As famílias com filhos deficientes e a escolha da escola: o caso do Colégio Coração de Jesus

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ADARZILSE MAZZUCO DALLABRIDA

________________ AS FAMÍLIAS COM FILHOS DEFICIENTES E A ESCOLHA DA ESCOLA: o caso do Colégio Coração de Jesus

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COLEÇÃO DISSERTAÇÕES E TESES

usj CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ



AS FAMÍLIAS COM FILHOS DEFICIENTES E A ESCOLHA DA ESCOLA: o caso do Colégio Coração de Jesus



ADARZILSE MAZZUCO DALLABRIDA

AS FAMÍLIAS COM FILHOS DEFICIENTES E A ESCOLHA DA ESCOLA: o caso do Colégio Coração de Jesus

São José

CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ 2015


CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ Reitora: Elisiani C. de Souza de F. Noronha EDITORA CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ Editor Conselheiro: Evandro Oliveira de Brito Assessor editorial: Débora Medeiros COMISSÃO EDITORIAL ACADÊMICA Adarzilse Mazzuco Dallabrida Carolina Ribeiro Cardoso da Silva Fernando Mauricio da Silva Keila Villamayor Gonzalez Jason de Lima e Silva José Cláudio Morelli Matos Maria Solange Coelho Rogério Tadeu Lacerda Vera Regina Lúcio

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EDITORA ASSISTENTE Zuraide Silveira EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Assessoria de Comunicação USJ CAPA: Zuraide Silveira REVISÃO: Autor FICHA CATALOGRÁFICA Coordenação de Biblioteca do USJ

As famílias com filhos deficientes e a escolha da escola: o caso do Colégio Coração de Jesus / Adarzilse Mazzuco Dallabrida – 1. ed. – São José: Centro Universitário Municipal de São José, 2015. 293 p. ISBN 978-85-66306-15-6 (impresso) ISBN 978-85-66306-16-3 (e-book) Inclui bibliografia 1. Educação. 2. Família. 3. Escola. 4. Deficiência. 5. Colégio Coração de Jesus. I. Dallabrida, Adarzilse Mazzuco Dallabrida. II. Título. CDD 370

Atribuição - Uso Não-Comercial Vedada a Criação de Obras Derivadas


Ă€ Este trabalho ĂŠ dedicado a duas mulheres fortes e determinadas



SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................. 13 CAPÍTULO I DEFICIÊNCIA, ESCOLARIZAÇÃO E CLASSE SOCIAL 21 1.1 A construção da deficiência .................................................... 21 1.2 Classe Social ........................................................................... 30 1.2.1 Campo de Poder .................................................................. 39 1.3 Escolarização .......................................................................... 42 1.3.1 Escolarização e deficiência .................................................. 51 CAPÍTULO II EDUCAÇÃO ESPECIAL ENTRE O SISTEMA PÚBLICO CATARINENSE E O COLÉGIO CORAÇÃO DE JESUS .. 59 2.1 O Colégio Coração de Jesus ................................................... 67 2.2 A Educação Especial em Santa Catarina ................................ 80 2.3 As classes especiais do Colégio Coração de Jesus ................. 94 CAPÍTULO III “EXCLUÍDOS DO INTERIOR”: CLASSES ESPECIAIS 117 3.1 Discussão metodológica ....................................................... 117 3.2 Delineamento da pesquisa .................................................... 124 3.3 Procedimento de coleta de dados.......................................... 134 3.3.1 Análise documental ........................................................... 134 3.3.2 As Entrevistas .................................................................... 135 11


3.3.2.1 Seleção dos participantes ................................................ 136 3.3.3 Instrumentos ...................................................................... 146 3.4 Procedimento de análises de dados ...................................... 147 3.4.1 As famílias ......................................................................... 150 3.4.1.1 Caracterização das famílias ............................................ 150 3.4.1.2 As marcas da deficiência ................................................ 167 3.4.1.2.1 Diagnóstico: ................................................................. 167 3.4.1.2.2 Os atendimentos clínicos: ............................................ 175 3.4.1.3 Expectativas familiares ................................................... 185 3.4.1.3.1 Expectativas quanto à deficiência: .............................. 185 3.4.1.3.2 Expectativas quanto à escolarização:........................... 196 3.4.2 O Colégio Coração de Jesus .............................................. 207 3.4.2.1 A Classe Especial ........................................................... 208 3.4.2.1.1 Atividades em sala: ...................................................... 216 3.4.2.1.2 Atividades extra-salas: ................................................. 223 3.4.2.1.3 O pertencimento ao CCJ: ............................................. 228 3.4.2.2. O término da Classe Especiais....................................... 232 3.4.2.2.1 Formatura e diploma .................................................... 243 3.4.3 O destino social ................................................................. 249 REFERÊNCIAS ....................................................................... 275

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INTRODUÇÃO Esta tese propõe analisar as motivações e expectativas das famílias que selecionaram o Colégio Coração de Jesus, localizado em Florianópolis, capital do Estado de Santa Catarina, para proporcionar educação formal a seus filhos considerados com deficiência, entre as décadas de 1970 a 1990. Também procura investigar como essa escola, nesse momento histórico, organizou-se para atender os alunos em classes especiais. A construção dos objetivos parte da premissa de que a sociedade, através das exigências e momentos históricos, é a responsável por identificar, classificar e construir castas de indivíduos, segundo sua funcionalidade, com base nos comportamentos sociais estabelecidos como legítimos. Tem como embasamento teórico autores que já desenvolveram trabalhos nesta concepção, como Bueno, Crochik e Goffman, e que estabeleceram discussão, de forma ampla e crítica, em que procuraram ultrapassar a simples determinação e classificação das deficiências, mas tecendo seus recortes como produto de uma construção social. O conceito de deficiência é determinado não somente pelas diferenças biológicas, que podem estar presentes através de características orgânicas, mas pela forma como ocorre a inserção do sujeito deficiente no grupo social do qual faz parte, ou seja, na maneira pela qual irá interagir e desempenhar as atividades que este grupo legitimou como “universal à espécie humana” (BUENO, 1993).

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Conforme Bourdieu (1998, 2003) e Crochik (1995), os valores que apontam quais os comportamentos humanos podem ser reconhecidos como “normais” ou “diferentes” dentro de determinada cultura não são determinados somente pela objetividade dos valores e modelos que existem na realidade naquele dado momento histórico; eles são produtos, também, da subjetividade. A subjetividade de cada indivíduo, na percepção de um “objeto” que se constitui por sua experiência, não pode predominar sobre a realidade do objeto, muito menos ser eliminada, pois isto incorreria no erro de naturalização dos interesses humanos e, conseqüentemente, sua reprodução pura e simplesmente entre os indivíduos de uma mesma cultura. Iremos utilizar, segundo Miceli (1992, p. XL), o conceito de habitus que, “[...] entendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações”, permite observar regularidades em ações de indivíduos inseridos no mesmo espaço social. Estudos baseados na perspectiva de Bourdieu (ALMEIDA, 1999; CUNHA, 2004 e DALLABRIDA, 2001, entre outros) partem da concepção de que a forma como a sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia o conhecimento escolar reflete tanto a distribuição do poder quanto os princípios de controle social. Considerando a importância da escola, ou melhor, do conhecimento difundido no espaço escolar, torna-se necessário questionar em que medida e de que forma a 14


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inserção de pessoas consideradas deficientes, em um estabelecimento de ensino específico, pode revelar a representação que a família e a escola fazem dessa pessoa. Estudos no Brasil sobre as estratégias que as famílias de diferentes estratos sociais utilizam na seleção da escola para o filho (NOGUEIRA, 2002; CUNHA, 2004; OLIVEIRA, 2005) vêm apontando que a articulação família-escola é a responsável na produção de sujeitos, ou agentes sociais, para ocupar posições determinadas na sociedade às quais são destinados, indicando diferentes estratégias desenvolvidas, tomando como base o capital econômico, cultural e social dessas famílias. È nesta premissa que o problema deste trabalho baseia-se, buscando a fundamentação teórica em Bourdieu (1998, 2003), para a análise das expectativas dessas famílias com relação à escolaridade dos filhos considerados deficientes e em que medida essas expectativas com relação aos seus filhos, deficientes ou não, coincide quando colocados no mesmo ambiente escolar. Estudar o Colégio Coração de Jesus e sua transformação estrutural ao longo de sua constituição como instituição escolar para a elite florianopolitana, conhecendo as tensões vividas por elas e por sua mantenedora – a Congregação da Divina Providência – é fundamental para o entendimento das práticas desenvolvidas nas classes especiais para o atendimento desses indivíduos considerados deficientes nesta fração da sociedade. O Colégio Coração de Jesus, ao longo do século XX, consolidou-se como instituição formal da 15


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educação escolar de mulheres das elites e dos estratos superiores da classe média. Inscreveu-se, portanto, dentro da divisão escolar da sociedade burguesa a partir dos gêneros, contribuindo para produzir as futuras esposas e mães, que atuavam sobremaneira na vida privada, e as professoras de ensino primário. Assim, em Florianópolis, até a década de 1960, os filhos das classes abastadas tinham endereços diferentes: os moços freqüentavam o Ginásio Catarinense dos padres jesuítas e as moças ingressavam no Colégio Coração de Jesus das Irmãs da Divina Providência, indicando forte presença católica no ensino secundário e normal. No entanto, em 1968, o “Colégio das Irmãs da Divina Providência” tornou-se misto, deixando de ser exclusivamente feminino. Juntamente com a implantação da co-educação, o colégio repensava o seu modelo escolar, como parte das transformações sociais e eclesiais dos anos sessenta do século XX. A sociedade ocidental vivia um momento de questionamento, cujo epicentro foi a rebeldia de 1968, e a Igreja Católica desdobrava transformações, impulsionadas pelo Concílio Vaticano II. Enquanto ainda estava se adaptando à nova estrutura, na década de 1970, foram criadas as primeiras classes especiais para o atendimento de alunos considerados deficientes. Na mesma época, no Estado de Santa Catarina, estava sendo criada a Fundação Catarinense de Educação Especial, órgão público responsável pela definição das políticas de atendimento da Educação Especial para o Estado de Santa Catarina – situada na região da Grande Florianópolis – e disseminavam-se, pelo território catarinense, as instituições especiais mantidas pelas 16


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Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais – as APAEs. O que chama a atenção nesta conjuntura é que não há informação de que os colégios privados instalados na capital catarinense, laicos ou confessionais, tenham criado serviço semelhante de educação especial. Acredita-se que a tradição desta instituição na educação feminina, constatada em seu currículo de instrução para as “boas maneiras”, “afazeres domésticos” e outros conteúdos que levassem as moças a tornarem-se “boas esposas”, esteja ligada diretamente à concepção de deficiência que levaram essas famílias a procurarem o Colégio Coração de Jesus para o atendimento de seus filhos considerados deficientes, bem como o já mencionado prestígio disciplinador do colégio – que tinha um ethos germânico devido à descendência alemã de seu corpo docente e dirigente – e aos valores católicos das Irmãs da Divina Providência. O caso do Colégio Coração de Jesus, nesse sentido, parece altamente significativo para o entendimento dessas questões, na medida em que proporcionou atendimento aos alunos considerados deficientes, oriundos das elites, primeiramente em classes especiais e, mais tarde, na inserção dos mesmos nas classes regulares, sendo considerado, pelo entorno social, como uma escola de alto padrão de qualidade. O fato de esta escola seguir as tendências internacionais e nacionais de oferta de escolarização às crianças deficientes de forma integrada ao ensino regular, o que redundou na extinção das classes especiais na década de 90 do século XX e na inserção desses alunos em suas classes regulares, parece ainda mais interessante. 17


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Se uma visão superficial pode indicar que, a partir de determinado momento histórico, a escola parece ter incorporado a perspectiva de possibilidades de aprendizagem mais ampla, extinguindo as classes especiais e abrindo a esta população a chance de integração nas classes regulares, somente a inserção parece insuficiente para essa constatação, e exige a investigação por duas frentes básicas: a da escola e a da família. Com relação à escola, cabe investigar as razões pelas quais ela resolveu abrir espaço para o atendimento as pessoas consideradas deficientes, e que tipo de escolarização foi oferecido nestes 20 anos de atendimento. Além disso, o fato de a escola, a partir da década de 1970, abrir as portas de suas classes regulares para os alunos considerados deficientes, não implica necessariamente a sua efetiva incorporação qualitativa, portanto é necessário investigar os resultados dessa incorporação através da trajetória escolar desses alunos no ensino regular. Com relação à família, vale investigar as razões que levaram esses pais a matricularem seus filhos deficientes nesta escola. As expectativas sobre a sua escolarização podem revelar que perspectivas eles já tinham acerca das possibilidades dessa escolarização: se tinham alguma coisa em comum com a inserção de seus filhos não deficientes, se era somente uma questão de espaço social diferenciado ou se envolvia expectativas acerca de melhores níveis de escolarização a serem alcançados. E foi dentro deste cenário que se fez um recorte temporal de meados da década, de 1970 a 1990, 18


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para investigar, por um lado, as formas de organização escolar e os resultados alcançados pelos alunos deficientes do Colégio Coração de Jesus e, por outro, as motivações e expectativas de famílias de corte social elevado a matricularem seus filhos nessa escola. O problema de pesquisa a ser investigado pode ser formulado através de duas questões centrais: 1 – Quais as motivações, os critérios e as expectativas das famílias na escolha do Colégio Coração de Jesus para o/a filho/a com deficiência? 2 – Como a escola organizou-se, nesse período, para atender a essa população e quais os resultados alcançados? A perspectiva deste estudo não é a de simplesmente reiterar que diferentes condições sociais redundam em melhores resultados e possibilidades de inserção de deficientes oriundos dos estratos sociais privilegiados, visto que isto é evidente pelos dados estatísticos e pelos resultados alcançados, porque os alunos a serem investigados não foram encaminhados para classes e instituições do sistema público de ensino do estado, mas para uma instituição privada de alto padrão. O que interessa – no sentido de contribuir para o avanço das reflexões sobre a relação classe socialdeficiência-escolarização – é verificar até que ponto o imaginário social de incapacidade de aprendizagem e de inserção social satisfatória das pessoas exerceu influência nas expectativas dos pais de condições sociais elevadas, 19


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que encaminharam seus filhos deficientes para a mesma escola que seus filhos normais cumpriram sua escolaridade regular e nas formas de organização de escola voltada ao atendimento desses alunos. Neste sentido, o trabalho apresenta a seguinte organização: 1. No primeiro capítulo, apresenta-se uma discussão teórica das questões relacionadas com deficiência, escolarização e classe social, problematizando com as estratégias utilizadas pelas famílias na escolha da escola para o filho deficiente. 2. No segundo capítulo, buscou-se caracterizar o Colégio Coração de Jesus (CCJ), desde sua implantação, através de sua organização e funcionamento, principalmente no atendimento aos alunos deficientes das décadas de 1970 a 1990, articulando com as questões que envolvem a Educação Especial no estado de Santa Catarina. 3. No terceiro capítulo, apresenta-se a metodologia utilizada nesta pesquisa, demarcando a seleção dos participantes, os procedimentos utilizados na coleta e análise dos dados. Analisam-se os dados coletados no enfrentamento com a base teórica que fundamentou a pesquisa, discutindo os dados em três grandes eixos: a família; o Colégio Coração de Jesus e o destino social dos egressos das classes especiais.

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CAPÍTULO I DEFICIÊNCIA, ESCOLARIZAÇÃO E CLASSE SOCIAL Neste capítulo, articula-se uma discussão sobre os conceitos de deficiência e de escolarização, problematizando as estratégias utilizadas na escolha da escola pelas famílias que pertencem a diferentes classes sociais1. Para teorizar questão de tamanha complexibilidade, utiliza-se a teoria “bourdieusiana”, por apresentar uma riqueza de conceitos e categorias analíticas, além de possibilitar a reflexão entre a herança familiar especificamente cultural e simbólica e o papel da escola na legitimação das desigualdades sociais.

1.1 A construção da deficiência Partindo do pressuposto de que o conceito de deficiência é uma construção social, para além das determinações biológicas, ou seja, que a deficiência orgânica não se constitui na única característica para a produção da identidade dos sujeitos, mas sim que, sem negar estas características, são marcas fundamentais na Classe social: neste trabalho, baseia-se na perspectiva de “campo de poder” de Bourdieu (1998), o qual escreveu que classe social não se define somente pela categoria econômica ou pela soma das diferentes categorias, o sujeito possui (idade, sexo...), mas sim pela estrutura das relações entre todas as categorias pertinentes. 1

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construção dessas identidades, não pode prescindir dos processos sociais pelos quais eles passam e são fatores determinantes para a sua humanização. Esta pesquisa apóia-se em estudos realizados nessa perspectiva, principalmente, àqueles desenvolvidos por Bueno (1993, 1997, 2001), que trazem uma grande contribuição para o entendimento das formas de atendimento, ou seja, as práticas objetivadas no processo de escolarização das pessoas consideradas deficientes em nome da “Educação Especial”. Bueno (2001) discute como a “anormalidade enquanto manifestação concreta” apresenta-se nas relações entre homem e meio. Afirma que este conceito foi historicamente se modificando, à medida que o homem foi transformando suas condições sociais. Com relação ao conceito de deficiência mental, explica que ele foi identificado, a partir do final do século XVIII, em determinadas formações sociais que exigiam formas específicas de produtividade intelectual. Nesta perspectiva, o autor abre a possibilidade de aprofundar a compreensão das representações sociais sobre a “anormalidade” em função do atendimento, disponibilizado, durante as três fases da história da educação especial no Brasil2, não somente através das ações objetivas de escolarização e de atuação na sociedade, mas na inculcação da identidade social da anormalidade. A deficiência mental pode ser considerada, dentre as deficiências, a de diagnóstico mais difícil, pois Para maior aprofundamento sobre esta questão, consultar “A produção social da identidade anormal”, em Bueno, 2001. 2

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não existem condições materiais, instrumentos clínicos que possam mensurar com objetividade e precisão o funcionamento cognitivo. Sabe-se, atualmente, bastante sobre o funcionamento do cérebro e sua plasticidade, mas muito menos do que conheceremos nos próximos anos com o avanço das pesquisas genéticas. Diferentemente das deficiências físicas e sensoriais em que o diagnóstico mostra, com margem pequena de erro, o funcionamento do órgão responsável pela ausência ou mau funcionamento daquela parte específica do corpo; o funcionamento do sistema nervoso extrapola a caixa craniana, visto que são terminações nervosas, ao longo do corpo, responsáveis pelas sensações e sentidos que fomentam o nosso existir. Segundo Mindrisz (1994), foi a partir dos procedimentos da psicometria que ocorreu a padronização de testes para avaliação da inteligência, estabeleceu-se a distinção entre doença e deficiência mental e, conseqüentemente, sua classificação através do modelo estatístico sobre o desvio do Quociente de Inteligência (QI) dos indivíduos considerados “dentro da normalidade”. Modelo esse que se baseava nas características abstratas, de um certo grupo, entendidas como objetivas e universais. Cabe ressaltar que o critério utilizado na gênese da elaboração do teste foi o rendimento escolar. [...] o quociente de inteligência, resultado obtido dos testes de inteligência, passou a ser critério fundamental não só para caracterização e classificação da deficiência mental, como também na predição do sucesso e fracasso escolar. 23


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(MINDRISZ, 1994, p.103).

Segundo Afonso (1997), as concepções sobre a deficiência mental foram sendo modificadas e passaram de variáveis da demência à classificação através do diagnóstico clínico e, atualmente, refletem a visão social que agrega o percurso do deficiente as suas competências cognitivas e ao perfil emocional. [...] a deficiência mental não constitui uma marca absoluta manifestada exclusivamente pela pessoa, mas a expressão do impacto funcional da interação entre a pessoa, com uma limitação intelectual e as habilidades adaptativas e o meio. (SCHALOK apud AFONSO, 1995, p.40).

Varela e Alvarez-Uría (1989, p.44) ressaltam alguns pontos em comum de autores que marcam a “Nova Escola de Chicago”3, com relação ao processo de estigmatização e rotulação dos membros de grupos sociais subalternos, sendo que todos desqualificam o processo simplista que separa as condutas desviadas das convencionais: o bem do mal e o normal do patológico. Apresentam, na perspectiva de Goffman, a diversidade cultural como conseqüência dos diferentes critérios valorativos, os quais definem determinados comportamentos, e o conceito de normal e desviante como construções historicamente determinadas. Crochik (1995, p.15) discute o conceito de 3

Os autores agruparam estudos sociológicos de membros da Universidade de Chicago, entre eles Erwin Goffman, Lemert, Becker. 24


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preconceito, recorrendo às várias áreas do saber e afirmando que o que leva o indivíduo a ser ou não preconceituoso pode ser encontrado no seu processo de socialização “no qual se transforma e forma enquanto indivíduo”. Este processo só pode ser entendido como fruto da cultura e da história, o que significa “que varia historicamente dentro da mesma cultura e em culturas diferentes”. Estudar as práticas objetivadas ao longo da história, como forma de atendimento à pessoa considerada deficiente, torna-se imprescindível dentro desta perspectiva. Bueno (1997) aponta três momentos que marcam a história da educação especial no Brasil: o da criação de instituições de internação, o da disseminação do atendimento (diário ou internato) e o da integração do deficiente na rede regular de ensino. Afirma que a construção da identidade social das pessoas consideradas deficientes passa pela representação daqueles modos de atendimento. Na primeira fase, ou seja, na criação de internatos para atendimento de deficientes visuais e auditivos – na segunda metade do século XIX - essa forma de atendimento revela a identidade social através de três dimensões. A primeira, segregacionista de atendimento da pessoa deficiente, com a função de proteção e resguardo do meio social, incorporado como uma forma segura de atendimento a pessoas incapazes de prover sua subsistência. A segunda, a falta de ampliação desse atendimento por setenta anos, fazia com que os poucos educandos matriculados fossem encarados como privilegiados. E, por último, a falta de proposta eficiente de formação para a integração social dessas instituições, que corroborava para a criação de 25


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uma auto-imagem de incapacidade e inferioridade nestes educandos. A segunda fase constitui na disseminação das instituições de educação especial, no início do século XX, e traz, em seu bojo, uma concepção de “irreversibilidade da anormalidade”, que muito contribuiu para a manutenção de atendimentos com uma visão assistencialista. Nestas duas primeiras fases, o universo de atendimento especial restringia-se às deficiências graves: mental, auditiva, visual e física, sendo esta última com ênfase, quase que exclusiva, aos portadores de lesões cerebrais graves e/ou graves mutilações. A terceira fase, da metade do século XX aos dias atuais, é caracterizada pela expansão da ação do poder público e pela disseminação de uma rede privadoassistencial de atendimento. Este autor descreve ainda a relação contraditória que marca esta fase no que concerne à concepção de anormalidade, ou seja, por um lado se tem a luta para a incorporação dos deficientes pelo ensino regular e, por outro, a exclusão dos “alunosproblemas” da rede regular. Com a inclusão de outros problemas no rol das anormalidades, a educação especial passou a atender as chamadas “dificuldades de aprendizagem” e “deficientes mentais leves” em classes especiais, pautada na concepção organicista da deficiência, sem levar em conta as dificuldades decorrentes de processos sociais e de escolarização inadequados. Este olhar sobre a história da educação especial no Brasil, proporcionada por Bueno (1997), instiga que se analise de forma aprofundada a 26


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escolarização de pessoas consideradas deficientes ou não, na medida em que podem revelar aspectos pouco explorados das “práticas objetivadas”, pelas quais se procurou fornecer-lhes meios para uma inserção social mais satisfatória. Maffezoli (2005) aponta que a Educação Especial ainda é tratada em uma perspectiva patologizante, sendo que o normal é tomado como critério na elaboração de propostas de atuação. Afirma também que os aspectos mais relevantes e predominantes nas práticas com as pessoas deficientes mentais são a subestimação e a infantilização com que eles são tratados. Neste sentido afirma: [...] um dos aspectos que chama atenção nessa realidade é a estreita vinculação existente entre a subestimação dos deficientes mentais e o caráter eternamente infantil que lhes é atribuído. Sabemos que essa não é uma questão de emergência recente. No desdobrar da história sobre a visão que a sociedade tem dos deficientes mentais, nem quando foram distinguidos dos marginais de todo tipo, pela atuação da medicina, eles conseguiram ser visto em sua possibilidade de maioridade (MAFFEZOLI, 2005, p.01).

Segundo Silva (2004), as fronteiras que demarcam a normalidade estão cada vez mais nítidas através da acessibilidade dessas pessoas aos serviços de saúde, educação, lazer e trabalho, porém, apesar dos avanços tecnológicos, estes ainda não foram capazes de 27


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eliminar o trabalho repetitivo: Esse caldo de cultura exerce influência até os dias atuais e a demarcação das fronteiras da normalidade vem se constituindo, cada vez mais nitidamente, pelo mapa que expressa a acessibilidade dessas pessoas aos serviços de saúde, educação, lazer e trabalho. Mesmo com os avanços tecnológicos que já poderiam ter eliminado o trabalho repetitivo e o esforço físico, é o ideal do corpo útil que predomina, demandando um corpo rígido e funcional. Rejeita-se uma outra referência de corpo que admita a flexibilidade, a possibilidade e as particularidades. Além do corpo útil para o trabalho, valoriza-se também o corpo falsamente belo, porque padronizado em limites estéticos de peso, altura, cor e forma que favorecem a rejeição dos diferentes corpos fora dessas especificações (SILVA, 2004, p.48).

As marcas da deficiência podem ser analisadas não somente por sua “materialidade” ou “condição social”, mas principalmente pela maneira como a sociedade incorpora e encaixa essas diferenças em seus padrões de normalidade. Segundo Silva (2004), as atitudes, os preconceitos, os estereótipos e a estigmatização com relação as pessoas deficientes partem dessa “leitura social” das diferenças. Goffman (1988), investigou diversos fatores ligados ao estigma - um valor negativo atribuído a uma condição existencial - e destacou a visibilidade, o 28


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encobertamento e a identidade pessoal em seu estudo sobre a manipulação de identidades deterioradas explicando que: [...] o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, porém, é mais aplicado à própria desgraça do que a evidência corporal. (GOFFMAN,1988, p.11).

Neste sentido, as marcas da deficiência podem ser vistas não somente na pessoa deficiente, mas em seu entorno, principalmente na família, através das atitudes e comportamentos. Considera-se que a deficiência não é estática, ela é construída nas relações e interações com a sociedade, como afirma Silva: [...] a deficiência não é uma condição estática, natural e definitiva, ela está inscrita nas relações e interações que determinam seu entendimento na sociedade. É portanto, uma diferença que emerge no processo de produção da existência dos povos, em locais e momentos históricos distintos, assim como são, nesse sentido, as diferenças étnicas, os códigos lingüísticos ou as crenças religiosas. A condição de deficiência evidencia uma situação de desvantagem só compreensível numa situação relacional ou em consideração a um outro: desvantagens, incapacidades ou deficiências são consideradas sempre na relação do indivíduo portador de tais características com os seus pares de convivência. Mas a palavra deficiência por 29


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si só já se opõe à eficiência, princípio caro para a sociedade capitalista cuja preocupação maior é com a produtividade (SILVA, 2004, p.51).

1.2 Classe Social Para Bourdieu (1998), classe social não se define somente pela categoria econômica ou pela soma das diferentes categorias que o sujeito possui (idade, sexo...), mas sim, pela estrutura das relações entre todas as categorias pertinentes. Ele explica que tem utilizado, em suas pesquisas, além da profissão e do nível de instrução, os índices de volume das diferenças especiais de capital, assim como sexo, idade e residência. Construir classes mais homogêneas possíveis, com relação aos determinantes fundamentais de condições materiais de existência e da sua utilização é levar em conta as variações de distribuição e de práticas, como uma rede de características secundárias. Para este autor, é necessária a realização de uma rede de relações entre os determinantes de uma classe social específica para que se possa justificar sua utilização, rompendo assim com o pensamento linear de classificação direta das categorias sociais existentes (BOURDIEU, 1998, p.105). O espaço social é constituído por pessoas com afinidades fundamentais, principalmente, no campo econômico e cultural: Falar de um espaço social, é dizer que se não pode juntar uma pessoa qualquer com outra pessoa qualquer, descurando as diferenças fundamentais, sobretudo 30


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econômicas e culturais (BOURDIEU, 2003, p.138). Segundo Azevedo (1993), para o pensador francês, as classes sociais não existem: “O que existe é um espaço social, um espaço de diferenças, no qual as classes existem de algum modo em estado virtual, pontilhadas, não como um dado, mas como algo que se trata de fazer” (BOURDIEU apud AZEVEDO, 1996, p. 26-27). Neste sentido, classe social não é um elemento autônomo, mas sim que se incorpora a uma estrutura criada e reproduzida por ela. O lugar das classes em uma estrutura social seria a posição em um ambiente hierarquizado por critérios que ultrapassam o capital econômico. O capital simbólico é um elemento importantíssimo para a compreensão de classe social conforme sua posição: [...] as diferenças propriamente econômicas são duplicadas pelas distinções simbólicas na maneira de usufruir estes bens, ou melhor, através do consumo, e mais, através do consumo simbólico (ou ostentatório) que transmuta os bens em signos, as diferenças em fatos de distinções significantes, ou para falar como os lingüistas, em valores, privilegiando a maneira, a forma da ação ou do objeto em detrimento de sua função. Em conseqüência, os traços distintivos mais prestigiosos são aqueles que simbolizam mas claramente a posição diferencial dos agentes na estrutura social - por exemplo, a roupa, a linguagem ou a pronúncia, e sobretudo “as maneiras”, o bom gosto e a cultura - pois aparecem como propriedades essenciais da pessoa, 31


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como ser irredutível ao ter como uma natureza [...].(BOURDIEU, 1998, p.16).

A herança cultural familiar e suas implicações escolares fazem parte da discussão de Bourdieu, porém, segundo Nogueira (2002), a especificidade da Sociologia da Educação empreendida por este autor fica mais evidente quando são consideradas as questões teóricas mais amplas que permeiam sua obra. Explica que, na busca de superação do dilema entre objetivismo e subjetivismo no clássico pensamento sociológico, o autor aponta as insuficiências e os riscos das abordagens subjetivistas por duas razões: por não considerarem as condições objetivas na explicação da prática subjetiva e por atribuírem aos sujeitos excessiva autonomia e consciência, conforme abaixo: A sociologia de Bourdieu como um todo está marcada pela busca de superação de um dilema clássico do pensamento sociológico, aquele que se define pela oposição entre subjetivismo e objetivismo. Por um lado, Bourdieu aponta as insuficiências e aos riscos das abordagens que se restringem à experiência imediata do ator individual, ou seja, que se atêm de modo exclusivo ou preponderante ao universo das representações, preferências, escolhas e ações individuais. Essas abordagens, rotuladas por ele como subjetivistas, são criticadas não apenas por seu escopo limitado, isto é, pelo fato de não considerarem as condições objetivas que explicariam o curso da experiência 32


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prática subjetiva, mas sobre tudo, por contribuírem para uma concepção ilusória do mundo social que atribuiria aos sujeitos excessiva autonomia e consciência na condução de suas ações e interações (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p.04).

Para Bourdieu, o indivíduo é um ator socialmente configurado em seus mínimos detalhes: preferências, aptidões, posturas corporais, os quais são frutos da constituição social. Critica as abordagens objetivistas por sua insuficiência teórica na explicação dos processos envolvidos na passagem da estrutura social para a ação individual, afirmando que “a ação das estruturas sociais do comportamento individual se dá preponderantemente de dentro para fora e não o inverso” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p.04). Neste sentido, os indivíduos, a partir de sua formação inicial em um dado ambiente social e familiar correspondente a uma posição específica na estrutura social, incorporariam um habitus familiar que regeriam suas ações nos mais variados ambientes, como um conjunto de disposições para a ação típica de sua posição, perpetuando assim a estrutura social através desta atualização constante. No entanto, alerta que este sistema de disposições incorporado pelo sujeito não o conduz em suas ações de modo mecânico. Fala da dinamicidade entre as condições estruturais originais do sistema de disposições do indivíduo e de sua aplicabilidade no sistema de disposições da estrutura social, que “conduziria as ações individuais e tenderia a se reproduzir através delas, mas esse processo não seria rígido, direto ou mecânico” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 33


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2002, p.04). Na análise dos fenômenos educacionais, Nogueira (2002) aponta o esforço de Bourdieu para evitar tanto o objetivismo quanto o subjetivismo, ou seja, considera cada indivíduo como sendo caracterizado por sua bagagem socialmente herdada, assim o ator não é nem o indivíduo isolado, consciente, reflexivo, nem o sujeito determinado, mecanicamente submetido às condições objetivas em que ele age, conforme ilustra a citação abaixo: Essa bagagem inclui, por um lado, certos componentes objetivos, externos ao indivíduo, e que podem ser postos a serviço do sucesso escolar. Fazem parte dessa primeira categoria o capital econômico, tomado em termos dos bens e serviços a que ele dá acesso, o capital social, definido como o conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela família, além do capital cultural institucionalizado, formado basicamente por títulos escolares. A bagagem transmitida pela família inclui, por outro lado, certos componentes que passam a fazer parte da própria subjetividade do indivíduo, sobretudo, o capital cultural na sua forma “incorporada”. Como elementos constitutivos dessa forma de capital merecem destaque a chamada “cultura geral” -expressão sintomaticamente vaga; os gostos em matéria de arte, de culinária, decoração, vestuário, esportes e etc; o domínio maior ou menor da língua culta; as informações sobre o mundo escolar 34


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(NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p.04).

Bourdieu teve o mérito de formular uma resposta original para explicar o problema das desigualdades escolares, principalmente na diminuição do impacto do fator econômico, comparativamente ao cultural no destino escolar. As referências culturais trazidas de casa são consideradas como uma ponte entre a família e a escola. O capital econômico e o capital social funcionariam como auxiliares na acumulação do capital cultural. Das três formas de capital cultural4 é no estado incorporado, sob forma de bens duráveis do organismo, que a diferenciação de classe faz-se, mais evidente, pois a introjeção ou assimilação desta “herança” acontece ao longo da vida, principalmente na infância. Com o estado do capital incorporado vem o conceito de habitus5, pois entende que este tipo de capital é arraigado na subjetividade de seu portador, conforme Nogueira e Catani (1998). A idéia de Bourdieu é que, por um processo “O capital cultural existe sob três formas a saber: a) no estado incorporado, sob a forma de disposições duráveis do organismo. Sua acumulação está ligada ao corpo, exigindo incorporação, demanda de tempo, pressupõe um trabalho de inculcação e assimilação...b) no estado objetivado, sob a forma de bens culturais (quadros, livros, dicionários, instrumentos e máquinas). c) no estado institucionalizado, consolidando-se nos títulos e certificados escolares que, da mesma maneira que o dinheiro, guardam relativa independência em relação ao portador do título” (NOGUEIRA e CATANI, 1998, p.10). 5 O conceito de habitus pode ser entendido como: “disposição incorporada de valores, normas, gostos, entre outros que estão presentes no nosso cotidiano, que formam nossa consciência incorporada sem que nos demos conta disso” (MICHELS, 2004, p.8). 4

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não deliberado de ajustamento entre investimentos e condições objetivas de ação, as estratégias consideradas menos arriscadas, isto é, mais adequadas, acabariam sendo incorporadas pelos sujeitos de um mesmo grupo como parte de seu habitus, ou seja, sua idéia é que os grupos sociais constroem conhecimentos práticos relativos às possibilidades de êxitos dentro da realidade social, levando em conta os tipos de capitais – Econômico, social, cultural e simbólico - possuídos por seus membros, de acordo com Nogueira e Nogueira. (2002). Identifica três conjuntos de disposições e de estratégias de investimento escolar que seriam adotados pelas classes popular, média e pelas elites: a)

b)

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Classe popular: tendência de investir de modo moderado no sistema de ensino, por várias razões, dentre elas a percepção de que as chances de sucesso são reduzidas; que os investimentos são a longo prazo, especialmente do adiamento do filho no mercado de trabalho. Classe média: tendência de investir pesadamente na escolarização do filho. As famílias deste grupo já possuem um volume de capitais e, por terem ascendido da classe popular, predominantemente, apostam na mobilização social através da escolarização. Destaca três componentes deste propósito: o ascetismo, o malthusianismo e a boa vontade cultural. O ascetismo seria a renúncia à aquisição de bens materiais para garantir uma boa


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c)

escolarização. O malthusianismo, o planejamento familiar, a redução do número de filhos, e a boa vontade cultural caracterizaria a procura sistemática de ampliação do capital cultural, como o incentivo de visitas e programas culturais. Elites econômica e cultural: tendência de investir muito na escolarização, mas de forma mais descontraída do que a classe média, dado que o sucesso escolar é tido como algo natural, logo há a falta de necessidade de lutar pela ascensão social. Há uma diferenciação entre as frações mais ricas de capital cultural e as mais ricas em capital econômico. A primeira buscaria, através do investimento escolar, o acesso às carreiras mais longas e prestigiosas do sistema de ensino, em contrapartida, a segunda buscaria a certificação para legitimar a posição social garantida através do capital econômico.

Nessas análises, a categoria de classe social aparece como suficiente no critério de diferenciação dos grupos familiares, através de seus investimentos na escolarização e na formação e da transmissão do habitus familiar. As críticas que são feitas a essas análises giram em torno da falta de elementos na categoria classe social para determinar a diferenciação entre esses grupos e, principalmente, a abrangência desta categoria, que não permite captar as diferenças entre as famílias. Lahire (1997), em contraponto com a posição de que o habitus familiar é transmitido aos seus 37


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ascendentes de forma naturalizada, instiga que se investigue mais profundamente o modo de transmissão destes recursos disponíveis, por meio dos capitais acumulados, dentro da dinâmica interna de cada família, através das relações e da interdependência social e afetiva de seus membros, que pode ser explicado desta maneira: No conjunto, as críticas a Bourdieu realçam o fato de que o habitus de uma família e, mais ainda, de um indivíduo não pode ser deduzido diretamente do que seria seu habitus de classe. As famílias e os indivíduos não se reduzem a sua posição de classe. O pertencimento a uma classe social, traduzido na forma de um habitus de classe, pode indicar certas disposições mais gerais que tenderiam a ser compartilhadas pelos membros da classe. Cada família, no entanto, e, mais ainda, os indivíduos tomados separadamente, seriam o produto de múltiplas e, em parte, contraditórias influências sociais (LAHIRE, 1999; CHARLOT apud NOGUEIRA, 2002).

A complexidade da utilização da categoria classe social, nas pesquisas sobre famílias, e a sua relação com a escolarização é discutida por Romanelli (2003), o qual aponta para a utilização dos termos como classe e camada, que remetem a campos teóricos distintos. Classe indica a abordagem marxista de divisão da sociedade, e camada, a abordagem da estratificação social, e ambas no plural apontam as divisões no seu interior. A utilização de camadas em detrimento a classes oferece a 38


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possibilidade de configurar-se como “categoria descritiva cuja diferenciação em segmentos específicos resulta na articulação entre determinantes sociais e culturais”, (ROMANELLI, 2003, p.248). Indica a possibilidade de utilizar, segundo Bourdieu, o estilo de vida como categoria de análise dos segmentos dessas camadas.

1.2.1 Campo de Poder Bourdieu (2002) afirma que foi com base nas pesquisas realizadas com alunos de todas as Grandes Escolas e das classes preparatórias, mais precisamente na impossibilidade de compreender o sentido e os elementos; nas análises dos dados que permeavam o jogo, na competição, dentro do espaço escolar. Espaço esse que vislumbrou a necessidade de conhecer e de ampliar seu entendimento sobre lógica além dos muros escolares, que passou da sociologia das instituições de ensino à sociologia denominada “classe dominante” ou elite e que o autor prefere denominar de “campo de poder” como seu objeto principal. Logo percebi que não poderia compreender completamente o sentido nem o que estava em jogo na competição, dentro do espaço escolar, entre alunos ou instituições enquanto permanecesse ignorada a lógica do funcionamento dos diferentes “mercados” em que os diversos diplomas e seus detentores estavam situados (BOURDIEU, 2003, p.35). 39


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Relata que sua decisão de estudar os conjuntos das Grandes Escolas permitiu verificar que o conhecimento do espaço ocupado por determinada instituição em um lócus específico, neste caso o “espaço das escolas”, é muito mais revelador, principalmente porque evidenciam as relações mais do que os elementos diretamente visíveis. A escolha metodológica proporcionou deduzir as leis de funcionamento destes campos, seus objetivos específicos, os princípios de divisão segundo os quais se organizam, as forças e as estratégias dos campos que se opõem, tudo isto sem esquecer que, por maior que seja sua autonomia relativa, cada um deve suas propriedades mais fundamentais à posição que ocupa no campo do poder. Só pensando assim a estrutura de relações objetivas entre os diferentes universos e a luta para manter ou subverter essa estrutura- para impor o princípio dominante de dominação (capital econômico ou cultural hoje, poder temporal e autoridade espiritual na sociedade feudal)- é possível compreender completamente as propriedades específicas de cada um dos subcampos. (BOURDIEU apud ORTIZ, 2003, p.36).

A noção de campo foi desenvolvida com o intuito de denominar espaços autônomos regidos por leis próprias, que se estabelecem no mundo social, como um “microcosmo”, o qual, apesar de receber interferência do 40


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macrocosmo, dispõem de uma certa autonomia. E um dos problemas centrais para Bourdieu é identificar a natureza e as formas das imposições do macrocosmo, bem como a maneira que o microcosmo responde a essas pressões, para assegurar sua autonomia. Sendo assim, a elite, “campo de poder” na denominação de Bourdieu, poderá ser reconhecida, através dos estudos dos papéis que desenvolve dentro e fora de seu grupo constituído. É importante assinalar que não é uma simples correlação de conteúdo e contexto o que o autor denomina de “erro de curto-circuito”, ou seja: “Descartei, de início, uma forma de reducionismo que consiste em reduzir as leis segundo as quais um campo funciona pelas leis sociais exteriores, o que chamarei de erro de curto-circuito”.(BOURDIEU, 2002, p.30). A reprodução da estrutura do “campo de poder” (elite) é muito importante pelo jogo na concorrência verificada, pois trata da distribuição dos poderes e privilégios entre diferentes categorias de agentes engajados nessa concorrência. A questão decisiva, dentro desta lógica, é a conservação ou a transformação da estrutura do campo das instituições. Neste trabalho, optou-se por utilizar o termo “classes superiores” para designar um grupo social estudado, com base nos estudos de Nogueira (2002), que identifica esta parcela da população através do “modo de vida”, utilizando, como critérios, os recursos materiais objetivados, como, por exemplo: a condição residencial, apresentada pelo local onde mora e pela posse de residências secundárias, a ocupação e a escolarização dos pais e dos irmãos. A característica principal desse grupo 41


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social não reside somente na posição que ocupam na sociedade atualmente, mas por ocuparem essa posição há pelo menos duas gerações.

