Revista Em Cores - Além do Arco-Íris

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ALEM DO ARCO IRIS

ÍNDICE

VAMOS CONVERSAR SOBRE

ASSEXUALIDADE i

uma conversa sobre fe E IDENTIDADE

PAGANISMO

http://eliasericson.tumblr.com/


MAIS DO QUE VISIBILIDADE,

REPRESENTATIVIDADE os desafios de ser

TRANS, NEGRO E AFEMINADO

/

sexualidade,

FRIDA, DALÍ E EU


VAMOS CONVERSAR SOBRE

ASSEXUALIDADE?

Afinal, por que devemos incluir a assexualidade nas discussões LGBT+?

Por Thaís Malaquias


V

ivemos em uma sociedade em que, uma hora ou outra, devemos corresponder a uma expectativa sexual e afetiva em termos de relacionamentos amorosos. Por um lado, temos a expectativa que esses relacionamentos sejam heterossexuais, por outro, há a expectativa que todos os relacionamentos amorosos envolvam sexo e “amor” necessariamente.

"Uma pessoa assexual é aquela que não tem interesse, ou o mesmo tipo de interesse, por sexo e comportamentos sexuais que uma pessoa sexual."

Por causa disso, uma relação que não envolva os dois (principalmente o sexo) não é considerada legítima. Essa deslegitimação acontece devido à superestimação e supervalorização de tudo que gira em torno do sexo. Ser sexual é o normal, ser sexual é o correto. E é nas discussões e no meio da comunidade assexual que essas percepções são desmistificadas e discutidas a partir da vivencia de ser um assexual. Definindo assexualidade: Assexualidade não é fácil de definir, pois dentro do espectro assexual existem diversas definições e cada assexual experimenta sua assexualidade de forma diferente. Uma definição que costumo usar é que uma pessoa assexual é aquela que não tem interesse, ou o mesmo tipo de interesse, por sexo e comportamentos sexuais que uma pessoa sexual. Isso não significa que pessoas assexuais são celibatárias ou condenam as manifestações sexuais alheias, sobretudo quando falamos de sexualidades não-hetero, mas sim que temos outras formas de nos relacionar com o mundo e as pessoas que não giram em torno desse polo sexual e queremos ser respeitados por nossa (a)sexualidade. Então, em termos de sexualidade, de forma simples temos as sexualidades sexuais: heterossexual, bissexual, homossexual, pansexual, etc.; e temos a assexualidade e suas orientações românticas que serão explicadas melhor ao longo do texto.

A diversidade assexual DENTRO DO ESPECTRO ASSEXUAL TEMOS:

A

ssexuais: pessoas que não sentem vontade ou interesse

em sexo e comportamentos sexuais.

G

ray-assexuais: pessoas assexuais que não tem o

mesmo tipo de interesse em sexo e comportamentos sexuais que uma pessoa sexual. Isso não as faz menos assexuais porque fazem sexo, etc.

D

emissexuais: são pessoas que têm interesse em sexo

e comportamentos assexuais apenas com pessoas com quem elas têm um vínculo forte. Não é necessariamente qualquer tipo de vínculo, mas um vínculo forte o suficiente para aquela pessoa demissexual se envolver sexualmente com a pessoa.


Assexualidade vs Romanticidade Dentro da discussão assexual, temos a diferenciação entre orientação romântica (afetividade) e da sexualidade. Como assim? Como já foi dito, o mundo entende que toda relação envolve sexo e afetividade romântica necessariamente, e que nos relacionamentos, esses dois pontos devem estar juntos para existir uma relação legítima entre as pessoas.

birrromânticas, e por aí vai. Assim como podemos ter uma pessoa sexual - heterossexual, homossexual, etc. - que seja arromântica, demirromantica. Isso é possível porque debatemos afetividade romântica separada da (a)sexualidade. Mas é preciso sempre ressaltar que essas definições são apenas para efeito explicativo e didático pois, como já dito, pessoas experimentam sua sexualidade e romanticidade de formas diversas, idem para pessoas da comunidade sexual.

É importante lembrar: Orientação sexual ≠ Orientação romântica

Além disso, é inconcebível para a sociedade que possa existir pessoas que tenham interesse apenas em um desses aspectos – ou só sexo ou só romanticidade – mesmo que seja mais aceito sexo sem amor, espera-se que essa pessoa algum dia “tome jeito” e entre numa relação amorosa estável. Porém, na comunidade sexual, essa forma de se relacionar não nos contempla. Portanto, dentro da comunidade assexual temos pessoas assexuais homorromânticas,

A romaticidade não é a única forma de atração que pessoas assexuais podem experimentar e despertar o interesse por outra pessoa. Alguma delas são: atração estética – baseada na apreciação de características físicas – e sensual: baseada no desejo de tocar alguém sem necessariamente haver uma interação sexual.

EM TERMOS DE ORIENTAÇÃO AFETIVA/ROMÂNTICA, TEMOS ALGUMAS DEFINIÇÕES: Birromânticas afetividade por múltiplos gêneros

Heterorromântica afetividade pelo gênero considerado oposto

Demirromântica afetividade apenas com pessoas que tenham um forte vínculo afetivo

Gray-arromântica experimentam atração romântica, mas não como as demais pessoas

Panrromântica afetividade independente do gênero;

Homorromântica afetividade pelo gênero considerado oposto

Arromântica não sentem afetividade romântica


a

o

Dúvidas frequentes sobre assexuais e assexualidade ASSEXUAL É OUTRA PALAVRA PARA CELIBATÁRIO? ASSEXUALIDADE É CELIBATO? Pessoas celibatárias – independente de sexualidade – são pessoas que por vontade própria escolhem não ter relações sexuais. Pessoas assexuais são assexuais porque essa é sua sexualidade. Não é uma escolha. Além disso, existem assexuais que podem escolher fazer sexo por diversas razões e isso não anula a assexualidade dessas pessoas.

