Revista Justiça & Cidadania

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EDIÇÃO 77 • dezEMBRO de 2006

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ÁGUA - AMAZÔNIA E O MUNDO

A internet e o direito

Foto: Ilkens Souza ORPHEU SANTOS SALLES EDITOR

TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO EDISON TORRES DIRETOR DE REDAÇÃO JOSÉ LUIZ COSTA PEREIRA DIRETOR DE MARKETING DAVID RIBEIRO SANTOS SALLES SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

A FASCINANTE TRAJETÓRIA DO CAFÉ

PRORROGAÇÃO E PERMISSÃO

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CONSELHO EDITORIAL Alvaro Mairink da Costa

DEBORA OIGMAN EDITORA DE ARTE

ANDRÉ FONTES

VINÍCIUS GONÇALVES EXPEDIÇÃO E ASSINATURA

Antônio souza prudente

CLEONICE DE MELO ASSISTENTE DE EXPEDIÇÃO

aurélio wander bastos

EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA,50/GR.501, ED. DE PAOLI CEP: 20020-906. RIO DE JANEIRO TEL/FAX (21) 2240-0429 CNPJ: 03.338.235/0001-86

carlos antônio navega

SUCURSAIS CUIABÁ JOSÉ RODRIGUES ROCHA JUNIOR RUA BARÃO DE MELGAÇO, 2.754, SL.903 CEP: 78020-800 TEL.(65) 3623-4979 SÃO PAULO RAPHAEL SANTOS SALLES AV. PAULISTA, 1765/13°ANDAR CEP: 01311-200. SÃO PAULO TEL.(11) 3266-6611 PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102 ED. PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP: 90010-272 TEL (51) 3211 5344 BRASÍLIA ARNALDO GOMES SCN - Q.1 - BLOCO E Ed. CENTRAL PARK FONES: (61) 3327-1228 / 29

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antonio carlos Martins Soares Arnaldo Esteves Lima Bernardo Cabral carlos ayres britTo Carlos mário Velloso CELSO MUNIZ GUEDES PINTO CESAR ASFOR ROCHA

SUMÁRIO EDITORIAL

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TROFÉU DOM QUIXOTE

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O INDIVÍDUO É O ÚNICO SUJEITO ATIVO POSSÍVEL EM DIREITO PENAL

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INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO

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LEIBNIZ - INTRODUÇÃO E LÓGICA

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AMPLA E JUÍZES DEBATEM

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MÉRITO JUDICIÁRIO

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CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA do mt

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FÓRUM DE NOTÍCIAS

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REPRODUÇÃO ASSISTIDA

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DALMO DE ABREU DALLARI Darci norte Rebelo denise frossard Edson CARVALHO Vidigal eLLIS hermydio FIGUEIRA fernando neves Francisco Viana Francisco Peçanha Martins Frederico José Gueiros GILMAR FERREIRA mENDES Humberto Gomes de Barros Ives Gandra martins josé augusto delgado JOSÉ CARLOS MURTA RIBEIRO José Eduardo carreira Alvim luis felipe Salomão Manoel CarpeNa Amorim Marco Aurélio Mello

CORRESPONDENTE ARMANDO CARDOSO TEL (61) 9674-7569

MAURICIO DINEPI

revistajc@revistajc.com.br www.revistajc.com.br

nEY PRADO

ISSN 1807-779X

SEBASTIÃO AMOÊDO

maximino gonçalves fontes Miguel Pachá Paulo Freitas Barata Sergio Cavalieri filho thiago ribas filho

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EDITORIAL

João Goulart

o Presidente do povo

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o dia 6 de dezembro de 1976 faleceu no exílio, na cidade de Mercedes, Argentina, o presidente João Goulart, tendo sido enterrado em sua cidade natal, São Borja, depois de permanecer cerca de 6 horas na fronteira, ao sol na urna funerária, impedido mesmo depois de morto de entrar em sua pátria. João Goulart, o presidente das reformas de base, foi depois do presidente Getúlio Vargas, o governante que mais defendeu os direitos e interesses dos trabalhadores, através de medidas de alto cunho social e em tentativas para implantar mudanças no setor agrário, que poderiam alavancar a reforma e que daria aos trabalhadores rurais uma solução efetiva em benefício da população mais desprotegida da nação. Em junho de 1953, apoiado pelo presidente Getúlio Vargas, assumiu o Ministério do Trabalho e, ao propor o aumento de 100% do salário mínimo, sofreu violenta e insidiosa campanha movida pela elite conservadora compactuada com militares desavisados, arregimentados por desvairados e frustrados políticos que viviam como verdadeiras vivandeiras às portas dos quartéis e, resultando, face um manifesto de coronéis, em sua exoneração em 23 de fevereiro de 1954. Eleito sucessivamente vice-presidente, com o presidente Juscelino Kubitschek, quando recebeu 3.591.409 votos, superando os votos do presidente JK em cerca de 500.000 votos, e com o presidente Jânio Quadros, que ao renunciar em 25 de agosto de 1961, esteve na eminência de não assumir a presidência, face à oposição golpista de 3 ministros militares, que atendiam aos interesses políticos frustrados e entidades financeiras da época. Para assumir, teve de transigir assumindo a presidência em sistema parlamentarista de governo e somente com a realização de plebiscito foram restabelecidos os poderes presidenciais, através do voto de mais de 10 milhões de eleitores. A ascensão de João Goulart na plenitude dos poderes presidencialistas que o plebiscito lhe assegura em 6 de janeiro de 1963 não escapa às contradições: trazia consigo o Plano Trienal, elaborado pelo ministro Celso Furtado, que a um só tempo se propunha a lograr a estabilização monetária e o desenvolvimento econômico social. Nesse período, a participação popular se fez intensa e generalizada

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e conseqüentemente todas as questões econômicas e sociais vieram à tona. O país debatia, reivindicava, pressionava. Todos queriam romper as barreiras, abrir espaço para os direitos inerentes à cidadania e deixar de ser meros enunciados jurídicos. Os trabalhadores urbanos durante tanto tempo atados a uma estrutura sindical verticalizada rompem com ela e, à margem da lei, criam os pactos intersindicais, dando à luta reivindicatória uma força sem igual. O campo, por sua vez, desperta, à margem da luta dos posseiros, que sempre eclodiram ao longo dos tempos e então, surgem naqueles anos as ligas camponesas, que reuniam trabalhadores rurais de todo o país, levantando bandeiras da reforma agrária e dos direitos sociais, com um vigor sem precedente. Os sindicatos rurais, cuja criação foi estimulada pelo Ministério do Trabalho, organizaram-se no número de 1.200 com âmbito de jurisdição, às vezes, em vários municípios. Os estudantes universitários, sob a liderança da UNE, e os intelectuais também, sensíveis ao estado de espírito que dominava o país, se entregavam à tarefa de estudar a realidade brasileira, numa admirável sucessão de livros sob os mais diversos enfoques, configurando a um só tempo arte e denúncia. No âmbito político, através de uma legislação cada vez mais atenta aos interesses nacionais, o país erguia a fronte: a lei nº 4.131/62 que disciplinava o investimento de capitais estrangeiros e a remessa de lucros para o exterior, regulamentada, apesar dos protestos do embaixador Lincoln Gordon; lei nº 4.117/62, que define o Código Brasileiro de Telecomunicações; lei nº 4.118/62, que fixou a política nacional de energia nuclear, deferindo à União o monopólio na pesquisa, lavra, produção, industrialização e comércio de minerais, que apesar de sancionadas na vigência do sistema parlamentarista, refletiam de imediato nos condicionamentos do governo João Goulart. Na mensagem ao Congresso Nacional, ao inaugurar-se na sessão legislativa de 1964, deixou escrita como lição às elites dirigentes: “Os contrastes mais agudos que a sociedade brasileira


apresenta, na fase atual do seu desenvolvimento, são de natureza estrutural e, em virtude deles, a imensa maioria da nossa população é sacrificada, quer no relativo à justa e equânime distribuição de renda nacional, quer no referente à participação na vida política do país e nas oportunidades de trabalho e educação que o desenvolvimento a todos deve e pode oferecer. Optei pelo combate aos privilégios e pela iniciativa das reformas de base, por força das quais se realizará (...) a instauração de uma convivência democrática plena e efetiva. O Brasil dos nossos dias não mais admite que se prolongue o doloroso processo de espoliação que durante mais de quatro séculos, reduziu e condenou milhões de brasileiros a condições subumanas de existência”. Vale a pena, passados quarenta e dois anos, recordar o conjunto de providências que João Goulart propunha aos representantes do povo: - “A ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade.” - “Poderão ser desapropriadas, mediante pagamento em títulos públicos de valor reajustável, na forma que a lei determinar: a) todas as propriedades não exploradas; b) as parcelas não exploradas de propriedade parcialmente aproveitada quando excederem a metade da área total.” - “O preço da terra por arrendamento, aforamento, parceria ou qualquer outra forma de locação agrícola, jamais excederá o dízimo do valor das colheitas comerciais obtidas.” A história nestes 42 anos de deposição do presidente João Goulart, já mostrou que os envolvidos principais na trama que propiciou o golpe político-militar de 1964, Carlos Lacerda, Adhemar de Barros e Magalhães Pinto com a ânsia pelo poder para galgarem a presidência da República, não titubearam em conquistar a vaidade de comando das lideranças militares da ocasião, causando a tragédia que sacrificou com prisões, torturas, exílios e mortes de milhares de patriotas, além do descalabro que propiciaram. Os motivos evocados contra João Goulart, todos eles estão desmentidos com o teor das ações e principalmente do discurso pronunciado em 13 de março de 1964, onde o presidente afirma categoricamente: “A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, anti-reforma, ou seja, aquela que melhor serve ao grupo que eles servem e representam. A democracia que eles querem é aquela que quer privatizar a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais; é a democracia que luta contra governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício. Democracia é o que meu governo vem procurando realizar pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social. Perdem o seu tempo os que temem que o governo passe a empreender uma ação subversiva na defesa de interesses políticos ou pessoais. De minha parte, à frente do poder executivo, tudo continuarei fazendo para que o processo democrático siga um caminho pacífico. Vamos continuar lutando pela

construção de novas usinas, pela abertura de novas estradas, pela implementação de mais fábricas, por novas escolas, por mais hospitais para o nosso povo sofredor; o caminho das reformas é o caminho do progresso pela paz social. Reformar é solucionar pacificamente as contradições de uma ordem econômica e jurídica superada pelas realidades do tempo em que vivemos. Trabalhadores, acabei de assinar o decreto da supra com o pensamento voltado para a tragédia do irmão brasileiro que sofre no interior da nossa pátria. Ainda não é aquela reforma agrária pela qual lutamos. Ainda não é a reformulação de nosso panorama rural empobrecido. Ainda não é a carta de alforria do camponês abandonado, mas é o primeiro passo: uma porta se abre à solução definitiva do problema agrário brasileiro. O que se pretende com o decreto que considera de interesse social, para efeito de desapropriação, as terras que ladeiam eixos rodoviários, leitos de ferrovias, açudes públicos federais e terras beneficiadas por obras de saneamento da União, é tornar produtivas áreas inexploradas ou subutilizadas, ainda submetidas a um comércio especulativo, odioso e intolerável. Não é justo que um benefício de uma estrada, de um açude ou de uma obra de saneamento vá servir aos interesses de especuladores de terra, que se apoderam das margens de estradas e dos açudes. A Rio-Bahia, por exemplo, que custou 70 bilhões de dinheiros do povo, não deve beneficiar os latifundiários, pela multiplicação do valor de sua propriedade, mas sim o povo. A reforma agrária é também uma imposição progressiva do mercado interno, que necessita aumentar sua produção para sobreviver. Com o alto testemunho da nação e com a solidariedade do povo, reunido na praça que só ao povo pertence, reafirmo seus propósitos inabaláveis de lutar com todas as suas forças pela reforma da sociedade brasileira. Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela justiça social e pelo progresso do Brasil.” Não é sem sentido, que na lápide que encima o túmulo do grande líder, no cemitério de São Borja, escrito em letras de bronze, está inscrito como uma legenda que ressoa como um julgamento da História: “JOÃO GOULART – PRESIDENTE DO POVO.”

*PS: Este editorial – refletindo a distância que nos mantém à margem de qualquer conotação político- partidária – é uma homenagem que resgata um fato histórico. E, para nós, a História só tem compromisso com a Verdade. 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 5


Foto: Luiz Akai Foto: Luiz Akai

Da esquerda para a direita: chanceler Bernardo Cabral, ministro Peçanha Martins, presidente da Confraria e ministro Carlos Ayres Britto.

Ministro Ayres Britto entrega o troféu Sancho Pança ao membro do Conselho Editorial da revista Justiça & Cidadania, Bernardo Cabral. 6 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006


Foto: Ilkens Souza

Ministro Enrique Lewandowski recebe o troféu Dom Quixote do editor da revista Justiça & Cidadania Orpheu Santos Salles.

