro teor da alínea “g” foi declarado constitucional23. Assim, o Chefe do Executivo que tiver atuado como ordenador da despesa – por exemplo, na hipótese de Prefeito que compra água para a Prefeitura -, responde perante o Tribunal de Contas, ficando inelegível se suas contas forem por tal órgão rejeitadas. Em que pese não consigamos imaginar este exemplo em cidades grandes, nas Dezembro de 2014

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pequenas isso é bastante frequente. Assim, diante do efeito vinculante e da eficácia erga omnes de suas decisões, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, modificou seu entendimento e, no julgamento do Recurso Ordinário nº 40137.2014.6.06.0000/CE24 passou a entender, para as eleições de 2014, que o Prefeito que agisse como ordenador de despesas teria suas contas julgadas pelo Tribunal de Contas, daí porque, se este as rejeitar, ficaria inelegível. Não basta, entretanto, que as contas – de governo ou de gestão – tenham sido rejeitadas para gerar a inelegibilidade. É imprescindível que elas tenham decorrido de irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa. Irregularidade insanável é a que não pode ser convalidada. Ato doloso de improbidade administrativa decorre, por exemplo, do descumprimento aos deveres da legalidade25. A jurisprudência traz diversos exemplos dessas condições, dentre as quais: contratação de pessoal sem concurso público; não recolhimento, no prazo legal, ou ausência de repasse ou repasse a menor de verbas previdenciárias26; descumprimento da lei de licitação; pagamento de remuneração a maior para deputados/vereadores27; não aplicação do percentual mínimo de 25%28 em ensino; ausência de recolhimento de encargos sociais, que ofende os princípios constitucionais da Administração Pública; quebra da ordem cronológica de pagamento dos precatórios etc. Vale lembrar que, se o ato for culposo, a inelegibilidade não se configura. É o caso do candidato que, enquanto Prefeito, não prestou contas por ato estranho à sua vontade. Ainda quanto a este requisito, se a irregularidade for sanável, não há a incidência de inelegibilidade. E mais. Se o parecer prévio do Tribunal de Contas, ao julgar as contas do Chefe do Executivo, não qualificar as irregularidades como insanáveis, também neste caso não se aplica a inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa. É o entendimento conferido no Recurso Eleitoral nº 96012271: “Se o parecer do órgão técnico não qualifica de insanáveis as irregularidades determinantes da rejei26

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ção das contas, não incide sobre a pessoa do administrador a inelegibilidade prevista na letra “g” do inciso I do art. 1o da Lei Complementar n° 64/90. (Precedentes do TSE; Acórdão n° 11.973, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro). - Recurso provido, para determinar-se o registro da candidatura do recorrente”.29 (grifos nossos) Outro requisito para configuração da inelegibilidade é que a decisão do órgão competente seja irrecorrível, ou seja, decisão sobre a qual não cabe mais recurso. Então, se as contas forem de governo, a irrecorribilidade advém da atuação do Parlamento. Se, ao contrário, estivermos diante de contas de gestão, a decisão tem que ser irrecorrível no âmbito do Tribunal de Contas. Constitui também requisito para a caracterização da inelegibilidade, que a decisão proveniente do Poder Legislativo ou do Tribunal de Contas não tenha sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário. É que, nestas hipóteses – de suspensão ou anulação - o Poder Judiciário modifica a decisão dos órgãos de controle que haviam rejeitado as contas de governo ou de gestão. Como consequência, o candidato tem a sua elegibilidade reconhecida, podendo participar do pleito eleitoral.

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O IMPACTO DA APLICAÇÃO DA ALÍNEA “G” DO INCISO I DO ARTIGO 1º DA LEI DA FICHA LIMPA NOS TRIBUNAIS Após traçarmos as funções que o Parlamento e o Tribunal de Contas, enquanto órgãos de controle, desempenham na importante missão de fiscalizar como o gestor público – agente político ou funcionário público – utiliza o dinheiro público e de estabelecermos os limites para a aplicação da alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90, modificada pela Lei Complementar nº 135/10, convém examinar o impacto da aplicação desta alínea nos Tribunais de nosso país. Para tanto, socorremo-nos de importante pesquisa, da qual tive a honra de participar, coordenada pela Profa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano e que resultou na elaboração do livro: Ficha Limpa: impacto nos tribunais: tensões e confrontos30.


A pesquisa analisou 1077 acórdãos e 90 sentenças, todos prolatados no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Deste total, 25531 cuidam de contas que foram examinadas pelo Poder Legislativo Municipal e/ou pelo Tribunal de Contas e culminaram com a aplicação ou não da alínea g do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90 com redação dada pela Lei Complementar nº 135/10. Das 255 decisões, 105 se referem às contas de governo (do Chefe do Poder Executivo), sendo que, em 65 casos, a inelegibilidade do candidato foi reconhecida, de modo que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo barrou o registro da candidatura, em contraponto a 40 situações em que a elegibilidade prevaleceu, com o deferimento do registro. Note-se que o Parlamento havia rejeitado as contas dos Prefeitos nas 65 decisões mencionadas. Nessa senda, o candidato que, enquanto Prefeito, teve suas contas rejeitadas pela Câmara Municipal e, não se conformando, recorreu ao Judiciário, que manteve a rejeição, tornou-se inelegível, com a aplicação da alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90, com redação dada pela Lei da Ficha Limpa. De outra parte, das 255 decisões, 138 cuidam de contas de gestão (dos Administradores e demais responsáveis). Destas, em 98 casos o Tribunal de Contas rejeitou as contas de tais administradores e esta decisão foi chancelada pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, resultando na inelegibilidade do candidato, contra 40 situações em que a elegibilidade foi reconhecida. É o caso de um Secretário de Governo, por exemplo, que teve suas contas rejeitadas por julgamento pelo Tribunal de Contas e, não se conformando com a aplicação da Lei da Ficha Limpa, recorreu ao Judiciário, que manteve a decisão da Corte de Contas, barrando o registro da candidatura ao pleito eleitoral das últimas eleições. Ainda, das 255 decisões, 12 culminaram com a extinção do processo com ou sem julgamento do mérito. Ademais, em relação a essas 255 decisões, desconsiderando a divisão entre contas de governo e contas de gestão, encontramos: “163 que tiveram a inelegibilidade reconhecida com os competentes

registros indeferidos; 80 que tiveram a elegibilidade reconhecida (candidatura válida) com os registros deferidos e 12 dizem respeito a processos extintos com ou sem julgamento do mérito”32.

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CONCLUSÃO

A Lei da Ficha Limpa, fruto da vontade popular, apresenta-se como um divisor de águas na matéria concernente às inelegibilidades. Ganha força, com sua edição, a busca por comportamentos éticos e morais nas eleições, permitindo-se que somente os candidatos com vida pregressa idônea participem dos pleitos. Especificamente, a alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90, com redação dada pela Lei Complementar nº 135/10 (Lei da Ficha Limpa), reforça a importante missão de controle externo, desempenhada conjuntamente pelo Poder Legislativo e pelo Tribunal de Contas, exercida sobre o uso e a destinação do dinheiro público. Isto porque, se as contas do mandatário forem rejeitadas pelo Parlamento ou se as contas dos demais administradores públicos (a exceção do Chefe do Executivo) o forem pelo Tribunal de Contas, e observados, ainda, todos os requisitos trazidos pela Lei e antes explicados, - que são igualmente imprescindíveis -, a consequência é que a candidatura será barrada, afastada, assim, a participação no pleito eleitoral. A matéria tem chegado com força aos Tribunais. Isto porque, candidatos que ficaram inelegíveis, seja porque enquanto Governadores ou Prefeitos tiveram suas contas rejeitadas pelo Parlamento, seja porque como administradores públicos tiveram suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas, não se conformando com a decisão, recorreram ao Poder Judiciário. No caso do Estado de São Paulo, de um universo de 116733 decisões analisadas no âmbito do Tribunal Regional Eleitoral, 255 – ou 21,85% - referiam-se à alínea “g” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90, com redação dada pela Lei Complementar nº 135/10. O número é bastante elevado, surpreendendo-nos a quantidade de casos em que decisões do Poder Legislativo e/ou do Dezembro de 2014

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Tribunal de Contas mostraram-se aptas a obstaculizar a participação de candidatos ímprobos. Ainda no universo da pesquisa, chamam nossa atenção mais dois pontos. Primeiro, o fato de que, em números absolutos, considerando o universo de 25534 decisões, a Lei da Ficha Limpa barrou mais candidaturas (163 ou 63,92%) do que as considerou válidas (80 ou 31,37%). Observe-se que a quantidade de candidaturas barradas (os chamados “fichas sujas”) é pouco mais que o dobro das consideradas válidas. Outra situação merece destaque: a importância que desempenham os Tribunais de Contas no controle dos gastos públicos. Isto porque houve mais decisões envolvendo as contas de gestão (julgadas pelo Tribunal de Contas) do que relativas às contas de governo (julgadas pelo Poder Legislativo). Foram 138 contra 105. As 13835 foram assim divididas: em 98 delas, a Corte de Contas rejeitou as contas, sendo que o Tribunal Regional Eleitoral manteve a rejeição, causando a inelegibilidade do candidato “ficha suja”; em 38, o Tribunal de Contas rejeitou as contas mas liminar/decisão de mérito do Poder Judiciário derrubou a decisão, tornando válida a candidatura; e, em 2 situações, o Tribunal de Contas aprovou as contas, decisão que foi mantida pelo Poder Judiciário com a consequente elegibilidade do candidato. Assim, considerando o universo de 138 decisões, em 100 casos concretos (ou 72,46%) a decisão do Tribunal de Contas foi mantida, sendo que em 98 delas a candidatura foi barrada porque as contas foram rejeitadas e em apenas 38 (ou 27,54%) foi modificada pelo Poder Judiciário, autorizando-se o candidato a participar das eleições. A pesquisa nos mostrou, pois, que Poder Legislativo, Tribunal de Contas e Poder Judiciário caminham no mesmo sentido: o de impedir que participem das eleições os candidatos chamados “fichas sujas”.

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NOTAS

1 A expressão “Ficha Limpa” surgiu do encontro de um dos idealizadores do então Projeto de Lei, o Juiz Márlon Reis, com jovens católicos de uma cidade do interior do Piauí em que ele tentava convencer os

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seminaristas a assinarem a proposta de iniciativa popular. Conta o juiz: “(...) fui apresentado ao prefeito. Pedi a ele que subscrevesse a iniciativa popular, mas ele se recusou afirmando ser advogado e, após estudos, haver concluído pela sua inconstitucionalidade. Tentei argumentar, mas ele me interrompeu e saiu. Um jovem seminarista, presente ao local, disse que eu perdia meu tempo. ‘Ele tem uma ficha de pelo menos quatro metros de extensão, entre corrupção passiva, improbidades, contas rejeitadas e muito mais. Se esse projeto passar, será o fim de sua vida política’. Respondi que ficava surpreso, pois partia do pressuposto de que um líder institucional deveria ter ‘ficha limpa’”. Após esse encontro, o Juiz sugeriu este nome para o Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção eleitoral - MCCE, sendo aceito. REIS, Márlon. Depoimento sobre a Lei da Ficha Limpa. In: Ficha Limpa: impacto nos tribunais: tensões e confrontos. Monica Herman Caggiano (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 134. 2 A Lei da Ficha Limpa, para ser criada, obedeceu aos parâmetros do

artigo 61, § 2º, da Constituição Federal, que prescreve: “§ 2º. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 49ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 62. 3 CAGGIANO, Monica Herman Salem. O cidadão-eleitor, jogador com veto no processo eleitoral democrático. In: INSTITUTO VICTOR NUNES LEAL (Org.). A Contemporaneidade do Pensamento de Victor Nunes Leal. São Paulo: Saraiva, 2013, pp.266-267. 4 A alínea g do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90 dispunha: “Art. 1º. São inelegíveis: I – para qualquer cargo: g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão”. BRASIL. Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece, de acordo com o art. 14, § 9º da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências. Disponível no site: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/lcp/lcp64.htm, acesso em 03 de nov. 2014. 5 BRASIL. Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível no site: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm, acesso em 29 de out. 2014. 6 Para detalhes das funções típicas do Poder Legislativo, consultar: CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri, SP: Manole, 2004. pp. 12-41. 7 Idem.

p. 23.

8 Francisco

Berlín Valenzuela explica a função de controle político:


“quando se fala desta função, o significado é no sentido de inspeção, fiscalização, comprovação, revisão ou exame que faz o Parlamento sobre a atividade que realiza o Executivo, com a finalidade de verificar o ajuste de seus atos às disposições estabelecidas na lei”. (tradução nossa). VALENZUELA, Francisco Berlín. Derecho parlamentario. 4ª reimpresión. México: Fondo de Cultura Económica, 2000. p. 139. 9 CAGGIANO,

Monica Herman Salem. Direito... Op. cit. p. 30.

10 Artigo

70, caput: “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 49ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 65. 11 Artigo 71, caput: “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...)”.BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 49ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 65. 12 FAGUNDES, Tatiana Penharrubia. A função do Tribunal de Contas no Estado democrático de direito brasileiro. In: MESSA, Ana Flávia; THEOPHILO JÚNIOR, Roque (Coord.). Estado e economia: estudos em homenagem a Ademar Pereira. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 237. 13 Em âmbito federal há o Tribunal de Contas da União; nas esferas estaduais os Tribunais de Contas dos Estados e, na municipal, de acordo com o § 1º do artigo 31 da Constituição Federal, temos: o Tribunal de Contas do Município de São Paulo e do Rio de Janeiro, órgãos municipais que julgam as contas dos gestores públicos destes dois Municípios; os Tribunais de Contas (ou Conselhos de Contas) dos Estados da Bahia, Ceará, Goiás e Pará, órgãos estaduais que examinam as contas dos gestores públicos destes Estados; e os Tribunais de Contas Estaduais, que examinam as contas dos gestores públicos dos Municípios que não se enquadram nas hipóteses anteriores. 14 BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional do Tribunal de Contas. In: SOUZA, Alfredo José de... et al. O novo Tribunal de Conotas: órgão protetor dos direitos fundamentais. 3ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 62. 15 Idem.

Ibidem.

16 Artigo 71. “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I – apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 49ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 65. 17 Artigo 71. “(...) II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem

causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 49ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 65. 18 Sobre o tema, veja-se parte do Acórdão proferido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.715/TO-MC, Rel, Min. Gilmar Mendes, publicada no Diário de Justiça de 25/08/06: “(...) A Constituição Federal é clara ao determinar, em seu art. 75, que as normas constitucionais que conformam o modelo federal de organização do Tribunal de Contas da União são de observância compulsória pelas Constituições dos Estados- membros. Precedentes. 4. No âmbito das competências institucionais do Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a clara distinção entre: 1) a competência para apreciar e emitir parecer prévio sobre as contas prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, especificada no art. 71, inciso I, CF/88; 2) e a competência para julgar as contas dos demais administradores e responsáveis, definida no art. 71, inciso II, CF/88. Precedentes. 5. Na segunda hipótese, o exercício da competência de julgamento pelo Tribunal de Contas não fica subordinado ao crivo posterior do Poder Legislativo. Precedentes. (...)” (grifos nossos). Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.715/TO-MC, Rel, Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/08/14. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/ listarJurisprudencia.asp?, acesso em 05 de nov. 2014. 19 BRASIL. Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível no site: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm, acesso em 29 de out. 2014. 20 Dá-se

o procedimento da tomada de contas especial quando há indícios de desvio de dinheiro público, por exemplo. 21 O objetivo das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nºs 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578 não era examinar alínea por alínea da Lei, embora o Revisor, Ministro José Antonio Dias Toffoli tenha analisado a questão, em estudo concernente à alínea “g”, sendo seguido pelo Ministro Gilmar Mendes. Ao final, a Ação Direta de Inconstitucionalidade foi julgada improcedente e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade foram julgadas procedentes “mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade instituídas pelas alíneas “c”, “d”, “f”, “g”, “h”, “j”, “m”, “n”, “o”, “p” e “q” do art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº 135/10”. O acórdão assim proferiu: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em julgar procedente a ação”. Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade nºs 29 e 30. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.578/ AC. Rel. Min. Luiz Fux, julgado conjuntamente em 16/02/12. Documento assinado digitalmente. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp, acesso em 04 nov. 2014.

Dezembro de 2014

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22 De

acordo com o tópico 14 da ementa da ADC nº 29/DF: “14. Inaplicabilidade das hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE 633.703, Rel. Min. GILMAR MENDES (repercussão geral)”. (Supremo Tribunal Federal, Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 29/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgada em 16/02/12). Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp, acesso em 04 nov. 2014. 23 Quanto à parte final da alínea “g”, o Revisor, Ministro José Anto-

nio Dias Toffoli, seguido pelo Min. Gilmar Mendes, entendeu que o Chefe do Executivo, quando ordenador da despesa só poderia ficar inelegível por decisão irrecorrível do Parlamento, dando interpretação conforme à parte final da alínea g “para esclarecer que os Chefes do Poder Executivo, ainda quando atuam como ordenadores de despesa, submetem-se aos termos do inciso I do art. 71 da Carta Federal”. Veja-se parte de seu voto: “Contudo, o mesmo não ocorre em relação à parte final do dispositivo. Em que pese a imprecisa redação do dispositivo, depreende- se que a pretensão foi submeter os Chefes do Poder Executivo (mandatários), quando da atuação como ordenadores de despesas, ao julgamento, relativamente a essas contas, pelo Tribunal de Contas, aplicando-se a disposição contida no inciso II do art. 71 da Constituição Federal. Afastou-se, por consequência, a aplicação do inciso I do art. 71 da Carta Maior, de forma que os mandatários, nesse caso, não se submeteriam ao julgamento político pelo Poder Legislativo, mas apenas ao julgamento técnico pela Corte de Contas. (...) Dessa forma, entendo que a parte final da alínea g, ora em discussão, ao determinar a aplicação do inciso II do art. 71 da Constituição aos mandatários (incluem-se aqui, por óbvio, os Chefes do Poder Executivo) que atuam na condição de ordenadores de despesa, subtraindo, assim, do Poder Legislativo a competência para o julgamento político previsto no inciso I do art. 71 da Carta Federal, afigura-se inconstitucional. Por essa razão, entendo que deva ser conferida interpretação conforme à parte final da alínea g, ora em discussão, para esclarecer que os Chefes do Poder Executivo, ainda quando atuam como ordenadores de despesa, submetem-se aos termos do inciso I do art. 71 da Carta Federal”. (voto do Revisor, Min. José Antonio Dias Toffoli, p. 104 e p. 106) (Supremo Tribunal Federal, Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 29/DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgada em 16/02/12). Disponível em http://www.stf.jus.br/ portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp, acesso em 04 nov. 2014. 24 A

ementa do Recurso Ordinário nº 401-37.2014.6.06.0000/CE é a seguinte: “ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. RECURSO ORDINÁRIO. INELEGIBILIDADE. ALÍNEA G. REJEIÇÃO DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS. PREFEITO. ORDENADOR DE DESPESAS. CARACTERIZAÇÃO. 1. As alterações das hipóteses de inelegibilidades introduzidas pela Lei Complementar n° 135, de 2010, foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.578 e das ADCs 29 e 30, em decisões definitivas de mérito que produzem eficácia contra todos e efeito vinculante, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição da República. 2. Nos feitos de registro de candidatura para o pleito de 2014, a inelegibilidade prevista na alínea g do inciso I do art. 1º da LC n° 64, de 1990, pode ser examinada a partir de decisão irrecorrível dos tribunais de contas que rejeitam as contas do prefeito que age como ordenador de despesas. 3. Entendimento, adotado por maioria, em razão do 30

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efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal e da ressalva final da alínea g do art. 1º, I, da LC n° 64/90, que reconhece a aplicação do “disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”. 4. Vencida neste ponto, a corrente minoritária, que entendia que a competência para julgamento das contas do prefeito é sempre da Câmara de Vereadores”. (grifos nossos) (Recurso Ordinário nº 401-37.2014.6.06.0000/CE, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, v.u. para prover o recurso e reformar o acórdão regional para deferir o registro de candidatura da recorrente, julgado em 26/08/14. Disponível em http:// www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor, acesso em 05 de nov. 2014). 25 Sobre

o tema, conferir: Recurso Especial Eleitoral nº 15.381-CE: “Destarte, se não restou demonstrado, por expressa referência no bojo do mencionado parecer técnico - repete-se -, que a ocorrência de irregularidades insanáveis e/ou ato indicativo de improbidade administrativa determinaram a rejeição das contas em apreço, com a devida vênia do douto Procurador Regional Eleitoral, bem como daqueles eminentes juízes desta eg. Corte que porventura manifestar possam entendimento contrário, estou em que no caso presente não avulta configurada a hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º,inc. I, “g”, da Lei Complementar n° 64/90. Dizente, em especial, aos atos de improbidade administrativa, derredor irregulares apontadas, importa depreender, a teor do art. 11, caput, da Lei n° 8.429/92, que constituem atos de improbidade administrativa os que violem, dentre outros, os deveres de legalidade”. (grifos nossos). (Recurso Especial Eleitoral nº 15.381-CE, Rel. Min. Néri da Silveira, v.u., recurso conhecido e negado provimento, julgado em 27/08/98. Disponível em: http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor, acesso em 05 de nov. 2014). 26

Para detalhes conferir: Tribunal Superior Eleitoral, RESPE nº 254-54.2012.6.26.0087, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgado em 02/04/13, Diário de Justiça Eletrônico, tomo 87, data 10/05/13, p. 27. Disponível em: http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor, acesso em 05 de nov. 2014. 27 “Registro.