ASSEXUALIDADE É CAUSADA POR ALGUM TRAUMA OU DOENÇA MENTAL/ TRANSTORNOS MENTAIS E PSÍQUICOS? Traumas acontecem com qualquer pessoa fora da comunidade assexual e aparecimento de desordens mentais, transtornos psíquicos ou qualquer condição neuroatípica* aparece em qualquer pessoa, independentemente de sua sexualidade. Não somos assexuais por trauma e nem toda pessoa assexual é neuroátipica. Não existe uma conexão entre assexualidade e esses dois fatores, bem como nenhum estudo que conecte neuroatipicidades com sexualidades.

PESSOAS ASSEXUAIS SÃO CONTRA OUTRAS PESSOAS FAZEREM SEXO? Não. Pessoas assexuais apenas não se interessam por sexo e têm uma relação diferente com o universo sexual, seja ela de repulsa pelo sexo em si ou indiferença. Isso não significa que somos anti-sexualidade e queremos impedir as pessoas a fazerem sexo. Posturas negativas e moralistas sobre sexo não é uma postura especifica da comunidade assexual, assim essas posturas negativas não se relacionam diretamente com a assexualidade em si.

PESSOAS ASSEXUAIS SÃO CONTRA OUTRAS PESSOAS FAZEREM SEXO? Não. Pessoas assexuais apenas não se interessam por sexo e têm uma relação diferente com o universo sexual, seja ela de repulsa pelo sexo em si ou indiferença. Isso não significa que somos anti-sexualidade e queremos impedir as pessoas a fazerem sexo. Posturas negativas e moralistas sobre sexo não é uma postura especifica da comunidade assexual, assim essas posturas negativas não se relacionam diretamente com a assexualidade em si.

COMO VOCÊ PODE SER ASSEXUAL SE VOCÊ NUNCA FEZ SEXO? MAS VOCÊ FEZ SEXO, COMO VOCÊ PODE SER ASSEXUAL? Nossas experiências sexuais - ou a ausência delas - não determina e alteram nossa assexualidade. Assim como nenhuma pessoa heterossexual, homossexual precisa ter experiências diferentes para ter certeza de sua sexualidade, nós também não. E um assexual que faz sexo em algum momento da vida não é menos assexual por isso, já que existem vários tipos de assexualidade.

* termo usado para se referir a pessoas com doenças, desordens e transtornos mentais, pessoas que não tem funcionamento cerebral igual a de pessoas neurotipicas por conta de doenças cognitivas de nascença ou outras doenças como depressão, bordeline, transtorno de ansiedade generalizada, etc.


Símbolos assexuais

CONHEÇA OS DIFERENTES SÍMBOLOS USADOS PELA COMUNIDADE ASSEXUAL

BANDEIRA ASSEXUAL

A faixa preta representa os assexuais, a faixa cinza representa os gray-assexuais e a faixa branca os demissexuais. A cor roxa simboliza a comunidade assexual como um todo.

OS ÁSES DO BARALHO E OS NAIPES

Uma abreviação para assexuais é o termo “ace” que em inglês também significa “ás”. Então, associados aos naipes do baralho temos: O Ás de ouros representando os assexuais demirromanticos e demissexuais; o Ás de espadas representando os assexuais arromanticos; o Ás de Copas representando os assexuais românticos e os Ás de paus representando os gray-assexuais e gray-arromânticos.


ANEL PRETO

Alguns assexuais utilizam um anel preto liso no dedo médio da mão direita para serem identificados por outros assexuais.

O BOLO

Essa associação começou por conta de uma brincadeira entre membros da comunidade assexual em resposta às perguntas “o que é melhor que sexo? Existe algo melhor que sexo?” e então as pessoas assexuais responderam: “sim, existe bolo”. Então, o bolo virou uma referência indireta à assexualidade


Dados sobre a assexualidade Entre os anos de 1940 e 1950, o biólogo norte-americano Alfred Kinsey, em seus estudos sobre as práticas sexuais da população dos Estados Unidos, apurou que, aproximadamente, 1% das pessoas entrevistadas não demonstrava interesse pela atividade sexual.

Além da AVEN americana, temos os seguintes fóruns/sites: ◊

AVEN da Alemanha;

Fórum SEA da Polônia;

AVEN da Holanda;

AVEN da Rússia;

AVEN da Itália;

amostra feita com 18.000 cidadãos britânicos para observar a incidência da assexualidade, apurando um percentual de 1,05% de indivíduos que responderam afirmativamente à alternativa “Eu nunca senti atração sexual por ninguém”.*

AVEN da França;

AVEN do México;

AVEN de Portugal;

AVEN da Finlândia;

Estima-se que no mundo todo, com base em pesquisas antigas, que cerca de 1% da população mundial seja assexual, dado que consta no principal site existente sobre assexualidade que é a AVEN - ASEXUAL VISIBILITY AND EDUCATION NETWORK – site criado em 2001 por David Jay, primeiro assexual assumido que , desde a década de 90, relata sua vivencia que distanciava-se dos comportamentos sexuais e românticos das pessoas com quem convivia.

AVEN da Suécia;

AVEN da Noruega;

AVEN da República Checa;

AVEN da Turquia;

AVEN de Israel;

AVEN da China

Em 2004, o psicólogo social Bogaert estudou dados demográficos pré-existentes numa

Estima-se que aproximadamente 1% da população mundial (cerca de 74 milhões de pessoas) seja assexual

E, no Brasil, temos o fórum Comunidade Assexual com 1833 membros. Outras páginas em sites com o Facebook e o Tumblr mantem conteúdo sobre assexualidade, além da auto-organização de assexuais em grupos na internet, sejam eles com membros nacionais, internacionais ou locais. Na área acadêmica e pesquisa, a principal estudiosa sobre assexualidade é a Elisabete Regina de Oliveira, que foca no entendimento da diversidade sexual e as facetas invisíveis de apagamento da comunidade assexual. Ela possui artigos publicados e um blog onde compartilha suas considerações com base nos relatos de assexuais que entrevistou.