N

a noite do dia 29 de novembro passado em Brasília, o Supremo Tribunal Federal abrigou um dos momentos mais bonitos proporcionados pela entrega dos Troféus Dom Quixote da Mancha e Sancho Pança. O brilho e a beleza se deveram, entre outras coisas, à singeleza e ao clima de companheirismo e amizade entre os confrades que com muito orgulho recebiam seus troféus com poesia e, em outros casos, com emocionadas lágrimas nos olhos. À ocasião, os presentes estavam ansiosos pela abertura da solenidade com as palavras do presidente da Confraria Dom Quixote, ministro Francisco Peçanha Martins. Havia poesia nas palavras dos oradores Ayres Britto e Souza Prudente, como também nas de Orpheu Salles e Bernardo Cabral, que unidos por seus ideais enalteceram o valor da verdadeira amizade e fidelidade, tão presentes na obra de Cervantes. O desembagador federal Souza Prudente ao receber seu troféu recitou versos, no que ele chamou de “alma cervantina”, para homenagear essa novela de homens livres. Em 1999, ano da fundação da Revista Justiça e Cidadania, seu idealizador, Orpheu Salles participou,

a convite do desembargador Gilberto Rego do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, de uma homenagem ao presidente e vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministros Carlos Mário Velloso e Marco Aurélio Mello, respectivamente, quando fez a primeira entrega do Troféu Dom Quixote. No discurso de agradecimento o ministro Velloso confessou que Dom Quixote sempre foi seu herói e que atualmente o juiz brasileiro é um pouco o personagem pois tem que enfrentar muitos moinhos para proporcionar a justiça aos mais necessitados no Brasil. Por sua vez o ministro Marco Aurélio disse que deixaria o Troféu Dom Quixote em seu gabinete de trabalho, para que sempre que despachasse, olhando para a figura do personagem de Cervantes, se inspirasse em sua coragem e lembrasse dos milhões de desassistidos brasileiros que necessitam de justiça. Surpreso com a receptividade dos agraciados, Orpheu Salles instituiu o Troféu Dom Quixote como símbolo da Revista e o concede às personalidades que se destacam na luta em defesa da ética, da moral e dos direitos da cidadania. O Troféu Sancho Pança surgiu em seguida para homenagear os já homenageados com o Troféu Dom Quixote, pois o personagem Sancho representa a fidelidade aos princípios que os fizeram receber o primeiro troféu. 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 7


Foto: Luiz Akai

Ministro Carlos Velloso recebendo o troféu do ministro Carlos Ayres Britto Foto: Luiz Akai

Ministro Eros Grau após receber o troféu do ministro Carlos Alberto Direito Foto: Luiz Akai

Ministro Ives Gandra Martins Filho entregando o troféu ao Dr. Fábio Meirelles - presidente da Confederação Nacional da Agricultura 8 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006


Foto: Ilkens Souza Foto: Luiz Akai Foto: Luiz Akai

Ministro Enrique Lewandowski entrega o troféu ao desembargador Celso Guedes

Ministro Ives Gandra Martins Filho recebendo o troféu do ministro Carlos Velloso

Ministro José Castro Meira recebendo o Dom Quixote do ministro Carlos Ayres Britto

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Foto: Luiz Akai

Bernardo Cabral entrega o troféu para o jornalista Marcone Formiga Foto: Ilkens Souza

Ministra Maria Cristina Peduzzi após receber o Dom Quixote do ministro Peçanha Martins Foto: Luiz Akai

Ministro Eros Grau entrega o troféu ao ministro Carlos Alberto Direito 10 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006


Foto: Ilkens Souza Foto: Luiz Akai

Desembargadora Neuza Maria Alves recebe o troféu do ministro do Superior Tribunal Militar Carlos de Andrade

Foto: Luiz Akai

Ministro Massami Yeda recebe o troféu do ministro Enrique Lewandowski

Procurador federal Roberto Giffoni recebe o Dom Quixote do ministro Humberto Gomes de Barros

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Foto: Ilkens Souza

Desembargador Souza Prudente recebendo Sancho Pança do ministro Castro Meira Foto: Luiz Akai

Ministro Cesar Asfor Rocha recebe o troféu das mãos de sua esposa

Foto: Luiz Akai

Sub-procuradora da República Delza Curvello Rocha recebe o troféu do ministro Ives Gandra Martins Filho 12 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006


“Nesta hora, em que nasce a Confraria Dom Quixote, com seus ideais de justiça e liberdade, para um mundo plural, ofereço aos nobres confrades, estes versos de alma cervantina, para homenagear essa novela de homens livres, neste século XXI, nestas letras:

Foto: Ilkens Souza

Foto:Ilkens Souza

Ainda nesta noite ainda, nosso dia chegará Nosso dia chegará montando a asa do vento, atrelado ao fogo da mais bela aurora, doando chuva à semente, distribuindo sol. Não haverá mais noites, não haverá mais sombras, sobreexistirá a luz. Ainda nesta noite ainda, nosso dia chegará. E a Musa, sem parnaso com seu vestido de orvalho e os pés no chão, acordará madrugadas e ofertará aos pobres e oprimidos

a difícil solução. Ainda nesta noite ainda nosso dia chegará. Todos caminharemos juntos, de mãos dadas, conjugando o verbo Amar em busca da libertação. E depois, alados em um gesto unânime de infinito Amor, Tomaremos a nave da esperança rumo à Estrela Polar, porque Ainda nesta noite ainda, nosso dia chegará.”

Antônio Souza Prudente Desembargador Federal 1ª Região

Ministra Eliana Calmon recebe Sancho Pança do ministro Carlos Ayres Britto

Ministro Francisco Falcão recebe o Dom Quixote do ministro Carlos Ayres Britto 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 13


Água a Amazônia e o mundo Bernardo Cabral Membro do Conselho Editorial

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problema da escassez da água está obrigando o mundo a voltar os seus olhos, cada vez mais, para a Amazônia. E quem não a conhece, com certeza se surpreenderá ao visitar a região pela primeira vez e, com espanto, exclamar: “É muita água”. De fato, nela se encontra a maior bacia hidrográfica do planeta, responsável por 20% da água doce que chega aos oceanos. Como o seu clima é permanentemente quente e úmido, com uma alta taxa de precipitação, as chuvas ainda contribuem para a formação de pequenos rios e igarapés. Esses pequenos rios formam, como afluentes, alguns dos maiores rios da região: Amazonas, Negro, Solimões, Tapajós, Araguaia, Tocantins, Trombetas, Xingu e Madeira. O rio Amazonas é o principal sistema fluvial da bacia amazônica. Ele recebe toda a água que circula e despeja no oceano 175 milhões de litros de água por segundo, um volume que não é superado por nenhum outro rio. O volume de água no Rio Amazonas e tão grande que sua foz consegue empurrar a água do mar por muitos quilômetros. O Oceano Atlântico só consegue reverter isso durante a lua nova, quando, finalmente, vence a resistência do rio. O choque entre as águas provoca ondas de até cinco metros que avançam rio adentro, com uma força capaz de derrubar árvores e modificar o leito do rio. Este fenômeno é conhecido com o nome de pororoca que, no dialeto indígena do baixo Amazonas, significa destruidor. Ora, com todo esse volume imenso de água, há de ser colocada na agenda da humanidade, como questão central, a falta de planejamento e racionalidade no uso dos recursos hídricos, uma constante que começa a ameaçar o abastecimento adequado. Atualmente, cerca de 20% da população mundial não têm acesso regular à água potável (1,4 bilhão de habitantes) e, aproximadamente, 40% não dispõem de uma estrutura adequada de saneamento básico (3 bilhões de habitantes). E mais de 3 milhões de crianças morrem, prematuramente, por falta de acesso à água de boa qualidade e um ambiente saneado. Além do que, três quintos dos grandes rios estão comprometidos por obras hidráulicas, sem considerar 10% dos peixes, 24% dos mamíferos e 12% dos pássaros, que vivem em água doce, estão ameaçados.

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É incomodamente óbvio ressaltar que a particularidade da crise hídrica está a merecer uma análise prolongada, meticulosa; uma vez que ela não se assemelha, nem aos choques petrolíferos, nem à crise financeira e muito menos à estagnação atual. Segundo os organismos multilaterais – e aí mais um ponto da questão central – se trata de uma crise de gestão. Ora, captação de água, despejo de afluentes, ocupação das margens e derrubada das matas resultaram em uma alarmante redução da qualidade e disponibilidade de água, tornando-se uma crise mais latente do que afetiva e mais social do que econômica, porque afeta os pobres. Como ressaltam Marcos de Freitas e Luiz Eduardo Duque Estrada: é também uma crise anunciada. No início do mês de novembro em curso, o economista inglês Nicholas Stern deu entrevista a uma revista brasileira de circulação semanal, onde destaca um relatório que lançou na Inglaterra e que foi chamado de “Estudo Stern” e no qual afirma que “dentro de 40 a 50 anos os efeitos que aparecerão pelo que foi feito contra o planeta serão: secas, enchentes e furacões, cada vez mais intensos”. Coloca ele em relevo que “se as montanhas de neve dos Andes, fonte de boa parte da água na América do Sul, começarem a derreter, isso significaria uma grande perturbação nas correntes de água do continente”. E mais: “a seca da Amazônia pode afetar profundamente o Brasil” e o “Brasil sofreria pesadamente se a Amazônia morresse”. Aqui cabe acentuar que a consciência ecológica brasileira, ou seja, o conhecimento da nossa integração com o local em que vivemos, nasceu quando percebemos que nossa qualidade de vida depende de como tratamos o meio ambiente. No que se refere à água há muito trabalho para a nossa geração e as futuras, na recuperação e conservação desse bem tão precioso. Já é hora de refletirmos se gastamos mais do que na verdade necessitamos. Quando lavamos uma calçada ou o carro com água tratada, não estamos gastando com desperdício? Será que nossos rios não estão recebendo mais lixo e esgoto do que podem suportar? Em vista disso, da tribuna do Senado reclamei, reiteradas vezes, da necessidade de se usar o regime de urgência para uma legislação atualizada sobre política e gerenciamento de recursos hídricos. É que tinha eu o entendimento de que o


Código de Águas – decreto nº 24.643, de 10 de julho de 1934, em razão da demanda e mudanças institucionais, se tornaria incapaz de combater o desequilíbrio hídrico e os conflitos de uso. Além dessas manifestações, publiquei o livro “Direito Administrativo. Tema: Água”, edição de janeiro de 1997 (esgotada, 663 páginas), provando que o uso sustentável da água está vinculado ao conhecimento da legislação. Felizmente, a partir desse ano de 1997, o país passou a conviver com a lei nº 9.433 de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, seguida da lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, que criou a Agência Nacional de Águas – ANA, ambas por mim relatadas no Senado Federal. E se uso o termo felizmente é porque nos últimos 100 anos a população do mundo cresceu três vezes, enquanto o consumo da água sete vezes. Como exemplo, basta olhar para o Oriente Médio, África e os dois países da Ásia que somam 40% da população mundial, China e Índia, e confirmar que o

problema da água de consumo é hoje quase uma tragédia. Além disso, os grandes rios da história universal estão agonizantes: o Nilo no Egito, o Colorado no México, o Ganges na Índia, o Amarelo na China. Aliás, a China está transpondo as águas do rio Yang-Tsé para o rio Amarelo, naquilo que é considerada, hoje, a maior obra de construção do mundo, orçada em 60 bilhões de dólares. Já é tempo de se tornar realidade o raciocínio de que exportar água – como fazem o Canadá e a Turquia – é uma alternativa altamente rentável para a Amazônia, pela grande quantidade de divisas que entrarão na região. E é bom que se faça antes que os “de lá de fora” concretizem o seu indisfarçável desejo de transformar a “Amazônia em patrimônio da humanidade”. Nesse ponto, é preciso deixar bem claro uma decisão: de modo algum nosso país abrirá mão de sua soberania, historicamente reconhecida, sobre seu território amazônico. Portanto, a Amazônia é patrimônio brasileiro e outro projeto, em sentido diverso, está, desde logo, excluído de qualquer agenda de discussões. 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15


O indivíduo é o único sujeito ativo possível em Direito Penal? Álvaro Mayrink da Costa Desembargador (aposentado) do TJ/RJ. Ex-presidente do TRE/RJ. Presidente do Fórum Permanente de Execução Penal da EMERJ. Professor de Direito Penal e Criminologia da pósgraduação da UGF e da EMERJ.

A

discussão sobre o sujeito de direito adquiriu especial atenção no final do século XX diante do questionamento da máxima “societas delinquere non potest”, traduzido como o princípio de imputação penal individual. A idéia de sujeito tem sido o ponto de referência das categorias dogmáticas da ação e da culpabilidade sem resolver o problema das condutas de diversos entes coletivos na sociedade atual que requerem reprovação penal, tal como as condutas puníveis realizadas por ou a partir das pessoas jurídicas. Sabemos que os conceitos dogmáticos de ação, culpabilidade e pena privativa de liberdade foram elaborados a partir da idéia do indivíduo e suas qualidades. Questiona-se, se o modelo de Direito Penal dominante com patamar no sujeito individual, ainda é capaz de solucionar os conflitos da atualidade de relevância penal. Historicamente é larga a prática desenvolvida por Bartolo sobre a lei 16, §1º do título 1º, livro 48, do “Digesto”, que chegou aos séculos XVII e XVIII. Com a “Época das Luzes” surge a Revolução Francesa que restabelece o critério da ficção, assinalando a imutabilidade do direito penal moderno, só a 16 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

pessoa física poderia ser apenada, sendo totalmente impossível fazê-lo em relação à pessoa jurídica, sem violar a máxima do direito penal que exige a identidade do condenado. Em sentido oposto, surge a teoria alemã da responsabilidade penal das pessoas jurídicas através do civilista Otto Gierke em sua obra “Das deutsche Genossenchaftrecht”(1868) sustentando que a pessoa jurídica deve também ser punida como todos os membros que a representam. Franz Von Liszt em seu tratado combate o axioma Societas delinquere non potest e afirma a responsabilidade da pessoa social. Mezger aceitava as exceções impostas por necessidades práticas na questão das multas fiscais. Assinale-se na Itália que Forian sempre repudiou a incriminação das pessoas jurídicas, posição contrária a de De Marsico e Silvio Longhi. Note-se que Jimenez de Asúa em seu estudo “La responsabilidad criminal de las pessoas jurídicas” (1947) concluía pela ausência de imputabilidade para a edificação da noção do delito sem que este se opusesse a uma norma de cultura. Postula que não se pode afirmar que uma pessoa realize um ato, se nele não concorrem dois grupos de elementos essenciais: a) o intelectual consiste em que o autor


“Na atualidade o tema da responsabilidade penal dos entes coletivos está diretamente ligado ao âmbito dos injustos econômicos, diante de quatro grupos principais: a) perigos contra o meio ambiente; b) perigos dentro da empresa; c) perigos do produto; d) perigos no âmbito dos meios de transporte.” 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 17


“A questão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas repousa sobre as mesmas categorias dogmáticas da teoria do injusto (ação e culpabilidade) com uma discussão sobre a teoria do sujeito de Direito Penal.”