Inelegibilidade. Rejeição de contas. 1. Constatadas as irregularidades atinentes ao pagamento de remuneração feito a maior a vereadores e o descumprimento da lei de licitações – consistente na indevida dispensa de processo licitatório – vícios considerados insanáveis por esta Corte Superior, afigura-se a inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar nº 64/90. 2. Trata-se, portanto, de ato doloso de improbidade administrativa, segundo o art. 10, da Lei nº 8.429/92, não ilidindo a devolução dos valores ao erário a inelegibilidade prevista na referida alínea. Agravo regimental não provido”. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 127092.2010.6.22.0000 – Porto Velho/ RO, Rel. Min. Arnaldo Versiani Leite Soares, julgado em 15/09/10. Disponível em http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/inteiro-teor, acesso em 05 de nov. 2014). 28 É

o que dispõe o artigo 212 da Constituição Federal: “Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outu-


bro de 1988. 49ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 147. 29

Recurso Especial Eleitoral nº 15.381/CE, Rel. Min. Néri da Silveira, v. u., conhecido como recurso ordinário e negado provimento, julgado em 27/08/98. Disponível em: http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/ inteiro-teor, acesso em 05 de nov. 2014. 30 Detalhes da pesquisa podem ser conferidos em: CAGGIANO, Mo-

nica Herman Salem (Coord.). Ficha Limpa: impacto nos tribunais: tensões e confrontos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pp. 24-53. 31 Os

dados específicos sobre o Tribunal de Contas e o Poder Legislativo podem ser conferidos em: FAGUNDES, Tatiana Penharrubia. Inelegibilidade e contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas ou pela Câmara Municipal. In: CAGGIANO, Monica Herman Salem (Coord.). Ficha Limpa: impacto nos tribunais: tensões e confrontos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pp. 41-45. 32 Estes

valores foram tirados da pesquisa acerca da Ficha Limpa. Para detalhes conferir em: FAGUNDES, Tatiana Penharrubia. Inelegibilidade... Op. cit. p. 45. 33 Como

se disse, a pesquisa acerca da Ficha Limpa analisou 1077 acórdãos e 90 sentenças, todos provenientes do Tribunal Regional Eleitoral. Para detalhes, conferir: FAGUNDES, Tatiana Penharrubia. Inelegibilidade... Op. cit. pp. 24-53. 34 Destas

255 decisões, ainda encontramos 12 situações em que o processo foi extinto com ou sem julgamento do mérito, o que representa 4,71%. 35 Para

maiores detalhes conferir: FAGUNDES, Tatiana Penharrubia. Inelegibilidade... Op. cit. p. 44.

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BIBLIOGRAFIA

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O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza

Diretora Técnica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Advogada, contadora, jornalista, professora de Graduação e Pós-graduação da Universidade Tiradentes. Conferencista, Autora de artigos e Livros Jurídicos (6 obras - 2 individuais e 4 coletivas). Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe- UFS. Mestra em Direito Público pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Especialista em Direito do Estado e Especialista em Direito Municipal pela UNIDERP. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Tiradentes - UNIT. Especialista em Auditoria Contábil pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Membro da Academia Sergipana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Membro da Escola Superior da Advocacia - ESA/SE e da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da OAB/ SE. Membro do Conselho de Previdência do Estado de Sergipe. Recebeu a comenda do mérito trabalhista em 2007. Foi a primeira Mulher Diretora-Geral do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Lecionou como professora substituta na Universidade Federal de Sergipe, durante dois anos.

sumário Resumo.1. Introdução. 2. Segurança jurídica em face do processo administrativo disciplinar. 2.1. Segurança jurídica nos atos administrativos: controle jurisdicional sobre as sanções disciplinares. 2.2. Segurança jurídica e o Processo Administrativo Disciplinar. 2.3. Aspectos e peculiaridades da Segurança Jurídica: Leis 9.784/99 e Lei 8.112/90. 3. Considerações finais. 4. Bibliografia.

palavras-chave Processo administrativo disciplinar federal; princípios jurídicos; inafastabilidade da jurisdição; segurança jurídica.

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doutrina ¨ resumo

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ste artigo se propõe analisar o Princípio da Segurança Jurídica, arraigado na Constituição Federal de 1988 e contido na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e correlacionar tal processo, no âmbito disciplinar federal, da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Para se chegar a tal objetivo, são investigados aspectos relevantes quanto ao Estado Democrático de Direito, principalmente aqueles vinculados à Administração Pública e ao processo administrativo disciplinar, com o fito de verificar a aplicabilidade da segurança jurídica em tais processos e, consequentemente, ao servidor público federal. Neste contexto, a segurança jurídica é estudada em face da segurança do Direito; no direito comparado; sob o ponto de vista objetivo previsto na Carta Constitucional em três aspectos do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada -; e em relação aos atos administrativos quanto ao controle jurisdicional sobre as sanções disciplinares, momento em que serão evidenciados os princípios da inafastabilidade da jurisdição, da separação dos poderes, da juridicidade e do controle judicial da discricionariedade administrativa. A fim de alcançar a compreensão desse assunto, o método utilizado é o de abordagem qualitativa, ou seja, com base na realidade social calcada em ju-

risprudências, pesquisas explanatórias e interpretação de tais resultados, a partir do levantamento bibliográfico, fundamentado na utilização dos conhecimentos acumulados dos autores e pesquisadores da temática. Este artigo está dividido em três capítulos no seu Desenvolvimento: o primeiro deles demonstra a importância dos princípios constitucionais, especialmente o da segurança jurídica, que tem fundamentado o Estado Democrático de Direito; o segundo apresenta aspectos de fragilidade da segurança jurídica em face do Processo Administrativo Disciplinar Federal, onde são apontados quatro fatos jurídicos indispensáveis para a manutenção de tal princípio com relação ao processo administrativo disciplinar - a interpretação restritiva da norma administrativa, a decadência, a prescrição e a reformatio in pejus. Tal estudo busca, por fim, ser uma ferramenta de consulta visando uma melhor compreensão dos fatos e dos acontecimentos que corriqueiramente ocorrem em um Processo Administrativo Disciplinar – PAD - em relação ao funcionalismo público federal, revelando o grande valor do princípio da segurança jurídica que confere estabilidade em tais relações jurídicas e foi, inclusive, elevado à categoria de direito fundamental, cuja função é tutelar os direitos assegurados ao pretenso infrator, no caso, o servidor público federal, e conferir a ele um processo pautado dentro dos parâmetros da razoabilidade e da justiça.

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INTRODUÇÃO

A ideia de Estado Democrático de Direito está integrada à finalidade atual da Administração Pública, que deve ser a do bem da coletividade, e, para tanto, deve ser regida pelos preceitos constitucionais. Por isso, a Administração deve ser dinâmica, interveniente, e seus atos dotados de transparência, visando sanar as suas incompatibilidades com a dos particulares, em conformidade com a legislação vigente. O objetivo deste estudo é analisar a correlação do princípio da segurança jurídica, enraizado na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, com os preceitos do processo administrativo disciplinar federal, contidos na Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. O presente tema está delimitado ao seu objetivo de ser uma ferramenta de consulta visando uma melhor compreensão dos fatos e dos acontecimentos que corriqueiramente ocorrem em um Processo Administrativo Disciplinar - PAD, levado a efeito sob a égide das Leis nº 9.784/99 e 8.112/90 em relação ao funcionalismo público federal, sendo este o método através do qual se retoma a ordem violada por um funcionário ou servidor público que praticou conduta reprovável ou incompatível com o cargo ou infringiu normas disciplinares. Esta constatação manifesta a relevância da segurança jurídica, sob o prisma objetivo, em que tal princípio é ponderado observando-se o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, que conferem estabilidade às relações jurídicas. Quanto ao aspecto subjetivo, menciona-se, para a manutenção de tal postulado, com relação ao processo administrativo disciplinar: a interpretação restritiva da norma administrativa, a decadência, a prescrição e a reformatio in pejus, que atribuem confiança jurídica em tais processos. Para conferir uma maior visão à questão em pauta, algumas perguntas são indispensáveis: o controle judicial dos processos administrativos disciplinares ofende ao princípio da separação dos Poderes? Como aplicar o princípio da inafastabilidade

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da jurisdição no controle judicial dos processos disciplinares? Cabe ao Poder Judiciário analisar o mérito das decisões proferidas pela Administração em tais processos? O que se faz necessário observar num processo administrativo disciplinar para que a segurança jurídica esteja presente? As respostas para estas questões trazem, em sua envergadura, a busca da mitigação de violações de garantias básicas do servidor, que, muitas vezes, sofre toda sorte de injustiças por conta de procedimentos equivocados adotados em um Processo Administrativo Disciplinar – PAD, abrindo portas para possíveis declarações de nulidades pelo Poder Judiciário. Convém assim ressaltar, que a temática se reveste de grande valor para a sociedade, para o mundo acadêmico e para a Administração Pública. Para a sociedade e para a academia, visto que atualmente milhares de brasileiros almejam ingressar no serviço público, e que esse desejo tem como base, na maioria das vezes, as garantias que o serviço público pode oferecer, como a necessidade prévia de processo administrativo disciplinar para a imposição de sanções ao servidor. No entanto, o desenvolvimento de processos administrativos dessa natureza, sem a observância das normas previstas no ordenamento jurídico, põe em risco as garantias fundamentais do servidor que é a mola mestra da Pública Administração. Daí, a importância do controle judicial que limita a imposição arbitrária de medidas punitivas ao servidor público.

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SEGURANÇA JURÍDICA EM FACE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

No entender de Borges e Juruena (2002), a perspectiva de se obter a segurança jurídica não foi estabelecida na modernidade, mas desde os primórdios da organização jurídica. Contudo, foi somente a partir da constituição do Estado Democrático de Direito que a segurança jurídica passou a ser balizada por garantias constitucionais e valores que permitissem a estruturação de direitos validados nos atos estatais. Nesse contexto, Lima Júnior e Nogueira Neto (2007) defendem que a segurança jurídica deriva da própria essência do Estado Democrático de Di-


reito, sendo uma das suas finalidades a garantia de um mínimo de constância e veracidade no convívio social organizado. Ela previne oscilações e surpresas que possam comprometer a orientação jurídica, assegurando o cumprimento da legislação. Ávila (2012, p. 255-260) leciona que a segurança jurídica está assentada na Carta Magna de 1988, em seu art. 1º, no sentido de garantir um valor, e qualifica-se como norma-princípio, significando apenas que, como princípio, incorpora e positiva uma importância em um nível de maior concretização, englobando a cognoscibilidade (necessidade de interpretação), confiabilidade (assegura estabilidade e continuidade normativa-imutabilidade) e calculabilidade (porque apesar da observância da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade, a previsibilidade não é absoluta, mas deve-se primar por um elevado grau de certeza em relação a indeterminação das normas). Para o retro autor (Ibidem, p. 261), em decorrência destes três fatores mencionados, a segurança jurídica “deixa de ser uma mera exigência de predeterminação para consubstanciar um dever de controle racional e argumentativo (controlabilidade de processos argumentativos)”. Na opinião de Tavares (2009, p. 728-729), o princípio da segurança jurídica tem como pressuposto fornecer uma estabilidade mínima à ordem jurídica, por isso está alocado nas denominadas cláusulas pétreas da Constituição. Em sentido amplo, abrange: a garantia do direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; a garantia em face de restrições legislativas dos direitos fundamentais (proporcionalidade) e, em especial, contra a retroatividade de leis punitivas; o devido processo legal e o juiz natural; a garantia contra o poder reformador da Constituição em cláusulas essenciais; o direito contra a violação de direitos e medidas de cunho retrocessivo (redução ou supressão de posições jurídicas já instauradas); a vedação do retrocesso em matéria de direitos fundamentais; o direito à proteção da segurança pessoal, social e coletiva; e o direito à estabilidade máxima da ordem jurídica e da ordem constitucional. O seu alcance estende-se até a inclusão das súmulas vinculantes como mais um elemento de segurança e previsibilidade na interpretação e aplicação do Direito.

Na concepção de Couto e Silva (2009, p. 8), a segurança jurídica pode ser compreendida a partir de duas vertentes distintas, uma objetiva e outra subjetiva. A objetiva abarca os limites à retroatividade dos atos do Estado, mesmo quando estes se classifiquem como sendo atos legislativos. Isto quer dizer a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. A outra natureza refere-se à proteção à confiança das pessoas no concernente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nas suas diversas esferas de atuação. Contemporaneamente, a doutrina brasileira aceita dois princípios abalizados, apesar das correlações existentes entre as naturezas descritas: o da segurança jurídica e o da proteção à confiança. A primeira existe quando indica a estabilidade das relações jurídicas; e a segunda se refere ao aspecto subjetivo, estando o Estado limitado em sua liberdade de alterar ou modificar sua conduta e atos. Portanto, para o referido autor, a segurança jurídica vista no âmbito subjetivo, isto é, da proteção à confiança adquire relevância igual ao princípio da legalidade devendo ser obedecida, a fim de efetivar a aplicação da lei nos casos concretos. A Constituição conduz ao obrigatório exercício da legalidade, por parte da Administração Pública. A não observância da proteção à confiança e do princípio da legalidade nos atos administrativos acarretam uma sensação de insegurança jurídica institucional, o que contraria o princípio da segurança jurídica, como bem coloca Mattos (2000, p. 196), a segurança jurídica nos atos administrativos públicos é o baluarte para garantir estabilidade numa relação jurídica com a própria Administração Pública, já que a insegurança jurídica pode estabelecer intranquilidade e a sensação de instabilidade nos servidores públicos. Para Carvalho Filho (2009, p. 34), é função da segurança jurídica impedir o estabelecimento da instabilidade nas situações jurídicas, evitando temores e incertezas para os administrados e o administrador (Estado). Bandeira de Mello (2011, p. 467) preceitua-a como o fundamento jurídico mais manifesto para a essência da coisa julgada administrativa. Portanto, funciona como garantia constitucional, tendo como Dezembro de 2014

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escopo a efetividade da segurança e da paz social, considerando os direitos que não perecem. Radbruch (2010, p. 199) defende que os valores jurídicos são elementos universalmente válidos da ideia do direito e resume tais valores em apenas dois: justiça e segurança, sem esta última se opor às mudanças, mas ser sempre observada. A visão jus comparativa se faz indispensável para o devido aprofundamento do princípio da segurança jurídica sob a ótica do processo administrativo disciplinar. A investigação de ordenamentos jurídicos estrangeiros em muito contribui para se avaliar a dogmática empregada no regime administrativo disciplinar federal brasileiro. De acordo com Valim (2012, p. 47-53), ao comparar os direitos alemão, francês e espanhol em relação à segurança jurídica, esta não se apresenta normatizada da mesma forma. Nos direitos alemão e espanhol, ela aparece nas suas cartas magnas, e o primeiro considera a segurança jurídica como um subprincípio do próprio Estado de Direito. O direito alemão, ainda, em um primeiro momento, trouxe a divisão dos aspectos objetivo e subjetivo da segurança jurídica. Enquanto o primeiro alcançaria os limites dos atos estatais, o segundo visava à proteção da confiança dos cidadãos em relação à conduta do Estado. Com sua Lei de Procedimento Administrativo, de 1976, tais aspectos foram reunidos, mas foram além: passou-se a distinguir o regime jurídico dos atos administrativos ampliativos e os atos restritivos, como também se “consagrou o preceito da previsão legal, segundo o qual as leis devem ser claras e densas, a fim de que a ação estatal seja calculável ao máximo” (Ibidem, p. 47-49). Por sua vez, o direito francês, embora não expressamente edificada em sua constituição, aproxima-se analogicamente de duas noções próximas. A primeira concernente ao artigo 2º, da Declaração de 1789, onde a segurança seria um direito natural, assim como o é a liberdade, a igualdade e a propriedade, e do seu artigo 7º que consagrou o habeas corpus, que deveria impedir que um homem fosse acusado ou detido sem que houvesse a previsão legal para isto. A segunda noção estaria ligada ao artigo 16 da mesma Declaração, e estaria vinculada à garantia de direitos que, junto com a separação 36