* fonte: http://www.fazendogenero.ufsc.br/10/resources/ anais/20/1384778146_ARQUIVO_ElisabeteReginaBaptistadeOliveira.pdf


Visibilidade

A IMPORTÂNCIA DA VISIBILIDADE ASSEXUAL, DA CONSCIÊNCIA ASSEXUAL E O SER ASSEXUAL NO CONTEXTO BRASILEIRO Inserir nos debates de sexualidade a questão da assexualidade é fundamental para quebrar tabus e nos tirar da invisibilidade, além de desconstruir a percepção clínica patologizadora sobre nossa sexualidade – nas áreas de saúde, assexualidade é uma patologia (Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo). Fora isso, quanto mais pessoas tiverem conhecimento sobre a comunidade assexual, mais pessoas se sentirão à vontade para se assumirem seja para familiares e amigos como para seus parceiros de relação, já que muitos assexuais por medo, vergonha e incompreensão, se forçam a corresponder de forma sexual nas relações mesmo se sentido “quebrados”.

Inserir nos debates de sexualidade a questão da assexualidade é fundamental para quebrar tabus e nos tirar da invisibilidade, além de desconstruir a percepção clínica patologizadora sobre nossa sexualidade – nas áreas de saúde, assexualidade é uma patologia (Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo). Fora isso, quanto mais pessoas tiverem conhecimento sobre a comunidade assexual, mais pessoas se sentirão à vontade para se assumirem seja para familiares e amigos como para seus parceiros de relação, já que muitos assexuais por medo, vergonha e incompreensão, se forçam a corresponder de forma sexual nas relações mesmo se sentido “quebrados”.

Outro benefício de se discutir abertamente assexualidade é permitir que pessoas que sempre se sentiram estranhos e confusos sobre a própria sexualidade tenham outra referência que não gire em torno das sexualidades sexuais. Há muitos relatos de assexuais que se descobriram ace que, antes de conhecerem a comunidade, tinham dúvidas se eram bissexuais, homossexuais, e, numa tentativa de firmar uma sexualidade logo e não ser estigmatizado por ser “estranho”.

Outro benefício ~e é permitir que pessoas que sempre se sentiram estranhos e confusos sobre a própria sexualidade tenham outra referência que não gire em torno das sexualidades sexuais. Há muitos relatos de assexuais que se descobriram ace que, antes de conhecerem a comunidade, tinham dúvidas se eram bissexuais, homossexuais, e, numa tentativa de firmar uma sexualidade logo e não ser estigmatizado por ser “estranho”.

Em termos de compreensão da diversidade sexual, a comunidade assexual oferece um novo olhar sobre o que entendemos como relações afetivas amorosas saudáveis, resignifica e discute o papel do sexo e da afetividade romântica nessas relações como base fundamental para um relacionamento dar certo e coloca em cheque a necessidade de envolvimento amoroso e sexual para se relacionar com o mundo e o outro e alcançar uma vida social de sucesso.

Em termos de compreensão da diversidade sexual, a comunidade assexual oferece um novo olhar sobre o que entendemos como relações afetivas amorosas saudáveis, resignifica e discute o papel do sexo e da afetividade romântica nessas relações como base fundamental para um relacionamento dar certo e coloca em cheque a necessidade de envolvimento amoroso e sexual para se relacionar com o mundo e o outro e alcançar uma vida social de sucesso.


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uma conversa sobre fe E IDENTIDADE

PAGANISMO

A presenรงa do paganismo na comunidade LGBT+

Por Cristiano Rantin


E " Na maioria das vezes, temos a religião pagã como um ambiente seguro e amoroso para aqueles que não encontram apoio em outras vertentes religiosas"

stamos vivendo um surto de espiritualidade onde os mais diversos tipos de pessoas buscam se reintegrar com a natureza e com o universo. A medicina alternativa que cura com ervas terapêuticas essências e cristais ganha mais adeptos a cada dia, cresce também pessoas que se encantam com os signos e os mapas astrais, ou descobrem as maravilhas da meditação e do incenso. É um novo tempo. Um tempo onde as pessoas descobrem a diversidade de expressões religiosas que existem, escapando das grandes religiões - como o Cristianismo - sem medo ou culpa, como era comum há poucas décadas. Nessa experimentação religiosa, muitos acabam descobrindo o paganismo e suas diversas vertentes. Caracterizada pelo politeísmo, a visão do principal conceito do Divino é a imanência, ou seja, não existe um distanciamento entre criatura e criador, tudo é divino e contêm a essência dos Deuses, até mesmo os humanos. Existe uma liberdade muito grande dentro do paganismo, tudo é muito pessoal. Você (ou o seu grupo, se você fizer parte de um) decide tudo o que vai fazer, tendo liberdade para cultuar a divindade que quiser, para celebrar ou não os rituais sazonais (aqui chamados de Sabbath ou Sabá). Você é livre para ser quem você quiser, sem nenhuma punição divina por isso. Talvez essa seja a principal razão para vermos muitas pessoas da comunidade LGBT+ descobrindo - e ficando - no paganismo. Na maioria das vezes, temos a religião pagã como um ambiente seguro e amoroso para aqueles que não encontram apoio em outras vertentes religiosas, não havendo razão para temer a ira divina ou de se reprimir com medo do que os outros membros de sua comunidade farão. Nada de longas pregações sobre o pecado da carne, nada de olhares atravessados, nada de “curas” para suas identidades. Não é pecado amar quem você quiser amar, seja do mesmo gênero ou não. Não é pecado buscar se adequar ao gênero que você é (não o gênero que as pessoas querem que você seja). E razão para isso que é o paganismo desconsidera o conceito de pecado. Mais que isso, no paganismo ninguém procura julgar o outro por sua sexualidade ou corpo alheio, logo na maioria das vezes não existe preconceitos quanto a isso.


