O amor não tem leis - O julgamento final - capítulo extra

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Dereck — Por favor, por favor. — Sabia que estava implorando, mas foda-se que eu era um homem aos prantos. Eu a estava perdendo mais uma vez. Não entendia por que a vida tinha que ser tão cruel. Quando se tratava da minha felicidade, eu simplesmente era negligenciado por quem quer que controlasse essa porra de destino. Desde a hora em que saí do hotel no qual o velhote estava, eu simplesmente não conseguia pensar em nada: só rezava para que mais uma vez ele desistisse da minha gatinha. Dirigi pelas ruas de Nova York no automático, sem ter para onde ir. Estacionei na garagem do meu prédio e parei em frente ao elevador, decidindo o que fazer. Respirei fundo, como se o ar que entrava em meus pulmões pudesse me trazer coragem. Sentia-me inseguro, com medo. Algo me dizia que assim que a minha gatinha descobrisse o que eu tinha feito, iria enlouquecer. Dou um sorriso forçado. Clara ficará puta comigo. Entrei no elevador: eu não tinha outra opção a não ser entrar e encará-la. Enquanto via os números subirem, meu coração acelerava, e de repente uma batida falhou assim que cheguei no meu andar. Olhei para o número piscando no monitor e tive certeza de que cada maldito detalhe deste dia ficaria em minha memória para sempre. A porta se abriu e me levou ao inferno. Ali eu descobri que nunca mais seria o mesmo, não poderia, não conseguiria e não suportaria seguir sem ela. Clara era tudo que eu sempre quis. Tudo que meu coração sonhou. Não me reconhecia, eu parecia uma garotinha apaixonada, mas não me importava com nada, pois era assim que eu me sentia, — não uma garotinha, mas um homem que simplesmente acabava de perder parte do seu coração. Assim que me viu, Clara correu e se jogou em meus braços. Por um segundo, um segundo apenas, eu me senti completo, feliz. Mas esse segundo passou, e assim que Clara se afastou, eu entendi: ela não era minha. Nunca foi. E nunca seria. Não podia competir. Eu amava uma mulher que somente me usou, de todas as formas possíveis. Usou meu corpo para lhe dar prazer, usou o meu carinho, e também usou minha amizade quando precisou. Eu não podia reclamar, fui feliz dessa maneira. Aproveitei cada segundo de sua presença. Se foi só isso que ela pôde me oferecer, eu aceitei cada gesto, cada olhar. E hoje a entregaria a outro, para que ela encontrasse sua própria felicidade. — Vai ficar tudo bem, gatinha. Eu prometo. — Passava a mão por seu cabelo, enquanto fazia essa promessa falando em seu ouvido. O choro de Clara se intensificou e


eu tive que me conter para não desmoronar na sua frente. Ela estava sendo mais forte do que eu esperava, com relação a tudo, e eu não queria abalá-la com meu próprio sofrimento. Não era somente por ela: eu pensava também no bebê que ela carregava. — Mas o que é isso? — Assim que se afastou e viu meu rosto, Clara gritou irritada. — Está maluco, Dereck? Perdeu a porra do juízo? — Não resisti e abri um sorriso, pois essa era minha gatinha. Ela gritava, ela explodia em xingamentos com a boca mais suja que eu conhecia. Mas era perfeita, com todos os seus traumas, medos, culpas e inseguranças; ainda assim, ela conseguia conquistar qualquer um a sua volta. Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, me explicar, ou pelo menos dizer adeus, escutei a campanhia tocar. Porra! Nem ao menos consegui me despedir. — O cara foi rápido — disse, me dando por vencido e entregando os pontos. Mirtys abriu a porta e, antes que Clara se pronunciasse, eu vi o advogado entrando. Pelo menos ele estava tão mal quanto eu. Vendo o que eu tinha feito, Clara ficou vermelha, seu corpo enrijeceu-se e sua testa franziu. Ela iria explodir. Conhecia minha gatinha muito bem para saber que seu limite acabava de ser ultrapassado. — Você não tinha esse direito! É a minha vida — gritou irritada. Mantive meu corpo imóvel, mas segurei seu braço com firmeza para fazê-la se concentrar em mim e em minhas palavras. Senti uma gota de suor escorrer pelo meu pescoço. Porra! Sua pele me causava arrepios e me fazia não querer soltá-la nunca, mas, então, me lembrei de toda a sua tristeza e respirei fundo, tomando coragem para fazer a coisa certa. Não estava sendo fácil, mas era o que tinha que ser feito. E eu fiz. — Não mais. Agora são duas vidas e ele tinha o direito de saber — disse firme, com a voz contida, mas alta o suficiente para ela entender. Clara tentou se desvencilhar de mim, mas eu a impedi. Tinha que fazê-la compreender que por mais que ela corresse, seu coração sempre seria do velhote, assim como o meu sempre seria dela. — Escute, Clara. Eu te amo, amo como nunca amei ninguém. Mas eu não sou burro. É ele. — me declarei uma última vez ao mesmo tempo em que apontava para o desgraçado atrás de mim. — Sempre foi. E por mais que eu lute até minhas forças se esvaírem, nunca vou conseguir chegar até seu coração porque ele pertence a outro. — Enfim, deixei que as palavras mais dolorosas saíssem. Elas pularam da minha boca no exato momento em que eu enterrava meu coração. A confusão e o medo inundavam os seus olhos. Sabia perfeitamente o que ela sentia. Eu sempre fui seu porto seguro, e ela estava com medo de perder aquele com quem sempre tinha podido contar. Eu sabia que Clara gostava de mim, seus olhos mostravam isso, revelavam todo o carinho que sentia. Mas em seu olhar também havia pena, e isso me arrasava. Eu merecia mais do que isso, mais do que servir de consolo para alguém. Merecia ser amado com a mesma intensidade que eu amava.