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de poderes, seriam pressupostos da própria existência da Constituição. Assim, o Conselho Constitucional da França recusa-se a entender a segurança jurídica como um princípio, porque ela estaria em um patamar anterior até mesmo aos princípios (Ibidem, p. 50-51). Finalmente, o direito espanhol, na opinião de Valim (Ibidem, p. 52-54), apresenta a segurança jurídica no seu texto constitucional de 1978, em seu artigo 9.3, e o consagra como um princípio geral do ordenamento jurídico. Ratifica-o mais adiante ao incorporar no artigo 3º da Lei 4/1999, Lei do Regime Jurídico das Administrações e do Procedimento Administrativo Comum, o respeito da Administração aos princípios da boa-fé e do que o legislador denominou de confiança legítima. Além disso, seu Tribunal Constitucional considera a segurança jurídica como a soma de certeza e legalidade, hierarquia e publicidade normativas, irretroatividade da lei restritiva e interdição de arbitrariedade. No direito pátrio, a previsão constitucional da segurança jurídica, segundo a classificação objetiva, encontra respaldo no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988 que preceitua: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Na guisa desse conhecimento, o direito adquirido é um dos temas que mais suscitam discussões no âmbito da teoria da segurança jurídica, não existindo consenso nem mesmo quanto a sua conceituação, sempre trazendo divergências e dúvidas em virtude da sua efetividade, o que denota a complexidade desse instituto. Para Bastos (2001, p. 43), “[...] direito adquirido constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei [...] e está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza suas leis”. Todavia, explica o autor citado, que a retroatividade da lei pode repudiar situações jurídicas antes consolidadas, sendo esta uma das nascentes basilares da segurança das pessoas em sociedade. A Constituição Federal de 1988 trouxe o respeito ao direito adquirido como direito e garantia fundamental, previstos no art. 5º, XXXVI, que assim, dispõe:


Art. 5º Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Observa-se, deste modo que, o direito adquirido integra os direitos e garantias fundamentais, e cabe ao legislador guardar equivalência e respeito às normas constitucionais. Vale lembrar o que diz o artigo 60, em seu § 4º quando trata das limitações materiais a propostas de emenda a Constituição. Dentre elas está assente a proibição de emendar a constituição de forma que viole os direitos e garantias individuais. Art. 60 A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]. § 4º não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...]. IV – os direitos e garantias individuais. Em virtude da segurança jurídica, o Poder Público respeitará limites quando travar relações com os particulares, devendo respeitar os limites estabelecidos para a verificação de quando se estará ou não diante de direitos adquiridos do particular frente ao Estado. Bandeira de Mello (1998, p. 24, 56-58) fala sobre isso: Em nome da segurança e estabilidade jurídicas – valores altamente prezáveis no direito e a fim de evitar a álea que colocaria em permanente sobressalto as partes de um vínculo jurídico – concebe-se que em certos casos a força da lei antiga projete-se no futuro involucrando relações constituídas – mas não encerradas – sob sua égide. É a teoria do direito adquirido que se presta excelentemente para agasalhar o propósito de colocar a saldo da incidência da nova lei certas relações, que assim percorrem o tempo encasuladas no abrigo

protetor das regras velhas. Estas sobrevivem para além de seu próprio tempo, com o fito específico de acobertar direitos que seriam muito frágeis e inconsistentes se não existisse este expediente jurídico. [...]. Sua função, portanto, não é a de impedir a retroatividade da lei. Sua função é diversa, qual seja: é a de assegurar a sobrevivência da lei antiga para reger estas situações. O que a teoria do direito adquirido veio cumprir – como instrumento de proteção contra a incidência da lei nova – foi precisamente a garantia da incolumidade perante os ulteriores regramentos a direitos que, nascidos em dada época e cuja fruição se protrairá, ingressarão eventualmente no tempo de novas leis. O que se quer é permaneçam indenes, vale dizer, acobertados pelas disposições da lei velha. [Grifos originais]. Portanto, o direito adquirido continua sendo garantia constitucional e é fruto de uma reivindicação social, fundada nos seus mais justos anseios e nas suas melhores tradições, evitando-se assim a quebra inconsequente da estabilidade social. O ato jurídico perfeito, por sua vez, nasceu da preocupação do Estado em promover a paz e a justiça social por meio da estabilização de sua organização política e necessitou fixar regras, a fim de que a sociedade encontrasse segurança nas relações jurídicas. Como já observado, a Constituição Federal de 1988 traz no art. 5º, inciso XXXVI, a garantia de segurança na estabilidade das relações jurídicas, na qual está inserido o ato jurídico perfeito. A composição jurídica do instituto encontra-se bem delimitada pelo art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, que tem a seguinte redação: Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. §2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a Dezembro de 2014

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arbítrio de outrem. §3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. Os institutos descritos por se tratarem de direitos fundamentais, foram disciplinados de forma especial pelo poder constituinte originário, visando conferir segurança e estabilidade às relações jurídicas que são estabelecidas continuamente no seio social. Já o instituto da coisa julgada, segundo Nery Júnior (2010, p. 66-67), referindo-se às atividades do Poder Judiciário, reflete a manifestação do Princípio do Estado Democrático de Direito, ou seja, a coisa julgada é elemento de existência do Estado Democrático de Direito. Descumpri-la seria negar esse referido Estado, fundamento da República Brasileira. Dessa forma, a norma não pode modificar a coisa julgada material, pois ela é instrumento de pacificação social. Didier Jr. (2008, p. 478) concorda com isso, e também considera a coisa julgada um instituto jurídico que, agregado ao conteúdo do direito fundamental e à segurança jurídica, elemento essencial assegurado pelo Estado Democrático de Direito, presente no ordenamento brasileiro, no art. 5º, XXXVI, CF. “[...] A coisa julgada é a imutabilidade da norma jurídica individualizada contida na parte dispositiva de uma decisão judicial”. Por isso, diz Chiovenda (2002, p. 446), coisa julgada se traduz no “bem da vida que o autor deduziu em juízo (...) que uma vontade concreta da lei o garante ao seu favor ou nega ao réu depois que o juiz o reconheceu ou desconheceu com a sentença de recebimento ou de rejeição da demanda”. Na concepção de Mazzili (1998, p. 493), a coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença, obtida através do trânsito em julgado. Para esse autor, “toda sentença, independentemente de ter transitado em julgado, é apta a produzir efeitos jurídicos; coisa julgada é apenas a imutabilidade desses efeitos, por meio da qual se impede que as partes discutam a mesma causa novamente”. Liebman (1995, p. 19-20) diz que a coisa julgada é uma qualidade da sentença e de seus efeitos, qualidade esta que consiste em sua imutabilidade. No que tange à imu38

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tabilidade e aos efeitos da coisa julgada, o art. 5º, XXXVI CF/88, diz que “a imutabilidade da sentença é um dogma constitucional deixando, assim, os casos já decididos a salvo, inclusive, do advento de lei posterior, ou seja, nem a edição de uma nova lei pode abalar a soberania da coisa julgada”. Nesse caso, trata-se, de considerar o valor da segurança jurídica, em face de valores constitucionais mais elevados, utilizando o princípio da proporcionalidade. De acordo com Garcia (Op. Cit., p. 50-53), a coisa julgada está diretamente ligada ao princípio da segurança jurídica, e isso faz com que sua esfera judicial extrapole para incidir no contexto social e político: ela assegura estabilidade à tutela jurisdicional do Estado. 2.1 SEGURANÇA JURÍDICA NOS ATOS ADMINISTRATIVOS: CONTROLE JURISDICIONAL SOBRE AS SANÇÕES DISCIPLINARES Unes Pereira (2007, p. 34) ensina que a segurança jurídica, ao longo da história, foi configurando-se como um valor fundamental decorrente do Estado de Direito; e tal proposição deveu-se, conforme explicita Souza (1996, p. 25), ao surgimento e avanço do capitalismo e do liberalismo que precisavam de certeza, legalidade e objetividade nas relações jurídicas e previsibilidade na ação do Estado; como confirma Weber (1989), aspectos inexistentes no patrimonialismo. Na concepção de Hobbes (1990), a segurança era necessária por conceber que o homem era “lobo do próprio homem”, e, por essa razão, a necessidade de segurança contra a violência. Já Locke (1994) considerava ser imprescindível a proteção do Estado para assegurar ao grupo social os direitos naturais, tais como: direitos à liberdade, à vida e à propriedade. Naquele momento histórico-filósofico, a maior preocupação era garantir a existência de uma lei universal, geral e abstrata, a fim de afiançar a liberdade e igualdade dos indivíduos. No século XX, a segurança jurídica perdeu sua posição de destaque em virtude do colapso do Estado do Bem estar Social e aumento das desigualdades sociais, configurado pela exploração do homem no Estado liberal, principalmente, com


a Revolução Industrial, como afirma Carvalho Netto (2004, p. 34-35). No campo do direito administrativo, ela é medida pelo maior ou menor grau de generalidade e previsibilidade a compreensão e aplicação das normas pertinentes à atividade dos agentes públicos, bem como no desenvolvimento de suas atividades na pública administração. Poder-se-á dizer que ela impõe a perfeita compreensão entre o que é jurídico e antijurídico, daí se trazendo solução que melhor atenda a vida em sociedade. Além disso, ela se constitui na certeza e transparência dos atos administrativos e na ciência prévia dos seus efeitos em acordo com o direito. A segurança traduz a certeza na permanente determinação dos efeitos que a ordem jurídica atribui ao fato oriundo de determinado procedimento levando o cidadão a saber previamente a consequência de suas ações. Em sociedade, a vida só é possível pelo consenso, como apregoa Habermas (2003, p. 92), mas diante da diversidade do entendimento do que é justo, jurídico, há de haver um poder maior que dirima tal questão: a pública administração. Segurança jurídica, no direito administrativo, assim, visa assegurar à aplicação das normas legais de forma estável e previsível, favorecendo, assim, o surgimento da legalidade ampla da isonomia e da proteção ao interesse público. Há, ainda, de se observar que a segurança jurídica exige não só a apreciação literal da lei, mas que se submeta a sua literalidade interpretativa a uma exegese restritiva. Não há de se aliar uma livre interpretação do texto legal da norma. Esta terá de ser encarada de forma criativa, exegética, mas que não desborde para o abuso absoluto da literalidade da lei. O princípio da legalidade não pode, portanto, ser absoluto, mas deve ser sempre preferível a sua preservação, com pequenos reparos, visando garantir a segurança jurídica. Ferraz e Abreu (2008, p. 115) dizem que: “O princípio da segurança jurídica ou da estabilidade das relações jurídicas impede a desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas, mesmo tendo ocorrido alguma inconformidade com o texto legal durante sua constituição”. A Lei 9.784/99 é precípua na defesa da estabili-

dade das relações jurídicas, ex vi dos artigos 2º inciso XIII e art. 55, do referido diploma legal. O artigo 2º veda a aplicação retroativa de nova interpretação da norma administrativa e o art. 55 autoriza a manutenção por convalidação de decisões eivadas de vícios sanáveis. Não é demais dizer que a segurança jurídica, portanto, em direito administrativo estará razoavelmente realizada quando se aliarem à lei, à realidade e às políticas estatais amalgamadas pelo bom senso jurídico e uma visão sistemática. Neste contexto, se inclui o processo administrativo disciplinar que garante ao servidor público saber antecipadamente a forma em que se verá processado e onde não haverá lugar para o arbítrio que decorrerá da imposição do que é razoável que por sua vez, defluirá da aplicação dos princípios fundamentais do contraditório e da ampla defesa. No entanto, apesar de ter grande importância para o equilíbrio do ordenamento jurídico, o controle judicial não é ilimitado, havendo necessidade de submissão aos limites trazidos pela Constituição Federal e aos princípios jurídicos. Tal controle requer o respeito ao princípio da universalidade da jurisdição ou princípio da inafastabilidade da jurisdição e traduz a noção monopólio Estatal do poder jurisdicional. O processo é meio do Estado utilizado para a resolução de litígios entre as partes, que objetiva assegurar aos cidadãos os seus direitos, juntamente com a aplicabilidade de outros princípios, tais quais, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e juiz natural. Na seara administrativa, este princípio é visualizado na razão em que não há formação de coisa julgada administrativa. As decisões tomadas pela Administração Pública não são eivadas de definitividade, podendo ser revisadas pelo Poder Judiciário. Outro reflexo deste princípio no campo do Direito Administrativo é o fato de não ocorrer a chamada instância administrativa de curso forçado. Exceto quando se tratar do instrumento de habeas data e aos litígios desportivos, a utilização prévia da esfera administrativa não será condição para propositura de ação judicial. Entretanto, deve-se observar que a jurisdição do Estado não é absoluta e ilimitada. Devendo-se levar em consideração limites decorDezembro de 2014

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rentes da organização estatal e de princípios constitucionais como, por exemplo, o princípio da separação dos poderes. Este princípio surge com o sistema de tripartição de poderes de Montesquieu (1989), segundo o qual, os poderes atuarão com independência, não existindo subordinação entre eles. A Constituição Federal acolheu este princípio em seu artigo 2º, estabelecendo que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Sua importância é tamanha que o constituinte a enquadrou como cláusula pétrea explícita na Constituição. Isto quer dizer que não será objeto de deliberação a proposta tendente a abolir o princípio da Separação dos Poderes. A separação dos Poderes e a harmonia que lhes é afeta é necessária para que os Poderes não exorbitem das suas funções, vedando a usurpação da função alheia, posto que lhe foi concedida a faculdade de estatuir sobre as matérias correspondentes às funções que deve desempenhar, podendo, assim, realizar uma auto-ordenação. Desta feita, pode cada Poder, diante dessa faculdade constitucionalmente estatuída, também, corrigir o que os demais indevidamente ordenarem, impedindo a indesejada intromissão, com o fito de manter o equilíbrio constitucional das funções estatais, podando tudo qual for ilegal. Essa, pois, é visão de Montesquieu: não só a partição dos Poderes, mas, sobretudo, o controle mútuo com limitações recíprocas por órgãos diversos. E ainda, nas palavras de Mendes (2009, p. 220), o princípio da separação dos Poderes deve ser compreendido de maneira que se coadune com a Constituição, albergando as diferentes realidades constitucionais, de modo a criar um “círculo hermenêutico” no qual haja uma interação entre a teoria da constituição e a experiência constitucional, de forma que uma complete a outra. Meirelles (2011, p. 157) afirma, com propriedade, nesse contexto, que o ato administrativo “é, fundamentalmente, aquele que tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, diferenciando-se, no entanto, no que tange à finalidade pública que lhe é inerente”. Bandeira de Mello (2011, p. 389), por sua vez, entende o ato administrativo como a declaração do Estado du40

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rante o exercício de prerrogativas públicas, que se manifesta por meio de providências jurídicas para complementar a lei visando lhe conferir cumprimento, estando estas sujeitas ao controle de legalidade por órgão jurisdicional. Bacellar Filho (2012, p. 46-47) também apresenta uma definição para ato administrativo, segundo a qual este se distingue do ato jurídico pelo simples fato de estar vinculado à finalidade pública, ainda que não seja mencionado pela norma competente. Assim, entende o autor que, é dever do agente público manifestar sua vontade tendo como fundamento a finalidade específica da natureza da atividade que exerce. Importante reafirmar que todo ato administrativo é regido pela discricionariedade e pela vinculação, sendo em ambos os casos indispensável à procedimentalização, eis que são eles que conferem a segurança ao cidadão, no que tange à melhor opção pelo administrador para o caso concreto. Observa-se, então, que tais modalidades estão intimamente ligadas ao ato administrativo, cuja finalidade é evitar que o agente público atue de forma a satisfazer suas vontades individuais em detrimento do bem da coletividade. 2.2 SEGURANÇA JURÍDICA E O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR O processo administrativo disciplinar abrange a Pública Administração que foi, em tese, lesada pelo infrator que, via de regra, é o servidor público. Sem embargo desta abordagem direta, o direito administrativo, ramo do direito público, possui um condão processual que envolve os servidores públicos, quando descumprirem leis, regras, deveres e proibições estabelecidos nas legislações e estatutos respectivos. Por uma questão de ordenamento lógico, importante frisar que não é objetivo precípuo da Administração punir seu servidor, mas ocorrerá no momento que este der causa, ferindo os parâmetros já mencionados. Por outro lado, o agente público deve ser visto com dignidade humana e a ele é conferido, na qualidade de indivíduo, direitos fundamentais que não podem ser feridos. Nesse aspecto, a segurança jurídica, no âmbito constitucional, visa


evitar comportamentos imprudentes, arbitrários e ilegais por parte da Administração, cuja temática será abordada nos itens seguintes. Vários e diversificados são os elementos que oferecem sua contribuição para a estrutura basilar do que, hoje, poder-se-ia denominar de sistema de tutela dos direitos fundamentais. A análise dos direitos fundamentais encontra hoje um amplo consenso e constitui um conjunto de considerações e de conceitos amplos. Para Didier Jr. (Op. Cit., p. 27-29), a teoria dos direitos fundamentais representa a maior contribuição do constitucionalismo pós Segunda-Guerra Mundial. Atualmente, os processualistas progrediram acerca deste tema, e não a estudam apenas na perspectiva de institutos processuais à luz da Constituição, mas, sobretudo, com base num determinado tipo de norma constitucional que prescreve os direitos fundamentais. No direito administrativo, a consecução do bem estar social e justiça repousam no estabelecimento de valores claros, éticos e morais para a atividade administrativa, visando tornar conhecido o modo de atuação da Administração. É dentro deste contexto que se encontra a segurança jurídica, disseminando a tranquilidade e a convivência pacífica entre os cidadãos. Com o objetivo de obter maior rapidez e eficiência nas decisões administrativas, devem ser observados princípios que visem reduzir os excessos de poder da Administração Pública em seus atos, especialmente, quanto ao princípio do controle judicial dos atos administrativos. Todos esses elementos são indispensáveis para preservar o chamado princípio da segurança jurídica. Este princípio encontra fundamento no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o qual garante que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito. Ou seja, a Administração está submetida ao controle final do Judiciário que só age por provocação. Bandeira de Mello (1998, p. 124) apresenta lição sobre este princípio explicitando que ao Poder Judiciário compete resolver quaisquer litígios de direito, uma vez que detém a universalidade da jurisdição, “respeitando à legalidade ou à consonância das condutas públicas com atos normativos infralegais no que atina à constitucionalidade delas”. Por consequência, “tan-

to anulará atos inválidos, como imporá à Administração os comportamentos a que esteja de direito obrigada, como proferirá e imporá as condenações pecuniárias cabíveis”. Frente aos aspectos já descritos, verifica-se que na Administração Pública, a legalidade que confere segurança jurídica tem finalidade primordial. Por isso fica evidente a presença definidora dos princípios constitucionais na gestão pública, de tal forma que todo ato administrativo que não for praticado dentro da legalidade deve ser considerado imoral ou ilegal. 2.3 ASPECTOS E PECULIARIDADES DA SEGURANÇA JURÍDICA: LEIS 9.784/99 E LEI 8.112/90 “As teorias jurídicas modernas sempre procuraram realçar a crise conflituosa entre os princípios da legalidade e da estabilidade das relações jurídicas.” Esta constatação de Carvalho Filho (Op. Cit., p. 34) manifesta a relevância da segurança jurídica que confere estabilidade nas relações decorrentes da lei. Nesse entendimento, faz-se necessário, compreender alguns aspectos de fragilidade da segurança jurídica no âmbito do processo administrativo disciplinar, a serem discutidos nesse tópico. A segurança jurídica, nesse bojo, deve ser absorvida como um sustentáculo do Estado de Direito, porquanto após o advento da norma positivada o cidadão passou a usufruir de tais garantias legais contra o abuso e arbítrio dos governantes. Na guisa deste entendimento, foi esclarecedor como isso é defendido por um dos maiores juristas da atualidade. No XII Congresso Brasileiro de Direito do Estado, em 9/5/2012, o então presidente do STF, Ministro Carlos Ayres de Britto, em sua palestra destacou como o positivismo é bom porque gera segurança jurídica: “os valores são alterados com a evolução social em face da cultura burocrática”. Por conta disso, a segurança jurídica reveste-se de um caráter muito mais permanente diante de valores que são tão voláteis. Pavajeau (2012, p. 177) sustenta que a dogmática, como ciência, ao postular que a teoria se constrói a partir do direito positivo vigente no Estado, atendendo aos princípios, valores e direitos constiDezembro de 2014