A Deusa Laurie Cabot, em seu famoso livro “O Poder da Bruxa”, discorre sobre as diferenças entre a Grande Mãe Terra, a Deusa, e o Deus Único cristão. Segundo ela, quando a principal divindade deixou de ser mulher e ter a terra como seu corpo cedendo lugar para um homem que reina nos céus, distante dos humanos, a humanidade em sua grande maioria mudou drasticamente. De um estilo de vida tranquilo para uma era sombria. De um período onde a vida era celebrada ao máximo, para um época onde apenas o além-vida importava. Quando o patriarcado tomou o poder, em especial quando o Deus Cristão se tornou a divindade mais popular do momento, foram impostos severos códigos de conduta e proibições. Tentaram retirar a beleza e o prazer da vida, instruindo que a vida deveria ser repleta de servidão e humilhações, pois a vida fácil, sem trabalho duro e cheia de prazeres pertenciam a um grupo seleto, os escolhidos pelo próprio Deus para desfrutar disso. A natureza foi amaldiçoada, passando a ser uma inimiga que deveria ser enfrentada e conquistada, não mais a aliada que deveria ser agradecida por tudo que provia. Tudo que vinha do ventre da Grandemãe passou a ser considerado sujo e pecaminoso. Era tempo de reprimir o orgasmos, o sexo livre e a liberdade que a natureza provinha. Era necessário que a dor e o sofrimento expurgasse o pecado que o patriarcado havia criado e que todos vivessem com medo de acabar no inferno, pois assim não haveria a menor chance de que as coisas voltassem a ser como eram. Mas, como mencionei anteriormente, a Deusa vem retornando ao seu papel de protagonista, e chega trazendo um sopro de leveza por onde passa. Vem empoderando mulheres com toda a força das Deusas guerreiras para que lutem por uma sociedade justa, vem mostrando que a beleza e o prazer são naturais e devem ser apreciados por todos, vem convidando as pessoas a levantarem a cabeça e marcharem com orgulho.


Vem mostrando que um mundo padronizado é, além de incrivelmente chato, um conceito falho pois a diversidade deve ser incentivada e não combatida. É uma mãe, a Grande-Mãe, e como uma mãe abraça seus filhos sem distinções, amando incondicionalmente todas as criaturas. Como Mãe, vem e nos ensina que rir faz bem, que o sexo e os orgasmos são sagrados e não devem ser encarados como algo sujo ou “apenas funcional”. Quebra as regras que outrora foi imposta, mostrando que cada um é livre para pensar, questionar, problematizar e mudar o mundo. Chega com uma força que não para de crescer, mas ensina que o que importa, no final das contas, é o amor, sempre o amor. E que todas as expressões desse sentimento tão lindo são sagradas, pois não há distinção para a Deusa. não existe “amor hétero” ou “amor gay”, existe apenas o amor e ele deve ser semeado, cultivado e celebrado. Ela chega e vai além, mostra que não existem padrões a serem seguidos, nenhum manual de como você deve ser ou não. Independente do seu gênero ou da sua orientação sexual, você é livre para fazer o que quiser, ser como quiser. Mostra que os conceitos de “masculino” e “feminino” podem ser misturados ou transformados, afinal você pode ter sido designado como sendo “masculino” quando, na verdade, era “feminino” (ou vice-versa) e tem todo o direito de mudar até que se sinta bem consigo mesmo. Pois a Deusa ensina que o que importa é você se sentir bem, é ser feliz. E é assim que a Deusa acorda e o paganismo começa a ressurgir e atrair aqueles que sempre acabaram

mrnepa.deviantart.com/

na margem das grandes religiões, dá espaço, voz e carinho para a mulher, para o homossexual, para o transgênero. No paganismo, a Deusa envolve e abraça essas pessoas mostrando como a vida pode ser mais bela livre do ódio e do medo, mostrando que as feridas podem ser curadas e que podemos crescer em um ambiente onde a diversidade (de corpos, cores, estilos, sexualidade, pensamentos...) é admirada e protegida.. Pois no final das contas tudo isso é sobre o amor, e o que Ela mais tem é isso.


Sendo pagão e LGBT+

MINHA VIVÊNCIA ENQUANTO GAY E BRUXA, POR FREDERICO MALI Tudo aconteceu quando eu tinha doze anos. Era uma noite repleta de tensão e ansiedade, até que o técnico - finalmente declarou que estava feito, minha casa finalmente tinha acesso à internet. O som da conexão discada, um suspense eterno que sempre fazia meu coração pular uma batida, soou como música aos meus ouvidos, marcava o fim das brigas pelos computadores amarelados da escola, ou pelas visitas nas lan-houses sempre lotadas. Quando tudo estava normalizado, vi o colorido logo da Google sorrindo pra mim. “Pesquise qualquer coisa, só pra gente ver se tá tudo ok”, ordenou o técnico. Obediente, deslisei meus dedos pelo teclado velho e duro e vi as palavras ganharem vida na tela: Livros de bruxaria. A partir dessa primeira busca, encontrei um mundo completamente novo. Criado na igreja católica, fui arrastado para a igreja em várias situações, acompanhando orações, sermões e músicas. Cantava, rezava e ouvia o padre, mesmo sem entender muito bem o que acontecia a minha volta. Uma coisa eu entendia, e entendia muito bem. Mesmo que o sujeito não fosse mencionado com muita frequência, ele era uma presença constante: O Diabo. Ele, senhor de todo mal e perversão, era o dono do Inferno, lugar onde todos os pecadores iriam sofrer por toda a eternidade. O pecado nunca me fez sentido. Vivia com medo de acabar pecando e ganhar uma viagem só de ida para o inferno, por isso tentava seguir os 10 mandamentos, escapar das garras sujas e sedutoras dos 7 pecados capitais e obedecer as normas e regras que me iram