capte dentro de sua consciência o fato, como ele é e como todas as circunstâncias do tipo injusto e conheça a significação de seu ato; b) o afetivo: para que o sujeito atue, realize o ato doloso, é necessário que conheça as circunstâncias do fato, e ao mesmo tempo a significação antijurídica de sua ação. Conclui, indagando: a) como poderíamos construir numa pessoa jurídica o elemento intelectual para ter conhecimento, consciência e juízo cognitivo?; b) como vamos edificar esse elemento intelectual do dolo em que é incapaz de um juízo crítico? Assim, a pessoa jurídica não é capaz de delinqüir1. No modelo de responsabilidade por atribuição surge a questão dogmática da natureza do título de imputação de responsabilidade à pessoa jurídica pelos atos de seus órgãos. A transferência do elemento subjetivo das pessoas jurídicas atuantes na pessoa física que compense os déficits subjetivos destas, dá razão à postura doutrinária que defende que tal imputação “normativa” do comportamento individual “como do próprio grupo” se reduz a uma mera imputação objetiva que seria suficiente para a imposição de conseqüências cíveis ou no campo do direito público, mas não necessariamente para a culpabilidade subjetiva e pena. Recorde-se que Jakobs em seu trabalho “Strafbarkeit juristicher Person?” defende que inexiste culpabilidade jurídico-penal transferível2. Como coloca Jesús-María Silva Sánchez, superada a questão entre as teorias de ficção e de realidade, questiona-se se as pessoas jurídicas são sujeitos reais, distintos das pessoas físicas que nela se integram. As pessoas jurídicas constituem agentes econômicos e daí são agentes essenciais. A questão complexa e controvertida é saber se a condição de sujeitos sociais permite caracterizar as pessoas jurídicas como destinatários das normas jurídico-penais. A responsabilidade penal das pessoas jurídicas se constituiria numa questão pertinente ao sujeito do direito penal. A idéia do sujeito tem sido o ponto de referência de categorias dogmáticas da ação e da culpabilidade que não tem 18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

sido capaz de solucionar o problema da atualidade relativo a numerosas condutas coletivas, cuja realização é percebida pela moderna sociedade de riscos como condutas intoleráveis a partir de pessoas jurídicas e, sob tal ângulo com base no modelo dominante com patamar num sujeito individual, não seria possível solucionar os conflitos sociais deste novo século que se consideram de relevância penal. Na atualidade o thema da responsabilidade penal dos entes coletivos está diretamente ligado ao âmbito dos injustos econômicos, diante de quatro grupos principais: a) perigos contra o meio ambiente; b) perigos dentro da empresa; c) perigos do produto; d) perigos no âmbito dos meios de transporte. A antiga discussão sobre a possibilidade da imposição de sanções de caráter penal aos entes coletivos dividem-se em duas posições opostas: a) inadmissibilidade da punibilidade das pessoas jurídicas, mas admitindo a possibilidade de aplicação de sanções administrativas ou civis; b) admissibilidade da responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos sistemas anglo-saxões e os que foram por ele influenciados. Aduza-se que no âmbito europeu há países que admitem o princípio societas delinquere potest, como a Holanda, França (reforma do Código Penal de 1992), Dinamarca (reforma do Código Penal de 1996) e a Bélgica (reforma do Código Penal de 04.05.1999) e a Itália (anteprojeto do Código Penal italiano de 1999)3. As dificuldades jurídicas se situam nas questões relativas ao problema do sujeito e da norma jurídica, diante da incompatibilidade da pessoa jurídica com as categorias dogmáticas da ação e da culpabilidade, como da função e essência da pena que marcam a separação entre a pessoa física e a jurídica4. A questão pode ser aprofundada diante da crise da idéia de sujeito ao suscitar que a culpabilidade não se entende como uma reprovação ético-social, mas se deve determinar a partir de aspectos da pena. A teoria da culpabilidade de Jakobs


toma como referente material a idéia de pessoa, cujo âmbito normativo se encontra definido a partir do cidadão5. O direito penal cumpre a função de confirmar a identidade normativa da sociedade para uma nova configuração de seu sujeito. Para Jakobs é necessário partir de correspondentes conceitos sociais e da norma como expectativa social institucionalizada. Neste contexto, ser sujeito significa exercer um papel e não a expressão da subjetividade de seu portador (representação de uma competência socialmente compreensível)6. Traduzindo a posição de Jakobs o indivíduo não é o único sujeito possível de direito penal. Não podemos olvidar a evolução dogmática da idéia de sujeito de direito penal em forma paralela às mudanças de fundamentação das categorias da teoria do injusto. O sujeito na teoria hegeliana é o sujeito individual eticamente responsável, já ao contrário, na dogmática da prevenção especial positivista, a capacidade de responsabilidade ética não é uma característica do sujeito. A questão da responsabilidade penal das pessoas jurídicas repousa sobre as mesmas categorias dogmáticas da teoria do injusto (ação e culpabilidade) com uma discussão sobre a teoria do sujeito de direito penal. A teoria que parece ser a mais adequada para o novo contexto, sob o ângulo de que o novo marco dos sistemas sociais não se compõe de ações individuais, mas de comunicações imputáveis como ação. A sociedade não se compõe de um conjunto de ações específicas, se estrutura sobre o sucesso universal dos meios operativos. O sujeito tradicional, o indivíduo, está envolvido por um sistema de suas comunicações com o mundo circundante. A sociedade se compõe de comunicações e sistemas sociais (direito, economia, política) que se orientam por suas próprias regras. Daí a reformulação dos conceitos dogmáticos de ação e culpabilidade. O sistema jurídico não parte do sujeito autoinconsciente e de uma função do direito penal que não está vinculada a reprovar a tarefa de ressocializá-lo, senão a de

satisfazer a vigência de uma norma e garantir a identidade normativa da sociedade. Há mudança do paradigma no sentido de recolocar o problema da responsabilidade penal das penas jurídicas 7. Para Jakobs as pessoas jurídicas, como agentes econômicos e sociais reais, são socialmente construídas como centros de imputação da frustração de expectativas normativas e sujeitos passivos das conseqüências (não são destinatárias diretas que pressuponham a liberdade de ação). É preponderante a postura que entende compatível a sanção penal na pessoa física com a sanção administrativa à pessoa jurídica diante da divergência do sujeito ativo. A imposição de conseqüências acessórias deve ser presidida pelo princípio da presunção de inocência e do ne bis in idem. As corporações ou associações, como sujeitos de direito, possuem capacidade jurídica de atuar, todavia carecem da vontade no sentido psicológico que requer o conceito jurídico penal da ação (Societas delinquere non potest). As pessoas jurídicas não possuem capacidade de conduta, pois o injusto se elabora sobre a conduta humana individual e jamais a decisão de um colegiado equivale a uma decisão individual. Há pessoas individuais que atuam em nome e como representantes de pessoas jurídicas. Há como tendência nos projetos de reforma introduzir uma regra geral que opere como norma extensiva de tipos penais contidos na Parte Geral, como tipos sui generis, resultariam aplicáveis a quem atua em nome de outrem, ainda quando tais qualidades, relações ou circunstâncias concorram na pessoa representada. Várias propostas buscam introduzir critérios adicionais para elaborar a culpabilidade das pessoas jurídicas (Schüneman e Tiedemann), chegando-se à conclusão de que a partir de nossas categorias dogmáticas, nenhum conceito normativo ou social de culpabilidade permitirá a superação do obstáculo para uma resposta coerente. A partir da idéia de sujeito se poderá elaborar conceitos jurídico-dogmáticos.

NOTAS Luiz Jimenez de Asúa, El Criminalista Cuarto Estudio, Tomo III, Buenos Aires. Ed. Argentina, 1949, 152-201. Jésus-María Silva Sánchez, Normas y Acciones en Derecho Penal, Buenos Aires, Hammurabi, 2003, 78-81. 3 A Constituição de 1988 no §3º do art. 225 admite a responsabilidade penal e administrativa das pessoas jurídicas restrita ao meio ambiente (“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de repor os danos causados”). A lei nº 9.605, de 12.02.98 em seu art. 21 diz que as penas aplicáveis isoladas, cumulativamente ou alternativamente às pessoas jurídicas (“As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, cível e pessoalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”) são de multa, restritivas de direitos ou prestações de serviços à comunidade. Dentro da política criminal do século XXI já se antecipava à legislação pátria no elenco específico de medidas sócio-educativas sem fins aflitivos (custeio de programa e de projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas, manutenção de espaços públicos, contribuições e entidades ambientais ou culturais públicas) e a pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de injusto ambiental tendo decretada sua liquidação forçada. Observa-se o aparecimento de um novo arsenal de conseqüências jurídicas, que embora pressuponha uma conduta delitiva, não mais se pode entender como penas no sentido tradicional. A questão se coloca em relação à culpabilidade, desenhada por uma perspectiva de política criminal. A macrossociedade no século XXI, repete-se, buscará novas formas organizacionais que não mais requeiram a pessoa, nem suas conseqüências danosas. 4 A lei 9.605, de 12.02.98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente impõe à pessoa física penas restritivas de direitos (prestação de serviço à comunidade, interdição temporária de direitos, suspensão parcial ou total de atividades, prestação pecuniária e recolhimento domiciliar) e a pessoa jurídica, aplicável isolada, cumulativa ou alternativamente: multa (a lei não comina disposições gerais explicitando que para seu cálculo deverão ser observados os critérios do Código Penal), restritivas de direitos (suspensão parcial ou total de atividades, interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, proibição de contratar com o poder público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações) e prestação de serviços à comunidade (custeio de programas e projetos ambientais, execução de obras de recuperação de áreas degradadas; manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas). 5 Jakobs, Strafrecht. Allgemeiner Teil, 6/44, Berlin – Nova Iorque, 1983. 6 Jakobs, “Das Strafrecht Zwischen Funktionalismus und alteropäischen Prinzipiedenken”, 859. 7 Silvina Bacigalupo “La Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas: un Problema del sujeto del Derecho Penal”, in El Derecho Penal del Siglo XXI, Homage al Doctor Manuel Rivacoba y Rivacoba, Mendoza, EJC, 2005, 474 e segs.. 1 2

2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19


A INTERNET E O DIREITO Marcos Vinicios Vilaça

Foto: Fernando Carvalho Corrêa

Presidente da Academia Brasileira de Letras

A

modernidade sempre traz consigo desafios, que advém das mudanças impostas pelas novas tecnologias, novos pensamentos e novas pessoas. Para nós que lidamos com as interfaces do direito não seria diferente. Ter a capacidade de compreender as alterações que estão se processando ao nosso redor é mais ou menos como querer prever o tempo estando postado no olho do furacão: não há como ser um observador neutro, pois os fatos interferem diretamente conosco e com o modo como vemos o mundo. Os referenciais sobre os quais sempre pautamos nossa existência são desafiados e vão aos poucos se esvaecendo. O próprio conceito de tempo e o espaço tem sido decomposto e reconstruído. Existe um tempo tríbio, como ensinou Gilberto Freyre. Em 1951, pela primeira vez na história, os telespectadores americanos puderam ver, simultaneamente, na televisão, imagens ao vivo das duas costas de seu país, contemplando, ao mesmo tempo, os oceanos Atlântico e Pacífico. Hoje esse feito, tão significativo para aquela época, foi totalmente ofuscado por um mundo em que a notícia 20 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

e a informação são transmitidas em tempo real para todos os locais e regiões. Não foi só o mundo que se tornou uma aldeia, mas a aldeia também ganhou o mundo. A tecnologia digital trouxe essa evolução a patamares superiores com seus computadores e redes. A realidade mapeada em sinais elétricos transformou em virtual tudo o que tocou. Fala-se que esta invasão pode desumanizar o homem, transformando-o em mais uma máquina num mundo de máquinas. Não tenho certeza disso. Mesmo considerando que a atual quadra possui uma dinâmica nunca antes vivenciada, tenho a convicção de que se trata apenas de mais um ciclo na espiral da evolução humana. O espanto do homem moderno diante da Internet assemelha-se ao de seu antepassado do século XIX diante das máquinas da revolução industrial ou dos pré-renascentistas diante das expedições marítimas. Ao seu tempo cada uma dessas invenções: computadores, máquinas de tear e caravelas, ajudaram a reformular o mundo e as relações entre as pessoas. Nem por isso o homem deixou de estar no centro do processo. Por outro lado, a transição também não se realizou de forma totalmente indolor. Todos nós temos bem vivida a imagem de exploração dos trabalhadores, em grande parte mulheres e crianças, associadas à revolução industrial. A revolução digital traz subjacente ameaças similares. A exclusão digital, a pasteurização da cultura ou o totalitarismo cibernético, tão bem explorado no livro “1984”, de George Orwell, são exemplos dos riscos que corremos, na aplicação das leis. Nesse contexto de riscos e oportunidades, é que Antonio Carlos de Andrada no livro Computocracia e o déficit democrático da Globalização, sob a proteção de rica e atualizada abonação, nos propõe refletir sobre aspectos filosóficos deste admirável mundo novo da modernidade. O convite é irrecusável. A viagem, mesmo adentrando em searas tão complexas, fascina pelo confronto da tecnologia com assuntos tão caros a todos nós, como a liberdade, a democracia, a individualidade e o direito. Num mundo em que quando começamos a compreender o novo este já se transmudou em outro, mais avançado, toda fonte de referência abalizada é bem-vinda. E simplesmente não podemos nos dar à liberdade de tentar ignorar a avalanche. Sedimentar-se é o primeiro passo para a extinção, ou como diria Fernando Pessoa, “tudo que cessa é morte”.


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INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO Walter Nunes da Silva Júnior Juiz Federal Presidente da Ajufe

seguro o serviço, adotando-o desde grandes grupos privados a entidades públicas. Há iniciativas no âmbito dos juizados especiais federais em que todo o processo possui existência apenas eletrônica sendo toda a documentação enviada em papel, prontamente digitalizada. As resistências invocadas no presente lembram os argumentos utilizados no passado, quando se pretendeu introduzir a máquina de escrever para instrumentalizar a prática dos atos judiciais. Também ali, muitas vozes se levantaram com críticas, preocupadas com a falta de segurança do sistema, uma vez que os atos não seriam mais, em sua inteireza, firmados pelo próprio punho do subscritor do documento, no caso, do juiz.