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tucionais fundamentais, com o controle que impõe sua necessária construção sistemática e sua possibilidade de ser corrigida por critérios de justiça material inerentes à Carta Política é a melhor opção conhecida hoje para ajustar a subjetividade judicial, impossível de erradicar tudo, visto que o juiz é um ser humano e, portanto, é falível. Martins (1996, p. 17) diz que o Estado de direito é “o Estado que submete seus atos, em relação aos cidadãos, às decisões judiciárias. O Estado de direito é aquele que reconhece os direitos individuais, cuidando de acatar e fazer cumprir o direito por ele mesmo instituído”. Nessa incansável busca pela segurança jurídica e com o advento da Carta Política de 1988, foi imposta aos administradores públicos uma série de limitações, notando-se, destarte, grande avanço na persecução administrativa, concluindo-se que a segurança jurídica constitui-se ora numa expectativa positiva, quando o indivíduo recebe uma prestação do Estado, ora numa negativa, quando o Administrador Público se abstém de praticar algum ato que lese algum direito civil ou de cidadania, de forma voluntária (autotutela) ou compulsoriamente (decorrente de ação judicial). Com efeito, malgrado o Estado Moderno experimentar todas essas limitações, sempre em tributo à salvaguarda dos diversos direitos e garantias fundamentais, não se apresenta incomum os noticiários reportarem a constante violação dos preceitos mais singelos de seu povo. Um exemplo disso é a mitigação dos direitos fundamentais no Processo Administrativo Disciplinar. É cristalina a fragilidade da segurança jurídica, ao menos no âmbito do direito disciplinar administrativo, mormente quando se constata a ausência de zelo e tecnicidade da persecução administrativa. Pode-se enumerar, num rol meramente exemplificativo, a constante violação do devido processo legal; a falta da especialização das comissões administrativas, sob a alegação do formalismo moderado intrínseco às sindicâncias; a ausência de comprometimento com a verdade real; a influência externa de elementos estranhos ao procedimento disciplinar; a inconveniente, na maioria das vezes, supremacia do interesse público etc. Tudo isso fragiliza a segurança jurídica. 42

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Um dos maiores empecilhos enfrentados pela Administração Pública é a falta de especialização das comissões e sindicâncias, uma vez que, em virtude da sua costumeira ingenuidade jurídica - não obstante o empenho destas - por vezes ocorrem violações à segurança jurídica, até mesmo porque a persecução administrativa nem sempre é composta por um operador do direito. Desta forma, a fragilidade da segurança jurídica se inicia quando instaurada uma comissão despida da devida especialização, qualidade esta inerente a qualquer atividade persecutória; agrava-se quando se lhe é dispensada a defesa técnica do investigado e, por fim; agiganta-se quando, igualmente, se lhe desobriga do exaurimento da ampla defesa e do contraditório, bastando simplesmente a aparência ou indícios de sua existência. Neste desiderato é que, não raro, o investigado passa a ter medo mais de uma sanção administrativa que de uma eventual cominação judicial, porquanto é, como já afirmado, nítido que, às vezes, a técnica da persecução administrativa é desprezada pelas comissões disciplinares e sindicâncias, sob a pueril alegação de que o processo administrativo é pautado no informalismo/formalismo moderado. Ora, esta ideia é tida como universal quando o Poder Judiciário, equivocadamente, assentou a possibilidade de correção dos atos administrativos, sob a singela justificativa de que os atos administrativos, ao menos formalmente, também são suscetíveis de ação judicial. Em casos como tal, todavia, a correção da injustiça praticada em nada favorece a segurança jurídica, pois tal comprometimento com a segurança jurídica deveria ser prévio à ação judicial proposta contra o arbítrio perpetrado, não se apresentando, assim, como razoável a alegação de que o informalismo/formalismo moderado deve preponderar no processo disciplinar, visto que, conforme afirmado em capítulo anterior, o princípio do formalismo moderado se aplica de forma restrita aos processos administrativos disciplinares, pois quanto maior for a natureza punitiva do processo, maior deverá ser sua formalidade. Assim, caso não se queira dar a mesma aparência de um processo judicial, ao menos que se lhe sejam impostas regras específicas e delimitadoras da atuação do adminis-


trador público em sua função investigativa. A Lei nº 8.112/90, não obstante, contempla algumas hipóteses de transgressões disciplinares. A referida norma não exaure as possibilidades, havendo sempre a probabilidade da indevida ocorrência de analogia ou interpretação de leis esparsas contra o investigado. É neste particular que, até mesmo, a ausência de defesa técnica é acolhida no âmbito do processo administrativo, aplacando, inclusive, a ideia de que ninguém será privado de seu patrimônio sem o devido processo legal e, uma vez que a Lei nº 8.112/90 contempla a perda da função pública como sanção administrativa, sempre sob a justificativa, frívola, por algumas autoridades estatais, diga-se de passagem, do informalismo/ formalismo moderado procedimental. Não há que se falar em segurança jurídica nos processos administrativos disciplinares, porquanto tal garantia fundamental for constantemente atacada, por todos os flancos, sendo, inclusive, comum a não observação do princípio do devido processo legal, tema a ser abordado no item seguinte. Outra mitigação existente é do devido processo legal. Este deve ser absorvido como uma garantia efetiva do funcionário público para que este não seja espoliado de seus bens, sem que lhe ofertem as garantias mínimas. Em bem da verdade, a Lei nº 8.112/90 prevê a perda da função pública (nem sempre é possível a perda sem a judicialização) como sanção imposta por um processo administrativo disciplinar. O direito penal igualmente contempla a mesma cominação, todavia, exige a presença de diversos fatores para que ocorra tal penalização ao investigado. Em casos como tal, é de se notar que num processo administrativo disciplinar, o investigado encontra-se normalmente despido de suas garantias mais sensíveis, podendo a ele ser imputada sanção e de igual modo, ser punido na esfera judicial, com idêntica punição. Veja-se, a propósito, o magistério de Teixeira (2010, p. 111), in verbis: As garantias da ampla defesa e do contraditório devem ser encaradas pela comissão como a base da condução do processo, pois são os pilares da validade dos atos processuais, da decisão prolatada e de todo o processo em si, independentemente do

rito (se processo administrativo disciplinar em rito ordinário ou sumário ou se sindicância punitiva). A comissão deve reservar, no curso de todo o apuratório, constante atenção a esses dois direitos, visto que, como regra, no processo administrativo disciplinar, sua inobservância é a causa mais comum de nulidade. É neste ponto que se vê, infelizmente com o apoio da jurisprudência pátria, inclusive com a edição da Súmula Vinculante nº 5, que o princípio do devido processo legal não tem aplicação, ao menos com toda a sua acepção, nos procedimentos administrativos. Tal conduta além de mitigar as garantias constitucionais provoca, não raramente, graves injustiças aos investigados vez que, na maioria das vezes, o mesmo não possui nenhum conhecimento jurídico, não se encontrando, destarte, apto a promover sua defesa técnica. A propósito, veja-se o que preleciona a Lei nº 8.112/90, por seu art. 156, in verbis: Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. Nesse aspecto, sendo a mitigação do devido processo legal uma decorrência lógica da falta de especialização das comissões investigativas e da ausência de normas que exaurem as possibilidades e limites das comissões disciplinares ou de sindicância, tem-se que, de igual forma, é alvo deste tratamento, outras violações aos direitos e garantias constitucionais que findam por fragilizar a segurança jurídica do funcionário público. Outra mitigação possível é do princípio da verdade real. É cediço que prepondera no direito penal a necessidade da investigação da verdade real, todavia tal princípio não tem aplicação aos procedimentos disciplinares, independentemente de viger na doutrina administrativista o princípio da livre investigação das provas, que possibilita o aferimento das provas por todos os meios permitidos pelo direito. Em virtude da ausência de especialização técDezembro de 2014

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nica das comissões, este princípio, quase sempre, é relegado a um segundo plano, existindo, muitas vezes, contágio destas provas com fatores exógenos, como afirmado alhures no item respectivo. Alie-se a isto o fato de que algumas sindicâncias foram constituídas por integrantes sem a devida noção de imparcialidade, até mesmo por conta dessa indevida contaminação, quer seja por fatores externos ao ambiente de trabalho, quer seja por uma ideia pré-constituída acerca do caso sob investigação, ou até mesmo por uma acepção equivocada do caso sob investigação. Em assim sendo, ao não se buscar a verdade real no procedimento administrativo, este quase sempre estará suscetível à contaminação de diversas influências externas, desde uma simples falácia no ambiente de trabalho ou até mesmo um noticiário tendencioso poderá provocar toda a sorte de influências negativas, alterando, por conseguinte, o deslinde das investigações e conclusão do processo disciplinar. Tal conduta desvirtua a busca pela verdade real, contribuindo para que a aplicação deste primado seja bem aquém de sua importância para o adequado desenvolvimento do PAD, sem contar o imensurável prejuízo ao investigado que suportará o ônus de provar a sua inocência, quando a doutrina exige que o órgão acusador que demonstre e comprove a conduta irregular do increpado. De mais a mais, deve-se ter em mente que os princípios do processo penal ou mesmo de natureza civil, deverão ser, na medida do possível, aplicados aos procedimentos administrativos, quer sejam simples sindicâncias, quer sejam processos disciplinares dos mais complexos. Com efeito, se a verdade real não encontra eco na investigação administrativa é, tão somente, uma mera consequência da ideia de que o procedimento administrativo deve albergar uma concepção reducionista e informal, confirmando-se, mais uma vez, a fragilização da segurança jurídica. Além das já referidas influências externas, há de se mencionar outro item que colige à fragilização da segurança jurídica nos procedimentos administrativos disciplinares ou sindicâncias, que é a sublevação dos ônus procedimentais, até mesmo em virtude da ausência de normas específicas para 44

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tanto. Ora, é cediço que vigora no sistema jurídico a presunção da inocência, todavia no microssistema administrativo a persecutio ocorre de forma autoritária e, não raramente, o investigado é tido como culpado antes mesmo da inauguração da sindicância. Uma evidência da afirmação acima é que na legislação de regência somente se vislumbra, costumeiramente, as hipóteses de condutas sujeitas a sanções, não se contemplando os casos de excludente de ilicitude, como ocorre no âmbito do direito penal, em que se prestigia, por mandamento de matriz constitucional, a presunção de inocência, como se vê do art. 5º, LVII, in verbis: “Art. 5º - [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ora, se a própria legislação administrativa adotou as normas processuais penais como as adequadas para disciplinar os procedimentos administrativos, conclui-se que a Administração Pública não deveria se olvidar em oferecer ao funcionário investigado as mesmas garantias do direito penal. Acontece que tal conclusão não se apresenta como verdadeira, quer pela falta de qualificação técnica dos agentes, quer pela carga de parcialidade que trazem consigo, ou até mesmo pelo sistema que se demonstra discricionário para tanto. De mais a mais, como já afirmado aqui, o Poder Judiciário não se exclui de apreciar, ao menos formalmente, o procedimento levado a cabo pela Administração Pública, vez que a Teoria da Separação dos Poderes inviabiliza, acertadamente, o exame do mérito administrativo. Como já visto, a segurança jurídica a ser assegurada aos cidadãos, é mais que um elemento limitador da atuação da Administração Pública que, na ausência de normas administrativas específicas, deve-se utilizar, subsidiariamente os princípios do direito penal e do processo penal para suprir as lacunas legais. Neste sentido, Ferraz (2012, p. 122) enumera uma série de temas que findam por refletir a conduta dos administradores públicos em promover o bem comum, sempre com a ideia de privilegiar o Estado Democrático de Direito, quais sejam: irretroatividades das leis e demais atos estatais, dever do Estado dispor sobre regras transitórias, responsabilidade pré-negocial do Estado e manutenção


do mundo jurídico de atos administrativos inválidos. Sem embargo da enumeração acima, pode-se ainda colacionar outros elementos, oriundos da disciplina penal, que igualmente são assegurados aos funcionários públicos e confirmadores da segurança jurídica, e neste contexto, imperioso trazer à baila quatro fatos jurídicos importantes para a manutenção de tal princípio, com relação ao processo administrativo disciplinar, como: a interpretação da norma administrativa, a decadência, a prescrição e a reformatio in pejus, que serão detalhados a seguir. Para melhor compreensão da influência do instituto da reformatio in pejus, elemento cogente para a manutenção dos direitos e garantias fundamentais, ele proíbe a transformação para pior de um status jurídico previamente estabelecido, sempre em obediência ao ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido. A Lei nº 9.784/99 prevê a possibilidade de existir a reformatio in pejus, a teor de seu art. 64, in verbis: Art. 64 - O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência. Parágrafo único - Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão. Malgrado a expressa disposição na Lei nº 9.784//99 a doutrina e a jurisprudência ainda se mantêm vacilantes acerca da possibilidade de ocorrer a reformatio in pejus administrativa. Há uma corrente majoritária que propugna a impossibilidade da reformatio in pejus, porquanto tal conduta mitigaria primados de matrizes constitucionais, especialmente o do devido processo legal, sem contar que a possibilidade de agravamento da sanção poderia impor dificuldade no manejo dos recursos administrativos, inviabilizando, destarte, a ampla defesa, consoante leciona Silveira (2005, p. 69). Em contrapartida, a tese minoritária afirma ser possível a reformatio in pejus, desde que sejam prestigiados os princípios da legalidade, indisponibilidade do interesse público e a verdade material, convergindo,

ainda, para tal possibilidade da reformatio in pejus, que venham à tona fatos novos ou ainda que sejam verificadas a presença de circunstâncias excepcionais que possam demonstrar a impropriedade do ato administrativo vergastado. Neste particular, a Lei nº 9.784/99 estipulou, expressamente, por intermédio de seu art. 65, in verbis: Art. 65 - Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. Parágrafo único - Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção. Em assim sendo, extrai-se, através da inteligência do parágrafo único, que em caso de revisão do procedimento administrativo disciplinar não será admissível a reformatio in pejus, posição que tem sido referendada pelo Supremo Tribunal Federal, em seus diversos julgados. Sem precisar se alongar muito na polêmica entre a terminologia acerca do uso de decadência ou prescrição na Administração Pública, a doutrina, hodiernamente, ainda discute acerca da matéria, vez que a Lei nº 9.784/99, infere que o instituto referido é o da decadência, in verbis: “Art. 54 - O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. Assim o é, por exemplo, o entendimento de Frota (2012, p. 21) que entende que o melhor termo seria decadência disciplinar. Os doutrinadores que compartilham com esse entendimento o fazem, ainda, albergados na ideia de para que aconteça uma sanção disciplinar não há necessidade de ação, porquanto esta faculdade é inerente ao poder de autotutela estatal. De efeito, não há necessidade do beneplácito do Poder Judiciário para que tal punição seja imposta. Não havendo por que falar-se em prescrição, como assevera Costa (2006, p. 271). Seu posicionamento é parcialmente dissonante: embora ele considere do ponto de vista teorético, o apropriado seria falar em decadência disciplinar, seria mais prático se faDezembro de 2014

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lar em prescrição, seja porque a legislação remete a este instituto, seja por conta das questões inerentes à interrupção, o que descaracterizaria a decadência. Nesse entendimento, tanto a legislação infraconstitucional quanto a Carta Magna, trazem em seu bojo motivos de suspensão e interrupção do direito de agir do Estado em face do funcionário faltoso. Em tese, somente a prescrição comporta causas de suspensão ou interrupção. Em bem da verdade, como antes afirmado, os efeitos práticos são iguais tanto para a ocorrência de prescrição quanto decadência, cabendo salientar que o art. 1º da Lei nº 9.873/99, estabelece em cinco anos o prazo prescricional da pretensão punitiva administrativa do Estado. Deste dispositivo citado, se denota, destarte, que a discussão é meramente acadêmica e pouco influencia o estudo da segurança jurídica o fato da impossibilidade do Estado sancionar, por decorrência da passagem do tempo, sendo um direito potestativo ou subjetivo. Em assim sendo, a segurança jurídica se presta a limitar a ação estatal, principalmente quando impossibilita que o jurisdicionado fique entregue à própria sorte e esteja subjugado à álea estatal. No pensamento de Couto e Silva (Op. Cit., p. 7), “é uma garantia do funcionário naquilo que concerne à proteção da confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação”. Em casos como tal, o fundamento do Estado Democrático de Direito, a segurança jurídica, requer da prescrição ou da decadência, como queira, o status de ser um dos seus pilares, porquanto assegura ao servidor a imutabilidade de sua situação funcional em virtude da inércia administrativa. Neste diapasão, o Estado Moderno encontra uma limitação, de cunho temporal, para que possa exercer o seu poder de autotutela, “até mesmo porque tal situação resultaria numa evidente ofensa ao princípio a possibilidade de ser imposta sanção a qualquer tempo, mesmo após o decurso de longo período” (Ibidem, p. 25). Esta limitação, nos termos do § 1º, do art. 142 da Lei nº 8.112/90, deve começar no dia em que a conduta tida como irregular tornou-se conhecida. 46

