Assedio Moral no Trabalho: aspectos brasileiros de um problema mundial

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■ Capítulo de livro: “ACOSO MORAL EN EL TRABAJO: ASPECTOS BRASILEÑOS DE UM PROBLEMA MUNDIAL” (Tradução: “Assédio Moral no Trabalho: aspectos brasileiros de um problema mundial”) Autor: Edwin Fialho Despinoy – email: despinoy@gmail.com ■ Extraído do Livro: “REFLEXIONES SOBRE DERECHO LATINOAMERICANO” (432 páginas) Publicado pela Editorial Quorum – Buenos Aires (Argentina) em abril de 2011. (O original foi publicado em espanhol e vertido para o português pelo próprio autor.)

COMO CITAR ESTE CAPÍTULO DE LIVRO: DESPINOY, Edwin Fialho. Acoso moral en el trabajo: aspectos brasileños de um problema mundial. In: TAYAH, José Marco. (Coord.). Reflexiones sobre derecho latinoamericano: estudios en homenaje al professor Ricardo D. Rabinovich-Berkman. Buenos Aires: Editorial Quorum, 2011, p 139-159.


2 ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: aspectos brasileiros de um problema mundial Edwin Fialho Despinoy *

A ciência é uma só, contudo as limitações impostas pela natureza humana nos obrigam decompor a realidade, qual o prisma o faz com a luz, mostrando-nos as diversas cores que a compõe, para que possamos enxergar essa mesma realidade decomposta em seus diversos aspectos, cada qual cabendo ser estudado por um ramo diverso da ciência. Questões antigas, como o assédio moral, hoje são decompostas em seus detalhes, ganham visibilidade diante dos vários ramos do saber científico, que em conjunto dedicam seus maiores esforços no sentido de compreender, prevenir e tratar essa grave forma de doença social, capaz de gerar tantos danos morais e materiais. Juntas, a Saúde e o Direito estudam, interpretam e possibilitam um novo olhar sobre um problema que apesar de antigo persegue o trabalhador hoje, mais que nunca: o assédio moral no trabalho. A natureza devastadora do assédio moral se esconde sob o manto da dissimulação, que impossibilita a identificação direta e objetiva dessa grave forma de violência social. O assediador consegue destruir sua vítima com pequenos e continuados atos, que muitas das vezes passam despercebidos por todos. No início, até mesmo o assediado tem dificuldades para identificar o problema que o atinge. A natureza do assédio moral pode se esconder por detrás da sutileza dos atos do algoz, que com astúcia conduz sua vítima a um estado de total destruição psíquica, física, social, laboral e familiar. Há bem pouco tempo, o assédio moral era visto apenas como uma suposta perseguição, ou mesmo uma mera brincadeira de mau gosto, servindo muitas vezes como motivo de chacota, o que sempre levava o assediado ao descrédito perante a sociedade, desestimulando, assim a sua denúncia. O assediado preferia, e ainda prefere ocultar do grupo social e familiar as agressões que sofre, para se poupar da vergonha de ser alvo de atos que tanto o desmerecem como ser humano. Essa abominável prática permeia todos os meios sociais, sendo capaz de se fazer presente no trabalho, na escola, na família, no clube, e nos mais diversos grupos de pessoas. Entretanto trataremos aqui especificamente do assédio moral no trabalho, que vem crescendo cada vez mais, em razão das características de nossa sociedade altamente competitiva, globalizada, em que os meios pouco importam, desde que se atinjam as metas, os resultados. A crise ética e moral, juntamente com o conflito de valores que marcam a sociedade dos séculos XX e XXI, proporcionam o cenário ideal para esse antigo fenômeno que agora ganha o os holofotes das ciências da Saúde e do Direito. No Brasil, a princípio, o assédio moral no trabalho não difere muito quanto às suas práticas perversas, das práticas dos demais países do resto do mundo. Atinge tanto os trabalhadores do setor privado quanto do setor público. De se ressaltar, entretanto, que as características dessa violência são diversas quando considerados o setor público e o privado, senão vejamos. No setor privado, o assédio moral é mais evidente e menos duradouro, já que termina com a saída da vítima de seu emprego, o que ocorre geralmente em até um ano. Já no setor público, a duração do assédio moral é maior, pode durar muitos anos, uma vez que há uma maior garantia de estabilidade no cargo, não podendo, o servidor público, ser sumariamente despedido, a não ser em decorrência do cometimento de falta grave. Por outro lado, como a estabilidade é uma importante vantagem, o servidor público dificilmente deixa o serviço público por sua livre vontade, preferindo se submeter por vários anos às humilhações que perder o trabalho conseguido a duras penas em um difícil concurso público. Em razão


