O Amor prossegue

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CAPIVARI-SP | 2018


© 2018 Ricardo Orestes Forni

Os direitos autorais desta obra foram cedidos pelo autor para a Editora EME, o que propicia a venda dos livros com preços mais acessíveis e a manutenção de campanhas com preços especiais a Clubes do Livro de todo o Brasil. A Editora EME mantém o Centro Espírita “Mensagem de Esperança” e patrocina, junto com outras empresas, instituições de atendimento social de Capivari-SP. 1ª edição – agosto/2018 – 3.000 exemplares

| André Stenico | vbenatti REVISÃO | Sonia Rodrigues Cervantes CAPA

DIAGRAMAÇÃO

Ficha catalográfica

Forni, Ricardo Orestes, 1947 O amor prossegue / Ricardo Orestes Forni – 1ª ed. ago. 2018 – Capivari-SP: Editora EME. 264 p.

ISBN 978-85-9544-073-9

1. Romance espírita. 2. Atividades do centro espírita. 3. Dependência química. 4. Reencarnação. I. Título. CDD 133.9


SUMÁRIO

Capítulo 1 – Refletindo.............................................................................7 Capítulo 2 – No café da manhã...............................................................9 Capítulo 3 – O telefonema.....................................................................13 Capítulo 4 – O psicólogo........................................................................19 Capítulo 5 – Confidências e suspeitas..................................................25 Capítulo 6 – Novas evidências..............................................................35 Capítulo 7 – A situação se define..........................................................43 Capítulo 8 – A conversa..........................................................................51 Capítulo 9 – Na casa de Luíza...............................................................59 Capítulo 10 – No centro espírita...........................................................67 Capítulo 11 – A pressão aumenta..........................................................79 Capítulo 12 – O diálogo inicia...............................................................87 Capítulo 13 – Buscando apoio...............................................................93 Capítulo 14 – Pai e filho.......................................................................103 Capítulo 15 – O investigador............................................................... 111 Capítulo 16 – A impressão de Ângela................................................123 Capítulo 17 – A intimação....................................................................133


Capítulo 18 – O sumiço........................................................................145 Capítulo 19 – A tragédia.......................................................................155 Capítulo 20 – No plano espiritual.......................................................165 Capítulo 21 – A vida que não cessa....................................................173 Capítulo 22 – No Seareiros de Jesus...................................................181 Capítulo 23 – Auxílios daqui e de lá...................................................189 Capítulo 24 – A noite continua............................................................197 Capítulo 25 – A revelação.....................................................................205 Capítulo 26 – O trabalho prossegue...................................................213 Capítulo 27 – O recado.........................................................................221 Capítulo 28 – O encontro.....................................................................229 Capítulo 29 – Sintonia espiritual.........................................................237 Capítulo 30 – Novidades......................................................................247 Capítulo 31 – E aconteceu....................................................................257


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capítulo 1

REFLETINDO

SE O ESPÍRITO, ser inteligente e imortal, prossegue além das fronteiras do túmulo como solidamente veio demonstrar a doutrina espírita sem a utilização de dogmas, é muito natural que os laços de amor e de ódio prossigam com aqueles que transpõem a dimensão visível para a dimensão imperceptível aos olhos humanos. Contudo, uma diferença infinita existe: o amor é perene, perma‑ nece para sempre porque é uma Lei de Deus, enquanto o ódio se esvai, mesmo que lentamente, como a fumaça que perde força na medida em que alcança as alturas maiores do espaço por ser obra do homem. Ora, se o amor prossegue destemido e resoluto, nada mais na‑ tural que os que se amam continuem a nutrir o mesmo sentimento quando se desvestem do uniforme do corpo físico ao deixarem a es‑ cola da Terra. E aquele que ama, mesmo fora da dimensão terrestre, continua desejando o bem para aqueles que ficam. A força do amor coloca em sintonia os seres amados e obtém do Criador a autoriza‑ ção para produzir no campo do bem comum.