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Ainda que de cunho eminentemente subjetivo, porquanto a norma, expressamente, não indica o dies a quo, limitando-se apenas a dizer no dia em que o fato tornou-se conhecido, é de se perguntar: conhecido de quem? A melhor solução para a controvérsia é a tese que o termo inicial da prescrição ocorra no momento em que o mesmo aconteceu, contudo nos casos em que tal solução seja inviável, a contagem do prazo prescricional deve coincidir com a data em que a autoridade competente para apuração da conduta tida como irregular venha a tomar conhecimento da mesma. Aduz a legislação pertinente, art. 143 da Lei nº 8.112/90, que a autoridade administrativa, ao tomar conhecimento de qualquer infração à legislação, deve instaurar o procedimento disciplinar cabível para apurar a situação e aplicar o que for de direito. Contudo, o princípio da segurança jurídica determina um prazo razoável para que o suposto infrator seja processado, julgado e punido, uma vez que o instituto da prescrição materializa-se pelo decurso de prazo. Na seara da Administração Pública, se conclui que a prescrição em face do ilícito, decorre a partir do momento em que se finda o prazo legal com a inércia do titular do poder punitivo, desde que este não tome as providências cabíveis para aplicar a sanção disciplinar. Desta forma, a lei estabelece prazos extintivos, os quais, após extrapolados, retira da Pública Administração a possibilidade de punir os suspeitos. É inadmissível, em um Estado Democrático de Direito, que qualquer cidadão passe a sua existência sujeito à incerteza em saber se será processado, aguardando indeterminadamente a vontade exclusiva do Poder Público. Percebe-se, então, a relevância da segurança jurídica em impedir disparates deste gênero. Sobre o tema, Bacellar Filho (Op. Cit., p. 451) afirma que: “O instituto da prescrição está destinado a tutelar a segurança jurídica e, por essa razão, encontra-se intimamente ligado ao estado democrático de direito“. A interpretação da norma administrativa é outro elemento balizador da segurança jurídica no momento em que permite a adequada aplicação dos preceitos legais ao fato em concreto. E interpretar, diz Larenz (1997, p. 441) é “a mediação pela qual


o intérprete compreende o sentido de um texto, que se lhe tinha deparado como problemático [...] interroga o contexto textual e o seu próprio conhecimento do objeto de que no texto se trata”. Na concepção de Tavares (2006, p. 149-150), a interpretação constitucional possui uma função mediadora que permite uma convivência harmoniosa entre a sua supremacia e a legislação que nasceu democraticamente. A técnica desse tipo de interpretação tem promovido parcialmente um fenômeno de constitucionalização do Direito, mormente na sua versão contextual e sistemática, justamente a que o STF emprega para fazer vigentes e eficazes os atos normativos editados pelo legislador. O resultado disso é o comprometimento do ato normativo com a Constituição, in verbis: “uma via de mão dupla, que acaba por compromissar e comprometer sentidos e significados possíveis de uma Constituição, numa tarefa que, aparentemente, seria relacionada apenas à legislação infraconstitucional”. Tal entendimento baliza ainda mais a segurança jurídica, pois “força o intérprete a cogitar de extensão e fronteiras, na leitura da Constituição, que provavelmente não cogitaria num raciocínio puramente abstrato artificial”. Outro elemento importante ocorre durante a realização do controle judicial dos processos disciplinares, como nos demais processos, a Constituição Federal preceitua, para que não ocorra nulidade, a fundamentação de todas as decisões do Poder Judiciário, conforme o texto do seu art. 93, inciso IX. Logo, o Poder Judiciário não está autorizado a declarar a nulidade de processo judicial sem fundamentar sua decisão. Da mesma forma também deverá fundamentar quando julgar improcedente a pretensão do autor, cujo processo na seara administrativa foi invalidado por vício formal. A aplicabilidade do inciso IX do art. 93, conjuntamente com o inciso X, é explicada por Capez, Chimenti, Rosa e Santos (2009, p. 324-325) quando esclarecem que todas as decisões administrativas dos Tribunais devem ser postas à disposição, sob o julgo do público, da coletividade, ainda que seu caráter seja disciplinar, sem distinção qualquer, posto que a Emenda Constitucional n.º 45 não o fez, sendo, assim, vedado ao exegeta fazê-lo. No que tange à preservação

do sigilo frente ao direito à intimidade, ou seja, a aplicabilidade da regra disposta no inciso IX do art. 93 da Carta da República, tais autores afirmam que o princípio norteador do processo judicial é o mesmo do administrativo, de sorte que o escopo legal é evitar arbitrariedade, posto que tudo na administração pública é público, desde quando não seja de interesse público o resguardo da informação. Mesmo ocasionando vício insanável, deve-se examinar se tal vício causou lesão efetiva ao servidor público. Não se deve anular o processo se as partes não foram prejudicadas. Isto violaria princípios como o da instrumentalidade das formas, da celeridade e da economia processual. Outrossim, os atos válidos que tenham sido praticados antes da ocorrência da nulidade ou, ainda que posteriores, não mantenham com esta relação de causalidade, poderão ser aproveitados. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, MS 22755, da lavra do Min. Ilmar Galvão, 1998, não compromete o processo o fato de nele existirem atos convalidados de importância secundária mesmo que praticados em processo anteriormente instaurado, desde quando sejam renovados procedimentos considerados como essenciais, a exemplo da citação, da inquirição das testemunhas, do indiciamento, do interrogatório, da defesa e do relatório. Acresça-se que, para o Excelso Pretório, a posterior absolvição criminal do processado administrativamente é fato irrelevante para o prosseguimento do feito administrativo, eis que vigora o entendimento de que está estampado no princípio da independência das instâncias, cuja responsabilidade administrativa será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria, nos moldes do art. 126 da lei 8.112/90. Finalmente, concernente ao Processo Disciplinar, assim como em relação ao controle judicial dos demais atos administrativos, o mérito administrativo não pode passar pela análise do Judiciário, por tratar-se do juízo de conveniência e oportunidade das decisões. O Poder Judiciário não pode intervir nas decisões oriundas do mérito administrativo, eis que a apreciação da conveniência e da oportunidade devem ser analisadas apenas pelo órgão responsável pelo ato, devido à discricionariedade que lhe Dezembro de 2014

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é conferida pela própria lei. Por isso, somente a Administração Pública poderá revogar seus próprios atos com fundamento na conveniência e na oportunidade. Di Pietro (2011, p. 217) não descarta que o tema comporta divergências na doutrina e acredita ser possível o controle judicial dos atos discricionários, desde quando sejam respeitados os limites da discricionariedade. Para ela, a discricionariedade legitimada pelo legislador não pode ser objeto de apreciação do Poder Judiciário, posto ser um espaço reservado pela lei ao administrador, sob pena de substituí-lo no seu mister de escolher a legítima opção que a lei deixou para a autoridade competente, com base nas sua convicções de administrador, em relação ao que seja conveniente e oportuno, diante da situação fática que se propõe.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo abordou o processo administrativo disciplinar (PAD) e seus principais aspectos, tendo como pano de fundo a segurança jurídica nas Leis Federais nº 8.112/90 e 9.784/99. Foram vistas, assim, as peculiaridades, a importância e as consequências práticas do PAD, perpassando pelo conceito, utilização, subdivisões, princípios norteadores e a possibilidade de controle e revisão do julgamento pelo judiciário. Note-se que a Constituição Cidadã e a precitada Lei Federal de 1990 norteiam o administrador para que observe os requisitos, os procedimentos e o rito que são afetos ao processo administrativo disciplinar. A Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas formalidades do processo administrativo disciplinar e todas elas estão descritas nos artigos 148 a 182 do referido estatuto federal e devem ser observadas sob pena de nulidade do processo, visto que não pode a Administração se sobrepor a essas questões no afã de punir. Deve, antes de tudo, oportunizar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa ao servidor que é considerado suposto infrator. Decorrido todo o processamento, ao seu cabo, respeitado tudo quanto já foi ponderado, aí sim, na certeza, poderá a Administração impingir o rótulo da culpa provada e punir aquele que outrora era apontado como sus-

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peito de cometimento do ato infracional. É de se observar que a tudo estará atento o Poder Judiciário, posto ser inafastável a jurisdição. Contudo, essa inafastabilidade encontra barreira no mérito do ato administrativo. Liame que não deve ser ultrapassado, eis que é o espaço reservado para a exclusiva apreciação da Administração Pública, que pode revogar seus próprios atos de acordo com juízo de conveniência e oportunidade, no exercício da autotutela. Não respeitar essa barreira, esse liame, é invadir a competência constitucionalmente destinada a cada um dos Poderes, o que não se afigura consentâneo com o Estado de Direito. Em outras palavras, o Judiciário não deve adentrar na análise do mérito ao ato administrativo, em regra, pois esta apreciação compete exclusivamente à Administração Pública. Diga-se, via de regra, porque se a decisão de mérito for teratológica, o judiciário terá de apreciar a questão. É que, nos termos da Teoria da Separação dos Poderes, o controle judicial dos processos administrativos disciplinares não ofende tal postulado, eis que os organismos da Administração Pública gozam de independência sendo, todavia, harmônicos entre si, apresentando-se tal técnica como forma de limitação do poder estatal com notório objetivo de manter e afirmar os direitos e garantias fundamentais do, no caso em estudo, servidor público, consistindo numa divisão do poder, com a finalidade de se evitar o arbítrio e a prepotência do Administrador Público. Além desse princípio, é fundamental que se observe, o devido processo legal e a independência do Poder Judiciário e que a lei diga expressamente quais são os direitos e garantias individuais. Nessa esteira, o Processo Administrativo Disciplinar deve ser literalmente o devido Processo Administrativo Disciplinar, instrumento de indiscutível brio para a Administração Pública, desde quando, repise-se, sejam todas as garantias observadas, uma a uma, sem derrogação, sem descambar, sendo utilizado ainda como meio de alcançar o exercício de cidadania e elidir qualquer arbítrio estatal. De outra parte, tal Processo é valioso mecanismo de cotejo da Pública Administração, ao passo em que dele se vale para realizar a necessária fil-


tragem, separando, por fim, de forma justa, aquele que lhe causou prejuízo e que merece a adequada sanção, posto que lhe comprometeu o perfeito alcance dos princípios constitucionais norteadores e, por assim dizer, maculou o ethos administrativo. Neste diapasão, tem-se que o Processo Administrativo Disciplinar, como qualquer ato administrativo, deve respeitar, para que não haja nulidade, além dos princípios informadores da Administração Pública. Nesse sentido, a Segurança Jurídica apresenta dimensão normativa calcada na Carta Maior de 1988, com vistas a garantir um valor, cuja espécie normativa qualifica-se como norma-princípio, significando apenas que, como princípio, incorpora e positiva uma importância em um nível de maior concretização, englobando a cognoscibilidade (necessidade de interpretação), confiabilidade (assegura estabilidade e continuidade normativa-imutabilidade) e calculabilidade (porque apesar da observância da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade, a previsibilidade não é absoluta, mas deve-se primar por um elevado grau de certeza em relação à indeterminação das normas). Logo, sem a legalidade e a consequente estabilidade jurídica (segurança) não é possível o reconhecimento do direito a que cada indivíduo faz jus. Daí ser a segurança jurídica indispensável à realização da Justiça, à paz social, e, com isto, a sociedade evita estar perpetuamente em conflito. O princípio da segurança jurídica pode ser compreendido a partir de duas naturezas distintas, uma objetiva e outra subjetiva. A objetiva compreende os limites à irretroatividade dos atos do Estado, mesmo quando estes se classifiquem como atos legislativos. Isto quer dizer a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. A natureza subjetiva refere-se à proteção à confiança das pessoas no concernente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nas suas diversas esferas de atuação que se debruçam e se consubstanciam nos aspectos que foram analisados da reformatio in pejus, da interpretação restritiva, da prescrição e da decadência como elementos balizadores da segurança jurídica. A eficácia reflexiva da segurança jurídica, con-

forme reza o art. 5º XXXVI, garante o exercício de direitos específicos ao servidor, no caso concreto, para a proteção de situações já resguardas pelo próprio Direito na dimensão do passado - como o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Quanto a dimensão do presente, a Constituição Federal de 1988 estabelece regras para a criação do Direito, de modo a permitir que o cidadão possa conhecer as normas a que deve obedecer no exercício atual das suas atividades. A dimensão do futuro refere-se as normas de caráter vinculativo do Direito, insculpidas na Carta Magna com o fito de assegurar ao cidadão saber hoje, qual o grau de vincularidade das normas amanhã. Por derradeiro, na análise da segurança jurídica em face do Processo Administrativo Disciplinar Federal, foram destacadas as principais fragilidades a partir de tópicos como: mitigação dos direitos fundamentais nesse Processo; a ausência de especialização das Comissões Administrativas ou Sindicâncias; problemas relacionados ao devido processo legal; inversão do ônus procedimental. Chamou-se a atenção para: a observação dos prazos decadenciais e prescricionais; a regra da não reformatio in pejus nos processos administrativos disciplinares; o uso da melhor hermenêutica na análise de normas administrativas disciplinares, através da interpretação restritiva de normas dessa natureza; da necessidade de fundamentação nas decisões judiciais e administrativas e do consequente prejuízo efetivo e da nulidade do processo disciplinar. Para se alcançar tal desiderato, necessário reafirmar: ocorrendo violação a tais postulados, não há se falar em segurança jurídica. Entende-se, assim, que ao se catalogar tais princípios e pressupostos está a se assegurar um valor supremo cogente a uma sociedade no aspecto social, político e funcional: a justiça. Em suma, o Processo Administrativo Disciplinar requer uma simbiose da observância dos princípios constitucionais com a ação punitiva da Administração Pública, que, ao interpretar as normas, deve se abrigar nos enunciados da Carta Maior em atendimento aos direitos e garantias fundamentais.

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TRIBUNAIS DE CONTAS: LEGITIMIDADE PARA SUSPENDER ATO LICITATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ATRAVÉS DE MEDIDA CAUTELAR Nelson Luiz Brandão Junior

Advogado militante no Direito Público, Chefe de Gabinete de Conselheiro no TCE/MS, Pós Graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera, Doutorando em Direito Civil pela Facultad del Derecho – Universidade de Buenos Aires.

sumário Resumo. 1. Introdução. 2. A origem. 3. O Tribunal de Contas no Brasil. 4. O Tribunal de Contas sob a ótica da Constituição Federal de 1988 e da Legislação infraconstitucional. 5. As medidas cautelares e o posicionamento jurídico do Supremo Tribunal Federal. 6. Conclusão. Bibliografia.

palavras-chave Controle Externo, Administração Pública, Medida Cautelar.

resumo

E

ste estudo* tem por objetivo analisar os efeitos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no Mandato de Segurança nº 24510, onde garantiu ao Tribunal de Contas da União legitimidade para suspender, através de medida cautelar, atos da Administração Pública realizados em processos licitatórios sob suspeita de ferir princípios elencados na Constituição Federal

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ou que insurjam contra os bons andamentos dos trabalhos da administração direita e indireta, atentando contra a harmonia estabelecida entre os poderes constituídos. *Trabalho apresentado para composição da nota da matéria de Estructuras Judiciales, quarto módulo, curso de doutorado em Direito de Civil pela Universidade de Buenos Aires.


doutrina ¨ 1

INTRODUÇÃO

A intenção primordial do presente artigo é analisar os aspectos jurídicos da decisão do Supremo Tribunal Federal no Mandato de Segurança nº 24.510 que referendou os artigos 4º e 113, §§ 1º e 2º da Lei 8.666/93, onde regulamenta a legitimidade do Tribunal de Contas da União para aplicar medidas cautelares nos casos em que houver dúvidas quanto à legalidade dos procedimentos de licitação para prevenir prováveis danos ao erário, além de garantir a efetividade de aplicação de suas decisões. Conforme preconiza o professor Andrés Botero Bernal1, em seu artigo “Derecho y Literatura: Unnuevo modelo para armar. Instrucciones de uso” no Direito e na Literatura há vários modelos metodológicos para armar a relação entre ambos e não são puros, mas esses estudos mesclam o discurso da disciplina jurídica com as obras literárias, pondo em evidência as vias metodológicas e analíticas. Como metodologia para melhor discorrer sobre o tema em tela, a pesquisa se deu sobre a legislação vigente, bem como doutrinas jurídicas, artigos, monografias, textos extraídos da internet e, por fim, as jurisprudências dos Tribunais, com o objetivo de aclarar o entendimento da mais alta corte jurídica do Brasil acerca do assunto em debate. O assunto se inicia com abordagem dos aspectos históricos da criação dos Tribunais de Contas mundo afora, destarte, mostrando o começo das Cortes de Contas e seus objetivos principais que garantiram a sua formação. Posteriormente, há um breve relato acerca da criação do Tribunal de Contas no Brasil, indicando o processo natural de sua evolução, até os dias atuais. A importância política e jurídica do Controle Externo aplicado à Administração Pública na fiscalização das verbas públicas, bem como dos gastos e do dinheiro arrecadado diretamente ou indiretamente pelo Governo são os demais temas tratados. Há abordagem acerca do Controle Externo exercido pelo Congresso Nacional com auxílio dos Tribunais de Contas, assim como as competências elencadas no artigo 71 da Constituição Federal, culminando com o tema principal objeto da pesquisa, qual seja a legitimidade que o Tribunal de Contas da União, aliado aos Tribunais de Contas dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios dispõem para suspender processos licitatórios através de medida Cautelar. A ideia central do presente trabalho foi evidenciar o enfoque jurídico, partindo do ponto de vista histórico para chegar ao ponto crucial, que é debater o poder-dever de os Tribunais de Contas em conceder medidas cautelares, desde que fundamentado no “fumus bonus iuris” (fumaça do bom direito) e do “periculum in mora” (perigo da demora) ou ainda, quando houver suspeitas de vícios nos procedimentos licitatórios, além de também prevenir possibilidade de lesão ao erário. O tema é relevante porque é crescente na sociedade moderna o interesse pelo bom andamento da Administração Pública, além de ser de fundamental importância para os homens que gerem o Poder Público demonstrar que são probos. Há uma cobrança muito forte dos cidadãos por transparência nas aplicações das verbas públicas, sendo que sua fiscalização é de fundamental importância para almejar a finalidade objetivada, que é o bom encaminhamento dos trabalhos, fazendo com que a sociedade tenha governantes que cumpram constante e periodicamente o prometido, fazendo com que a Administração Pública mostre eficiência, suprindo as garantias mínimas estipulada em nossa Carta Constitucional. A decisão proferida pelo Supremo Tribunal federal veio de encontro aos anseios da sociedade, pois ratificou a legislação vigente, concedendo mais uma forma para que se exerça no Brasil, o controle dos gastos do dinheiro público e que seus administradores cumpram com exatidão os princípios da legalidade, eficiência, e principalmente, da moralidade.

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A ORIGEM

O Tribunal de Contas, de acordo com os primeiros registros, teve origem na Alemanha, no ano de 1714, na cidade de Berlim. Criado pelo rei Frederico Guilherme I da Prússia2, levou o nome de Controladoria Geral de Contas e posteriormente teve seu nome alterado para Contadoria Geral de Contas. Sua sede foi transferida para a cidade de Potsdam. Dessa forma permaneceu inalterado até o ano de 1871, quando efetivamente passou a se chamar Tribunal de Contas do Reich Alemão até o final da 2ª guerra mundial. Dezembro de 2014

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Seu objetivo principal foi o de fiscalizar as contas públicas com o intuito de evitar desperdício do tesouro real, sendo que dessa forma, garantia maior riqueza ao reinado prussiano e regalias ao monarca 3. A Revolução Francesa realizou mudanças importantes, inclusive na Administração Pública, instituindo a política de liberdade, igualdade e fraternidade. Houve o rompimento unilateral com a cultura advinda do sistema feudal. Em 1807, há um notável desenvolvimento das Cortes de Contas na França incentivado por Napoleão, onde o modelo dos franceses caracterizou-se pela criação de um órgão colegiado, sendo que seus membros possuíam as mesmas garantias e impedimentos dos membros do Poder Judiciário, a quem competia observar a legalidade dos atos administrativos. Outro fato marcante ocorreu com a queda do terceiro Reich, após o fim da guerra em 1945, encerrando quinze anos de autoritarismo do regime nazista. A Alemanha reorganiza sua sociedade reconstruindo suas instituições democráticas, criando o Tribunal Federal de Contas, através de lei fundamental, artigo 114, que assim previa, in verbis: “O Tribunal Federal de Contas, cujos membros gozam de independência judicial, examina as contas, bem como a rentabilidade e a regularidade da gestão orçamental e direta e anualmente o Parlamento e o Conselho Federal. De resto, as competências do Tribunal federal de Contas são regulamentadas por lei federal.”4 O Tribunal de Contas da Prússia serviu de modelo para outros países europeus tais como: Áustria, França, Bélgica, Portugal e Itália, que copiando a ideia inicial, utilizaram-se deste sistema e estruturaram suas Cortes de Contas. Há alguns doutrinadores, dentre os quais destacamos Valmir Campelo5 , que considera o Tribunal de Contas criado na Espanha ainda no século XIV, como o primeiro modelo de controle de contas instituído no mundo.