3 disso os métodos de assédio são mais perniciosos e com resultados mais gravosos para a saúde e para a personalidade das vítimas1. No setor público o abuso de poder é frequente, a coação dos subordinados visando à prática de determinados atos do interesse pessoal do seu superior não é rara, mais valendo a vontade do chefe que a consciência do subordinado. Embora a entrada no serviço público no Brasil atualmente seja por meio de concurso público, a ascensão a cargos de chefia ou direção, muitas vezes se faz por relacionamentos políticos ou por trocas de favores. Isso sem contar que determinados cargos importantes na escala hierárquica, são ocupados por servidores de livre nomeação e exoneração, escolhidos por critérios pessoais, sem concurso público, são os cargos em comissão, de recrutamento amplo. Esses servidores têm compromisso com quem os escolheu e são de sua confiança pessoal. Não é de se estranhar que dentre esses servidores de cargos comissionados, muitos são usados para defender os interesses pessoais do político ou administrador público que o introduziu sem concurso na Administração Pública, fazendo o que for preciso para agradá-lo, e muitas vezes praticando o assédio moral contra seu subordinado, como forma de demonstrar ser capaz de alcançar os objetivos de quem o favoreceu, mantendo-se assim no cargo comissionado. Os cargos comissionados de chefia ou direção podem também ser ocupados por servidores concursados efetivos, porém na escolha de servidores para tais cargos nem sempre são obedecidos critérios técnicos, freqüentemente são escolhidos servidores mediante favorecimento político ou por troca de favores. Tudo isso fortalece uma rede de apoio recíproco, onde os superiores hierárquicos dos diversos níveis se apóiam, ignorando as manifestações dos subordinados que sejam discordantes com seu chefe imediato. Como consequência dessa política, muitos servidores públicos são colocados à margem de suas atividades, na ociosidade, apenas por não serem cegos cumpridores de quaisquer tipos de ordens superiores. Não é difícil se deparar com servidores públicos de alta qualificação profissional, moral e ética, que não sendo manobráveis pelos superiores hierárquicos, ficam “marcados” e são relegados à ociosidade, ou subaproveitados. Jamais ocuparão cargos de chefia ou direção, apesar de sua qualificação. Esse tipo de servidor público frequentemente é ou já foi alvo de assédio moral. O sistema de avaliação de desempenho dos servidores públicos, que teria por finalidade a melhoria dos serviços públicos, tem servido “como instrumento de barganha e de intimidação nas mãos de chefes que não tem as mínimas condições de avaliar servidores.” “O processo de avaliação de servidores, que permitiu escancarar a existência, de longa data, do assédio moral no serviço público[...]”2 3, é usado como instrumento de coação do servidor. O que mais chama a atenção é que as vítimas de assédio moral, tanto por desconhecerem o que seja esse fenômeno, quanto pela grande freqüência e habitualidade de sua ocorrência, nem mesmo sabem que estão sendo alvos dessa perigosa forma de agressão, capaz de atingir não apenas a sua saúde psíquica, mas também física, tudo isso com intensas repercussões negativas em sua vida profissional e familiar. Pretendemos dar visibilidade a essa forma de violência social, de maneira a possibilitar sua identificação, e evitar ou minorar os graves danos que tal prática atentatória contra a dignidade humana tem imposto aos trabalhadores. Por outro lado é necessário que os 1

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução de Rejane Janowitzer. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, 352p. 2 BATALHA, Lilian Ramos. Assédio moral em face do servidor público. 2. ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2009, 108p. 3 ALVES, Ananélia Marques. Avaliação do servidor: instrumento de melhoria dos serviços públicos ou de barganha e intimidação? Disponível em: <http://sintrafesc.org.br/view_artigo.php?id=88>. Acesso em: 07 out.2010.


4 profissionais do Direito se familiarizem com essa prática perversa, para que saibam como tratá-la no âmbito jurídico. O assédio moral no trabalho é uma prática muito antiga, entretanto somente nos últimos anos, vem tal fenômeno sendo estudado, no mundo todo, de forma sistematizada, pelo Direito, pela Psicologia e pela Medicina.