1.3 Escolarização Bourdieu (1998) afirma que as classes abastadas colocam em marcha uma série de estratégias, de maneira consciente ou inconsciente, que visam conservar ou aumentar seu patrimônio e, conseqüentemente, manteram ou melhoraram sua posição social. Entre as principais “marcas de distinção” destacam-se a linguagem, o vestuário e a escolha da escola de seus filhos. O investimento em educação escolar, ou seja, o pagamento de um colégio que promete “status” intelectual e social e êxito nos graus superiores de educação representa uma “estratégia de reconversão” do capital econômico em capital cultural. Aliás, para o sociólogo francês, os diplomas e certificados escolares são entendidos como “capital cultural institucionalizado”. Nogueira (1998) apresenta resultados de pesquisas realizadas na Europa sobre a seleção da escola e constata que o termo estratégia é utilizado nestes estudos para designar as condutas familiares de escolha da escola, porém, dependendo da orientação teórica, a significação é diferente. Por exemplo: “estratégias de classes” são utilizadas – sob a influência de Bourdieu – visando à manutenção de distinção social e educacional e “estratégias de consumo”, são usadas na associação de decisões racionais, de análise do custo/benefício do seu 42


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investimento. Pinçon e Pinçon-Charlot (2002) analisam as trajetórias familiares dos membros da elite francesa na manutenção das posições dominantes na sociedade, destacando três instâncias de socialização – a família, a escola e os “rallyes”6. Contextualizam o sistema de ensino na França, apontando que famílias da elite concentramse em bairros, em função de escolas de excelências públicas ou privadas e que essas famílias entram na lógica da concorrência desencadeada pelos concursos de acesso às grandes escolas (“écoles”), os quais garantem o ensino mais procurado. Analisam o controle dos pais nessas instituições com relação à prática pedagógica, principalmente em escolas públicas, onde os filhos convivem com os filhos de seus funcionários (prestadores de serviços domésticos): Mas a supremacia quantitativa e simbólica das antigas famílias é suficiente para que elas controlem estreitamente o funcionamento desse estabelecimento público praticamente privatizado em seu funcionamento. Alhures, nos bairros onde dominam as camadas médias, os professores mostram-se meticulosos demais em relação às suas práticas pedagógicas [...] com efeito, seus 6

Segundos os autores rallyes foram criados na década de 50 do século XX para contornar os inconvenientes que a coabitação social dos filhos da elite burguesa e ou da antiga nobreza com jovens de meios menos sofisticados, filhos dos novos ricos. O rallyes são formados por grupos de crianças ou adolescentes, cuja composição é definida pelas mães através de listas de nomes de famílias importantes convidados a conviver a juventude e a vida adulta na tentativa de formar herdeiros. 43


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professores foram até mesmo levados a retirar um manual de leitura que tinha desagradado aos pais pelo fato de que estes tinham julgado seu tom por demais populista, ao colocar em cena crianças imigrantes que utilizavam um vocabulário pouco utilizado nessa cidade. (PINÇON e PINÇON-CHARLOT, 2002, p.21).

Os autores reportam que de pública estas escolas só conservam o status e citam vários exemplos da onipresença dos pais da elite nessas escolas, não só fornecendo recursos materiais, mas também como conferencistas sobre o mercado de trabalho: O material informático é pago pelos pais por intermédio da caixa escolar [...] os cursos de língua, inexistentes no ensino primário francês, foram criados e, apesar de toda regulamentação, funcionam durante as horas normais de aula. Os pais dão conferências às crianças, sem dúvida, para despertar vocações: banqueiros, presidentes de grandes firmas, ministros, membros do Institut France vêm falar de seu trabalho e estudos. (PINÇON e PINÇON-CHARLOT, 2002, p.22).

Os resultados do estudo realizado pelo pesquisador Ballion (1991), com 517 famílias, no momento de seleção da escola do filho, na entrada no ensino médio (liceu), traz uma categorização do comportamento das famílias com relação à escolha, descritas da seguinte maneira: condutas avaliatórias e condutas funcionais. As primeiras compreendem as 44


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seleções por características educativas, ou seja, as práticas escolares, o currículo, as ações pedagógicas, o ensino de religião, a disciplina e, principalmente, os resultados escolares. As condutas funcionais estão atreladas a critérios práticos de conveniência, isto é, proximidade geográfica, facilidade no transporte, preços e pessoas conhecidas que freqüentam o estabelecimento. Para este autor, as representações sociais que as famílias fazem dos diferentes estabelecimentos são parte das combinações de informação, tais como: grau de tradição, estrutura física, resultados divulgados na mídia, percepção do tipo de clientela, clima disciplinar, comportamento dos alunos e localização. Nogueira (1998) apresenta uma tipologia7 dos estabelecimentos de ensino da rede privada na França, dos anos oitenta do século XX, que ajuda na compreensão do fenômeno que este projeto pretende estudar, essa tipologia subdividi-se em: “estabelecimentos de excelência”, “estabelecimentos para as classes altas”, “estabelecimentos inovadores”, 7

Segundo Nogueira (1998, p.53) pode-se classificar as escolas em: estabelecimentos de excelência - são tradicionais, sua reputação apóia-se na qualidade do ensino fornecido e pelo rigor da disciplina e a exigência acadêmica parece associada à forte seleção na entrada, recusando alunos com histórico insuficiente; estabelecimentos para classes altas aproximam-se do modelo anterior quanto a clientela, porém não se caracterizam pela excelência escolar, mas pela garantia de um meio social seleto e por um tipo de prática que reforça o pertencimento de elite (dança clássica, concerto, teatro); estabelecimentos inovadores - caracterizam-se pela busca de inovação pedagógica, freqüentado por famílias “modernistas” das camadas favorecidas; estabelecimentos de apoio - recebem alunos que necessitam de direção e acompanhamento para levá-los ao sucesso escolar; e estabelecimento de rattapage - funcionam como reforço escolar e psicológico para alunos em situação de fracasso escolar.

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“estabelecimentos de apoio” e “estabelecimentos de rattapage”. Fazendo uma aproximação dos conceitos deste estudo com o Colégio Coração de Jesus, presume-se que ele seria, possivelmente classificado como “estabelecimento para as classes altas”, tendo em vista que se caracteriza não exclusivamente pela excelência escolar, mas pela garantia de um meio social seleto e por práticas valorizadas pelas elites, como: dança clássica, concertos, teatro, música clássica etc. Além disso, parece que o fato de se abrir ao sexo masculino, na década de 60 do século XX, espelha uma mudança de sua caracterização estrita, como “escola para as moças da classe alta”, na busca de se constituir uma “escola das classes altas”. Com relação à formação dos professores, os autores reportam que o nível de exigência é bem superior às qualidades pedagógicas, pois são escolhidos criteriosamente pela dupla seleção dinheiro e exame de dossiês, nos quais o nome da família é um dos elementos relevantes. Pode-se inferir, a partir dos artigos citados, que a escola como instância social não compensa as diferenças que a sociedade capitalista impõe, ou melhor, não consegue anular o desequilíbrio entre as classes e grupos com possibilidades e oportunidades econômicas distintas, pois, apesar de pertencer a uma sociedade industrializada e de sua constituição formalmente democrática, sobrevive a desigualdade e as injustiças. Os pais da elite, por possuírem capital econômico, impõem seu capital cultural e social e, apesar da escola ser considerada pública, interferem na prática de ensino, 46


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selecionando os saberes que deverão ser repassados, independentemente da formação do professor. Se os estudos acima mostram como a escola pública francesa sofre processos de “privatização”, respondendo de forma diferenciada às demandas de classes ou estratos sociais diversos, a situação brasileira dos últimos trinta anos apresenta peculiaridades que devem ser encaradas. No Brasil, podemos destacar os trabalhos de Almeida (1999); Dallabrida (2001); Nogueira (2002), sobre a escolarização de grupos considerados dominantes (dirigentes), apontando o modo de funcionamento de instituições escolares específicas. Estes trabalhos subsidiaram as interpretações realizadas na presente pesquisa. Almeida (1999), em seu estudo sobre “A escola dos dirigentes Paulistas”, pesquisou as “fraturas e articulações” entre grupos de dirigentes, por meio do estudo da escolarização de alta qualidade, na cidade de São Paulo. Tomou como base o acesso ao nível superior na Universidade de São Paulo (USP) e analisou três colégios privados que preparavam para este acesso. Concluiu que na realidade social brasileira, existe uma situação de quase monopólio do ensino privado, como credenciais de aprovação no vestibular nessa Universidade. Segundo Dallabrida (2001), as instituições escolares escolhem a população que as freqüentam, além de selecionarem a forma e o conteúdo escolar. Em seu trabalho sobre a fabricação escolar das elites, estudo feito sobre o Ginásio Catarinense na Primeira República, apresenta a divisão da elite catarinense em relação aos 47


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gêneros nos modos de educação secundária: enquanto os homens ingressavam no Ginásio Catarinense, as mulheres estudavam em cursos normais ou na Escola Normal, ou no Colégio Coração de Jesus. Afirma que, nessa época, na capital catarinense, houve uma série de investimentos políticos objetivando produzir uma população disciplinada, saudável e produtiva, através das instituições escolares confessionais. Nogueira (2002) apresenta as estratégias de escolarização em famílias de empresários, no estado de Minas Gerais, de empresas dos setores diversificados (comércio, indústria, serviços) de porte pequeno a grande, frustrando a intenção inicial de investigar somente famílias de empresas de porte grande (pela dificuldade de identificação e acesso a essas), esta flexibilização impôs que nem todas as famílias pudessem ser classificadas como ocupando as mais altas posições na escala econômica, porém todos os participantes da pesquisa fazem parte, do que a autora denominou de “classes superiores”8. Em suas análises preliminares, aponta que, na escolha da escola para o filho, o valor atribuído para o social - estabelecimento o qual propicia a constituição de uma rede de sociabilidade - é maior que o 8

Segundo Nogueira, essa classificação foi realizada a partir de alguns indicadores, que mostram que esta população tem acesso a recursos materiais indisponíveis para a grande maioria, como é o caso das residências dos participantes: mansões ou amplos apartamentos de propriedade da família, com empregados domésticos em número variado, decorados e mobiliados com, certo luxo, alguns localizados nos bairros mais nobres da cidade onde o preço do metro quadrado é sabidamente mais elevado. Acrescente-se a isso a posse, muito freqüente, de residências secundárias (casas de campo, de praia, fazendas etc) (NOGUEIRA, 2002, p.51). 48


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valor acadêmico. Explica que, neste levantamento, encontrou um certo desinteresse pelos estudos e uma relação com o conhecimento escolar do tipo “utilitarista”, presente de sobremaneira, quando os pais têm baixo nível de escolaridade e creditam seu êxito econômico às competências externas ao conhecimento escolar. Os processos de ampliação de oportunidades de acesso à escola pública, especialmente no que se refere ao ensino fundamental, ocorridos a partir dos anos 60 do século passado e que redundaram, na atualidade, na quase universalização absoluta de acesso a esse nível de ensino, foram acompanhados por um forte comprometimento da sua qualidade, especialmente em razão de políticas públicas, que pouco privilegiaram esse aspecto. Essas políticas permitiram, favoreceram e estimularam a ampliação da rede privada de ensino que, calcadas no desmantelamento do ensino público, passaram a ser procuradas, especialmente pelos estratos superiores das camadas médias, como forma alternativa de oferta de ensino de qualidade aos seus filhos. Ao lado do surgimento e expansão de grandes redes empresariais que foram se formando nesse contexto, as escolas confessionais de alto nível, antes destinadas quase que exclusivamente às elites, passaram por processos de reformulação, para a incorporação desse novo contingente, que buscava alternativas à deterioração do ensino público, das quais o Colégio Coração de Jesus fez parte. A entrada de frações, até aí fracas utilizadoras da escola, na corrida e na

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concorrência pelo título escolar, tem tido como efeito obrigar as frações de classe, cuja reprodução era assegurada principal e exclusivamente pela escola, a intensificar seus investimentos para manter a raridade relativa de seus diplomas e, correlativamente, sua posição na estrutura de classes; neste caso, o diploma, e o sistema escolar que o confere, tornam-se assim um dos objetos privilegiados de uma concorrência entre as classes [...]. (BOURDIEU, 1998, p.148).

Segundo Romanelli, Zago e Nogueira (2000, p.12), os principais estudos acerca da relação família e escola têm apregoado que esta relação é complexa e, muitas vezes, assimétrica com respeito aos valores e objetivos das duas instituições. Reportam o cuidado com que a família e a escola precisam ser tratadas nas suas condições históricas e socioculturais. E apontam a nova tendência dos estudos sobre as trajetórias escolares, que passam do acompanhar o percurso para o tentar conhecer os diferentes contextos, etapas e mecanismos e modos de constituição da desigualdade, como forma de quebra “das grandes regularidades sociais”. Zago (2000), no seu trabalho sobre “processos de escolarização nos meios populares”, parte do princípio que as experiências sociais extra-escolares dos alunos precisam ser consideradas, em função da leitura do sujeito, como parte ativa de seu processo de escolarização. Nesse contexto, enfatiza dois pontos como recorrentes: a escola como espaço de socialização, de proteção dos filhos do contato com a rua e de domínio dos saberes fundamentais para a entrada no mercado de 50


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trabalho. Se é fato que o grande problema da educação brasileira reside na oferta de escolarização diferençada para diferentes classes sociais, constituindo-se em evidente agente para a manutenção dos status quo, não se pode negar que o imaginário social construído sobre as (im)possibilidades de aprendizagem e de inserção social satisfatória dos sujeitos considerados com deficiência, embora acarretem conseqüências muito mais fortes, por razões óbvias, sobre aqueles oriundos dos estratos sociais desprivilegiados, perpassa por toda a sociedade.

1.3.1 Escolarização e deficiência A relatividade entre possibilidades e limites, na integração social de indivíduos deficientes, dentro do padrão esperado de determinada sociedade, como, por exemplo, escolaridade e atividade profissional, parece estar relacionada mais com o meio sócio econômico, do qual o mesmo faz parte, do que com as específicas dificuldades que a deficiência poderia ocasionar. Nessa direção, Bueno (1995, p.50) afirma: Isto pode ser comprovado por indivíduos que, apesar de surdos e cegos, conseguem atingir níveis elevados de escolaridade, exercer ocupações profissionais qualificadas, constituir família regularmente e participar de atividades sociais próximas ou abrangentes. Não se pode negar que a maioria esmagadora desses surdos e cegos provém de meio 51


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sócio-econômico privilegiado, o que é mais uma comprovação de que as dificuldades/ possibilidades do excepcional se constituem em via de mão dupla.

As oportunidades de desenvolvimento da autonomia e da individualidade, que fazem parte do processo de humanização, são oferecidas de forma desigual, através de diversas maneiras de escolarização. Com os deficientes, a “marca negativa” parece suplantada nos estratos superiores da sociedade de classes, pelo fato de terem maior acesso à educação de qualidade e, conseqüentemente, à integração social. Os estudos sobre família com filhos deficientes têm enfocado mais as percepções ou representações sobre a deficiência e as práticas no processo de escolarização. A discussão atual diz respeito ao processo de exclusão/inclusão por que passam os considerados “Portadores de Necessidades Educativas Especiais”9 na rede regular de ensino. Barroso (2003, p.27) afirma que são múltiplas as formas de exclusão fabricadas pela escola e aponta quatro modalidades: a escola exclui porque não deixa entrar os que estão fora; a escola exclui porque põe fora os que estão dentro; a escola exclui incluindo; a escola exclui porque a inclusão deixou de fazer sentido. No primeiro caso, aponta a desigualdade de oportunidades 9

A designação Portadores de Necessidades Educativas Especiais foi criada com o objetivo de situar o processo educativo nas necessidades que o aluno apresenta, procurou-se assim tirar o estigma de deficiência, porém no meu entendimento além de continuar rotulando o termo é muito abrangente e não específico. 52


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relacionada com a origem social dos alunos. No segundo caso, a exclusão refere-se ao fracasso e à evasão dos alunos. Já, nas últimas modalidades, essa exclusão é sutil, pois, ao mesmo momento que oferece seus bancos escolares, não estrutura sua prática para que a aprendizagem aconteça, fazendo com que o sentimento de pertencimento, à escola, não atinja os alunos que possuam diferenças no seu potencial educativo. A permanência e a naturalização da organização pedagógica, como é a escola seriada, caracterizada fundamentalmente pela homogeneidade das regras, dos espaços, da divisão do tempo, dos alunos, dos professores e dos processos de inculcação, constitui em uma das marcas mais distintivas da “cultura escolar”. A série, que era inicialmente uma simples divisão de alunos, adquiriu, com a sua legitimação, a função de medir a progressão dos alunos, tornando-se sinônimo do ano de escolaridade (BARROSO, 2003). Existe uma hierarquia da autoridade entre o corpo discente e docente na organização das escolas seriadas, como, por exemplo entre professores e alunos, entre os alunos das séries mais adiantadas, entre a direção e os professores. Com relação à existência de classes regulares e de classes especiais, acredita-se que se acirre esta noção hierarquizada. Estes dois modelos de Classes, dentro dos mesmos modos de organização e funcionamento, sendo a primeira marcada pela progressão e a segunda pela estagnação, já sentencia as diferenças nos objetivos e interesses finais da escola, sejam através do currículo ou da participação das atividades coletivas no cotidiano escolar, fazendo com que exista uma diminuição no 53


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sentimento de pertença daqueles que não correspondem e são excluídos do ethos escolar. Dubet e Marttuccelli (apud SIQUEIRA, 2004, p.20) destacam as diferenças sociais, que atravessam o sistema escolar, apontando trajetórias diferentes para indivíduos diferentes: “[...] agora, que a escola é menos desigual que antes, ela se mostra comparativamente muito mais injusta, na medida em que é no seio mesmo do percurso escolar que se formam as desigualdades.” A realidade social não é linear e sofre constantes mudanças, hoje, já não se pode pensar na sociedade como uma totalidade, é necessário analisar a pluralidade e a heterogeneidade que orientam a “experiência social”. Segundo Dubet (apud SCHALLER, 2002) as lógicas de ação que se desenvolvem na esfera da vida social são três: a estratégia, a integração e a subjetivação. Neste sentido, orienta que é necessário isolá-las como ponto de partida para construir um estado de lugares. A escola e a família não são mais espaços únicos de socialização, visto que as relações sociais são sentidas como provas individuais de desempenho pessoal e profissional, ou seja, é necessário ser merecedor, pois, do contrário, o não reconhecimento e o não pertencimento são formas de violência, principalmente no meio escolar. Essas imagens de vítimas sociais remetem ao que o autor chamou de “defectologia individual”: O processo segregativo mantém uma abordagem integrativa, um apelo à identidade integrativa como uma referência a um sistema normativo central: para pertencer à sociedade, é preciso estar 54


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dentro. Os Outros não contribuem para a vida econômica, não participam da vida cultural e social. A segregação marca toda uma população definida por uma distância em relação a essa norma central de integração. Essa distância pode ser caracterizada, seja em termos de participação social, ao descrever toda uma população como inutilizada, seja em termos de valores morais, nos quais os comportamentos das pessoas são descritos como fora das expectativas sociais. (SCHALLER, 2002, p.02).

Neste sentido, é importante para a discussão desta temática o conceito de pertencimento de Dubet, com relação à natureza das relações sociais associadas à identidade integradora, descrito no trabalho de Siqueira (2004) sobre a inclusão de crianças deficientes mentais no ensino regular, conforme relata a autora: Tal conceito opõe o in-group ao out-group, isto é, a identidade dos sujeitos só se mantém nesta relação entre a idéia de pertencimento a um grupo em contraposição aos sujeitos que dele não fazem parte (...) dentro desta perspectiva, cabe ressaltar a advertência feita por ele em relação às condutas patológicas, pois a lógica da integração não explica somente a patologia, ela explica também a reacção dos autores. (SIQUEIRA, 2004, p.22).

O estabelecimento de um sistema paralelo à educação regular para atender alunos deficientes, que consiste na “educação especial” em escola diferenciada 55


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ou mesmo em classes especiais, contribui para a exclusão desses alunos na rede regular de ensino, já que se acredita ser nesse ambiente que os alunos deficientes encontram estruturas material e humana especializada para atender suas necessidades e que, em contra partida, a escola regular seria inadequada desde a estrutura física, até o despreparo do professor. Longe de acreditar que a escola especial é desnecessária ou que alunos com deficiência não deveriam ter atendimento especializado, a reflexão que se faz aqui é sobre a concepção das práticas da “educação especial” inculcadas no ensino regular - de que sua “clientela” não se beneficiaria dos saberes de um currículo comum -independentemente de sua deficiência ser considerada de ordem mental, visual ou auditiva. Um exemplo é o aluno deficiente visual. Sabe-se hoje que este aluno consegue acompanhar o conteúdo da sala comum, desde que os recursos necessários: material em braile, ampliado ou outros, estejam a sua disposição e que os mesmos saibam utilizá-los; mas claro que para tanto, é necessário que recebam atendimento especializado quanto à orientação da utilização desses recursos. A discussão que se tenta fazer neste trabalho vai muito além da dicotomia escola comum ou especial; a pretensão é estabelecer os parâmetros entre as condições objetivas de uma “implicação no funcionamento físico” com as condições reais de inserção deste sujeito em seu meio social. A maneira como a nossa sociedade reagiu e caracterizou as pessoas deficientes ao longo da história possibilita discutir as formas de escolarização atuais para esses alunos e todo o dilema da educação inclusiva que transcende os muros escolares. 56


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Vê-se que a importância do sucesso ou fracasso na escolarização acompanha as determinações sociais sobre a deficiência, bem como de todos os “desviantes” em uma construção pedagógica coletiva fundamentada no princípio da homogeneidade. Schaller (2002), em seu artigo sobre a construção de uma democracia em que convivam pessoas iguais e diferentes, discute que, apesar da globalização do século XXI que deveria unir a todos no mercado de consumo e da informação, percebe o contrário, algumas pessoas buscando o refúgio na própria identidade e na defesa de uma comunidade homogênea. Como reporta abaixo: [...] alguns de nós buscam refúgio na própria identidade, recorrendo à defesa de uma comunidade homogênea que produz essencialmente a rejeição a qualquer Outro, percebido como ameaça. A violência é a vontade de querer reduzir o Outro ao mesmo! A questão é justamente, combinar uma participação no mundo, notadamente científica e técnica, com a possibilidade de afirmar sua herança cultural e sua história pessoal. Essa produção de si não pode realizar-se no isolamento ou no afastamento, deve, porém, ser construída defrontando-se, ao mesmo tempo, com a dominação do mundo dos mercados e com as falsas promessas comunitárias; reconhecendo ao Outro, assim com a si mesmo, o direito de ser Sujeito e pondo a democracia a serviço da liberdade criativa de cada um e da construção de uma solidariedade coletiva

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(SCHALLER, 2002, p.02).

Nesse sentido, investigar as motivações e expectativas de famílias, que pertencem a classes superiores da sociedade, sobre a escolarização de seus filhos deficientes e as formas de organização oferecidas pela a escola escolhida, pode propiciar meios para se aprofundar, ainda mais, a relação entre deficiência, escolarização e classe social; tendo em vista que, nos estudos disponíveis os quais versam sobre a seleção da escola pelas famílias, não foram encontrados trabalhos que se reportem à educação especial.

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CAPÍTULO II EDUCAÇÃO ESPECIAL ENTRE O SISTEMA PÚBLICO CATARINENSE E O COLÉGIO CORAÇÃO DE JESUS No final do século XIX, a capital do Estado de Santa Catarina sofreu uma significativa mudança estrutural com o objetivo de dar-lhe feição mais urbana, moderna e republicana. Essas transformações ocorreram, mais amiúde, após a Revolução Federalista (1893-4), quando o Partido Republicano Catarinense tornou-se hegemônico no Governo estadual. O nome da capital passou de Nossa Senhora do Desterro para Florianópolis10 e implementou-se a reforma no palácio do governo, a qual deu início à reforma urbana, que culminaria, na década de 1920, com a da construção da Ponte Hercílio Luz (ARAÚJO, 1989). Nesta conjuntura, o catolicismo também passou por mudanças significativas, especialmente a partir da ação do padre Francisco Topp, que foi designado vigário da Igreja matriz de Florianópolis no ano de 1896. Ele se tornou o principal agente da romanização do catolicismo – reestrutuação da Igreja Católica, especialmente após a laicização do Estado brasileiro – na capital catarinense entre o final do século XIX e a década de 1920 (PIAZZA, 1984). O imigrante 10

Foi através da Lei 111, de 1894, que a capital do estado de Santa Catarina foi denominada Florianópolis, em homenagem ao general, “mão de ferro” , Floriano Peixoto.

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alemão, e novo vigário da igreja matriz de Florianópolis, destacou-se pela instalação de ordens e congregações religiosas no território catarinense, especialmente aquelas de ascendência germânica, como as Irmãs da Divina Providência, os padres jesuítas e a Ordem Franciscana. Essas ordens e congregações estabeleceram-se em várias cidades catarinenses, particularmente em Florianópolis, contribuindo, de forma decisiva, na reforma das práticas católicas. As ordens e congregações contribuíram para o fortalecimento do trabalho catequético, principalmente com as criações de instituições assistencialistas e educativas. A Igreja Católica investiu na criação de instituições educativas nos vários níveis, desde escolas paroquiais até as universidades, sendo que o episcopado brasileiro procurou reintroduzir a doutrina cristã no sistema público de ensino, através do incentivo para que os professores leigos, mas católicos, realizassem o curso normal e prestassem concursos públicos para recatolicizar a cultura escolar republicana. As ordens e congregações católicas que imigraram para o Brasil, especialmente após a Constituição de 1891, imbuíram-se do objetivo de ensinar a verdadeira doutrina cristã, contribuindo para a construção do neocolonialismo cultural europeu. Elas ganharam muita importância na reforma do catolicismo brasileiro, atuando em diversificadas frentes pastorais. Algumas congregações imigraram com o intuito de atender espiritualmente colônias de imigrantes europeus, como os salesianos e lazaristas entre os italianos, outras visavam a catequização dos 60


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indígenas e a maioria delas atuou na reconversão dos brasileiros à fé católica romanizada. (DALLABRIDA, 2005, p.79).

É interessante anotar que na provincial Desterro predominava o catolicismo “luso-brasileiro”, em que as práticas religiosas, como as devoções aos santos e festas populares, eram organizadas especialmente por irmandades leigas, visto que o clero secular tinha uma função mais formal. Esse modelo de catolicismo caracterizava-se por práticas mais festivas e populares e não tinha uma preocupação prioritária com a educação formal. Com o advento do regime republicano e, particularmente, com as ações de padres e freiras européias, essas manifestações católicas foram sendo sobrepostas e ressignificadas pelo catolicismo romanizado11, que procurava “[...] produzir fiéis disciplinados, piedosos, submissos à hierarquia clerical e civil e praticantes dos sacramentos, ministrados exclusivamente pelo clero.” (DALLABRIDA, 2005, p.03). O movimento renovador do catolicismo colocou-se em nível nacional desde meados do século XIX, mas se intensificou com a divisão entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica, com a implantação do regime republicano. O catolicismo romanizado investiu, prioritariamente, na criação de uma rede de escolas católicas que fizessem frente ao sistema estatal laico de corte positivista (CASALI, 1995). Em Florianópolis, a Igreja Católica criou escolas paroquiais – de nível 11

A romanização do catolicismo foi introduzida em Santa Catarina, na segunda metade do século XIX, por imigrantes europeus (ver DALLABRIDA, 2005). 61


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primário – e instituiu o Colégio Coração de Jesus, sob a responsabilidade das Irmãs da Divina Providência, e o Ginásio Catarinense – único colégio de nível secundário, em Santa Catarina, até os anos de 1930 –, dirigido pelos padres jesuítas. Em Santa Catarina, com um grande contingente de imigrantes europeus católicos, a Igreja Católica formou uma extensa e articulada rede de escolas-paróquias – escolas primárias vinculadas às paróquias – que começaram a desaparecer a partir da Primeira Guerra Mundial, quando se verificou a colaboração mútua entre governo estadual e a Cúria Episcopal em favor da ordem vigente e foi negociada a reintrodução do ensino religioso nas escolas públicas. Segundo Sousa (2003), embora a Constituição republicana de 1891 quisesse assegurar que a instrução pública fosse leiga ou “aconfessional”, dentro da sociedade, essa orientação não gozava de legitimidade. As dificuldades de investimento do Estado republicano em expandir os prédios escolares públicos, para garantir a instrução gratuita e as discordâncias com a Igreja Católica, geraram conflitos. E é neste cenário que florescem as escolas paroquiais: De certa maneira, o Estado republicano curvou-se diante da industriosa e acelerada difusão destas escolas, inicialmente conhecidas por Escolas Católicas já que se limitavam tão-somente à catequização. Os governos estaduais tinham dificuldades de se fazerem presentes nas regiões de imigração afastada dos centros mais urbanizados da

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época. (SOUSA, 2003, p.162).

No início da instituição do regime republicano, a situação de Santa Catarina com relação à educação não se diferenciava do resto do Brasil. Com a laicização republicana, a Igreja Católica perdeu sua condição de religião oficial e precisou buscar novas formas de inserção social para dar continuidade ao seu intento de “ensinar a verdadeira doutrina cristã”. Investiu na educação formal das crianças através de redes de escolas católicas, que, além da escolarização, incentivava o catecismo regular. A reaproximação entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica deu-se, especialmente, pela mão dos colégios católicos que se fortaleceram da Primeira República à era Vargas, destinados à escolarização primária e secundária de gerações de integrantes das classes altas da sociedade (elite burguesa), contribuindo para a produção de sujeitos dóceis, ordeiros e produtivos, como parte da intenção de transplantar a cultura escolar européia (CUNHA, 1991; DALLABRIDA, 2001; SOUSA, 2003). A vinda da Congregação das Irmãs da Divina Providência para Santa Catarina e a fundação de suas instituições assistenciais e educativas são muito relevantes no cenário educacional e social catarinense. As Irmãs da Divina Providência, congregação católica fundada na cidade alemã de Münster, em meados do século XIX, imigraram inicialmente para o Sul de Santa Catarina, para dar assistência religiosa aos imigrantes alemães, e, posteriormente, expandiram o seu raio de atuação religiosa e educativa em várias cidades, criando 63


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a maior rede de colégios católicos voltados para a educação feminina no território catarinense (PIAZZA, 1977). É importante ressaltar que esta congregação teve papel fundamental na história de Santa Catarina, pois das vinte e oito unidades instaladas no Brasil, no primeiro jubileu, vinte quatro situavam-se no território catarinense, e sua tradição educativa tornou-se referência na história da educação desse estado. Para entender melhor o processo de vinda dessa congregação para o Brasil, é necessário contextualizar o cenário em que viviam em seu país de origem. Segundo Boppré (1989), o “Kulturkampt”, que significa luta pela cultura, acompanhou a unificação da Alemanha a partir de 1871 e representou para a Igreja Católica uma série de restrições. “Terminada a guerra de 1870/71, a Alemanha vitoriosa, via a Igreja Católica autônoma e vinculada a Roma, como grande obstáculo.” (BOPPRÉ, 1989, p.27). A suspensão da seção católica no Ministério da Educação da Alemanha, a “Lei do Púlpito” a qual condenava os padres que pregassem contra o governo, é um dos exemplos do que seguiu nesse período. Outras leis e determinações foram sendo criadas e, abalando as congregações religiosas. A lei de Maio, “Maigesetze”, atingiu a Congregação das Irmãs da Divina Providência, que precisou renunciar à atividade em escolas primárias. Nesta direção, Boppré (1989, p.28) afirma: Dando seguimento às Leis de Maio, o ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Instrução, decretou, a 15 de junho de 1873, que nenhum membro da Congregação ou Ordem religiosa poderia 64


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ser admitido nas escolas primárias públicas. Em vista dessas leis, as Irmãs da Divina Providência tiveram que renunciar às suas atividades em várias escolas primárias. Em circunstâncias tão inseguras, a Cúria ordenou que provisoriamente nenhuma Irmã se ligasse por votos religiosos [...]. O Conselheiro Provincial da circunscrição de Münster, protestante, procedeu visitação na Casa matriz e em todas as filiais, e aconselhou as Irmãs a voltarem para à casa paterna. Entretanto, todas as Irmãs preferiram seguir pra o exterior a se tornar infiéis a sua vocação.

As Irmãs da Divina Providência ficaram sem poder retornar à Alemanha de 1878 a 1887, quando se radicaram na Holanda. Conforme a descrição da Madre Vicentia, de maio de 1878, a Congregação adaptou-se muito bem no exílio. Nós todos, grandes e pequenos, sentimonos alegres em nossa calma solidão. Encontramos aqui a confirmação das palavras de Jesus a respeito da paz que o mundo não pode dar nem tirar. Oh! Se os inimigos da santa Igreja soubessem quão felizes nós religiosos nos sentimos no exílio! Nosso coração não está preso a um pedaço de terra! Causa-nos pesar somente que, pelo banimento dos religiosos, é-nos vedado colaborar para o bem do povo alemão, sobretudo da juventude. (BOPPRÉ, 1989, p.29).

A vinda para o Brasil abriu novos planos à 65


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Congregação das Irmãs da Divina Providência que, inicialmente, não tinha como objetivo as missões estrangeiras. Ao que parece, a situação vivida na Alemanha e no exílio na Holanda fizeram-nas repensar sobre as possibilidades destas missões, principalmente com o convite para atender comunidades brasileiras cuja população era eminentemente de imigrantes alemães e teuto-brasileiros. Os trechos de diversas correspondências12 trocadas entre algumas autoridades apostólicas, naquele período, mostram que as missões estrangeiras eram vitais para a Congregação e para a Igreja Católica. Foi então, a partir dessas restrições ocorridas na Alemanha, que as irmãs da Ordem da Divina Providência imigraram para o Brasil, sendo que, no segundo grupo que aqui chegou, estavam as missionárias que ficaram em Florianópolis e fundaram o Colégio Coração de Jesus (CCJ) em 1898. Os preparos espirituais e materiais das seis primeiras missionárias que teriam como objetivos solucionar grandes problemas no sul do Brasil, como: saúde, educação e catequização dos “bugres13”, levaram alguns meses. Na tentativa de imposição cultural, em 12

A transcrição destes trechos entre Pe. Spiegel e o Pe. Michelis mostram que a mudança nos objetivos da Congregação era salutar não só para elas como para a Igreja Católica: Pe. Spiegel: “Ora, as Irmãs não existem apenas para as poucas crianças do lar de São Maurício! Oh, não! Devem ser , de alguma forma, missionárias, devem sair e procurar, em toda a parte, o que está perdido”. Pe.Michelis: “A obra das missões é de suma importância para a Igreja. É até condição vital para ela. Além disto, a atividade missionária provoca uma reação favorável na vida dos fiéis.” (BOPPRÉ, 1989, p.35). 13 Bugres era a denominação dada aos indígenas que povoavam aquela região, cf. Wittmann, 2003. 66


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Santa Catarina, a Congregação da Divina Providência foi atora de muitos “eventos civilizatórios”14, tendo em vista seus objetivos primeiros de catequizar os bugres. Existem trabalhos os quais demonstram que as “autoridades políticas” recorriam às freiras no intuito de “civilizar”, principalmente, os índios das reservas próximas de suas instalações. Como foi o caso dos índios Xokleng que, no início do século XX, sofreram extermínio e aprisionamentos. Essas pioneiras embarcaram no Porto de Hamburgo em 11 de fevereiro de 1895 e, após um mês de viagem, chegaram à Bahia, aportando em Florianópolis em abril daquele ano. Dessas, três seguiram para Blumenau, no Médio Vale do Itajaí-Açu, e as outras três, para Tubarão, cidade localizada no Sul de Santa Catarina. Nestas localidades, fundaram colégios e cuidaram de hospitais. Outros grupos de missionárias foram sendo trazidos da Alemanha, para ajudarem na obra pastoral, sendo que o segundo grupo foi enviado à capital catarinense, onde fundou o Colégio Coração de Jesus.

2.1 O Colégio Coração de Jesus Na última década do século XIX, a situação da instrução em Santa Catarina era muito precária. De acordo com os dados do recenseamento em 1890, na “Trata-se de práticas de batismo (recebiam nomes ocidentais), apadrinhamento das crianças indígenas capturas”.(Ver WITTMANN, 2003, P. 11-37). 14

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capital catarinense, o número de analfabetos era de 77,16% da população, contra 22,84% de alfabetizados. No final do período imperial, esses dados preocupavam o então Presidente da Província de Santa Catarina, que acreditava ser a causa do analfabetismo o desinteresse das famílias em relação à escolarização dos filhos. Ele afirmava: Os avós nada sabiam – dizem eles – e viveram; nós pouco sabemos e vamos vivendo e somos solicitados para eleitores e até para autoridade. Nossos filhos, que hão de por força saber mais do que nós, o que não virão a ser? (Francisco José da Rocha apud FIORI, 1975, p.80-81).

Segundo Fiori (1975), muitos dos que conseguiam “ler e escrever” eram retirados da escola, também pela precária organização da instrução pública. Com a implantação do regime republicano, uma nova ordem de valores políticos e sociais, que se baseavam no “Governo para o Povo”, passaram a encarar, como um dos fatores da eficiência da nova ordem política, o acesso à instrução. Nesta época, intensifica-se o desenvolvimento de um sistema de escolas denominadas “escolas estrangeiras”, onde eram ensinadas uma ou mais disciplinas na língua materna dos imigrantes. Talvez isto explique o fato de o censo demonstrar que o maior número de alfabetizados

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encontrava-se nas regiões habitadas pelos imigrantes15. Estas escolas eram mantidas com contribuições da comunidade, do município e, também, de países estrangeiros. Isto contribuía para que, em comparação, as escolas públicas fossem consideradas simples (pobres), principalmente com referência ao material didático doado pelos países europeus e pela subvenção que os professores (imigrantes) recebiam de seus países de origem, bem como da ajuda local, que reportava a valorização do mestre na comunidade, como ilustra a citação abaixo: Na ocasião, tornou-se também causa de problema para a escola pública, o baixo custo do trabalho do professor particular de zonas coloniais: recebia ajuda de seu país de origem e ele também era colono com terra, gado e lavouras. Estava perfeitamente integrado na comunidade local, cujas festas organizava e participava ativamente das reuniões religiosas; por vezes, era médico, juiz e conselheiro. Durante as aulas acontecia, com freqüência, de um grupo de colonos trabalhar gratuitamente na roça do mestre-escola: a plantação precisava ser cuidada e as aulas não podiam ser interrompidas. (FIORI, 1975, p.118).

Nesta situação em que se encontrava a 15

“Em todos os municípios do Estado, de modo geral, apresentavam mais

elevados índices de alfabetização àqueles habitados por origem estrangeira: Joinville (43%), Blumenau (40%).” (FIORI, 1975, p.117). 69


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instrução pública de Santa Catarina, muitas Reformas16 foram elaboradas na intenção de organizar e minimizar a problemática instaurada no ensino. A Constituição Federal de 1891 não se opunha à intervenção do Governo Federal nos Estados, no âmbito do ensino, porém, desde o Ato Adicional de 1834, o Poder Central não interferia nas ações dos Estados com relação a este grau de ensino. Neste contexto, foi fundado, em 15 de janeiro de 1898, na capital catarinense, o Colégio Coração de Jesus, sob a direção da Congregação da Divina Providência, para atender as filhas das famílias ilustres de Santa Catarina. No ano seguinte, o colégio admitia as primeiras alunas-internas provenientes das classes abastadas da capital catarinense: No dia 15 de junho de 1899, com a admissão de três filhas das melhores famílias da cidade, como lemos na crônica, foi dado início ao internato do CCJ, inaugurando os nomes de Edésia Aducci, Cora Luz e Lucy Cabral uma renomada tradição de sete décadas na história da cultura da mulher catarinense. (FUNK, 1995, p.81).

Nos seus primeiros anos de existência, o Colégio Coração de Jesus também abriu uma escola para as classes desfavorecidas, que, posteriormente, foi 16

Reforma do Governo Manoel Joaquim Machado de 1892 (Decreto nº 155 de 10 de junho de 1892); As modificações planejadas no Governo Hercílio Pedro da Luz (Lei nº 112 de 4 de outubro de 1894 e Resolução nº 1454 de 06 de dezembro de 1894), cf. Fiori (1975, p.89). 70


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transferida para outra instituição escolar católica. A crônica do Colégio assim descreve essa iniciativa: [...] Em 1901, as Irmãs puderam também atender ao desejo do incansável Pe. Topp e abrir uma escola gratuita, que iniciou com 90 crianças pobres e existiu por diversos anos, até que esses alunos e alunas foram, em parte, integrados no próprio colégio e, em parte, absorvidos por outras instituições. (FUNK, 1995, p.81).

Na década de 1920, foi considerado o maior colégio do Estado de Santa Catarina com as modalidades de ensino, desde Jardim de Infância até a Escola Normal. Inicialmente, proporcionava somente ensino preliminar17, mas, a partir da década de 1910, abriu as portas para o Jardim de Infância – que atendia crianças de 4 a 7 anos – e recebeu autorização para o funcionamento da Escola Complementar, que, em 1919, recebera equiparação com a Escola Normal de Santa Catarina, tornando-se, assim, o segundo curso normal em Santa Catarina. O prestígio que o Colégio Coração de Jesus gozava na capital catarinense pode ser observado 17

O Curso preliminar era administrado em 4 anos e eram lecionadas as seguintes matérias: Doutrina Cristã, Português (leitura, calegrafia, ortografia, redação de cartas, gramática, reproduções orais e escritas,etc.), Aritmética e Geometria, Geografia e História Pátria, História Natural, Física e Química, Noções de Higiene e Civilidade, Canto e Teoria da Música, Desenho, Trabalho Manuais e Ginástica. Também ensinam- se as noções de língua Francesa e Alemã, fora das aulas obrigatórias. (Estatuto de 1919 apud CRÔNICA, 1898-1998). 71


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através das publicações no jornal República em 1902, quatro anos após a sua fundação, conforme as descrições abaixo: a)

Pelo resultado dos exames efetuados a 27, é evidente o notável progresso da infância educada no Colégio Coração de Jesus. Não só pelos trabalhos ali expostos, como pelo desenvolvimento que ao espírito das crianças sabem imprimir as Irmãs da Divina Providência, comprovado naqueles exames, o Colégio Coração de Jesus tem indubitável direito a que lhe reconheça uma direção eficaz, uma organização completa. O ofício que transcrevemos não é senão dirigido à Direção do Colégio por um reconhecimento que vimos dizendo. (Diretoria da Instrução Pública, em Florianópolis, 29 de novembro de 1902 apud BOPPRÉ, 1989, p.73).

b)

Revdo. Pe. Carlos Schmees, digno diretor do Colégio Coração de Jesus, com sumo prazer consigno no presente ofício as excelentes impressões com que ontem me retirei desse estabelecimento, pela ordem, normalmente e respeito ali existentes bem como pelo adiantamento revelado por todos os seus alunos submetidos a exame. Saudando-vos [...]. (Horácio Nunes Pires).