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O TRIBUNAL DE CONTAS NO BRASIL No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 re-

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porta pela primeira vez a criação de um Tribunal semelhante ao de Contas que, de acordo com o artigo 170 teria o nome de “Thesouro Nacional” e ficaria encarregado de realizar a devida fiscalização, administração, arrecadação e contabilidade da Fazenda Nacional, bem como se encarregaria das Receitas e Despesas, atuando em recíproca correspondência com as Tesourarias das províncias do Império.6 Em 23 de junho de 1826 o Visconde de Barbacena, Felisberto Caldeira Brandt, juntamente com o senador do Império José Inácio Borges7, apresentam ao Senado do Brasil Imperial um projeto de lei onde a ideia central era a criação de um Tribunal de Contas, como forma de garantir a boa administração do dinheiro público. Não lograram êxito, tendo a sua proposta rejeitada pela Câmara Alta do Império. Com a proclamação da República em 1889 foi que efetivamente torna-se realidade a criação de um Tribunal com o objetivo de fiscalizar os gastos da Administração Pública. A teoria se materializa através da iniciativa do Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, que no dia 07 de novembro de 1890 edita o Decreto 966-A, onde cria um Tribunal de Contas para o exame, revisão e julgamento dos atos concernentes às receitas e despesas da República. A Constituição promulgada em 1891, sob a influência de Ruy Barbosa, referendou, através do artigo 898, as atribuições do Tribunal de Contas, quais sejam de liquidar as contas das receitas e despesas e ainda acrescentou atribuição de verificar sua legalidade, para depois serem apreciadas pelo Congresso. A instalação do Tribunal de Contas da União ocorreu em 17 de janeiro de 1893. A Constituição de 1934 manteve os Tribunais de Contas como um órgão autônomo, independente e tecnicamente capacitado para auxiliar o Legislativo na fiscalização das contas públicas e ainda determinou a obediência às regras da moralidade pública e ao princípio da legalidade, quando em jogo estivessem interesses financeiros e patrimoniais do Estado. Houve alguns retrocessos nas Constituições de 1937, durante a vigência do Estado Novo e de 1967, outorgada durante o Regime Militar, pois durante esses períodos o Brasil enfrentou regimes de exceção, até a promulgação da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”.


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O TRIBUNAL DE CONTAS SOB A ÓTICA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL A Constituição de 1988 explicitou em seu artigo 37 que a Administração Pública está adstrita aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Já de maneira implícita, a Administração Pública está fortemente vinculada aos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, da razoabilidade e da proporcionalidade. É cediço que para se alcançar um Estado de direito, deverá haver uma soma de elementos, quais sejam o povo, o território, o poder (onde está inserida a soberania, que deve prevalecer tanto na relação de Poder externo, quanto interno, em relação aos demais estados da Federação) e um quarto elemento defendido por alguns autores que é a finalidade do Estado.9 Assim o professor J. J. Canotilho retratou o assunto: “O Estado que está sujeito ao direito; atua através do direito; positiva as normas jurídicas informadas pela idéia (sic) de direito”10 A Administração Pública deve respeitar os ditames que a lei estabelece, ou seja, está fortemente vinculada ao princípio da Legalidade. É a tão famosa máxima que afirma que “à Administração Pública só é permitido fazer aquilo que a lei prescreve”. Como fiscalizador dos atos realizados pela Administração Pública está o Poder Legislativo, auxiliado pelos Tribunais de Contas dos Estados da Federação, prerrogativa prevista no artigo 71 da CF/88. Já o artigo 70, prevê o Controle Externo da Administração Pública com objetivo da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas. Sobre a harmonia existente dentro da competência fiscalizadora atribuída pela Constituição Federal de 1988, destacam-se os ensinamentos do professor e doutrinador Lenza, in verbis: A CF/88 consagra, dessa forma, um sistema harmônico, integrado e sistêmico de perfeita convivência

entre os controles internos de cada Poder e o controle externo exercido pelo Legislativo, com o auxílio do Tribunal de contas (art. 74, IV) (grifo do autor). Esse sistema de atuação conjunta é reforçado pela regra contida no art. 74, §1º, de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela deverão dar ciência ao TCU, sob pena de responsabilidade solidária (grifo do autor). Também deverá prestar contas “qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigatoriamente de natureza pecuniária” (art. 70, parágrafo único, com redação dada pela EC n. 19/98).11 Nesta ótica é que o legislador constitucional insculpiu na nossa Carta Magna artigo 71, que define as competências para que o Tribunal de Contas da União possa auxiliar o Poder Legislativo, realizando o Controle Externo dos atos praticados pela Administração Pública da seguinte forma, “in verbis”: Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Dezembro de 2014

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Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II; V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município; VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário; IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. § 1º -O controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas e compreenderá a apreciação das contas do Presidente da República, o desempenho das funções de auditoria financeira e orçamentária, e o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos. § 2º - O Tribunal de Contas dará parecer prévio, em sessenta dias, sobre as contas que o Presidente da República prestar anualmente. Não sendo estas enviadas dentro do prazo, o fato será comunicado ao Congresso Nacional, para os fins de direito, devendo 56

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o Tribunal, em qualquer caso, apresentar minucioso relatório do exercício financeiro encerrado. § 3º - A auditoria financeira e orçamentária será exercida sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes da União, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, a quem caberá realizar as inspeções que considerar necessárias. § 4º - O julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis será baseado em levantamentos contábeis, certificados de auditoria e pronunciamentos das autoridades administrativas, sem prejuízo das inspeções referidas no parágrafo anterior. § 5º - As normas de fiscalização financeira e orçamentária estabelecidas nesta seção aplicam-se às autarquias.12 A partir da promulgação da Constituição Federal, as competências (que já estavam normatizadas nas Constituições pregressas) foram claramente definidas, com certas evoluções. Os Tribunais de Contas, tanto da União, quanto dos Estados (normatizados logo a seguir pelas respectivas Constituições Estaduais), adquiriram prerrogativas para realizar uma efetiva fiscalização da Administração Pública. O debate que se seguiu passou a ser concernente à natureza jurídica dos Tribunais, que apesar de serem despersonalizados juridicamente, são independentes, de forma política e hierárquica, dos demais poderes da União. Comunga com essa linha de pensamento o Ministro Aires de Brito que afirmou que “O Tribunal de contas da União não é órgão auxiliar do Parlamento Nacional, naquele sentido de inferioridade hierárquica ou subalternidade funcional”13 e ressaltou ainda que o Tribunal de Contas da União “desfruta do altaneiro status normativo da autonomia”. Em virtude dos princípios que norteiam a Administração Pública direta e indireta, aliado ao princípio da isonomia, em 21 de junho de 1993 o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 8.666 que regulamentou o processo licitatório no Brasil, com normas gerais para celebração de contratos de obras e serviços, incluindo publicidades, alienações, locações e compras, no âmbito dos Poderes. O artigo 113, Caput, §§1º e 2º da Lei nº 8.666,


disciplinou o controle das despesas decorrentes dos contratos pela Administração Pública e ainda estabeleceu que qualquer licitante contratado, pessoa física ou jurídica, poderá representar a contratante (no caso, a Administração Pública) perante os Tribunais de Contas, denunciando eventuais irregularidades. Concedeu também legitimidade aos Tribunais de Contas para solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das propostas, cópia de edital de licitação já publicado, obrigando-se os órgãos ou entidades da Administração interessada a adoções de medidas corretivas pertinentes que, em função desse exame, lhes forem determinadas.14 Destarte, o Tribunal de Contas após a edição da Lei 8,666/93, ficou legitimado a realizar o controle durante a realização da despesa, que é também chamado de controle concomitante, realizando as auditorias operacionais, fiscalização de concursos públicos, análise de editais e licitações. Referido controle é considerado como o mais eficaz, visto que o ato tido como irregular possa ser sobrestado durante a sua consecução, evitando, assim, maior dispêndio para o erário. Portanto, a atuação dos Tribunais de Contas alcança alto grau de importância para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da democracia na atualidade, devido a sua responsabilidade diante da sociedade, chegando a tal nível que é impossível a tal órgão desenvolver a imposição das linhas mestras defendidas, fora das homenagens constantes aos princípios já mencionados, tudo em benefício da cidadania.15 No dia 16 de julho do ano de 1992 foi editada a Lei Orgânica nº 8.443, que dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, que em seu artigo 45, §1º, inciso I dispôs sobre a possibilidade de concessão de liminar, objetivando “sustar” o ato administrativo impugnado, quando a Administração Pública não atender as normas determinadas pelo Tribunal. Para conseguir uma efetiva fiscalização em tempo real, o Tribunal de Contas no uso das atribuições concedidas pela Constituição Federal, pela Lei nº 8.666/93 e pelo artigo 45 da Lei nº 8.443, começou a suspender atos da Administração Pública em licitações, fundamentado no receio de grave lesão ao erário ou ao

direito alheio, ou até mesmo de risco de ineficácia da decisão de mérito através da concessão de liminares em medida cautelar. Essa competência passou a ser debatida amplamente no âmbito dos Tribunais, suscitando dúvidas em diversas correntes do pensamento jurídico brasileiro sobre a legitimidade do Tribunal de Contas para poder tomar decisões como as medidas cautelares sem anuência do Poder Legislativo.

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AS MEDIDAS CAUTELARES E O POSICIONAMENTO JURÍDICO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Tendo em vista a legislação infraconstitucional vigente no Brasil, os Tribunais de Justiça possuem legitimidade para conceder liminar em medida cautelar, com intuito de prevenir, conservar, defender ou assegurar a eficácia de um direito. Com previsão legal no Código de Processo Civil, artigo 796 e seguintes, trata-se de um ato preventivo, onde diante da gravidade dos fatos ou no risco de grave lesão ao direito alheio e do perigo da demora, o juiz poderá autorizá-la. Para garantir a eficácia da autuação do Tribunal de Contas, o constituinte e o legislador infraconstitucional definiram a competência para estabelecer medidas cautelares para o controle efetivo. O doutrinador Jacoby Fernandes assim retrata acerca do tema: “Tendo os Tribunais de Contas a competência de fiscalizador dos gastos públicos, correta deve ser a sua autonomia funcional para também prevenir que atos lesivos possam ser obstados já em seu nascedouro.”16 Tais medidas visam conferir maior efetividade frente às deliberações finais, a fim de que sejam neutralizadas situações de lesão atual ou iminente ao erário.17 É de extrema importância que os Tribunais de Contas estejam estruturados de modo organizacional a fim de se evitar que o principio de celeridade processual não seja cumprido por tal referida medida. Ademais, no que tange a seara processual, deve-se observar as próprias limitações legais, pois este instrumento jurídico tem o condão de defesa do erário contra abusividades, ilegalidades, prejuízos, lesão, dentre outros.18 Dezembro de 2014

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A Lei nº 8.443/92 em seu artigo 45 concedeu a prerrogativa ao Tribunal de Contas de que “quando for verificada a ilegalidade de ato ou contrato, o Tribunal, na forma estabelecida no Regimento Interno, assinará prazo para que o responsável adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, fazendo indicação expressa dos dispositivos a serem observados. E ainda no caso de ato administrativo, se não atendido, deverá sustar a execução do ato impugnado”. Já o Regimento interno do Tribunal de Contas da União assim dispõe, “in verbis”: “Art. 276. O Plenário, o relator, ou, na hipótese do art. 28, inciso XVI, o Presidente, em caso de urgência, de fundado receio de grave lesão ao erário ou a direito alheio ou de risco de ineficácia da decisão de mérito, poderá, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, com ou sem a prévia oitiva da parte, determinando, entre outras providências, a suspensão do ato ou do procedimento impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão suscitada, nos termos do art. 45 da Lei nº 8.443, de 1992.”19 É com base no princípio da analogia e da equidade entre os poderes que se pode extrair a essência do cabimento das medidas cautelares proferidas pelos órgãos de controle externo, apesar de correntes contrárias a este pensamento jurídico, alegando que o Tribunal de Contas, por ser constitucionalmente um órgão auxiliar do Poder Legislativo, tem o dever de consultá-lo. Em situações como essa é necessário a interveniência do Poder Judiciário para uniformizar o entendimento jurídico. Nesse condão do pensamento do sistema jurídico constitucional é que o professor Raúl Ferreira se posiciona afirmando, “in verbis”: “Analisar e decidir são, portanto, as consignações do intérprete judicial quando este tem em suas mãos as palavras do sistema constitucional. Tudo dá margem para sugerir que este ponto de vista é um a mais dentre todos os possíveis para compreensão da realidade jurídico constitucional. Cabe agregar que quando se apela à interpretação corretiva os juízes contribuem 58

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para “reconstrução” do sistema jurídico constitucional, introduzindo (ainda que também possam subtrair) do sistema uma disposição de natureza prescritiva que o legislador constituinte, expressamente não haja incluído, tampouco haja proibido, devendo se entender que o poder constituinte – originário ou derivado – deu a plataforma de sustentação para que seja seguida a interpretação que, em última instância, possa configurar e concretizar a vigência e o alcance da proposta normativa constitucional.”20 E nessa seara de discussão acerca da legitimidade ou não dos Tribunais de Contas para poder suspender atos da Administração Pública através de medidas cautelares é que chegamos à luz do entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, cuja decisão acerca do assunto em pauta proferiu no Mandato de Segurança nº 24.510 em 19 de novembro de 2003.21 O referido Mandato de Segurança foi impetrado por Nascimento Curi, Advogados Associados, contra decisão do Tribunal de Contas da União que adotou medida cautelar suspendendo a licitação realizada pela Companhia das Docas do Estado de São Paulo, com objetivo de contratar escritório de advocacia na Capital Federal para acompanhar processos desta empresa junto aos Tribunais Superiores. Conforme regula a Lei de Licitações nº 8.666/93, na fase inicial do processo licitatório foram encaminhados vários pedidos de impugnações, de esclarecimentos, fixada data de abertura dos envelopes e caução. Um dos participantes sentindo-se prejudicado por não haver obtido respostas, ante suas reclamações, representou junto ao Tribunal de Contas da União e este determinou a imediata suspensão do certame licitatório até que fosse julgado o mérito. Contra a medida cautelar concedida pelo Tribunal de Contas em favor do escritório Emerenciano e Baggio Advogados Associados, o impetrante interpôs agravo com o pedido de efeito suspensivo e este ignorou, informando que o referido pedido fosse incluído no sistema informatizado como “informações adicionais”. O autor alegando possuir direito líquido e certo impetrou Mandato de Segurança junto ao Supremo


Tribunal Federal atacando a decisão proferida pelo Tribunal de Contas da União, requerendo a imediata retomada do procedimento licitatório sob o fundamento jurídico de que houve ausência de interesse pré-existente e superveniente da representação, má-fé, omissão, movimentação indevida da máquina pública, falta de competência do Tribunal de Contas da União para conceder medida cautelar, falta de fundamentação legal da decisão e por fim, a inexistência de contraditório e instrução do feito administrativo. Afirmando ainda que a lesão consiste na demorada senda administrativa de procedimentos licitatórios organizados por autoridades incompetentes e possibilidade de prejuízos irreparáveis a CODESP, o impetrante requereu em pedido formulado ao Excelso Tribunal que suspendesse imediatamente os efeitos da medida cautelar concedida pelo Tribunal de Contas da União e a anulação do processo administrativo em sentença definitiva. Pelo princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, deu-se ciência do alegado e o Impetrado se manifestou rechaçando os argumentos do autor, afirmando que o processo de licitação não se encontrava na fase final, que ocorreram irregularidades no procedimento de tomada de preços, que a posição foi motivada, que o impetrante é apenas terceiro interessado e, portanto, não é parte legítima para propor ação, não há direitos materiais do autor a serem tutelados, eventuais prejuízos da CODESP não podem justificar danos maiores e irregularidades insanáveis ao final do processo e que o Impetrado detinha o poder geral de cautela, sendo competente para julgar e fiscalizar temas inerentes a contratos e licitações, sendo os motivos da decisão da Corte de Contas. Sob a Relatoria da Ministra Ellen Greice, por oito votos a favor e um contra, o Supremo Tribunal Federal denegou a ordem da medida liminar por não considerar preenchidos os requisitos para seu deferimento e no mérito, em decisão final, também denegou a ordem, pacificando o entendimento da Suprema Corte de que os participantes de licitação tem o direito à fiel observância do procedimento estabelecido na lei e podem impugná-lo administrativamente ou judicialmente. Afirmou que o Tribunal de Contas tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigo 4º

e 113,§1º e 2º da Lei 8666/93), examinar os editais de licitações publicados, e nos termos do artigo 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir efetividade de suas decisões e finalizando, a decisão encontra-se fundamentada acostada aos autos da Representação e na legislação aplicável. A posição vencida foi a do Ministro Aires de Brito que fundamentou a sua decisão proferindo o voto para sustar os efeitos da liminar por entender que o Tribunal de Contas é um órgão técnico e de auxílio ao Poder Legislativo, que não tem poder cautelar, cabendo a ele o dever de representar ao órgão competente.

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CONCLUSÃO

Vivemos em uma sociedade moderna onde a informação está presente no cotidiano das pessoas em “tempo real”, ou seja, os atos e fatos se tornam conhecimento no minuto seguinte aos acontecimentos. É inaceitável que a Administração Pública, nesses novos tempos, viva momentos que nos reporte ao passado, onde os administradores que estão ali para gerir o bem público com lisura e eficiência, baseados nos interesses pessoais e mesquinhos, sobreponham seus direitos em detrimento da imensa maioria da população. Para um melhor entendimento, buscamos o conceito de Estado que no pensamento de Silveira Neto preconiza que “é um estágio mais evoluído da sociedade, uma forma em que o agrupamento social adquire completa consciência de sua autodeterminação”22. Já no de Gabriela Pozzo “o Estado tem autoridade, direito de andar e dirigir, de ser ouvido e obedecido, e poder – força por meio da qual se obriga alguém a obedecer -, ambos conceitos não se confundem”23. Já o Estado Moderno é a base territorial dividida entre governantes e governados, que pretende nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais instituições24. Nessa seara que se estabeleceu o Estado de Direito que nada mais é do que todas as definições citadas, inserindo ao final, Estado Democrático de Direito, com obediência às normas e preceitos elencados em sua Constituição. Dezembro de 2014

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Para fazer funcionar a máquina do Estado está a Administração Pública que é definida como “a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente, como conjunto de órgãos e de pessoa jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”25. A Constituição Federal determinou para o bom desempenho da Administração Pública, os princípios expressos elencados no artigo 37, quais sejam os princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência, sejam a base do administrador da res pública. O problema é que a responsabilidade de gerir esta Administração nem sempre está a cargo de pessoas probas e bem intencionadas. Governam como se estivessem dirigindo seus próprios negócios, sem observar aos princípios constitucionais, com interesse contrário ao interesse geral, sendo que é nesse condão de pensamento que chegamos à conclusão de que é necessário aprimorar as Instituições que tem por objetivo a fiscalização e o controle das contas públicas. Devemos fortalecer tanto o Poder Legislativo quanto o Poder Judiciário para que efetivamente tenhamos uma democracia plena. Um Estado respeitando as leis e seus administradores voltados a promover o bem comum, aplicando as receitas em benefício do povo e realizando as despesas dentro dos ditames legais. Para se alcançar os objetivos de “bem comum” é imprescindível que haja transparência na aplicação dos recursos públicos, arrecadados compulsoriamente ou não, que sejam disponibilizados meios para que os cidadãos tenham acesso a essas informações, quais sejam se os recursos aplicados na educação, saúde, esporte, lazer, dentre outros estão seguindo as regras estabelecidas pela Constituição Federal. É de suma importância que a fiscalização dos gastos efetuados pela Administração Pública seja efetuada pelo Poder Legislativo. Porém, referida fiscalização tem cunho efetivamente político, sendo necessário que um órgão técnico que possa contribuir, de forma imparcial, para a fiscalização das contas, evitando, destarte, possíveis lesões ao erário. Acertadamente a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em face do Mandato de Segu60

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rança nº 24510, se pautou, principalmente no fato da pela defesa das finanças pública, da boa gestão e da garantia de sobrevivência eterna da democracia.