— Eu sempre estarei aqui quando precisar de mim, mas você precisa me deixar ir. Eu tenho que viver minha própria história. Eu mereço, Clara — pedi, mas era tudo mentira. Eu apenas queria que ela entendesse que não seria feliz ao meu lado. Eu precisava me libertar, mas a verdade é que eu não teria mais um amor. Meu coração estava morrendo ali. — Dereck… Tomei a atitude mais difícil de toda a minha vida: afastei-me, deixando a mulher que amava na sala da minha casa com outro. Queria que ela ficasse ali para sempre, mas tinha certeza de que ela não permaneceria por mais nenhum dia. Não olhei para trás. Se o fizesse, toda a minha determinação cairia por terra, e eu estava disposto a lutar para esquecê-la, mesmo sabendo que era uma luta perdida. — Dereck, eu… Olhei para o homem à minha frente e busquei uma explicação. O que ele tinha que eu não tinha? Por um momento tentei descobrir o que o fazia diferente. Por que o velhote chegou aonde mais ninguém chegou? Ele tinha o coração da Clara e, por mais que me doesse, eu sabia disso. — Não me agradeça. Se eu souber que a machucou novamente, eu te mato. Ameacei, e ele não me respondeu. Mirtys me acompanhou e saímos juntos. Cometi o erro de olhar uma última vez para aquela que tinha meu coração e que, querendo ou não, o teria para sempre. Clara me pedia desculpa com o olhar triste e uma expressão culpada. Tentei aliviar sua dor, mesmo que estivesse morrendo a cada segundo que me afastava. E fiz o que eu sabia que a Clara amava: Eu sorri. A porta se fechou atrás de mim e corri pelas escadas como um louco. Sentia como se fosse sufocar, precisava sair, gritar, bater em alguma coisa. Assim que cheguei na garagem, eu não suportei mais: eu chutei o meu carro, me debati contra ele na esperança de que a dor física superasse a emocional. Todos os vizinhos que transitavam pela garagem me olharam como se eu fosse um louco, um lunático, mas não se atreveram a se aproximar. Eu era o cara estranho que morava no mesmo prédio que eles, nada mais que isso, e meu sofrimento não importava para ninguém. Por fim, fui vencido pelo cansaço. Sentei no chão com as costas apoiadas no carro e juntei os joelhos ao corpo, tentando acalmar a minha respiração. Precisava descobrir como seguir sabendo que o final tinha chegado e eu não pude fazer nada. Enquanto pensava em meu futuro, meu celular tocou. Retirei o aparelho do bolso e uma lágrima rolou pelo meu rosto ao ver a foto da Clara no visor. — Oi, gatinha. — Tentei soar naturalmente.