Em Santa Catarina, os colégios católicos converteram-se em instituições formais das elites, existindo uma nítida divisão de gêneros. Para as 72


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mulheres, a formação em curso normal, e, para os homens, o ensino secundário em colégios próprios. Exemplo disto foi a privatização do Ginásio Catarinense18, que era de caráter público estadual e, em 1905, foi entregue aos padres jesuítas alemães, passando a chamar-se Ginásio Santa Catarina – atual Colégio Catarinense. Até o final da década de 1920, ele foi o único estabelecimento de ensino secundário oficial em todo Estado de Santa Catarina a disposição da elite burguesa, que buscava diferenciar-se da aristocracia “tradicional” por meio da europeização da cultura escolar (DALLABRIDA, 2001). Enquanto o Estado vai formando sua rede de ensino – embora ainda muito acanhada – o Colégio Coração de Jesus vai se consolidando na sociedade, através de suas exposições, desfiles em dias comemorativos e eventos de formaturas, recebendo, reciprocamente, os efeitos das reformas estaduais implementadas com o objetivo de modernizar a educação, particularmente a chamada “Reforma de 1911”, que reestruturou a Escola Normal Catarinense e implantou os grupos escolares no território de Santa “O estabelecimento do ginásio da Companhia de Jesus na capital catarinense provocou intenso debate público na imprensa escrita, particularmente nos jornais “Correio do Povo” e “Reforma”, que envolvia seu caráter privado, a laicidade do ensino público, a subvenção pelo erário público estadual e a nacionalidade alemã dos futuros dirigentes e professores. Um artigo publicado no jornal “Correio do povo” e assinado por “plebeu”, afirmava que o poder público não deveria subvencionar um estabelecimento de ensino para as elites e, como integrante das classes desfavorecidas, ele perguntava: “Onde irão buscar instrução secundária, sem meios de pagar mensalidade para freqüentar o futuro Ginásio a totalidade dos rapazes pobre?” (DALLABRIDA, 2001, p.47). 18

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Catarina. O “Colégio das Irmãs da Divina Providência”, conhecido pela existência de seu internato, consolidou-se como instituição escolar que educava boa parte das filhas da elite catarinense, tanto da capital quanto do interior. Durante boa parte do século XX, foi o mais famoso educandário de meninas e adolescentes, particularmente por meio de seu curso normal, o segundo no Estado de Santa Catarina e o primeiro da rede confessional católica. Segundo Cunha (1991), o colégio dedicou-se à educação feminina – a partir de 1911 até 1968, quando abriu para a co-educação –, procurando transformar “senhoritas da sociedade” em “autênticas senhoras”, por meio do recorte de saberes literários e artísticos refinados, que incluía a língua vernácula, várias outras línguas e literaturas européias, bem como a aprendizagem de trabalhos manuais: bordados, decorações e pinturas. Boppré (1989) faz uma comparação entre o currículo do curso normal de quatro anos de um colégio feminino inglês com o do Colégio Coração de Jesus, apontando para as semelhanças, sobre o tempo de duração e os saberes disciplinares, como se pode observar no Quadro 01. Quadro 01 – Comparação do currículo de um Colégio inglês feminino com o Colégio Coração de Jesus Disciplinas

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Colégio Inglês de Educação Feminina (1921)

Colégio Coração de Jesus Curso Normal – 4 anos (1921)


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

LÍNGUAS

Inglês com literatura

CIÊNCIAS FÍSICOMATEMÁTICAS

Aritmética

CIÊNCIAS NATURAIS HISTÓRIA

Biologia e Botânica

ARTES

Canto Coral; Desenho; Dança; Sociedade Musical; Trabalhos de Agulhas; Atividades Domésticas e Jardinagem. Ginástica Religião

História

EDUCAÇÃO FÍSICA RELIGIÃO PSICOLOGIA HIGIENE PEDAGOGIA INSTRUÇÃO CÍVICA Fonte: BOPPRÉ, 1989, p. 90.

Francês, Alemão, Português e Literatura Portuguesa Aritmética, Álgebra, Geometria, Física e Química História Natural História Universal e História do Brasil Música; Desenho; Trabalho com agulhas: costura, bordado, crochê etc.

Ginástica Religião Psicologia Higiene Pedagogia Instrução Cívica

Embora o objetivo de formação destas moças fosse torná-las prendadas para as atividades do lar, incluíam-se, no currículo, disciplinas de Aritmética, Geometria, Física, Química, Instrução Cívica – um viés nacionalista –, Psicologia e Pedagogia, sendo que, nestas duas últimas, procurava-se proporcionar uma preparação didático-pedagógica às futuras professoras 75


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de ensino primário. Em verdade, o Colégio Coração de Jesus seguia outras instituições disciplinares dirigidas pela Igreja Católica que objetivavam a “[...] fabricação de sujeitos produtivos, trabalhadores, patriotas e católicos.” (DALLABRIDA, 2005, p.12). O CCJ manteve durante meio século, entre 1916 e 1966, sistema de internato, para prestar atendimento às alunas que não moravam perto do Colégio. Seu fechamento foi relatado com as seguintes considerações aos pais: “[...] após madura reflexão, calculando bem os prós e contras, vantagens e desvantagens dos internatos e a situação da realidade da educação e formação da mulher para os tempos atuais, ficou resolvido fechar o internato”. Salientam que o fechamento deveu-se à preocupação que as religiosas sentem diante do “problema com a formação da mulher dos nossos dias” (BOPPRÉ, 1989, p.265). A confirmação de que o CCJ atendia as filhas de famílias que pertenciam as “classes superiores” ou de elite, podem ser constatadas por alguns relatos de exalunas, no livro escrito para homenagear o Colégio19 Um deles diz o seguinte: [...] entrevistando a ex-aluna Anita, a mesma salientou-nos que veio para o Colégio Coração de Jesus, em 1937. Veio na condição de interna. Freqüentou os cinco anos do curso ginasial. Disse-nos que naquela época os pais que tinham posses mandavam as filhas internas para Trata-se da obra “O Colégio Coração de Jesus” (COELHO, 1994), que reúne relatos de 22 ex-alunas e 7 professoras do CCJ, todas filhas da elite catarinense. 19

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o Colégio, atraídos pela fama do mesmo. (COELHO, 1994, p.94).

Em 1935, o Colégio Coração de Jesus ampliou o oferecimento de escolarização voltada às classes abastadas, com a criação do curso fundamental – mais conhecido como curso ginasial – do ensino secundário20. O curso ginasial do colégio das Irmãs da Divina Providência foi o primeiro e único, por vários anos, a ter como população-alvo as adolescentes do sexo feminino. Na década de 1930, havia outros sete colégios de ensino secundário em Santa Catarina, sendo que quatro eram masculinos e três praticavam a coeducação. Em 1947, o Colégio Coração de Jesus implantaria o curso científico, que, segundo a Lei Orgânica do Ensino Secundário (Reforma Capanema), era uma das duas opções do segundo ciclo do ensino secundário – a outra era o curso clássico. A idealizadora desse curso foi a Irmã Maria Teresa, que considerava o curso normal importante, mas insuficiente, pois afirmava que “era mister oferecer outras oportunidades à classe feminina”. O curso clássico, direcionado para moças, foi implantado no Colégio Coração de Jesus em meados da década de 1950 (BOPPRÉ, 1989, p.381). Até a década de 60 do século XX, o Colégio Coração de Jesus consolidou-se como um educandário feminino de referência em Florianópolis e no Estado de Santa Catarina. Ele se voltou especialmente para as filhas das elites e parte das classes médias catarinenses, 20

Com a Reforma Francisco Campos (1931), o ensino secundário brasileiro passou a ter dois ciclos: o curso fundamental, com cinco anos de duração, e o curso complementar, com dois anos de duração. 77


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que buscavam instrução e formação distintivas. As moças de famílias do interior do Estado de Santa Catarina eram matriculadas no internato do colégio, o qual se tornou famoso pela rigidez disciplinar e pela produção de um habitus burguês feminino, que incluía aprendizado artístico e cultural e boas maneiras. As modificações estruturais, após a Lei 5692/71, evidenciam-se na alteração curricular do Curso Normal, quando foram incluídas as seguintes disciplinas: Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica e Estudos Sociais. A lei criou o 1º grau, resultante da fusão dos cursos primário e ginasial, com duração de 8 anos. O curso colegial – segundo ciclo do ensino secundário –, que foi chamado de 2º grau e passou a ter caráter profissionalizante, tendo duração de 3 anos. Os currículos dos Cursos do 2º Grau são divididos em duas partes: a parte comum (primeiro e segundo ano), com disciplinas das áreas de Comunicação e Expressão e Ciências; e a parte diversificada, de caráter profissionalizante, que ficava estabelecida pelos Conselhos Estaduais de Educação, devendo atender às peculiaridades regionais. No ano de 1976, em decorrência da implantação do ensino profissionalizante, o CCJ apresenta as seguintes opções: Farmácia e Análise Clínicas, Auxiliar de Nutrição e, Dietética, Técnico de Enfermagem, Educação Especial e Materno Infantil. Com o fechamento de muitos cursos profissionalizantes, no ano de 1988, restaram apenas dois cursos: o Magistério de 1º grau (1ª a 4ª séries) e o Técnico de Enfermagem. Abaixo apresenta-se o quadro com o 78


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currículo do curso profissionalizante em educação especial.

Quadro 02 – Currículo do curso profissionalizante em educação Especial Currículo do Curso de Educação Especial CARGA HORÁRIA – SÉRIE DISCIPLINAS 2º ano 3º ano Língua Portuguesa e 3 3 Literatura Brasileira Espanhol 2 Matemática 2 OSPB 2 Estudos Regionais 1 Educação Física 2 2 Educação Religiosa 1 1 Didática e Programa de 4 5 Ensino Fundamentos da Educação 3 Psicológica Fundamentos da Educação 2 Histórica Fundamentos da Educação 2 Sociológica Fundamentos da Educação 2 Biológica Didática Especial 2 2 Artes Infantis 2 Estrutura e Funcionamento 3 escolar 79


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Psicomotricidade Fonoaudiologia Psiquiatria Infantil Nutrição e Saúde Musicoterapia Noções de Serviço Social Recreação 1 Neurologia Oficinas Pedagógicas Fonte: Secretaria do CCJ (apud BOPPRÉ, 1989, p. 270).

2 2 2 3 2 1 2

Pode-se constatar neste quadro o viés clínico deste currículo de formação dos profissionais da área da Educação Especial. Michels (2004), ao analisar os cursos de formação superior em Pedagogia que habilitavam para o trabalho na Educação Especial, constatou um viés médico-psicológico nesses cursos, conforme apresentado no currículo acima, de formação a nível médio, em que as disciplinas são direcionadas para as dificuldades específicas dos alunos, como audiologia, psicomotricidade, psiquiatria em detrimento de disciplinas que formasse o professor para o ensino das primeiras séries do ensino fundamental, enfatizando o professor “especial”.

2.2 A Educação Especial em Santa Catarina Todo o esforço de contextualização da estrutura da educação em Santa Catarina foi feito com a intenção de procurar referências aos serviços de educação especial para atendimento à pessoa deficiente. 80


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Os dois primeiros planejamentos orgânicos do Sistema Estadual de Ensino do Estado, o primeiro de 1963 e o segundo de 1969, continham um órgão estadual para definir, respectivamente, a “Educação de Excepcionais” e a “Educação Especial” (VALLE, 1996, p.72). Segundo Valle (1996, p.53), o 1º Plano Estadual de Educação – 1969-1980 – teve como pressupostos, a concepção de educação enquanto “valor espiritual” com base nos princípios nacionalistas: [...] a educação possibilitará que todas as categorias sociais participem do desenvolvimento econômico, promovendo a valorização do homem e assegurando a democratização de oportunidades. E, ainda, a educação instrumento poderoso na formação de esclarecida consciência democrática, estabelecendo condições para a criação de valores espirituais, morais e cívicos que afirmem a nacionalidade. (SANTA CATARINA, PEE 1969/1980, p.02 apud VALLE, 1996, p.53).

O segundo Plano de Educação, 1980/1983, foi elaborado através de uma comissão formada por doze membros, representantes de instituições, dentre as quais já aparecia a Fundação Catarinense de Educação Especial, representada por sua diretora Ingeburg Dekker. Barbosa (2003), em seu trabalho sobre a Educação Especial em Santa Catarina nas décadas de 1950 e 1960, apresenta este período como o início da construção de um ensino sistematizado e organizado, 81


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destinado ao atendimento dos “desviados”, como movimento de institucionalização que segue o processo nacional de democratização da educação. Relata que a primeira iniciativa de atendimento foi com a criação da Escola para Excepcionais (1962), a qual destinava-se ao atendimento somente de pessoas com deficiência mental. Outras iniciativas para atender deficiências auditivas e visuais já ocorriam a nível nacional e fomentavam a expansão destes atendimentos em todo território nacional com a promoção de cursos de aperfeiçoamento para as professoras. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4024/61 nasce nesse contexto de preocupação com os direitos à educação das pessoas deficientes, reservando dois artigos que reportam a “educação dos excepcionais”: Artigo 88 – A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. Artigo 89 – Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsa de estudo, empréstimos e subvenções. (Lei Federal Nº 4024/61).

Impressiona, nestes artigos, o repasse da responsabilidade que o Estado faz à iniciativa privada por este atendimento “especial”, o que parece servir para respaldar o florescimento das escolas especiais mantidas pelas APAEs (Associação de Pais e Amigos 82


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dos Excepcionais)21 dessa época. [...] o Estado vai repassar verbas e grande parte da responsabilidade pelo atendimento aos considerados excepcionais à iniciativa privada. Isto favorecerá a proliferação de instituições marcadas por práticas de caráter assistencial e filantrópico. (BARBOSA, 2003, p.10).

Neste contexto, em 1962, foi criada uma Divisão de Ensino Especial, na Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina (SED), com a finalidade de estruturar os serviços que estavam despontando em ações individuais, porém esta divisão administrativa parece não ter acrescido muito no desenvolvimento desses serviços, principalmente no setor público, mas, sem dúvida, preparou o terreno para instituir, no ano de 1968, a transformação das “Escolas para Excepcionais” em Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE)22, órgão público estadual que tem por finalidade elaborar e implementar as políticas de educação especial de Santa Catarina. No final da década de 1960, existiam nove escolas especiais mantidas pelas APAEs e algumas instituições congêneres para atender a deficiência auditiva e visual espalhadas pelo Estado de Santa 21

A primeira APAE no Brasil foi fundada em 1954, localizada na cidade do Rio de Janeiro, seguindo o modelo da NARC/ EUA (National Association for Retarded Children) de 1950. 22 A Lei nº 4156 de 08/08/1968 cria a FCEE com sede e foro na cidade Florianópolis, sendo transferida para o município de São José, região da Grande Florianópolis, com atendimento inicial de 24 alunos. (SANTA CATARINA..., 1968, p.46-50). 83


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Catarina, porém não existia apoio técnico-pedagógico para capacitar os profissionais que trabalhavam nesta área. Por essa razão, os profissionais envolvidos no trabalho das “Escolas para Excepcionais” elaboraram um documento solicitando esta mudança, como informa o seguinte relato: Na busca de uma melhor qualidade de educação especial em Santa Catarina, os envolvidos na Escola para Excepcionais de Florianópolis tiveram a idéia de transformar esta escola em uma Fundação. Para que este projeto fosse posto em prática, organizaram um grupo de estudos [...] para redigir um texto preliminar. Este texto foi entregue ao governador Ivo Silveira, através da primeira dama, por meio de um grupo de senhoras envolvidas no movimento em prol dos portadores de necessidades especiais. (BARBOSA, 2003, p.62).

A Lei 4156, de 6 de maio de 1968, institui a Fundação Catarinense de Educação Especial como “[...] órgão central e com incumbência de atender os termos do Sistema Estadual de Ensino (Lei 3191/63) planejar, orientar, supervisionar e realizar a educação de excepcionais”. Esta Lei possui quinze artigos versando sobre as diretrizes da educação especial no Estado. Constando com a seguinte definição no Artigo 2º: Para efeito desta lei considera-se excepcional a criança, cujo desenvolvimento mental, avaliado por exame psicológico, é retardada, ou a que 84


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revele deficiência funcional, total ou parcial, não estando, portanto apta a ser educada na escola comum (ESTADO DE SANTA CATARINA. Legislação, 1968, p.46-50).

No primeiro parágrafo do Artigo reportando-se à iniciativa privada, recomenda:

3º,

A Fundação, no cumprimento dos seus objetivos, não substituirá a iniciativa privada, procurando, notadamente, suplementá-la, razão por que a instalação de classes ou de estabelecimentos especiais (letra b e c deste artigo), em qualquer região do Estado, fica condicionada à própria organização de sociedade civil regular de pais e amigos dos excepcionais, ou congêneres, à qual serão deferidas responsabilidades próprias e permanentes na manutenção e desenvolvimento dos serviços implantados (ESTADO DE SANTA CATARINA. Legislação, 1968, p.46-50).

No Artigo 4º, regulamenta a estrutura e o funcionamento dos serviços de educação especial: A instalação e funcionamento dos estabelecimentos especiais a que se refere o Artigo 1º e letra C do Artigo 3º, obedecerão aos princípios da técnica moderna para essa modalidade de estabelecimento, devendo contar com pessoal técnico, administrativo e auxiliar necessário à plena adequação de ensino e tratamento. (grifo meu). 85


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Parágrafo único: Os professores das classes especiais deverão possuir curso ou estágio especializado para essa modalidade de educação (grifo meu).

Analisando estes recortes da lei que instituiu a FCEE, instância estadual que sobrevive até hoje como responsável por definir a política da educação especial em Santa Catarina, é possível encontrar contradições, tanto no que concerne aos conceitos (educação/ensino) quanto no atendimento às pessoas consideradas deficientes. Ao mesmo tempo em que não se compromete em expandir na rede pública ou não se responsabiliza, enquanto Estado, por esta “modalidade de educação”, entrega, à iniciativa privada, os serviços destinados a estas pessoas. E é no bojo desta conjuntura que o CCJ implanta suas classes especiais, como um serviço de educação especial, já que está vinculado a uma clínica com atendimentos médicos (neurologista e psiquiatra) e psicológicos. Analisando o processo de atendimento escolar às pessoas deficientes (“excepcional deficiente mental leve”) anterior à década de 80 do século XX, em Santa Catarina, Santos23 (1980) relata que o atendimento era prestado, na grande maioria, em instituições filantrópicas e acrescenta que grandes parcelas dessas pessoas em idade escolar estavam no sistema regular sem que lhes fossem dado atendimento especializado. Critica a falta de atendimento especializado na escola 23

Professora Rosaura Fores Pereira dos Santos era coordenadora do Programa de Assistência ao Deficiente Mental Leve da Fundação Catarinense de Educação Especial. 86


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regular, apontando aos seguintes elementos: Muitos aspectos contribuíram para que gradativamente, parcela considerável de excepcional fosse atendida no sistema regular de ensino, com o aproveitamento da estrutura instalada do sistema e redução do custo operacional. Entre outros citamos como mais relevantes a legislação vigente, o princípio de normalização e a nova estrutura escolar apresentada pelo Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina. (SANTOS, 1980, p.135).

Este relato ilustra o pensamento dos agentes da educação especial no Estado naquela época, reiterando o pensamento vigente de exclusão dos “anormais”, na concepção de deficiência orgânica que precisa de tratamento. A legislação nacional à qual a autora se reporta é a LDBEN 4.024/61, cujos artigos 88 e 89 foram mencionados acima, e o Artigo 90 da Lei 5.692/71, que versa sobre a educação especial. A nível estadual referese à Lei 4.394/69 do Sistema Estadual de Ensino de Santa Catarina, cujo Artigo 91 diz: A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade e, conforme as deficiências apresentadas, poderá ser proporcionada em classes anexas a estabelecimentos comuns ou em unidades independentes. (SANTA CATARINA Lei 4.394/69 apud 87


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SANTOS, 1980, p.136).

Quanto ao conceito de normalização24 que perpassa estas leis, Santos (1980) discorda da forma com que foi entendido, conforme relato abaixo: O princípio de normalização, segundo a definição de seu grande defensor, Bengt Nirge, consiste em “tornar disponível para os excepcionais, condições e modalidades de vida que sejam tão próximas quanto possíveis, das normas e modalidades encontrados na sociedade em geral”. [...] Normalização em educação especial, não significa dar aos excepcionais, exatamente as mesmas condições educacionais das crianças normais, isso apenas serviria para realçar ainda mais a condição de incapacidade. Normalização em educação especial significa que o excepcional recebe as mesmas oportunidades, através de condições educacionais adequadas. O resultado final do processo de normalização é facilitar a integração do excepcional. (grifo meu) (SANTA CATARINA Lei 4.394/69 apud SANTOS, 1980, p.136).

A concepção de deficiência dos profissionais “especializados” na época, voltados à incapacidade de inclusão destes alunos no ensino regular, por certo, 24

O princípio de normalização é entendido como: a criação de condições de vida, nos padrões considerados normais, para as pessoas deficientes (PEREIRA apud MICHELS, 2004 p.02).

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atrasou o processo de inclusão deles na sociedade. O retrocesso pode ser verificado nos artigos dos Pareceres nº 139/78 e 186/78 do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, o qual aprova o currículo e a criação de classes especiais, em conformidade com as Diretrizes Básicas para Ação do Centro Nacional de Educação Especial do CENESP – Centro Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação –, conforme abaixo: Artigo 7º - O atendimento educacional tem por objetivo geral proporcionar ao educando excepcional a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como fator de autorealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”. Artigo 8º - O atendimento educacional será prestado: I – Em estabelecimentos dos sistemas de ensino, via regular, para excepcionais de diversas categorias e tipos que apresentem nível de prontidão indispensável à sua participação no processo de aprendizagem escolar e adaptação social [...]. IV – Simultaneamente nos sistemas de ensino, via regular ou supletiva, e em instituições especializadas de natureza educacional, para excepcionais de diversas categorias e tipos que necessitem de atendimento complementar, em caráter temporário, que, dado seu nível de especialização, só possa ser oferecido em instituições especializadas. Artigo 9º - O atendimento nos sistemas

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de ensino, via regular ou supletiva, poderá ser feito em classes comuns ou classes especiais, oferecendo-se diferentes modalidades. (Parecer nº139/19178 do Conselho Estadual de Educação apud SANTOS, 1980, p.136).

Justifica-se a citação destas leis no cenário da Educação Especial em Santa Catarina, na tentativa de visualizar o panorama geral da educação ou do pensamento pedagógico de nossos dirigentes com relação à formação de turmas homogêneas. Isto se reflete na atual conjuntura em que vivemos, ou seja, no processo de integração/inclusão, em que tentamos incorporar ao ensino regular esses alunos que foram excluídos do processo formal de ensino. Da mesma forma que se pode considerar um avanço o fato dos alunos deficientes serem, naquele momento, aceitos no ensino regular, a concepção de educação, ensinoaprendizagem, possibilitou um retrocesso, na medida em que muitos foram considerados “incapazes” de freqüentar as escolas regulares, sendo vinculados à não aprendizagem, como uma patologia. Em 1977, a Fundação Catarinense de Educação Especial iniciou a implantação de serviços de educação especial na rede regular de ensino, abrindo Classes Especiais para atender os alunos considerados deficientes mentais leves. O problema da seleção destes educandos elegíveis a um serviço especial foi uma das razões do término desse atendimento na década seguinte. Com a instabilidade em que se encontrava o Sistema de Ensino em Santa Catarina com o “Programa de Avanços Progressivos”, um contingente de alunos 90


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foram mandados para as classes especiais, tornando inviável este serviço, conforme menciona Santos: [...] os desvios ocorridos na implantação dos avanços progressivos não facilitaram em nada a identificação desta clientela, sob o parâmetro pedagógico. [...] a Fundação Catarinense de Educação Especial mantém uma equipe técnica com o objetivo de proceder as avaliações, diagnósticos e seguimentos dos alunos, que pelo sistema escolar sob queixa de dificuldade de aprendizagem, estão sendo atendidos em classes especiais, após constatada sua deficiência mental leve e/ ou seu nível pedagógico defasado em relação a idade cronológica, sem que a causa seja o baixo nível intelectual. A atuação desta equipe vem sendo considerada ineficiente em termos de seguimento, já que a demanda de alunos atendidos na 1ª UCRE25433 (quatrocentos e trinta e três), impede este acompanhamento de forma sistemática, cabendo ao professore executá-lo. (SANTOS, 1980, p.142).

É interessante analisar que a exclusão destes alunos indicados à classe especial e a impotência dos professores regulares frente aos “especialistas” da educação especial em muito deve ter colaborado para o aumento do número de pessoas sem a conclusão das 25

O Estado de Santa Catarina era dividido em 22 Unidades de Coordenadorias Regionais de Educação (UCRE) e a região de Florianópolis era representada pela 1ª UCRE, englobava os municípios da região da Grande Florianópolis. 91


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séries iniciais do ensino fundamental, ou mesmo para os bolsões de analfabetos. Sobre a concepção de deficiência vigente nesta época, e que reflete ainda hoje, acredito ser o entrave maior no processo de inclusão de todas as pessoas em idade escolar no ensino regular. No próximo capítulo, pretende-se recuperar estas discussões à luz de trabalhos teóricos que fundamentaram estas análises. Uma dificuldade apontada neste processo de implantação das classes especiais na rede regular de ensino é a inexistência de equipes técnicas, então, conseqüentemente, o encaminhamento dava-se basicamente por meio de avaliação pedagógica. Devo ressaltar que este era um dos “calcanhares de Aquiles” do Programa do Avanço Progressivo – implantado em Santa Catarina no início da década de 1970 –, já que a avaliação formal, ou melhor, a avaliação que as professoras sabiam fazer, foi substituída sendo que, essa outra, a maioria das professoras desconhecia. O desmantelamento das práticas pedagógicas conhecidas pelos professores, a falta de condições práticas do Estado de Santa Catarina na implementação deste plano estadual na íntegra, cumprindo as metas de aperfeiçoamento do corpo docente, mais a crescente instituição paralela de uma rede de serviços de educação especial, que se autodenominava “especialista”, fazendo parte de equipes técnicas “médicas e para-médicas”, foi sem dúvida a mola propulsora do atendimento segregado aos alunos que, de alguma maneira, não se enquadravam nos padrões de ensino regular. A citação abaixo ilustra o que estava acontecendo na época:

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A dinâmica utilizada para identificação da deficiência mental leve, na maioria dos municípios do Estado, fundamentada basicamente na avaliação pedagógica, é a responsável pela inclusão em classes especiais de crianças que, embora apresentando nível pedagógico consideravelmente defasado à sua idade cronológica, não são deficientes mentais. Em levantamento realizado pelo Programa de Atendimento ao Deficiente Mental Educável, com 262 (duzentos e sessenta e dois) casos encaminhados as classes especiais, considerando-se seu rendimento pedagógico, 45,42% foram classificados deficientes mentais leves, 0,76 % deficientes mentais moderados, 37,79% limítrofes e 16,03 % apresentavam nível intelectual na faixa da normalidade, quando se considerou o seu nível psicológico. (SANTOS, 1980, p.143).

Vê-se a visão de uma escola para todos, como foi o princípio do Programa do Avanço Progressivo: “[...] torná-la uma instituição capaz de refletir igualdade de oportunidades para todos os alunos se desenvolvam ao máximo segundo suas potencialidades, habilidades e interesses.” (Parecer 360/79 do CFE apud SANTOS, 1980, p.144). Embora desvirtuada pelo fracasso de implementação deste Programa, representava um avanço com relação ao respeito das diferenças individuais. Ficam as dúvidas: Será que se este programa tivesse vingado, os alunos com algum tipo de deficiência teriam permanecido na escola regular? 93


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2.3 As classes especiais do Colégio Coração de Jesus O início da implantação do atendimento dos alunos considerados deficientes em Classes Especiais, no CCJ, data de 1974, com uma turma formada por dez estudantes. Considerando o desmantelamento do ensino público regular, não é de se estranhar que os pais procurassem o CCJ para matricular todos os seus filhos, inclusive os “deficientes”. No entanto, nosso enfoque aqui é outro: estamos falando de famílias que não colocariam os filhos no ensino público, mesmo que ele estivesse funcionando muito bem, famílias que já haviam passado por aqueles bancos escolares do CCJ e que procuravam na escola muito mais do que a sistematização do conhecimento, isto é, buscavam também o que Bourdieu (1998, 2001, 2003) denomina de capital social. Pode-se pensar então que foi inútil toda a contextualização feita acima com relação ao ensino público, se as Classes Especiais do CCJ não serão analisadas por este ângulo. Aqui faço um parêntese, para olhar mais profundamente o que Bourdieu (2002) chamou de erro de “curto-circuito”, ou seja, reduzir as leis nas quais o objeto de estudo está inserido, as leis sociais exteriores, pura e simplesmente. Neste caso, as classes especiais do CCJ não podem ser comparadas às classes especiais do ensino regular, pois, apesar de apresentarem a mesma denominação para se adequarem à legislação vigente, as 94


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práticas e a concepção de deficiência são diferentes. O CCJ manteve a classe especial funcionando até a década de 1990 e, por pressão da legislação vigente que extinguiu as classes especiais no Sistema Estadual de Educação (Portaria 011/87/SEE), reestruturou seu atendimento na educação especial, colocando estes alunos em salas do ensino regular do ensino fundamental. A maioria foi para as últimas séries, devido ao critério de distribuições ter sido mais a idade do que o nível pedagógico. As informações obtidas apontam que muitos já foram colocados nas sétimas e oitavas séries, realizando atividades preparadas por uma equipe de professores “especiais” que asseguravam a permanência desses na sala, através da ocupação, ou seja, eles não usufruíam as mesmas aulas dos diversos professores que passavam diariamente nessas salas. A eles restava esperar pela formatura para receberem o diploma de conclusão do ensino fundamental, mas, enquanto esta não se concretizava, criavam vínculos com a turma. Este serviço acontece até hoje, pois os alunos são inseridos em salas regulares e recebem atividades diferenciadas, elaboradas por uma equipe responsável pela educação especial dentro do Colégio. No ano de 2004, aparecem no censo de matrícula, realizado no CCJ, classificados como “necessidades especiais”, na classificação “mental”, 12 alunos freqüentando o ensino fundamental, conforme mostra o Quadro 03.

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Quadro 03 – Alunos de Educação Especial em 2004 Série 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª Nº de 02 01 00 03 01 01 03 01 alunos* * Número de alunos em classes comuns com apoio pedagógico especializado – ensino fundamental – 2004. Fonte: Secretaria do Colégio Coração de Jesus.

Aqui, fica a sugestão para que outros pesquisadores sigam estes alunos que hoje freqüentam o CCJ, porque, neste trabalho, a pesquisa irá perseguir os alunos que passaram pelas Classes especiais e que hoje fazem parte de uma Cooperativa26. Este capítulo foi idealizado com a intenção de contextualizar a sociedade catarinense em diferentes períodos históricos, isto é, desde a chegada da congregação religiosa, que fundou o Colégio Coração de Jesus, bem como o acompanhamento desta instituição de ensino nos diversos cenários político-educacionais, a nível federal e estadual, principalmente na década de 1970, quando iniciou o atendimento em classes especiais. Os dados acima foram apresentados de forma muito factual, com grandes saltos históricos, porém a intenção é amarrar estes fatos com as questões teóricas, nesta parte da apresentação, que tentará desconstruir este encadeamento linear. Levando-se em conta a advertência de Magalhães (1996) sobre o cuidado na análise dos dados quando se tem por objeto de estudo uma instituição 26

COEPAD - Cooperativa Social de Pais e amigos e Portadores de Deficiência Mental, esta cooperativa foi fundada com os ex-alunos da Classe Especial do CCJ. 96


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escolar: [...] não basta conhecer, interpretar e recriar os regulamentos ou as definições dos princípios orientadores ao nível dos objetivos vocacionais e programáticos para se conferir uma identidade histórica a uma instituição educativa. É na análise historiográfica que tal identidade ganha verdadeira razão de ser. Uma construção entre a memória e o arquivo, entretecendo uma relação entre aspectos sincrônicos e diacrônicos. As instituições educativas, como as pessoas, são portadoras de uma memória. Uma memória factual, assente na transmissão oral, uma memória fixista e por vezes justificativa e marcada de exageros de várias ordens. Uma memória em torno do fabuloso heróico. Uma memória ritualista e comemorativa. E esta é uma realidade que o historiador não pode ignorar. A memória desafia o historiador para a explicação das relações hierárquicas e valorativas, quer entre as coisas, quer entre as pessoas. Nada na vida de uma instituição escolar acontece por acaso. A memória de uma instituição é, não raro, o somatório de memórias e de olhares individuais ou grupais. Relativamente à história das instituições, acede-se à memória a partir de relatos escritos, de natureza biográfica e monográfica e a partir da tradição oral. (MAGALHAES apud SILVA, 2000, p.05).

Pode-se afirmar que as crônicas do Colégio 97


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Coração de Jesus evidenciaram um relato nesta direção, descrevem um período de 1898 a 1997, com breves passagens de cada ano, desde sua fundação. O registro enfoca as manifestações religiosas, as festas, os passeios, os fatos da comunidade externa, as visitas dos religiosos e de autoridades locais, estaduais, bem como os acontecimentos nacionais, as mudanças estruturais e as inaugurações. Até a década de 1930, existem alguns anos sem menção, mas, a partir desta década, existe mais rigor na periodicidade até a década de 1960. Há menção do Concílio Ecumênico Vaticano II, no ano de 1962, a morte do Papa João XXIII, um ano depois. O ano de 1964 é descrito como o ano de comemoração pelos 50 anos da capela (jubileu eucarístico), sob as tensões nacionais: Comemoramos este jubileu eucarístico com hinos e cânticos de gratidão, com preces e orações em silenciosa adoração. Quantas graças e luzes terá espargido o Coração divino deste troco tão acolhedor e amigo, refúgio em todas as horas felizes e difíceis! Enquanto a família religiosa da Divina Providência vivia feliz e contente à sombra e embaixo do mesmo teto do Divino Hóspede, na entrega total de suas obrigações e promessas, a situação política nacional do Brasil agravou-se sempre mais até se tornando insuportável. Isto também o nosso Colégio Coração de Jesus havia de sentir e experimentar, quando se realizou, no dia 8 (março),uma greve dos estudantes contra os estabelecimentos particulares. Encontraramse, naquela manhã, os três portões da cassa acorrentados e cadeados, feito isto pelos grevistas durante a noite. Queriam impedir a entrada as nossas alunas. Embora conseguindo arrombar os portões os estudantes, em frente da casa, e ostentando cartazes hostis ao Colégio, dificultaram o acesso ao Colégio. 98


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Apesar de tudo aquilo, verificamos com grande surpresa e consolo que faltaram apenas duas alunas. Os próprios pais, em longas filas de automóveis traziam, pessoalmente, suas filhas ao Colégio. Foi verdadeira apoteose! (CRÔNICAS, 1898-1998, p.43).

Considerando que o número de alunas matriculadas era de 1783 naquele ano, sendo que deste 60 eram internas, e, considerando os dois períodos, matutino e vespertino, chega-se a um número aproximado de 800 alunas estudando no período matutino. Conforme o relato acima, somente duas alunas faltaram, as outras foram trazidas por suas famílias em automóveis, este dado é significativo para corroborar com a afirmação de que o CCJ atendia a elite feminina catarinense. Os conturbados anos que se seguiram foram apresentados com poucos detalhes nas descrições da cronista do CCJ, nos anos finais da década de 1960 e no começo da década seguinte. No ano em se que iniciaram as classes especiais no Colégio Coração de Jesus, nenhuma menção a este atendimento foi encontrada. Este hiato, a primeira vista, aguçou mais a investigação, pois, por si só, esta ausência já poderia ser considerada significativa, mas acompanhando o desenrolar de uma crise na Congregação das Irmãs da Divina Providência, que iniciou com a abertura da Igreja Católica através do Concílio Vaticano II e culminou em um racha na Congregação da Divina Providência, que levou à saída de muitas religiosas para a fundação de uma congregação dissidente chamada “Fraternidade Esperança” – a qual passou a atuar nas áreas de periferias da cidade de Florianópolis – e com a demissão 99


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de funcionários leigos do Colégio, que colocaram seus cargos à disposição da nova diretora e foram demitidos. No ano de 1977, aparece em uma notícia de jornal27 local sobre a crise a referência ao serviço de educação especial pela demissão de seu responsável. Os dados encontrados na secretaria do CCJ não permitem afirmar se este responsável fazia parte da congregação ou se era leigo, por apresentar somente uma divisão entre as funções dos empregados naquela época (anexo 01), eram assim divididos: 229 servidores no total, dos quais 155 eram professores e 74 funcionários de diversos serviços. Neste contexto, o que significou a criação das Classes Especiais para o CCJ? Será que esta abertura do Concílio Vaticano II pode ter influenciado para a abertura das mesmas? Com estas indagações, procurouse nesta crise elementos que apontassem o caminho da gênese desse serviço especial em um colégio de elite. Considerando que o catolicismo romanizado foi a porta de entrada das Congregações Religiosas no Brasil, em contra partida, o Medellín28 foi o berço da Teologia da Libertação. É interessante que neste movimento de abertura da Igreja Católica para o povo excluído pelas diferenças sociais, não se mencionavam as pessoas com deficiências:

27

Anexo 01: A crise do Tradicional Colégio Coração de Jesus de junho de 1977, s/d, relata: demitiram-se a diretora e vice; orientadora pedagógica; coordenadora pedagógica; responsáveis pelos setores de educação especial; pré-escolar; de primeira a quarta séries. (CCJ, Crônica, 1998) 28 Medellín foi o 1º Encontro do Episcopado Latino-Americano, realizado na cidade homônima da Bolívia, como o intuito de adaptar as instruções do Concílio Vaticano II à realidade da América Latina. 100


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É, portanto, uno o Povo de deus: “um só Senhor, uma só fé, um só batismo (Ef 4,5)”; comum é a dignidade dos membros pela sua regeneração em Cristo, comum a graça de filhos, comum a vocação perfeita; uma só salvação, uma só esperança e a unidade sem divisão. Nenhuma desigualdade existe em Cristo e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social ou de sexo, pois “não há judeu nem negro, não há escravo nem livres, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus (GI 3,28).” (Lúmen Gentium, nº 32, p. 149 apud BIANCHEZZI, 2005, p.17).

A contribuição principal de mudança de paradigma da Igreja Católica, através dos teólogos latino-americanos, é, com certeza, a ruptura com a tradição milenar do cristianismo, a qual via o pobre como objeto de caridade que passa a ser visto como: “sujeito da sua própria libertação”. O leigo passa então a fazer parte do processo de evangelização como agente ativo, papel antes destinado apenas aos clérigos e às freiras. Um grande impacto sofrem as congregações religiosas, quando o compromisso religioso pode ser pensado além muros dos conventos e seminários, e surge a postura de atender prioritariamente as famílias mais abastardas da sociedade (BIANCHEZZI, 2005). As mudanças ou inovações podem ser abstraídas dos relatos da Irmã Cléa Funk, que escreve sobre o impacto do Concílio Vaticano II na Congregação da Divina Providência:

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As famílias com filhos deficientes

[...] há ainda uma inovação característica desse tempo, que, até certo ponto, decorre das mudanças apontadas e do espírito que a inspirou, e que é preciso focalizar. A volta às fontes da Congregação, pedida pelo Concílio, e o impacto de Medellín e Puebla, com a opção pelos pobres aí assumida pela Igreja latino-americana, levou muitas irmãs a questionar com espírito crítico, a função evangelizadora sobre tudo das nossas escolas, quase inevitavelmente elitizante. (FUNK, 1995, p. 200).

A Crise vivida pelo CCJ é descrita desta forma: Num tempo de transição de idéias e de método de 1962 a 1974 sucedem-se as irmãs [...] e a irmã Flavia Bruxel, a qual, no sexênio de 1968 a 1974, em plena efervescência da “revolução estudantil” e impulsionada pelas fortes idéias novas da época do Concílio e da Conferência de Medellín, tornou o Colégio misto e abriuo à maior número de alunos e alunas carentes, sobretudo em cursos noturnos. (BIANCHEZZI, 2005, p.84).

Analisando os primeiros planos estaduais e os estudos que subsidiaram as decisões com relação à educação, desde a ampliação das escolas até uma mudança metodológica na prática do ensino, nas décadas que antecederam os serviços de educação especial no Estado, vislumbra-se a desarticulação do sistema estadual de ensino e, em contra partida, a 102


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expansão da rede privada confessional. O nascimento da classe especial no CCJ estaria vinculado a novas direções da Igreja Católica após Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín, que abriram o pensamento dos religiosos para os excluídos? Ou estaria vinculado ao pensamento pedagógico que bebia na fonte da psicologia e acreditava ser a aprendizagem inata e a inteligência passível de uma escala métrica e que, para tanto, era preciso abrir atendimentos ao menos “cunhados de inteligência”? Acredita-se que foi o resultado deste movimento de abertura não só da Igreja, mas da sociedade como um todo, do qual ela faz parte, visto que as grandes mudanças não acontecem tão linearmente. O avanço da psicometria foi determinando uma nova estruturação do ensino, as pessoas deficientes foram categorizadas e apareceu até o “limítrofe” entre o normal e o deficiente. Era necessário criar atendimento a esta população de excluídos do ensino formal, mas claro que as classes especiais do CCJ antecipar-se-iam ao atendimento desses alunos. Somente três anos mais tarde é que o ensino público iria criar atendimento semelhante. Será que isto pode significar que o capital cultural, social e econômico da “classe dominante” que freqüentava o CCJ precipitou este atendimento antevendo a situação mundial, calcado o pensamento no princípio de normalização? O enfoque clínico base do diagnóstico e classificação da deficiência tinham, na classe especial do CCJ e também externamente, o respaldo de procedimentos terapêuticos, como fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia etc., os quais acreditavam 103


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que as capacidades básicas do ser humano dependiam do seu aparato biológico e que sua maturação, ou viria espontaneamente, ou deveria ser buscada através de técnicas comportamentalistas baseadas no Behaviorismo, o qual primava pelo condicionamento do comportamento, fazendo com que o meio, neste sentido restrito, pudesse compensar e corrigir os desvios e os déficits. Com a análise dos dados referentes a esta primeira turma da Classe Especial do CCJ, fica patente que já foi um ganho o Colégio ter aberto as portas para atender as pessoas deficientes, mas, verificando a profissão dos pais, compreende-se que esta expansão não foi para o deficiente pobre. No próximo capítulo, analisar-se-ão mais amiúde os dados referentes à deficiência e à classe social dos alunos que freqüentaram essas Classes Especiais. Por agora, fica a interrogação sobre os critérios que fizeram as famílias escolherem o CCJ para seus filhos deficientes. Só foi possível quebrar o silêncio encontrado quanto à documentação que norteou a prática de ensino nas Classes Especiais, só foi possível quebrar com o depoimento das professoras que lá trabalharam. Na secretaria do Colégio, não foi possível encontrar os planejamentos dos professores ou projetos referentes a estas salas, e os dados dos alunos foram encontrados com muita dificuldade, pois estavam no “arquivo morto”, que não está informatizado. Então, não é de estranhar que nos trabalhos sobre a história da Educação Especial em Santa Catarina, como o de Barbosa (2005), não haja referência às Classes Especiais do CCJ, serviço 104


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que durou quase duas décadas. O que se pode subtrair destas parcas informações? Será que essas Classes Especiais só ocupavam lugar no mesmo espaço escolar, mas sem fazer parte efetivamente de sua estrutura educativa? O relatório realizado pela Fundação Catarinense de Educação Especial, com o objetivo de avaliar o processo de integração dos alunos deficientes na rede estadual de ensino de 1988 a 1997, traz algumas considerações que podem dar pistas de como ocorria esse serviço de Classe Especial no interior de uma escola regular: [...] Conforme depoimentos informais de profissionais que atuaram na época na FCEE e registros do Programa de Atendimento ao Deficiente Mental Educável PRODEME [...] tanto os critérios de elegibilidade para ingresso nas classes especiais como a proposta curricular específica para o trabalho realizado nestas classes evidenciavam, no tocante a diagnóstico, uma abordagem clínica e classificatória (testes pedagógicos e psicológicos padronizados e avaliação médica). No que se refere à metodologia pedagógica, o conteúdo, voltado às atividades psicomotoras e preparatórias à alfabetização, eram utilizado como elemento indispensável ao processo de mudança do comportamento dos educandos. Esses procedimentos pedagógicos reforçam a idéia de que o trabalho realizado em classes especiais e salas de multimeios era tão diferente e específico, que dificultava 105


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o processo de integração operacional e efetiva destes serviços nas escolas regulares. Constata-se, portanto, que tais serviços ocupavam espaços nestas escolas, porém desvinculados de sua estrutura pedagógica, cabendo à FCEE gerenciá-los. Os educandos que freqüentavam os serviços de educação especial eram discriminados, visto como “muito diferentes e especiais”. (SANTA CATARINA, 2002, p.37).