O serviço forense, mais do que qualquer outro serviço público, precisa ser documentado, a fim de que os atos processuais sejam devidamente registrados, permitindo, assim, que dele se tenha conhecimento (publicidade) e seja possível, sempre, a consulta do verdadeiro conteúdo (segurança). Nos dias de hoje, diante da alta tecnologia eletrônica, para fins de desburocratização e conseqüente simplificação e agilização do serviço forense, tem-se a imperiosa necessidade da informatização do serviço judicial. A Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE1, sentindo o vácuo normativo em nosso ordenamento jurídico, apresentou, no ano de 2001, à comissão de legislação participativa da câmara dos deputados, anteprojeto de lei disciplinando o assunto, proposta que, aprovada nas duas Casas do Parlamento, está em vias de ser transformado em lei. Todavia, quando se fala em informatização do poder judiciário, são colocados diversos empecilhos, despontando, dentre eles, a eventual vulnerabilidade do sistema, diante das mais variadas possibilidades de modificação da integridade dos documentos eletrônicos. Essa inquietação, porém, não se sustenta, até porque a informática, nos mais diversos segmentos da sociedade, tem-se mostrado o sistema mais eficiente justamente para combater as fraudes e tornar mais 22 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

1 - Acesso à justiça Verifica-se que a preocupação dos reformadores do Código de Processo Civil tem sido de redirecionar as normas processuais no escopo de concretizar o princípio do acesso à justiça na concepção de um Estado democrático constitucional que, em sua essência, impõe a existência de instrumentos que permitam viabilizar a obtenção de resultados concretos e justos, em variável de tempo razoável. No Brasil, a morosidade do poder judiciário é identificada como seu mal maior, sendo este o grande desafio a ser enfrentado em sua reforma. Qualquer reforma judicial que não enfrente com seriedade esse problema, não produzirá, especialmente na visão da população, efeito concreto algum. Malgrado muitos sejam os fatores que contribuam para a morosidade do Judiciário, não se pode deixar de ter em conta que a burocracia quanto à forma da prática dos atos processuais é um elemento preponderante. Por isso mesmo, princípio do acesso à Justiça, inserido dentro do contexto de um Estado democrático constitucional, exige a simplificação do processo judicial, no desiderato de diminuir o tempo da demanda, apresentando-se a informatização dos atos processuais como necessidade urgente. Ademais, tendo a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, incluído o princípio da celeridade na categoria de direito fundamental, impõe-se que se adote a informatização como instrumento para dar velocidade aos processos judiciais. Como se não bastasse a informatização do processo


propiciar a comodidade de os interessados credenciados poderem encaminhar suas petições e ter a consulta dos autos sem a necessidade de deslocamento até o fórum, agregue-se que esse sistema franqueia aos interessados o acesso durante 24 horas ao poder judiciário. De fato, o interessado, a qualquer hora e dia, mesmo fora do expediente forense e em feriados, poderá consultar os processos e enviar as petições que desejar. 2 - Informatização como mais uma via de acesso à justiça A finalidade da tecnologia é servir de instrumento ao homem, a fim de melhorar sua qualidade de vida. A comunicação eletrônica modificou profundamente a vida das pessoas, transformando-se em instrumento sem igual para o homem lutar contra os limites espacial e temporal da condição humana. Se antes era inconcebível que um escritório de advocacia não tivesse uma máquina de escrever, hoje não é crível que não haja pelo menos um computador conectado à internet, sob pena de verdadeiro alheamento do mundo contemporâneo. Os serviços de auxílio ao desempenho da atividade jurídica disponíveis na internet são inúmeros, desde o acesso a toda a legislação em vigor à jurisprudência atualizadíssima dos principais tribunais do país, com a possibilidade até mesmo de obtenção do inteiro teor dos acórdãos. Por outro lado, em razão da tecnologia disponível, a nossa possibilidade de comunicação não se restringe ao telegrama, ao radiograma, ao telefone e ao correio convencional, pois compreende também a via eletrônica. Esta é a tecnologia indispensável para a desburocratização do processo, instrumento mais expedito para sua simplificação e conseqüente viabilização do acesso à Justiça em tempo razoável. Tem-se, por conseguinte, que é imperioso o disciplinamento do uso do meio eletrônico no serviço judiciário, como mais um instrumento de acesso à Justiça, a se somar à forma tradicional, para conferir aos consumidores da atividade judicante a possibilidade de optar pelo sistema informatizado2. Naturalmente que, tendo em conta a realidade de um país de dimensões continentais como o Brasil, não se pode impor a adoção do sistema eletrônico, de modo a não permitir que o advogado pratique atos de acordo com a sistemática atual. Por isso mesmo, para se utilizar do sistema, o advogado terá de credenciar-se previamente perante os órgãos jurisdicionais, que é a forma com a qual ele faz a opção pela utilização do meio eletrônico. Assim como o advogado informa, na procuração, o endereço do escritório para fins de recebimento das comunicações processuais, para usar o sistema informatizado, ele terá de indicar qual é seu endereço eletrônico, mediante um prévio credenciamento. O credenciamento se justifica pelo fato de o endereço indicado não servir apenas para um determinado processo em que ele estiver habilitado, mas para todos os processos em que o advogado atuar perante o órgão judicial em que se deu seu cadastramento.

Note-se que a lógica da previsão normativa é simples: caso o advogado não se cadastre no sistema, as comunicações processuais a ele endereçadas continuarão a ser feitas pelo meio convencional. Conseqüentemente, caso ele queira enviar uma petição pelo meio eletrônico, não terá como fazêlo, pois, como não está cadastrado, não há como acessar o sistema. Assim, para usufruir da facilidade de enviar suas petições por meio eletrônico, o advogado tem de se cadastrar, o que tornará válidas as intimações que lhe forem feitas por essa via. A ausência do cadastramento, portanto, tem como conseqüência, apenas, inviabilizar as comunicações entre o Judiciário e o usuário do serviço pela via eletrônica. Não implica, porém, evitar que o processo em si seja informatizado. Isso porque, mesmo o advogado enviando a petição por meio de papel, quando ela chegar ao protocolo, deverá ser feita sua digitalização, assim como já ocorre no âmbito dos juizados especiais federais, sem que isso represente qualquer transtorno maior3. 3 - Atos por meio eletrônico A prática dos atos processuais pela via eletrônica é imprescindível para que haja a simplificação, otimização e agilização do processo. Com efeito, em pesquisa feita revelou-se que 70% do tempo de tramitação do processo, é tempo de cartório, é tempo de tramitação burocrática. A informatização apresenta-se como o instrumento indispensável para a desburocratização do trâmite processual, mediante a eliminação de diversos atos manuais. Sabe-se que os servidores dos cartórios enfrentam uma sobrecarga de serviço para dar juntada, aos respectivos processos, do número excessivo de petições e documentos que, diariamente, são encaminhados para a secretaria. Dependendo da demanda, para fazer-se uma mera juntada de um documento demora-se bem mais do que o desejado. Com a adoção da tecnologia de gestão eletrônica de documentos (GED), são eliminadas diversas atividades manuais praticadas por vários servidores. Por exemplo, ao invés do trabalho manual de recebimento, autuação, distribuição e envio do processo para o juiz competente para fins de despacho, encaminhada a petição pela via eletrônica, o sistema gera os autos do processo, procede a autuação, faz a distribuição e encaminha para o juiz respectivo. Outra vantagem sobremaneira importante da informatização é quanto à documentação das audiências. No sistema tradicional, o juiz ouve as pessoas (autor, réu, testemunhas etc.) e, por meio de ditado, determina sua redução a termo, mediante a digitação do documento pelo servidor4. Com a informatização, a audiência pode ser gravada, ficando o áudio do depoimento disponível nos autos eletrônicos, sem a necessidade de sua ulterior desgravação5. Não fosse a circunstância de a gravação sem a necessidade da desgravação representar economia do tempo de audiência e de trabalho pelo servidor, essa prática é salutar, pois permite que o órgão de segunda instância tenha a exata compreensão do contexto em que fo2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 23


“Com as modificações introduzidas, toda e qualquer intimação, mesmo as que exigem comunicação pessoal, serão processadas mediante a publicação do expediente na página eletrônica do respectivo órgão jurisdicional.”

ram dadas as respostas pela pessoa inquirida, o que confere maior segurança para o órgão de superior instância discutir, em sede de recurso, os aspectos factuais esclarecidos pela prova colhida por meio de depoimento. 4 - Comunicações processuais em geral Na proposta original da AJUFE, dava-se tratamento diferenciado às citações e intimações pessoais. Quanto às intimações, era previsto, ao lado da intimação impessoal, que fosse feita mediante a publicação eletrônica do expediente; a intimação pessoal, processada mediante o envio do ato processual para o endereço eletrônico cadastrado perante o órgão jurisdicional. Na hipótese de a intimação do advogado ser pessoal, ela seria feita mediante o envio da comunicação para seu correio eletrônico indicado no ato de credenciamento. Caso não houvesse, no prazo de cinco dias do envio, a confirmação do recebimento, automaticamente o sistema operacional geraria a intimação por meio da publicação do expediente no site do órgão jurisdicional. Ou seja, originalmente pessoal, a inércia da parte em acessar, em tempo razoável, sua caixa eletrônica, acarretaria o ônus de transformar a comunicação processual para a modalidade de publicação do ato no diário oficial virtual. Não sendo a hipótese de intimação pessoal, a comunicação seria feita, desde o início, por meio da publicação eletrônica do expediente forense na página do órgão jurisdicional. No Parlamento, a matéria foi tratada de outra forma, para ressaltar, no caput do art. 4º, que os tribunais poderiam “criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a ele subordinados, bem como comunicações em geral” e complementar, no art. 5º. §1º, que inclusive as intimações da Fazenda Pública 24 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

serão feitas mediante a publicação no “Diário da Justiça” eletrônico. Com as modificações introduzidas, toda e qualquer intimação, mesmo as que exigem comunicação pessoal, serão processadas mediante a publicação do expediente na página eletrônica do respectivo órgão jurisdicional. Tendo em mente sanar divergências e deixar clara a posição adotada na redação final do projeto de lei em foco, por meio de presunção jure et de jure, diz-se que a intimação feita por meio eletrônico em portal próprio, aos que se cadastrarem na forma da lei, inclusive à Fazenda Pública, é considerada pessoal, para todos os efeitos legais (art. 5º, §1º). Com essa medida, fica abolido o diário da justiça convencional e adota-se um diário informatizado, gerido pelo próprio órgão judicante em sua página eletrônica. Sendo o expediente informatizado, o serviço pode ser programado com um eficiente sistema de busca para selecionar, por exemplo, aqueles processos em que aparece o nome do advogado, facilitando sobremaneira a consulta. 4 - Citação e intimação das pessoas de direito público Em consonância com a proposta legislativa feita pela AJUFE, ao contrário dos particulares, as pessoas de direito público, salvo os municípios e suas entidades autárquicas e empresas públicas, deveriam disponibilizar serviço de recebimento e envio de comunicações de atos judiciais por meio eletrônico. Ou seja, para essas pessoas de direito público, o credenciamento no sistema dos tribunais seria obrigatório. A intenção inicial era de permitir que toda e qualquer comunicação do Judiciário para um órgão público pudesse ser feita por meio eletrônico, incluídas, aí, as citações. Isso porque não se mostra adequada com a realidade a forma atual, em que a citação dos entes públicos se faz de maneira excessivamente burocrática. Com efeito, após o despacho do juiz, o serventuário da Justiça, em cumprimento, preenche um mandado de citação e o encaminha para o setor de distribuição de mandados. Após a distribuição pelo chefe do setor para um oficial de justiça, este sai com o mandado rumo à sede da representação judicial da União. Lá, tem de aguardar ser atendido pelo chefe da advocacia, que é quem pode assinar o recebimento da citação6. Feita a citação, o oficial entrega o mandado cumprido ao setor de distribuição de mandados e, então, este o encaminha para a secretaria do juízo. Somente depois da juntada do mandado aos autos pelo servidor da secretaria é que começa a correr o prazo em quádruplo para a contestação. Tudo isso, não se pode negar, é muito burocrático, além de demorado, até porque muitas vezes há demora na citação em si, na devolução do mandado e em sua juntada. A proposta procura obviar essa burocracia, simplificando a citação, ao permitir que ela seja feita pela via eletrônica. Se realizada pela via eletrônica, ao invés de várias fases a serem desenvolvidas por diversos sujeitos – servidor da vara, servidor da central de mandados, oficial de justiça, representante judicial da parte ré


– uma pessoa só, o servidor da vara, com o auxílio do correio eletrônico, será capaz de perfeiçoar a citação, no mesmo dia em que foi dado o despacho pelo juiz, bastando, para tanto, clicar uma tecla do computador7. A simplificação, otimização e agilização é patente. Infelizmente, houve modificação da proposta, motivo pelo qual restou preceituado no projeto de lei que “No processo eletrônico, todas as citações, intimações e notificações, inclusive da Fazenda Pública, serão feitas por meio eletrônico, na forma desta lei.” (art. 9º, caput, do projeto de lei nº 5.828-C, de 2001. Da forma como ficou redigido o dispositivo, fazendo-se uma interpretação sistêmica com o art. 2º do projeto, resta claro que, assim como o particular, para utilizar a via eletrônica, o poder público precisará fazer seu credenciamento. Com isso se tem que, também para ele, a via eletrônica, será facultativa e não obrigatória. 4.2 - Citação e intimação dos particulares Em relação aos particulares, na proposta da AJUFE, ante a consideração de que, pelo menos nos dias atuais, não se pode fazer previsão a respeito da citação por meio eletrônico, não foi ventilada essa hipótese. Talvez a hipótese de citação à réu possa ser razoável no processo trabalhista, mediante o cadastramento de empresas perante o órgão jurisdicional8. Contudo, a redação peremptória emprestada ao art. 9º, caput, na redação final do projeto de lei nº 5.828-C, de 2001, quer levar a crer que, mesmo em se tratando de particulares, assim como as intimações, as citações devem ser feitas pela via eletrônica, previsão normativa, todavia, que será muito difícil de ser atendida no que diz respeito à comunicação processual com a qual se dá ciência da demanda e chama o réu para se defender. 5 - Contagem dos prazos Tendo em consideração a forma como ficou redigida a

proposta legislativa, que resultou, como aqui já ressaltado, na eliminação da intimação pessoal propriamente dita, os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação no “Diário da Justiça” eletrônico (art. 4º, §4º), considerando-se, para todos os efeitos, como data da publicação, o primeira dia útil seguinte ao da disponibilização da informação do expediente na página eletrônica. Para todos os efeitos, as petições, recursos e demais peças processuais enviadas pelo meio eletrônico serão consideradas como protocoladas no dia e hora de seu envio para o sistema do poder judiciário. Eventuais problemas no computador do advogado, logicamente não são motivo para relevar a perda do prazo, somente se justificando que assim seja quando a demora no recebimento ocorrer por deficiência do sistema mantido pelo órgão judiciário. Ademais, tecnicamente, é possível desenvolver no sistema uma forma de protocolo eletrônico imediato, como, aliás, está previsto na parte final do caput do art. 3º do projeto de lei em referência. A nova lei está em consonância com o movimento reformista que vem trazendo modificações para o Código de Processo Civil, no sentido de adaptá-lo à idéia do acesso à Justiça dentro da concepção de um Estado democrático de direito, que deve possuir como norte a simplificação das normas processuais, a fim de imprimir efetividade e celeridade na forma de atuação do Poder Judiciário. Não temos dúvidas de que o uso do meio eletrônico desburocratizará o processo e imprimirá a simplificação das comunicações processuais, tendo em mira a redução do tempo gasto na resolução das muitas lides levadas a conhecimento e julgamento do Judiciário. Constitui-se no mais importante item da reforma infraconstitucional do Judiciário, apresenta-se como uma verdadeira revolução no modelo de prestação da atividade judicante.