impostas. Era angustiante. Meu antigo eu vivia fazendo promessas e implorando por salvação, implorando para um panteão de santos - e para um Deus que sempre me pareceu severo demais - pela salvação de minha alma. Que perdoassem a minha inveja e o meu ciúme, que ignorassem a minha preguiça e a minha gula, que me impedissem de cair em tentação, e que me ajudassem a seguir o caminho que era aceito por todos, que me ajudassem a ser “normal”. Eu me odiava. Odiava ter nascido assim e não ser o que todo mundo esperava que eu fosse. Odiava não ser capaz de ser mais forte e superar essa influência que, indubitavelmente, era do Diabo. Odiava prometer que faria de tudo para fugir da tentação da minha própria sexualidade e quebrar essa promessa o tempo todo. Na primeira (e única) vez que fui confessar, passei horas me armando com coragem para dizer aquelas palavras que queimavam em mim, para finalmente confessar a alguém que eu não era como pensavam. Quando sentei naquela cadeira de plástico olhando nos olhos do padre - nada de confessionários misteriosos e discretos - estava pronto para dizer que era um “anormal” e implorar o perdão por um pecado que era meu desde meu nascimento. Mas veio a covardia e assim, como coração acelerado e a boca seca, troquei meu pecado e discorri sobre minhas crises de ciúme. Rezei minha penitência e sai de lá limpo e abençoado, mas carregado de culpa.


Mas então veio a pesquisa e sua centena de resultados. Fiquei animadíssimo com a ideia de ser um bruxo “de verdade”. Vasculhei sites e blogs, até que encontrei um fórum onde as pessoas conversavam comigo sobre o assunto, que tiravam minhas dúvidas e me explicavam alguns conceitos sobre a bruxaria como religião. Esse foi meu primeiro encontro com a Wicca, um dos muitos caminhos da bruxaria, a religião neopagã onde as pessoas declaravam seu amor pela natureza e se auto denominavam de bruxas, magas e feiticeiras. Meu

primeiro

pensamento

ao

encontrar

pois seus filhos devem viver a vida em alegria e prazer, não em ódio e culpa. . Descobrir isso foi libertador, não precisava temer a danação eterna por ser quem eu era. Agora havia encontrando uma crença onde eu realmente me sentia tocado e, mais que isso, onde eu era bem vindo do jeito que eu era. Depois de tantos anos me odiando, levei um bom tempo para conseguir me aceitar e me amar de novo. Mas, pouco a pouco, fui entendendo que não havia nada de errado, doentio ou pecaminoso em mim, que não precisava levar uma vida lutado contra mim mesmo, gastando

"Havia me livrado do medo da danação eterna por ser quem eu era." essas pessoas foi pensar que, sem dúvida alguma, existia uma relação com o Diabo. As imagens relacionadas ao termo “bruxaria” nada ajudavam a mudar esse meu conceito, assim como os filmes que assistia quando pequeno. Por mais que amasse as bruxas não podia ignorar o fato de que, em quase todos os filmes, elas eram más e tinham uma relação direta com Satã. Quando passei esse questionamento para o saudoso fórum que havia acabado de participar recebi inúmeras respostas, entre elas a clássica: “Dizer que uma bruxa trabalha para Satanás é o mesmo que dizer que um ateu trabalha para Deus”. A reação que essa frase me provocou foi extrema confusão, mas, por sorte, me explicaram tudo com muita paciência. Não existe um Diabo em Wicca. Não existe um guardião para uma dimensão que fede a enxofre onde os pecadores são torturados para o resto dos seus dias, até por que o conceito de pecado é algo inexistente em Wicca. Não existe punição por não respeitar uma lista de mandamentos ou por ser seduzido pela fraqueza da carne ante os sete pecados capitais, pois não existe nada do tipo em Wicca. Não existia nada de errado comigo, nada de anormal ou pecaminoso. Eu era como eu era e fim, a Deusa sabia e celebrava,

todas minhas energias em uma luta que nunca poderia ser vencida, buscando uma cura que não existia - até por que não havia doença alguma que precisava ser curada. Levou algum tempo, mas passei a me aceitar exatamente como sou e sabendo que a Deusa celebra comigo cada momento de alegria e prazer, pois é como diz a “Carga da Deusa”, um texto muito utilizado na Wicca, “que a adoração a mim esteja no coração que rejubila, pois, saiba, todos os atos de amor e prazer são meus rituais”, assim sendo, não há erro no amor, assim como não há pecado em amar. Toda forma de amor é divina e merece ser celebrada aos olhos da Deusa. Esse foi um foi um dos muitos motivos que me fizeram continuar nesse caminho. Hoje, oito anos depois do meu primeiro contato com a bruxaria e a Wicca, se me perguntassem sobre o que é a minha religião eu resumiria em uma única só palavra: Amor.


MAIS DO QUE VISIBILIDADE,

REPRESENTATIVIDADE

Televisão em cores: como estamos sendo representados na mídia?

Por André Macedo


""Precisamos estar nos núcleos de comédia, com piadas ofensivas e uma personalidade tão profunda quanto um pires?"