Com este cenário, vê-se que o modelo médico-psicológico predominava e que as dificuldades de aprendizagem eram consideradas intrínsecas ao aluno. Nesse modelo, o objetivo era classificar, pouco indicava como a escola deveria organizar-se para atendê-lo. As “técnicas corretivas” eram trabalhadas na função das causas, ou seja, em uma abordagem psicomotora29, que entende o corpo e a mente como uma unidade indivisível, isto é, o trabalho deveria envolver aspectos corporais (sensoriais/motores), cognitivos (inteligência/ pensamento) e afetivos. Nesta concepção, Fonseca (1987, p.56) aponta a aprendizagem seqüencializada baseada em programações específicas estimadas em avaliações individualizadas podem fazer “autênticos milagres”, reporta à metodologia “análises de tarefas”30 utilizada, A psicomotricidade como ciência da educação, enfoca a unidade “corpo e mente”, educando o movimento, ao mesmo tempo, que põe em jogo as funções da inteligência (COSTALLAT apud FONSECA, 1987). 30 Metodologia aplicada aos alunos com deficiência mental que consistia em avaliar o potencial de aprendizagem do educando e fazer um planejamento detalhado, constando de objetivo de cada etapa de um processo, muito 29

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nas décadas de 1970 a 1980, para “treinamento” das pessoas com deficiência mental conforme ilustra a citação abaixo: [...] a adoção da análise de tarefas, e de objetivos baseados de acordo com o potencial de aprendizagem do educando, podem produzir efeitos imprevisíveis em termos de aprendizagem. A aprendizagem é o reflexo do ensino. A qualidade de uma é o produto de outra [...] o currículo deve conter as bases científicas do desenvolvimento, não esquecendo, como Itard, a importância dos períodos críticos. (FONSECA, 1987, p.56-57).

Das práticas pedagógicas utilizadas nos serviços de educação em Santa Catarina, apresentadas em 198231, sobre a Educação Especial, foram destacados os seguintes aspectos: Sobre o educando: A criança é rotulada mesmo quando a ênfase não é dada no diagnóstico quantitativo. O próprio serviço a rotula [...]. O retorno do Educando à classe comum pode ser altamente negativo se persistir o rótulo e os professores não forem conscientizados. Sobre as famílias: Muitas famílias não utilizado nas AVD (Atividades de Vida Diária) que os alunos da educação especial eram submetidos. 31 Referência ao IV Congresso Iberolatinoamericano de Deficiência Mental –AILA e II Encontro Latino Iberolatinoamericano de Associações de Pais, realizados em Porto Alegre de 7 a 10 de outubro de 1982. 107


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aceitam o atendimento pelo fato de a educação especial ter um estigma muito forte, negam a dificuldade do filho [...]. As famílias cobram a academização (leitura e escrita), não aceitando o retorno de atividades básicas preparatórias dentro das áreas específicas. Sobre a escola: O atendimento escolar ao deficiente mental estende-se ao aluno de aprendizagem lenta, e a escola justifica suas defasagens como sendo do educando [...]. O sistema escolar oferece poucas alternativas para resolver “seus problemas”, e justifica-se pela inexistência de equipe técnica na escola, nível dos professores, demandas de alunos por classe, sistema de avaliação. (SANTA CATARINA, 2002, p.37).

No Brasil, houve o reflexo do documento da ONU – Organização das Nações Unidas – denominada de Carta dos anos 80 (1980), na criação da Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes32 que estabeleceu, com base no princípio de integração e normalização das pessoas deficientes, um plano de ação que continha sete objetivos (conscientização, prevenção, educação especial, reabilitação, capacitação profissional e acesso ao trabalho, remoção de barreiras arquitetônicas e legislação). Em conseqüência, o CENESP – Centro Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação – elaborou o Plano de Educação Especial, redefinindo a política de atendimento às pessoas 32

AIPD Ano Internacional das Pessoas Deficientes, decreto nº 84.914 de 16/08/80. 108


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deficientes, a fim de que este atendimento fosse compreendido como responsabilidade da coletividade. Essa nova proposta aponta para alguns problemas básicos na educação especial: a falta de políticas de terminalidade dos serviços de educação especial, censos demonstrando a demanda de alunos e dos serviços disponíveis, bem como o desequilíbrio entre a oferta e a procura desses atendimentos. Segundo Mazzotta (1996), a nova proposta reafirma os princípios33 de participação, integração, normalização, interiorização e simplificação, que nortearam as seguintes linhas de ação: 1) campanha de conscientização da sociedade sobre a importância da educação especial; 2) expansão dos serviços de educação especial; 3) garantia de condições para a produtividade no processo ensinoaprendizagem; 4) valorização dos professores atuantes na educação especial; 5) garantia de recursos para a educação Segundo Mazzotta (1996, p. 102): “[...] a nova proposta se inscreve como dimensão da nova política brasileira, pautando-se na perspectiva de participação conjunta do governo e da sociedade para alcance da meta primordial da educação especial: a universalização, através da democratização do ensino. Seus princípios norteadores são: participação (envolvimento de todos os setores da sociedade), integração (esforços de todos para integrar na sociedade o educando com necessidades especiais), normalização (possibilitar vida tão normal quanto possível), interiorização (expandir o atendimento ao interior e valorizar as iniciativas comunitárias relevantes) e simplificação (opção por alternativas simples sem prejuízo dos padrões de qualidade)”. 33

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especial; 6) integração do ensino especial no quadro do sistema geral de educação; 7) aprimoramento dos métodos de ensinoaprendizagem através do incentivo a pesquisas e experimentos; 8) entrosamento com a área de Educação Física; 9) apoio da educação especial ao ensino regular, no atendimento aos alunos portadores de necessidades especiais; 10) prioridade para a prevenção de deficiências; 11) desenvolvimento de programas de educação para o trabalho para pessoas portadoras de necessidades especiais. Em Santa Catarina, no início da década de 1980, a FCEE buscava consolidar a articulação entre o ensino regular e o especial através dos serviços de apoio oferecidos dentro das escolas regulares. Foi considerável a expansão de Classes Especiais no início da década de 1980, como se pode verificar nos números publicados em relatórios da FCEE. No ano de 1981, eram 98 classes especiais espalhadas em 36 municípios, atendendo 1.429 alunos e, no ano seguinte, este número passou para 142 classes especiais, a fim de atender 2.150 alunos (SANTA CATARINA, 2002, p. 43). Essas Classes Especiais eram para o atendimento de “deficientes mentais leves”, os quais estavam no ensino regular, já haviam repetido de série mais de dois anos e não estavam alfabetizados. No 110


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final desta década, a partir do plano para a campanha da matrícula escolar da Secretaria da Educação de Santa Catarina, vem o reconhecimento pelos órgãos públicos de que a única alternativa de atendimento aos deficientes sensoriais será via o sistema oficial de ensino, conforme abaixo: No final da década de 1980, foi implantado um número significativo de salas de multimeios, condição fundamental para que aqueles educandos pudessem ter o atendimento de que necessitavam e o sistema, as condições de tendê-los. A implantação destas salas significou grande investimento em termos de recursos financeiros, dado o alto custo das instalações e equipamentos (cabinas audiológicas, salas com isolamento de som, máquinas de datilografia e máquinas Braille, dentre outros). (SANTA CATARINA, 1980, p. 164 apud SC, 2002, p.48).

A linha tecnicista perdurara por duas décadas (1970 e 1980), porém, no final dos anos 1980, a FCEE já vinha desenvolvendo, através de sua equipe técnica-educacional, uma prática pedagógica com bases teórico-metodológicas construtivistas. Levantamentos (SANTA CATARINA, 2002, p.49), realizados neste período apresentavam que 200.000 (duzentas mil) crianças em idade escolar estavam fora da escola, das quais muitas apresentavam 111


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alguma deficiência. Com base neste panorama, foi efetivada uma campanha de matrícula, que visava garantir a escolarização básica para toda a população dessa faixa etária com os seguintes objetivos: 1.matricular toda criança de sete a quatorze anos, independente do espaço físico e dos recursos humanos existentes; 2.tornar público que a escola não pode negar matrícula sob qualquer alegação (cobrança de taxa, exigência de documentação etc.) e que qualquer pessoa pode efetuar a matrícula, inclusive o aluno; 3.conscientizar toda a população catarinense que é direito constitucional de toda criança de 7 a 14 anos freqüentar a escola; 4.tornar público que a escola atenderá todas as crianças; 5.envolver as empresas, repartições públicas: federal, estadual e municipal, associações de classe, entidades beneficentes e outras para a consecução dos objetivos da campanha. Com relação aos alunos, o plano priorizava crianças evadidas que não tivessem concluído as oito séries do ensino fundamental (antigo 1º grau) e que possuíssem ou não algum tipo de deficiência. Segundo Mendes (1994), a FCEE elaborou um plano de integração que envolveu três etapas. A primeira procurava garantir o acesso à escola regular pública através da matrícula compulsória; a segunda sugeria a criação de três tipos de 112


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serviços na própria escola para assegurar a permanência desses educandos (salas de recursos para deficientes visuais e auditivos e salas de apoio pedagógico para alunos com dificuldade de aprendizagem) e a terceira e última etapa consistia em garantir qualidade de ensino através dos programas de capacitação de recursos humanos. Este plano de ação só foi redimensionado em 1993. Esse processo de integração via matrícula compulsória gerou no Estado, muitas críticas, que foram sintetizadas através da experiência de divulgação deste projeto no interior de Santa Catarina, segundo Mendes (1994, p.11-12): a) despreparo do ensino regular para atender alunos portadores de deficiências decorrente da ausência de pessoal especializado, inadequação curricular; despreparo dos professores de classes regulares, número excessivo de alunos em sala de aula e insuficiência de material didático; b) entendimento de que as características próprias dos alunos portadores de deficiências dificultam o processo de ensino; c) receio dos profissionais das escolas especiais de que tais serviços fossem extintos; d) críticas de caráter ético decorrentes do entendimento de que os alunos portadores de deficiência estariam sendo usados como cobaias, bem como a respeito do modo impositivo da implantação do 113


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processo de integração; e) críticas às constantes mudanças a concepção de deficiência e conseqüentemente nas formas de atendimento pela FCEE.

E foi neste conturbado processo de integração adotado no Estado de Santa Catarina que as classes especiais foram extintas, pois não cabia mais o atendimento segregado dos alunos deficientes sensoriais e mentais “educáveis” dentro da estrutura escolar. Os serviços foram implantados para atender este aluno no horário oposto ao da freqüência dele na classe comum. A posição tomada pelo CCJ quanto aos alunos das Classes Especiais foi produzir uma terminalidade, ou seja, os alunos foram “integrados” às classes regulares, distribuídos por idades, recebendo direto do “setor de Educação especial” as atividades para mantê-los ocupados nestas séries, tendo em vistas que muitos foram colocados nas últimas séries do Ensino fundamental, mesmo que estivessem em pleno processo de alfabetização. Os dados que apontam estes fatos foram colhidos dos relatos das professoras e das famílias, pois, como já foi mencionado, o “Serviço de Educação Especial” não possui documentos de registros sobre a trajetória desses alunos dentro do Colégio. Os Projetos Políticos Pedagógicos dos anos 2000 e 2001 do CCJ descrevem este serviço como um projeto de integração, mesmo que esses alunos sejam retirados da sala para atendimento individualizado e que

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realizem, na sala de aula, atividades destoantes do nível pedagógico dos demais alunos. Como já foi levantado anteriormente, o acompanhamento desses alunos que estão do CCJ sobre este “projeto de integração” precisa ser melhor analisado e fica como sugestão para novas investigações, já que objetivo desta pesquisa centra-se no período de funcionamento das Classes Especiais.

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CAPÍTULO III “EXCLUÍDOS DO INTERIOR”: CLASSES ESPECIAIS Este capítulo, em que se focaliza o caminho escolhido e percorrido para a pesquisa, está dividido em três partes: na primeira, faz-se uma discussão sobre a metodologia utilizada nas pesquisa das Ciências Sociais relacionadas com família e escola, justificando a escolha dos procedimentos de coleta e análise dos dados. Na segunda, apresenta-se o delineamento da pesquisa, com os dados sobre a seleção dos participantes, e procedimento de coleta de dados. Na terceira, apresentam-se, analisam-se e discutem-se os resultados.

3.1 Discussão metodológica Inicia-se este capítulo parafraseando Bourdieu (1989) no título e na intenção deste trabalho quando o mestre que, na introdução de um seminário, disse aos alunos: Na próxima sessão pedirei a cada um dos participantes que apresente de modo breve e exponha em termos sucintos o tema do seu trabalho - isto, insisto, sem preparação especial, de modo muito natural. O que espero, não é um discurso em forma, quer dizer, defensivo e fechado em si mesmo, um discurso que procure antes de mais (e é compreensível) esconjurar o medo da crítica, mas uma 117


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apresentação simples e modesta do trabalho realizado, das dificuldades encontradas, dos problemas, etc. Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades, (BOURDIEU, 1989, p.18).

É com esta intenção que se procura, neste capítulo, apresentar a parte empírica desta pesquisa, contando de forma simples e objetiva a trajetória de quatro anos de investimentos teóricos na construção dessa pesquisa e do habitus científico34 . Claro que sem a pretensão da erudição deste mestre, mas na aproximação de suas obras, para explicar as condições dessa pesquisa e a forma com que os resultados foram gerados, na tentativa de responder as duas principais questões: 1 – Quais as motivações, os critérios e as expectativas das famílias na escolha do Colégio Coração de Jesus para o/a filho/a com de deficiência ? 2 – Como a escola se organizou nesse período, para atender a essa população e quais os resultados alcançados?

é

As pesquisas em educação têm apontado que necessário buscar interfaces com o campo

Segundo Bourdieu (1989 p.23) habitus cientifico é : “uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi cientifico que funciona em estado prático segundo as normas da ciências sem ter normas na sua origem: é uma espécie de sentido do jogo científico que faz com que se faça o que é preciso fazer no momento próprio, sem ter havido a necessidade de tematizar o que fazer, e menos ainda a regra que permite gerar a conduta adequada”. 34

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multidisciplinar, principalmente na busca de instrumentos que consigam aproximar o pesquisador de seu objeto. Brandão (2000), em seu artigo sobre as condições de produção de pesquisa com a temática família e escola, discute a partir de sua experiência de pesquisadora, que, com muita freqüência, as pesquisas em educação sofrem com a falta de “tradição disciplinar” e, com isto, buscam referências e instrumentos em outros campos. Critica a dicotomia entre quantidade e qualidade nas pesquisas das ciências sociais, enfatizando a necessidade desta área não ter “ortodoxia metodológica” para recorrer o melhor instrumento que possibilite obter o “ângulo mais adequado do problema em investigação”. Neste sentido, compreendo que as experiências de pesquisadores desta temática abrem caminhos para que as pesquisas ganhem em qualidade e não percam o rigor necessário às investigações acadêmicas. Esta experiência, objetivada nas práticas de pesquisas, pode ser reconhecida como disposições duráveis (habitus) dos pesquisadores, conforme explica Brandão: A aquisição do habitus científico (rigor) exige tempo e esforço: os materiais de pesquisa, sejam dados quantitativos ou informações e representações sociais colhidas por questionários ou entrevistas, não são dados. Há todo um trabalho prévio de construção de um corpo de hipóteses derivado de um conjunto de escolhas teóricas que é indispensável para

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delimitar e conferir sentido aos materiais empíricos necessários ao desenvolvimento da investigação. (BRANDÃO, 2000, p.175).

Bourdieu (1989) discute que as escolhas dos procedimentos de coleta de dados podem revelar a ortodoxia de algumas “Escolas Teóricas”35 , as quais, por trás de fundamentos metodológicos, determinam as técnicas, sem a mobilidade salutar de se mesclar ou combinar procedimentos que possam ser pertinentes em relação ao objeto de pesquisa. A entrevista como procedimento de coleta de dados tem sido bastante usada nas pesquisas da educação e, também, bastante discutida no meio acadêmico sobre sua relevância e pertinência com relação a cada objeto. A escolha desse procedimento na presente pesquisa foi, no primeiro momento, uma forma de reaplicar o conhecimento adquirido em pesquisas anteriores36, mas o novo olhar proporcionado pelas leituras e convivência neste Programa ressignificaram o entendimento de pesquisa. Na percepção anterior, a pesquisa seria um quebra-cabeça, com as peças encontradas na coleta de dados, que seriam cunhadas do mesmo tamanho, ou seja, as mesmas perguntas, em ordem igual ou diferente, e o referencial teórico que, previamente definido, seria a base deste jogo e onde as peças seriam encaixadas. Acreditava-se que, neste movimento, estaria assegurado “É significativo que “escolas” ou tradições se possam constituir em torno de uma técnica de recolha de dados”. ( BOURDIEU, 1989, p.25) 35

36

Mestrado em Educação Especial da UFSCar (1996).

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o rigor acadêmico com a manutenção da igualdade nas questões do roteiro. Nesta perspectiva, apesar de todo o respeito com o entrevistado, desconsiderava-se a importância de conceber cada participante como sujeito único, além de a mobilização do pesquisador para controlar as interferências do meio, nada mais ser do que distanciamento deste de seu objeto. Explicando desta maneira, pode parecer um descuido ou superficialidade intencional com a pesquisa, mas era o contrário, cuidado excessivo com o controle na crença positivista do rigor acadêmico. Fazia-se teste de fidedignidade entre duas transcrições e cuidava-se para que a duração das entrevistas entre os participantes não variasse muito. Em contato com algumas obras de Bourdieu (2003), principalmente quando ele explica a metodologia aplicada em suas pesquisas, pude ter acesso a uma outra perspectiva: [...] a pesquisa é uma coisa demasiado séria e demasiado difícil para se poder tomar a liberdade de confundir rigidez, que é o contrário da inteligência e da invenção, com o rigor, e se ficar privado desde ou daquele recurso entre os vários que podem ser oferecidos pelo conjunto de tradições intelectuais da disciplina. (BOURDIEU, 2003, p.26).

Este autor preza que os pesquisadores fiquem atentos e desenvolvam o que ele denominou de habitus acadêmico, sem desprender de seu foco de 121


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pesquisa, utilizando as técnicas pertinentes ao seu objeto, mesmo que seja necessário combinar procedimentos para coletar os dados de diferentes perspectivas metodológicas. Lembra que a “arrogância da ignorância” faz do pesquisador um escolástico quando se perde nas armadilhas metodológicas. Neste sentido, a presente pesquisa busca dados das mais variadas formas e fontes, mescla entrevistas e análises documentais – documentos da secretaria do Colégio Coração de Jesus, do Conselho Estadual de Educação, das Leis e decretos, bem como em livros de circulação restrita, encomendados para marcar as comemorações do CCJ e da Congregação da Divina Providência – para assegurar que o objetivo da pesquisa não fosse perdido. Na entrevista, priorizoram-se as informações mais do que a parte formal, havendo, quando necessário, mais de um encontro para esclarecer as dúvidas da primeira intervenção, sem a rigidez de tempo com relação à duração das mesmas. Segundo Zago (2003, p.295), a escolha dos instrumentos de coleta de dados não é neutra, sendo empregados em diferentes perspectivas com base na definição da problemática do estudo. Enfatiza que a utilização genérica do termo entrevista encobre a variedade no método, pois o pesquisador não se apropria da entrevista como uma técnica mecânica, mas: [...] como parte integrante da construção sociológica do objeto de estudo. Essa construção implica uma interdependência dos diversos procedimentos associados ao processo de produção dos dados, o que inclui uma problemática inicial, passando 122


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pelo estudo da realidade e pela análise dos resultados.

Neste sentido, incentiva que os pesquisadores exponham a forma como têm se apropriado das técnicas de coletas de dados, descrevendo os passos, tendo em vista que a mera denominação “entrevista semi dirigida ou semi-estruturada” não é suficiente para esclarecer sua utilização. Apresenta três pontos que devem ser considerados nas pesquisas sobre relação família e escola. O primeiro, com relação ao número de entrevistas; o segundo, com relação à inseparabilidade entre entrevista e observação e o terceiro, com enfoque no estudo das práticas escolares. Quanto ao número de entrevistas, a autora discorre que, na perspectiva qualitativa, não é possível determinar aleatoriamente o número de pessoas a serem entrevistadas, enfatizando que o número não é independente dos objetivos do estudo e da sua consecução, pois partilham da lógica própria de cada método escolhido. Sobre o segundo item, a relação entre entrevista e observação, esclarece a importância de montar uma rede de complementaridade dos dados. A técnica da entrevista permite que o pesquisador esteja atento aos detalhes ao redor do entrevistado, incentiva que os dados sejam recolhidos com os cuidados requeridos por este recurso, apontando que a escolha do local, onde será realizada a entrevista, pode ser muito relevante no sentido da complementaridade. A terceira questão pode ser sintetizada como a necessidade da imersão no estudo das práticas escolares, para não sair com uma visão distorcida da realidade concreta, ou seja, 123


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deve-se tentar contextualizar as situações problematizando o que é familiar. Com a intenção de descrever todas as situações envolvidas na elaboração e execução desta pesquisa, priorizou-se por detalhar cada passo percorrido, deixando, assim, o leitor ciente de todo o processo.

3.2 Delineamento da pesquisa A coleta de dados no Colégio Coração de Jesus teve como ponto de partida o levantamento da história das Classes Especiais, mas também procurou coletar dados sobre o número de alunos atendidos, número de turmas, número de professores, tempo de duração deste serviço e, principalmente, sua gênese. A falta de documentação informatizada dificultou o levantamento de dados sobre a estrutura e o funcionamento desse atendimento, bem como a trajetória desses alunos que freqüentaram as Classes Especiais, através da documentação do Colégio. Segundo informações das pessoas que trabalham na secretaria, esses dados estão no “arquivo morto”, de acesso restrito aos funcionários. Mesmo com a intenção de quebrar esta regra, a burocracia e as dificuldades para ter acesso ao responsável que poderia permitir o levantamento neste espaço, foram perdendo o sentido, à medida que os dados das entrevistas permitiam entender o silêncio desta documentação formal. Como diz Zago (2003, p.293): “[...] o trabalho de 124


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campo dificilmente vai se desenrolar conforme planejado e desse modo está sujeito a sofrer um processo de constante construção”. Na secretaria foi possível obter a relação de alunos que freqüentaram a primeira turma da Classe Especial, por meio de uma listagem36 , copiada ou recortada, conforme levantamento no livro da matrícula reproduzido abaixo: Quadro 04 – Dados da primeira turma da Classe Especial do CCJ no ano de 1974 Aluno A.L.N.C. E.L. E.V.F. F.S. E.S. J.J.T. M.P.A.M. R.S.L. S.M.C. P.R.T.

Sexo

D.N.

M M F M F M F M F F

30/11/66 10/07/65 29/05/65 09/04/65 15/01/64 1004/64 14/09/63 29/03/66 20/06/66 06/08/65

Profissão do pai (falecido) comerciário advogado comerciante comerciante contador construtor militar advogado militar

Idade CCJ 7 8 8 8 9 9 10 8 8 9

No quadro acima, com relação à profissão dos pais, encontram-se dois militares, dois advogados, dois comerciantes, um comerciário, um construtor, um contador e um falecido na época da matrícula de seu 36

Ver anexo 02.

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filho. Os comerciantes foram identificados como proprietários de estabelecimentos comerciais importantes no centro da capital, através de seus sobrenomes, pois pertencem a renomadas famílias da cidade. Quanto aos militares, foi possível identificar a patente de apenas um deles (coronel da marinha mercante, aposentado e falecido quando da realização da pesquisa). O construtor foi identificado mais tarde, também como dono de fazendas no interior do estado, hoje também falecido, através de entrevista com sua filha. Sendo um Colégio privado de atendimento das elites, era necessário assegurar-se de que o “cabeça do casal”, ou seja, o responsável pelo arrimo da família, tivesse uma profissão condigna com os padrões do Colégio. Quanto à idade destes alunos, quando do ingresso na classe especial do CCJ, constata-se que variava de 7 a 10 anos, sendo que a maioria (5 alunos) tinha 8 anos, isto é, somente um ano de defasagem entre série/idade. Entre os demais, apenas um contava com 7 anos (isto é, a idade correta para iniciar o ensino obrigatório), 3 estavam com 9 anos, ou seja, com uma defasagem de 2 anos entre idade/série e um com 10 anos (três anos de defasagem). Se levarmos em consideração que todos vinham de origem social elevada, este é um dado significativo, pois se pode afirmar, com toda a certeza, que os demais filhos dessas famílias jamais iniciariam sua escolarização com alguma defasagem em relação à idade/série. Se, nesses casos, isto ocorreu, com certeza a marca da deficiência deve ter tido papel importante. 126


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Inicialmente, planejou-se entrevistar as famílias desta primeira turma, porém os contatos que foram feitos para encontrá-los demonstraram o grau de dificuldades que se teria, tendo em vista que muitos já haviam falecido. Ao se procurar pela mãe de A.L.N.C., foi realizado o primeiro contato telefônico, no qual quem atendeu foi o próprio ex-aluno, muito desconfiado e com algumas dificuldades de entendimento; questionado sobre sua mãe, primeiramente disse que não morava ninguém com aquele nome, mas, com a insistência e informado que o objetivo do telefonema era encontrar a mãe do A.L.N.C., subitamente compreendeu que se tratava dele e de sua mãe, quando informou que a mesma já não morava mais lá. (Soube mais tarde, por outro meio, que a mãe já havia falecido). O ex-aluno, então, questionou o objetivo da procura e foi por mim informado de que se tratava de uma pesquisa com exalunos do CCJ, mas não fiz qualquer menção sobre “Classe Especial”. Surpreendentemente, informou que nunca havia estudado naquele Colégio, que tinha estudado no Colégio Catarinense e, irredutivelmente, após várias tentativas de conversação, continuou ignorando sua passagem pelo CCJ. Na dúvida, fomos questionar a secretaria do Colégio sobre a fidedignidade do dado deste aluno e recebemos a confirmação de que o mesmo foi aluno, no ano de 1974, na Classe Especial. O que pode significar a informação deste aluno de que não havia freqüentado este Colégio? Será que poderia ter esquecido? Mas que aluno esquece seu ingresso em uma escola? Que marcas a classe Especial 127


As famílias com filhos deficientes

ou o CCJ pode ter deixado para que ele fosse tão contundente na recusa em se admitir como aluno? Como não foi possível continuar a investigação deste caso, ficaram as inquietações e descartei este aluno como participante desta pesquisa. Procurei, então, a família de RSL, por contato telefônico e, desta vez, consegui encontrar sua mãe, que atendeu a ligação também bastante desconfiada. Após o relato da intenção da pesquisa, a mãe disse não se lembrar de que seu filho tivesse estudado no CCJ. Seguiu-se então um rol de dados de confirmação, nome do filho, data de nascimento, nome e profissão do pai. Diante de tantos dados, a mãe foi recuperando a memória. Primeiramente, disse que o filho tinha estudado em outro estabelecimento de ensino, falou também sobre o Colégio que os outros dois filhos haviam estudado no Rio de Janeiro, quando, em virtude da transferência do marido (militar), haviam morado naquela cidade. Falou da profissão dos filhos mais velhos que concluíram graduação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A mais velha formouse em medicina, e o outro filho em odontologia (hoje com idades de 47 e 42 anos respectivamente). Depois, disse que RSL gostaria muito de ter feito Direito, mas não conseguiu entrar na Universidade. Afirmou que o filho fez ensino médio no mesmo Colégio em que estudou o ensino fundamental, referiu-se ao filho como sendo “muito preguiçoso” para o estudo, como alguém que sempre deu muito trabalho. Contou que os dois moram juntos e, questionada sobre a ocupação do filho, informou ter ele um ponto de táxis. 128


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Disse ainda que ele ficou casado por pouco tempo e não tem filhos. A conversa começou a fluir mais, sem tantas resistências, quando disse que esta pesquisa era para uma tese de doutorado, que eu tinha duas irmãs médicas e que já havia sido professora da UFSC. Como em um passe de mágica, lembrou do filho ter dado muito trabalho na trajetória escolar e ter custado a se alfabetizar, mas que recordava vagamente que ele tivesse freqüentado uma Classe Especial. Apesar desta última afirmação, lembrou e contou detalhes do desligamento do CCJ, que, segundo ela, foi causado pelo seu desentendimento com a Direção da Escola, alegando que o filho não chegou a estudar um ano completo nesse Colégio. O desentendimento relatado ocorreu porque seu filho foi barrado na entrada do Colégio, pois não estava de uniforme completo, com meias de cor diferente da adotada. Justificou essa falta, alegando ser aquela uma época de muita chuva e como as meias do uniforme não haviam secado, encaminhou-o com outra meia, mas, para sua surpresa, o filho retornou para casa contando o episódio. Prontamente, ela e o outro filho (dentista e também Capitão militar) foram ao Colégio conversar com a Irmã diretora, que foi irredutível. Depois disso, começou a procurar outro Colégio e o transferiu. Conta que, antes de passar para o estabelecimento onde ficou mais tempo, passou por outros dois colégios privados e confessionais (Colégio Imaculada Conceição e Colégio Catarinense), porque “ele” não se esforçava nos estudos, comparando-o com os outros dois filhos que sempre tiravam as melhores 129


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notas e passavam direto sem exames finais. Disse que seu marido, antes de falecer, comprou um “ponto de táxi” em um local privilegiado e deu ao filho de presente um carro, já que sua “paixão” era cuidar de carros. E, hoje, sua renda vem deste investimento, embora ele não exerça a função de motorista, pois tem um empregado para isto. Contou também que escolheu o CCJ por ter sobrinhas as quais estudavam lá e que hoje tocam piano muito bem, uma delas inclusive tornou-se concertista. Para certificar que este aluno teve uma trajetória curta no CCJ, foi solicitada a secretaria do Colégio a confirmação dos dados de matrícula e foi ratificado que esse aluno permaneceu seis meses matriculado em Classe Especial. Perante tal relato, resolveu-se não dar continuidade à entrevista com esta família, por acreditar que os dados informados já eram suficientes para inferirse sobre e, também, pelo pouco tempo que conviveram no CCJ. Entretanto os poucos dados apresentados mostram a dificuldade desta família em reconhecer que seu filho tivesse algum problema e que tivesse recebido atendimento especial, bem como as estratégias adotadas para sua manutenção financeira: aquisição de um “ponto de táxi” cuja renda garantia-lhe sua subsistência, mesmo após a morte do arrimo da família. Este contato também foi importante para que eu pudesse refletir sobre a relação estabelecida entre a pesquisadora e a entrevistada, em especial sobre a aproximação proposital que se estabeleceu, na tentativa de assegurar a continuidade da conversa, com a 130


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utilização de estratagemas para identificar-se como ocupante de um determinado lugar na sociedade valorizado, pelo interlocutor. As estratégias de aproximação entre o pesquisador e o entrevistado são apresentadas em estudos recentes como sendo necessárias para o estabelecimento de uma relação de confiança. Brandão (2003) e Zago (2003) recomendam que o pesquisador mostre-se como uma “pessoa” que pertence a uma etnia e profissão. Bourdieu apresenta que a troca a qual se estabelece na entrevista deve ser uma preocupação do pesquisador em conhecer os efeitos que pode produzir. Fala da violência simbólica que o pesquisador pode exercer sobre o entrevistado, já que é ele é quem dá as regras do jogo e da dessimetria que pode ocorrer entre os dois com relação à hierarquia das diferentes espécies de capital. Na sua visão, a proximidade social e a familiaridade podem assegurar duas condições para uma comunicação “não violenta”. Apresenta estratégias utilizadas em algumas pesquisas para garantir a familiaridade com os pesquisados, neutralizando as distorções que poderiam derivar, conforme explica: Para tentar entender o mais plenamente possível, nós poderíamos também, como fizemos nas diferentes pesquisas anteriores, recorrer a estratégia como a que consiste em representar papéis, compor a identidade de um pesquisado ocupando uma posição social determinada pra fazer falsas diligências de aquisição ou de procura de

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As famílias com filhos deficientes

informação (principalmente por telefone). Aqui, optamos por diversificar os pesquisadores fazendo um emprego metódico da estratégia à qual Willian Labov recorreu em seus estudos sobre o modo de falar dos negros do Harlem: para neutralizar os efeitos da imposição da língua legitima, ele havia pedido a jovens negros que conduzissem a pesquisa lingüística; do mesmo modo nós tentamos, todas as vezes que era possível, de neutralizar um dos maiores fatores de distorção da relação de pesquisa instruindo com as técnicas da pesquisa pessoas que pudessem ter aceso, em razão da familiaridade, a categorias de pesquisados que desejávamos atingir. (BOURDIEU, 2003, p.697).

Neste sentido, as colocações da pesquisadora sobre sua vida privada, com certeza, possibilitaram uma relação de confiança com a entrevistada, a qual passou a relatar aquilo que anteriormente estava “omitindo”. Em outro momento ocorreu algo semelhante com outra entrevistada quando, ao primeiro contato telefônico, após já ter sido identificada, ter conversado sobre a filha, porém antes de aceitar ser entrevistada, questionou de qual bairro era aquela ligação (provavelmente estava com um localizador de chamadas telefônicas e gostaria da confirmação).Quando foi informada que era do bairro Bom Abrigo, um local reconhecido como de “Classe Média Alta” da cidade, e estabeleceu-se uma conversa rápida sobre os vizinhos (apontado aos mais conhecidos, como o ex-governador Amim), prontamente aceitou abrir sua residência para conceder a entrevista. 132


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Nogueira (2002) teve que flexibilizar os critérios de seleção dos participantes de sua pesquisa sobre “As estratégias de escolarização em famílias de empresários”. Tencionava pesquisar sobre os empresários de grande porte e foi obrigada a incorporar empresários de médio e pequeno porte, por encontrar dificuldades de acesso a estas famílias mais favorecidas. Muitas inquietações fizeram parte deste início de coleta de dados. Será que encontraria tamanha dificuldade para conseguir outras entrevistas? Será que esta dificuldade estaria associada à Classe Social dessas famílias, pois lembrei-me de que tinha tido outra sorte nas entrevistas realizadas no mestrado, porém havia trabalhado com famílias que tinham os filhos em uma Instituição de Educação Especial Pública (FCEE). Seria que era uma questão de gênero, já que havia procurado dois alunos do sexo masculino? Lembrei-me, então, do nome de uma aluna que tinha sido sugerida pela Coordenadora do Serviço de Educação Especial do CCJ para ser entrevistada no projeto piloto deste trabalho37, mas que não havia sido escolhida para tal. Em contato telefônico, foi possível identificar que não seria possível entrevistar a mãe desta aluna, pois hoje ela tem muita dificuldade de audição e de 37

Para o projeto piloto foi selecionada para a entrevista uma outra mãe cuja filha com Síndrome de Down estava matriculada em uma escola regular. Esta mãe foi escolhida pela proximidade com a pesquisadora que já a conhecia, pelo fato dela ter estudado em um internato de freiras no interior do Estado e ter uma condição sócio econômica favorecida. Este piloto serviu como treinamento, porém os dados não foram utilizados nesta pesquisa.

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As famílias com filhos deficientes

locomoção e não se colocou disponível para a entrevista em sua casa. Mas acenou com a possibilidade de que sua filha (ex-aluna), como é muito comunicativa, talvez tivesse mais condições de dar informações, indicando que sua filha hoje trabalha em uma Cooperativa fundada para os ex-alunos da Classe Especial do CCJ. Diante de todas estas dificuldades, resolvi procurar a Cooperativa de ex-alunos, que funciona na parte central da cidade e que já havia sido indicada também pela ex-coordenadora. Foi uma surpresa muito agradável quando encontrei trabalhando como professora nesta Cooperativa a mãe de uma pessoa que havia sido minha aluna na Universidade. As portas se abriram, e consegui uma listagem dos cooperados que tinham freqüentado a classe especial do CCJ com todos os dados necessários para conversar com estas famílias.

3.3 Procedimento de coleta de dados Os recursos utilizados na coleta de dados foram: as entrevistas e as análises documentais.

3.3.1 Análise documental Além da secretaria administrativa e acadêmica, outros setores como o arquivo histórico e o setor de educação especial foram utilizados para a coleta de informações documentais. Outros documentos foram 134


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conseguidos no arquivo da Congregação da Divina Providência, e no Conselho Estadual de Educação. Os seguintes documentos foram disponibilizados pelo Colégio Coração de Jesus: 1. Livro de matrícula; 2. Crônicas -relatório de fatos de 1898/1997; 3. Projeto Político Pedagógico de 2001-2002; 4. Livro: O Coração de Jesus e as alegrias do passado, escrito por uma ex-aluna para comemorar os 150 anos de fundação da Divina Providência; 5. Livro: A congregação da Divina Providência para o Brasil 100 anos de História -1895-1995; 6. Coleção das Revistas Pétalas; 7. Livro: O Colégio Coração de Jesus na Educação Catarinense(1898-1988).

3.3.2 As Entrevistas Foram realizadas 15 (quinze) entrevistas38 38

Foi realizado entrevista com uma ex-coordenadora do CCJ e com uma mãe cuja a filha com Síndrome de Down estava matriculada em uma escola regular. Neste caso a mãe fora escolhida pela proximidade com a pesquisadora que conhecia o fato dela ter estudado em um interrnato de freiras no interior do Estado , possuir duas filhas e ter uma condição sócio econômica favorecida. Este piloto serviu como treinamento, porém os dados não serão utilizados nesta pesquisa. A ex-coordenadora, por ter sido uma pessoa importante neste serviço de Classes especiais, fora entrevistada 135


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com roteiro (anexo 03) previamente testado através do projeto piloto. O roteiro foi utilizado como guia das questões centrais, mas com flexibilidade de duração e seqüência. Destas, quatro foram realizadas com o mesmo participante por uma segunda vez, para aprofundamento de questões centrais. As entrevistas foram gravadas em câmara digital que possibilitava o som e a imagem, as fitas foram transcritas na íntegra e as imagens desconsideradas. No início de cada entrevista, explicava-se o objetivo da pesquisa enfatizando que os dados seriam utilizados para uso estritamente científico, solicitando que o entrevistado assinasse uma autorização (anexo 04)39. Todas as entrevistas foram previamente agendadas e somente em quatro casos as entrevistas aconteceram no local de trabalho, as demais foram realizadas na casa dos participantes.

3.3.2.1 Seleção dos participantes Foram selecionados sete ex-alunos que hoje fazem parte da Cooperativa (COEPAD- Cooperativa Social de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência Mental), fundada pelos pais dos alunos que freqüentaram a classe especial do Colégio Coração de Jesus (CCJ). As entrevistas foram realizadas com seis mães, uma com um pai - cuja esposa já havia sido novamente e os dados tanto da primeira, quanto da segunda entrevista serão utilizados neste trabalho. 39

Ver anexo 4.

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ouvida - e uma com a própria ex-aluna. Em três casos foram realizadas mais entrevistas. Foram realizadas entrevistas com três professoras que trabalharam diretamente nas Classes Especiais, sendo que destas uma foi ouvida duas vezes. As mesmas foram selecionadas através da indicação da primeira informante, que foi escolhida por ser Coordenadora do Ensino Fundamental e na época das observações, era reconhecida como o “braço direito da Direção”. Segundo Lahire (1997 p.77), o pesquisador tem que abrir seu leque de entrevistados para conseguir maior confiabilidade nos resultados apresentados em suas pesquisas. Deve haver uma gama de entrevistas com diferentes agentes sociais que formam uma configuração familiar, não para confrontar as “verdades” mas para reconstruir, com base em todas as informações, a realidade social: [...] o problema não é, definitivamente, saber se os entrevistados disseram ou não a verdade, mas tentar reconstruir relações de interdependências e disposições sociais prováveis através das convergências e contradições entre informações verbais do pai e as fornecidas pela mãe ou pela criança, entre as informações verbais e as paraverbais, contextuais ou estilísticas, etc. (LAHIRE,1997 p.77).

No decorrer das análises dos dados, foram sendo incorporados ao rol de participantes pessoas que foram sendo indicadas como relevantes para o 137


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entendimento da implantação das Classes Especiais: 1) O pai de uma ex-aluna, que foi presidente da APAE de Florianópolis e responsável por muitas ações na área da educação especial no Estado de Santa Catarina, atualmente presidente da Cooperativa. 2) O médico neurologista que encaminhou seus clientes de uma clínica particular para o CCJ. Primeiramente, recebi uma listagem com o nome de 24 (vinte e quatro) cooperados, destes muitos já estavam riscados por não estarem freqüentando a Cooperativa, reduzindo, portanto, a relação a 13 pessoas. Solicitei que a professora me indicasse os alunos que estudaram na Classe Especial do CCJ desde sua implantação e foram apontados 7 (sete) cooperados conforme abaixo: Quadro 05 – Dados de identificação dos ex-alunos da Classe Especial do CCJ Nome

N º

Sex o

Idad e

M.P.M.

01

F

42 anos

R.J.S.

02

M

L.C.R.

03

M

26 anos 35

138

Ano de saíd a do CCJ 1999

Tempo de permanênc ia no CCJ 25 anos

2002

10 anos

1999

19 anos

Diagnóstico

Deficiência mental/indefini do Fala e aprendizado Síndrome de


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F.E.B.

04

F

C.P.B.

05

F

A.C.P. C. A.P.S. H.

06

F

07

F

anos 27 anos 28 anos 27 anos 22 anos

2002

12 anos

2002

10 anos

1999

11 anos

2002

6 anos

Down Síndrome de Down Síndrome de Down Síndrome de Down Deficiência mental/indefini do

Fonte: entrevistas e livro de matrícula CCJ

Estão presentes neste quadro os dados sobre os ex-alunos da Classe Especial que fizeram parte deste estudo. Na primeira coluna encontram-se as abreviaturas dos nomes e na segunda coluna um número atribuído aleatoriamente que irá ser utilizado para indicar as falas dos entrevistados referentes a cada caso ou a cada aluno, preservando assim, as identidades dos participantes. Constata-se neste quadro que cinco participantes são do sexo feminino e dois do sexo masculino. Com relação ao diagnóstico, há uma prevalência de Síndrome de Down. Dos sete casos quatro são SD, dois são descritos como deficiência mental indefinida devido à etiologia, fato que não foi revelado nas entrevistas, e um foi colocado conforme relato da mãe: dificuldade de aprendizagem e fala. Quanto à idade, constata-se que, cinco estão com idade variando de 22 a 30 anos, sendo que quatro estão com mais de 25 anos; também temos dois com mais de trinta anos, um com 35 e o outro com 42 anos. Quanto ao tempo de permanência no CCJ, a 139


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maioria freqüentou por mais de dez anos; a maior permanência foi de 25 anos de um aluno que freqüentou desde a abertura da CE. Para contextualizar cada família, foi elaborada uma síntese da situação da entrevista, que será apresentada abaixo, segundo a ordem do quadro 05.