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Esse romance revela esse fato. Veremos que o amor clama sem‑ pre pela oportunidade de envolver e beneficiar o ser amado, não importando a barreira vibratória que nos impede de ver e tocar para poder acreditar. Se tivermos a sensibilidade suficiente, veremos o auxílio do Cria‑ dor em direção às Suas criaturas nos fenômenos da Natureza e na bondade dos homens. A chuva que abençoa o solo... O solo que responde com a colheita... A flor que gratuitamente visita o jardim de nossas casas... O pássaro que canta feliz após a tempestade ter devastado seu ninho... O sol que ilumina incansavelmente todas as manhãs anunciando um novo dia... As estrelas que bordam o escuro do infinito... A criança que nasce renovando a oportunidade de viver... A mão que estende o pão ao faminto... O copo de água que socorre o necessitado... O abraço que acolhe a dor do semelhante levando lenitivo... O perdão que renova a promessa de paz... Em tudo e em todos o amor clama para proclamar a sua existência! E se existe amor, a esperança o acompanha até o ponto mais dis‑ tante e perdido na imensidão das eras para retornar sempre, revigo‑ rado e ativo nas promessas de um novo amanhã. Confiemos! O amor prossegue!


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capítulo 2

NO CAFÉ DA MANHÃ

LUIZ FLÁVIO LIA o seu jornal antes de iniciar mais um dia de trabalho. Era seu hábito levantar um pouco mais cedo para correr os olhos so‑ bre as notícias do matutino. Pelo menos nas mais importantes, para começar o dia melhor informado e ter assunto a comentar com os colegas de trabalho. Célia arrumava as coisas para o café da manhã do marido e do único filho, Renato. Luiz Flávio deixara a mesa posta para que os três saboreassem não apenas a primeira alimentação, mas principalmente o contato amigo da pequena família. Fizera também o café que agradava a esposa e ao filho para cola‑ borar nos primeiros serviços que o dia solicitava. Enquanto Célia finalizava os preparativos da mesa, o marido fo‑ lheava o jornal no ambiente tranquilo do lar. Minutos depois Renato adentrava o ambiente com a cara de sono comum à maioria dos adolescentes. Cabelos mal penteados, bocejos amplos, olhos que pouco se abriam para contemplar a cena familiar


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e a luz da manhã que invadia silenciosamente o interior da mora‑ dia. A mochila com o material escolar se posicionava irregularmente sobre os ombros forçando a coluna do jovem, o que foi motivo da observação de seu pai. – Renato, posiciona direito essa mochila, meu filho! Com a ida‑ de você vai colher as consequências de forçar sem necessidade suas costas. O moço respondeu com um muxoxo incompreensível não se im‑ portando com o alerta paterno. Parecia mais se arrastar do que cami‑ nhar pela cozinha da casa. – Acorde, meu filho! – observou carinhosa a mãe. – Como vai aprender as lições na escola se está mais dormindo do que acorda‑ do? E olha que suas notas pioraram de um tempo para cá! – Isso mesmo, Renato – completou o pai. Parece até que trabalhou a noite toda! Desse jeito vai se atrasar para suas aulas! E sua mãe tem razão. Suas notas, antes muito boas, têm sofrido uma piora lamen‑ tável, meu filho. O jovem fez um gesto com uma das mãos que, traduzido para a linguagem verbal, significava: “deixa pra lá esse assunto vocês dois!” Célia aproximou-se do filho abraçando-o ternamente, enquanto o pai lhe afagava os cabelos em desalinho. “Convocados” pai e filho a comparecerem à mesa bem-posta, to‑ maram seus respectivos lugares para saborearem os alimentos cui‑ dadosamente apresentados e conversarem um pouco antes que cada um tomasse seus diferentes destinos. – Mais um crime, entre tantos outros, ocupa espaço no noticiário do jornal de hoje, provocado pelas drogas! – comentou repentina‑ mente o marido. – Luiz Flávio, não vamos trazer esse assunto à mesa mal come‑ ça o dia, querido! Falemos de coisas boas! – observou com carinho a esposa.