A

lguns meses atrás, assisti ao documentário “Paris is Burning” com o grupo de estudos sobre sexualidade e comunicação do meu existente no meu curso. Ao terminar e abrir o debate, um amigo apontou a quantidade de pessoas negras presentes no longa. Quando comecei a assistir “Orange Is The New Black”, senti algo parecido ao ver a quantidade de personagens LGBT+ presentes. E, para melhorar, a série contava com uma personagem trans interpretada por uma mulher trans, e não um homem de peruca! Exemplos como esses nos mostram o quanto a representatividade é importante. Afinal, se nossa população não é formada apenas por homens brancos, por que parece que a grande maioria das produções audiovisuais são protagonizadas por eles? Se você é jovem e tem acesso à internet, provavelmente assiste ou já assistiu algum seriado televisivo. Ao longo dos últimos anos, cada vez mais séries apresentam personagens LGBT+, porém a existência dessas personagens é o suficiente para dizer que estamos sendo bem representados na televisão? Quantidade não é a única coisa que importa. Para uma série ter representatividade LGBT+, não basta apenas contar com um personagem gay estereotipado. A comunidade vai além dos homens gays cisgêneros, lembremos que a letra G é apenas uma das muitas. Sexo pode ser uma coisa legal e muitos de nós gostamos, mas será que os personagens LGBT+ precisam mesmo ter arcos narrativos que mostrem apenas uma sede sexual voraz? Precisamos estar nos núcleos de comédia, com piadas ofensivas e uma personalidade tão profunda quanto um pires? Precisamos ser interpretados quase que exclusivamente por atores heterocisnormativos? Cada personagem LGBT+ ajuda a mostrar que existimos, mas isso deixou de ser o suficiente há muito tempo. Queremos - precisamos ser representados com mais qualidade. Inspirados pelo Teste de Bechdel , criamos uma escala para analisarmos quais produções audiovisuais conseguem nos representar de forma positiva. Veja se sua série ou filme favorito passa no teste.


Teste de representatividade A PRODUÇÃO TEM QUANTAS PERSONAGENS LGBT+ NO ELENCO PRINCIPAL? Considere principal uma personagem que apareça na maioria dos episódios e cuja história não dependa completamente de outra Nenhuma - Você já tem sua resposta Uma - 1 ponto Duas - 3 pontos Três - 5 pontos Quatro ou mais - 10 pontos

ESSA PERSONAGEM É: Some os pontos de cada personagem lgbt. Caso uma personagem se encaixe em mais de uma categoria, conte os pontos de cada uma e me recomende essa produção. Homem gay - 1 ponto Mulher lésbica - 2 pontos Pessoa bissexual - 3 pontos Mulher transgênero- 5 pontos Homem transgênero - 7 pontos Outra identidade - 10 pontos

A RAÇA DESSA PERSONAGEM É: Sabemos que essas opções não cobrem todas as possibilidades possíveis, por isso analise qual se aproxima mais em quesito de presença na mídia Branca - 0 pontos Asiática - 3 pontos Negra - 5 pontos


e LGBT+ em séries e filmes A PRINCIPAL HISTÓRIA DESSA PESSOA ENVOLVE APENAS SUA VIDA SEXUAL? Considere aqui se as histórias das personagens não envolvam apenas encontros/necessidades/conversas sexuais Sim - menos 3 pontos Não - 3 pontos

ESSA PERSONAGEM APRESENTA ALGUM ESTEREÓTIPO? Exemplos: homem gay engraçado e “servo” de mulher normativa rica, mulher trans prostituta, lésbica “durona” com apenas amigos homens, qualquer pessoa LGBT+ com vida sexual considerada promíscua, etc . Sim - menos 3 pontos Não - 3 pontos

Resultado: até 5: Essa produção não é representativa. 5 a 10: Dá para melhorar, mas existe alguma representatividade. 10 a 15: Um bom exemplo de representatividade LGBT+. 15 ou mais: Essa série é do Netflix ou da Shonda, né?


Pelo direito de ser enganado Desde que nascemos, somos expostos a histórias românticas por todos os lados: literatura, televisão, cinema e por aí vai. Dos contos de princesas para as comédias românticas, a maioria avassaladora desses casos têm um ponto em comum: contam a história de um casal heterossexual cisgênero*.

entretenimento. Mas não seria melhor ser enganado com algo que você se identifique pelo menos o mínimo? Queremos chorar por causa de amores inexistentes, queremos nos prender a personagens da nossa faixa etária e com as mesmas dúvidas povoando a cabeça, Queremos não depender apenas de fanfics para satisfazer esse desejo, queremos que mais histórias LGBT+ sejam contadas e, tão importante quanto, queremos cada vez mais artistas LGBT+ produzindo arte por aí.

Quando pessoas LGBT+* se “descobrem”, notam também a grande falta de representação na ficção. Afinal, não adianta só dizer que um personagem é gay depois que a série de livros foi lançada (estou olhando para você, J.K. Rowling). Os nossos livros podem Não queremos apenas falar sobre reality shows Vamos falar sobre o que é natural? histórias que nos contam com mortes de crianças e de nosso sofrimento; por os filmes podem sexualizar peixes, mas não mais que sejam importantes, ao chegar queiram personagens LGBT porque é muito em casa depois de um dia cheio, é difícil ter não natural e imoral, não é mesmo? cabeça para ler ou assistir algo complexo e que demanda atenção. Queremos assistir É legal apontar que produções mais coisas como “RuPaul’s Drag Race”, representativas não precisam ser para rirmos de nossas próprias piadas e necessariamente “cabeça”, afinal todos culturas. Queremos algo que possamos nos precisamos de um pouco de futilidade relacionar. de vez em quando. Romances bonitinhos e simples como o filme “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” ou os livros “Dois Garotos Se Beijando”, de David Levithan provam que é possível criar uma história relaxante sem cair em estereótipos. Enquanto o filme conta com um personagem deficiente visual, o livro de Levithan contém a história de um romance entre dois garotos, sendo um deles homem trans. Porque, no fim das contas, todos somos enganados pela arte e