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SÍNTESE: 01 Identificação A-01 Neste caso a entrevistada foi a própria ex-aluna, uma pessoa muito comunicativa e que passou boa parte de sua vida no CCJ. Apesar das dificuldades com as datas, informou muito sobre o cotidiano da CE. Hoje reside somente com a mãe em um apartamento central, o pai é falecido e os dois irmãos são casados e moram em outras residências. Fala muito bem de todos da família e se coloca como a responsável pela CE, chegando a mencionar que trabalhou junto a coordenação. Atualmente coloca-se na cooperativa em um papel de destaque, dizendo que faz o serviço externo. A entrevista ocorreu em uma sala (refeitório na Cooperativa) e quando cheguei, quinze minutos mais cedo da hora marcada, já encontrei a mesma fumando na porta da sala a minha espera. Compreendi que a mesma é muito ansiosa e fuma compulsivamente. Na entrevista comuniquei que era um trabalho para a Universidade, e ela logo me perguntou se sairia um livro. Eu respondi que dependeria de fatores como a minha competência para escrever muito bem esta história. Após a entrevista, que durou mais ou menos 60 minutos, ela solicitou o meu telefone e se colocou a disposição para me ajudar a tornar meu trabalho em um livro, que eu poderia solicitar mais dados e que ela gostaria muito de trabalhar comigo. Expliquei que com a entrevista que ela me deu eu já tinha dados suficientes e que ela me ajudou muito. Chegando em casa, para minha surpresa, já tinha um recado da mesma, solicitando que eu entrasse em contato. Telefonei e ela disse que gostou muito de mim e que gostaria de trabalhar comigo, expliquei novamente que não sou empregadora, agradeci e, delicadamente, desliguei. Nos dez dias que sucederam a entrevista, recebi mais de vinte ligações e muitas não atendi, a mesma deixava recado identificando-se como a pessoa que iria me ajudar a escrever um livro. Minha postura foi de firmeza em todas as vezes que conversei com ela, 141


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repetindo que não iria empregá-la, que agradecia por suas informações, que ela já havia me ajudado muito e que eu estava muito ocupada escrevendo meu trabalho. Passada esta época, não recebi mais o seu telefonema, mas soube por outra mãe que a mesma comportava-se assim com todas as pessoas que davam-lhe um pouco de atenção. Analisando sua entrevista encontram-se muitos momentos que ela se coloca como destaque: “Porque eu fazia diferença lá dentro; Eu era a única que saía na hora do recreio; eu fazia o que as coordenadoras não tinham tempo nem saco para fazer, trabalhava como coordenadora, eu trabalhei para a N.! Porque aqui dentro da cooperativa eu trabalho perante os colegas e perante a direção”.

SÍNTESE: 02 Identificação M-02 O local da entrevista foi agendado na Cooperativa no dia que a entrevistada faz trabalho voluntário. Compareci no horário marcado e a mesma desculpou-se por estar de guarda-pó, pois estava trabalhando na reciclagem de papéis. Impressionou como uma pessoa muito reservada e nos primeiros instantes respondia as questões com poucas palavras. Sua entrevista durou 45 minutos. Ela fez questão de me apresentar para seu filho e me questionou mais tarde, separadamente, se dava para notar que ele possui alguma deficiência. Sua família mora em um bairro próximo da UFSC, tem três filhos e moram em quatro pessoas, pois seu filho mais velho atualmente mora no sítio da família. Fala que sua filha está se preparando para o vestibular. Fala muito de seu marido como uma pessoa muito importante.

SÍNTESE: 03 142


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Identificação M-03 A entrevista foi agendada na residência da mesma, um apartamento de alto-padrão próximo ao Shopping Beira Mar. O esquema de segurança na portaria inclui a identificação dos visitantes, que precisam apresentar documentos. Estavam na sala a mãe e o L. que estava assistindo televisão, mas a mãe sempre se reportava ao filho para que confirmasse suas informações e ele, embora não estivesse bem perto estava atento à entrevista. Ficou preocupada com a filmagem da entrevista por achar que não estava muito bem arrumada, mas logo esqueceu-se da filmadora como reportou no meio da entrevista: “Eu nem lembrava que você estava gravando!” . Moram na casa só duas pessoas ela e o L., seu marido já faleceu e os outros filhos são casados e moram em outras residências. Falou que recebe sempre a visita de uma das netas que fica com ela as tardes quando está de férias. A entrevista durou 45 minutos.

SÍNTESE: 04 Identificação M-04 e P-04 Foram entrevistados a mãe e o pai, porém em dias e locais diferentes: M-04 A mãe concedeu a primeira entrevista em sua casa, de alto-padrão, próximo ao Shopping Beira Mar. Moram na casa cinco pessoas, além dos pais e das duas filhas, mora a avó materna. A entrevista durou 45 minutos, e a informante foi muito gentil, muito delicada, colaborando muito com as informações. Apresentou sua filha e o clima familiar impressionou como muito acolhedor. Colocou-se a disposição para dar outras informações e a emprestar material que serviram de anexo. Em outros dois momentos, telefonei para obter algumas informações e, principalmente, agendar com seu marido. Foi realizada uma segunda conversa para aprofundar alguns dados 143


As famílias com filhos deficientes

em sua casa na ocasião da entrega das fotos que emprestou. Nesta ocasião, conheci sua mãe de 94 anos, que também estudou no CCJ. Marcamos a entrevista em seu expediente de trabalho na Cooperativa. Apesar de estar aposentado da UFSC, onde foi professor, sempre esteve ocupado com cargos voluntários na APAE e agora presidindo esta Cooperativa. Conversamos separadamente no local onde funciona a reciclagem de papel e durante a entrevista, foi solicitado algumas vezes e também atendeu o telefone, mas sempre muito gentil, desculpando-se por estes contratempos. Impressionou como um homem ao mesmo tempo muito empreendedor, dirigente, mas também muito sensato e carismático. Colocou-se por inteiro na entrevista, emocionando-se algumas vezes. Falou com muito carinho de sua família, especialmente de sua mulher com quem compartilha os cuidados com os filhos.

SÍNTESE: 05 Identificação M-05 Fui recebida em um prédio de alto-padrão na mesma rua da M-02. Na guarita de segurança fiquei esperando por mais de 10 minutos para o porteiro certificar-se de que eu era realmente esperada. No apartamento de luxo fui recebida pela entrevistada e encaminhada para a sala de estar onde a C. estava sentada. Explicou que moram em casa além dela e do marido as duas filhas e mais duas netas, pois sua filha mais velha encontrava-se separada de seu casamento. No primeiro contato com essa mãe foi via telefone, falou mais de 45 minutos, contou sua história e a trajetória da filha no CCJ, esta era uma ligação somente para agendamento, porém considerando a riqueza das informações os dados foram incorporados a este segundo momento. No segundo momento em sua residência a entrevista durou menos de 30 minutos, a entrevistada mostrou-se ansiosa, e ratificou a impressão que passou ao telefone de ser uma pessoa extremamente desconfiada. 144


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Foi muito gentil e prestativa concedeu as informações, solicitando muitas vezes a confirmação da filha que estava atenta a conversa. Mostrou a documentação e fotos da filha da época do CCJ e emprestou alguns materiais para digitalização, mas com muita insegurança fez com que fossem devolvidos em curtíssimo prazo de tempo. No momento da saída apresentou-me a sua outra filha.

SÍNTESE: 06 Identificação M-06 A entrevista foi marcada em sua residência que fica a mais de 25 km do centro de Florianópolis em um bairro de alto-padrão. Cheguei a casa e fui recebida por uma empregada que me avisou que ela havia saído, mas que não demoraria a retornar. Fiquei esperando por mais de uma hora e não consegui fazer a entrevista. Mais tarde por telefone, ela pediu desculpas pois teve um imprevisto, mas colocou-se novamente a disposição. Eu havia agendado a entrevista com uma pessoa muito gentil que, mais tarde, fiquei sabendo que tratava-se de sua governanta. Moram na casa a mãe e a filha, a governanta e sua filha, que a M-05 trata-a por neta. Seu marido faleceu há um ano. Lembra com muito carinho de sua parceria com o marido na criação da única filha. Foi muito simpática e prestativa e colocou-se a disposição para outras informações.

SÍNTESE: 07 Identificação M-07 A primeira entrevista foi marcada na residência da mesma em uma casa recém construída, pois deixaram o bairro onde moravam por ocasião de um assalto. Foi muito receptiva, moram na casa 145


As famílias com filhos deficientes

somente os três: pai, mãe e filha. Durante a entrevista recebeu visita de um casal de parentes, o que fez que a entrevista transcorresse em 30 minutos. Contou toda a passagem da vinda desta filha, confidências que não serão abordadas nesta pesquisa. Impressionou sua receptividade, pois em muito pouco tempo de conversa, contou sua vida com detalhes que, segundo ela, muitos da família desconhecem. Marcamos uma segundo entrevista que fluiu normalmente duas semana após a primeira. Estas entrevistas ocorreram no início do ano de 2005. No entanto, duas semanas antes do Natal, eu estava sistematizando os dados e faltava a data de nascimento da filha, foi então que telefonei para solicitar esse dado e a mãe, muito desconfiada, apesar de lembrar das entrevistas, me disse que precisava muito conversar comigo novamente, pois tinha se arrependido de algumas informações que havia concedido, e do uso que poderia ser feito, pois tinha conversado com o marido e estava muito insegura. Então, devido a indisponibilidade de tempo de ir conversar com ela em sua residência neste final de tese, mas para tranqüilizá-la, apesar de já ter avisado repetidas vezes que não iria publicar nenhum outro dado que não dissesse respeito a pesquisa, avisei que não iria utilizar o material de sua entrevista, somente os dados de identificação. Neste sentido, as falas desta mãe não serão utilizadas como citação ao longo do trabalho.

Marcamos a entrevista em seu expediente de trabalho na Cooperativa, apesar de estar aposentado da UFSC onde foi professor, sempre esteve ocupado com cargos voluntários

3.3.3 Instrumentos Para o registro das entrevistas foi utilizada câmara digital da Marca Panasonic SV-AV20 com 146


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memória card de 256 MB, com capacidade de duas horas e trinta minutos de gravação. Para a transcrição foi utilizado o programa mídia player do Windows, que possibilitava a escuta através do computador.

3.4 Procedimento de análises de dados Primeiramente, as entrevistas foram transcritas na íntegra. Facilitado pelo modo de coleta, foi possível ouvir as entrevistas várias vezes através do programa mídia player. Como todas as entrevistas estavam no computador, foi possível trabalhar com várias janelas abertas e buscar exatamente aquele momento da fala a ser analisado. As transcrições na íntegra foram um recurso que facilitaram a categorização analítica em função da materialidade da fala, porém ela não dá conta de todo o gestual vinculado àquele momento. Como as entrevistas foram filmadas, foi possível recordar o momento do discurso com a riqueza dos detalhes da expressão corporal e de outras manifestações não verbais. Exemplo disso foram os momentos de emoção quando os entrevistados choravam. Apesar de todo o recurso da filmagem neste trabalho, só foram analisadas as falas, tendo em vista a falta de disponibilidade de tempo para aprofundar as questões metodológicas envolvidas neste tipo de recurso. Por certo que a forma de análises já teve, como mencionado, uma ajuda importante desta tecnologia, que possibilitou resgatar o momento exato de cada discurso. 147


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As transcrições das entrevistas foram realizadas por três pessoas, a pesquisadora e dois bolsistas universitários, porém pelo fato de ter o áudio disponível no computador as entrevistas foram ouvidas e checadas com as transcrições, por dois motivos: o primeiro para conferência - além da correspondência necessária da linguagem oral e escrita, atentou-se para a pontuação- e o segundo, para o impregnamento necessário dos dados para o início das análises. Bourdieu (2003), discorre sobre os riscos da transcrição, considerando que: “transcrever é necessariamente escrever, no sentido de reescrever” aponta os cuidados com a pontuação para resguardar a fidedignidade entre a linguagem oral e escrita: [...] sabe-se por exemplo que a ironia, que nasce freqüentemente de uma discordância intencional entre a simbólica corporal e a simbólica verbal, ou entre diferentes níveis de enunciado verbal, fica quase inevitavelmente perdida na transcrição. O mesmo acontece com as ambigüidades, os duplos sentidos, as incertezas as indecisões, tão características da linguagem oral, que a escrita desvenda quase inevitavelmente, através sobretudo da pontuação. Mas há também toda a informação que esta inscrita nos nomes próprios, que falam de imediato para os familiares do universo (e que foi preciso quase sempre fazer desaparecer para salvaguardar o anonimato dos pesquisados), nomes de pessoas, nome de lugares, nomes de instituições [...]. (BOURDIEU, 2003, 148


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p.710).

Considerando a dificuldade de fazer uma transcrição que restitua para a linguagem escrita a riqueza da linguagem oral, deve-se, conforme este autor, no mínimo garantir que nenhuma palavra seja substituída, orienta que é possível cortar da transcrição, no momento de apresentar o texto, certos “desdobramentos parasitas”, como por exemplos os tiques de linguagem, as repetições, as redundâncias verbais, mas sem substituir palavras utilizando sinônimos. Neste sentido, como procedimento de análise das transcrições, optou-se nesta pesquisa por não fazer nenhum corte, nenhuma substituição, preservando o conteúdo da fala, com seus vícios e suas redundâncias, porém para melhor apresentação, tentou-se retirar em alguns momentos as intervenções da entrevistadora por acreditar que não prejudicaria o entendimento do leitor. Nestes casos aparece como interrupção da fala a chave com reticências, simbologia idêntica para as pausas do próprio entrevistado. Após as transcrições e as inúmeras leituras, optou-se por categorizar as falas em três grandes eixos temáticos, separando as falas sobre as famílias e sobre o Colégio. Em um segundo momento, dividiram-se estes eixos em categorias através da constatação de que sobre cada de um dos eixos existia uma gama de informações que precisavam ser sistematizadas, então foram construídas ainda subcategorias norteadas pelos objetivos desta pesquisa, na tentativa de focalizar as respostas e não se perder na riqueza do material 149


As famílias com filhos deficientes

empírico. No terceiro momento, o material foi organizado em três grandes eixos: Famílias, Colégio Coração de Jesus e Destino Social.

3.4.1 As famílias Este eixo aborda a caracterização das famílias participantes da pesquisa ,apresentando as marcas deixadas pela deficiência do filho no seu interior e a expectativa com relação aos mesmos.

3.4.1.1 Caracterização das famílias As famílias foram classificadas como pertencente às “Classes Superiores”, utilizando-se do conceito de Nogueira (2002), que identifica esta parcela da população através do “modo de vida” sob a mira dos recursos materiais disponíveis, muito acima da média nacional. Como indicadores foram utilizados a ocupação e escolarização dos pais e dos irmãos, bem como a condição residencial, apresentada pelo local onde moram e a posse de residências secundárias (Ver quadro 06). A característica principal destas famílias não reside somente na posição social que ocupam atualmente, mas no fato de as mesmas terem estudado em estabelecimentos de ensino privados, e ocuparem esta posição há pelo menos duas gerações. Os dados foram analisados através dos quatros abaixo: 150


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Quadro 06 – Condição residencial das famílias Famíl ia

N º

Residênc ia Primária

M.P. M.

0 1

apartame nto

R.J.S.

0 2

Casa

L.C.R .

0 3

F.E.B.

Localizaç ão

Residên cias Secundá rias

Localiza ção

centro

Casa de praia

Praia de Canasvie iras

Próximo a UFSC

Sítio e casa de praia

Vargem Pequena

Apartam ento

Centro

Casa de praia

0 4

Casa

Centro

Casa de praia

C.P.B.

0 5

Apartam ento

Centro

Casa de praia e sítio

A.C.P .C.

0 6

Casa

A.P.S. H.

0 7

Casa

Praia de Jurerê Internaci onal Bairro residenci al

Praia de canasviei ras Praia dos ingleses

Tempo de Moradi a 8 anos (após o falecime nto do pai) 25 anos

35 anos

15 anos

10 anos Casa de praia e sítio

5 anos

Fonte: entrevistas.

Evidencia-se neste grupo a predominância por moradias centrais, considerando que a área central da cidade é muito valorizada, principalmente nestes casos, pois a maior parte destas residências são próximas 151


As famílias com filhos deficientes

da avenida Beira Mar Norte40 , local onde o metro é muito mais elevado que em outros bairros da capital. No caso da residência na praia de Jurerê Internacional41, cabe salientar que este é um bairro formando a partir da década 1980, sendo todo planejado para verdadeiras mansões que atraem investidores nacionais e internacionais. A segunda residência aparece como opção de casa de campo e de praia, demonstrando que existe nestas famílias a possibilidade de passar as férias dos meses de verão na praia e nas férias dos meses mais frios na casa de campo. Para demonstrar que a condição residencial destas famílias não é ocasional elegeram-se duas falas que ilustram esta afirmação: Vai fazer oito anos em maio [...] antes morava em Coqueiros, num baita de um casarão [...] É quando o pai morreu, 1990, e os meus irmãos casaram. Um casarão daqueles para nós duas ia ficar até uma coisa (?), assaltaram a casa quando eu tava dentro, graças a Deus não fizeram 40

A Av. Rubens de Arruda Ramos chamada também de Av. Beira Mar Norte foi tradicionalmente considerado bairro da Burguesia, a partir das mudanças implementadas no início do século XX na capital Catarinense. 41 Jurerê Internacional é a praia mais exclusiva e sofisticada de Florianópolis. O padrão de construção é internacional, resultando em residências de altíssimo padrão, com fachadas livres de muros e segurança garantida por um avançadíssimo sistema de vigilância particular, atuante 24 horas, com carros e central estabelecidas no local. Possui o mais moderno sistema de saneamento da cidade com estação de tratamento de esgoto. Possui também rede de esgoto. Possui também uma rede de abastecimento d’água próprio para o bairro, descartando totalmente a possibilidade de faltar água. (www.habitasul.com.br) 152


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nada comigo. Aí, a mãe disse, vamos embora (A-01)42. [...] ah eu moro já, eu sou casada há uns 29,30 anos. É já faz uns 25 anos que eu moro na mesma casa. [...] É assim, ele fica mais em casa. Nós temos um sítio, lá na Vargem Grande construímos uma casa muito boa [...] Então, lá ele tem muitos amigos, então assim, ele gosta da casa de lá. Não gosta muito de sair (M-02).

Pinçon e Pinçon-Charlot (2002 p.19) relatam a pesquisa realizada sobre a infância dos chefes herdeiros ricos da França e apresentam a relação entre espaço e aprendizagem familiar. Evidenciam os elementos da vida cotidiana, entre eles o espaço de moradia: Parece tão natural que as famílias ricas disponham de grandes apartamentos, de carrões do ano, de palacetes ou propriedades na província, e também que tenham a possibilidade de viajar pela França e exterior que, naturalmente, acabamos esquecendo os efeitos das experiências precoces associadas às experiências em relação à estruturação dos habitus, à formação das predisposições e representações que induzem uma relação específica ao espaço e uma relação diferente do corpo, 42

A identificação das falas irá seguir a numeração da segunda coluna da primeira tabela que identifica a família através dos dados do filho que freqüentou a Classe Especial do CCJ conforme as seguintes siglas: M= Mãe P= Pai, A= Aluno 153


As famílias com filhos deficientes

de seu próprio corpo, com o meio circundante “físico” e humano, com a sociedade incorporada nas coisas, inclusive no ordenamento da “natureza” que é sempre -pelo menos, na Europa cultivada, nos dois sentidos do termo.

Estes autores discutem de que forma este enquadramento espacial, convertido aqui na moradia pode influenciar na utilização do corpo e nas atitudes sociais das crianças que vivem em espaços amplos e crianças que vivem em espaços pequenos: [...] no primeiro caso, o indivíduo dispõe sempre de lugar sendo que a dificuldade consiste em administrar seu corpo, a apresentação de si no meio circundante que coloca em cena, expõe os corpos. Pelo contrário, o alojamento popular exíguo, adapta-se à displicência das atitudes. No entanto, essas diferenças na experimentação do espaço cotidiano induzem grandes desigualdades no controle ulterior das atitudes sociais em que se trata de estar em representação como, por exemplo, tomar a palavra em público, ou simplesmente fazer boa figura em uma reunião (Pinçon e PinçonCharlot (2002, p.19).

Alertam que de nada adiantaria o espaço generoso se o indivíduo não interiorizasse concomitante sua posição ocupada na sociedade, ressaltando que a vida do bairro as benesses e as deferências manifestadas através de bens e serviços inculcam a aprendizagem da 154


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vida social e legitimam a superioridade de suas origens. Ana Almeida (2003), em seu estudo sobre um colégio privado da cidade de São Paulo relata que a forma como o endereço era utilizado pela escola para explicar as propriedades sociais de seus alunos resultava em uma prática de denominação que indicava automaticamente uma posição social inferior, na tentativa de homogeneização dos moradores da “zona leste”. Transpondo esta análise para a parte central de Florianópolis, evidencia-se que o diferencial é o entorno da avenida Beira Mar Norte, entendida como a parte burguesa da cidade. Neste caso, encontram-se quatro dos setes participantes com a residência neste espaço considerado de elite com padrão apontados por Pinçon e Pinçon-Charlot (2002) anteriormente citados, de amplitude como foi constatado no momento da entrevista, com alto padrão de construção e com um serviço impecável de segurança. Quanto à localização do Colégio, o mesmo fica no centro, no mesmo bairro da residência de quatro famílias das sete investigadas, o que poderia ser considerado como um fator decisivo na escolha desta instituição, porém verificou-se que a distância da residência destas famílias para o CCJ é maior do que o deslocamento para outros estabelecimentos de ensino privados e confessionais da cidade. Embora não tenha sido feito nenhum questionamento para aprofundar esta questão, aparece ao longo das entrevistas que o deslocamento dos filhos era feito de carro sob a responsabilidade das mães. Quanto à formação dos pais, buscou-se 155


As famílias com filhos deficientes

articular entre a escolaridade e a ocupação dos pais para construir uma caracterização mais detalhada das famílias, inspirada no trabalho de Nogueira (2003), que estudou a trajetória escolar de universitários pertencentes a famílias intelectualizada (filhos de professores universitários), fazendo um levantamento dos dados de formação paternos e maternos. No quadro abaixo, é possível visualizar os dados sobre a formação familiar em números e distribuídos segundo sua formação escolar:

Quadro 07 – Formação profissional e função dos membros das famílias Família

M.P.M.

01

Nº de filhos 03

R.J.S.

02

03

156

Profissão dos Pais Mãe: assistente social (funcionária pública aposentada) Pai: construtor/fazendeiro (falecido).

Mãe: do lar Pai: Professor Universitário (doutor em Química)

Profissão dos filhos “Tenho dois irmãos. Um advogado, e um que tem (3) faculdades.(...) I., o advogado, e J.O.: Administração de empresa, engenharia mecânica, engenharia de produção” “O Ra. já é formado em direito trabalha no Tribunal e a A. está fazendo


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L.C.R.

03

03

Mãe: do lar Pai: Advogadofuncionário do Banco do Brasil (falecido).

F.E.B.

04

03

Mãe: do lar (formada em Letras) Pai: Professor Universitário aposentado (Farmácia)

cursinho pré vestibular”. “O F., esse último é bancário. O J.é pedagogo lá na ACIC, ele se formou em Pedagogia Educação Especial, e a minha filha mais velha é médica, cirurgiã plástica”. “A C. é pedagoga, hoje trabalha como analista de sistema na Celesc (...) e a G.a se formou há uns três anos, porque a G. não gostava de estudar. Ai fazia vestibular, mas não passava, mas também não estudava muito, de repente gostou de gastronomia, porque ela gosta muito de coisa de comida, cozinha e tal, fez 157


As famílias com filhos deficientes

C.P.B.

05

02

Mãe: advogada (parou de trabalhar para cuidar da filha) Pai: Advogado (banco do Brasil)

A.C.P.C.

06

01

A.P.S. H.

07

01

Mãe: do lar Pai: jornalista (falecido) Mãe: do lar Pai: Engenheiro Civil (Construtor)

gastronomia, formou-se e ficou muito realizada, mas trabalha também no serviço público na Febrisc na federação das Indústrias já uns 15 anos”. A filha A. é formada em administração de empresa e tem pósgraduação Sem irmãos Sem irmãos

Fonte: entrevistas

Neste quadro é possível visualizar que, em todos os casos, encontram-se um dos pais com formação universitária, sendo que em três casos, as mães também possuem graduação, porém o que mais chama atenção é que todas as mães estão atualmente dedicadas ao lar, mesmo as que concluíram um curso superior. Sobre a ocupação da mãe, consta que somente uma conseguiu aposentar-se, ou seja, seguiu sua carreira até o término

158


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de sua profissão como funcionária pública43. Quanto à formação dos outros filhos, aparece a maioria com nível superior, das mais variadas profissões, médicos, advogados, engenheiros, pedagogos, administrador de empresas. Segundo Carvalho (2004), os estudos nacionais e internacionais têm apontado que o impacto da educação dos pais sobre o desempenho educacional dos filhos pode ser demonstrado pelo nível educacional atingido por estes. Em seu estudo sobre estudantes dos Cursos de Engenharia e Direito da PUC-Rio no ano de 2000, os resultados apontaram que a grande maioria das famílias possuíam pais com cursos superiores. Martin (2002) em seu estudo sobre os modos de educação de jovens aristocratas na França, aponta que na Notre-Dame dês Oiseaux, escola situada no 16° bairro de Paris, existe uma forte homogeneidade social no recrutamento das alunas, professoras e religiosas, sendo que muitas gerações da família passam pelo mesmo estabelecimento de ensino como forma de prolongar a educação familiar. Neste sentido, considerou-se importante identificar os colégios em que familiares realizaram seus cursos de ensino fundamental e médio, o que é mostrado no Quadro 08.

43

Florianópolis foi por muito tempo considerada o berço do funcionalismo púbico, pois sendo a capital administrativa do Estado tinha em sua população grande número de empregos públicos. 159


As famílias com filhos deficientes

Quadro 08 – Escolas freqüentadas por familiares (ensino fundamental e médio) Família

M. P.M. R. J.S.

01 02

A mãe

L.C.R.

03

A mãe estudou com suas irmãs no CCJ

F. E. B.

04

C. P. B.

05

Três gerações de mulheres estudaram no CCJ A mãe estudou em Colégio confessional da mesma Congregação em outra cidade no Estado, mas as filhas todas estudaram no CCJ As netas estudaram até a 4ª série do Ensino Fundamental no CCJ e passaram para

160

Colégio CCJ

Colégio Catarinense e Colégio Aplicação Dois irmãos Irmão

Dois irmãos

Colégio Privado

Irmã faz cursinho prévestibular Irmã Colégio privado confessional (POA)


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A.C.P.C

06

A.P.S. H.

07

o C. Catarinense A menina que mora em sua casa e é considerada como neta estuda no CCJ

A mãe estudou em um colégio privado confessional no RS A mãe estudou o ensino fundamental Colégio Privado

Fonte: entrevistas

Embora incompletos, os dados apontam que os estabelecimentos de ensino que os familiares mais freqüentaram foram o CCJ, colégios confessionais em outras cidades, o Colégio Catarinense (estabelecimento confessional com educação exclusiva aos homens até 1969) e o Colégio de Aplicação junto a UFSC, provavelmente por ser, naquela época, destinado a educação dos filhos dos professores e funcionários da Universidade e que cujo ingresso atualmente, é realizado através de sorteio devido a demanda. Brandão e Lelis (2003), em pesquisa desenvolvida sobre a escolarização dos filhos de elites acadêmicas, apontam que existe uma intenção das famílias que os filhos repetissem a trajetória escolar dos pais na rede privada de ensino, porém as exceções de filhos matriculados na rede pública foram especificamente em colégios de “excelências” (Colégios de Aplicação e Colégio Pedro II), que são disputados por diversas frações das camadas sociais. 161


As famílias com filhos deficientes

Sobre a predominância de mães que estudaram no CCJ, é possível identificar que em alguns casos, como da M-04, o Colégio fez parte da formação de muitas gerações, como indica os relatos a seguir: Sim, eu estudei lá (CCJ), desde o jardim de infância! Eu sou daqui! Eu tirei lá o fundamental, tinha o ginásio e o fundamental, eu tirei o fundamental. (M03) Todos estudaram no Colégio Coração de Jesus [...] a minha mãe também, a minha mãe está com 93 anos também estudou no Coração de Jesus. ... Ah, sim eu estava entusiasmadíssima com a Classe Especial, claro, porque vivenciava aquilo tudo, sempre vivencie, nunca deixei.(M-04). [...] primeiro porque tinha a identidade nossa, a E.(esposa) a minha sogra estudou, nossas filhas estudaram, e hoje nossas netas estão estudando é claro, então buscamos no colégio a tradição. (P04)

No que se refere ao estado civil dos pais, verificou-se que todos foram casados no civil e no religioso, a maioria das famílias possuem até três filhos sendo que em duas famílias possuem somente um filho. Aspectos relacionados à composição familiar como, número e posição na ordem cronológica ocupada pelos filhos em estudos que investigam o investimento das famílias na escolarização têm sido apontado como diferencial. Segundo Nogueira (1991) as estratégias educativas de família que possuem menos filhos têm 162


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sido identificadas de forma diferente, conforme a camada social, nas classes medias e baixa, a aposta tem sido na escolarização do filho mais velho, porém no caso das elites não são encontrados diferenças no modo de investimentos entre os filhos, em compensação quanto menor o capital econômico maior o número de filhos e vice-versa. Neste aspecto, estudos mais recentes têm apontado para o risco da generalização entre as comparações entre o número de filhos das famílias pertencentes as diversas camadas sociais. Ressaltam que a realidade brasileira tem se modificado com os programas de planejamento familiar e com os controles de natalidades (CARVALHO, 2004; OLIVEIRA, 2005). Segundo os dados da profissão do pai, não é possível determinar a renda média familiar, porém infere-se que a mensalidade escolar e todos os atendimentos dispensados ao filho não pesavam no orçamento familiar com base nas informações das entrevistas, a maioria das famílias pagava além da mensalidade do Colégio outros atendimentos clínicos com a renda familiar vinda somente do trabalho do pai: [...] às vezes a gente olha para traz - será que a gente fez tudo isto mesmo? ainda em bom tempo... por que tudo isto era pago, como diz o A. hoje ninguém poderia mais, com salário do jeito que baixou, o poder aquisitivo das pessoas. Graças a Deus! Naquela época o A. trabalhava ainda, hoje ele é aposentado [...](M-04)

163


As famílias com filhos deficientes

[...]na época, imagina, era tudo muito caro, eu pagava fono, psicóloga, ( ?) eu pagava muita coisa. E colégio, né? Mas ele nunca reclamou de nada, assim: há porque eu não consigo fazer nada, porque tem que gastar com o R.. Ele queria o melhor para ele, né? (M-02) [...]Mas no meu caso, o Banco do Brasil pagava integral. Não gastava nadinha. A gente só apresentava todo fim de ano um atestado médico, que ele era um deficiente, né? (M-03).

Vê-se que em um caso a família recebia ajuda da empresa empregadora do pai nos gastos com os atendimentos deste filho, devido sua condição de deficiente. É interessante analisar que o capital cultural e social dessa família, especificamente, proporcionou que eles fossem atrás dos direitos e benefícios garantidos a poucas pessoas, em forma de exceção. Destaca-se que não é somente o capital econômico destas famílias que as faz ir atrás de recursos e atendimentos diferenciados, aqui se aplica o que Bourdieu (apud NOGUEIRA, 2003) comenta sobre a importância de um componente específico do capital cultural que é a informação. Na opinião de umas das professoras entrevistadas, as famílias que matriculam seus filhos do CCJ têm condições de arcar com as despesa e destaca todos os outros atendimentos clínicos, com custo alto, necessários para que este filho continuasse a freqüentar o Colégio :

164


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A maioria, no momento tem condições de pagar, tanto que eles têm todo um encaminhamento fora, fono, pedagogas ou psicopedagoga que orienta em casa... A maioria tem condições de pagar.(Prof01).

No início da pesquisa com as informações ainda de somente uma participante, os dados não deixavam claro se existia no CCJ um serviço de educação especial com todos estes atendimentos citados pelas famílias de fonoaudiologia, fisioterapia, psicologia, etc, porém, de posse de todas as entrevistas foi possível compreender que os primeiros alunos das Classes Especiais recebiam estes atendimentos em uma clínica específica. O papel desta clínica na abertura deste atendimento no CCJ será discutido no próximo eixo. As informações contidas nas entrevistas são suficientes para afirmar que estas famílias possuem recursos e acesso às novas tecnologias em casa como: computadores (internet); televisão por assinatura (canal fechado); revistas e jornais. Também é possível verificar a forma com a leitura é incentivada: [...] escrever, ler, ele lê bem, jornal, revista... se interessa muito por assuntos de televisão (M-03). [...] ela tem e-mail, ela usa internet, ela sabe lidar com computação, tudo direitinho (M-04). [...] mesmo sendo deficiente, o pai quer que ele evolua, quer que ele se alfabetize, 165


As famílias com filhos deficientes

porque uma pessoa alfabetizada tem “n” leques, sabendo ler, ele pode ler uma revista, essa coisa toda (P-04).

Ao longo do trabalho reaparecerá nas falas das famílias a importância que as mesmas delegam a escrita e leitura. Na sociedade “letrada” a escrita ganha valor social em supremacia sobre a oralidade e a alfabetização pode ser vista como parâmetro de exclusão e inclusão na sociedade grafocêntrica, sendo que o analfabeto é estigmatizado conformo mostra Signoroni: A imagem do analfabeto tem sido associada a “doenças”, “males”, impedimentos sociais, cegueira, prescrição e, até mesmo, loucura. Isto porque, no imaginário social da nossa civilização, a inteligência está diretamente ligada à escolarização. O não saber significa o vazio, a ausência de luz, o nada, as trevas. O analfabeto é visto como uma mazela à sociedade, como um não-sujeito, no ditado popular “um zero à esquerda ( SIGNORONI, 1995, p. 178).

O conjunto das informações sobre a condição de vida das famílias confirma o seu pertencimento às chamadas “classes superiores” correspondendo às descrições de estudos que trabalharam com este grupo social (BRANDÃO, 2001; CARVALHO,2004; NOGUEIRA, 2002 e 2003). Não somente pelo seu capital econômico, mas pelo seu capital escolar, tendo em vista a predominância de familiares com o curso universitário, bem como outros 166


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tipos de capitais: informacional.

o

capital

social

e

simbólico,

3.4.1.2 As marcas da deficiência Encontrou-se, embora não tivesse sido feita nenhuma questão especifica, a vontade dos entrevistados de comentarem sobre o diagnóstico ou a situação de revelação diagnóstica da deficiência. Impressiona como um momento muito importante das tomadas de decisões das famílias e que marcaram suas relações com o mundo da educação especial. Pretendese nos itens abaixo efetuar descrição com base em dados mais citados nos relatos.

3.4.1.2.1 Diagnóstico: Observou-se que muitos dos entrevistados relataram espontaneamente na tentativa de contextualizar a trajetória do filho, o início da descoberta ou a do momento da revelação diagnóstica como algo que marcou a relação com o filho, conforme o relato abaixo: [...] infelizmente um médico amigo meu J.A.O. quando foi me visitar na maternidade, que o A. pediu, sentou assim como tu estas na minha frente e disse:- não sei andar se vai falar, se vai aprender não se alfabetiza, tudo ele disse. [...] estava sem experiência nenhuma, eu 167


As famílias com filhos deficientes

afundei... Fui até o fundo do poço, eu só subi três meses depois. Só chorava, só chorava. [...] Daí quando eu levantei coloquei a F. na minha frente, bem pequenininha assim, nos braços ela estava enrolada em um cobertor, ela tinha três meses de idade, levei para a Fundação para começar a estimulação precoce e dali foi para frente. [...] Não desculpo ele até hoje, ele sabe. [...] se fosse bem meu amigo... como era e é até hoje, eu acho que eu fui contra com o que ele falou... Ele tinha a C. (filha com deficiência), tudo bem até dou as desculpas, mas eu achei até ante... Como a gente diz? Ante pedagógico eu não sei [...] Até hoje eu pego no pé dele, quando ele liga, para alguma coisa... Ele ligou esses dias e eu disse:- a F. esta no computador, tem e-mail fez curso na universidade Federal. Eu faço de propósito. Ele diz:- “mas tu és de morte”, que a gente tem muita intimidade. Claro A. a gente não diz para as pessoas ... eu sou contra ( M-04). [...] você sabe que eu comecei a me envolver com a educação especial após o nascimento da F., portanto a F. está com 28 anos, então de vinte e oito anos para cá é que eu comecei a me envolver com o trabalho. Eu sempre morei em Florianópolis, então o nascimento dela, que é portadora de síndrome de Down é que a gente começou a despertar. Antes disso a gente não tinha conhecimento, não tinha convivência nenhuma... por isso as vezes as pessoas dizem: Ah aquela 168


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pessoa não ajuda, eu também era assim. Na verdade então com o nascimento da F. é que eu fui despertar para o problema, fui procurar, descobrir, estudar o problema, o que acontecia, qual era o problema dela, aquela luta de sempre que a gente tem quando começa. As dificuldades eram maiores, eram muitas dificuldades naquela época, portanto houve uma evolução muito grande neste tempo, na época os próprios médicos não sabiam o que eram os deficientes, ou davam como doente, quando na verdade é sabido que o problema depois de detectado é mais educacional, de orientação, de educação, do que médico. Quando a F. nasceu, o médico disse que ela não ia passar dos seis anos, ela não vai agüentar, até hoje eu pego no pé. Isso era coisa da época também, o que nós conhecíamos era aquilo, não tinha como fazer diferente (P-04).

Nestes dois relatos, primeiro a mãe e depois o pai falam do nascimento do mesmo filho apresentando as reações desde que o diagnóstico foi dado e comentam o despreparo dos profissionais na área médica “naquela época” sobre a deficiência. A luta travada após a descoberta parece ser um desafio para mostrar que é possível fazer diferente, como aparece na seqüência da fala da mãe que até hoje ainda não “desculpou” o médico por as informações iniciais, demonstrando o quanto elas não eram pertinentes, descrevendo as atividades desenvolvidas pelo filho com dentro do padrão esperado pela idade, principalmente sugerindo 169


As famílias com filhos deficientes

que a filha chegou no espaço da Universidade Federal (UFSC) mesmo sendo para um curso de informática que não tem ligação com a graduação a nível superior. Neste mesmo sentido encontra-se o relato de outra mãe que questionada sobre a ocupação do filho diz: Porque ele é assim ele não tem Síndrome de Down. Não ele não tem, não tem nada, o problema dele é aprendizado e fala, tanto que eu fiz uma ressonância magnética e deu assim, que ele tinha um cistozinho, no lado esquerdo e pegou a parte intelectual e mais nada. Mas como o médico falou, o neurologista, a senhora, não pode esperar que ele seja um médico ou advogado, mas nada impede que ele seja um bom mecânico, tanto que ele arruma rádio em casa, tudo que estraga lá em casa ele arruma. Ele ajudou a pintar móveis que o meu marido comprou. Tudo é o R. lá em casa, só não dá a parte intelectual (M-02).

Reiteradas vezes essa mãe volta a mencionar que o filho não tem deficiência mental, que o problema dele é de fala e de dificuldade de aprendizagem. Parece muito triste quando fala da diferença entre ele e as outras crianças, que nasceram na família na mesma época, pois foi comparando o desenvolvimento deles que procurou investigar o diagnóstico do filho: Foi assim, quando eu ganhei o R. mais duas irmãs ganharam juntas, eu notava assim que ele era mais ( molengão) e os outros andavam, faziam coisas antes do 170


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R.. Só que eu procurava os pediatras e eles diziam: - ah mãe é porque ele é malandro. Eu dizia: - o R. não quer diálogo, ele não fala, ele aponta. Daí eles falavam: - não, ele é malandro. Se a mãe não der, ele vai pedir, mas a mãe dá, ele não fala. Mas eu notava que tinha alguma coisa errada. Aí com três anos eu procurei a Dra. (?) , uma médica pediatra. Daí eu falei para ela. Daí ela disse: - não, tem alguma coisa errada. Aí elas me encaminharam para uma instituição, acho que tinha fono [...] mas aí ela já me encaminhou, na época eu nem sabia que tinha fonoaudióloga, não sabia, não precisava, imagina há vinte, vinte e cinco anos atrás. Daí eu procurei um tal de ( ?) uma clínica que tinha, eu acho que tinha fono, aqui em Florianópolis mesmo. Aí começou minha luta aí, né. Era tudo particular, aí eu pagava fono, psicóloga, sabe. Trabalhei muitos anos com a nossa fonoaudióloga até os 17 anos, aí depois não tava rendendo mais, aí demos um tempo [...] O problema é com a fala, e aprendizado. Mas ele é normal tanto que ele tirou a carteira de motorista e tudo [...] Mas assim, por exemplo, ele escreve tudo se eu ditar para ele, lento.. mas assim, continha dinheiro ele sabe lidar, ele compra faz tudo, sabe (M-02).

É nítido o quanto a mãe tenta diminuir a marca da deficiência em sua fala, que está carregada de tristeza e de inconformidade pelo “atraso de desenvolvimento” do filho. Carrega sozinha, como veremos mais tarde, a tarefa de cuidar deste filho, 171


As famílias com filhos deficientes

justificando a ausência do pai como sendo o responsável por pagar as contas, o trabalho de provedor, mas ressaltando seu papel de intelectual, muito distante do potencial do filho. Acredito que o relato abaixo ilustra bem o sentimento de todas essas famílias em relação aos diagnóstico do filho: [...] por que quando nasce um filho, é uma agressão, é uma agressão, quero dizer que essa agressão que a pessoa sente: por que comigo? Por que comigo? Por que não foi com outro. Eu sou tão bom, eu fiz isso, eu fiz aquilo [...] essa agressão que ele tem, ele transforma em uma busca, de cobrir, de empanar um pouco [...] porque quando nasce seu filho você quer que ele seja o mais lindo, o mais bonito, o mais tudo... a gente nunca espera ter um filho deficiente, porque se alguém diz que esta feliz porque o filho nasceu deficiente, para mim não é normal! Ninguém quer que seu filho seja, embora a gente goste, ame, a gente nunca quer (P 04).

Nestes relatos observa-se que existe um grande desconhecimento sobre as questões que envolvem o nascimento de um filho com deficiência, desde a etiologia, os atendimentos médicos e paramédicos até, principalmente, o que envolve prognóstico. O momento da revelação diagnóstica é descrito como algo penoso, que marca decididamente os encaminhamentos tomados. Uma das mães contou que não amamentou o filho, pois fora orientada na maternidade que não seria possível e, suas palavras 172


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parecem carregadas de muita “culpa” por aquilo que não pode oferecer naturalmente para um filho esperado, por falta de orientação. No depoimento abaixo, a própria ex-aluna da classe especial fala sobre o seu diagnóstico, quando é solicitada a manifestar-se sobre sua passagem pelo CCJ : Começou assim, vou te contar toda a história aí tu pega a parte que te interessar [...] Eu nasci com quase 10 dias de atraso parto (?), com quatros anos e meio a minha mãe fez uma série de testes comigo, testes de pessoa leiga. Pessoas, com primos comigo e com uma série de primos da minha idade que tem pouca diferença de idade, que são da minha geração, e descobriu que eu tinha problema. Ela procurou a Dra. C.que disse a minha mãe - não posso te ajudar, eu tô começando agora, eu posso te indicar o A. J. [...] eu tenho uma limitação que é mínima perante as outras limitações. Eu sou assim, eu aprendi com meu pai uma série de coisas. (Como um amigo meu que é psiquiatra) me disse só o tratamento que tu fizesse, porque eu fiz um tratamento, toda a minha infância eu fiz um tratamento, que tinha por objetivo acompanhar o crescimento. Porque aqui ( cabeça) crescer e aqui (corpo) não (A01).