— Dereck ... — Fechei os olhos ao ouvir sua doce voz. — Queria me despedir. Porra! Será que ela achava que já não tinha sido o bastante? Pensei por alguns segundos e decidi que também precisava daquilo: me despedir de verdade. — Sem problemas, estou aqui na garagem. Só alguns minutos, e eu já subo. Levantei para mais uma luta, a última, pelo menos naquele dia. Subi de elevador e bati na porta antes de entrar. O apartamento era meu, mas não suportaria ver uma cena de amor entre os dois. Clara já estava com as malas prontas e o velhote não saía do seu lado, como se eu fosse roubá-la de suas mãos assim que ele se afastasse dela. Clara veio até mim e novamente se jogou em meus braços, me dando um abraço apertado. — Obrigada. — Beijou meu rosto e sussurrou um agradecimento. — Nunca serei capaz de retribuir toda a sua amizade. Tenho certeza de que meu semblante mudou, pois amizade não era a palavra que queria ouvir dela. Mesmo eu prometendo que seria seu amigo, a verdade é que no fundo eu sempre tinha visto nossa amizade como uma maneira de me aproximar, de chegar até ela, mas não consegui. — Cuide bem do bebê, não faça nenhuma loucura e se cuide também. — Optei por ser sucinto ou seria capaz de pedir para que ela ficasse, ou seja, me humilharia mais uma vez, o que seria patético até para mim. Clara se afastou, pegou a bolsa e passou por mim em direção à porta. Alexandre fez o mesmo, mas, quando chegou na minha frente, colocou a mala da Clara no chão e me estendeu a mão. Eu sabia que ele me agradecia com sinceridade, e eu aceitei o cumprimento. O gesto foi rápido, mas carregado de promessas. Alexandre sabia que eu desisti pelo bem da Clara, mas tinha certeza de que, se eu tivesse outra chance, lutaria por minha gatinha. Não olhei para trás e apenas escutei a porta bater. Observei o meu apartamento, e mais uma vez Clara me deixava no vazio. Caminhei até o bar e retirei uma garrafa de Jack Daniels do armário. Dispensei o copo e bebi no gargalo. Sentei-me no sofá e fiquei olhando para tudo que eu tinha e que, naquele momento, não significava nada.


Uma semana depois... — Porra, Dereck, o que deu em você? Cacete! Você errou duas notas na última música e perdeu o tom várias vezes. Passei por Dimitri sem querer ouvi-lo, era doloroso demais escutar português. Tudo me fazia lembrar a Clara, e, por ser brasileiro, Dimitri praticamente não falava em inglês comigo, o que me fazia me afastar ainda mais dele. — Me deixa, porra! — gritei. Tentei puxar meu braço, mas ele o segurava forte. — Olha o que você está fazendo com você, Dereck. Está acabando com a sua carreira, com tudo aquilo pelo que lutou. Você vive faltando aos ensaios e ainda chega bêbado para os shows. Pare e pense na porra que você está fazendo. Uma boceta não vale tudo isso! Agarrei Dimitri pela gola da camiseta e o encurralei contra a parede. Meu sangue fervia em minhas veias e todo o álcool que estava em meu corpo se evaporou, pois eu via claramente o que estava fazendo e não queria parar, minha vontade era socar a cara do Dimitri até ela virar uma massa em minhas mãos. — Nunca. Mais. Fala. Da. Clara. Entendeu? — Batia as costas dele na parede a cada palavra que dizia. Seus olhos estavam arregalados e seu rosto vermelho. Porém, meu baterista não falava nada, somente me olhava. — Entendeu, porra? — repeti, diante do seu silêncio. — Entendi. — Assim que as palavras chegaram aos meus ouvidos, eu o soltei. Dimitri se curvou, apoiando as mãos nos joelhos e vi que tentava recuperar a respiração. Quando me virei para me afastar, escutei novamente sua voz. — Entendi e estou fora. Eu desisto. Se você quer jogar o nome “Dereck Mayer” na merda, você fará isso sozinho. Não me virei para respondê-lo. Meu nome era o que menos importava. Eu mesmo já estava na merda. — Que seja. Saí do palco e, como das últimas vezes, eu não parei para conversar com ninguém. Deixei minha banda para trás e segui os seguranças que caminhavam na minha frente. Assim que coloquei os pés fora do camarim meu nome ressoou na escuridão, flashs cegavam meus olhos. Seguindo os passos do segurança, eu ignorei todos à minha volta. Havia muitos blocos, canetas e camisetas direcionadas a mim, todos querendo um autógrafo do astro do rock, sem saber que eu era a porra de um nada. Olhei ao redor e constatei que, mesmo cercado de pessoas, eu continuava sozinho. Foi quando meus olhos pousaram em uma garota. Seus cabelos eram claros e iam até a sua cintura. Ela tinha os olhos amendoados, era alta, magra e imediatamente me lembrei da Clara. Afastei-me dos seguranças, ignorando o protocolo e as recomendações, o que