Notas: 1 A AJUFE, na época presidida por Flávio Dino, foi a primeira entidade civil a apresentar anteprojeto de lei à comissão de legislação participativa da câmara dos deputados. 2 Observe-se a redação do caput do art. 2º do projeto de lei nº 5.828-C/2001: “O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico será admitido mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º, sendo obrigatório o credenciamento prévio junto ao poder judiciário conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.” 3 Hoje já há scanner de alta definição que processa a digitalização de documentos em considerável velocidade. Eles são largamente utilizados nos juizados especiais federais, procedimento que teve início com a experiência adotada na Justiça federal no estado de São Paulo que, desde o início, suprimiu o papel nos processos afetos aos juizados federais. 4 Esse sistema de documentação é arcaico, além de não retratar, com fidelidade, a prova colhida na audiência. Por mais talento e lealdade do juiz ao fazer o ditado do que foi dito pela pessoa inquirida, ainda assim, o que é colocado no termo é a compreensão que ele teve do que foi respondido. Por isso mesmo, não sem razão, diz-se que a prova testemunha colhida sob esse método representa, quando muito, a sombra do depoimento, nunca sua essência. 5 Nos juizados especiais federais, em algumas seções judiciárias, como a do Rio Grande do Norte, o depoimento fica gravado em áudio e, quando ocorre o recurso, o juiz-relator da turma recursal, sendo o caso, pode ouvi-lo em sua verdadeira essência, para fins de prolação de seu voto. Já houve caso em que, diante da dificuldade na interpretação do depoimento, a oitiva da gravação se fez em plenário, durante o julgamento, por todos os integrantes da turma recursal. 6 Às vezes o oficial de justiça dá mais de uma viagem à representação judicial do órgão público. 7 O sistema operacional é inteligente, de modo que, enviada a comunicação processual, automaticamente, é feita a certificação eletrônica nos autos, dispensando a aposição de carimbo e a assinatura do servidor responsável pela prática do ato, o que representa, como se vê, sensível economia de tempo e trabalho manual. 8 Pode-se determinar que, quando o advogado de empresa for fazer seu credenciamento, ele ou o preposto tenha de proceder, igualmente, ao da empresa. Assim, doravante, em qualquer demanda perante a Justiça trabalhista, aquela empresa receberá as comunicações processuais pela via eletrônica. Desse modo, em outro processo em que ela seja ré, devido a seu anterior credenciamento, seria possível sua própria citação pela via eletrônica.

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LEIBNIZ: INTRODUÇÃO E LÓGICA André R. C. Fontes Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Nascido em Lípsia (Leipzig) em 1o. de julho de 1646, de família originária da Saxônia, Gottfried Wilhelm Leibniz era filho de Friedrich Leibnütz, professor de Filosofia da universidade local (assim como seu avô) e de Catharina Schmuck (nome de solteira), filha de um conhecido advogado. Aos seis anos tornou-se órfão de pai e aos vinte mudou grafia do nome da família de Leibnütz para Leibniz – por ser uma família de antiga origem eslava, o nome originário era Lubenicz. Desde os primeiros estudos manifestou sua tendência autodidata, demonstrando prematura capacidade para compreender textos latinos e gregos, e tal condição levou o docente de sua escola (a Nikolaischule) a propor a sua mãe a proibição do acesso à biblioteca de seu pai a fim de impedir a leitura de livros que não se adequavam a sua idade. Pela intervenção de um amigo de família, presente no momento 26 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

de recomendação proibitiva de utilização dos livros paternos, sua mãe lhe consentiu tal acesso. O jovem Leibniz lia obssessivamente, seguindo sua linha de pensamento até onde a imaginação o conduzia, até que o chão da biblioteca e todas as mesas e cadeiras estivessem cobertos com livros abertos. Muito cedo revelou capacidade de conhecimento do mundo teórico e grande parte de suas indagações originavamse de formulações prematuramente concebidas. Se isso já era uma extraordinária manifestação, tais circunstâncias somente se agruparam a sua vida ativa e diversificada. Leibiz foi matemático, jurista, historiador, diplomata, filósofo e lógico, conquanto tenha se lançado numa faculdade de direito e se doutorado em outra. É digno de nota que a universidade em que seu pai e avô lecionaram e onde se formou (Leipzig) refutou sua tese de doutorado, dada a falta de conteúdo ou


justificativa jurídica, levando-o a titular-se pela Universidade de Altdorf, desta vez com um tema estritamente jurídico. Sua admissão na Universidade de Leipzig se deu quando tinha 14 anos e lá se deparou, pela primeira vez, com texto de tão ilustres como Galileu, Descartes e Hobbes, que revolucionaram o pensamento científico, filosófico e político. Sua personalidade genial o conduziu a uma vida incomum: criou muitas academias, especialmente a de Berlim e viajou por toda a Europa freqüentando cortes. Foi Rosa-Cruz. No meio de tantos afazeres, dedicava-se à meditação noturna e seus escritos eram breves. Buscou conciliar e sintetizar a filosofia escolástica com a moderna. Se, por um lado, escapou do dualismo cartesiano e do monismo spinoziano, por outro, através de sua teoria nas mônadas, desenvolveu uma metafísica de caráter apriorístico. Seu trabalho pode ser estruturado desta forma: – retomada da filosofia aristotélico-tomista: necessidade de resgatar os conceitos de substância e finalidade. – refutação do mecanicismo: descobre um erro de física em Descartes (não é a quantidade de movimento que permanece constante mas a energia cinética) e sustenta que a essência dos corpos não é a extensão ou o movimento (que seriam apenas determinações extrínsecas da realidade) mas uma “força” intrínseca da qual derivam os fenômenos físicos: a mônada. – captação dos reducionismos: redução da realidade a algum de seus aspectos, o que é verdadeiro, mas não engloba toda a realidade. – espaço seria a ordem das coisas que coexistem no mesmo tempo (é uma relação e não uma substância). – tempo - seria a sucessão das coisas. – monadologia: mônadas seriam substâncias simples (imateriais) que teriam em si sua própria determinação, perfeição essencial e finalidade interior (centros de força que comporiam a realidade, sós ou agregados). – percepção - representação (somente certas mônadas teriam apercepção, que é uma percepção consciente); – atividades – apetição - mutação – da identidade dos indiscerníveis - não existem duas substâncias iguais (distinção pela percepção); – princípios – da continuidade - a natureza nunca realiza saltos (na série das coisas criadas, toda a posição possível é ocupada, e isto uma e somente uma vez). – harmonia preestabelecida: cada mônada seria um mundo fechado em si mesmo (multiplicidade na unidade; microcosmo representando todo o universo; “espelho vive perpétuo do universo”), sem agir ou sofrer ação de outra (sem “janelas” para o exterior). – número - as mônadas não aumentam nem diminuem em quantidade, tendo sido criadas por Deus e não sendo destrutíveis. – corpos - são agregados de mônadas unificadas por uma mônada superior que é a alma (mineral, vegetal, animal ou espiritual): vitalismo global.

– Teodicéia - Deus seria o ser necessário (argumento ontológico): – essências - tudo o que é pensável sem contradição (possível); – verdades de razão - cujo oposto é impossível (estão na mente de Deus); – verdades de fato - acontecimentos contingentes, cujo oposto não é impossível (têm a razão suficiente para existir - dentre as várias possibilidades de mundo, Deus escolheu o melhor mundo possível); - metafísico - fissitude - mal - moral - pecado - físico - pena pelo pecado (meio adequado ao fim). – Teoria do conhecimento - a alma seria inata a si mesma: as noções de ser, uno, causa, não poderiam ser fornecidas pelos sentidos. – Liberdade - teria por condições e inteligência, a espontaneidade (não coação) e a contigência (ser possível ao conteúdo). No entanto, a monadologia acaba implicando sua negação, ao estabelecer a prefixação ab aeterno dos acontecimentos por Deus. Aproximado e reconhecido pelo poder vigente tanto na Alemanha balcanizada quanto fora dela, teve especial participação. Bem-sucedido na empreitada de atribuir o trono da Inglaterra àquele a que estava ligado, o Duque de Hannover, deixou de acompanhá-lo como novo rei Jorge I da Inglaterra por causa da polêmica em torno do cálculo infinitesimal com Newton, pranteado cientista local, pelas conseqüências funestas que a associação com Leibniz poderia gerar, não obstante terem Leibniz e Newton certa cordialidade na comunicação. A outros cientistas é que coube a base das acusações contra Leibniz em torno do suposto plágio à obra de Newton - que se calou, no entanto, mesmo tendo sido igualmente vítima da acusação de plágio por Robert Hooke acerca de sua posição sobre os movimentos planetários. Registre-se que o termo mônada aparece, ao que tudo indica, pela primeira vez numa carta a Michelangelo Fardella de 1696, sendo certo que primeiro, com linguagem aristotélica, Leibniz dá a esse algo o nome de “enteléquia” e só depois denomina-se “mônada”. No universo leibniziano unitário, a mônada é apresentada como unidade que serve de base ao múltiplo-composto, ou: “é necessário que existam substâncias simples para que existam os compostos; de fato, o composto não é outra coisa senão um amontoado ou agregado simples. Como erudito universal, Leibniz fez variadas pesquisas nos campos da matemática, da física, da lingüística e da filosofia. Frederico, o Grande, disse a seu respeito: “ele por si só representa toda uma academia”. De seus trabalhos mais importantes no campo da matemática, sem dúvida é a descoberta do cálculo diferencial. Leibniz desenvolveu o sistema aritmético binário (díade), que funciona só com dois signos (0 e 1), como também pensou numa máquina calculadora que, ao contrário das máquinas de adicionar até então existentes (desenvolvida, entre outros, por Blaise 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 27


Pascal), podia ser utilizada para multiplicar e dividir. É digno de nota que o referente 0 e 1 ou seja: e ou Deus, ou na oposição elementar entre luz e escuridão, que constitui o início da criação e já contém toda sua plenitude. Assim: “Nada exceto um em tudo” - em suas palavras. Leibniz não só se manteve dentro de seu halo de genialidade como também de grandeza, eis que ciente da morte de Locke deixou de publicar sua resposta a seu “Ensaio sobre o entendimento humano” – a obra de Leibniz somente é publicada post mortem. Leibniz ao final da vida mantevese como diretor da Biblioteca Ducal de Hannover e sem o reconhecimento a que faria jus. Malgrado a polêmica de Descartes e Pascal contra a lógica dos dialéticos e contra o vazio formalista da silogística; malgrado ainda a mesma lógica portorealista seja sobretudo uma “arte” de pensar e a ofuscar-se de rica tradição lógica medieval, o século XVII suspende uma tradição de estudos e a leva, antes com Hobbes e com Geulin e depois sobretudo com Leibniz, a um desenvolvimento particularmente significativo. Desenvolvimento que não se compreenderia apenas se se esquecesse os vários tratados, em sua maioria de cunho manualístico, que de lógica foram escritos, sobretudo na Alemanha: 1633 Opus logicum - Christian Sheibler (1589-1633); 1638 Logica hamburgensis - Joachim Jungius (15871655); 1654 Logica netus et nova - Johannes Clauberg (16221655); 1670 Erotemata logica - Jakob Thomasius (1622-1684) - Professor de Leibniz;

1678 Essai de logique - Edma Mariotte (1620-1680); 1686 Instituto logica - John Wallis. Afirma-se, ordinariamente, que em um de seus primeiros escritos “Ars combinatoria”, Leibniz apresentou o “problema da matematização da lógica”, isto é, a redução da lógica a uma espécie de álgebra do pensamento. Ele se mostra convencido da possibilidade de reduzir analiticamente todos os conceitos complexos a um pequeno número de conceitos primitivos, cada um denotando uma característica de signo. A esta primeira classe dos conceitos primitivos segue uma segunda classe, formada pela combinação - dois a dois destes signos e depois uma terceira, formada pela combinação mais complexa, e daí por diante. Uma vez terminada esta classificação, pela qual é necessária a atividade não de uma só pessoa mas de grupos de estudiosos, e uma vez fixada a “caracterização universal”, isto é, o conjunto de caracteres ou signos que denotam os conceitos e a relativa escritura ideográfica (chamada lingua characteristica, na qual o alfabeto resultaria dos signos que denotam os conceitos simples), nos acharemos, a respeito de problemas lógicos, na mesma situação na qual nos achamos a respeito dos problemas algébricos, e de frente a uma questão qualquer; e, ao invés de se discutir o infinito, será finalmente possível dizer “calculamos” (calculus ratiocinator). Este método, pelo qual Leibniz é considerado o fundador da moderna lógica formal, isto é, da lógica matemática, é julgado por seus atos válidos, não só por verificar a verdade já conhecida, mas também por descobrir verdades novas. Com isso, Leibniz formulou a logicização da matemática e formulou ainda os seguintes princípios: – o da identidade e da não-contradição e – o da razão suficiente.

Bibliografia: ADORNO, F., Gregory, T. Verra, v. Storia della Filosofia. Vol. 2. Bari: Ed. Laterza, 1982. COUDARCHER, Michel. Les Grandes Notions Philosophiques. Paris: Éditions du Seuil, 1997. DELLA VOLPE, Galvano. A Lógica como Ciência Histórica. Lisboa; Edições 70, 1984. GIANNANTONI, Gabriele. La Ricerca Filosofica. La razionalità moderna. Vol. 2. Turim: Loescher, 1996. GRILLO, Eric. La Philosophie du langage. Paris: Éditions du Seuil, 1997. GRIZE, Jean-Blaise. Logique Moderne. Paris: Ed. Mouton/Gauthier-Villars, 1969. LEIBNIZ - Coleção Os Pensadores, vols. I e II. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1980. LOSEE, John. Introdução Histórica à Filosofia da Ciência. Trad. Borisas Cimbleris. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. MARIAS, Julián. História da Filosofia. 3a ed. Porto: Edições Souza de Almeida, Limitada, 1973. MUGNAI, Massimo. Introduzione alla filosofia di Leibniz. Turim: Giulio einaudi Editore s. p. s., 2001. POPELARD, Marie-Dominique. Vernant, Denis. Elements de Logique. Paris: Éditions du Seuil, 1998. REALE, Giovanni Antiseri, Dario. Il pensiero occidentale dalle origini da oggi. VOL. 2 - 18a. ed., Brescia; Editrice La Scuola, 1996. ROVIGHI, Sofia Vanni. História da Filosofia Moderna. São Paulo: Ed. Loyola, 1999. RUSSEL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental. Trad. Laura Alves e Aurélio Revello. 2a ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. TRUC, Gonzague. História da Filosofia. Trad. Ruy Flores Lopes e Leonel Vallandro. Porto Alegre: Ed. Globo, 1968. VIRIEUX-REYMOND, A. La Logique Formelle. Paris: Presse Universitaire de France, 1962.

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A FASCINANTE TRAJETÓRIA DO CAFÉ Fábio de Salles Meirelles

Presidente em exercício da CNA, presidente do sistema FAESP/SENAR, vice-presidente do SEBRAE-SP.

“A cafeicultura brasileira é uma das mais competitivas do mundo, posicionando o país em primeiro lugar no ranking mundial de produção e exportação de café.”