O que é o Assédio Moral? O Assédio Moral vem recebendo diversas outras denominações: Mobbing, Terror Psicológico ou Psicoterrorismo, Assédio Psicológico, Bullying, Humilhação no Ambiente de Trabalho, Manipulação Perversa, dentre outras. Marie-France Hirigoyen, psiquiatra e pesquisadora, diz que “por assédio em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”4. Esse fenômeno foi denominado como “psicoterror” por Heinz Leymann, pesquisador em psicologia do trabalho, conforme Hirigoyen5. Segundo Heinz Leymann assédio moral “é a deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração, de um comportamento hostil de um superior ou colega(s) contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura”6. Em outras palavras, assédio moral é a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras, prejudiciais, repetitivas e prolongadas, no ambiente de trabalho ou nas relações de trabalho. O Assédio Moral desperta no trabalhador um sentimento de ser atingido em sua dignidade humana, ofendido, menosprezado, humilhado, rebaixado, inferiorizado, submetido, constrangido e ultrajado. Pode ser praticado por pessoa de grau hierárquico superior ou idêntico ao da vítima (podendo se estender a toda equipe de trabalho), de forma que esta se sinta sem valor, inútil, magoada, humilhada, revoltada, perturbada, traída, envergonhada, indignada e com raiva. Raras vezes o assédio moral é praticado pelo subordinado contra o superior. Tal humilhação desperta o sentimento de dor, tristeza e sofrimento, corrói a autoestima da vítima, podendo causar-lhe depressão psíquica, e repercutir em sua saúde física. Sobrevém assim uma desarmonia da vítima de assédio moral, com seu ambiente de trabalho, gerando dessa forma desejo, por parte dessa vítima, de desistir do trabalho ou do emprego, ou mesmo despertando a vontade de mudar de local de trabalho, principalmente no serviço público, ou mesmo no privado, como forma da vítima fugir de seu assediador.

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HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 224 p. 5 _____, _____. Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 224 p. 6 SALADINI, Ana Paula Sefrin. Trabalho, medo e sofrimento: considerações acerca do assédio moral. Revista jurídica da UniFil, Ano IV, n. 4, 2007, p. 13-24. Disponível em: <http://web.unifil.br/docs/juridica/04/Revista% 20Juridica_04.pdf>. Acesso em: 03 out. 2010.


5 Mas não basta a exposição isolada do trabalhador a situação humilhante no trabalho. A exposição, para que configure o Assédio Moral, haverá que ser repetitiva, durante longo período de tempo, durante a jornada de trabalho. Tais situações são mais comuns nas relações hierárquicas autoritárias, com predomínio de condutas negativas, desumanas, desprovidas de princípios éticos, dirigidas a um ou mais subordinados, geralmente em violação às regras habitualmente aceitas como corretas.

Modalidades de Assédio Moral Podemos classificar o assédio moral, quanto à sua origem, como vertical descendente, vertical ascendente, horizontal, e misto7. O assédio moral vertical descendente é aquele praticado pelo superior hierárquico contra seu subordinado. É a forma mais freqüente e de conseqüências gravíssimas para a saúde do assediado, que dificilmente encontra apoio dos seus colegas, em razão destes temerem represálias. Já o assédio moral vertical ascendente é praticado pelo subordinado, ou grupo de subordinados, contra seu superior hierárquico, sendo essa a forma mais rara, extremamente constrangedora, e geralmente considerada como despreparo do superior em lidar com seus subordinados, o que faz com que o superior assediado a oculte. Assédio moral horizontal é aquele praticado entre colegas de trabalho, pessoas de posições hierárquicas iguais ou semelhantes. É uma forma muito freqüente e costuma ter origem na disputa de poder ou de cargos, ou ainda como forma de obtenção de valorização frente à chefia. O assédio moral misto é a modalidade que envolve tanto colegas de mesmo nível hierárquico da vítima, quanto o superior hierárquico ou vários superiores. Pode ter origem nos colegas e se estender para a chefia omissa e despreparada, ou ter origem na chefia e contaminar os colegas da vítima, que acabam por seguir o líder.

Como se manifesta o Assédio Moral São inúmeras as formas de manifestação do Assédio Moral, podendo, a bel-prazer do assediador, assumir diversas roupagens e variações. Algumas formas mais diretas, outras mais sutis e dissimuladas. O assédio moral pode ser identificado pela ocorrência de reiterados episódios de pressões emocionais e manobras hostis no ambiente de trabalho, não se restringindo à relação chefe-subordinado, mas contaminando também a relação entre colegas, afetando negativamente a produtividade, com graves danos à saúde, às relações familiares e pessoais das vitimas do assédio. Considerando-se a fluidez, adaptabilidade e variabilidade de comportamentos que pode assumir a conduta do assediador, inicialmente há uma grande dificuldade, na prática, de se interpretar se essas atitudes realmente se configuram como assédio moral. Com o estudo de casos, e a experiência, tanto a vítima quanto os profissionais do Direito e da Saúde poderão facilmente identificar as situações de assédio moral. Bastante didática a exemplificação das condutas, para que se possa perceber o modus operandi do agressor. Para uma melhor contextualização das condutas assediadoras, exemplificaremos a seguir algumas de suas formas, para facilitar a identificação dessa forma de violência social. 7

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução de Rejane Janowitzer. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, 352p.