deixou os brutamontes atordoados. Cheguei até onde a garota estava e estendi minha mão. Sem precisar pronunciar uma palavra, ela pulou a grade que nos separava e, segundos depois, já estava ao meu lado. Seu sorriso quase rasgava seu rosto e o olhar dizia que estava pronta para fazer tudo que eu quisesse. Entramos no carro da produção do show, e rapidamente o motorista seguiu para o hotel. Sempre amei cantar no Canadá, todos os shows que fiz aqui foram especiais e importantes para minha carreira, mas, dessa vez, Vancouver não me agradava tanto. — Hummmm... — Ouvi um gemido e me virei para ver o que era. Por um momento, tinha me esqueci da groupie que estava comigo. De joelhos na outra ponta do banco, sem se importar nem um pouco com o motorista, estava apenas com um micro short e sem a blusa. Ela se aproximou de mim e senti suas mãos abrindo o zíper do meu jeans. Encostei-me no banco e fechei os olhos, na esperança de que ela fizesse as lembranças desaparecerem. Entreguei-me às suas carícias e senti meu pau sendo puxado para fora da cueca. Mãos quentes me acariciavam e eu senti o desejo tomar conta de mim. Rapidamente, e com um instinto natural, levei as mãos até seu cabelo e passei a controlar seus movimentos. — Caralho, mete tudo — pedi quando a senti me colocar para dentro de sua boca. O movimento de sucção causou arrepios em minha pele, uma de suas mãos segurava a base do meu pau, enquanto a outra arranhava a parte exposta da minha coxa. Gemi involuntariamente, o prazer tomava conta de mim, e eu sentia que gozaria rápido. Segurei sua cabeça e passei a movimentar meu quadril para encontrar mais profundidade. Senti a garota engasgar e por um momento retirei meu pau de sua boca para que ela respirasse. — Vem comigo, gatinho. — Meu corpo inteiro se enrijeceu no momento em que ouvi a frase pronunciada. Um português perfeito, em alto e bom tom. Abri meus olhos e encarei a garota na minha frente. Ela sorria enquanto seus olhos se alternavam entre o meu rosto e a minha ereção. O batom vermelho manchava o redor de seus lábios e algumas lágrimas borraram a maquiagem em seus olhos. Por um momento, eu me lembrei das palavras do Dimitri: “Pare e pense na porra que você está fazendo.” Rapidamente, eu levantei meu corpo e me vesti. Diante dos olhos esbugalhados da garota, de quem eu nem sabia o nome, fechei o cinto e ajeitei minha camiseta. — Eu... eu... não entendo. O que eu fiz de errado? — perguntou com uma voz chorosa. — Sonny, para o carro! — pedi ao motorista. Ele ainda olhou pelo retrovisor, mas, vendo meu semblante, freou bruscamente, parando no acostamento. A garota me olhou e, com uma expressão de pânico, tampou os seios com os braços. Poderia detectar o medo que tomava conta dela. Abaixou a cabeça antes de murmurar:


— Por favor, não me deixe aqui. Eu não conheço a cidade. Estou aqui a passeio e... — Shhhhh! — pedi, e no mesmo momento a garota se encolheu. — Sonny, volte e deixe a senhorita no local do show ou onde ela queira ir. Assegure que ela chegue bem em seu destino. — Mas e o senhor? — respondeu em português, já que falar o idioma era uma exigência que eu mantinha entre os funcionários da banda. — Eu me viro, Sonny. Faça o que eu pedi — ordenei ao meu motorista, que assentiu sem questionar. — Sorry, senhorita, não sou uma boa companhia para o dia de hoje. — Dei um beijo no rosto da garota. Ela mantinha a boca aberta, como se não entendesse porra nenhuma do que estava acontecendo. Mas eu entendia. Ela não era a Clara. Desci do carro, e, assim que bati a porta, Sonny partiu. Dei dois passos para trás e subi na calçada. Olhei para o céu estrelado e não sabia mais o que pedir ou a quem pedir. Estava perdido e não sabia se seria capaz de encontrar o caminho de volta. Fechei os olhos apreciando a brisa fria que refrescava minha pele. Estava suado, não sabia se pelo show, se pelo álcool que tinha ingerido ou se pela transa interrompida. De repente, um carro parou à minha frente e por um segundo eu pensei que era mais um dos abutres que me perseguiam ultimamente, tentando conseguir uma foto ou qualquer coisa que pudessem arrancar de mim. — Quanto é o programa, Dex? — Não acreditei no que ouvia. No momento em que o motorista abriu a janela, eu reconheci quem era. E nem precisava olhar, pois só uma pessoa me chamava assim. — Pra você eu faço de graça — respondi e, pela primeira vez em dias, eu tive vontade de sorrir. — Entra aí, cara. Abri a porta da Land Rover estacionada e entrei. Gostava da música que tocava. You’re on the road but you've got no destination You’re in the mud, in the maze of her imagination You love this town even if that doesn't ring true You’ve been all over and it’s been all over you. (Beautiful Day, do U2) — Ainda é sua banda favorita? — perguntei. — Você me apresentou, esqueceu? Balancei a cabeça, sorrindo, e me lembrando da minha infância. Não podia reclamar do que vivi. Fui uma criança que sempre teve tudo. Meus pais eram relativamente bem de vida, morávamos nos Estados Unidos, onde eu nasci. Mas depois de um tempo não aguentaram a saudade e voltaram para o Brasil. Eu fiquei lá estudando