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NOTAS

¹ BERNAL, Andrés Botero. Derecho y Literatura: Un nuevo modelo para armar. Instrucciones de uso. Universidade de Medellín, Colômbia. Acesso em 19/02/2012. Disponível na internet no site: http://www.jus. unitn.it/cardozo/Review/2008/Botero.pdf. ² MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 7ª ed., São Paulo: Editora Atlas S/A, 2007, p. 1213. ³ RIBAS JUNIOR, Salomão. Uma Viagem a Hessen, Santa Catarina: Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, 1996. 4

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. Op. Cit., p. 1213. 5 CAMPELO, Valmir. O Novo Tribunal de Contas: órgão protetor dos

direitos fundamentais. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2003, p. 203. 6

CONSTITUIÇÃO IMPERIAL DO BRASIL de 25 de março de 1824: Acesso na internet em 18/02/2012, site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm. 7

MILESKI, Helio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2003, p.191. 8 CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA de 24 de fevereiro de 1891: Aces-

so na internet em 19/02/2012, Art 89 - É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença. site: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm. 9

NASCIMENTO, Márcio Gondim do. O Controle da Administração Pública no Estado de Direto. Disponível no site: http://www.direitonet. com.br/artigos/exibir/2023/O-controle-da-administracao-publica-no-Estado-de-Direito. Acesso em 18/02/2012. 10

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999. 11 LENZA,

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Carlos Aires de. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, nº 25, Rio de Janeiro: dezembro/ 2003, p. 8. 14

LEI nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Acesso na internet em 18/02/2012, site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm. 15 DELGADO.

José Augusto. Os Tribunais de Contas e a sua importancia institucional. Acesso na internet em 18/02/2012, site: http://bdjur. stj.gov.br/xmlui/handle/2011/8312?show=full p. 11.


16 FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunal de Contas do Brasil.

Jurisdição e Competência. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 431. 17 CITADINI,

Antônio Roque. Cortes de Contas Podem Decidir Medida Cautelar. Acesso em: 18/02/2012. Disponível em: http://www.citadini.com.br. 18 FERRÃO FILHO, Denis. O controle dos atos administrativos pelos

Tribunais de Contas através da concessão de medidas cautelares. Revista da Escola de Controle Externo (Escoex), Campo Grande: 2011, p.10. 19

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FERREYRA. Raúl Gustavo. Fundamentos Básicos de Direito Constitucional (Rasgos básicos del Derecho constitucional: sistema; libertad, igualdad y solidaridad; teoria). Universidade de Buenos Aires – UBA, publicado en Revista de Derecho Político Nº75-76, Madrid, 2009, p. 213-242. Acesso 19/02/2012. Disponível no site: http://www.circulodoxa. org/documentos/Ferreyra,%202009%20(II).pdf. 21

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.510, Ementário nº 2144-2, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 19.11.2003. 22 NETO,

Silveira. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Bernardo Alvares, 1963, p. 39. 23

POZZO, Gabriela Tomaselli Bresser Pereira Dal. As funções do Tribunal de Contas e o Estado de Direito. Editora Fórum, Belo Horizonte: 2010, p.18. 24

POZZO, Gabriela Tomaselli Bresser Pereira Dal. As funções do Tribunal de Contas e o Estado de Direito. Editora Fórum, Belo Horizonte: 2010, p.18. 25 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Le-

gislação Constitucional. Op. Cit., p. 766.

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DÍVIDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO É impagável a dívida de São Paulo

APRESENTAÇÃO É conhecido o fato de que em Maio de 2000 o Governo Federal assumiu a dívida da Cidade de São Paulo mediante um contrato que, à época, se configurava como vantajoso para permitir a recuperação financeira do Município. Diversos outros Estados e Municípios fizeram o mesmo em bases mais ou menos semelhantes. Alguns desses contratos, porém, sofreram diferenciações ao longo do tempo, embora hoje representem, de um modo geral, uma preocupação importante no equilíbrio financeiro desses entes federativos. No caso específico da Cidade de São Paulo ocorreu, em novembro de 2003 o descumprimento da meta que previa amortização de, pelo menos, 20% da dívida. Isso elevou os juros, como decorrência das obrigações contratuais, de IGPDI+6% para IGPDI+9% de forma, inclusive, retroativa. As consequências são graves, como se pode ver, na medida em que uma dívida já por si bastante pesada, corrigida com índices bem mais elevados do que são atualmente praticados pelo Poder

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Revista Brasileira de Contas Públicas

Público, ganhou um impulso ainda mais intenso, tornando-se literalmente impagável. São feitas, neste estudo, projeções da evolução do débito ao longo dos anos e comparadas com as possiblidades de pagamento e com o que seria a sua correção em bases mais realistas. Para efeito de ilustração compara-se, também, o crescimento da dívida com o que seriam os rendimentos de diversas aplicações de mercado ao longo do período. Este trabalho foi elaborado no TCM – Tribunal de Contas do Município de São Paulo – por determinação do Conselheiro Domingos Dissei, através da sua assessoria de gabinete, sob a coordenação técnica do Economista Norberto Antonio Batista. Norberto Antonio Batista é Economista, Graduado pela FEA - USP (1969). Atuou por vinte anos na Iniciativa Privada e, posteriormente, no Serviço Público (Câmara Municipal de São Paulo; Secretaria do Planejamento do Estado de São Paulo). Atualmente trabalha no TCM - Tribunal de Contas do Município de São Paulo.


estudo de caso ¨ Senhor Presidente, Quero aproveitar este momento, na fase de expediente desta sessão ordinária, para regimentalmente, nos termos do disposto no art. 24, inciso IV, do Regimento Interno desta Corte, compartilhar com este Plenário uma preocupação que tem me afligido nos últimos tempos. Como relator das contas do Executivo municipal, tenho observado que o Município de São Paulo encontra-se em estado permanente de alerta no que tange à sua dívida pública. Com efeito, por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, esta Corte de Contas tem expedido inúmeros “alertas” endereçados à Administração, tendo em vista o fato de a dívida consolidada líquida situar-se bem acima dos limites estabelecidos pelo Senado Federal. O problema persiste desde o exercício de 2001, o que leva à conclusão de que a dívida do Município, nos termos em que está colocada, é “impagável”. Em vista disso, estudos e simulações foram desenvolvidos, cujos resultados trago agora à aprecia-

ção deste Plenário. Cabe ressaltar, de início, que o grande responsável pela atual situação do endividamento municipal é o contrato de refinanciamento de dívidas firmado pela Prefeitura com a União, em maio de 2000, ajuste por meio do qual o governo federal assumiu, de maneira consolidada, as dívidas mobiliária e por contratos com o sistema financeiro nacional, do Município de São Paulo. Com efeito, do saldo de R$ 67,2 bilhões da dívida consolidada líquida, vigente em 31/12/2013, cerca de R$ 58,6 bilhões, ou seja, 87% do total referem-se somente a esse contrato, cujas condições pactuadas, em especial o indexador utilizado (IGP-DI mais juros nominais de 9% a.a.), explicam o comportamento potencialmente explosivo da dívida. Os dados dos Quadros 1 e 2, a seguir, mostram, respectivamente, os pagamentos efetuados pela Prefeitura e o comportamento do saldo devedor do contrato no período 2000/2013:

QUADRO 1 - PAGAMENTOS REALIZADOS NO CONTRATO DE REFINANCIAMENTO período: 2000 a 2013 (em milhões de Reais) Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Juros 223,79 625,08 638,58 755,92 939,5 1.083,25 1.338,46 1.648,58 1.934,47 2.021,32 2.176,89 2.351,86 2.453,90 1.940,30 20.131,90

Amortização 33,79 12,69 8,68 0 0 0 0 0 0,98 105,58 217,92 362,51 527,1 636,2 1.905,45

Encargos 0,37 0,7 0,82 0,97 1,13 1,24 1,29 1,38 1,56 1,61 1,73 1,91 2,05 2,2 18,96

Total 257,96 638,47 648,08 756,89 940,63 1.084,49 1.339,75 1.649,96 1.937,01 2.128,51 2.396,54 2.716,28 2.983,05 2.578,70 22.056,32

Valor Atual* 584,09 1.347,70 1.215,63 1.298,88 1.500,22 1.631,86 1.954,57 2.304,50 2.554,55 2.691,07 2.860,31 3.044,82 3.159,35 2.578,70 28.726,25

*Valor atual corrigido pelo IPCA para dezembro de 2013. Fonte: Relatório de Execução Orçamentária da PMSP. Relatório TCM

Dezembro de 2014

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QUADRO 2 - FLUXO DA DÍVIDA (ORIGINAL) período: 2000 a 2013 (em milhões de Reais) Ano

Inicial

Correção

Juros Incorporados

Amortização

Ajuste Contábil Total Final

∆%

2000

11.261,1

871,0

156,8

(33,8)

-

12.255,1

8,8%

2001

12.255,1

1.388,3

141,8

(12,7)

(0,4)

13.772,1

12,4%

2002

13.772,1

3.314,8

301,1

(8,7)

1.297,2

18.676,5

35,6%

2003

18.676,5

2.199,9

1.101,2

-

(330,0)

21.647,6

15,9%

2004

21.647,6

2.958,8

1.219,2

-

2005

25.921,6

484,2

1.117,2

-

2006

27.417,0

1.013,1

1.231,8

-

2007

29.662,6

2.006,6

1.163,0

-

2008

32.830,2

3.727,5

1.314,6

2009

37.870,7

(672,4)

1.410,5

2010

38.500,6

4.218,1

1.553,8

2011

44.056,8

2.490,1

2012

48.024,7

2013

53.153,4

96,0

25.921,6

19,7%

(106,0)

27.417,0

5,8%

0,7

29.662,6

8,2%

(2,0)

32.830,2

10,7%

(1,0)

(0,6)

37.870,7

15,4%

(105,6)

(2,6)

38.500,6

1,7%

(217,9)

2,2

44.056,8

14,4%

1.839,9

(362,5)

0,4

48.024,7

9,0%

4.136,0

1.522,1

(526,8)

(2,6)

53.153,4

10,7%

2.934,0

3.107,5

(636,2)

35,4

58.594,1

10,2%

31.070,0

17.180,5

(1.905,2)

987,7

Fonte: Balanço Geral – Anual da PMSP. Relatório do TCM

Note-se que, não obstante a Prefeitura tenha desembolsado, a título de pagamento, cerca de R$ 22,1 bilhões nesse período (o que equivaleria, em preços de dezembro de 2013, a R$ 28,7 bilhões), o saldo devedor do contrato, que era de R$ 11,3 bilhões no início de sua vigência, aumentou para R$ 58,6 bilhões em 2013, ou seja, mais do que quintuplicou. A razão para essa discrepância reside na cláusula contratual que limita os pagamentos mensais a 1/12 (um doze avos) de 13% da receita líquida real (RLR), aliada à magnitude do indexador do contrato (IGP-DI mais juros de 9% a.a.). Com tal limitação as prestações sequer cobrem os juros devidos, cuja parcela não paga é mensalmente incorporada no saldo devedor. A correção deste último pelo IGP-DI completa o círculo vicio-

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Revista Brasileira de Contas Públicas

so, o que explica o crescimento exponencial da dívida, a despeito dos pagamentos pontualmente efetuados pela Administração. Os números referentes aos encargos totais incidentes até agora sobre essa dívida contratual impressionam: no período 2000/2013 eles totalizaram R$ 71,4 bilhões, sendo R$ 37,4 bilhões só de juros (dos quais, R$ 20,2 bilhões foram pagos, sendo os R$ 17,2 bilhões restantes incorporados no saldo devedor), R$ 31,1 bilhões relativos à correção propriamente dita, pelo IGP-DI, e R$ 1,9 bilhão referente a amortizações. Essa incidência brutal de encargos fica melhor explicada se atentarmos para o comportamento do indexador do contrato, cuja magnitude superou a de outros indicadores selecionados para efeito de comparação, que é feita no Quadro 3, a seguir:


QUADRO 3 - ÍNDICE DA DÍVIDA X ÍNDICES ALTERNATIVOS E DE MERCADO Variação acumulada 2000/2013

cretário Municipal de Finanças ao jornal Valor Econômico, em 25 de fevereiro de 2013 e mostradas no Quadro 4.

QUADRO 4 - EVOLUÇÃO DA DÍVIDA (Contrato de Refinanciamento com a União)

Fontes: FGV: IGP-DI e INCC (Imóveis); IBGE: IPCA; Bacen: TJLP, Dólar e SELIC; Economática: Bolsa e Ouro; Portalbrasil: Poupança, e Instituto Assaf: Renda Fixa.

Os dados são auto-explicativos, mostrando que a variação acumulada do fator de correção do contrato (IGP-DI mais juros de 9% a.a.), da ordem de 740% no período 2000/2013, foi bem maior do que a variação tanto de indexadores alternativos, quanto dos principais ativos negociados no mercado, a saber: IGP-DI + juros de 6% (484%), SELIC (452%), IPCA + juros de 6% (385%), IPCA + juros de 4% (307%), IPCA + juros de 3% (234%), IGP-DI (173%), TJLP (166%), IPCA (128%), Poupança (172%), Imóveis (187%), Renda Fixa (394%), Ouro (423%), Bolsa (238%) e Dólar (20%). O crescimento exponencial da dívida, em razão dos fatores aqui apontados, fará com que ela resulte literalmente impagável, conforme projeções efetuadas pela própria Prefeitura do Município de São Paulo, consoante entrevista concedida pelo Sr. Se-

Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo Hipóteses: IGP-DI = IPCA = 4,5 % a.a. Juros de 9% a.a. RLR: crescimento real de 3% a.a. Pagamentos: R$ 3,445 bilhões (base 2012).

Note-se que, se nada for feito, até o final do contrato, ou seja, até 2030, o Município terá desembolsado mais R$ 130 bilhões somente com o pagamento da dívida, fato que não impedirá que remanesça um saldo residual da ordem de R$ 163 bilhões. Por outro lado, considerando que, de acordo com a cláusula quarta do contrato, eventual saldo devedor, apurado em 2030, deverá ser pago em até dez anos, sua liquidação nas condições avençadas demandaria um dispêndio anual da ordem de R$ 25,5 bilhões, o que equivaleria a comprometer anualmente cerca de 25% da receita líquida real projetada para 2030 somente com esses pagamentos. Ressalve-se que as premissas adotadas pela Prefeitura em suas projeções tendem a subestimar a correção da dívida, na medida em que pressupõem

Dezembro de 2014

65


a convergência, a longo prazo, da variação do IGP-DI e do IPCA, o que significa supor uma correção real da ordem de 9% a.a. contra os quase 11% a.a. efetivamente verificados no período 2000/2012. Em contrapartida, os pagamentos projetados estão ligeiramente superestimados, uma vez que incluem os relativos às chamadas operações “intra-limite”, cujos débitos não são abrangidos pelo contrato de refinanciamento. O resultado é a subestimativa do saldo devedor da dívida. Em face dessa discrepância, a assessoria de meu gabinete procedeu a novos cálculos, cujos resultados estão delineados no Quadro 5, a seguir.

QUADRO 5 - EVOLUÇÃO DA DÍVIDA (Contrato de Refinanciamento com a União)

Hipóteses: IPCA = 4,5 % a.a. Juros de 9% a.a. Diferencial IGP-DI/IPCA: 1,7% a.a. (média 2000/2012). RLR: crescimento real de 3% a.a. Pagamentos: R$ 2,983 bilhões (base 2012). 66

Revista Brasileira de Contas Públicas

De acordo com essas estimativas, a dívida com a União atingiria em 2030, em valores nominais, a casa dos R$ 332 bilhões, sendo efetuados pagamentos adicionais, até esse exercício, de cerca de R$116 bilhões. A quitação do saldo residual, nos termos da cláusula quarta do ajuste, exigiria, por sua vez, um gasto aproximado de R$ 51,8 bilhões por ano, durante dez anos, montante esse equivalente a um dispêndio anual da ordem de 52% da receita líquida real. A conclusão a que se chega, pois, quaisquer que sejam os números e projeções adotados, é a de que a dívida para com a União é impagável, sendo inevitável a sua renegociação, sob pena de se inviabilizar financeiramente o Município. Em vista disso, determinei à assessoria de meu gabinete que procedesse a simulações no sentido de se aferir a sensibilidade do “quantum” da dívida relativamente à troca de indexadores, o que acabou evidenciando ainda mais a perversidade das condições contratuais atualmente em vigor. Para cada indexador alternativo adotou-se a seguinte metodologia: 1°) aplicação retroativa ao início de vigência do contrato; 2°) cômputo dos pagamentos já efetuados nos termos do contrato em vigor; 3°) com base nas providências anteriores, foi calculado o novo saldo devedor em 31/12/2013, assim como traçada a nova trajetória da dívida consolidada líquida, a partir do exercício de 2001.  Os resultados obtidos encontram-se demonstrados nos quadros constantes dos Anexos I a VI, podendo ser resumidos, no que tange ao exercício de 2013, nos termos da tabela ao lado. Note-se que, em todas as hipóteses, ocorreria uma redução impressionante no saldo devedor da dívida. Como consequência, haveria um deslocamento para baixo da trajetória da dívida consolidada líquida, situando-a aquém dos limites estabelecidos pelo Senado e propiciando a possibilidade de quitação e/ou captação de novos empréstimos. Cabe destacar que a alternativa IGP-DI mais juros de 6% a.a. foi a originalmente avençada no contrato de refinanciamento de dívidas firmado com