6 O assediador assume repetidamente, ao longo do tempo, uma ou mais de uma das seguintes atitudes, ou outras similares, com relação à sua vítima ou grupo de vítimas: • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • •

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Utilização de rigor excessivo; Cerceamento da liberdade profissional habitual; Imposição de sobrecarga de trabalho; Não proporciona as devidas condições de segurança aos trabalhadores; Induz a vítima ao erro; Abuso de poder; Omissão em resolver o problema, ou estimulação da prática de condutas ou métodos perversos; Impede o gozo dos legítimos direitos do trabalhador; Exige tarefas impossíveis, ou em espaço de tempo muito curto (quantidade superior à tecnicamente adequada, por determinado espaço de tempo); Exige tarefas fora do horário de trabalho; Impõe horários de trabalho fora dos limites da razoabilidade; Exige o desempenho de tarefas alheias às funções do profissional; Determina tarefas inúteis ou degradantes; Desqualifica o profissional; Compara duas ou mais categorias profissionais, apontando ou insinuando desvalor de uma em relação à outra; Submete o profissional a críticas e isolamento; Obriga à realização de autocrítica em reuniões de trabalho; Explora as fragilidades psíquicas ou físicas da sua vítima; Exposição do profissional ou da sua categoria profissional ao ridículo; Divulga doenças e problemas pessoais da vítima; Impõe à vítima a realização de tarefas próprias de outra categoria profissional de posição hierárquica ou técnica abaixo da sua; Impõe limitação ao direito de gozar de licença médica por motivo de doença, licença maternidade, ou de outro direito ou condição previstos em norma própria; Impede afastamentos do trabalho nos casos de previsão legal; Imposição indevida, à vítima, de perda de qualquer natureza (perda salarial, desconto em férias, perda de direitos em geral, perda do emprego), em caso de afastamento do trabalho por motivo de doença ou qualquer outro motivo legítimo ou lícito para tal afastamento ou ausência; Negativa de concessão de direitos legalmente estabelecidos, como vales transporte, vales refeição, e outros benefícios para os quais além da previsão legal, o trabalhador tenha cumprido os requisitos; Negativa de receber requerimento ou petição de servidor público solicitando informação ou concessão de direitos (o direito de petição é estabelecido pela Constituição Federal Brasileira, como direito fundamental, no art. 5º., inc. XXIV, a); Prática de gestos, gritos, condutas abusivas e constrangedoras, humilhações repetidas. Inferioriza, amedronta, menospreza ou despreza, ironiza, difama, ridiculariza risinhos, suspiros, comentários inconvenientes, piadas jocosas relacionadas ao gênero ou a qualquer condição da vítima; É indiferente à presença do outro, estigmatiza os adoecidos, coloca-os em situações vexatórias, fala baixinho acerca da pessoa, olha e finge que não vê ou ignora sua presença, ri daquele que apresenta dificuldades, não cumprimenta, sugere que peça demissão, dá tarefas sem sentido ou que jamais serão utilizadas ou mesmo irão para o lixo, determina tarefas através de terceiros ou coloca em sua mesa sem avisar, impõe desnecessariamente inúmeras tarefas urgentes, controla o tempo de idas ao banheiro,


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torna público algo íntimo do subordinado, não dá explicações sobre atos que pareçam pouco razoáveis, não responde às perguntas; Não contempla a vítima com os mesmos benefícios ou vantagens deferidos aos demais da mesma qualificação profissional; Obriga o trabalhador-vítima a desempenhar as atividades do colega que está de férias, ausente ou de licença, além de todas as suas atividades, de forma a causar-lhe uma prejudicial sobrecarga de trabalho; Submete a vítima à vigilância constrangedora, principalmente (mas não exclusivamente) quando para essa vigilância se utiliza de pessoa de posição hierárquica abaixo da vítima, ou mesmo subordinada a ela; Com frequência, retira a autonomia da vítima e contesta suas decisões; Interrompe frequentemente o trabalho da vítima, dificultando, impedindo ou atrasando sua execução; Não atende aos pedidos de entrevista feitos pelo assediado; Pratica atos no sentido de impedir ou dificultar a promoção ou ascensão funcional da vítima. No caso do servidor público, o prejudica em sua avaliação de desempenho; Sonega informações de forma insistente; Ignora ou exclui um funcionário, só se dirigindo a ele através de terceiros; Espalha rumores maliciosos, ou criticas com persistência; Toma o crédito das idéias ou dos atos do assediado; Subestima esforços; Refere-se à vítima de forma desdenhosa, por apelidos indesejáveis, ou ainda dirige-se diretamente a ela tratando-a dessa forma inconveniente; Chefe, superior ou colega atribui erros imaginários à sua vítima; Coloca a vítima para trabalhar em local, ou em condição, inferiores; Causa danos ao local de trabalho da vítima, retira, ou não fornece equipamentos ou outros recursos necessários ou úteis ao trabalho; Obriga a vítima a desempenhar tarefas de menor importância, incompatíveis com sua qualificação técnica ou profissional, ou a condena à mais humilhante ociosidade; Obriga a vítima a trabalhar sem auxiliar, quando a profissão ou atividade da mesma pressupõe a presença desse auxiliar; Comporta-se de forma arrogante, hostil, perseguindo subordinado, impondo condições e regras de trabalho personalizadas; Expõe desnecessária e reiteradamente o trabalhador a riscos de saúde, ou os aumenta, principalmente em razão de ato intencional ou de negligência/omissão consciente, por parte de superior hierárquico, ou mesmo colega; Danifica intencionalmente o carro do assediado, seus pertences pessoais ou de trabalho; Priva freqüentemente o trabalhador dos insumos e equipamentos necessários ao adequado desempenho de suas atividades laborais, ou mesmo disponibiliza insumos inadequados ou insuficientes, assim como equipamentos e materiais em más condições de funcionamento ou inadequados, ou ainda sem a devida manutenção, pondo em risco o trabalhador, as atividades do trabalhador, ou as atividades pelas quais ele é responsável. Tudo isso de forma repetitiva e ao longo do tempo. (certamente, em caso de erro profissional decorrente das más condições de trabalho, o profissional-vítima, não contará com o respaldo ou apoio do assediador, para sua defesa em processo judicial ou administrativo - estará sozinho).