e morando com o irmão do meu pai até os 17 anos. E a maior lembrança que tinha daquela época era Ryan, meu primo-irmão, filho do meu tio. — Desembucha, Ryan. O que está fazendo aqui? — perguntei, pois não sabia que ele estava no Canadá. — Fiquei sabendo que meu primo famoso, egocêntrico e metido estaria participando de um megaconcerto, então, como eu não o vejo há anos, resolvi assistir. Confesso que o cara é bom, mas no fim do show, quando eu fui procurá-lo, não consegui falar com ele e tive que segui-lo. Então parei aqui. Abriu um sorriso debochado, e, se não fosse por ele ter me chamado pelo apelido que só ele usava, poderia não ter reconhecido Ryan. Na última vez que o vi ele era um moleque. Magricelo, desajeitado e branquelo. Agora era um homem, com voz grossa e barba na cara. — Vamos encontrar um clube de stripper e pegar algumas garotas. Você está com uma cara de quem precisa transar — concluiu, animado. Ryan acelerou, e o motor do carro rosnou na noite. Não estava a fim daquele tipo de programa, mas não questionei meu primo. Há muito tempo eu não o via e talvez eu precisasse disso mesmo: me lembrar de uma época em que fui feliz. — Não sabia que você já fazia esse tipo de coisa. — Brinquei com ele, enquanto Ryan digitava algo no GPS. — Dex... Dex... quer apostar quem pega mais mulher? Levantou uma sobrancelha, me desafiando. Eu me lembrei da garota de antes e fiquei pensando no que tinha acontecido. Foda-se! De um jeito ou de outro, Clara teria que sair da minha vida. — Prepare-se para ter sua bunda chutada, fedelho. — Aceitei o desafio. — Isso é o que vamos ver.

**** Pela décima vez eu encarava o convite em minhas mãos. Sei que ela não fez por mal, mas porra... Doía pra caramba ver os nomes deles juntos.

Alexandre Mendes Ferraz & Maria Clara Gomes Bueno

Um convite de casamento. O endereço, a data e o local onde minha gatinha se entregaria para sempre a outro homem. Burro! Burro! Burro! Esmurrei várias vezes o balcão do bar onde estava. Olhei em volta e me vi mais uma vez sozinho. Dessa vez tinha pedido ao dono do bar que