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– Isso mesmo, pai! Já vai começar a contaminar a nossa manhã? – acrescentou irritado Renato. – Desculpem, mas me preocupa muito esse assunto e o trouxe para nossa conversa e meditação como um alerta para você, meu filho. – E o que eu tenho a ver com isso, pai? Por acaso acha que estou usando drogas? – Lembro apenas que a sua idade é a preferida pelos trafican‑ tes, meu filho. Como seu pai tenho a responsabilidade de lembrá-lo sempre sobre o perigo que ronda todos os lares! – Desencana, pai! Ainda bem que vocês só têm eu de filho! Já pen‑ sou se fôssemos em mais nessa família? Você ficava louco! – Sempre é útil a lembrança, Renato. Seu pai tem razão nesse sen‑ tido – ponderou Célia. – A senhora também, mãe?! Meu Deus! Minha mochila está cheia! Não cabem mais alertas! – ironizou o rapaz. – Então carregue na sua cabeça, meu filho – colocou o pai sem se aborrecer. Renato mal saboreou o café, enxugou os lábios com um guarda‑ napo de papel, beijou a mãe e saiu em direção à escola. O casal permaneceu alguns minutos a mais em conversa. – Célia, minha querida! Precisamos ficar sempre vigilantes! Não devemos acreditar que as drogas vitimam apenas o lar dos outros. – Eu sei que não, meu amor. Mas você desconfia de alguma coi‑ sa aqui em nossa casa e com o nosso filho? – indagou preocupada a esposa. Luiz Flávio vacilou alguns segundos, mas respondeu: – Não, Célia. Apenas devemos nos manter em alerta. – Mas nosso filho não tem motivos para buscar fuga ilusória nas drogas, meu querido! Nunca negamos a ele atenção, carinho e amor! – Concordo com você, meu bem! Creio apenas que fui infeliz tra‑ zendo esse assunto à baila no nosso café tão gostoso como sempre. Desculpe-me! – disse afagando as mãos da esposa.


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Abraçaram-se e se despediram com um doce beijo de ternura. Luiz Flávio não teve coragem para revelar suas suspeitas à espo‑ sa. Vinha sentindo um cheiro estranho no quarto do filho em deter‑ minados momentos. O jovem descuidara da aparência. Dava a im‑ pressão que até o banho diário deixara de fazer parte de sua rotina. A piora das notas na escola deveria ter um motivo! Alguma coisa não lhe parecia bem. Procuraria conversar com um amigo psicólogo para algumas orientações mais seguras antes de preocupar a esposa com suspeitas que poderiam ser infundadas. Mas... Continuaria em alerta!


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capítulo 3

O TELEFONEMA

CÉLIA NÃO QUIS insistir com o marido, mas os comentários à mesa do café da manhã a deixaram preocupada. Ficara com a impressão de que Luiz Flávio queria poupá-la de alguma suspeita em relação ao filho Renato. Por sua vez, não trouxe à baila nos comentários surgidos o fato de que achara no vaso sanitário do filho algo que lembrava cinzas, talvez, de um cigarro. Como não fumava, não podia afirmar com mais certeza. O problema era que Renato também não era dado a esse hábito, o que tornava a situação mais confusa. Ia ficando com a sensação de que um quebra-cabeça desagradá‑ vel começava a ser montado dentro do seu lar. Providenciou as últimas coisas antes de ir lecionar enquanto a auxiliar nos serviços domésticos não chegava. Dirigiu-se à porta principal da residência e antes que abrisse, o telefone tocou. Aguardou uns instantes para avaliar a urgência da ligação. Raciocinava que se fosse algum assunto importante, a pes‑ soa insistiria.