8 Assédio Moral, Saúde e Direito Quando essas condutas por parte do assediador não se repetem ao longo do tempo não há assédio moral, contudo, seja pelo assédio moral ou mesmo ato isolado, pelos danos que tais atitudes podem gerar no trabalhador, este está protegido pelo Direito brasileiro, assim como em diversos países, com base na legislação pertinente, como veremos adiante. Para Marie-France Hirigoyen, "O assédio nasce como algo inofensivo e propagase insidiosamente. Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem mostrar-se ofendidas e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida esses ataques vão se multiplicando e a vítima é seguidamente acuada, posta em situação de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior."8 Os males destes constrangimentos refletem-se na saúde de grande parte dos trabalhadores, que se dizem nervosos, tensos ou preocupados e sofrem com o cansaço, a tristeza, insônia e dores de cabeça. Têm sido freqüentes os casos de depressão, por vezes seguida de suicídio. Os danos à saúde do assediado podem se manifestar através de diversas doenças direta ou indiretamente ligadas a essa forma de agressão, o que é bem conhecido da medicina psicossomática. Em sua obra, intitulada “Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações”, Margarida Barreto9 apresenta de forma bastante objetiva as repercussões do assédio moral na saúde do trabalhador, tendo por base um universo de 2072 trabalhadores e trabalhadoras entrevistados em sua pesquisa, como se vê a seguir. Repercução da humilhação na saúde, segundo o sexo * Queixas / Sintomas / Diagnósticos

Irritação Dores generalizadas e esporádicas Raiva Vontade de vingar-se Alteração do sono Medo Exagerado Sensação de piora de dores préexistentes Manifestações depressivas Palpitações, tremores Tristeza Sensação de inutilidade Mágoas Vontade de chorar por tudo Sentimento de revolta Pensamento de suicídio Vergonha dos filhos Pensamentos confusos Indignação Aumento de pressão arterial Desespero / preocupação Diminuição da libido Omissão das humilhação aos 8

M 494 = 56,8%

%

H 376 = 43,2%

%

TOTAL 870 (42%)*

%

444 396 277 247 344 494 440

90 80 56 50 69,6 100 89

263 300 376 376 239 86 120

70 80 100 100 63,6 23 32

707 696 653 623 583 580 560

81,3 80 75 71,6 67 66,6 64,4

296 395 494 356 494 494 83 80 53 277 35 197 345 296 11

60 80 100 72 100 100 17 16,2 10,7 56 7 40 70 60 2,2

263 150 35 150 9 376 376 376 135 376 194 32 56 338

70 40 9,3 40 2,4 100 100 100 36 100 51,6 8,5 15 90

559 545 529 506 503 494 459 456 249 412 411 391 377 352 349

64,2 62,6 61 58 57,8 56,8 52,7 52,4 49,3 47,3 47,2 45 43,3 40,4 40

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. 224 p. 9 BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC, 2006. 235p.


9 familiares Cefaléia (dor de cabeça) Desencadeamento da vontade de beber Enjôos, distúrbios digestivos Sensação de que foi enganado ou traído Sensação de que foi desvalorizado Decepção, desânimo Vontade de ficar só Insegurança Sentimento de desamparo Falta de ar (dispnéia) Dores no pescoço, MMSS Dores constantes Tonturas Falta de apetite Tentativa de suicídio Dores no MMlls Dores no peito

197 24

40 5

125 237

33,2 63

322 261

37 30

197 82

40 16,6

56 157

15 42

253 293

29 27,5

56 67 13 67 148 49 130 95 110 67 70 -

11,3 13,6 2,6 13,6 30 10 26,3 19,2 22,3 13,6 14 -

150 131 180 112 20 112 12 38 12 8 69 34

40 35 48 30 5,3 30 3,2 10 3,2 2,1 18,3 9

206 198 193 179 168 161 142 133 122 75 69 70 34

23,7 22,7 22 20,6 19,6 18,5 16,3 15,3 14 8,6 8 8 4

M: mulher H: homem MMSS: membros superiores MMII: membros inferiores Fonte: BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações. São Paulo: EDUC, 2006, p.217. * Corresponde ao universo de 2.072 trabalhadores / trabalhadoras entrevistados.