Produções representativas para conhecer FILMES

HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO

RENT

TRANSAMÉRICA

XXY

THE L WORLD

SENSE8

HOW TO GET AWAY WITH MURDER

MIDDLESEX JEFFREY EUGENIDES

GEORGE ALEX GINO

FLORES RARAS E BANALÍSSIMAS CARMEN OLIVEIRA

COURTNEY ACT

BETH DITTO

FRANK OCEAN

SÉRIES

ORANGE IS THE NEW BLACK

LIVROS

DOIS GAROTOS SE BEIJANDO DAVID LEVITHAN

MÚSICOS

TROYE SIVAN



http://eliasericson.tumblr.com/


os desafios de ser

TRANS, NEGRO E AFEMINADO

Os desafios de ser trans, negro e afeminado numa sociedade machista e racista

Por Guilherme Noah


"Ser assim, meu caros, é ser revolução".

ossa sociedade tem os moldes exatos do que é certo N ser e parecer. Não podemos desafiar a norma, os estereótipos do que é ser homem e mulher já estão

pré-dispostos pra que sigamos. Pois bem, e quando você foge totalmente do que é correto? Quando você nasce preto, e a ti atribuíram um sexo e um gênero ao qual você não pertence, e, além disso, não se encaixa nos padrões estabelecidos para aquele símbolo social? Ser assim, meus caros, é ser revolução. Antes de ser trans, antes de pensar em mim como um ser de qualquer gênero, antes de negar quase todas as feminilidades a mim impostas eu sou negro. Já me viam negro, já me tratavam como inferior por ser negro. E digo isso assumindo meus privilégios: minha cor de pele não é tão escura, não passo o mesmo racismo (e não, democracia racial não existe e o racismo não está na minha cabeça) que pessoas de pele mais escura que a minha. Dito isso, há de se entender que a opressão que sofremos é a mesma na raiz, mas se prolifera de diferentes formas.


Como o racismo se expressa na sociedade? O racismo pode se expressar de diferentes formas. Em sua raiz, é a ideia de que as pessoas negras são seres diferentes, seres anormais, seres que devem ser objetificados ou seres inferiores às pessoas brancas. A gente vê os reflexos disso na sociedade, seja com o genocídio da população jovem, negra e masculina do Brasil ou seja com os estereótipos de negro que a sociedade nos injeta (aqueles de que o homem cis negro tem um pênis grande, mulher negra é ótima na cama, etc). Cada gesto de desigualdade que se expressa é racismo.

Kye Allums, atleta trans e negro americano

Há de se explicar um ponto: cotas raciais não são racistas. As cotas servem para apaziguar a realidade já existente no Brasil, do mercado informal ser majoritariamente composto por negros e as faculdades serem espaços brancos. O objetivo é introjetar negros em espaços que já foram pré-definidos como brancos desde a época da escravatura.


Diante do racismo, da hiperssexualização e da solidão que eu sofria, me vi diferente da menina que eu achava que eu era. Me vi desejando uma barba, me vi odiando o corpo que eu tenho, lembrei de todas as vezes na infância em que fui “Guilherme” e deixei meu nome de registro pra trás e era feliz. E assim descobri a transgeneridade ou transexualidade. Ser trans é não se encaixar com o gênero que lhe foi imposto ao nascer. Não são órgãos genitais que fazem um gênero

pessoas “do mesmo sexo” que se vestem com roupas “do sexo oposto”. Isso não faz o menor sentido, mas vamos lá: nem todas as pessoas transgêneras são heterossexuais. Há muitos homens e mulheres trans que são ou gays, ou lésbicas, ou bis, ou pans, ou assexuais. Todas as sexualidades existentes valem para pessoas trans, entretanto a heterossexualidade compulsória* também nos afeta. * Compulsoriedade da sociedade em admitir e só aceitar todos seus componentes se estes forem heterossexuais.

"Continuamos firmes, (r)existindo e sobrevivendo." (até porque, se fosse, por que algo que ocupa 10% do seu corpo seria tão importante?) e sim a sociedade. Esta, sim, define que rosa é para meninas, azul é para meninos, quando as crianças nem ao menos sabem o que são. Além da cisgeneridade, isso acontece também com a heterossexualidade. Descobrir-se trans é uma das coisas mais maravilhosas que existe. Entender tudo pelo que passou, perceber que outras pessoas passaram e passam pelo mesmo que você é encantador. Infelizmente, depois vem o medo. O Brasil é o 1º lugar entre os países que mais matam pessoas transgêneras do mundo. A expectativa de pessoas trans brasileiras é de 35 anos. 90% das mulheres trans e travestis encontrase em situação de prostituição. Esses são alguns dos dados que temos – já que as mortes de pessoas transgêneras são sempre colocadas nos noticiários como “morte de homossexuais”. Para as pessoas cisgêneras, todas as pessoas transexuais são exatamente isso: homossexuais ao extremo. Resumemnos a lésbicas e gays que gostam tanto de

Infelizmente, dentro do próprio meio LGBT+ há pessoas que continuam seguindo a norma, mesmo quando é suposto não a seguir. Quando se deparam com homens trans afeminados e mulheres trans masculinizadas, fugindo totalmente do estereótipo dado pela sociedade aos dois gêneros, invalidam as expressões destes. Além de lutar contra um sistema inteiro contrário a mim, tenho que lutar contra os meus. Mas, apesar de todos os pesares, continuamos firmes, (r)existindo e sobrevivendo. E aqui vai um recado para todas as pessoas trans e negras que estão lendo este texto: obrigado por existirem, continuem sendo maravilhoses e desafiando o CIStema que vocês arrasam! Eu amo vocês!