reservasse uma das mesas na área vip somente para mim. Voltei para o Brasil depois que a Clara me convidou para o seu casamento, achando que eu já teria superado a perda. Ledo engano. Assim que pisei no país, as lembranças de tudo que vivi nos últimos anos me acertaram em cheio. Então, mesmo me esforçando para ver a garota que eu amava feliz, eu não consegui ir. Até vesti o terno e peguei o carro, mas no meio do caminho, enquanto dirigia, sua música preferida tocou no rádio e eu pirei. Dei meia-volta enquanto escutava o vocalista cantar Seize the Day e parei no primeiro bar que encontrei. Eu me sentei a uma mesa e pedi uma garrafa de uísque. Não queria acreditar que eu a estava perdendo para sempre, mas isso era um fato inquestionável. A prova estava em minhas mãos. Me apaixonei pela Clara na primeira vez que a vi. Naquela época, eu ainda não sabia que esse sentimento seria tão grande. Mas, com o tempo, ela foi me conquistando cada vez mais. Cada palavra, cada olhar, cada sorriso, cada gesto me deixavam ainda mais louco por ela. O problema é que eu esperei muito tempo. Demorei demais para agir. Quem estou enganando? Ela nunca olhou para mim como ela olha para o advogado. O desgraçado conseguiu e eu falhei, e esse sentimento esmagava meu peito a cada respiração. Ele entrou no coração dela, enquanto eu só consegui entrar em sua boceta. Confesso que não foi tão ruim, mas eu queria mais. Algo que Clara não conseguiu me dar, mas que entregou a ele. No dia em que eu o encontrei em Nova York, e que depois distribuímos socos e pontapés no hotel, eu fiz todo o meu caminho de volta rezando desesperadamente para que ele fosse embora sem procurá-la. Sabia que era egoísmo da minha parte. Tinha plena consciência de que Clara estava sofrendo, mas meu lado fraco me fez torcer para o filho da puta desistir e, assim, me dar mais uma chance. Uma chance apenas. Queria poder beijá-la novamente, fazer carinho em seus cabelos enquanto dormia ao meu lado, preparar seu café da manhã, compor e cantar uma música especialmente para ela. Coisas que eu fiz durante um ano, mas que, na época, eu não soube dar o valor que elas mereciam. Somente depois que Clara me deixou eu percebi o quanto meu coração inteiro era da mulher que agora se casava com outro. E eu? Continuarei perdido. Um cantor que está conquistando o mundo, mas que perdeu a única coisa que queria ao seu lado. Não sei quanto tempo sofrerei por essa perda, mas sei que será tempo suficiente para entender que não haverá outra como ela. Clara é única, e espero que o desgraçado nunca se esqueça disso. — Sr. Dereck, o senhor quer que eu chame um táxi para levá-lo? Notei quando o gerente do bar se aproximou. Olhei para ele e para a garrafa na minha frente e mandei que ele se afastasse. Ainda tinha quase metade do uísque e eu não sairia dali enquanto não anestesiasse a porra da dor que eu sentia. Balancei a cabeça sorrindo. Impossível. Nem o álcool me aliviaria. Resolvi ligar meu celular e me torturar mais um pouco. Procurei seu nome, mas não liguei, somente fiquei olhando para sua imagem gravada. Uma selfie de nós dois em frente a um estádio em Portugal, em um concerto de rock que eu abri. Clara beijava minha bochecha enquanto eu sorria para a câmera. Uma imagem que nunca esquecerei,


assim como sempre me lembrarei da sua voz doce e sexy dizendo que amava as covinhas que se formavam em meu rosto quando eu sorria. Clara não perdia a oportunidade de repetir aquilo, e euamaldiçoava a mim mesmo por não ter dito antes que a amava, mesmo sabendo que o caminho dela estava traçado e não era ao meu lado. Desisti de pegar o copo e bebi direto da garrafa o restante do líquido. Fiquei tonto e, por alguns segundos, me deixei levar pela lembrança da minha gatinha me recebendo no camarim após um show; então eu apaguei. Acordei e levei um tempo para me situar. Olhei em volta, mas minha cabeça girava, e eu não conseguia saber onde estava. Então senti uma mão delicada em meu rosto. Por um momento pensei que poderia ser ela, mas, então, assim que vi quem era, a decepção me atingiu. Mesmo não sendo a Clara, eu segurei sua mão para que ficasse e me ouvisse. Alguém teria que me ouvir, meu coração gritava e eu necessitava de apenas uma pessoa que entendesse o que eu estava passando, sem me tachar como fraco, idiota e inseguro. — Já amou alguém que você sabe que nunca será seu? Perguntei, implorando que me entendesse. — Sim, já amei — respondeu com a voz baixa, como se soubesse muito bem pelo que eu passava. — Essa porra dói. — Desviei os olhos dela por um minuto. Senti novamente seu toque delicado me puxar contra seu corpo. Ela me encarou, e seus olhos brilharam com lágrimas que desciam por seu rosto. — Dói, mas não mata. — Como faço para esquecer? Queria uma resposta lógica, uma que me fizesse reagir ou, pelo menos, que me fizesse descobrir qual caminho seguir. — Se descobrir, me avisa, também gostaria de saber. Reconheci em sua voz o mesmo sofrimento que o meu, mas também vi em seu olhar sua vontade de seguir em frente. Sorri em agradecimento. Eu não estava sozinho, alguém compartilhava dos mesmos sentimentos que eu.

Dereck Mayer


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