Não se deve esquecer a definição de saúde pela O.M.S. (Organização Mundial de Saúde): “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de enfermidade”10. Assim sendo, não se pode conceber como tolerável qualquer forma de assédio moral praticado contra o trabalhador. De se espantar que nem mesmo o trabalhador da saúde, médico, dentista, profissionais de enfermagem, psicólogos, estão imunes a essa forma violência contra a sua própria saúde. O assédio moral é praticado contra esses profissionais de saúde, de forma muito freqüente, especialmente contra o profissional de saúde servidor público, que é vítima de assédio moral praticado por outro servidor público. A Constituição Federal Brasileira é clara quando diz: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.11 (grifo nosso)

É a própria Constituição Federal Brasileira que assegura a todos o direito à saúde, e ao mesmo tempo impõe ao Estado (sentido amplo, compreendendo as esferas federal, estadual e municipal), o dever promover a “redução do risco de doença e de outros agravos”, além de focar a promoção e proteção da saúde. Assim sendo não se pode admitir que servidores públicos, de quaisquer níveis hierárquicos, que são os responsáveis diretos pelo cumprimento do que determina a Constituição Federal, sejam eles próprios os que, em desobediência à Carta Magna, e contrariamente ao dever que lhes é imposto pela Lei Maior, agridam o direito à saúde, dos próprios trabalhadores da saúde, da educação e das demais áreas do serviço público, através do assédio moral, como soe acontecer frequentemente. Deveriam os servidores públicos dos diversos níveis hierárquicos, serem os primeiros a respeitar o direito à saúde de todos, dentre eles o direito à saúde dos próprios trabalhadores do serviço público. 10

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Salud mental: un estado de bienestar. Disponível em: <http://www.who.int/features/factfiles/mental_health/es/index.html>. Acesso em: 06 out. 2010. 11 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 set. 2010.


10 O assédio moral no trabalho pode se originar na discriminação, quando trabalhadores, em razão de sua condição social, origem, raça, cor, sexo, idade, doença, deficiência ou deformidade, são assediados afrontando os objetivos fundamentais estatuídos pela Constituição Federal Brasileira12, dispostos no artigo 3º, incisos III e IV, que primam por reduzir as desigualdades e eliminar preconceitos e todas formas de discriminação. Embora ainda não exista no Brasil legislação federal que trate especificamente do assédio moral, já existem várias leis que tratam do tema no âmbito do serviço público. Dentre elas podemos citar: - a lei 6.986/2006, que dispõe sobre a caracterização do assédio moral nas dependências de Administração Pública Municipal de Salvador e a aplicação de penalidades à sua prática, por parte dos servidores públicos13; - lei 2.949/2002, que determina sanções à prática de assédio moral em Brasília, Distrito Federal, na esfera da administração pública ou na esfera privada, quando então as sanções se operam no âmbito administrativo14; - lei 1163/2000, dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta por servidores públicos municipais de Iracemápolis, Estado de São Paulo15, e seu decreto regulamentador decreto 1.134 /200116; - lei 3.921/2002, que veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do Estado do Rio de Janeiro, inclusive concessionárias e permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, e dá outras providências17; - lei 13.288/2002, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta e Indireta por servidores públicos municipais de São Paulo18; - lei 4.816/2005, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta de Ribeirão Pires19; - lei 13.314/2007, que dispõe sobre o assédio moral no âmbito da Administração Pública Estadual 12