Indexador Condições de Empréstimo Saldo Devedor (bi) DCL/RCL Limite (Res.40/01) IGP-DI + 9% Condições Atuais do Contrato 58,6 1,9296 1,3460 TJLP Utilizado nos contratos de financiamento do BNDES 1,9 0,2966 1,3460 IPCA + 3% Custo de rolagem da dívida pública Federal 6,0 0,4152 1,3460 IPCA + 4% Condições futuras 10,4 0,5426 1,3460 SELIC Condições do PLC 238/13 30,1 1,1080 1,3460 IPCA + 6% Índice oficial de inflação, com taxa de juros original do contrato. 19,0 0,7877 1,3460 IGP-DI + 6% Condições originais do contrato 30,8 1,1286 1,3460 a União. Ocorre que, decorridos trinta meses de sua vigência, a Prefeitura deixou de amortizar pelo menos 20% do saldo devedor, o que fez com que os juros, nos termos das exigências contratuais, fossem elevados de 6 para 9% a.a. e, o que é pior, aplicados retroativamente ao início do contrato. De acordo com a simulação efetuada, esse não pagamento acabou acarretando um aumento de cerca de R$ 27,8 bilhões na dívida do Município. Senhor Presidente, Senhores Conselheiros, Os números e estimativas apresentados demonstram cabalmente que a dívida do Município de São Paulo com a União é literalmente impagável e que sua renegociação, cedo ou tarde, terá necessariamente de ocorrer. Quanto mais tarde, porém, maiores serão os custos para ambas as partes. As simulações efetuadas sugerem, por sua vez, que, qualquer que seja o indexador alternativo utilizado, sua retroação ao início do contrato (exercício de 2000) implica sensível redução do estoque da dívida, fato que recomenda a inclusão da retroatividade como condição relevante para o Município no bojo de eventual renegociação. Tal colocação é feita a propósito da existência de pleito nesse sentido e com essa condição, formulado pela Administração anterior (Ofício n° 99/2011– PREF.GAB, instruído com parecer da Procuradoria Geral do Município), de cujo teor este Tribunal foi formalmente cientificado nos autos do TC 1.581.11-18. Em vista disso, na qualidade de relator das contas do Executivo, determinei a expedição de ofício ao Excelentíssimo Senhor Prefeito do Município,

solicitando informações sobre o andamento desse pleito, estando no aguardo de resposta. As informações veiculadas pela imprensa, porém, dão conta de que o caminho de renegociação adotado pela atual gestão aponta para direção diversa, passando pela aprovação de projeto de lei que altera o indexador da dívida (que mudaria para IPCA mais juros de 4 % a.a.), o qual, todavia, seria aplicado sem retroação. De acordo com o Senhor Secretário de Finanças, quando de sua visita a este Tribunal , essa alteração permitiria equacionar a dívida com a União a longo prazo, possibilitando sua quitação em 2030, o que não dispensaria, porém, a necessidade de alterações legislativas adicionais no sentido de elevar a folga financeira e a capacidade de endividamento do Município, tais como o aumento do limite de endividamento, de 120% para 200% da RCL, e a diminuição do comprometimento anual da receita. Entretanto o PLC-238/2013 aprovado na Câmara Federal e o PLC-99/2013 que, ainda, tramita no Senado Federal preveem o que segue: 1- A substituição do indexador atual (IGP-DI/ FGV), mais juros de 6.0%, 7,5% e 9.0% ao ano, dependendo do contrato, pelo IPCA/IBGE + Juros de 4,0% ao ano ou Taxa SELIC, o que for menor; 2- A aplicação retroativa do novo indexador à data de assinatura dos contratos e o consequente recálculo do saldo devedor; 3- A concessão de desconto sobre o saldo devedor apurado em 31/12/2013. Tal desconto corresponde à diferença entre o montante do saldo apurado nas condições do contrato original e a correção Dezembro de 2014

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do saldo devedor calculado pela taxa SELIC, desde a data da assinatura do contrato. Nestas novas condições, ter-se-á o novo perfil da Dívida, a saber: 1- O saldo devedor em 31/12/2013 foi calculado em R$ 30,1 bilhões, com base na SELIC, contra o saldo original de R$ 58.6 bilhões, propiciando um desconto de R$ 28,5 bilhões, equivalente ao desconto de 48,6% do saldo atual, ou outro limite de desconto eventualmente previsto em lei a ser aprovada; 2- A relação da DCL ( Divida Consolidada Liquida) sobre a RCL (Receita Corrente Liquida) apurada para 31/12/2013, com base na Taxa SELIC foi de 1,1080, inferior ao limite estabelecido pela Resolução do Senado 40/01, de 1,3460. Assim, ter-se-á uma liberação correspondente a R$ 8,2 bilhões para efeito de contratação de novos empréstimos, equivalente a 12.0% da atual DCL (R$ 67,0 bilhões). Estes benefícios, porém, só se farão sentir dentro de dois ou três exercícios financeiros, tendo em vista a necessidade de liquidação do resíduo contratual remanescente, apurado após o recálculo de todos os saldos; 3- Por último, sobre o novo saldo devedor de R$ 30,1 bilhões (31/12/2013) e de acordo com a Tabela Price, prevista no contrato, a uma taxa estimada de 10,2% ao ano ( IPCA de 6,0% ao ano +

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Juros de 4,0% ao ano) para os 17 anos restantes, resultam numa parcela anual de R$ 3,8 bilhões, a qual zerará o saldo devedor em 2030. Esta parcela corresponde atualmente a 11,9% da R.L.R. ( Receita Líquida Real ), portanto inferior aos 13,0% previstos no contrato. Entendo, Senhor Presidente, que, qualquer que seja a negociação em curso, deve esta Corte de Contas ser cientificada “pari passu” a respeito do seu andamento, isto porque temos seguidamente excepcionado o não cumprimento estrito da trajetória de redução da dívida consolidada líquida, nos termos ditados pelo Senado Federal, aceitando como justificativa da Prefeitura justamente a necessidade de renegociação de suas condições. Além disso, consoante a Lei Orgânica do Município, detém este Tribunal competência para manifestar-se sobre empréstimos (o que, a meu ver, incluiria sua renegociação), o que é particularmente relevante, tendo em vista a necessidade de adequado sucedâneo legal a eventuais propostas, mormente em face do disposto no art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Eram estas, Senhor Presidente, as considerações a fazer sobre o tema. DOMINGOS DISSEI Conselheiro


Indexador: TJLP Ano Inicial 2000 11.261,10 2001 11.622,54 2002 12.137,03 2003 12.690,51 2004 13.469,17 2005 13.909,13 2006 14.243,38 2007 14.026,00 2008 13.269,50 2009 12.164,49 2010 10.780,44 2011 9.030,73 2012 6.856,29 2013 4.267,03

TJLP (+) Incorpora % Total Pagamento (-) Amortiza 5,50% 619,40 257,96 361,44 9,92% 1.152,96 638,47 514,49 9,90% 1.201,57 648,08 553,49 12,10% 1.535,55 756,89 778,66 10,25% 1.380,59 940,63 439,96 10,20% 1.418,73 1.084,49 334,24 7,88% 1.122,38 1.339,75 (217,37) 6,37% 893,46 1.649,96 (756,50) 6,27% 832,00 1.937,01 (1.105,01) 6,12% 744,47 2.128,51 (1.384,04) 6,00% 646,83 2.396,54 (1.749,71) 6,00% 541,84 2.716,28 (2.174,44) 5,75% 394,24 2.983,50 (2.589,26) 5,00% 213,35 2.578,70 (2.365,35)

Valor Final 11.622,54 12.137,03 12.690,51 13.469,17 13.909,13 14.243,38 14.026,00 13.269,50 12.164,49 10.780,44 9.030,73 6.856,29 4.267,03 1.901,68

Nota explicativa: Evidencia-se a trajet贸ria da d铆vida dentro dos limites legais.

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Indexador: (IGP-DI + juros 6%) Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

IPCA + Juros (6%) Inicial % Total Pagamento 11.261,10 7,10% 799,74 257,96 11.802,88 14,13% 1.667,77 638,47 12.832,18 19,28% 2.474,28 648,08 14.658,38 15,86% 2.324,53 756,89 16.226,01 14,06% 2.280,73 940,63 17.566,11 12,35% 2.169,31 1.084,49 18.650,93 9,33% 1.739,83 1.339,75 19.051,01 10,73% 2.043,72 1.649,96 19.444,77 12,25% 2.382,76 1.937,01 19.890,52 10,57% 2.102,15 2.128,51 19.864,16 12,26% 2.436,26 2.396,54 19.903,88 12,89% 2.565,61 2.716,28 19.753,21 12,19% 2.408,00 2.983,50 19.177,71 12,26% 2.351,19 2.578,70

Nota explicativa: Evidencia-se a trajetória da dívida dentro dos limites legais

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(+) Incorpora (-) Amortiza 541,78 1.029,30 1.826,20 1.567,64 1.340,10 1.084,82 400,08 393,76 445,75 (26,36) 39,72 (150,67) (575,50) (227,51)

Valor Final 11.802,88 12.832,18 14.658,38 16.226,01 17.566,11 18.650,93 19.051,01 19.444,77 19.890,52 19.864,16 19.903,88 19.753,21 19.177,71 18.950,19


Indexador: SELIC SELIC (+) Incorpora Ano Inicial % Total Pagamento (-) Amortiza Valor Final 2000 11.261,10 10,19% 1.147,51 257,96 889,55 12.150,65 2001 12.150,65 17,32% 2.104,49 638,47 1.466,02 13.616,67 2002 13.616,67 19,21% 2.615,76 648,08 1.967,68 15.584,35 2003 15.584,35 23,47% 3.657,65 756,89 2.900,76 18.485,11 2004 18.485,11 16,38% 3.027,86 940,63 2.087,23 20.572,34 2005 20.572,34 19,31% 3.972,52 1.084,49 2.888,03 23.460,37 2006 23.460,37 14,91% 3.497,94 1.339,75 2.158,19 25.618,56 2007 25.618,56 12,04% 3.084,47 1.649,96 1.434,51 27.053,07 2008 27.053,07 12,45% 3.368,11 1.937,01 1.431,10 28.484,17 2009 28.484,17 10,13% 2.885,45 2.128,51 756,94 29.241,10 2010 29.241,10 9,90% 2.894,87 2.396,54 498,33 29.739,43 2011 29.739,43 11,76% 3.497,36 2.716,28 781,08 30.520,51 2012 30.520,51 8,62% 2.630,87 2.983,50 (352,63) 30.167,88 2013 30.167,87 8,22% 2.479,80 2.578,70 (98,90) 30.068,97

Nota explicativa: Evidencia-se a trajet贸ria da d铆vida dentro dos limites legais

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Indexador: SELIC Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

IPCA + Juros (4%) Inicial % Total Pagamento 11.261,10 7,62% 858,01 257,96 11.861,15 11,98% 1.420,59 638,47 12.643,26 17,03% 2.153,30 648,08 14.148,48 13,67% 1.934,38 756,89 15.325,97 11,90% 1.824,40 940,63 16.209,74 10,23% 1.658,19 1.084,49 16.783,45 7,27% 1.219,42 1.339,75 16.663,11 8,64% 1.439,43 1.649,96 16.452,58 10,14% 1.667,63 1.937,01 16.183,20 8,48% 1.372,72 2.128,51 15.427,42 10,15% 1.565,33 2.396,54 14.596,21 10,76% 1.570,55 2.716,28 13.450,48 10,07% 1.354,95 2.983,50 11.821,93 10,15% 1.199,93 2.578,70

Nota explicativa: Evidencia-se a trajetória da dívida dentro dos limites legais

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(+) Incorpora (-) Amortiza 600,05 782,12 1.505,22 1.177,49 883,77 573,70 (120,33) (210,53) (269,38) (755,79) (831,21) (1.145,73) (1.628,55) (1.378,77)

Valor Final 11.861,15 12.643,26 14.148,48 15.325,97 16.209,74 16.783,45 16.663,11 16.452,58 16.183,20 15.427,42 14.596,21 13.450,48 11.821,93 10.443,15


estudo de caso ¨ INDICADORES GERENCIAIS DE CONTAS PÚBLICAS

APRESENTAÇÃO O trabalho em evidência, realizado por José Frederico Meier Neto , objetivou investigar os processos julgados no Tribunal de Contas do Município de São Paulo com anomalias/irregularidades, no triênio 2010-2011-2012, com o objetivo de orientar o planejamento estratégico da Escola de Contas do referido Tribunal. José Frederico Meier Neto é engenheiro formado pela Escola Politécnica da USP com Pós Graduação em Administração Industrial e Finanças Empresariais. Foi Chefe de Gabinete da Secretaria de Habitação do Município de São Paulo e Diretor Administrativo da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Atual Assessor de Gabinete da Escola de Contas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

OBJETIVO GERAL Este trabalho tem como objetivo geral o estudo estatístico quantitativo e qualitativo da totalidade dos processos do TCM (Tribunal de Contas do Município de São Paulo), julgados com anomalias e/ou irregularidades no triênio 2010, 2011 e 2012, processos referentes à administração da Prefeitura do Município de São Paulo.

Este estudo visa fornecer subsídios ao trabalho de prevenção das irregularidades e anomalias dos processos efetuados na Prefeitura da cidade de São Paulo, realizados pela Escola de Gestão e Contas Públicas Eurípedes Sales, do TCM – SP, através dos seus cursos de treinamento e capacitação do servidor público municipal. As fontes de dados, metodologia utilizada e objetivos específicos desse estudo são detalhados a seguir.

1.DADOS 1.1) Relação de 100% dos processos julgados pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo, com anomalias e/ou irregularidades, no triênio 2010-2011-2012, divididos por Órgãos da Prefeitura Municipal de São Paulo. A fonte dos dados foi o Departamento de Jurisprudência do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. 1.2) Análise dos Acórdãos da totalidade dos referidos processos julgados com anomalias e/ou irregularidades. A fonte dos dados de pesquisa desses acórdãos foi o site do Tribunal de Contas do Município de São Paulo no seguinte endereço: www.tcm. sp.gov.br/consulta/processos/nºprocesso/pesquisar//maisdetalhes/acórdãos.

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2.METODOLOGIA 2.1) Levantamento dos processos julgados com anomalias/ irregulares no triênio 2010, 2011 e 2012, divididos por órgão da Prefeitura de São Paulo. 2.2) Divisão das anomalias/irregularidades apontadas em 4 áreas de estudo: Financeira/Orçamentária, Gestão Administrativa, Gestão de Contratos e Licitações. 2.3) Cômputo das anomalias/irregularidades por área de estudo ( total e proporcional). 2.4) Cômputo das anomalias/irregularidades (total e proporcional ) por área de estudo e por órgão da Prefeitura de São Paulo (Secretarias, Empresas Municipais e Autarquias ).

3.OBJETIVOS ESPECÍFICOS 3.1) Verificar em quais áreas de estudo ocorrem o maior número de anomalias/irregularidades. 3.2) Verificar a distribuição dessas anomalias/ irregularidades por órgão da Prefeitura e por área de estudo. 3.3) Verificar quais órgãos da PMSP apresentam maiores problemas por área de estudo e propor soluções customizadas de treinamento pela Escola de Contas, até mesmo com turmas fechadas. 3.4) Verificar as principais anomalias/irregularidades apontadas para subsidiar o planejamento de cursos da Escola de Contas, fazendo-se, dessa forma, o trabalho de prevenção de erros.

4.RESULTADOS Através do desenvolvimento de planilhas em excell foi possível tabular os dados das anomalias/ irregularidades por área de estudo (Financeira-Orçamentária, Gestão Administrativa, Gestão de Contratos e Licitações) e por Órgão da Prefeitura Municipal de São Paulo ( Secretarias, Empresas Municipais e Autarquias). Foi possível, também, apontar as principais anomalias/irregularidades encontradas por área de estudo. Quadro Resumo (distribuição percentual das anomalias/irregularidades por área):

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Gestão de contratos................... 37,17 % Licitações ................................... 32,34 % Gestão Administrativa................ 20,82 % Financeira-Orçamentária........... 8,18 % Outros ...........................................1,49 % Através da observação do quadro resumo, constata-se que : 70% das irregularidades apontadas estão nas áreas de Gestão de Contratos e Licitações. 29% das irregularidades apontadas estão nas áreas Financeira/Orçamentária e Administrativa. Essa análise pode orientar a Escola de Contas do TCM–SP na distribuição de seus cursos de curta e longa duração além de palestras e seminários, formulação dos conteúdos programáticos e dimensionamento de cargas horárias, visando o treinamento e capacitação do servidor público municipal no atendimento às suas principais deficiências constatadas . Principais Anomalias/Irregularidades Apontadas nos Processos julgados no Triênio 2010-2011-2012, por Área : Financeira-Orçamentária Nota de Empenho insuficiente em relação ao valor a ser pago no contrato. Nota de Empenho emitida posteriormente à assinatura do contrato. Notas de Empenho emitidas antes da autorização formal do ordenador de despesas. Dotação Orçamentária utilizada de forma inadequada. Falta de Previsão Orçamentária para edital de licitação ou contrato. Falta de comprovação de recursos financeiros para edital de licitação ou contrato. Gestão Administrativa Falta de autuação de Processo Administrativo Publicações Extemporâneas de notas de empenho, contratos e editais de licitação. Ausência de publicação de editais em jornais de grande circulação. Fluxo do processo com anomalia de etapas sinco-


padas ( o processo não percorre o caminho, dentro do órgão municipal, considerado como correto ). Falta de documentação nos processos. Gestão de Contratos Falta de documentação fiscal da empresa contratada (FGTS, INSS, ISS) – regularidade fiscal. Contrato verbal ( aditamento assinado após o vencimento do contrato). Execução em desacordo com o objeto contratual. Falta de fiscalização do gestor na execução do contrato. Prestação de contas deficiente por parte da contratada. Ausência de garantia contratual (caução). Ausência de apólice de seguro de responsabilidade civil. Falta de planilha de quantitativos e custos unitários do projeto. Contrato firmado com o consórcio mas assinado com as empresas que o compõem (contrato de obras). Falta de cláusulas para casos de rescisão contratual. Inocorrência da aplicação de multa na gestão do contrato quando se fazia necessário. Itens extracontratuais não formalizados no termo de aditamento. Ausência do termo de aditamento, quando necessário. Pagamento a maior do que o executado. Preços maiores do que os da tabela de Edif ( referência de preços da Prefeitura Municipal de São Paulo) – contrato de obras. Infringências a cláusulas contratuais. Falta de registro no SERI ( Sistema Eletrônico de Remessa de Informações). Contrato em desacordo com edital de licitação. Emergência “fabricada” por falta de controle da vigência do contrato. Licitação – procedimentos prévios à contratação Falta de pesquisa de mercado para elaboração de preço de referência ( ausência de justificativa de preços). Falta de pesquisa de mercado para validação de

Ata de Registro de Preços. Cláusulas restritivas de competitividade. Ausência de justificativa de indicadores econômico-financeiros no edital, caracterizando restrição à competitividade. Dispensa de licitação não caracterizada. Dispensa de licitação por emergência não caracterizada. Dispensa de licitação caracterizando fracionamento. Falta de documentação dos participantes da licitação. Descumprimento de cláusulas do edital. Ausência de planilha de quantitativos e preços unitários no edital. Objeto incompatível com Ata de Registro de Preços (utilização irregular da Ata de Registro de Preços). Falta de divisão expressa dos percentuais de participação de cada empresa, no caso de consórcio de obras. Inexistência ou deficiência do Projeto Básico no edital ( no caso de obras ). Violação ao princípio da Economicidade.

5.VISÃO ESTRATÉGICA DA ESCOLA DE CONTAS A Escola de Gestão e Contas Públicas Eurípedes Sales, do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, tem como visão estratégica fazer parte do fluxo operacional do TCM-SP como braço atuante na prevenção de irregularidades. Essa prevenção ocorre através do treinamento e da capacitação do servidor público municipal. Atuando-se na prevenção, evita-se o erro e a irregularidade nos procedimentos, contribuindo para maior transparência nas tarefas e economia do dinheiro público. O objetivo desse trabalho de pesquisa, portanto, é adequar o planejamento e a execução dos cursos de curta duração da Escola de Contas, em conformidade com os resultados alcançados por meio dos indicadores, proporcionando cursos mais dirigidos às reais necessidades do funcionalismo municipal.

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DOUTRINA E ESTUDOS DE CASO


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