A

notável história da agropecuária brasileira não só caminhou para a produção de alimentos mas, vencendo às vezes condições climáticas hostis, ao longo de sua trajetória, contribuiu e permanece contribuindo para o desenvolvimento integrado da nação. Desde os primórdios, quando do descobrimento do continente brasileiro, até os dias de hoje, a agricultura vem colaborando substancialmente para a consolidação da cidadania nacional, dada a força de sua produção em várias e inúmeras atividades. Conduzindo nesse sentido, poderíamos expor sobre o café, a pecuária, o ouro branco (algodão), a cana de açúcar ou a agricultura energética, impulsionada mais recentemente devido à produção natural e permanente de oleoginosas. Porém, vamos tratar, nesta abordagem, apenas do café. Com as recentes matérias publicadas pela imprensa, noticiando os grandes investimentos por parte de redes de cafeterias internacionais no Brasil, tais como a lendária marca 30 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

americana Starbucks e a italiana Illicaffé, inevitavelmente somos levados a rememorar a fascinante trajetória do café, originada há cerca de três séculos. Grande força que impulsionou o desenvolvimento do país, a cultura cafeeira abriu espaço para toda a economia do Brasil, influenciando, inclusive, o desenvolvimento urbanístico e industrial. Ainda que não adequadamente transformada a sua matéria-prima, o café vem dando solidez ao agronegócio e, em que pesem as vicissitudes, vem se mantendo na geração de riquezas, empregos e valores agregados. Oportuno fazer referência ao particular papel sócioeconômico desenvolvido pelo setor que, no seu auge, viabilizou a ascensão econômica e social dos antigos colonos, os quais conquistaram a condição de proprietários rurais produtores de café. Destaque-se também, nesse sentido, outro dado interessante que aponta ter sido o setor cafeeiro o grande incentivador da criação das Santas Casas de Misericórdia.


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“As exportações brasileiras são de aproximadamente 26 milhões de sacas, gerando uma receita cambial de US$ 2,9 bilhões. Cerca de 86% das exportações brasileiras de café são realizadas com o produto cru (grão), enquanto que 13,5% são de café solúvel e 0,5% DE café torrado e outros.”

A cafeicultura brasileira é uma das mais competitivas do mundo, posicionando o país em primeiro lugar no ranking mundial de produção e exportação de café. O Brasil colhe cerca de 41 milhões de sacas de café. A produção concentrase na região Sudeste do país, com destaque para os estados de Minas Gerais, Espirito Santo e São Paulo que, juntos, respondem por mais de 81% da produção nacional de café. O parque cafeeiro brasileiro é bastante complexo e diverso, capaz de produzir café verde, solúvel, torrado e moído, bem como os mais variados tipos de grãos e bebidas. Estima-se que a cafeicultura brasileira ocupe uma área de 2,3 milhões de hectares e seja constituída por 350 mil cafeicultores, 1,1 mil indústrias de café e cerca de 150 empresas de exportação. As indústrias de café concentram-se na região Sudeste, especialmente em São Paulo, responsável pela torrefação de metade do café beneficiado no país. O segmento de café solúvel é voltado predominantemente ao mercado externo e o de café torrado e moído ao mercado interno. O café industrializado é classificado em três categorias: tradicional, mais simples, cuja venda concentra-se em supermercados; superiores, feitos com matéria-prima similar à exportada; e gourmets, mais exclusivos e que produzem uma bebida mais sofisticada. Este último, além de apresentar qualidade superior, é comercializado com um plano de marketing especial, incluindo uma apresentação diferenciada e a valorização dos atributos qualitativos do produto, que conta também com rastreabilidade de origem. Vale destacar que na implantação da indústria de café solúvel no Brasil, a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo - FAESP teve um papel fundamental. Na execução dos primeiros projetos de beneficiamento, a entidade teve uma participação decisiva na obtenção dos recursos e na liberação do café em grão necessários para alavancar o projeto do café solúvel. Após todo aquele esforço do passado, atualmente tem-se uma indústria de café solúvel sedimentada, que agrega 32 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

valor à produção nacional e representa 13,5% das exportações totais de café. As exportações brasileiras são de aproximadamente 26 milhões de sacas, gerando uma receita cambial de US$ 2,9 bilhão. Cerca de 86% das exportações brasileiras de café são realizadas com o produto cru (grão), enquanto que 13,5% são de café solúvel e 0,5% de café torrado e outros. Um nicho de mercado que surgiu nos últimos anos é o de cafés orgânicos, produzidos sem a utilização de defensivos químicos. Este segmento conta com centenas de produtores certificados e vem apresentando tendências de crescimento no Brasil. Devemos lembrar ainda que o homem do campo, em especial o cafeicultor, assim como o próprio povo brasileiro, com muita fé, espiritualidade e sentimento religioso, sempre investiu permanentemente na construção de igrejas e universidades, inclusive jurídicas, contribuindo também dessa forma para o desenvolvimento científico-cultural. Assim, vêse hoje pelo Brasil afora, grandes universidades, sobretudo as públicas, além das entidades econômicas representativas da agropecuária, tidas como referência tanto no âmbito nacional como além de nossas fronteiras. Ademais, esses notáveis produtores de café, extraordinários homens do campo, sempre investiram em segmentos alicerçados na agricultura brasileira, na ordem pública, no respeito às leis, às regras e às decisões das autoridades constituídas, sobretudo quando revestidas de bom senso, de forma a evitar as injustiças que venham a comprometer o desenvolvimento social e seu equilíbrio. Nesse direcionamento, sem citar nomes, rememoramos os grandes e admiráveis homens que implementaram as atividades agrícolas neste país, pela visão que tiveram no passado, ao usarem os meios disponíveis do setor da iniciativa privada em parcerias com os governos, para investimentos em todos os campos das atividades agrícolas.


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PRORROGAÇÃO DE PERMISSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS: SERIA UMA NORMA DE EFEITO CONCRETO ? Maximino Gonçalves Fontes Neto Advogado

O

tema atinente à chamada “prorrogação” de ou estadual (art. 102, inciso I, alínea a, primeira parte, da permissões de serviços públicos de transporte lei fundamental). coletivo de passageiros tem despertado Aos estados está, por seu turno, cometida a instituição atenção, ante o número de representações de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos por inconstitucionalidade de leis (municipais e uma no normativos estaduais ou municipais em face da Constituição plano estadual), ajuizadas pelo Ministério Público perante estadual (art. 125, §2º, da Carta Magna). o órgão especial do Tribunal de Justiça do estado do Rio de O controle abstrato de normas somente é cabível para Janeiro. os atos do poder público (excluídos os atos normativos Em duas delas (uma por unanimidade, outra por privados: acordos, pactos, compromissos, estatutos de maioria), houve a declaração de associações, convenções etc., que, se inconstitucionalidade de dispositivos ofenderem a Constituição, poderão “A ação direta de de leis municipais que mantiveram ser declarados inválidos, observa Zeno permissões, enquanto que, em três INstitucionalidade Veloso1, através da via ordinária), outros controles concentrados e com atributos de generalidade, é o meio pelo abstratos de constitucionalidade, abstratividade e impessoalidade, estes não foram conhecidos (uma por poderão ser submetidos à fiscalização qual se procede, unanimidade, duas por maioria) por de constitucionalidade, através de por intermédio do ação direta, ou, no caso dos estados, se reconhecer que, em tais hipóteses, se tratava de norma de efeito concreto, de representação. Poder Judiciário, a tornar essa via inadequada, na linha Mas qual será o significado desses ao controle da do entendimento do STF. atributos? Percebe-se, aqui, que, somente no Na doutrina, observa Marcelo Institucionalidade plano processual, esse tema já desperta, Caetano2, em relação ao atributo das normas por si só, grande interesse para os abstração, que “enquanto nas normas operadores do direito, sendo que as se formula abstratamente a previsão jurídicas últimas decisões do órgão especial de circunstâncias que poderão vir a in abstrato.” são as três últimas mencionadas, dar-se e que servem de pressuposto de levando a crer que houve mudança de conduta a seguir em geral por todos orientação do mais alto órgão colegiado do Tribunal de quantos venham a encontrar-se nessas circunstâncias; no Justiça deste estado. caso concreto está-se perante circunstâncias já verificadas e A seguir, vai-se, através de ligeiras considerações, relativamente às quais se individualiza a conduta de pessoas abordá-lo apenas sob essa perspectiva, deixando-se para determinadas”. outra oportunidade o debate da denominada prorrogação Para o referido e saudoso autor, a generalidade “... está na (rectius: manutenção) de permissões preexistentes à lei nº sua abstração, isto é, em ser formulada de tal modo que não 9.897/95. se saiba quantas pessoas, nem quais virão a ser abrangidas Como se sabe, o controle abstrato de pelos seus comandos”. inconstitucionalidade é um ato político, conforme E dá exemplos: “... podem estes abranger apenas uma acentuou o ministro Moreira Alves, exercido pelo STF, categoria restrita (os professores de uma faculdade de tendo por objeto a lei ou ato normativo federal, distrital direito, os combatentes da guerra de 1914-18, ou como

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sucede freqüentemente nas disposições transitórias, aqueles que no momento da publicação da lei se encontrem em determinada situação), ou até apenas o titular de um órgão singular que se sabe, portanto, ser um único indivíduo: desde que a norma seja decretada para vigorar sucessivamente por tempo indefinido ou por período tal que se torne aplicável a todos quantos, durante a sua vigência, possam achar-se nas circunstâncias previstas para caírem sob a respectiva alçada, a generalidade existe”. Na hipótese de o comando dirigir-se a uma categoria perfeitamente determinada de pessoas, conforme o exemplo do ilustre administrativista, os atuais funcionários da direção-geral “X” - os antigos combatentes da guerra “Y”. Neste caso, o critério para distinguir o ato da norma será o da permanência ou instantaneidade da execução. Se todos os atuais segundos-oficiais do serviço “X” são promovidos a primeiros-oficiais, sendo a execução instantânea, há ato e não norma. Porém, se aos atuais segundos-oficiais do serviço “X”, ao contrário do que por hipótese sucederia, for facultada a promoção por antigüidade até diretor-geral, será norma e não ato. Vistos a indeterminação das circunstâncias em que,

a cada um, corresponde o aproveitamento de tal faculdade, a incerteza do tempo e da pessoa a quem será aplicável o preceito, pode-se chamar de vigência sucessiva o que lhe mantém o caráter de regra abstrata. Mas tal qual concebeu Hans Kelsen, mestre da Escola de Viena, há exemplo por ele formulado que continua irrespondível, conforme frisou o ministro Sepúlveda Pertence, no voto por ele proferido na ADin 2.057, relator ministro Maurício Correa, in verbis: “Não é o número de destinatários que decide entre ser a norma abstrata ou concreta: dizer o pai ao seu filho que ele está obrigado a ir à missa todos os domingos é estabelecer norma geral; agora dizer que todos os filhos têm de ir, um determinado dia, visitar o avô, é uma norma concreta, ainda que com vários destinatários” (in RTJ, v. 173, pág. 490). Na doutrina, pode-se, ainda, referir-se à posição de Celso Antonio Bandeira de Mello3. Ao se deter no exame dos atos abstratos, considera-os atos normativos, que se adequam, se amoldam ao conceito de lei em tese. Para esse autor, tais atos são os que prevêem reiteradas e infindas aplicações, as quais se repetem cada vez que ocorra a reprodução da hipótese 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 35


“Na jurisprudência do STF não se considera possível o controle abstrato de normas sobre leis de efeito concreto, sem caráter de generalidade. Leis, apenas no sentido formal, cujo conteúdo encerre preceito que tem objeto determinado e destinatários certos (...), não se prestam ao referido controle.”

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nele prevista, alcançando um número indeterminado e indeterminável de destinatários. Dá, como exemplo, o regulamento cujas disposições colherão sempre novos casos tipificáveis em seu modelo abstrato. Por seu turno, Sergio Ferraz4 destaca que “... é da essência de lei de efeitos concretos que a produção dos efeitos lesivos ao impetrante ocorra independentemente de qualquer ato que seja necessário para que a norma se torne concretamente eficaz ... (omissis)...” (MS 20.993-3, rel. min. Moreira Alves, DJU 02.10.92, p. 16.843). Emblemático é o julgamento da ADin nº 647-DF – medida liminar, relator ministro Moreira Alves, que expôs a doutrina que tem sido seguida pelo excelso pretório: “A ação direta de inconstitucionalidade é o meio pelo qual se procede, por intermédio do poder judiciário, ao controle da constitucionalidade das normas jurídicas in abstrato. Não se presta ela, portanto, ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato” (RTJ 140/41). Portanto, ante a sintonia a respeito do conceito de lei de efeito concreto entre a doutrina e a jurisprudência, pode-se passar a examinar, apenas no plano do cabimento ou não do controle concentrado e abstrato de inconstitucionalidade, a hipótese tipificada no art. 6º, in fine, da lei nº 972/99, do município de Araruama, que manteve as atuais permissões e autorizações delegadas a uma única empresa transportadora daquela localidade. Esse dispositivo tem o seguinte texto, verbis: “Art. 6º. A permissão de serviço público de transporte coletivo será formalizada mediante contrato de adesão, sem prejuízo de seu caráter precário, mantidas, automaticamente, pelo prazo de quinze anos, prorrogável uma única vez, as atuais permissões e autorizações”. Desde logo, observa-se nesse texto que há, claramente, duas disposições: a) a permissão de serviço público de transporte coletivo de passageiros será formalizada mediante contrato de adesão, sem prejuízo de seu caráter precário; b) mantidas automaticamente, pelo prazo de quinze anos, prorrogável uma única vez, as atuais permissões e autorizações. Como observa Humberto Ávila5, as normas não são textos, nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. Os dois comandos, então, extraídos são: (a) No primeiro caso, em toda e qualquer permissão, uma das modalidades de delegação de execução indireta de serviços, deve haver um contrato administrativo, com prazo determinado (art. 57, §3º, da lei nº 8.666/93), com a observância de elementos essenciais (art. 23, da lei nº 8.897/95, possivelmente repetida na referida lei municipal);


precedida de licitação (art. 175, caput, e 37, inciso XXI, ambos da Constituição da República); b) No segundo, extrai-se norma no sentido de que as permissões delegadas (sim, pois são permissões por linha e não por área) à única empresa, que executa indiretamente os serviços públicos de transporte coletivo de passageiros por ônibus do município de Araruama e que continuava a executar os serviços no momento da publicação da lei municipal nº 972/99, foram mantidas pelo prazo de quinze anos, havendo possibilidade de ao final desse prazo ser prorrogada (aqui sim, se cogita da figura da prorrogação, pois se as permissões ostentadas por essa única empresa haviam sido firmadas por prazo indeterminado, não se podia cogitar de prorrogação, porém havia de se conferir um prazo para que eventualmente pudesse amortizar seus investimentos). Há, entre elas, diferença marcante. No primeiro caso, (a), nota-se, à evidência, a presença do atributo abstração, pois a norma impõe condições para quaisquer pessoas que se desconhecem para que não somente haja escolha prévia, através de licitação, do futuro permissionário, como também se lhes imponha o atendimento de circunstâncias ou exigências na formalização do título que o vencedor do certame ostentará. Trata-se, com rigor, de norma jurídica com os atributos de abstração e de generalidade. No segundo caso, (b), tal inocorre, pois no momento da publicação da lei municipal nº 972/99, já se encontrava na situação de titular de permissões de serviços de transporte coletivo a única empresa transportadora de Araruama. Por isso, o emprego do termo “atuais”. Há, conforme observa Humberto Ávila, determinados termos que apresentam significados intersubjetivados, tais como “vida”, “morte”, “antes”, “depois”, que não precisam a toda nova situação ser fundamentados. Portanto, “atuais”, no contexto da lei nº 972/99, eram as permissões existentes ou preexistentes à publicação desse diploma legal, cuja titular, repita-se, era a única empresa operadora dos serviços públicos de transporte coletivo daquela comuna. Aqui, evidencia-se tratar-se de norma de efeito concreto, que alcançou especificamente pessoa determinada. É uma norma concreta. Aliás, no primeiro caso (a), o número de pessoas que poderão estar interessadas na permissão é indeterminado e indeterminável, não se sabe hoje quem e quais são essas pessoas e quem e quais poderão ser no futuro, a revelar a abstração. Já, no segundo (b), é perfeitamente determinada e determinável a empresa titular das permissões de Araruama, a rigor a única transportadora nas condições previstas na parte final do art. 6º, da referida lei nº 972/ 99, o que evidencia ato e não norma jurídica com atributo de abstração. Por outro lado, dúvida não subsiste, no segundo caso,