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 set. 2010. 13 SALVADOR (Cidade). Lei municipal 6.986/2006. Dispõe sobre a caracterização do assédio moral nas dependências de Administração Pública Municipal de Salvador e a aplicação de penalidades à sua prática, por parte dos servidores públicos. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/spip.php?article535>. Acesso em: 09 out. 2010. 14 BRASÍLIA (Distrito Federal). Lei distrital 2.949/2002. Determina sanções à prática de assédio moral em Brasília, Distrito Federal, na esfera da administração pública ou na esfera privada, quando então as sanções se operam no âmbito administrativo. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/spip. php?article516>. Acesso em: 09 out. 2010. 15 IRACEMÁPOLIS (Cidade). Lei municipal 1163/2000. Dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta por servidores públicos municipais de Iracemápolis, Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.leiassediomoral.com.br/a_lei.htm#>. Acesso em: 09 out. 2010. 16 IRACEMÁPOLIS (Cidade). Decreto municipal 1.134 /2001. Regulamenta a lei municipal de assédio moral no município de Iracemápolis, Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.leiassediomoral.com.br/a_lei. htm#>. Acesso em: 09 out. 2010. 17 RIO DE JANEIRO (Estado). Lei estadual 3.921/2002. Veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, do poder legislativo, executivo ou judiciário do Estado do Rio de Janeiro, inclusive concessionárias e permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/3 dcfce02b06be53903256c2800537184?OpenDocument&Highlight=0,3921>. Acesso em: 09 out. 2010. 18 SÃO PAULO (Cidade). Lei municipal: 13.288/2002. Dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta e Indireta por servidores públicos municipais de São Paulo. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/813901/lei-13288-02-saopaulo-sp#art0>. Acesso em: 09 out. 2010. 19 RIBEIRÃO PIRES (Cidade). Lei municipal 4.816/2005. Dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta. <http://ceaam.net/rbp/legislacao/ index.php>. Acesso em: 09 out. 2010.


11 direta, indireta e Fundações Públicas de Pernambuco20; - lei 12.250/2006, que veda o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas do Estado de São Paulo21. A lei federal 11.948/2009, embora não trate especificamente de assédio moral, veda a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente22. Há ainda diversos projetos de lei municipais que pretendem vedar o assédio moral. Merece destaque o projeto de lei federal 7.202/2010, que pretende alterar a alínea b do inciso II do art. 21 da Lei nº 8.213/1991, equiparando o assédio moral ao acidente do trabalho23. Tramita ainda na Câmara dos Deputados o projeto de lei federal 4.742/2001, que pretende introduzir o art. 146-A no Código Penal Brasileiro, dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho24. A CLT25 (Consolidação das Leis do Trabalho - Brasil), decreto-lei 5452 de 1943, embora não trate especificamente do assédio moral, tem dispositivos plenamente aplicáveis em diversos casos dessa violência. Na Argentina a “Ley de Contrato de Trabajo 20744”26 (LCT) tem diversos artigos capazes de proteger a saúde psíquica e física do trabalhador27. A lei 13.16828, 20

PERNAMBUCO (Estado). Lei estadual 13.314/2007. Dispõe sobre o assédio moral no âmbito da Administração Pública Estadual direta, indireta e Fundações Públicas. Disponível em: <http://legis.alepe.pe.gov. br/legis_inferior_norma.aspx?cod= LE13314>. Acesso em: 09 out. 2010. 21 SÃO PAULO (Estado). Lei estadual 12.250/2006. Veda o assédio moral no âmbito da administração pública estadual direta, indireta e fundações públicas. Disponível em: <http://www.diplomas.ufscar.br/ legislacao/Lei%2012248-06_taxas.pdf>. Acesso em: 09 out. 2010. 22 BRASIL. Lei federal 11.948/2009. Veda a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2007-2010/2009/Lei/L11948.htm>. Acesso em: 11 out. 2010. 23 BRASIL. Projeto de lei federal 7.202/2010. Pretende alterar a alínea b do inciso II do art. 21 da Lei nº 8.213/1991, equiparando o assédio moral ao acidente do trabalho. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/ sileg/integras/781622.pdf >. Acesso em: 0 9 out. 2010. 24 BRASIL. Projeto de lei federal 4.742/2001. Pretende introduzir o art. 146-A no Código Penal Brasileiro, dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg /Prop_Detalhe.asp?id=28692>. Acesso em: 09 out. 2010. 25 BRASIL. Decreto-Lei 5.452/1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT). Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 11 out. 2010. 26 ARGENTINA. Ley 20.744 – (Ley de Contrato de Trabajo – LCT). Rege a validade, direitos e obrigações das partes, do contrato de trabalho celebrado na Argentina ou fora dela, desde que se o execute no seu território. Disponível em: <http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/25000-29999/25552/texact.htm>. Acesso em:10 out. 2010. 27 ESPECHE, Leandro Fretes Vindel. Acoso psicologico en el ambito laboral (mobbing). Disponível em: <http://www.newsmatic.e-pol.com.ar/index.php?Accion=VerArticulo&NombreSeccion= Empleo&aid=8212&pub_id=99>. Acesso em: 10 out. 2010. 28 BUENOS AIRES. Lei 13.168. Proíbe em todo território da Província de Buenos Aires a prática da violência laboral, no âmbito dos três poderes do estado provincial, entes autárquicos e descentralizados e dos municípios. Disponível em: <http://www.ms.gba.gov.ar/programas/EduP/pdf/marco_normativo/ley/LEY_13168.pdf>. Acesso em: 10 out. 2010.