É interessante analisar que a própria exaluna tem consciência das limitações e que a desenvoltura para apresentar sua trajetória confirma a descrição de sua mãe como uma pessoa que se comunica 173


As famílias com filhos deficientes

muito bem. O que chama atenção são as referências a atendimentos psicológicos ou mesmos psiquiátricos empreendidos pelas famílias na busca deste esclarecimento sobre as potencialidades e as limitações destas pessoas que estudaram na classe especial do CCJ, conforme ilustra o depoimento abaixo: [...] a F. e mais quatro meninas, uma faleceu com tumor no cérebro, fizeram um trabalho psicológico, trabalho de grupo, durante quatro anos [...] Fez um trabalho com um grupo [...] foi um trabalho maravilhoso, levou-as a saber que nasceram Down, ela me disse (psicóloga) que foi a sessão mais bonita que ela viu ... ela veio lá da gestação, até nasceu o bebê até... e ela sabe perfeitamente que é ela Down (referindo-se a filha). [...] um dia desses dias ela me perguntou: eu tenho uma dor no dedinho que é torto, Eu disse é F., porque é torto? É porque a minha filha nasceu Down, lembra que a ML contou para vocês? -ah é mãe, é o dedinho do pé, o dedinho da mão são assim são característica da SD, então ela sabe, ela tem consciência, ela sabe que nasceu molinha, que o problema dela nasceu molinha é da SD, mas que ela tinha condições de desenvolver e tal (M-04).

Outra mãe relata esta terapia realizada em conjunto com a psicóloga com o objetivo de levar - as adolescentes na época - à conscientização da Síndrome de Down. Comenta que nestes anos de luta, buscando alternativas de atendimento para os filhos, essas mães 174


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encontravam-se sempre na sala de espera e foram pioneiras em levar o filho para a natação, dança (ballet). Realmente constata-se uma longa jornada investida em atendimentos e terapias com médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e professores especializados, que pode ser entendida como uma estratégia de investimento na educação do filho e que serão aprofundados a seguir.

3.4.1.2.2 Os atendimentos clínicos: A história da educação especial na civilização ocidental apresenta em diferentes épocas que os atendimentos as pessoas com deficiência variaram, mas somente agora, muito recentemente é que a concepção sobre a deficiência passa ser vista com olhos educacionais. A visão clínica que perdurou por longas décadas e que ainda subsiste em muitas formas de atendimento atualmente, provavelmente foi uma das responsáveis por desencadear e naturalizar a necessidade de tratamento como se a deficiência fosse uma doença. Neste sentido, as famílias desses alunos que freqüentaram as Classes Especiais do CCJ não saíram ilesas, procuraram por anos “tratar” as dificuldades dos filhos com atendimentos fonoaudiológicos, fisioterápicos e psicológicos na tentativa de diminuir as “incapacidades” destes no processo de escolarização regular, como veremos a seguir:

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As famílias com filhos deficientes

Era A. a F. e a essa menina que eu tô falando [...] a C.a, sempre nós três sempre juntas, elas fizeram dez anos de natação, fizeram cinco anos de dança [...] A F. fez quatorze anos de fonoaudiologia, (Risos) às vezes a gente olha para trás será que a gente fez tudo isto mesmo, ainda em bom tempo... (M-04). Daí eu procurei um tal de ( ?) uma clínica que tinha, eu acho que tinha fono, aqui em Florianópolis mesmo. Aí começou minha luta aí, né. Era tudo particular, aí eu pagava fono, psicóloga, sabe. Trabalhei muitos anos com a nossa fonoaudióloga até os 17 anos, aí depois não tava rendendo mais, aí demos um tempo. [...] Mas aí teve na clínica do Dr. ( Z.), não sei se tu lembra? Que faleceu. Ele fez um trabalho maravilhoso com ele, saia fazia um lanche, sabe, um trabalho maravilhoso. E teve também uma Dra., mas eu não me lembro o nome dela agora, era uma senhora, era na Rio Branco, mas eu não me lembro o nome dela agora. Então foi assim, uma luta constante, né(M-02). Ele veio de Porto Alegre com uns seis anos. Lá em Porto Alegre tinha uma clinica, ele ficou lá até virmos para cá (M04). [...] ele fez uma vez para o reforço... mas não saiu do Coração de Jesus [...] tinha um coleginho ali naquela rua... uma casa pequenininha, ele formou um coleginho ali... mas eu não estava gostando muito 176


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não, ele ficou um ano, um ano e pouco ali, depois a gente achou que não estava adiantando... daí ele ficou só no Coração de Jesus (M-03). Quando a C. era pequena foi fazer um atendimento na Clínica V. no RJ e era paciente do Dr Á. ela fez parte da clínica. Bem no começo, quando eu morava em Blumenau assisti uma palestra e foi com a M. O. B. e o Dr. A. daí eu já vinha pra cá...Eu já tinha estudado no Sagrada Família da mesma Congregação...Eu não procurei outro lugar já vim para o CCJ (M-5).

Constata-se que existiu um grande investimento em atividades extra-escolares, desde o nascimento com a “estimulação precoce”, que, em dois casos, foram realizadas na Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), mas todos os outros foram pagos, o que certamente exigiu grandes gastos financeiros. Sem contar o dispêndio de tempo necessário para dar conta desta agenda de atendimentos. Considerando que a maioria das mães tinha mais de um filho, é compreensível que as mesmas tenham abandonado suas carreiras profissionais. Uma delas, depois de 10 anos na profissão de advogada, relata que abandonou a carreira para dedicar-se ao filho com S.D. Infere-se que a formação que a maioria delas teve no CCJ ou em Colégio similar seja também responsável pela abnegação encontrada nestas mulheres que foram formadas para exercerem o papel de “boas mães e esposas”. Porém esta atitude de ficar em casa só pôde ser 177


As famílias com filhos deficientes

efetivada pelo respaldo que a condição financeira propiciou, principalmente na figura do pai, nesta distinção clara dos papéis tradicionais de homem e mulher na configuração destas famílias, conforme os relatos abaixo: Meu marido trabalha na Universidade, é professor [...] da UFSC é da área da química. [...] Eu trabalho em casa, mas trabalho como voluntária aqui (cooperativa) [...] E outra coisa ele chegava em casa e tinha as coisas dele para fazer, e eu não. né? Dona de casa, não é assim. Então eu sempre assumi o R. (M-2).

Romanelli (2000), escrevendo sobre a autoridade e o poder na família, indica que a organização familiar é um elemento importante na forma como é conduzido o processo de socialização dos “imaturos”. Explica que, apesar das mudanças nas últimas décadas que acarretaram a diversidade na composição e constituições das famílias, a família nuclear continua prevalecendo, mas que sua importância transcende ao predomínio estatístico, residindo em seu significado simbólico, que a transformou no modelo ideal de ordenação da vida doméstica: Em linha gerais, esse modelo de família tem como atributos básicos: uma estrutura hierarquizada, no interior da qual o marido/pai exerce autoridade e poder sobre a esposa e os filhos; a divisão 178


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sexual do trabalho bastante rígida, que separa tarefas e atribuições masculinas e femininas; o tipo de vínculo afetivo existente entre os cônjuges e entre esses e a prole, sendo que neste último casa há maior proximidade entre mãe e filhos; o controle da sexualidade feminina e a dupla moral sexual.(ROMANELLI, 2000 p.75).

Examinando-se as características de composição destas famílias, é possível afirmar que se tratam de famílias nucleares, com forte divisão do papel dos genitores: a mãe ,responsável pela vida privada da família, cuidando da casa e dos filhos, e o pai, da vida pública, buscando fora o sustento da prole. Segundo Brown (1990), o sistema familiar é composto pelos membros de casa e por qualquer pessoa, presente ou não, que exerça influência constante na configuração das interações familiares. Completa afirmando que os laços familiares são invisíveis, complexos e poderosíssimos, capazes de modelar atitudes, expor emoções a quilômetro de distância e influenciar nosso comportamento durante toda a vida. Entram aqui também os investimentos “naturais” da classe superior em academias de ginásticas, cursos de informática, dança, entre outros, que estas famílias costumam fazer para seus filhos e que aqui também é resguardo para o filho com deficiência, como no relato abaixo: Era A. a C e a F. e a essa menina que eu to falando [...] sempre nós três sempre juntas, elas fizeram dez anos de natação, 179


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fizeram cinco anos de dança [...] chegou agorinha da academia, levou cheque para pagar a academia que hoje era dia [...] ela vai com esse menino (colega da cooperativa) para academia, família ótima, educação boa (M-04). [...] foi muito bom, informática, tanto que, ela depois fez um curso de informática sozinha de dois anos iniciação no Futuro Kids, fez depois da oitava série na Universidade (UFSC), a universidade deu chance para fazer um curso para deficientes, ela tem e-mail, ela usa internet, ela sabe lidar com computação, tudo direitinho(M-04).

É interessante observar que estas famílias investiram muito nestes atendimentos como mostram os relatos abaixo, sempre estiveram a frente, abrindo caminhos para que seus filhos tivessem o que consideravam de melhor, mesmo que para isto eles tivessem que fazer parte do empreendimento, como é o caso destas famílias na trajetória escolar dos filhos e na situação de “trabalho protegido” como veremos no próximo tópico sobre a fundação da Cooperativa. Indicando a trajetória percorrida desde o nascimento do filho esta família aponta que: [...] quando ela nasceu, ela foi diretamente para a Fundação Catarinense de Educação Especial, que era ainda na fase de bebê, de estimulação. Depois dessa estimulação toda nós criamos uma escola, que é a Escola Vida e Movimento.

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Por que o nosso grupo era um grupo de meninos que naquela época, ainda estão juntos, faziam fisioterapia aqui na clínica do dr. A. de O. [...] da clínica nós transformamos em uma escola, porque na fisioterapia que se fazia, também se fazia linguagem, [fonoaudiologia], então os técnicos que faziam isso, justamente conosco fundaram uma escola, e esta escola transformou-se depois na Vida e Movimento (P-04). [...] a gente fez até os quatro anos na Fundação em estimulação precoce, tudo que era necessário para ela desenvolver, para caminhar, para começar falar, etc. Dali aos quatro anos foi fundado pelo A. J. O., não sei se você conhece? Eu chamo de A. por que é muito amigo desde quando eu era solteira, uma clínica onde ele atendia e onde as meninas faziam fonoaudiologia, a F. fez e outras amiguinhas, foi fundada uma escola também especial chamada “Vida e Movimento”, então elas continuaram ali, daí elas foram ... Da Fundação vieram para a Vida e Movimento ela ficou ali até os dez anos... (M-04)

Na entrevista com a ex-aluna, também aparece que foi através de uma clínica especializada no atendimento de crianças com “atraso no desenvolvimento neuropsicomotor”-, nomenclatura corrente na época para não caracterizar crianças com menos de 7 (sete) anos como deficientes mentais- que partiu a idéia da formação da classe especial no CCJ. 181


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Apesar das frases truncadas, foi possível confirmar as informações através da inclusão de mais uma entrevista com o profissional responsável, na época, pela clínica que ratificou sua participação na pressão para que os filhos destas famílias tivesse atendimento em uma escola regular como ilustram os seguintes relatos: [...] ele montou a classe a partir do meu caso, porque eu tive um ano em São Paulo, eu tive no Rio de Janeiro, eu tive em São Paulo no instituto ( ?) em São Paulo. [...] meu pai era empreiteiro. Recebeu essa sugestão, para me levar para a Europa [...] porque ninguém sabia, era uma incógnita, como é que ia ser, como eu ia passar da infância para a adolescência e da adolescência para a fase adulta. [...] assim, eu tive uma conversa séria, aberta e franca com o Dr.A. Ele me botou duas opções.., Eu tinha 7 anos de idade. Eu cresci dentro daquele Colégio, para tu ver. [...] Ou tu vais para a Europa ou tu vais para a classe especial. Que na época não tinha profissional da área aqui em Florianópolis [...] só o A. J. e a C., mais ninguém. E de famoso só o Dr. A., entendesse? (A-01). [...] inclusive a grande preocupação do A.44 era fugir da APAE, como o Diabo foge da cruz. (risos) (?) tanto é verdade que foi ele o C. (P-06) foram os dois que pediram muito a nossa ajuda para criar a Escola Vida e Movimento, dentro da 44

Para preservar o anonimato das pessoas citadas nas entrevista, optou-se por manter somente a abreviatura. Neste caso A. corresponde ao P-04. 182


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nossa própria clínica [...] Era a ( CLIDEHU) Clínica de Desenvolvimento Humano, que nós tínhamos aí na Altamiro Guimarães. [...] nós criamos a escola Vida e Movimento que era uma escola ligada a clínica supervisionada por nós e que na verdade atendia essas crianças com deficiência, mas sem ser na APAE. Então nós estávamos sempre sugerindo que as escolas de modo geral abrissem esse espaço, para a educação especial de crianças, e já estabelecessem a inclusão. Além do que na ocasião tinha uma série de pais que queriam os filhos lá no Coração de Jesus. [questionado: - pela classe social, Dr. A.?] [...] É exatamente. Nesse aspecto também por que eram pais que queriam seus filhos matriculados numa instituição diferenciada, onde seus irmãos estavam [...] (Dr. A.).

Vê-se neste dois depoimentos que havia um reduto de famílias em torno desta clínica que procuravam para os seus filhos uma distinção na forma de atendimento, muito além, do que o serviço público ou as iniciativas privadas na área da educação especial ofereciam naquela época. Carvalho (2004) relaciona as atividades extra- escolares com o capital cultural das famílias, apresentando como um investimento das famílias na educação dos filhos os cursos de língua estrangeira. As atividades freqüentadas pelos filhos destas famílias variam de natação, ballet, aulas de instrumentos musicais e arte. Entende-se que essas aulas 183


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extras fazem parte da busca do “ser integral”, ou seja, investindo no potencial dos filhos, incentivando que eles tenham contato com uma gama de atividades que não fazem parte do currículo da escola formal enriqueceriam seu repertório cultural e conseqüentemente o prestigio e distinção que advêm do acumulo destes capitais inacessíveis a maioria da população. No caso dos atendimentos clínicos enfrentados pelos participantes desta pesquisa, pode-se aproximar aos investimentos familiares para diminuir o fracasso escolar descritos por Lahire (1997). Soares (2004), discutindo a escolaridade obrigatória no ensino regular para o aluno surdo, afirma que muitas famílias, devido à posição social, optavam por colocar seus filhos no ensino regular em detrimento ao ensino especializado, porém possibilitando atendimento clínico e pedagógico extra escolar: A política que originou o surgimento de uma rede privada de ensino permitiu que várias crianças que possuíam deficiências freqüentassem o ensino comum. Pela posição social que ocupavam, certos pais recusavam o ensino especializado preferindo que seus filhos permanecessem integrado no ensino comum. Essas crianças usufruíam todo atendimento clínico e pedagógico necessário para garantir a sua permanência escolar de forma integrada. (SOARES, 2004 p.50).

Apesar de a autora estar referindo-se especialmente aos alunos surdos e atendimentos clínicos 184


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específicos, é possível fazer a aproximação com os dados desta pesquisa, em que os pais procuravam compensar as “deficiências” de linguagem, do tônus muscular e outros, com atendimento paralelo para compensar o que ele estaria usufruindo se estivesse em uma escola especial.

3.4.1.3 Expectativas familiares Nesta subcategoria, encontram-se os depoimentos referentes às motivações e expectativas das famílias quanto à escolha da escola para o filho com deficiência mental. Está dividido em dois eixos: um que explora as expectativas quanto à deficiência e o outro, com relação à escolarização.

3.4.1.3.1 Expectativas quanto à deficiência: Os depoimentos abaixo corroboram em demonstrar que estas famílias investiram na seleção da escola para o filho como estratégia de diminuir as marcas da deficiência, e que a concepção de que as escolas especiais (APAE ou FCEE) não eram para eles torna-se evidente, em suas respostas ao questionamento sobre suas escolhas: [...] o trabalho na FCEE foi de estimulação precoce...Não porque aquele trabalho lá... Encerrou não tinha parte pedagógica nada. (E na APAE?) Esta que o Aldo foi 185


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presidente?Também porque como ela se alfabetizou ela precisa de mais coisa... Não sei se eles têm agora... Parece que eles têm alguma... não sei se vão à escola pública, porque a F. nunca andou na APAE. (M-04). Ai um dia eu estava vindo da APAE e eu vi um menino igual a ele descendo do Coração de Jesus de uniforme. [...] Então eu fui saber como é que eles estavam aceitando. Na APAE eles não estavam alfabetizando, daí era aquele problema, eu queria a alfabetização [...] (M-03). Na APAE eles não alfabetizavam... eu queria a alfabetização para ela (M-05). [...] Não, mas eu acho, que no caso do R., não tinha necessidade da APAE, porque eu acho que a APAE a Fundação já não ía aceitar o R., se tu olhar para o R., tu não diz que ele tem problema, nenhum. Não tem assim, tanta dificuldade nas coisas. O problema dele era a aprendizagem e a [...] Eu não sei se a APAE faz esse trabalho também, nunca procurei a APAE (M-02).

Basicamente a expectativa é que o filho, apesar da deficiência, fosse alfabetizado, por ter um “nível mais elevado”, como mencionou a última mãe. Demonstram que o relacionamento com a família é tranqüilo, mas que ainda perseguem com reforço escolar que os filhos não “desaprendam” o que conquistaram, mantendo uma luta constante: 186


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[...] porque uma criança assim, sem mentira nenhuma a gente educa 24 horas por dia para ela poder crescer e viver em sociedade como a gente vive. Então Graças a Deus! Eu não tenho assim, problema nenhum com ela, ela sabe se comportar ela, ela agora já esta vindo sozinha das coisas. E agora ela continua com reforço pedagógico, porque uma das mães das meninas que estava no Colégio, mãe da C. ela esta dando reforço pedagógico [...] se ela está na TV ela está escrevendo, fazendo historinha sempre, desde pequena , sempre se exercitando, impressionante. Agora não as matérias mesmo, só com a S. que ela tem esse reforço, nas segundas, quartas e quintasfeiras (M-04). É preciso aceitação dos pais - tem que começar pela família. Até hoje trabalho com ela, ela não pode ficar parada... este é meu erro de dar coisas para ela, hoje ela tem pouca iniciativa. Eles (SD) não podem parar nunca tem que sempre ser incentivados.... precisa trabalhar muito... ela é independente em casa, ela chega ela dobra a roupa ela aprendeu... sabe fazer um macarrão, salsicha...no final de semana eu faço uma faxina, lavo o cabelo ela não gosta ela diz:- eu já sei (M-05).

A descrição da primeira mãe, que afirma a necessidade de educar vinte quatro horas por dia, referindo-se a filha como uma criança, vem corroborar com os estudos que mostram que a pessoa com 187


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deficiência mental é tratada dentro da família como uma eterna criança. (TERRASSI, 1993; DALLABRIDA, 1996). Neste último depoimento, a mãe deixa claro que não acredita na independência da filha, embora esta já esteja com 26 anos, ainda continua uma vez por semana fazendo a “faxina no banho”. Sua descrição de que as pessoas com SD não podem parar nunca de trabalhar no sentido de aprendizagem ou reforço determina sua concepção de que a filha será sempre uma pessoa dependente. Com relação à convivência familiar diz que tem duas netas (11,12 anos) e que ambas se relacionam muito bem com a tia, mas impressiona que este relacionamento, só é possível, assegurado pelas brincadeiras de crianças. Comenta que na infância a filha brincava com uma prima “naturalmente”, sem que a mesma notasse alguma diferença: [...] a minha cunhada tinha um a filha da idade da C. e ela ficou sabendo só aos sete anos que a C. era SD eu sentei e expliquei para ela. Elas brincavam sempre juntas e ela não tinha notado diferenças, hoje ela é médica (M-05).

Pode-se inferir que as marcas da deficiência encontram-se entranhadas nas atitudes de proteção e cuidado que esta família descreve para com a filha. No próximo relato, encontra-se uma declaração, contrária a anterior, de que o filho é independente. Esta família já foi mencionada, pois a mãe recorre sempre para o aspecto físico do filho, por não ser portador de nenhuma síndrome. Considera-o como um companheiro, na verdade a ligação desta mãe com o 188


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filho fica nítida nas expressões utilizadas ao longo da entrevista, declara-se como uma pessoa fechada, com poucos amigos e reclama desta atitude no outro filho: [...] É um companheiro. Ele é muito companheiro, eu sempre falo, meu marido também, (?)... assim, por exemplo, se eu chegar em casa, e perdi a chave, eu tenho certeza que eu vou entrar na casa, ou o Rodrigo ou com meu marido eu tenho certeza, com um dos dois eu vou entrar, porque eles são assim, (?) sabe, ele dá um jeito. Já com o R2 eu tenho certeza que vou ter que ir no chaveiro, pegar o chaveiro e ir lá, sabe. Tem uma diferença. O R2. é tímido, ele não tem muitos amigos, é lá no sítio as amizades dele, tanto que ele foi morar lá, construímos uma casa muito boa e ele foi morar lá. Mas o R. não, imagina, eu falo sempre o problema do R. no R2., Deus me livre! Ia ser um caos [...] Porque é assim, o R. não tem vergonha de nada, ele tem deficiência na fala, ele fala meio atrapalhado, mas ele vai no comércio, ele pega ele compra, se chega estragado ele vai na loja ele troca e reclama, sabe? Tanto que ele faz as comprar aqui na Cooperativa é só dizer: vai comprar cola, em tal lugar lá na frente. Vai, e se vira [...] Mas assim, continha dinheiro ele sabe lidar, ele compra faz tudo, sabe (M-02). [...] É eu não sei, eu não tinha afinidade com as mães, não. Não, não tinha. Eu tinha com as professoras, assim, que eu ia lá, mas com as mães não. Eu, por 189


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exemplo, a A. que trabalha comigo aqui na cooperativa, o menino dela também estudou lá um tempo, no Coração de Jesus, mas eu nem conhecia ela. [...] Ia num aniversário quando eles faziam, aí convidavam, assim eu ia, mas não tinha aquela coisa assim, das mães com (?) se reunir sempre. Não nunca teve comigo não. Eu conheci os filhos né, que a gente sempre ia nas festinhas, né a gente via assim...: Não, não tinha. Inclusive, assim, nem com os outros também nos outros Colégios [...] eu sou muito de reclamar, lá com os professores. Ir lá reclamar quando tem alguma coisa errada, e chamar a diretora e, sabe assim, tem alguma coisa errada eu ia lá, mas assim, com os pais não tem aquela coisa assim, de... Tem gente que é meio assim né, tem aquela relação de amizade, mas eu não (M-02).

Constata-se a complementaridade que o filho trouxe para está mãe “pouco sociável”; sem entrar nesta relação familiar, é importante considerar que muitos irmãos de pessoas deficientes são pouco assistidos pela família como têm demonstrado estudos nesta área. Fernandes (2005), destaca que todos da família são atingidos ao nascimento de um membro deficiente. Lembra que muitos irmãos sentem-se abandonados pelos pais e obrigados a esforçarem para serem felizes e brilhantes, já que nasceram sem nenhuma deficiência:

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Os restantes filhos são, pois, abandonados e, ainda, obrigados a esforçarem-se por serem perfeitos, felizes, brilhantes e a darem aos pais todas as alegrias de que eles foram privados pelo aparecimento do problema. Como se os pais projetassem, nos filhos sãos, a imagem idealizada, do filho perdido. E, ainda, algumas vezes, a indisponibilidade parental (dos dois ou, apenas, de um deles) leva-os a que deleguem num dos filhos as suas funções, o que induz, na criança parentificada, comportamentos de hipermaturação que mais cedo ou mais tarde podem perturbar o desenvolvimento da sua autonomia (FERNANDES, 2005, p.27).

No relacionamento dos filhos com os pais, encontram-se várias descrições, algumas mães salientam a presença do pai na educação dos filhos na busca da melhor atendimento, alguns mais abertos outros mais distantes, porém todas tiveram a presença dos maridos em casa, mesmo que na função de provedor: [...] o pai dela cooperou muito com isto (com a desenvoltura da filha), levava ela a tudo, passeava, levava ela a tudo, incentiva ela a namorar...ela namorava o L. (M-06). [...] ele foi um pai assim, super bacana, porque a gente não fazia nada, na época, imagina, era tudo muito caro, eu pagava fono, psicóloga, eu pagava muita coisa e colégio. [...] ele nunca reclamou de nada,

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assim: - ah! porque eu não consigo fazer nada, porque tem que gastar com o R.. [...] mas quando precisava, tinha dúvida de alguma coisa.... ele tava presente, né. Mas não é aquela coisa que não quisesse fazer, é porque eu assumia e não precisava. Mas se tivesse alguma dúvida, com certeza ele socorria. [...]: Eu sempre, eu que sou mais, eu que ajudava mais, assim, porque ele não tem muita...paciência ( risos). É, porque no caso, ele já trabalha mais, quase nem dá aula mais, porque é mais projeto e aluno de mestrado, doutorado, então já não tem mais... tempo (M-02). [...] nesse período que ela esteve lá (CCJ), eu sempre fui um pai muito presente, não é fazer propaganda minha, por que em toda e qualquer reunião eu participava (P-04).

Lahire (1997) apresenta a omissão parental como um mito criado pelos professores que ignoram as lógicas das configurações familiares, inferindo que o comportamento e o desempenho dos alunos estejam diretamente atrelado com o empenho dos pais na educação dos filhos. Nesta pesquisa, pode-se conferir que todos os pais estiveram presentes nas famílias e que as mães, apesar de terem uma participação mais direta com a educação familiar, sempre puderam contar com o respaldo dos mesmos. Alguns estudos apontam para a prática comum dos pais de abandonarem suas famílias após o nascimento de um filho com deficiência 192


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(TERRRASSI, 1995; MARTINEZ, 1992). Com referência ao relacionamento em família, o relato abaixo mostra que havia uma vigilância para que esta filha com deficiência fosse acolhida e recebesse a mesma atenção que os demais: [...] também na nossa casa tinha muita criança... que nasceu uns quatro ou cinco sobrinhos na mesma época. E dentro de casa a gente sempre colocou isso, dentro de casa a convivência sempre foi normal. Porque a F. dentro de casa nunca foi olhada como uma pessoa diferente, uma deficiente, ela tinha sim sua deficiência, mas ninguém fazia nada para proteger por causa disso (P-04).

Na expressão do pai de que a filha não era olhada como uma pessoa diferente/ deficiente dentro da família, pode ser entendido como o cuidado para que sua filha fosse reconhecida como membro integrante desta família e que a Síndrome de Down não predominasse sobre sua condição humana. Segundo Crochik (1995), independente das inúmeras características que a vítima do preconceito possua, o que passa a caracterizá-la é o termo que designa o preconceito: Não vemos a pessoa que é objeto de preconceito a partir de diversos que possuí, mas, reduzimos esses diversos predicados ao nome que não permite nomeação: judeu, negro, louco, etc. [...] À particularidade que assume a característica preponderante da vítima do 193


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preconceito são associados outros atributos fixos que se constituem em estereótipos (CROCHIK,1995, p.23-24).

Com relação à expectativa com o filho, os depoimentos demonstram mais preocupação que verdadeiramente uma expectativa no futuro: Olha, a minha expectativa realmente é a independência... então eu acho que hoje na idade que ela está para nós o mais interessante realmente, sem esquecer aquilo que aprendeu é o trabalho. A preocupação na idade hoje eles ali com adultos... uma juventude que a gente cuida muito é a parte sexual deles... Que aí vem os amoros (risos) -ela disse que vai arranjar um namorado- Eu não alimento, o C. (P-06) já era de alimentar, o namorado da filha. Então era uma coisa assim claro que a gente sabe que não é nada... Mas o C. (P-06) fazia questão de falar assim, eu já não falo... porque a gente não sabe se deixar muito livre o que pode acontecer... Podem querer sair juntos...é uma preocupação sabe que eu tenho não gosto muito de alimentar não. Mas também não condeno. Digo:- Ah, F.vamos fazer amigos, vamos ter amigos, amigos que é bom ter. Tu e o L.não estão sempre juntos. Eu não alimento, mas também por causa disto, que a gente sabe, é uma coisa natural a gente sabe, né? Da natureza humana... No fundo no fundo a gente fica com pena, que a gente sabe que a natureza é a mesma [...] No dia dos namorados saíram um grupo da 194


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Cooperativa tiveram no Shopping (M-04).

A preocupação desta mãe com relação à idade da filha e, conseqüentemente, à sexualidade, aparece também em outros depoimentos dos participantes. A passagem da infância para a adolescência e dela para a vida adulta gera muitas inseguranças nas famílias, principalmente com relação ao futuro e a sexualidade. Alguns estudos mostram que os pais lançam mão de estratégias de infantilização na tentativa de mantê-los alheios ao seu próprio desenvolvimento, através do uso de roupas, acessórios, brinquedos e brincadeiras de crianças e também através da forma de tratamento: “minha criança, minha lindinha, meu bebê” (FRANÇA RIBEIRO, 2001). Com este depoimento encerramos os relatos sobre a expectativa da família com relação à deficiência. Estes aspectos aqui discutidos serão aprofundados ao longo das próximas subcategorias. Fica claro que essas famílias assistem seus filhos com muita devoção, com muito carinho, porém que as marcas deixadas pela deficiência turvam suas visões para enxergar o filho real, adulto, que apesar de ter um diagnóstico que pressupõe uma deficiência mental, é uma pessoa, e que já conquistou muito mais, através de atendimentos diferenciados que a família pôde oferecer, do que a maioria da população, principalmente porque saíram das terríveis estatísticas de analfabetismo que assola Brasil.

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3.4.1.3.2 Expectativas quanto à escolarização: Dentro das expectativas familiares, será analisada a escolha do Colégio Coração de Jesus por estas famílias que, desde o nascimento deste filho, estão travando uma batalha interna e externamente na busca de um atendimento que “normalize” a questão da deficiência. [...] a gente colocou primeiro na Fundação Catarinense de Educação Especial, porque na verdade naquele primeiro momento o colégio não atendia nas primeiras fases, nos primeiros anos, o Colégio só atendia depois de uma determinada idade, né. Ir para o Colégio Coração de Jesus, primeiro porque tinha a identidade nossa, a E.(esposa), a minha sogra estudou, a E. estudou, nossas filhas estudaram, e hoje nossas netas estão estudando O colégio foi importante, primeiro para a gente, um colégio com melhor qualidade, um colégio tradicional, queira ou não queira no fundo você procura para o seu filho, você quer dizer: A minha filha esta no Coração de Jesus, essa é a verdade! Não adianta esconder o sol com a peneira, por mais que você seja aberto... da nossa parte houve uma aceitação muito grande, a gente sempre procurou dar para ela tudo que sempre foi possível, ela teve dez anos de fono, dez anos de natação, e minha mulher, se dedicou o período, toda a vida dela para ela. Enquanto eu fui em busca desse lado social, ela trabalhou com a educação dela, 196


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e no fundo, no fundo, como eu sempre digo, que hoje é muito diferente, mas houve um tempo em que o pessoal tinha vergonha de colocar seus filhos na APAE (P-04).

Neste depoimento, encontram-se as confirmações mencionadas anteriormente sobre a dedicação da mulher com a casa e com os filho, principalmente este que necessitou de muita disponibilidade na questão de tempo e dinheiro. Também exprime com muita coragem um sentimento que cala dentro de muitas famílias que têm filhos em escolas especiais, que é a “vergonha” de seu projeto familiar de sucessão ter sido fracassado. Infere-se que o envolvimento deste pai na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), sem a filha nunca ter freqüentado esta instituição pode estar por traz desta “aceitação” dos desígnios de uma força superior, para sustentar a tese de que “existem pessoas com muito mais prejuízos e com muito mais dificuldades que as nossas”. O envolvimento deste pai com a APAE começou após o nascimento da filha e conforme seu relato, sua atuação objetivou aspectos específicos: [...] então eu assumi (presidência da APAE), e a preocupação que a gente assumiu, foi de melhorar as condições físicas, que não tinham muito, tinha uma casinha de madeira lá, mas com muito pouca orientação, o estado colocava professor a disposição, mas a gente priorizou o melhoramento da parte física, a partir daí a gente começou a estudar 197


As famílias com filhos deficientes

melhor a questão o deficiente, começamos a fazer projetos, a fazer programas, por que até então... [...] Por que tinham vergonha de colocar seus filhos na APAE [...] Isso eu tentei colocar durante o tempo que eu estava na APAE, tirar da cabeça: ah porque é escola de tolinho, escola de doente! Ninguém quer que seu filho seja carimbado, carimbada como [...] outra coisa ali na APAE, ela tinham nos carros APAE , tanto que quando eu fui para lá eu tirei todas essas pinturas, por que não precisava esse tipo de coisa [...] hoje não tem mais problema pode ter o nome de APAE, pelo contrário hoje a APAE é uma instituição altamente reconhecida, ajudada por que é feito uma trabalho muito aberto, um trabalho muito sério, mas esta na verdade... Eu fui quatro anos como presidente, nestes quatro anos foi arrumando e organizando tudo, foi feito estatuto que não tinha, daí passamos a ter convênio com o Estado, em relação aos nossos professores, na parte pedagógica, toda ela foi feita através da Fundação Catarinense de Educação Especial, que era responsável pela parte educacional, então era a fundação que dava as normas de trabalho, e a gente começou a trabalhar neste sentido. Eu acho que a F. nunca esteve na APAE (P04).

Sua esposa confirma sua atuação na APAE como uma pessoa muito engajada, que procurou investir parte de seu tempo para auxiliar com seu capital cultural e social esta instituição filantrópica: 198


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

O A. foi trabalhar na APAE, daí foi presidente, varias vezes, ficou engajado, vestiu a camisa (M-04).

Nos depoimentos que seguem encontram-se as motivações que fizeram parte do critério de escolha do CCJ para este filho, mencionam a tradição do mesmo e as aspirações quanto ao relacionamento social, conforme é relatado abaixo: [...] então a gente procurou um colégio que, era mais para a satisfação nossa do que deles, pensando bem era isso! Mas também era para eles por que havia um relacionamento[...] Então neste Colégio fomos em busca não diria status, mas por uma convivência melhor, o Colégio era melhor, tinha outras vantagens, vantagens essas que a gente já colocou, convivência com pessoas do mesmo nível social. E essas minhas sobrinhas que eram da época dela também estavam no colégio, então deu certo. Enquanto pai a gente tem muito claro isso, talvez seja uma maneira de achar que teu filho não pode estar lá (APAE), porque se disser que ele esta no Colégio Coração de Jesus, a verdade é essa. Estar no Coração, esta em classe especial, esta com o mesmo uniforme, então tudo isso... é uma maneira do pai se satisfazer [...] a gente quer que os filhos se relacionem dentro do padrão de vida da gente, tudo isso também é importante (P-04). [...] então buscamos no colégio a tradição, esperávamos um 199


As famílias com filhos deficientes

desenvolvimento melhor, tanto que ela desenvolveu muito na classe especial. Tanto que a classe especial todas as professoras que estavam na classe especial eram especializadas em educação especial, então elas integraram com a dança, chegaram a fazer parte da banda do colégio. Então tudo isso foi uma evolução e no caso nós pais, no meu e da E. lógico, tinha muita sensibilidade, gostávamos muito do Colégio, e lutávamos muito para isso, tanto que quando chegou à época que o Colégio acabou com a classe especial a gente ficou muito chateado [...] (M-04).

Neste sentido, as famílias descrevem que o CCJ foi o primeiro Colégio Regular que implementou Classes Especiais para atender alunos, que devido sua condição de deficientes, não eram aceitos nas classes comuns, sendo elegíveis somente para as escolas especiais. Acreditam que a falta de alternativas de atendimento para as pessoas deficientes deveu-se por duas razões: pela desinformação e, conseqüentemente, pela forma como a deficiência era encarada. Abaixo encontra-se um exemplo desta situação quando uma família, que procurava uma escola de educação infantil para colocar seu filho SD, foi interpelada pela diretora: [...] nós aceitamos, só que eu quero o seguinte: Vocês tragam um atestado médico dizendo que não é contagioso, não é por mim, é pelo outros pais. Você vê como era a visão na época, que ela não tem problema de contagio, que essa

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Adarzilse Mazzuco Dallabrida

doença não pega. Isso ela colocou, mas ligada à realidade que os pais podiam perguntar. Não tem problema, o médico deu o atestado (P-04).

As dificuldades em encontrar alternativas de atendimentos para os filhos deficientes que atendesse as expectativas dos pais foram relatadas por todas as famílias: Nós só tínhamos um caminho a APAE, ou a Fundação Catarinense de Educação Especial, não tinha mais... não existia nada, mas... se você tiver condições de escolher, você vai escolher aquilo que lhe parece melhor (M-06). [...] porque o que faltou para os nossos deficientes para os nossos filhos foram os antigos que esconderam, essa coisa toda, coisa que não é vista, não é mostrada, não é trabalhada, falta de conhecimento, lógico é rejeitado. Fica retido, fica agressivo, fica tudo isso. No momento que você põe para fora, começa a sair com ele, começa a levar em festas, começa a levar em tudo isso ele tem o seu convívio social, que o deficiente ele tem uma vida normal. Lógico o que ele tem ...ele tem um retardo mental, lógico, tem uns mais agressivos, outros menos agressivos, uns tem mais dificuldade de andar, outro não tem, e assim por diante, e se fazia tratamento, então hoje essa evolução é muito aberta, então se buscava colocar seus filhos em determinados lugares que eram destaque, como antigamente, os pais que tinham recursos 201


As famílias com filhos deficientes

colocam em colégios interninhos, em clínicas internas em São Paulo e Rio de Janeiro por que aqui não tinha isso. Isso tudo é uma evolução natural, por isso eu acho que hoje a coisa ta uma beleza.... [...] a gente quer que os filhos se relacionem dentro do padrão de vida da gente, tudo isso também é importante. Hoje eu não vejo assim não, mas na época a gente via isso, hoje eu vejo muito diferente [...] porque é muito cômodo, né. Era de manhã, colocava o filho lá, era bonito, com um uniformezinho bonitinho, quando tinha desfile do dia sete de setembro bonitinho, embora fosse uma pessoa mais velha de idade, era bonitinho (P-04). [...] por que eu acho o seguinte, mesmo sendo deficiente, o pai quer que ele evolua, quer que ele se alfabetize [...] porque uma pessoa alfabetizada tem “n” leques, sabendo ler, ele pode ler uma revista, essa coisa toda, por isso é fundamental hoje temos, temos a coisa bem diferente, todos os colégios são obrigados a incluir (M-04).

Infere-se, com base nos depoimentos, que as motivações e as expectativas das famílias na escolha do CCJ deveu-se mais pela busca de um Colégio de tradição que oferecesse a oportunidade de convívio com pessoas da mesma origem social, do que a busca de atendimento pedagógico, tendo em vista que, na maioria dos casos, os filhos já estavam no processo de alfabetização e mesmo aqueles que não conseguiram se alfabetizar, as mães 202


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

declararam que gostariam que o filho estive ainda freqüentando aquela instituição. [...] infelizmente ela não conseguiu eu não deixei fazer (formatura) porque ela não aprendeu nem a ler A importância de escola onde tem pessoas normais, atividade de vida diária. Os amigos são até hoje... eu acho muito importante os amigos.... muito importante uma pena que acabou... se não tivesse acabado ela estaria até hoje lá (M-06). [...] Não, eu acho que não é só pelo status, eu não sei qual é a palavra correta que eu vou te falar, ele quer ver seu filho, ele almeja, ele quer que o filho alcance maior qualidade de vida, de intelectualidade, de aprendizagem para ele, então ele busca o colégio, da preferência pelo colégio, então é em função disso, opção dele, de ter seu filho, em uma escola particular, dentro de um colégio de nível social melhor, um colégio onde eles saiam bonitinho, direitinho, alfabetizado, com seu uniforme, eu acho que ele ainda busca isso. Eu acho que além para aprendizagem de seu filho, ele ainda busca um status, acho que a maioria pensa assim. [...] então eu vou colocar naquele colégio, porque assim ele é visto de uma maneira diferente, acho que isso ainda existe. Talvez eu esteja errado, tomara que eu esteja totalmente errado (P-04).

No depoimento acima, é possível visualizar 203


As famílias com filhos deficientes

que o que esta família está procurando é a ampliação do capital cultural e social do filho, que pode ser corroborado com os relatos abaixo sobre a questão de socialização como a central nesta escolha do Colégio: [...] olha minha expectativa até então, além de reforçar aquele trabalho pedagógico que ela tinha feito até então, era também de socialização, porque era um colégio grande, tinha muita gente, participava de tudo [...] Estavam no conjunto fizeram amigos, fizeram amizades, socialização, estavam no colégio grande e ai na hora do pátio e tinha muitas festividades juntas eram conhecidíssimos dentro do colégio (M04). [...] foi importante para a rotina, cumprir horários, hoje não precisa acordá-la para ir trabalhar... disciplina e o mais importante é ter feito amigos, ter trabalhado em grupos Relacionamento com outros alunos que a família acredita que seja bom “Digas com andas que te direi quem és” (M-05). [...] época que ele esteve no Coração de Jesus, era interessante pelas amizades, pelo social, mas também os professores eram muito preparados né. Ele tem boas recordações dos professores Já tinha boa educação, o Coração de Jesus, né. E a gente queria o melhor para ele (M-02).

A professora, no relato abaixo, ratifica que as 204


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famílias vinham buscar o CCJ para matricular seus filhos pela confiança que o Colégio inspirava e também pela falta de opção de atendimentos em escolas privadas que não fossem filantrópicas: Naquela época eu posso dizer assim, naquela época não tinha outra escola com educação especial. No Catarinense não tinha, o Menino Jesus não tinha, os pais vinham buscar uma educação... Desta forma, uma educação de qualidade, confiavam na filosofia... Escola católica. Eles sabiam, vinham buscar e encontravam aqui na escola. E as família, os grupos eram pequenos, então a gente passava a conhecer muito as família, existia até uma amizade grande e uma confiança grande também. [...] Então assim, existia acho uma confiança, ... Acho? Não! Estou certa disto! Que existia uma confiança muito grande, pelo trabalho que era feito, mas também, uma carência grande em outros... Era só a Fundação (FCEE) e a APAE e o Colégio (Prof-03).

O CCJ consolidou-se para estas famílias como a única opção confiável de atendimento a este filho, que dissimulasse as marcas deixadas pela deficiência, o que nas outras instituições disponíveis seriam expostas. Uma professora potencializa esta escolha da família mencionando que servia também como equidade entre os irmãos, conforme relato abaixo: Por que o CCJ é central, é um colégio de

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As famílias com filhos deficientes

elite, porque a maioria dos pais tem bom poder aquisitivo, é uma escola de tradição os pais tinham estudado lá, os filhos estudavam lá, então eles iam todos juntos era um espécie de integração. Porque meu irmão vai estudar no CCJ e eu tenho que tenho que ir para a APAE. Porque eles não podiam ir para o CCJ eles discutiam. E iam todos juntos para o CCJ (Prof-02).