(b), de que a incidência da norma de efeito concreto sobre a situação fática da única empresa transportadora operante do serviço público de transporte coletivo de passageiros ocorreu de modo instantâneo e numa única vez. Não mais ocorrerá pela simples circunstância de estarem completamente exauridos os efeitos da parte final do referido art. 6º, da lei nº 972/99. O mesmo não se dá com a incidência da norma, no plano abstrato, como norma em tese, no primeiro caso (a), pois sua incidência ocorrerá de modo permanente, desde que, naturalmente, presentes estejam os elementos fáticos do tipo do art. 6º, primeira parte, ora em pauta. Estas breves considerações são oportunas, em face do julgamento, no último dia 11 de abril, da representação por inconstitucionalidade nº 19/2001 de três dispositivos da lei nº 972/99, dentre os quais a segunda parte do seu art. 6º, cuja constitucionalidade foi questionada pelo Ministério Público deste estado, através desse controle concentrado e abstrato perante o órgão especial do Tribunal de Justiça também deste estado, não sendo conhecida por maioria de votos, em que se entendeu tratar-se, na espécie, de norma de efeito concreto, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal.

1. Zeno Veloso in “Controle de Constitucionalidade”, 2000, Belo Horizonte: Del Rey, pág. 109. 2. Marcelo Caetano in “Manual de Direito Administrativo”, 1997, Coimbra: Almedina, pág. 436. 3. Celso Antônio Bandeira de Mello in “Curso de Direito Administrativo”, 17ª ed., 2004, São Paulo: Malheiros, pág. 388. 4. Sérgio Ferraz in “Mandado de Segurança (individual e coletivo) aspectos polêmicos”, 2ª ed., 1993, São Paulo: Malheiros, pág. 76. 5. Humberto Ávila in “Teoria dos Princípios”, 4ª ed., 2004, São Paulo: Malheiros, pág. 22.

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Ampla e juízes debatem as questões técnicas e jurídicas relativas ao serviço essencial de fornecimento de energia

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presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Sergio Cavalieri Filho (ao centro), abre o III Encontro com Juízes do TJ-RJ. Na mesa ainda o presidente da Abradee, Luiz Carlos Guimarães; o diretor geral da Aneel, Jerson Kelman; o presidente da Ampla, Marcelo Llévenes e a desembargadora Ana Maria Pereira de Oliveira, da Comissão Estadual dos Juizados Especiais

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ncontrar soluções para melhorar a qualidade do atendimento aos consumidores de energia elétrica. Este foi o objetivo do III Encontro da Ampla com Juízes do Tribunal de Justiça do Rio, que reuniu 65 magistrados de Porciúncula (extremo Norte do estado) a Parati (extremo Sul), além de advogados, especialistas do setor elétrico e colaboradores da Ampla, nos dias 17 e 18 de novembro, em Angra dos Reis. O evento, organizado pela Ampla em parceria com o TJ-RJ, foi presidido pelo presidente do Tribunal, desembargador Sergio Cavalieri Filho, e pela desembargadora Ana Maria Pereira de Oliveira, membro da Comissão Estadual dos Juizados Especiais Cíveis. Para destacar os aspectos técnicos da prestação deste serviço público, estiveram presentes o diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, e o presidente da Associação Brasileira de Energia Elétrica Abradee), Luiz Carlos Guimarães. O presidente da Ampla, Marcelo Llévenes, abriu os painéis com um panorama dos resultados obtidos pela empresa desde a implantação do plano de transformação da empresa, em março de 2004. Llévenes mostrou quais são os novos desafios da companhia, apoiada em três pilares: satisfação do cliente, orgulho dos colaboradores e rentabilidade dos acionistas. “Estamos aqui, mais uma vez, para ouvir. E é sempre muito gratificante aprender um pouco mais a cada evento, com a vivência dos magistrados no contato diário com os nossos clientes”, disse. Jerson Kelman, presidente da Aneel, resumiu os critérios para o cálculo da tarifa de energia elétrica e destacou a importância da sobrevivência econômica das empresas diante do “risco” de um grande número de ações judiciais, que comprometem o desenvolvimento das distribuidoras e do setor elétrico de uma forma geral. Ele ressaltou que as concessionárias são rigidamente fiscalizadas através de metas de qualidade de fornecimento. Quando as metas não são cumpridas, garante, “elas são penalizadas através de multas pesadas e o consumidor, ressarcido do período em que ficou sem energia”. No painel “Evolução das Causas Judiciais”, a diretora jurídica da Ampla, Deborah Brasil, mostrou, em gráficos, os resultados das ações adotadas pela empresa, algumas delas sugeridas nos dois últimos encontros com os magistrados. Houve uma redução de 32% na base de processos nos Juizados Especiais Cíveis desde 2004 e um aumento de 27% no número de processos encerrados. Além disso, verificou-se um acréscimo de 26% nos acordos feitos entre clientes e a empresa, através de solução amigável. O perfil das ações judiciais também mudou, saindo do campo do “erro nos procedimentos operacionais” para as “questões de interrupção de fornecimento”, 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 39


muitas delas alheias à responsabilidade da Ampla. Prova disso é a melhora nas metas de qualidade do serviço medidas pela Aneel como a DEC (Duração de Interrupção do Fornecimento de Energia), que caiu de 22,2 horas por ano (2003) para 16,6 horas, em outubro último, e a FEC (Freqüência de Interrupção do Fornecimento de Energia) que saiu de 17 vezes ao ano (2003) para 11,7 vezes no mês passado. Foram mostrados ainda os avanços do novo sistema de medição eletrônica – o Ampla Chip – que já emitiu mais de um milhão de faturas. O acompanhamento diário do consumo de energia elétrica fez com que 45% das mais de 130 mil pessoas atendidas pelo novo sistema reduzissem o valor de sua conta de energia. A Ampla mostrou ainda como vem atuando, fortemente, nas áreas social e ambiental, com ações nos campos da educação, cultura, consumo consciente, relacionamento, entre outros. O resultado destas práticas foi reconhecido através do Prêmio Nacional de Responsabilidade Social, promovido pelos institutos Ethos, Ibase, Aberje, Apimec e Fides, no qual a Ampla foi eleita a melhor empresa na categoria serviços. O segundo dia foi dedicado ao debate dos aspectos jurídicos da interrupção do fornecimento e de como a ausência deste serviço essencial pode afetar a vida de cada cidadão. O juiz André Nicolitti, da Comarca de Arraial do Cabo, citou o filósofo Platão. “A Justiça é desagradável, mas necessária”, disse, para exemplificar porque os magistrados 40 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

devem preservar sua autonomia. “Cumprir a Constituição significa intervir muito na sociedade porque as leis estão distantes da realidade”, avaliou. O juiz Renato Sertã, da Turma Recursal Cível, foi além e afirmou que o cidadão precisa ser tratado pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor, pois desconhece a regulação do setor elétrico. Nesta linha, ele defendeu que o prejuízo do furto de energia arcado pelas distribuidoras não pode ser socializado entre os consumidores bons e ruins. Sertã ressaltou, no entanto, que a Ampla está empenhada no combate ao furto de energia para mitigar estes efeitos na tarifa de energia do consumidor. Este não foi o único momento em que os magistrados fizeram referências à melhoria dos serviços da Ampla e elogiaram seu posicionamento estratégico. Foram citadas, por exemplo, a eficiência do Call Center, a atitude correta em manter o relógio eletromecânico nas áreas servidas pelo sistema de medição eletrônica (Ampla Chip) e as perícias pagas pela empresa em caso de dúvida sobre o consumo faturado. Também foi exaltada a estratégia de combate ao furto de energia, através do uso de tecnologia inovadora e da aplicação de ações sociais e ambientais. No último painel, o juiz José Guilherme Vasi Werner resumiu o espírito do encontro: diálogo, aproximação, consideração e boa fé. “A Ampla só merece elogios pela insistência neste diálogo porque ética não é mais do que reconhecer as necessidades dos outros. E consideração e ética são condições essenciais para que haja esta aproximação”.


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Os homenageados o Colar do Foto:Fernando Carvalho / TJ

O jornalista Orpheu Santos Salles recebendo o Colar do Mérito do desembargador Celso Guedes

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editor de nossa Revista, Orpheu Santos Salles, foi agraciado com o Colar do Mérito Judiciário em cerimônia realizada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, dentro das comemorações do Dia da Justiça. Também foram agraciados com o mesmo colar, secretários estaduais, desembargadores, juízes, militares, médicos, jornalistas, advogados e os ministros Gilmar Ferreira Mendes, Carlos Ayres Brito e Carmen Lúcia Antunes Rocha, do STF e Marcos Vilaça do TCU. O ato foi presidido pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sergio Cavalieri Filho, que premiou personalidades que prestaram relevantes serviços à Justiça do Rio de Janeiro. Os agraciados: Ministros Gilmar Ferreira Mendes - vice-presidente STF Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto - STF Carmen Lúcia Antunes Rocha - STF Marcos Vinícios Vilaça - TCU

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Desembargadores Fernando Foch de Lemos Arigony da Silva Roberto Luis Felinto de Oliveira Célio Geraldo de Magalhães Ribeiro Ana Maria Pereira de Oliveira Vera Maria Soares Van Hombeeck Paulo Maurício Pereira Kátia Maria Amaral Jangutta Gilmar Augusto Teixeira Benedicto Ultra Abicair Ismênio Pereira de Castro Lindolpho Morais Marinho Denise Levy Tredler Mario Assis Gonçalves Helena Cândida Lisboa Gaede Carlos Santos de Oliveira Carlos José Martins Gomes Camilo Ribeiro Rulièri


homenageados com do Mérito Judiciário Foto:Fernando Carvalho / TJ Da esquerda para a direita: coronel Carlos Alberto de Carvalho, general-de-brigada Marco Antônio de Farias, vereador Ivan Moreira dos Santos, ministros Marcos Vilaça, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Ayres Brito e Gilmar Mendes.

Juiz Luiz Roberto Ayoub Advogados Rodrigo Lins e Silva Cândido de Oliveira Fernando Setembrino Márquez de Almeida José Oswaldo Corrêa Felippe Zerik Ivan Moreira dos Santos – vereador, presidente da Câmara Municipal do Rio Marco Antônio de Farias – general-de-brigada, comandante da Academia Militar das Agulhas Negras Rosely Ribeiro de Carvalho Pessanha – secretária de Estado – chefe do Gabinete Civil Carlos Alberto de Carvalho – coronel BM, secretário de Estado da Defesa Civil e comandante-geral CBPM Empresários Olavo Monteiro de Carvalho – presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro

João Elisio Ferraz de Campos – presidente da Federação Nacional de Empresas de Seguros Privados e de Capitalização Nelson Sequeiros Rodriguez Tanure presidente da Companhia Brasileira de Televisão e do Jornal do Brasil Médicos Paulo Niemeyer Soares Filho Delta Madureira Filho Octávio Pires Vaz José Carlos de Souza Abrahão Jornalistas Fábio Vasconcellos Orpheu Santos Salles Serventuária Andréa Maria Humbert Lopes Alves D’Amico, diretora-geral de logística 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43


Corregedoria Geral da Justiça: Uma gestão voltada para o magistrado, os resultados e a ética Munir Feguri Corregedor-geral da Justiça do estado de Mato Grosso

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Corregedoria Geral da Justiça, nos termos do art. 31 do Código de Organização Judiciária do estado de Mato Grosso (Lei nº. 4.964/85), é órgão de fiscalização, disciplina e orientação administrativa dos trabalhos da Justiça de 1º Grau, sendo certo que, indiscutivelmente, os primeiros aspectos – fiscalização e disciplina – sempre foram os mais evidentes. Inclusive, as visitas da corregedoria eram aguardadas com certo temor por magistrados e servidores, que viam no órgão apenas a função repressiva. Modificar essa imagem da corregedoria foi um dos principais aspectos da atual gestão (2005/2007), buscando reforçar o caráter orientativo, com vistas à constante melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo poder judiciário estadual. Fiscalizar orientando tem sido a tônica dos trabalhos realizados, assim como a justiça e igualdade de tratamento, igualdade essa calcada na famosa máxima de Rui Barbosa, levando em consideração as peculiaridades de cada caso, pessoa e local. Evidentemente, não foi possível deixar de lado a firmeza inerente aos trabalhos correcionais, em especial pela situação sui generis atualmente vivenciada, em que 99 novos magistrados passaram pelo processo de vitaliciedade, e, em ação inédita, foram todos eles submetidos à correição in loco, com a elaboração de detalhados relatórios ao órgão especial. Com consciência dessa importante missão, foi elaborado, de início, por toda equipe de trabalho, o planejamento estratégico da gestão, incluindo a elaboração de projeto de lei objetivando a reestruturação administrativa do órgão. Posteriormente, foram estabelecidas diretrizes de trabalho e criados os grupos de correição, compostos pelos juízes auxiliares da corregedoria. A partir de 1º de março de 2005 a corregedoria matogrossense passou a funcionar com nova estrutura interna, objeto da lei nº. 8.298, de 23.02.05, compatível com os novos tempos e voltada para o alcance das metas estabelecidas para a gestão 2005/2007. Com a nova estrutura, a secretaria ganhou espaço físico condizente e adequado às suas funções, possibilitando melhoria nas condições de trabalho de seus servidores, além de agilidade no atendimento ao jurisdicionado. A metodologia Ordem1, voltada para a gestão centrada em resultados, passou a fazer parte da estrutura administrativa do órgão correcional, possibilitando à Corregedoria o controle efetivo da utilização da ferramenta de trabalho por comarcas e varas judiciais, integrantes da 1ª Instância. Conjuntamente a essa ação, foi instalado em todas as comarcas o Sistema de Controle de Produção – SCP, planilha eletrônica que faz a medição mensal da produtividade de magistrados e servidores, além de possibilitar a estratificação dos dados relativos ao movimento forense estadual. Nesse contexto, diversas metas foram estabelecidas pela Corregedoria Geral da Justiça, visando à celeridade e eficiência da prestação jurisdicional. No âmbito interno, a