12 modificada pela lei 14.040, proíbe em todo território da Província de Buenos Aires a prática da violência laboral, no âmbito dos três poderes do estado provincial, entes autárquicos e descentralizados e dos municípios. Na França, o capítulo 4 da Lei de Modernização Social29 (loi 2002-73 du 17 janvier 2002 de modernisation sociale), trata do assédio moral no trabalho. Não se pode ignorar que o assédio moral é uma frontal agressão a todos os princípios de dignidade humana traçados na Declaração Universal dos Direitos Humanos30 da ONU (Organização das Nações Unidas). Não é demais lembrar novamente que a Carta Magna brasileira trata da saúde exaustivamente ao longo de seu texto, e em especial da saúde do trabalhador, como responsabilidade do Sistema Único de Saúde. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;31 (grifo nosso)

O Código Civil Brasileiro, por outro lado, dispõe em seu artigo 186: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.32 (grifo nosso)

Assédio moral, por consistir na prática de conduta degradante do ambiente de trabalho, atinge a vítima em sua dignidade humana, que sofre, portanto, um dano moral decorrente, na forma da lei, de um ato ilícito. A Constituição Federal no artigo 1º adota como seu fundamento a dignidade da pessoa humana: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;33 (grifo nosso)

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FRANÇA. Lei 2002-73, publicada no diário oficial francês em 17 de janeiro de 2002. A lei de Modernização Social, em seu capítulo 4, trata do assédio moral no trabalho. Disponível em: <http://www.assediomoral.org/ spip.php?article92>. Acesso em: 10 out. 2010. 30 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 06 out. 2010. 31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 set. 2010. 32 BRASIL. Lei federal 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 11out. 2010. 33 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 set. 2010.


13 O Código Civil Brasileiro reza que: Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.34 (grifo nosso)

O que significa que a vítima de assédio moral tem direito a ser indenizada pelos danos (moral e material), causados por essa forma de violência. No caso de ter sido praticado assédio moral por um servidor público (agente público), contra outro servidor público ou qualquer outro cidadão, o respectivo ente público federal, estadual ou municipal deverá indenizar a vítima, podendo responsabilizar o servidor assediador, pela indenização à vítima do Assédio Moral. Além de responsável pela indenização cabível, poderá também, o servidor assediador, responder a processo administrativo, e ser punido administrativamente pela prática de tal violência. A Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5º, assegura a reparação da ofensa ao patrimônio moral da pessoa: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;35 (grifo nosso)

O Código Civil Brasileiro determina que: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.36

A reparação do dano é feita por indenização em dinheiro à vítima, e geralmente só é obtida mediante ação judicial. Ultimamente, as pessoas têm se conscientizado mais sobre seus direitos e buscado no Judiciário a reparação dos danos decorrentes do assédio moral. No Brasil, a exemplo de outros paises, o número de condenações nas ações judiciais motivadas pelo assédio moral tem crescido em ritmo intenso. A repercussão dessa forma de violência social no trabalho é enorme, pois atinge não apenas a vítima, mas causa reflexos na sua própria família. Ultrapassa os limites do ambiente de trabalho, repercutindo na vida privada do assediado, na sua saúde, na autoestima, na produtividade, deixando um verdadeiro rastro de destruição na história de vida da vítima. A perversidade do assédio moral se deve principalmente ao fato de ocorrer de forma insidiosa, a ponto de nem mesmo sua vítima ter certeza se o que sofreu é mesmo assédio

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BRASIL. Lei federal 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 11out. 2010. 35 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 set. 2010. 36 BRASIL. Lei federal 10.406/2002 (Código Civil Brasileiro). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 11out. 2010.


14 moral. Somente quando os resultados dessa agressão já assumiram enormes proporções é que a vítima descobre ter sofrido “esse tal de assédio moral”. O esclarecimento é o meio mais eficiente de defesa frente a essa forma perversa de aviltamento da dignidade humana no trabalho do cidadão, em especial no Serviço Público, onde essa forma de violência social é mais perversa.

* Edwin Fialho Despinoy Advogado e Cirurgião Dentista Doutorando em Direito - UBA Especialista em Cirurgia Buco Maxilo Facial – PUC-RJ Especialista em Radiologia – UNISA-SP Especialista em Saúde Pública - USC-SP Especialista em Administração Hospitalar – USC-SP despinoy@gmail.com

COMO CITAR ESTE CAPÍTULO DE LIVRO: DESPINOY, Edwin Fialho. Acoso moral en el trabajo: aspectos brasileños de um problema mundial. In: TAYAH, José Marco. (Coord.). Reflexiones sobre derecho latinoamericano: estudios en homenaje al professor Ricardo D. Rabinovich-Berkman. Buenos Aires: Editorial Quorum, 2011, p 139-159.


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