Diante dos relatos das famílias sobre suas expectativas como relação ao filho e a sua escolarização, é possível traçar um perfil destas famílias com relação à escolha do CCJ. Todas buscavam neste estabelecimento de ensino a anulação das marcas da deficiência, embora acreditassem na competência pedagógica do Colégio, os critérios de seleção passam mais pelas relações sociais latentes que a freqüência em neste Colégio pode ofertar do que o atendimento especializado oferecido nas Classes Especiais. Ter todos os filhos freqüentando o mesmo Colégio parece ter influenciado nesta escolha, tendo em vista todos os dispositivos citados para dissimular as marcas da deficiência, como o uso do uniforme. Embora as famílias tenham exaltado a busca pela excelência escolar, não aparece a vinculação por ser um Colégio confessional. Nogueira (1991) aponta as preferências das famílias das camadas médias altas por escolas particulares confessionais, porém salienta que o peso do ensino religioso é menor nesta escolha do que a excelência escolar e as relações sociais que marcam o 206


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

estes estabelecimentos. Todos esses depoimentos parecem comprovar que a motivação maior para esses pais em matricularem seus filhos em escola privada que boa parte dos familiares freqüentou residiu muito mais nas possibilidades de freqüência de local adequado às suas condições sociais de origem do que em busca de um processo de escolarização mais eficiente.

3.4.2 O Colégio Coração de Jesus Neste eixo, serão apresentados os resultados, na tentativa de responder a segunda questão de pesquisa: Como o Colégio se organizou nesse período para atender a essa população e quais os resultados alcançados? Foram organizados em dois eixos temáticos: - O primeiro irá caracterizar o atendimento na classe especial, apresentando a equipe de professores que foram entrevistados, as atividades intra e extra classe, bem como avaliar o pertencimento da mesma no interior do CCJ. - O segundo irá enfocar o fechamento desse atendimento em classes especiais e o processo de integração desses alunos nas classes regulares, especificamente discutindo a formatura, o diploma e as relações sociais.

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As famílias com filhos deficientes

3.4.2.1 A Classe Especial O início do atendimento em Classes Especiais no CCJ data de 1974, conforme levantamento realizado junto à secretaria do Colégio (Anexo 05)45, como já mencionado. Esta abertura para alunos deficientes em um estabelecimento tradicional, num momento em que se discutia o atendimento social por parte das Congregações religiosas, somadas às discussões na área da educação especial e à implantação de serviços públicos e privados para este fim, suscitou muitas dúvidas. Os dados colhidos, entretanto, parecem mostrar que esta foi uma motivação muito periférica. Com as análises dos dados, fica claro que a abertura dada pela Direção do Colégio foi aproveitada por estas famílias de classes superiores, com grande capital social, as quais souberam investir na estratégia de distinção, através da matrícula de seus filhos deficientes nesta instituição. Os relatos apontam que o início desse atendimento estava ligado à figura de um médico neurologista o qual foi, por muitos anos, considerado o único profissional desta área na cidade, fato que marcou sua carreira em atendimentos clínicos particulares e, também, assumindo funções estratégicas na administração pública estadual, principalmente no cargo de diretor (superintendente) da Fundação Catarinense de Educação Especial. No início da década de 1970, ele atuava na FCEE e também atendia em uma clínica 45

Ver anexo 05

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“multiprofissional”, onde os futuros alunos da classe especial eram seus pacientes. Como já foi explicado, em virtude de seu nome ter sido muito citado nas entrevistas com as famílias, optou-se por incluí-lo, como participante, nesta pesquisa. Questionado sobre sua responsabilidade na criação deste atendimento no CCJ, respondeu com muita tranqüilidade e simpatia: [...] Foi, foi. Porque eu era diretor técnico superintendente técnico, naquela época se chamava superintendente técnico, da Fundação Catarinense de Educação Especial. Então nós estávamos sempre sugerindo que as escolas de modo geral abrissem esse espaço, para a educação especial de crianças, e já estabelecessem a inclusão. Além do que na ocasião tinha uma série de pais que queriam os filhos lá no Coração de Jesus, (pela classe social?) [...] É exatamente. Nesse aspecto também por que eram pais que queriam seus filhos matriculados numa instituição diferenciada, onde seus irmãos estavam etc. (Dr. A).

Quanto à direção do CCJ e os problemas que causaram uma divisão na Congregação, as famílias também fizeram comentários, principalmente mencionando o fato de uma coordenadora que, naquela época, foi professora da Classe Especial, ter mais sensibilidade por ter um irmão com deficiências múltiplas: [...] Mas eu acho que quando iniciou a classe especial ainda quem estava lá era a 209


As famílias com filhos deficientes

irmã Flávia [...] que também era muito aberta ao social...ela, alias o que aconteceu com a irmã Flávia na época é que abriu muito para o social, daí o colégio ficou muito.., o Colégio sempre foi da elite, e ali ela começou a dar muita abertura, ela tinha uma linha de PT. Então chegou em um ponto que ela saiu dali e formou uma nova congregação dentro dessa linha dela que trabalha até hoje nesses morros [...] Acho que sim, por que essa abertura, essa visão da irmã para o social, e seu olhar para as classes mais prejudicadas, acho que desenvolveu essa parte, acrescida pelo entusiasmo da N. (P-04).

No depoimento da Coordenadora citada aparece, além do dado sobre as bolsas de estudo, o motivo do fechamento deste atendimento: É assim, oh! As classes especiais, a classe especial sempre foi a que dava débito. Se for comparar, não só pelo número de alunos, mas que a maioria dos pais tinha bolsa de estudo e muitas atividades daí pagava muitos profissionais, o curso se extinguiu por causa disto, porque era muito caro. Porque por fora pagava médico neurologista que na época era o Dr. A.; psiquiatra a C. L.; a I. Tinha uma fono muito boa que não estou lembrando o nome agora, que trabalhava na Fundação também (FCEE). Então todo este pessoal ganhava, quase que dobrado. E o número de aluno que tinha, não compensava financeiramente, não. E os 210


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

alunos por sua vez a maioria tinha bolsa de estudo, alguns não, mas isto não era a maioria.(Prof-03)46

É possível identificar neste relato que as Classes Especiais estavam dando prejuízos na época de seu fechamento, devido a sua estrutura de funcionamento, que permitia poucos alunos em sala. Estas informações lançam a dúvida se o acolhimento do processo de integração destes alunos em classes regulares deveu-se não somente à mudança de paradigma quanto ao atendimento segregado das pessoas deficientes, mas por estratégias administrativas financeiras. Neste mesmo relato, aparecem referências aos atendimentos terapêuticos associados aos alunos, o que impressionou primeiramente foi o fato de o CCJ não abrir somente Classes Especiais, mas sim um serviço de Educação Especial, porém no cotejamento das análises das entrevistas de todos os participantes, é possível afirmar que existiu uma vinculação muito intensa entre a Clínica do Dr. A. com a abertura da CE e que, apesar desses atendimentos serem dissociados, destinavam-se ao mesmo fim. Estes dados corroboram com a afirmação de que estes alunos pertenciam às famílias das classes superiores, tendo em vista esses altos investimentos. Quanto à abertura para o social, ficaram algumas dúvidas com relação à primeira informação dada por uma entrevistada de que muitos alunos carentes tinham bolsas para estudar no CCJ. 46

A entrevistada será denominada de (prof-03) para resguardar sua identidade e sua caracterização aparecerá no próximo item.

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As famílias com filhos deficientes

Questionadas, as famílias não confirmaram esta informação, sabe-se que existiam algumas bolsas de estudos, alguns descontos para alguns alunos, mas, provavelmente, se tratavam de pessoas que, por alguma circunstância, não estava podendo arcar com as despesas momentaneamente, mas, com certeza, pertenciam àquela configuração social. Questionados sobre este assunto, as famílias relataram até o contrário, dizendo que a classe especial tinha um valor de mensalidade diferenciada: Só de gente rica [...] Antes do terceirão quem mantinha o colégio Coração de Jesus mesmo, era a gente.: Era, era. Porque, a gente não rodava de ano na classe especial, porque não tinha como! Porque não era rentável para gente, para os pais manterem a classe especial. Porque o material usado dentro da classe especial era diferenciado. Pagava a matrícula, a mensalidade e pagava o uniforme, e ainda pagava o material. Só que o material era pedagógico.[...] Até o terceirão começar, até a informática começar, a gente mantinha financeiramente. Eu sabia. Até a informática começar, o curso de informática, quem mantinha financeiramente o colégio Coração de Jesus era a classe especial (A-01). Uma menina tinha bolsa, uma menina eu sei.[...] Não a maioria não! Todos podiam pagar. [...] Era equiparado aquela turminha de berçário, era mais ou menos aquele valor. (M-03) 212


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Quem não podia pagar ia para APAE...Era aberta para todos mais quem podia pagar (M-06). [...] quando o R. era pequeno, que ainda não tinha idade de aula ainda, eu acho que a classe especial era muito cara. Era, parece que quando eles fundaram tinha um preço diferenciado. Eu acho que era no começo. Mas depois que o R. entrou, era o mesmo preço. Sim, mas eu acho que no começo ela era um pouquinho... Também, precisava de gente mais especializada, e outra coisa, menos aluno também, né. Que uma classe especial tinha acho que 8, 12 alunos (M-02).

Não se entrará no mérito se a mensalidade era ou não mais alta na Classe Especial do que na Regular, informação que não se conseguiu confirmar com a secretaria do Colégio, que alega não ter estes dados financeiros. O importante nestes depoimentos é que se constata ser esta uma Classe para “Todos”, desde que esses “Todos” pudessem pagar. Para compreender o funcionamento da Classe Especial desde sua implantação, e de que forma deu-se o processo de saída desses alunos do Colégio, recorreu-se a entrevistas com três professoras dessas classes, conforme caracterização abaixo: Quadro 09 – Caracterização das professoras entrevistadas No me

Símbo lo34

Formaçã o

Estudo u no

Tem po de

Função

Atualme nte 213


As famílias com filhos deficientes

CCJ

S.

Prof01

Pedagog a

Estudo u no CCJ

M.

Prof02

Ensino Médio

Magist ério EE

Serviço Social (Licencia tura curta)

Desde o Jardim da Infânci a até o Ensino Médio EE

N.

Prof03

traba lho em Ed Espec ial no CCJ 79 (2004 ) (25 anos)

Professor a CE

Aposenta da

12 anos

Professor a de Artes da CE

752004 (29 anos)

Professor a CE e Coordena dora

Professor a na Cooperati va Foi demitida do CCJ em 2004, mas conseguiu sua aposenta doria.

Foram entrevistadas estas três professoras que trabalharam nas Classes Especiais, uma por doze anos, e as outras por mais de vinte anos. O que chama atenção também é o fato de, em dois desses casos, as professoras terem sido alunas da instituição, diferentemente de uma que é mineira e que só veio morar em Florianópolis depois de casada. A formação destas classes especiais dava-se pela idade e pelo nível de aprendizagem dos alunos. Após a criação da primeira Classe Especial, passados 214


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

alguns anos, o CCJ chegou a ter mais de uma sala, mas, segundo a informação da ex-aluna, em alguns momentos, pessoas portadoras de deficiências físicas foram alunas nestas salas, conforme abaixo: Naquela época tinha um prontuário e o nível era mais pela função pedagógica, mesmo pelo educacional, tinham aqueles que já sabiam ler, tinham, os que não sabiam ainda (Prof-03). [...] tinham duas pessoas com problemas físicos, elas davam um banho na gente... dava um banho na gente, era normal até os 18 anos, sofreu um acidente de carro. Perdeu o movimento das pernas, andava de cadeira de rodas [...]: Ah porque de repente se transformou, nossa classe especial, foi desvirtuado o negócio. Tudo de pepino nessa cidade caía para a gente [...] Ele não tinha como, depois ele saiu da classe especial e foi para a classe normal (A-01). A maioria deficiente mental, mas teve também crianças surdas. [...] Na época tinha um ou dois, eu lembro... De uma menina. Cego não, sempre ficou no ensino regular, mas... Deficiência auditiva teve alguns casos. No caso nem todos... Ficavam dois, ou três anos depois iam... Depende (Prof-01).

É interessante verificar que, embora as classes especiais fossem destinadas ao atendimento de alunos com deficiência mental, aparecem, nesses relatos, 215


As famílias com filhos deficientes

que, em alguns momentos, estudaram alunos com outras deficiências. As informações sobre o cotidiano escolar das classes especiais serão apresentadas mesclando informações das professoras e das famílias, além disso, elas estão divididas em três subcategorias: atividades em sala; atividades extra-sala e o pertencimento ao Colégio Coração de Jesus.

3.4.2.1.1 Atividades em sala: As professoras reportam aqui as atividades que os alunos tinham na Classe Especial, cabe salientar que estas se distribuíam entre o trabalho do psicomotor e dos conteúdos, que eram diferenciados pelo nível dos alunos: [...] na classe especial cada criança era conteúdo diferente então realmente era complicado então tinha que fazer todo dia cada caderninho diferenciado, e não dava para fazer na sala, não tem como, tens que fazer em casa (Prof-01). Não era o mesmo, na classe especial não era o mesmo, digamos assim tinham algumas matérias, conteúdo que não tinha no ensino comum. [...]tinha psicomotrocidade, fina e ampla naquela época, musicoterapia... Também tinha... trabalhos, era mais a parte pedagógica mesmo, leitura escrita, problemas, daí tinha a parte de psicomotricidade , 216


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educação física, musicoterapia (Prof-03). Conclusão no Colégio ela teve todas as matérias que precisava... teve a Artes, teve... Era muito bom, sabe o colégio foi muito bom, ótimo, excelente [...]Ah, de conteúdo era as mesmas coisa de um ano para o outro.Eles faziam, eu acho que isto mesmo... acho que era o reforço todo ano, era uma coisa mais repetitiva, faziam aula de dança, faziam computação, faziam, tinham aula de artes, educação física, sabe? Música, tudo isto... O colégio era assim completo (M-04). O CCJ era uma escola, tinha matemática , português... era uma escola. Como eu queria Era o mesmo mesma coisa, só que as matérias não eram as mesmas (M-05). A filosofia deles lá era alfabetização e as matérias básicas do primário e o reforço do primário No primário eram as mesmas, mas depois nós fizemos um reforço para o primário. Matemática; Educação Física, Educação Artística, que a M dava. Música davam, dança, só não tinha laboratório, nós não tínhamos inglês, nós não tivemos química, nós não tivemos física, nós não tivemos Ginásio curricular, nós tivemos primário, nós não tivemos ginásio e científico, nós tivemos primário, o reforço do primário (A-01). Ele tinha o livrinho dele, tinha tudo, sabe? No ritmo dele, mas ele sempre teve aprendizagem. E no colégio tinha

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As famílias com filhos deficientes

também. Eles faziam continha, trabalho para casa, igual assim os outros mesmos, né? (M-03). Eram assim continhas... Ela fazia... Sim tudo... Tinha matemática, português, tinha religião, história, geografia. (M-06).

Com relação às atividades nas aulas de artes, estas são explicadas pela professora desta maneira: Eu entrava duas vezes por semana em cada turma com uma aula de 45 , 40 minutos. [...] Eu trabalhava principalmente desenvolvendo a motricidade a coordenação o desenvolvimento mental. [...] Nós fazíamos muitos trabalhos que os pais guardavam desenhos em papel, colagem, essas coisas eram corriqueiras. Mas eu digo assim, nas épocas... que tinha que ser feito para o mês das mães ou para os pais, enfeitar a escola na época de festa junina... Assim para a mãe a gente dava uma echarpe pintada a mão, cartaz de anjo para ela enfeitar a sala pintado, dava chinelo de quarto para o pai, a gente fazia chaveiro com as fotos deles. Coisas que quando chegavam e os pais recebiam não tinham coragem de jogar fora, dava para usar. [...] E a gente procurava fazer trabalhos que os pais não fossem jogar no lixo. Quando chegava em casa, porque é considerada uma turma meio discriminada, sempre são deixados de lados assim pela família, porque as 218


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

famílias são ocupadas, porque é mais fácil fazer para eles...do que ensinar fazer, porque é mais rápido, porque eles são mais lentos para aprender, para se mexer... para agir, por que as vez não dá tempo e os pais se acomodam a fazer para eles e ficam super protegendo e vai neste esquema. Trabalhos úteis que os pais fossem usar. [...] O acabamento, a gente acabava, ajudava acabar, tinha muitos que tinha muitos que eu ensinava a começar a acabar e eles terminavam. Porque eu ensinava mesmo não era eu que fazia tudo para eles. Porque eu gostava assim... que a minha função era ensinar, não era fazia tudo por eles. Eu não queria fazer por eles. [...]Mas não ficava, porque se não ficasse bom a gente fazia de novo com eles... fazia de novo... foi por causa deste trabalho lá no Colégio que surgiu a Cooperativa (Prof-02).

Essas professoras reportam ainda as diferenças na aula de artes entre as aulas nas classes regular e especial: [...] eram diferentes. As atividades no primário eu não podia comandar, porque tinham outras professoras mais antigas que já tinham outro padrão de trabalho, o tipo de material, elas já sabiam que iriam fazer nas datas comemorativas. Então eu praticamente seguia o que elas planejavam no primário, as vezes mudava algumas coisas, dava as minha opiniões, mas sempre querendo que no primário eles fizessem como na CE, mas 219


As famílias com filhos deficientes

era muito difícil eram muitos alunos eram 45 por sala, tinha só 40 minutos para atender todos estes alunos. Na classe especial eram 15 por salas. Atendimento individual. Então era mais fácil de trabalhar (Prof-02).

Pode-se inferir que esta professora gostava de trabalhar na Classe Especial, por ter liberdade no planejamento e no tempo para realizar as atividades. Ressalta, ainda, a importância de valorizar os trabalhos manuais perante a família, por ter uma visão muito centrada na incapacidade dos mesmos. É interessante verificar que o cunho de utilitarismos pode ser visto no projeto “Culinária”, que a mesma desenvolveu com seus alunos, mas em outro espaço do Colégio, porém os alunos eram levados de volta ao Colégio para que os pais os pegassem lá. [...] nós montamos uma aula de culinária. Era no horário de aula, aquele horário era para fazer aula de culinária,eles aprendiam lavar louça, lavar pia, cada aula era escalado dois para lavar a pia, por que tinham duas pias. Não este projeto, durou anos foi realizado uns dois a três anos, fazíamos pão de queijo, sopa, quem não tomava sopa, aprendeu a tomar sopa na minha aula, era uma fez por semana, secar e guardar a louça,passar, lavar alface, cortar tomate picadinho, cebola...É saia do Colégio e vinha aqui para fazer a dita aula, dois anos usamos aqui, quando a gente podia que não usavam tanto o espaço aqui. A gente fazia macarrão, cada dia era um 220


Adarzilse Mazzuco Dallabrida

cardápio diferente. Meninos e meninas, todo mundo picando, lavando. Durava um período mais ou menos três aulas... não mais era uma tarde toda... durava a tarde toda. Eles iam para o CCJ daí a professora trazia para cá e no final levavam de volta e os pais pegavam eles lá (Prof -02).

Ainda sobre este projeto a mesma relata que a atividade começava no supermercado e que cada um levava um dinheiro para comprar doces: Na culinária que a gente dava para elas, essa atividade começa no supermercado, cada aula cinco que iam comprar, ensinava a comparar e eles compravam a receita, pagavam iam ao caixa... cada um tinha dois reais para comprar uma guloseima. Pegava a notinha, pega o a professora tinha um caderno de apontamentos anotava o comportamento daquele dia... era muito bacana.. eles adoravam e o mais gostoso de fazer tudo isto era comer...(Prof-02).

Quanto às atividades professora diz o seguinte:

de

bordados,

a

Porque bordar precisa muito da matemática, precisa contar tem um olho muito bom então era muito difícil para eles... muitos aprenderam fazer pontos, não roupa assim, tapeçaria era mais fácil, as telas eram grande que dava de colocar agulha grande, era mais fácil (Prof-02).

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As famílias com filhos deficientes

Existia uma atividade mais ocupacional do que escolar, mas acredita-se que as famílias estavam esperando do Colégio atividades mais escolarizantes, tanto que essas “atividades de vida diária” não eram realizadas na escola, eram feitas em outro lugar, entretanto os pais pegavam e buscavam seus filhos no CCJ. O descompasso encontrado, aqui, quanto ao objetivo das famílias e o planejamento dos professores, não fica bem claro, já que existem indícios de que os pais eram avisados dessas atividades, pois os filhos levavam dinheiro para suas compras. Com relação à “incapacidade”, que aparece na fala desta professora com relação ao bordado, contradiz sua intenção de trabalhar todos os conteúdos, inclusive a matemática em suas aulas de artes. Quando as famílias são questionadas sobre a aprendizagem no CCJ, reportam-se mais ao Colégio como formador de corpos disciplinados, o que, com certeza, os deixou muito satisfeitos: [...] foi muito importante, foi maravilhoso neste particular... Também com disciplina... As escolas o bom para gente é que é continuação de casa... Pegaram um tempo muito bom as minhas filhas... hoje acho mais difícil, mas elas pegaram um tempo muito bom, de disciplina, de método, de exigência... Meu Deus! Foi muito bom, de formação, né? Mas sabe que hoje tem também ainda, que a minha neta tem aula de formação (M-04).

Esta mesma mãe, quando questionada sobre 222


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as questões pedagógicas, no sentido de a filha ter o mínimo de conhecimento sobre os conteúdos das séries iniciais do ensino fundamental, a mesma respondeu assim: [...] escrever sim, escreve bem direitinho... ela faz redação [...] não consegue dividir, multiplicar, acho que não (M-04).

Outra mãe reporta que o filho estudou 19 anos na CE: Ficou 19 anos. Fiquei boba... o tempo vai passando e a gente não vê. Como não mudava de serie, só mudava o livro, mas a serie não... mas ele sabe ler, escreve, ele gosta mais de ler do que de escrever, a letra é de primeiro ano, mas ele sabe escrever bem. Ele conseguiu bastante coisas, eu achei (M-03).

3.4.2.1.2 Atividades extra-salas: Ficou claro nesta categoria que o investimento em atividades extra-classe tinha o objetivo de oportunizar a ampliação do repertório do capital cultural, como acontece no ensino regular, mas o que chama atenção são as viagens e a hospedagem em hotéis: A gente tinha muitos passeios, a gente fez passeio no Jomar (hotel) as professoras passavam o dia com eles. E outros 223


As famílias com filhos deficientes

lugares... passamos em um Hotel em Bombas, ficamos dois dias ( Prof-02).

Quanto às exposições realizadas no interior do Colégio, a professora alega que os trabalhos dos alunos eram expostos junto com os de todas as turmas e que os trabalhos da classe especial destacavam-se pela variedade dos materiais utilizados: Junto com os outros, totalmente junto. A exposição era no final do ano, uma exposição geral. Tinha alunos de primeira até o segundo grau e a CE junto. Então tinha aquele canto que era da CE. Se destacavam, a gente pintava muita coisa bonita, botava painéis.. colocava uma faixa grande, então os alunos do colégio iam visitar a exposição e sempre chamava, ressaltava a ala da Classe Especial, que tinha trabalhos mais bonitos. Porque eu que determinava os materiais, não era como lá no geral que o pessoal... A gente fazia pintura no papel, papel machê (M-02).

Com relação à participação na banda do Colégio (anexo 06)48, infere-se que foi uma conquista dos pais, já que foi criada uma banda exclusiva para esta classe, porém com integrantes da outra banda (oficial) para ajudá-los com os instrumentos: [...] lá no Colégio Coração de Jesus, elas 48

Ver anexo 06

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tiveram um desenvolvimento tremendo, trabalhavam em teatro, em dança, em apresentação, banda, elas se envolviam com as coisas extras do colégio, menos a integração de sala de aula. [...] Minhas sobrinhas sempre tocavam na Banda, e ela também queria ser da banda. Então, nós pais se reuníamos no Colégio e pedimos para que eles também fizessem parte da banda, de apresentações, então foi (P-04). [...] Sim, foi da banda. [...] Era a banda da classe especial! Entravam alguns alunos para ajudar, mas a maioria era da classe especial. Eles estiveram muitas vezes no mês de agosto se apresentando na Semana da Classe Especial... eles faziam festa, e acabou tudo isso!(M-03). Eu tenho foto quando ela participou ela era a rainha da sala representou a sala especial na comemoração dos 100 anos, ela desfilou com as outras, tenho foto ela desfilando...(M-05).

Sobre as Olimpíadas do Colégio, encontramse informações desencontradas, apesar de duas professoras afirmarem que eles participavam de toda a programação, isto não é confirmado pela terceira entrevistada, que relata que eles só assistiam: Mas nas Olimpíadas eles não participavam não, porque os professores de educação física, acho que ai faltava, porque o professor de educação física

225


As famílias com filhos deficientes

deveriam integrar com atividades de jogos com os outros, que eles participassem. Porque quando chegava as olimpíadas eles não estavam preparados, porque a ed. física era separada e eles não tinham envolvimento, treinamento suficiente para participar, então eles iam no desfile, iam nas torcidas, mas não participavam assim dos jogos (Prof -03). Toda a programação das crianças da sala comum eles tinha, tinham música, arte, danças com os professores específicos (Prof-01). Chegavam ao mesmo horário. O recreio era no mesmo horário e educação física faziam juntos. Separados a psicomotricidade. Todas as atividades que eram atividades coletivas, gincanas eles faziam juntos com o ensino regular e as atividades específica de turmas eles faziam separados naquela época (Prof03).

Com relação à participação no recreio, fica claro que os alunos tinham o intervalo no mesmo horário, mas, segundo a informação da ex-aluna, nem todos aproveitavam este momento para sair da sala: O recreio era junto com todos os outros alunos... nós professores da classe especial tínhamos uma escala, que uma professora sempre ficava no pátio, para ficar com eles e evitar problemas com os outros alunos Eles faziam amizades, brincavam... (Prof-02). 226


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Eu era a única que saia na hora do recreio. Tamanho era o preconceito dentro do colégio. O mesmo horário de lanche, a gente entrava mais cedo e saía mais cedo, por causa do deficientes físicos que tinham dentro da sala. [...] Mesma coisa, nós entrávamos pela garagem, porque não tem rampa, no colégio. No edifício velho não tem rampa. Faziam recreio juntos, mas eu era a única que tinha coragem de sair na hora do recreio. Porque tinham medo de serem agredidos lá dentro. Só faltava agredir fisicamente, porque moralmente eles agrediam. Ah, mas a coisa era preta. Não ( davam ) a mesma coisa para gente na educação física nem na dança, o preconceito era esse. E na hora do recreio o pessoal não saia. Teve (ano) que o pessoal não saiu. [...] Ia ser agredido, lá. Mas eu ia com a cara e com a coragem. Chamavam a gente de tudo. [...] Chamavam a gente de tudo. Chamavam de retardado, deficiente mental, tu imagina a situação que se formou, né. [...] Aonde que começa o preconceito? Não é fora de casa, é dentro da própria casa, é dentro da própria família. Agora, o preconceito vinha, é o que eu to dizendo para ti, de dentro da própria casa. Agora, eu, agora vou te explica um negócio, eu de casa recebi por parte do meu pai a formação que eu tenho até hoje, eu não aceito preconceito, eu não aceito preconceito de nenhuma espécie. Eu acho que eu sou uma pessoa diferente tá certo, e daí? (A-01). 227


As famílias com filhos deficientes

A partir desses depoimentos, iremos aprofundar e discutir esta questão de pertencimento na subcategoria abaixo.

3.4.2.1.3 O pertencimento ao CCJ: No primeiro relato, confirma-se que a Classe Especial não fazia parte da programação do CCJ e que, em algumas atividades, os alunos desta classe ficavam de fora: [...] Não, era assim, vou te explicar. Por exemplo: a semana do colégio, para todo o colégio menos para a classe especial, era só isso, para tu ter uma idéia do que era. Ficava de fora dos jogos. Ficamos de fora de muita coisa. Nós ficamos de fora de tudo desligavam a gente de tudo, isolavam a gente de tudo. [...]Pertenciamos a escola oh (mostra o gesto de dinheiro) O preconceito deles era tanto, quem dizer para mim que freira e padre não são preconceituosos, ta mentindo, vai levar uma surra, não sei se tu sabia? Porque freira e padre é o tipo de pessoa mais preconceituosa que tem no mundo principalmente em Florianópolis. [...] Só que o troço era tão bem feito que o pessoal não percebia. Só eu que percebia porque eu convivia com o pessoal de fora e o pessoal de fora me dizia como é que era o negócio. [...] Eu levava o pessoal. (Risos) Eu levava o pessoal, eu 228


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dizia vamos!Eu chamava o pessoal, eu esperava o pessoal da... os meus amigos descerem, que eles tavam lá em cima né, que a gente não ia lá para cima, por causa dos deficientes físicos, tinha dois deficientes físicos na minha sala. Vamos lá vamos pessoal. Acabavam com a festa, do pessoal. [...] É para não verem a classe diferente, entre aspas, entrar junto com os aluninhos das famílias tradicionais de Florianópolis. E eu não tava nem aí para isso. Eles estavam questionando o seguinte, o direito de nós estarmos estudando num colégio de gente normal. O negócio era o seguinte, é que eles achavam que a gente era um monstro... mas no fim eu questionava o que eu via, por que eu via muita coisa, eu guardava tudo que eu via, eu sempre questionei muito aquilo lá, porque eu conhecia aquilo lá eu cresci lá dentro (A-01).

Esta ex-aluna comenta de que forma ela se sentia como aluna do CCJ, descrevendo que, nas atividades gerais do Colégio, geralmente, eles não participavam., Entretanto pode haver um exagero de sua parte, pois as demais famílias foram questionadas sobre este fato, e as respostas vieram, porém mais na questão da aceitação das outras famílias para com o fato de seus filhos estarem estudando com pessoas deficientes: [...] É isso aconteceu! As mães estavam meio revoltadas porque misturavam os filhos, com os especiais, as mães do Colégio estavam... Depois foi batalhado isso muito... eu sei que hoje o L. passa na 229


As famílias com filhos deficientes

rua fala com os meninos e todos cumprimentam... ele ficou muito conhecido! Estava acontecendo isso, os próprios pais falaram com a Direção, sobre isso, não queriam, pode acontecer com um menino normal. [...] Eles não incutiram nas cabeças dos filhos, quando tinha que ser ao contrário, tinha que ajudar eles, tinha que ser amiguinho... Não, não chegavam a serem maltratadas, eram mais os pais, era mais através dos pais que isso estava acontecendo (M-03). [...] Não que alguém viesse falar isso para mim. Houve sim essa onda toda, dos pais achavam de não devia se misturar (M-02).

Segundo o depoimento da ex-aluna, os amigos que ela fez, de outras salas, foram mal interpretados, diz que os mesmos foram submetidos a testes de QI para verificar se eram elegíveis a CE, também fala sobre o preconceito na relação com algumas professoras que: A turma que eu formei fora da sala brincava de bola, brincava de pegar, de esconde e o próprio colégio não aceitava. Fizeram até teste de QI no pessoal, que me ajudava, Porque eles queriam botar eles dentro da classe especial. O pessoal da sala não percebia, porque o pessoal da sala não saia, não convivia com o pessoal de fora. Eu como convivia com o pessoal de fora eu sabia que a coisa era diferente. Mas o preconceito veio depois, das próprias professoras depois que a N.

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deixou de dar aula para gente. Nós tivemos uma professora que chamou a gente de criancinha. A coisa foi feia para nós para mim a coisa foi feia, sabe o que eu fiz? Eu fiz um manifesto no quadro negro, nunca me esqueço, disso. Ficamos sem recreio, né? (quem e o que escreveram?) Ah, nem me lembro [...] Eu escrevi não, o Renato esse amigo que eu falei entrou e escreveu para mim. Bem, era de filmar o que estava escrito no quadro, né? Ela se sentiu ofendida, mas eu falei: Quem ofendeu primeiro foi ela, né? Chamar de criança. Quem ofendeu primeiro foi ela. Nos ofendeu (?) que venha preconceito de fora eu até aceito, agora aqui de dentro não dá, né? Tu sabe o que eu fazia, a N (coordenadora) para a sala eu dizia para a N.essa não serve, não serve, que tinha pena da gente, ah vai tomar banho, né? Pena da gente, olha bem. De mim não, mas dos outros, ah, essa não serve. Não quero nem saber, para a nossa turma não serve, para a turma dos normais pode ser, agora para a nossa não. Ah mas o que ela fez de errado? Chamou de coitadinho. Chamou de coitadinho na minha frente, pode um negócio desse? Eu discutia até com a própria N.. Porque para a N. era fácil depois que ela pegou a coordenação. Ela era coordenadora. Agora quem pegava o pepino era eu, né (A-01).

Apesar do relato da aluna inferir que havia realmente uma divisão entre as classes especiais e as regulares, como já foi mencionado, os pais sentiram 231


As famílias com filhos deficientes

muito pesar deste atendimento ter acabado, o que será aprofundado na próxima subcategoria.

3.4.2.2. O término da Classe Especiais Até a década de 1990, o CCJ manteve as Classes Especiais, porém em decorrência da legislação do Sistema Estadual de Educação, já mencionada no capítulo anterior, os alunos dessas Classes Especiais foram integrados nas últimas séries do Ensino Fundamental em Classes Regulares. O fechamento das Classes Especiais foi relatado pelas famílias como um momento de muitas incertezas, devido à segurança que este atendimento proporcionava, porém mencionam que o CCJ preparou as famílias para a mudança que os alunos iriam sofrer com o processo de integração, mas que, mesmo assim, muitas famílias não entenderam, o que causou um mal estar geral neste período, como mostram os relatos abaixo: [...] Em função disso o Colégio nos chamou, e disse vai acontecer assim, assim, assim, neste ponto o Colégio foi muito decente, se alguém tem alguma reclamação, eu não tenho, o Colégio foi muito descente, ele contou isso, vocês podem procurar ajuda... houve uma revolta natural dos pais (P-04). É porque antes de acabar já tinha tido uma reunião, um rebuliço para acabar a 232


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classe especial, inclusive tinha uma pessoa que até foi para a rua do colégio porque ela se antecipou, ela já começou a falar nas reuniões para os pais. Aí os pais se alvoroçaram (M-06). [...] Sim… Ela me chamou para dar a noticia de que eles iam sair todos. Ela foi muito gentil comigo... não falou nada em colocar na APAE, né! Os outros comentaram que ela não atendeu bem as mães. Daí todas se reuniram lá no Coração de Jesus mesmo. Era uma sala, todos os pais se reuniram, os que tinham filhos na classe especial daí nós mães ficamos perguntando onde que íamos por eles, né? Eles estavam aceitando na classe normal, mas achávamos que não ia adiantar, que eles não tinham capacidade para agüentar! Da classe especial eles foram direto para a Cooperativa que fundaram... mas os que ficaram não deu certo [...] porque o que eles conseguiram aprender, aprenderam, né!. Escrever, ler, ele lê bem, jornal, revista (M-03). [...] É nós também trabalhávamos muito com ela a necessidade da integração, quanto ao problema da integração o Colégio se abriu muito para isso. Então a integração do colégio não foi uma integração total, o colégio era para começar com as salas especiais para dar um encaminhamento desse pessoal que já... tanto que começava com 10, 15, 20 anos. A classe especial funcionava isoladamente, ela só integrava no recreio, quer dizer não havia integração da 233


As famílias com filhos deficientes

turma, e ela foi desenvolvendo, e eu acho que o problema, a necessidade foi essa, a sensibilidade que a N. tinha em relação ao problema que ela tinha em casa que era o irmão. [...] Agora a partir daí o Colégio também vinha evoluindo, e com o desenvolvimento da inclusão o Colégio começou a verificar o quanto era importante, que o mais importante era incluir lá em baixo e não na classe especial, porque ao incluir lá embaixo nas primeiras séries, ele estaria incluindo dentro da classe normal. Por isso o Colégio acabou, ele deu um prazo de dois anos para que a gente fosse colocando os nossos filhos em outro lugar, em outras escolas, essa coisa toda e [...] então nós... a gente ficou com pena que esta classe tenha terminado, então você tem que pensar em uma proposta honesta, se não eles iam ficar velhos lá dentro, como é hoje na APAE, que hoje é uma das coisas que eu brigo lá dentro, quando eu fui presidente pela segunda vez eu propus isso, tem que ter um começo, um meio e um fim, que as crianças possam crescer. Daí foi a minha idéia, que não foi só minha, foi de um grupo. A idéia surgiu em 1999, ela surgiu no Colégio mesmo, o movimento da Cooperativa foi em função do Colégio, porque o Colégio ao optar pela inclusão nas primeiras fases, o Colégio reuniu a gente e disse: olha nós vamos fazer diferente, nós vamos acabar com as classes especiais! [...] Então nós vamos fazer a terminalidade dos que estão hoje, e vamos classifica-los, vamos ver os que estão em melhores condições 234


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os que vão ficar na quarta, ou na quinta, ou da sétima... – Pela idade e pelo intelectual. Pela idade e pelo intelectual, uns mais, outros menos, daí então eles dividiram, foi daí então que houve a inclusão. Então ficar no Colégio, não tinha mais o que fazer, não tinha mais o que aprender. O aprendizado e o convívio social já tinha acontecido, o social, os relacionamentos já tinham acontecido. Muitos daqueles jovens já tinham saído, muitos daqueles já tinham passado (P-04).

Com muita lucidez, neste último relato, vêse a preocupação desta família com a terminalidade desses alunos. O fato de a maioria já estar com idade superior a 15 anos, foi, possivelmente, um fator decisivo neste processo de fechamento destas Classes Especiais e, apesar deste movimento de insegurança das famílias, o CCJ posicionou-se com firmeza como mostra o relato abaixo: [...] Isto foi mais no início e depois foi uma conquista, a direção bateu o pé e disse: “É assim que vai ser, é assim que é a nossa escola, é assim que se concebe educação. Em educação é assim que se acredita e foi”. Hoje é tranqüilo demais. A entrada deles, desta última turma no ensino regular, no ginásio, foi de muita cooperação de muita ajuda, muita mesmo, tanto que resultou em sucesso. Nos tivemos um caso da menina que foi, voltou ainda para a classe especial, depois foi novamente e ficou. Todos, 235


As famílias com filhos deficientes

todos adoraram, amaram depois disseram: “Como foi que a gente resistiu tanto” (Prof-03).

A insegurança sobre a adaptação do filho ao ensino regular e o fato do CCJ ter apontado outras opções de atendimentos fora do mesmo, como, por exemplo, na escola especial mantida pela APAE, parece ter sido o pivô de muitos desencontros entre as famílias e a direção da escola. Embora a maioria das famílias tenha se manifestado positivamente com relação ao período de integração, uma das mães acredita que seu filho apresentou muita dificuldade de adaptação: [...] depois quando, foi uma lei que não podia ter mais a classe especial foi desmontada a classe especial, aí ele foi para...regular [...] eu acho que um ano só. Aí naquela época, eu perdi a minha mãe, e na mesma época da mudança de sala, apesar de o R. ser uma pessoa muito simpática e se dar com todo mundo, ele teve uma certa dificuldade de adaptação, eu notei, assim, não sei se foi porque ele foi para classe regular ou se foi porque a minha mãe faleceu. (? ) o colégio me chamava sempre lá. Quando ele saiu da classe especial e quando entrou no regular, notei que ele não ficou satisfeito. Porque tu imagina, eu também não acho certo isso, eles já tinham as amizades deles, aí de repente tu vai. Aí eles só pensam em vestibular, vestibular, e eles não acompanham. Então eles vão e sentir bem? (atividade?) [...] É eu acho que tinha 236


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alguém, uma professora que dava uma assistência. Dava uma atividade separada, né? É separada. Aí ele não se sente bem.É uma exclusão. Em vez de ser uma inclusão é uma exclusão. Eles têm que entender que eles não tem capacidade de acompanhar os outros, então é preferível estudar separado. (M02).

A preocupação desta mãe com relação à possibilidade desse filho não acompanhar as atividades dos outros alunos da mesma sala, ou seja, da 8ª série do Ensino Fundamental, seria procedente se não fosse pelo fato de que esta integração deu-se somente através do espaço físico. Os alunos que vieram das Classes Especiais tinham atividades específicas, montadas por professoras do setor de educação especial dentro o CCJ, conforme mostram os depoimentos abaixo: [...] o conteúdo mesmo. Com o conteúdo da oitava? Não, não seguia o currículo. [...] Ela ficava na sala e fazia as atividades separadas, Ela, eles faziam de tudo era matemática, português, geografia, história, religião...Tinham umas aulas juntos com a oitava e outras separadas. Dentro das limitações deles, desenvolveu direitinho, desenvolveu bem. (M-04). [...] Algumas atividades ela participava, mas quando era matemática, português ela tinha atividade própria. Tinha o livro adaptado, mas acho que não era o mesmo.(M-05)

237


As famílias com filhos deficientes

[...] Foi a melhor fase deles, certo, estou dizendo o que nós vivemos, eu e a E.. Eles participavam de tudo que a classe participava, é lógico eles faziam trabalhos dentro da sala de aula, mas dirigidos para eles, essa coisa toda, inclusive eles tinham a formatura. (P-04).

No entanto, a ex-aluna relata que faziam as mesmas atividades, mencionando que sua dificuldade maior seria com a matemática: A gente tinha acompanhamento da N. Aí mudou, a coisa mudou. Aí o preconceito acabou, né. (as atividades que vocês faziam?) Mesma coisa. Mesma coisa. Eu poderia ter saído de uma classe normal, só não saí por causa da matemática. (A01)

Em contato com esta ex-aluna, ficou claro que ela não consegue ler, escreve seu nome com muita dificuldade (anexo 07)49 e disse, em outro momento da entrevista, em que falava sobre a saída da direção, não ter noção de quantidade. [...] Pena que eu não tenho noção de quantia. Porque o que se torrava de dinheiro, lá dentro. Nossa Senhora. Ela nunca foi uma freira , no meu modo de entender, não (A-01).

A 49

Ver anexo 07

238

professora

(Prof-01),

a

única

que


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continuava trabalhando no CCJ no momento das entrevistas, explicou de que maneira funcionava o atendimento dentro do projeto intitulado “integração”, descrevendo que o planejamento das atividades para os alunos era desenvolvido pelo setor de educação especial e baseado nas necessidades individuais: Porque é assim Ize, é complicado porque cada caso é um caso. Nós temos uma SD que é o mesmo conteúdo da série, ela está na sétima e consegue acompanhar o mesmo conteúdo, esta não precisa de material nenhum, ela em casa, ela tem uma psicopedagoga que faz os deveres e orienta. Nós temos dois SD que eu faço o material de português e matemática, o resto do conteúdo é igual das outras crianças. Na sétima, mas eu faço material de primeira ou de uma segundo, porque matemática é raciocínio lógico, não tem objetivo nenhum eles não estarem entendendo, eles estarem ali sem estar entendendo nada e português também estava muito difícil para eles. Eu que faço, eu entrego, eu faço por semana, esta tudo marcadinho o que eles vão trabalhar em sala de aula. Daí a professora de português da sétima orienta eles, e eles também tem uma pedagoga em casa que orienta explica todo o conteúdo, daí quando eles vêm para sala eles sabem como fazer. Porque em matemática porque os livros do Colégio são do Pitágoras, então para eles está cada vez mais difícil. Porque antigamente na linha tradicional aprendiam [...] Todo dia na 239


As famílias com filhos deficientes

repetição, encontrando a letrinha, letrinha, uma hora eles aprendem, mas com o Pitágoras é mais subjetivo, mas como matemática não tem como. E no Pitágoras é muito em dois, trabalha em conjunto. Se bem que a pedagoga trabalhando em casa eles já vem sabendo o que fazer e não ficam parados. Da super certo, até chegar aqui a gente bateu a cabeça. (Prof-01).