“(...) as experiências vividas permitem assegurar ser plenamente possível conciliar as funções fiscalizadora, disciplinar e orientativa da Corregedoria.”

estratégia foi a mesma e vários planos de ação foram colocados em prática, tendo por fim a racionalização dos expedientes, implementação de controle de qualidade nos departamentos que integram a secretaria e melhoria no atendimento do cliente interno e externo do poder judiciário, representado pelas comarcas, varas, juízes e sociedade em geral. Os sistemas de informática utilizados pela corregedoria tiveram melhoria significativa, com novas ferramentas colocadas à disposição do usuário, resultando em celeridade e redução da burocracia. O sistema informatizado de 1a instância - Apolo, utilizado pelas comarcas e varas judiciais, foi instalado no órgão correcional, permitindo à corregedoria o acesso on-line aos bancos de dados das comarcas do estado, com vistas ao monitoramento da movimentação processual. Especificamente em relação ao controle da prestação jurisdicional, foram realizadas correições em todas as comarcas e varas, jurisdicionadas por juízes de direito e substitutos, de forma inédita, abrangendo todo o estado de Mato Grosso. Em relação aos juízes substitutos a correição in loco possibilitou avaliação criteriosa da quantidade e qualidade das decisões proferidas pelos novéis magistrados, o que subsidiou o processo final de vitaliciamento, de competência do egrégio órgão especial. As correições tiveram caráter orientativo e, em alguns casos, punitivo, visando a resguardar a ética no exercício das funções jurisdicionais. As escrivanias judiciais e gabinetes passaram todos pelo processo de avaliação gerencial, que é uma modalidade de correição relativa à medotologia de trabalho oficial já referida (método Ordem), buscando aferir a manutenção dos padrões de qualidade e de produtividade mínima estabelecidos, baseados em dados reais da média estadual. Como forma de redução da burocracia e racionalização do serviço da corregedoria, foi implantado, de forma definitiva, o sistema de encaminhamento on-line do relatório estatístico 2006 DEZEMBRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45


“Fiscalizar orientando tem sido a tônica dos trabalhos realizados, assim como a justiça e igualdade de tratamento, igualdade essa calcada na famosa máxima de Rui Barbosa, levando em consideração as peculiaridades de cada caso, pessoa e local.” mensal, elaborado pelas escrivanias do estado, que espelha o movimento forense da Justiça estadual. A capacitação de magistrados e servidores também foi meta da atual administração, sendo disponibilizados pelo Tribunal de Justiça, a pedido da corregedoria, 2 ciclos de atualização jurídica, abrangendo aspectos polêmicos de direito civil e direito processual civil, ministrados por palestrantes de renome nacional. No tocante ao foro extrajudicial, diversas ações foram realizadas pelo órgão correcional, merecendo destaque a fiscalização dos serviços notariais e de registro, com a padronização da planilha utilizada pelos controladores de arrecadação do poder judiciário, tudo visando ao controle efetivo dos atos praticados pelos notários e registradores. Também deve ser ressaltada a análise criteriosa dos relatórios elaborados pelos juízes diretores de foro, anualmente, em relação às serventias extrajudiciais. Buscando sempre a transparência dos serviços e propiciando o exercício da cidadania, a corregedoria matogrossense instalou em 23 de outubro do corrente ano o serviço Disque-Corregedoria, disciplinado por meio do Provimento nº 10/2006-CGJ, objetivando o recebimento de reclamações relativas aos serviços forenses em geral, através de telefone, fax ou e-mail2. Funcionando totalmente de forma virtual, através de ferramenta tecnológica desenvolvida no sistema GEDOC, utilizado pelo órgão correcional, o Disque-Corregedoria está sendo acionado diariamente pela comunidade jurídica, servindo de auxílio e orientação às partes e advogados. Os trabalhos relativos à Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA-MT, vinculada ao gabinete da corregedoria, mereceram atenção especial durante o biênio, tendo sido realizados vários eventos sociais e encontros técnicos voltados ao interesse da criança e do adolescente do estado, com a participação efetiva dos magistrados em atuação nas varas especializadas da infância e juventude, membros do Ministério Público, autoridades do poder executivo e dirigentes de entidades ligadas ao menor. Nacionalmente, a corregedoria mato-grossense também obteve seu destaque, divulgando suas ações nos encontros realizados pelo Colégio de Corregedores Gerais da Justiça do Brasil. No XLI ENCOGE, no Rio de Janeiro, foi apresentado 46 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006

o painel “Método Ordem de Gerenciamento para Resultados” e no XLIII ENCOGE, em Fortaleza, será a vez do “Disque-Corregedoria”. Encerrando a gestão, está sendo lançada a 2ª edição da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria – CNGC, consolidando todos os atos expedidos (provimentos, ofícios circulares, decisões administrativas de cunho geral e sugestões recebidas) em um só texto normativo, garantindo a segurança necessária ao funcionamento da Justiça de 1º Grau. É oportuno salientar que todo trabalho desenvolvido até aqui contou com a participação direta da equipe de juízes de direito auxiliares da corregedoria, composta pelos magistrados Clarice Claudino da Silva (coordenadora do grupo de correição das comarcas de entrância especial), Hildebrando da Costa Marques (coordenador do método Ordem, responsável pelo “Disque-Corregedoria” e presidente da comissão de revisão da consolidação das normas da corregedoria), Irênio Lima Fernandes (coordenador do grupo de correição das comarcas do interior), José Arimatéa Neves Costa (responsável pelos processos de vitaliciedade dos juízes substitutos) e Marcelo Souza de Barros (coordenador do grupo de correição extraordinária), todos com vasta experiência profissional, agregada ao indispensável saber jurídico, propiciando o cumprimento integral das metas estabelecidas no início da gestão. Igualmente merecem reconhecimento os valorosos servidores da corregedoria, que nunca mediram esforços no cumprimento de tarefas que muitas vezes iam além de seus deveres funcionais. Agora, no crepúsculo desta gestão, as experiências vividas permitem assegurar ser plenamente possível conciliar as funções fiscalizadora, disciplinar e orientativa da corregedoria, visando a uma gestão que atenda aos anseios dos magistrados e, ao mesmo tempo, exerça as atribuições correcionais com independência e seriedade. E, pode-se afirmar, nos tempos atuais, em que a magistratura se encontra na mira dos mais diversos segmentos sociais e políticos, essa postura se mostra cada vez mais necessária, para evitar a execração dos justos e a impunidade daqueles que não honram a autoridade que lhes foi confiada.


NOTAS: 1 O método Ordem é uma ferramenta de gestão para resultados, desenvolvida no estado do Mato Grosso, que cuida da Organização do espaço de produção, Racionalização do processo de produção, Desenvolvimento dos recursos humanos, Excelência no atendimento e Motivação. Esse método é obrigatório em todas as varas e comarcas do estado, nos termos do provimento 008/2003-CM e do provimento 05/2006-CGJ, e foi selecionado e apresentado na IV Mostra Nacional da Qualidade dos Trabalhos do Poder Judiciário e no XLI ENCOGE. O material relativo à metodologia encontra-se disponível no site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (www. tj.mt.gov.br) no ícone da Corregedoria Geral da Justiça. 2 O “Disque-Corregedoria” pode ser acionado pelo telefone (65)3617-3737, pelo fax (65)3617-3062 e pelo e-mail disquecorregedoria@tj.mt.gov.br. O serviço é integralmente digital, sem a formação de processo físico, e tem obtido excelentes níveis de solução imediata das reclamações recebidas.

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FÓRUM

Futuro da Justiça na mesa de negociação Luiz Flávio Borges D’Urso

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obilizar os advogados paulistas em prol de um Judiciário melhor é o objetivo do presidente reeleito da Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, Luiz Flávio Borges D’Urso. D’Urso teve 50,13 % (62.841) dos votos válidos, na eleição realizada na última semana de novembro.

Após a divulgação do resultado das eleições, o advogado ressaltou as ações que continuará a desenvolver à frente da entidade que congrega o maior número de profissionais do país. “Pela angústia dos promotores, dos serventuários e da sociedade é que vamos, na próxima gestão, mobilizar a força dos 250 mil advogados para fazer articulações e políticas, através de um grande pacto entre o Executivo e o Legislativo, para que tenhamos uma nova Justiça no Estado”, declarou o advogado, acrescentando ainda as iniciativas que serão desenvolvidas em conjunto com o poder judiciário local nesse sentido. Entre as ações conjuntas, D’Urso lista a de maior prioridade: a conclusão do processo de informatização do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). “Isso é vital porque a OAB-SP já tem um projeto pronto: o que institui o sistema de certificação eletrônica para os advogados. Cada profissional terá a sua certificação e com isso, ao lado do trabalho de intimações on-line que recebem no escritório via Internet, poderão responder às intimações, bem como encaminhar as petições para o Tribunal pelo computador. Isso com a segurança de que o conteúdo estará preservado”, declarou D’Urso, acrescentando que, para entrar em funcionamento, o programa depende da conclusão do processo de informatização da corte paulista. D’Urso destacou ainda, que o futuro da Justiça tem que vir para a mesa de negociação. “Nós temos que evitar o processo e todos esses novos mecanismos precisam ser estimulados. Nós temos a prática da conciliação no início do processo, onde se perde no máximo cinco minutos e se não há acordo são 10 anos pela frente. É uma questão de cultura. Não se investe na fase de negociação, que pode demorar um dia, uma semana, um mês. É melhor que 10 anos”, ponderou.

Novas VARAS Federais no Brasil A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou parecer favorável do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para a criação de 230 novas varas federais no Brasil. Essa é considerada a aprovação mais importante para o projeto porque a comissão é a especializada para avaliar o assunto e seu parecer orientará todas as votações que ainda virão. Após sancionado, o projeto substitutivo proposto por Henrique Eduardo vai possibilitar que a Justiça Federal estenda seus braços a regiões às quais hoje não tem como atender. Isso será feito também com a implantação de juizados especiais federais no país. Henrique Eduardo Alves disse ontem que agora é lutar para que uma das 230 novas varas seja instalada no Rio Grande do Norte. No substitutivo é proposto que a implantação das novas varas seja feita da seguinte forma: 28 em 2007; 28 em 2008; e 29 de 2009 a 2014. Ao todo, cada vara terá em média 37 funcionários. Ao final da implantação de todas, terão sido gerados 8.510 vagas. A localização das varas obedecerá os critérios técnicos estabelecidos pelo Conselho da Justiça Federal. 48 • JUSTIÇA & CIDADANIA • DEZEMBRO 2006


A IMPRENSA E O TROFÉU DOM QUIXOTE Homenagem Jornal A Tarde (Salvador) “A revista Justiça & Cidadania, considerada a mais importante publicação do país na área jurídica, vai homenagear hoje, no Supremo Tribunal Federal, em Brasília, a desembargadora baiana Neuza Maria Alves da Silva. Ela receberá o Troféu Dom Quixote 2006, que a Revista e a Confraria Dom Quixote, entidade cujo vice-presidente é o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Francisco Peçanha Martins, entrega anualmente às personalidades que se destacam na defesa da ética, justiça e direitos da cidadania.” Quem & Onde - Sonia Pinheiro Jornal O Povo (Fortaleza) “Em ato solene acontecido no Supremo Tribunal Federal, o ministro (TSJ/TSE) César Asfor Rocha, Corregedor Geral Eleitoral, recebeu o expressivo troféu Dom Quixote 2006, concebido, anualmente, a personalidades que brilharam na defesa da ética, justiça e direitos da cidadania.” Miúda Jornal O Estado de São Paulo “Os ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho e Massami Uyeda recebem o Troféu Dom Quixote, no Supremo Tribunal Federal.”

XXXI Simpósio Nacional do Direito Tributário Coordenado pelo professor e jurista Ives Gandra Martins, foi realizado recentemente em São Paulo o XXXI Simpósio Nacional de Direito Tributário. O tema discutido foi o “Princípio da Eficiência em Matéria Tributária”. Duas comissões participaram dos debates e várias questões foram propostas e discutidas. Ao final, eram aprovadas pelos integrantes das duas comissões e pelo plenário. Uma das questões em pauta se referia ao tributo vinculado, à destinação de sua receita a finalidade diversa daquela que motivou sua instituição comprometendo a legitimidade da exação. Em caso de resposta positiva, de que forma poderia

o contribuinte exercer esse controle? As duas comissões e o plenário concluíram que: “No caso de tributo vinculado, a destinação de sua receita a finalidade diversa daquela que motivou sua instituição compromete a legitimidade da exação. O contribuinte pode exercer esse controle, quer investindo diretamente contra a legitimidade de sua cobrança, no âmbito do controle difuso, quer mediante controle concentrado (ADIN, ADPF), neste caso, promovido pelos legitimados, nos termos do art. 103 da C.F., para deflagrá-lo. (Aprovada por unanimidade: 60 votos).”

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Reprodução Assistida Aspectos do Biodireito e da Bioética O desembargador Roberto Wider, presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro está com novo livro na praça. Reprodução Assistida – Aspectos do Biodireito e da Bioética foi lançado pela Lumen Júris Editora. Prefaciado por Carlos Roberto Siqueira Castro, reproduz em grande parte a dissertação de mestrado aprovada na faculdade de direito da Universidade de Coimbra sob a orientação do professor Guilherme de Oliveira, catedrático de direito civil. “O livro que ora orgulha-me prefaciar versa tema da mais alta atualidade e repercussão na ciência jurídica contemporânea. Como apontado no capítulo introdutório, a obra focaliza, com rigor científico e apoio na doutrina especializada no campo das relações entre biogenética e o direito, os avanços da biotecnologia, da engenharia genética e da medicina que refletem diretamente no sistema natural e da medicina que refletem diretamente no sistema natural da reprodução humana, ou seja, na reprodução assistida e seus reflexos no sistema constitucional e legal de proteção dos direitos humanos. Neste livro discute-se em profundidade a bioética e o biodireito, a procriação assistida, a inseminação post mortem, a reprodução heterológica e a utilização dos embriões excedentários. Sem dúvida, descortina-se aí um cenário de questões instigantes e de imensurável transcendência para o debate jurídico da atualidade.”

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BWP, focada na parceria estratégica entre Brasil e China

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