© olly - Fotolia.com #40680086

sexualidade,

FRIDA, DALÍ E EU

As dores, aflições e excitações eróticas de artistas plásticos


" Eu via Dalí como um amante, um espírito que se fazia em metáfora comigo sob os relacionamentos atuais, os digitais" TEXTO E ILUSTRAÇÃO POR DENIS PINHEIRO

A

os meus 15 anos, passando por um curso conservador de artes plásticas me envolvi com um artista, mais velho, sênior no assunto, que possuía uma integridade duvidosa e se expressava aos olhares escondidos, de angustia, de desejo e anseios maternais. Ao ver Dalí e sua obra O Grande Masturbador, analisando-a de perto, sem câmeras fotográficas e selfies atrapalhando o momento, eu sentia o aperto que era viver em Dalí, ser Dalí e toda expressividade de mundo que se fazia em sua mente. Dalí não conseguia culminar um ato sexual com alguém, se fez então voyeur, o ato de observar pessoas tendo relações sexuais e se excitando com isso. Dalí, o grande masturbador: para muitos seria atração de um freak show, para outros, um covarde por medo de expressar sua sexualidade. Eu via Dalí como um amante, um espírito que se fazia em metáfora comigo sob os relacionamentos atuais, os digitais, onde nos apaixonamos e nos entregamos e nos revelamos virtualmente, longe de carnes, apenas nos olhares e combinações online. E pelos encontros que eu tinha nesses amantes, essa sexualidade fetichista que se criava ao surrealismo, conheci o sofrimento de Frida. Kahlo encontrou a morte tão cedo, fez um trato com a mesma e retornou a vida – como todo contrato tem suas consequências, as de Frida eram viver em alucinações sob um mundo paralelo, bebido e descrito sob sua dor. Ossos esmagados, genitálias estilhaçadas e reconstruídas, nos gessos que a possuíam, sufocavam-na todos os dias, por anos: a dor de Frida era uma expressão do sentimento ansiedade, que no caso, eu sentia, diariamente, um sufoco que não se aliviava - ao menos que eu pintasse.


Minha alma gêmea se fez ao ver Frida, em flechas n’O Veado Ferido, obra onde Frida é veado, machucada, exposta, caçada, injustiçada, retirada de sua naturalidade, transformando-a em objeto de desejo infiltrado em ódio: por suas dores, por seus desejos, por sua sexualidade, por ser mulher. E eu também era (talvez ainda seja) um veado ferido – era eu exposto, caçado e condenado às fogueiras: aos 16 recebi minha primeira carta do vaticano desejando minha excomungação – mas isso é história pra outro dia. Dalí buscava uma figura materna em um amor, eu busco uma figura paterna. Frida explorava sua sexualidade e tinha conflitos matrimoniais, eu explorava a sexualidade sem saber o que era matrimonio. Frida era angustiada pela dor e sufoco de ferros e gessos que a cobriam, já eu, era coberto pelo frio de metais que atormentavam quando em ansiedade. Salvador Dalí era voyeur, já eu dedilhadas inquietas, eróticas– períneo, próstata e eventualmente clitóris.


Vivíamos unidos Frida e eu, entrelaçados em sexo e angústias, enquanto Dalí nos regava pelos seus olhos aos próprios cantos e alma. Tínhamos essa possibilidade de sermos vida, fluídos pela inocência do desejo carnal, pela proibição de todo um mundo e a revolução de fugir de fogueiras e sermos filhas figurativas das bruxas que não foram queimadas. E hoje, aos finais de 2015 (enquanto escrevo) penso nesses amores e relações que ainda possuo, de outras formas, mas ainda intensas; confusas e em dores: o resultado desses anos faz com que tenhamos esses vômitos sentimentais e eróticos, juntos, as espreitas e nas expressões rasgadas em quadros e expostas ao mundo. Tornando-nos POP, nos tornando supérfluos, nos tornando motivos de selfie e principalmente, aglomerados de glamourização.


Lorayne, desde que vocĂŤ se foi o mundo pareceu ficar menos colorido. Obrigado por ter enchido nossas vidas com tanta luz e cores,


E

m sua história original, a Pequena Sereia não aceita a sua realidade finita e tem como grande sonho ter uma alma eterna. Em busca disso, a princesa sacrifica sua voz e cauda para ter em troca um par de pernas. Porém, a cada passo que ela daria, sentiria como se estivesse pisando em facas. Para alguns de nós, a ideia de andar pisando em facas não parece tão folclórica. Essas facas estão presentes a cada pisada, em forma de opressão, depressão e inconformidade. Passamos muito tempo procurando o tal do amor verdadeiro que tiraria esse fardo e nos daria uma alma imortal. O problema é que esse amor não vem como nós imaginamos. Não temos principes ou princesas encantados, mas uma amiga me falou que, talvez, o significado da nossa vida seja criar vínculos. Essas ligações trazem prazer, dor e satisfação, o que podemos chamar de amor verdadeiro. Mas ninguém conta para a gente que, as vezes, o amor não é suficiente. Renegamos o amor e suas condições e preferimos nos jogar ao mar e virarmos espuma. Isso não significa fraqueza ou desistência, mas é uma escolha que dói para todos em volta. Afinal, até que ponto a nossa vida é só da gente? Ao se jogar ao mar e virar espuma, a Pequena Sereia flutuou e entrou em uma nova fase com as filhas do ar. Sua missão era levar brisa, calma e alegria para quem mais precisasse, dessa forma podendo adquirir uma alma eterna. Lorayne é a sereia que nos deu o privilégio de conviver com ela, mas sua vida não foi apenas dela, nem apenas da gente. Ao virar espuma, Lorayne espalhará alegria e conforto para quem precisar. Por mais que fiquemos tristes por não sermos mais detentores exclusivos dessa presença, sabemos que sua história não acabou. Amiga, o mundo pareceu perder as cores quando você se foi, mas um dia espero entender que você continua aqui em cada brisa reconfortante que sentimos nesse deserto. Obrigado por colorir a minha vida com os tons mais bonitos, e desejo sorte nessa fase.


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