A professora retifica o que anteriormente foi afirmado, com relação aos alunos deficientes mentais que vieram das Classes Especiais ou que entraram mais tarde e que, por isso, participaram desse projeto “integração”, dividiam o mesmo espaço físico de uma turma seriada, porém suas atividades estavam vinculadas ao setor de Educação Especial do Colégio e eram diferenciadas, não seguindo o mesmo currículo da série da qual faz parte. Questionada sobre o horário e a forma como os alunos vinculados ao Setor de Educação Especial recebiam atendimento “especializado” e se este ocorria dentro ou fora da sala regular, a professora responde: [...] Não direto também, porque eu tiro eles, porque uma vez por semana eu acompanho o aluno em sala de reforço pedagógico. (questiono:Tu não vais na sala?) Não eles vêm aqui, então assim vamos supor, na aula de português o caso do R. a professora está dando aula de português, como o conteúdo está muito 240


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difícil ele vem aqui, eu só tiro da sala quando tem aula de português ou matemática, porque não tem objetivo de ficar lá [...] (Prof-01).

Os dois Projetos Políticos Pedagógicos, dos anos 2000 e 2001, do CCJ ,descrevem o atendimento no projeto de integração, conforme a seguir: Os alunos com necessidades educacionais especiais estão no mesmo contexto curricular e educacional como os demais colegas de sala de aula. Materiais são adaptados para satisfazer as necessidades de aprendizagem dos alunos. Educadoras especiais atuam como integradoras além dos professores de classe. Os professores adotam atitudes inclusivas fundamentais na educação, respeitando o potencial de cada um, estimulando outros alunos a se envolverem no processo, acreditando que todos os educandos conseguem desenvolver habilidades e competências básicas, que as metas podem ser estabelecidas e que, para atingi-las, pequenos passos podem ser fundamentais. O acompanhamento, através de estudos e pesquisas, dos educandos que passam por esse processo de educação inclusiva, é fundamental. Na educação inclusiva, a prática educativa é entendida como um processo social, onde todas as crianças portadoras de necessidades educativas especiais e de distúrbios de aprendizagem, têm o direito à escolarização. Existem altas expectativas de desempenho por parte de 241


As famílias com filhos deficientes

todos os alunos envolvidos. O objetivo é fazer com que crianças e adolescentes atinjam o seu potencial máximo. A colaboração e cooperação é um privilégio das relações sociais entre os participantes, tendo em vista a criação de uma rede de auto-ajuda. Os alunos podem aprender juntos, embora tendo objetivos e processos diferentes. A inclusão se torna um grande benefício para estudantes com ou sem necessidades especiais, pois descobrem ser capazes de atos solidários, tornando-se mais compreensivos, tolerantes e confiantes nas relações com o outro. Nossa proposta inclusiva baseia-se em princípios de cooperação, autonomia intelectual e social, na aprendizagem ativa, cooperação ética e cidadania (COLÉGIO CORAÇÃO DE JESUSPROJETO PEDAGÓGICO, 2001) (Grifo meu).

término destas, passaram a integrar as últimas séries do Ensino Fundamental. Fica claro que a inserção desses alunos no ensino regular teve como objetivo a terminalidade, já que estavam com idades superior aos alunos do ensino médio. Neste sentido, é interessante analisar este desfecho na ótica das famílias, pois parece que o valor do diploma e da cerimônia de formatura veio de encontro com os objetivos que motivaram a matrícula desse filho no CCJ.

242


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3.4.2.2.1 Formatura e diploma Com exceção de duas mães, todas as outras mencionam o quanto foi importante para o filho ter saído do CCJ com um diploma, mesmo admitindo que os filhos não estavam com nível de aprendizagem para completar o Ensino Fundamental, como ilustram os depoimentos abaixo: Ela ficou dentro da Classe Especial, no último ano quando a classe especial ia encerrar o Colégio coloco-as na oitava série, aí fez formatura e tudo. Foi assim uma surpresa F. amou a inclusão (...) A gente correu toda essa trajetória... Ela tem até vontade de estar numa escola ainda, mas como a gente correu toda essa trajetória, e chegou até o diploma entre aspas, né? (...) Isto foi assim maravilhoso uma felicidade sem tamanho, mas ficou triste porque tinha que sair do colégio porque acabou ( e o diploma?)é igual a dos outros (M-04). [...] é, quando terminou a classe especial, aí botaram eles nas séries regulares, né. Aí teve uma formatura assim, só pra..., mas eu tenho consciência que o R., não tinha nível pra oitava série. Não, não tinha, eu tenho consciência disso, não adianta quer dizer né? (M-02).

243


As famílias com filhos deficientes

[...] Teve mais o histórico do diploma... as notas do final de ano são nove, dez, não sei se é de verdade [...] É mais ela para a turma dele ela tinha boas aulas. (M-05). [...] inclusive eles tinham a formatura, se formavam normal como qualquer turma. Essa evolução eu acho que do Colégio, porque era o único de Florianópolis que tinha, os outros colégios não tinham, né, tinha a formação de classe especial normal. [...] Ela tem dois diplomas, um do pré [...], se formou direitinho com todo mundo e aqui do Colégio. E isso faz diferença para eles, para eles e para a experiência da gente. Por exemplo, a F. queria continuar, mas a gente sabia que ela não podia continuar, ela queria fazer vestibular. Foi importante porque ela viveu aquele momento, foi ótimo, foi excelente, foi uma aprendizagem muito boa. Foi importante, porque ela se integrou (P-04).

Consultadas sobre a formatura, as professoras comentaram sobre a validade do diploma: [...] Nosso colégio, nossos alunos normalmente, antigamente já vinham com uma idade avançada, quando eles se formavam na oitava estavam com vinte, trinta anos daí a gente encaminhava para o profissionalizante. [...] O diploma sai, mas embaixo vai escrito que ele faz parte do projeto de inclusão. [...] O certificado é aceito, pois a nível de Secretaria da Educação eles precisam ter notas, ai que 244


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está o problema, ele não recebem nota, são relatórios, mas eles têm notas para o certificado. Mas para os pais e para gente fica mais fácil o relatório, alguma coisa descritiva (Prof-01). Conclusão de oitava série que é válido, o certificado de conclusão, o especificado que ele sai é de oitava série com as notas que ele conseguiu pela potencialidade que ele tem, especificado que ele freqüentou o ensino regular com atendimento especializado e este certificado é válido para ele fazer o 2º grau se ele quiser em qualquer lugar, para ele pegar um emprego. É um certificado garantido (Prof-03). [...] então foi combinado uma formatura para eles saírem mesmo...para dizer: Oh! me formei. (Prof-02).

Quanto à forma de avaliação e às notas no histórico escolar expedido pela secretaria do CCJ, documento oficial e com validade nacional, suscitaram algumas dúvidas: Como esses alunos eram avaliados? Como ocorreu a quantificação da avaliação descritiva que aparece no histórico escolar? Encontram-se exemplos destes dois tipos de avaliações, primeiramente uma avaliação descritiva e posteriormente o histórico escolar com a avaliação quantificada. (anexo 08)50. Apesar de aparecer nas falas das famílias o descrédito sobre a validade das avaliações e, 50

Ver anexo 08 245


As famílias com filhos deficientes

principalmente, tendo consciência do valor simbólico deste diploma. Apenas duas mães reportaram que seus filhos não participaram da formatura: [...] Ela saiu antes, porque eu via que ela não conseguia se alfabetizar... infelizmente ela não conseguiu. Eu não deixei fazer (formatura) porque ela não aprendeu nem a ler! Que formatura era essa? (M-06). [...] Não teve formatura! Por isso eu achei… a [N- (Prof-03)] disse assim: que ia ter uma formatura na missa de despedida pelo fim de ano, mas uma missa.. E nós ficamos esperando porque ia ter formatura, mas não houve nada, e na saída eu falei para a [N.] que eu estava esperando: N. mas a formatura que ia haver? Ah… teve uma confusão com a uma professora [...] Muitas mães ficaram chateadas com a professora... Ponha na APAE, diziam assim! Na APAE já tentaram [...] (M-03).

No primeiro relato, a mãe coloca que não deixou a filha participar da formatura, porque a mesma não conseguiu se alfabetizar e que não via, neste caso, sentido em ter um diploma. No segundo depoimento, a mãe parece não ter sido informada sobre a formatura, desconhecia que os outros alunos que foram colegas de seu filho na Classe Especial tivessem recebido diploma. No primeiro momento, vieram as dúvidas: o que poderia ter acontecido para que esta mãe não tivesse sido informada sobre esta cerimônia? Ela descreve que 246


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questionou a coordenadora e a mesma não confirmou o evento. Com o término das análises, foi possível perceber que esta mãe não deixou o filho ser integrado no ensino regular, então, quando terminou o atendimento nas Classes Especiais, ele foi direto para a Cooperativa, sendo este o motivo pelo qual não participou da formatura de conclusão do Ensino Fundamental. Apareceu, ao longo do trabalho, através das entrevistas, que uma das principais motivações e expectativas dessas famílias, na matrícula de seu filho no CCJ, foi com relação à convivência social com pessoas da mesma origem social, porém, somente quando as Classes Especiais foram extintas e os alunos foram para as Classes Regulares é que, parece, as relações sociais terem sido intensificadas, como ilustram os relatos abaixo: [...] ela primeiro ficou com medo achava que não ia conseguir, ai eu estava na praia, comecei a prepará-la... Porque eu até então achava que todos deveriam continuar juntos, ficar juntos e acabar juntos... fazer a formatura... ai ela tava assim apreensiva de entrar na oitava série como é que ia ser, claro porque estavam muito habituados juntos os amigos todos, ai ela disse assim para mim, ela gosta muito de TV e ela disse assim: vou fazer igual à malhação vou fazer amigos...pois dito e feito, ela fez amigos ...eu fiquei impressionada como que ela conseguiu chegar perto de alguns... Pois era uma classe imensa, muita gente... No dia do aniversário 247


As famílias com filhos deficientes

dela... Que ela faz em dezembro mais eu sempre comemoro antes em novembro, para não dispersar a turma... Eles vieram todos, foi assim uma beleza era véspera de formatura e tal. Foi muito importante, ela vivenciou mesmo, foi um ano só, mais ela vivenciou demais, como eu te disse, ela disse que iria fazer amizade, ela criou amizades, no outro ano a gente foi ver as Olimpíadas, para ver a turma eles ela pegou os e-mails da turma, ainda se correspondia e tal [...] (M-04). É isso aconteceu! As mães estavam meio revoltadas porque misturavam os filhos, com os especiais, as mães do Colégio estavam... Depois foi batalhado isso muito... eu sei que hoje o Luciano passa na rua fala com os meninos e todos cumprimentam... ele ficou muito conhecido! (M-03). Bom amigos amigas...cultura, incentiva a ler, ela e muito amiga da F. fizeram tudo juntas (M-05).

Essas famílias abriram caminhos para que o filho deficiente pudesse percorrer sua trajetória de vida dentro do padrão que eles almejavam. Em primeiro lugar, veio a trajetória escolar, valendo-se do capital social, pois buscaram, juntamente com os responsáveis pela clínica onde aconteciam os atendimentos psicológicos, fonoaudiológicos, fisioterápicos, a criação das Classes Especiais no Colégio Coração de Jesus e, com isso, conseguiram um desfecho escolar de sucesso, pois a maioria dos alunos saiu com o diploma do Ensino 248


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Fundamental. Em segundo lugar, a trajetória profissional, poisabriram uma cooperativa para profissionalizar e garantir a ocupação, traçando, assim, o destino social desses filhos.

3.4.3 O destino social Apesar desta pesquisa ser delimitada às Classes Especiais do CCJ, na época da coleta de dados, descobriu-se que os egressos dessas Classes estavam trabalhando em uma cooperativa e isto facilitou muito a identificação e a seleção dos participantes. Sendo assim, optou-se por discutir, mesmo que sucintamente, o destino social desses alunos, através da descrição da estrutura e do funcionamento dessa Cooperativa. Como descrito anteriormente, com o término das Classes Especiais no CCJ, a direção deu dois anos para os pais se organizarem, enquanto seus filhos foram sendo colocados em classes regulares para encerrar sua “formação” escolar. Os pais comentaram que, dentro do Colégio, tiveram apoio para realizarem reuniões e planejarem a saída dos filhos. Como reportam os depoimentos abaixo, eles já estavam dispostos a encarar mais um desafio para que seus filhos continuassem suas trajetórias de vida dentro do padrão escolhido por eles: [...] É porque antes de acabar já tinha tido uma reunião, um rebuliço para acabar a classe especial [...] ficaram apavorados e aí já começaram a ... aí teve essa idéia de 249


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montar a cooperativa né.(M-02). [...] daí nós mães ficamos perguntando onde que íamos pôr eles, né? Eles estavam aceitando na classe normal, mas achávamos que não ia adiantar, que eles não tinham capacidade para agüentar! Da classe especial eles foram direto para a Cooperativa que fundaram [...] (M-03). [...] houve um murmurinho no Colégio que ia terminar a classe especial, teve umas mães que acharam ruim, houve um movimento. O que fez o Aldo, não vamos criar caso, vamos nos reunir e vamos criar alguma coisa, porque eles já estão na idade, agora até de trabalho, vamos então reunir os pais. Ele e a N. (prof-03) que era a Diretora Pedagógica do Colégio e vamos formar uma coisa de trabalho para essa gurizada que já esta grande e formaram a Cooperativa. Formaram a Cooperativa faz quatro anos e toda essa turma toda trabalhando lá. Foi em função... a Cooperativa nasceu pelo término da Classe especial, mas quando ela terminou (quando a filha se formou) mesmo ela (cooperativa) já existia. (M04). [...] Daí foi a minha idéia, que não foi só minha, foi de um grupo.A idéia surgiu em 1999, ela surgiu no Colégio mesmo, o movimento da Cooperativa foi em função do Colégio, porque o Colégio ao optar pela inclusão nas primeiras fases, o Colégio reuniu a gente e disse: olha nós vamos fazer diferente, nós vamos acabar com as classes especiais! Então nós vamos 250


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fazer a terminalidade dos que estão hoje [...] daí começamos a discutir, e ficamos uns três ou quatro meses, fazendo reuniões de quinze, vinte dias para fazer isso, chegamos a conclusão que o ideal seria fazer uma Cooperativa. Reunimos então todo aquele grupo e fizemos a Cooperativa que hoje nos encontramos. O primeiro local foi esta sala aqui, daí nós descobrimos que a Fundação Catarinense de Educação Especial, que a Fundação Vidal Ramos, essa ultima que tinha esse espaço vazio, então nos cedeu este espaço. Daí nós fizemos então no ano de 1999 um curso de reciclagem de papel, que é este aqui, para ver se eles tinham condições de trabalhar, e para surpresa nossa, nós vimos que eles tinham condições. Entrou então a questão de treinamento e adaptação (P-04).

Como enfatizam os depoimentos acima, a Cooperativa foi fundada em função dos egressos das Classes Especiais. No início, foram vinte alunos e, no ano 2005, eram vinte oito cooperados, porém alguns pais que tinham os filhos no CCJ não aderiram ao empreendimento: [...] Vieram 20 alunos. Não só do Colégio, mas de lá praticamente vieram todos. Uns quatro ou cinco, não vieram, os pais não acreditaram. [...] Um, um deles eu tenho certeza absoluta; ah... meu filho não vai, não ia trabalhar com isso, precisa de coisa melhor.É, os dois são professores da Universidade[...]. Não! eu não isso, eu quero coisa melhor [...], os outros não, 251


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não quiseram porque não se interessaram, mas eu acredito que em torno de 80% se interessaram, vieram para cá e hoje continuam. E depois a gente arregimentou outros, por exemplo a P., estava no Colégio, depois ela veio para cá, e outros. Hoje estamos com 28, já estivemos com 30, alguns saíram, outros voltaram, outros foram para outro lugar, arranjaram trabalho, foram embora, viajaram. (P-04).

Este período, como já foi descrito, fez parte de um momento de muitas dúvidas, mas vê-se que essas famílias buscaram uma solução para que o filho não ficasse sem ocupação e, respeitando a idade em que o mesmo se encontrava, procuraram uma forma de profissionalização. Esta Cooperativa iniciou suas atividades com muito empenho das famílias que, além de responsáveis pelo filho, desempenham um trabalho voluntário semanal, como relata seu presidente: Chama-se Cooperativa Social de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência. Os cooperados são eles, mas os responsáveis são os pais, porque a lei exige. A Cooperativa Social é a primeira Cooperativa em nível de Brasil para deficiente mental, de deficiente físico eu sei que exista, mas de mental é a primeira do Brasil [...] Mas quanto à família [...] a única exigência que a gente tem da família é que pelo menos uma tarde ou uma manhã de serviço de voluntariado aqui (P-04). 252


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Neste sentido, o investimento familiar é muito maior, pois é exigido da família, além do capital econômico, disponibilidade de tempo para este acompanhamento do filho. Para compreender melhor o papel dessas famílias, é preciso entender o funcionamento dessa Cooperativa. A Cooperativa Especial de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência – COEPAD51 é uma cooperativa de categoria especial, fundada legalmente em novembro de 1999, com o objetivo de dar oportunidade de trabalho aos portadores de deficiência mental. Atualmente, atende 27 portadores de deficiência mental, de ambos os sexos, a partir de 18 anos. A Cooperativa é constituída pelos cooperados (deficientes mentais), representados por seus pais e/ou responsáveis, fazendo parte também do seu quadro de colaboradores: funcionários, estagiários e voluntários. O trabalho desenvolvido na Cooperativa é profissionalizante e envolve três oficinas com atividades de: reciclagem de papel e papelão, cartonagem, embalagens, confecções de fraldas. O desenvolvimento e a ampliação dos serviços são descritos da seguinte maneira: [...] e ela foi evoluindo, começamos com a reciclagem de papel, depois fomos para cartonagem, depois para fralda descartável, e hoje estamos montando uma oficina... hoje estamos com três 51

Estes dados foram retirados do site: www.coepad.com.br

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oficinas que é reciclagem de papel, cartonagem, que é cartão de natal, envelopes, embalagens, cartas e de fralda descartável, e hoje estamos com uma oficina de embalagem em geral, embalagem para lojas, e tudo isso, saco plástico e também uma serigrafia que esta montada para funcionar ano que vem. Já temos parte dos equipamentos, que foram adquiridos, então estamos montando e no ano de 2006 estarão funcionando cinco oficinas. Só não tem mais porque nós não temos espaço, falta espaço, estamos trabalhando para construir no ano que vem (2006) em uma outra área, em uma área maior para levar parte de isto daqui para lá também (P04).

O perfil dos cooperados inclui ter bom relacionamento, ter condições de executar as atividades, porém não é necessário ser alfabetizado. Os candidatos passam por uma avaliação da psicóloga da APAE, para serem autorizados ao trabalho, conforme relata o presidente: [...] ao optarmos por uma Cooperativa de trabalho nós optamos por um perfil, dentro daquela perspectiva, porque não adianta abrir uma coisa para ser deposito: Ah, meu filho é deficiente, usa cadeira de roda, ele esta ruim... não. Então, os garotos que estavam lá tinham o perfil, todos foram trabalhar, e ao trabalharem, ao fazerem o curso se enquadravam dentro daquilo, esse era o perfil. Queríamos alguém trabalhador, com um 254


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perfil social bom, integração de inclusão, era isso, não precisava ser alfabetizado, não. Precisava ter condição e interesse. Daí nós fizemos o seguinte: fizemos um convenio com a APAE, porque nós não tínhamos técnicos para isso, e as duas psicólogas da APAE fazem uma avaliação testando para o trabalho. Eles passam a não ser que eles venham de alguma clinica, dizendo que eles têm o perfil de trabalho. Os que não tem, passaram pela APAE, fazem a avaliação para ver se tem condição de trabalho. Os que não tem: desculpa mas a gente não tem como colocar aqui, aqui não é uma escola! (P-04).

Neste relato, e no próximo, é possível destacar a importância do capital social e cultural dessas famílias que conseguem convênios com várias instituições, sabem procurar os meios para fazerem parcerias, o que, com certeza, viabiliza muito mais do que se eles possuíssem somente o capital econômico: Nós estamos fazendo contato com diversas instituições, Banco do Brasil, esse não, o Banco do Estado que está querendo desenvolver uma parte, desenvolver no estado inteiro este tipo de Cooperativa. Eu não sou PT, não votei no PT, acho que ele ta metendo os pés pelas mãos com país, mas eles têm um diretor, eu estive conversando com ele, ele me disse que este é um tipo de trabalho que a gente (que o PT) quer fazer. É um trabalho de renda que eles querem incluir os deficientes, então acho que isso é uma 255


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abertura muito boa. (P-04)

Questionado sobre a origem social desses cooperados, já que se destaca, ao longo dessa pesquisa, a importância que as famílias atribuem para o convívio social de seus filhos com pessoas da mesma camada social, no relato abaixo é possível identificar que, embora na descrição do perfil acima não seja mencionado este critério, certamente este é um elemento primordial na seleção: [...] nós criamos um perfil, que era na verdade o perfil de todos que estavam no Colégio Coração de Jesus, que estavam dentro de uma classe especial, mas eram pessoas mais destacadas. Porque além de estarem no Coração de Jesus, e fazerem parte de um nível social, e não era só por isso, mas estavam em um nível de desenvolvimento intelectual melhor...(P04).

Existe um período de “estágio probatório”, de três meses para avaliar a adaptação da cooperado e de sua família. A intenção é que, nesse período, o cooperado se enquadre às regras do trabalho, enquanto a família, prestando o serviço voluntário, acredite no potencial do filho: [...] Com relação à família... outra coisa aqui ele é avaliado, ele passa por uma experiência de três meses, experiência, ele passa pelas três oficinas, um mês neste, o outro na outra, e o outro na outra para ver se ele se enquadra dentro deste trabalho, ver se ele gosta e se ele se 256


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enquadra dentro das nossas exigências. Se ele não se enquadra dentro das exigências a gente chama a família e diz: olha não deu! Nós tivemos dois casos de alunos que eram agressivos, inclusive um deles pegou uma faca... e nós chamamos a família e dissemos que aquele perfil não dá, a não ser que vocês façam um tratamento, ele não esta eliminado, ele esta afastado, se o comportamento mudar, ele pode até voltar, mas aqui ele não pode ficar porque ele esta pondo em risco. Isto daqui não é uma escola, é um trabalho, portanto cada pessoa, cada um tem uma função a fazer, tem a sua tarefa, porque aqui tudo é feito por eles. Nós temos a meta: tudo é feito por eles, nós temos voluntários, mas os voluntários fazem aquilo que eles não tem a capacidade de fazer, certo acabamento que as vezes eles têm dificuldades, eles até podem mais levam mais tempo. Mas aqui o objetivo são eles, os cooperados. (P-04).

A preocupação de que as famílias assumam seus filhos como adultos trabalhadores tem despendido muito esforço das pessoas que presidem a Cooperativa, pois esta mudança de que o filho não é mais um estudante e sim um trabalhador exige um trabalho constate, como reporta o presidente no caso abaixo: [...] a gente sempre faz a entrevista com a família, ele vai com o filho na APAE para conversar com a psicóloga, e nós aqui também fazemos o exercício com ele... para dizer a verdade nós tivemos um 257


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garoto que a mãe era super protetora: Porque o meu filho é o maior, o melhor, o mais bonito, porque ele entende, é o inteligente... então esta bom... mas não o seu filho que é assim, mas a senhora quer que seu filho seja assim, eu não sou psicólogo, mas dava logo de ver. A senhora quer que ele seja isso, mas para entrar aqui ele vai ter que ser assim, assim, assim... ele vai ter que se enquadrar, a senhora não tem nada que dar palpite. (P-04).

Relata ainda que, quando as famílias estão desenvolvendo o trabalho voluntário, eles tentam preservar a convivência entre os membros da mesma família, não deixando que os mesmos desenvolvam seu trabalho no mesmo espaço físico ou na mesma atividade: [...] E quando o pai vem aqui, geralmente vem a mãe, eles nunca ficam no mesmo local, de jeito nenhum, se não conheça a interferir (P-04)

Com relação ao pagamento desta atividade remunerada, as famílias informam que eles sempre recebem no final do mês e que isto faz uma grande diferença para eles: Lógico! Recebem pelo que trabalham. O que se arrecada durante o mês, tira-se as despesas e o restante é dividido entre eles. Recebem 50, 100, 20, 40, depende do mês, então, eles têm os seus ordenados, então eles sabem que têm que chegar as oito horas e sair ao meio dia, que têm 258


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que usar uniforme, que têm que assinar o ponto. Eles são na verdade trabalhadores e isso deu a eles uma evolução tremenda, a satisfação deles, a alegria quando eles recebem no final do mês, é uma beleza. Então a auto-estima deles é muito grande [...] eles sabem disso, eles sabem que se faltarem eles serão cobrados. Eles sabem que se chegarem tarde, eles vão embora, eles criam responsabilidade e daí a valorização dele mesmo, ele se acha uma pessoa importante para ele e para o lugar onde ele está. [...] A família sabe que o objetivo é cada vez pagá-los melhor, o objetivo é pagar no mínimo um salário mínimo, isso acho que a gente vai alcançar pelo caminho que esta indo (P04).

Neste depoimento, não aparece que a família tem que contribuir mensalmente com um valor de cinqüenta reais e que, em média, o filho recebe trinta reais, conforme reporta a mãe abaixo: [...] O salário dele aqui é muito pouquinho. Na verdade eu pago pro R. trabalha, né? Com o dinheiro dele ele compra CD, essas coisas assim. (M-02).

Vê-se que a remuneração recebida pelo filho não é o elemento essencial deste trabalho: Ela adora (o trabalho) ela não chega atrasada [...] Ela não precisa desta remuneração, ela é independente em casa. (M-05) 259


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O que aparece nos relatos das famílias é a busca pela autonomia e a independência dos filhos: Então levamos tempo, mas a evolução de aconteceu foi extraordinária, a grande maioria veio para cá , não pegavam ônibus, os pais vinham trazer, hoje eles vêm de ônibus, ou vêm de carro, claro aqueles que os pais querem trazer, mas todos andam, todos têm as suas carteirinhas de deficientes, enfim a família desenvolveu muito, eles se realizaram, hoje eles são verdadeiros cidadãos, hoje eles se consideram uma pessoas comum igual todo mundo (P-04). Dentro de casa, e tudo se a gente precisa sair, ela se resolve, mas assim... mais na rua... Por isto que eu já estou deixando vir sozinha de certa coisa para aprender porque tem uma amiguinha, uma moça até de 44 anos que veio trabalhar na Cooperativa e que eu conheci desde mocinha andando sozinha. Então ela ficou muito amiga desta moça e eu achei bom, sabe por que foi dando assim coragem, tal de ela também de vir sozinha da Cooperativa como ela veio ontem, e vem da academia sempre(M-04).

Na verdade, o que estas famílias buscam é um lugar para este filho dentro da sociedade, e tentam protegê-los do constrangimento que as marcas da deficiência poderiam acarretar se os expusessem a concorrer no mercado de trabalho com as outras 260


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pessoas. Esta mentalidade de ocupação e, principalmente, de produção para que o indivíduo sintase sujeito da sociedade aparece com muita força nos discursos dessas famílias. Para ser cidadão precisa ser produtivo, mesmo que esta produção seja restrita a uma “oficina abrigada”. No depoimento abaixo, o presidente coloca que o Colégio não trabalhou com a questão sobre a aceitação do filho deficiente e acredita que muitos ainda não assumem os filhos como eles são: Eu acho que pelo fato de colocar... eu acho que o Colégio não trabalha isso não, o que falta é nós pais como instituição nos reunir e discutir, isso entre nós pais. Você sabe que a natureza humana é muito braba, se podendo esconder, ainda esconde, pode dizer: meu filho é um pouquinho deficiente. Não tem um pouquinho, ou é, ou não é. Você precisa assumir mais o seu filho, levando ele naquilo que você freqüenta, podendo levar onde você pode levar a criança, claro você não vai levar a criança em um baile, mas deve assumir ele mais, e acho que isso já estão assumidos. Eles são mais independentes, eles tem namoradas, eles namoram, eles são proibidos de namorarem aqui dentro, eles já sabem, agora fora daqui eles são livres (P-04).

Com relação à aceitação da pessoa deficiente na sociedade, principalmente do adulto no mercado de trabalho, o depoimento abaixo deixa claro que não existe aceitação, que apesar da legislação estar mais avançada, com relação ao direito de oportunidades para as pessoas 261


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deficientes, o preconceito é camuflado através da colocação de critérios para muitos inatingíveis: [...] como acontece no mercado de trabalho hoje... tem vagas tem tudo, o governo fez o decreto, a empresa com até 100, tem que ter duas vagas para deficientes, de quinhentos e assim por diante, mas o que acontece, a empresa coloca um empecilho, criou um perfil natural, que a criança tem que ser alfabetizada, tem que ter isso, tem que ser aquilo. Eles criam barreiras para isso. (P04).

Questionado sobre esta parceria das famílias em formar a Cooperativa para manter seus filhos com uma ocupação, o presidente comentou que ,dependendo da camada social das famílias, o destino social do filho pode ser traçado. Coloca que a visão assistencialista, que impera na maioria das escolas especiais, faz com que as famílias com menos recursos financeiros acomodem-se com os benefícios de transporte e alimentação e descuidem da formação integral: É o seguinte geralmente quanto mais baixo o nível, dá preferência por aquela instituição que busca em casa, porque tem dificuldade do transporte, essas coisas, então ele prefere entre uma e outra, eu não fiz pesquisa em cima disso, mas ele prefere entre uma e outra, ele prefere [...] a APAE tem uma condução e busca em casa de manhã, dá lanche e depois pode ficar o dia inteiro, então ele

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prefere que o filho fique porque ele não tem condições de trazer um filho para um Colégio, não tem como levar, não tem condição, e o transporte é muito deficitário, então não é que ele não queira melhor para o seu filho, quer uma escola melhor, mas e ele passa para aquela porque é esta que atende mais a necessidade da família. Porque o pai trabalha, a mãe trabalha e não tem ninguém que fique com ele (P-04).

Comenta ainda que é preciso ampliar o capital cultural desses filhos, pois assim eles terão mais chances, principalmente no mercado de trabalho, porém compreende que para as famílias com baixo poder aquisitivo não resta muitas opções: ou a escola especial, ou a escola regular pública, sendo esta última, em sua avaliação, incompetente para atender as necessidades de seus alunos: [...] Mas de um modo geral todos buscam aqueles que têm condições, que tenham outras vivências, outra visão, não precisa ser bem de vida, tem que ter uma boa visão. E isto somente pagando, precisa pagar, é por que os colégios são pagos, a não ser que seja a escola pública que põe menos dificuldade, mas a escola pública já está ruim para os normais, imagina para os deficientes. (P-04).

Rodrigues (2003), analisando o valor atribuído aos jovens com deficiência, através da teoria sobre o valor da pessoa, descreve que as pessoas têm 263


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sido avaliadas pelo seu potencial de emprego, determinadas pela sua eficiência e produtividade e, que as pessoas que não conseguem uma formação profissional ou se, por algum motivo, não são eficientes e lucrativas, pelo prisma econômico, estarão em desvantagem enquanto valor humano. Discutindo a questão de um “sentido de lugar”, reporta que existem além das necessidades básicas de comida, abrigo e a saúde, outras que também devem ser consideradas de primeira necessidade, ou seja, “[...] a necessidade de ser criativo, de fazer escolhas, de exercer o próprio julgamento, de amar e fazer amizades, de contribuir com qualquer coisa nossa para o mundo, de ter uma função e um objetivo social” (RODRIGUES, 2003). A marca distintiva desta Cooperativa pode ser vista a partir de seu projeto, elaborado e implementado pelas famílias de egressos das Classes Especiais. Os investimentos que estas famílias fizeram e fazem para garantir que seus filhos deficientes ocupem um espaço digno na sociedade vêm, desde o período da estimulação essencial, passando pela escolarização e chegando na profissionalização, desta maneira pode-se inferir que existem um elo imprescindível entre as condições sócio-econômico-culturais da família e o destino social deste filho.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A dificuldade de tecer as conclusões desta pesquisa representa o ponto alto de tensão de todo o processo deste trabalho, por caracterizar o momento de finalização de um estudo que ainda poderia ser mais bem trabalhado, principalmente devido à riqueza do material empírico encontrado e à impressão de que as leituras possíveis destes dados não se esgotaram. Portanto, as conclusões deste trabalho são apresentadas aqui, como ponto de chegada, mas com a pretensão de que possam servir de ponto de partida para novos estudos, tendo em vista a carência de pesquisas que englobem a relação entre deficiência, escolarização e classe social, sendo que não foram encontrados trabalhos que reportem à educação especial nos estudos disponíveis que versam sobre a seleção da escola. Foram analisadas, neste trabalho, as motivações e as expectativas de famílias que pertencem a classes superiores, sobre a escolarização de seus filhos deficientes, e sobre a forma de atendimento e organização oferecidos pelo Colégio Coração de Jesus a estes alunos. O conjunto das informações sobre a condição de vida das famílias confirma o seu pertencimento às chamadas “classes superiores”, correspondendo às descrições de estudos que trabalharam com este grupo social (BRANDÃO, 2001; CARVALHO,2004; NOGUEIRA, 2002 e 2003). Não somente pelo seu capital econômico, mas pelo seu 265


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capital social, cultural e escolar. Através das análises da composição destas famílias, é possível afirmar que se tratam de famílias nucleares, com forte divisão do papel dos genitores, a mãe, responsável pela vida privada da família, cuidando da casa e dos filhos, e o pai, pela vida pública, buscando fora o sustento da prole. As informações contidas nas entrevistas foram suficientes para afirmar que estas famílias possuem recursos e acesso às novas tecnologias em casa, como: computadores (internet); televisão por assinatura (canal fechado); revistas e jornais. Desta maneira, podese afirmar que através do “modo de vida” e dos indicadores utilizados, como, por exemplo, a ocupação e a escolarização dos pais e dos irmãos e a condição residencial, apresentada pelo local onde moram e a posse de residências secundárias, estas famílias têm condições econômicas, culturais e sociais bem acima da média nacional brasileira. Apareceu com grande evidência nos relatos espontâneos das famílias a situação sobre o diagnóstico e a revelação diagnóstica da deficiência. Impressiona como um momento que marcou muito estas famílias, principalmente nas tomadas de decisões a partir deste momento, e que marcaram suas relações com o mundo da educação especial. Transpareceu nos relatos as tensões e os desencontros com relação às questões que envolveram o nascimento de um filho com deficiência, principalmente o desconhecimento geral das pessoas envolvidas nos atendimentos, desde a etiologia ao prognóstico. Constatou-se que existiu um grande investimento em atendimentos, na perspectiva da visão 266


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clínica, desde o nascimento. Estas famílias procuraram, por anos, “tratamento” para as dificuldades dos filhos com atendimentos fonoaudiológicos, fisioterápicos e psicológicos, na tentativa de diminuir as “incapacidades” destes no processo de escolarização regular. Chegou-se à conclusão de que estas famílias investiram na seleção da escola para o filho como estratégia de diminuir as marcas da deficiência, e que a concepção de que as escolas especiais (APAE ou FCEE) não eram para eles tornou-se evidente ao longo da pesquisa. Quanto ao relacionamento familiar, pode-se conferir que todos os pais estiveram presentes nas famílias, e que as mães, apesar de ter em uma participação mais direta com a educação familiar, sempre puderam contar com eles, alguns mais abertos, outros mais distantes, porém todas tiveram a presença dos maridos em casa, mesmo que na função de provedor. A formação que a maioria das mães recebeu, através da escolarização em Colégios destinados somente à educação feminina, foi entendida como responsável pela abnegação encontrada nestas mulheres, que foram formadas para exercerem o papel de “boas mães e esposas”, mas destaca-se que foi o capital econômico destas famílias que proporcionou que estas mulheres exercessem o papel tradicionalmente destinado às mulheres na configuração familiar em Santa Catarina. Quanto à escolha do Colégio Coração de Jesus, concluiu-se que desde o nascimento deste filho, 267


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estas famílias estão travando uma batalha, interna e externamente, na busca de um atendimento que “normalize” a questão da deficiência e encontraram no CCJ esta abertura, sendo que as motivações e as expectativas das famílias nesta escolha deveu-se mais pela busca de um Colégio de tradição, que oferecesse a oportunidade de convívio com pessoas da mesma origem social, do que na expectativa com relação às possibilidades de escolarização dos filhos. O CCJ consolidou-se para estas famílias como a opção confiável de atendimento a este filho, que dissimulasse as marcas deixadas pela deficiência, as quais, em outras instituições disponíveis, como por exemplo, as escolas especiais mantidas pela APAE ou a FCEE, estas marcas seriam evidenciadas. Quanto ao critério de escolha, não se evidenciou que tivessem tido relação com a questão religiosa, pois foi salientado, ao longo das entrevistas, somente a competência das Congregações Religiosas na manutenção à excelência escolar e à disciplina e ao rigor no comportamento, marca tradicional dos colégios confessionais. Quanto à forma como o Colégio Coração de Jesus se organizou para atender estes alunos em Classes Especiais, a pesquisa indica que os trabalhos de sala eram voltados para o trabalho psicomotor, e os conteúdos eram diferenciados pelo nível dos alunos, o currículo incluía atividades ocupacionais, como, por exemplo, atividades de culinária, logo foi possível retratar um descompasso entre os objetivos das famílias e o planejamento dos professores. Ficou claro que as famílias foram buscar no CCJ um atendimento mais 268


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escolarizante e que a escola, desacreditando no potencial de aprendizagem dos conteúdos escolares destes alunos, buscava implementar, mesmo sem estrutura, atividades de vida diária, que eram comuns nesta época nas escolas especiais. A participação dos alunos em atividades fora do Colégio tinha como objetivo oportunizar a ampliação do capital cultural e social e, certamente, com o respaldo da família, pois ficou evidente que esta programação incluía muitas viagens com a hospedagem em hotéis, o que comprova, mais uma vez, o pertencimento social destas famílias às classes superiores, porém, quanto ao pertencimento destes alunos das Classes Especiais como alunos do CCJ, verificou-se que, além de um currículo diferenciado, o modo de organização escolar não contemplava a inclusão dos mesmos nas atividades regulares do colégio. A participação com trabalhos nas exposições no interior do Colégio e a participação na banda, elementos muito valorizados para os alunos das Classes Especiais, aparece como uma conquista das famílias na mediação com a escola com o objetivo de realizar os desejos desses filhos que almejavam estas atividades, destinadas somente aos alunos das classes regulares, mas, nas demais atividades, como, por exemplo, as Olimpíadas do Colégio, estes alunos ficaram com o papel de expectadores. Apesar da divisão existente entre as classes especiais e as regulares no interior do CCJ, o status de estar incluído em uma escola regular fez com que as famílias tivessem relatado o período de fechamento 269


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destas classes com muito pesar. Acredita-se que o projeto de integração viabilizado após o fechamento destas classes deveu-se, por uma conjunção de fatores, a primeira, de ordem administrativa financeira, (as classes estavam dando prejuízos); a segunda, a pressão da mudança do paradigma quanto ao atendimento segregado evidenciados nas políticas estaduais e a terceira, em função da necessidade de dar uma terminalidade à trajetória escolar destes alunos, que já estavam com idades superiores aos alunos do Ensino Médio. Embora conflituoso, o fechamento das classes especiais atendeu, em parte, as expectativas das famílias, através das menções de valorização destinada ao diploma e a cerimônia de formatura relatadas por elas, apesar do descrédito sobre a validade das avaliações e, principalmente, tendo consciência do valor simbólico deste diploma. Verificou-se, por fim, que essas famílias travaram uma luta contra a exclusão de seus filhos nos espaços destinados aos não deficientes, abriram caminhos para que estes filhos pudessem percorrer suas trajetórias de vida dentro do padrão que eles almejavam. Em primeiro lugar, veio a trajetória escolar em que, valendo-se de suas posições sociais, “criaram” as Classes Especiais no Colégio Coração de Jesus e, com isto, conseguiram um desfecho escolar que culminou com o diploma do Ensino Fundamental. Em segundo lugar, a trajetória profissional, com a abertura de cooperativa (Cooperativa Especial de Pais, Amigos e Portadores de Deficiência) para garantir a ocupação e as relações sociais condizentes com suas origens, podendo, 270


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conseqüentemente, traçar assim o destino social destes filhos. Assim sendo, o que se pode concluir desta pesquisa é que essas famílias buscaram, através do ingresso de seus filhos deficientes mentais em escola de alto padrão, algum nível de escolarização, bem como a manutenção de relações sociais que minimizassem os processos de desclassificação de seus filhos, na medida em que, para eles, a deficiência era impossibilitadora de inserção social correspondentes às suas expectativas como pais da elite catarinense, tal como esperavam de seus outros filhos. De qualquer forma, foi praticamente unânime a valorização por esses pais do período em que lá permaneceram, na medida em que respondeu aos seus desejos de estabelecimento de relações sociais dentro da camada social a que pertenciam. Na proporção em que o trabalho pedagógico imprimido pela escola apresentou resultados muito baixos, em termos de escolarização, ficou reforçada, para esses pais, a perspectiva de total impossibilidade de aprendizagem de conteúdos acadêmicos por seus filhos deficientes. Nesse sentido, o reconhecimento do valor do diploma conseguido, mesmo sem a devida correspondência com a aprendizagem adequada dos conteúdos acadêmicos, parece demonstrar que a marca da deficiência como impossibilitadora de aprendizagens se sobreleva às expectativas de inserção social, pois parece evidente que essa situação jamais seria aceita pelos mesmos pais, se não houvesse essa marca, tal como se evidenciou pelos depoimentos em relação aos 271


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outros filhos. É interessante, também, enfatizar, nessas conclusões que, na medida em que esses pais não acreditaram no valor do diploma como meio para uma inserção produtiva satisfatória (no nível que gostariam para qualquer de seus filhos), abrem uma cooperativa, em que os filhos realizam tarefas “profissionais”, pois, para eles, seria inadmissível que um de seus filhos se inserissem em posições profissionais subalternas. Nesse sentido, para eles, a solução da Cooperativa não respondeu à necessidade de subsistência, mas a uma estratégia de manutenção de seus filhos em grupos sociais selecionados, mesmo que de deficientes e com remuneração “simbólica”. Assim, para esses pais, pareceu muito mais aceitável que seus filhos deficientes recebessem um arremedo de salário, mas em local “apropriado” para os membros de sua classe, do que uma inserção em trabalhos mecânicos e manuais, que, para eles, significaria uma desclassificação social. De qualquer forma, tendo em vista que a construção social da deficiência construída por esses pais, e ratificada pelo trabalho escolar, redundou numa visão de incapacidade em qualquer tipo de atividade mais elaborada, o fato de criarem a Cooperativa, onde seus filhos deficientes desenvolvem alguns tipos de atividade laboral, na companhia de seus pares sociais deficientes, bem como o fato de que, pelas condições econômicas das famílias, as suas subsistências estarem garantidas, mostra que, embora semelhante ao destino social dos deficientes em geral, a solução encontrada permite a manutenção de seus filhos deficientes em 272


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“ambiente adequado” ao seu nível social. E esta não me parece ser uma pequena diferença em relação ao destino social da maioria esmagadora dos deficientes mentais das camadas populares.

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O trabalho aborda as expectativas familiares na escolha de um colégio privado e confessional que atende à elite catarinense há mais de um século. Os dados foram coletados através de entrevistas e análise documental. Os principais resultados apontam que as famílias foram buscar nesta instituição um atendimento mais escolarizante e, a escola, desacreditando no potencial de aprendizagem dos conteúdos escolares destes alunos, buscava implementar atividades de vida diária. Concluiu-se que essas famílias travaram uma luta contra a exclusão de seus filhos nos espaços destinados aos não-deficientes, abriram caminhos para que estes filhos pudessem percorrer suas trajetórias de vida dentro do padrão que eles almejavam.

usj CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ


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