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O aparelho telefônico tocou até desligar. E retornou novamente a ligação o que levou Célia a atender. – Alô. – Preciso falar com o Renato! Célia estranhou o fato de a pessoa do outro lado, com voz mascu‑ lina, que lembrava uma pessoa jovem, não tivesse sequer dado um bom-dia como mandava a boa educação. Ela, entretanto, respondeu como querendo passar a lição de boas maneiras ao interlocutor do outro lado da linha: – Bom dia. Quem deseja falar com ele, por favor? – É um conhecido dele – respondeu secamente a pessoa. – Sim. Mas por favor, qual é o seu nome? – O Renato está ou não? – foi o que ouviu, demonstrando não desejar o diálogo quem estava ao telefone do outro lado da linha. – Não. Renato já foi para escola. Se quiser deixar... Não conseguiu completar a frase porque o ruído característico de linha desligada foi a resposta recebida. “Que pessoa mal-humorada e sem educação!” – disse para si mesma. “Não se identifica. Mal responde às perguntas e desliga na minha cara desse jeito! Como pode Renato ter amizade com uma gente dessas?” Dirigiu-se para a porta de saída, mas o aparelho telefônico tornou a tocar. “Não é possível! O que está acontecendo essa manhã?!” – comen‑ tou Célia em tom de voz demonstrando alguma irritação. Teve vontade de não atender, mas algo a preocupava depois que falara com aquela pessoa tão mal-educada com quem o filho se re‑ lacionava. Optou por retornar e atender. Ainda dispunha de tempo suficiente para chegar até a escola onde lecionava. “Essa era uma das vantagens de uma vida bem programada.” – pensou enquanto se aproximava outra vez do telefone que insistia em chamar. – Alô?


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– Dona. Só liguei para saber se o Renato não está mesmo ou a senhora está mentindo? – Escuta aqui, meu senhor, ou seja quem estiver falando. Saiba que o senhor ou você é uma pessoa muito mal-educada. Liga na minha casa. Não se identifica. Não tem a educação de desejar um bom-dia e ainda tem o atrevimento de me chamar de mentirosa! – Fica na tua, coroa! Não me deixa irritado senão vai se arrepen‑ der! – foi a resposta grosseira que recebeu. – Mas que atrevimento! Por favor, tenha ao menos a educação de não ligar mais em minha casa e se afastar do meu filho seja lá quais forem os motivos que o aproximaram dele. Célia escutou uma gargalhada alta do outro lado da linha telefô‑ nica em resposta aos seus comentários. – Como já disse: calma, coroa! Quem está no comando sou eu. Você fica caladinha e responda o que eu perguntar e quiser saber. Posso te garantir que assim será melhor para todos! E antes que ela respondesse àquele atrevimento todo, o som de linha desligada tornou a ser ouvido. “É demais tanto atrevimento! Vou ter uma conversa séria com Renato para saber onde ele foi encontrar uma companhia tal mal-e‑ ducada como essa!” Parou por uns instantes enquanto se dirigia até a porta principal da residência e ponderou: “E o que é pior! Qual o motivo que levaria esse estranho a ligar de forma tão agressiva e malcriada para a minha casa na procura de meu filho? O que o atrevido estaria querendo dizer quando afirmou que estava no comando? Comando de quê? Era só o que faltava para estragar o meu dia!” Fechou a porta em direção ao carro enquanto murmurava: “Filho criado, trabalho dobrado! Ou até mais!” Chegou até o local de trabalho muito preocupada com tudo o que ouvira naquele telefonema que propunha estragar a sua manhã.


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“Preciso buscar meu equilíbrio! Meus alunos não têm culpa dos meus problemas particulares. Mas já sei o que irei fazer no intervalo das aulas. Falarei com Luíza! Ela é muito religiosa! Decerto poderá me orientar melhor.” – continuava a pensar no turbilhão de ideias e hipóteses sobre o acontecido minutos atrás a partir do momento em que o telefone tocou. Conseguiu transmitir aos seus alunos a matéria preparada e na hora do intervalo das aulas, procurou pela amiga. – Luíza, preciso falar com você, minha amiga. – Claro, Célia. Amigas são para essas horas. Me parece preocupa‑ da! Em que posso ajudá-la? – Pois então! Estou mesmo. Vários pensamentos me assaltaram e roubam minha tranquilidade nesse início de manhã. – E em que posso ajudar, Célia? Alguém doente na família? Al‑ gum problema com Renato ou com o Luiz Flávio? – Vou contar desde o início do nosso café da manhã lá em casa quando o Luiz comentou uma notícia do jornal. E foi narrando para a amiga atenciosa tudo o que se passara até o último telefonema, o atrevimento de quem ligara, a falta de edu‑ cação e a ameaça velada que recebera dessa pessoa que não fazia nenhuma ideia de quem pudesse ser. – Realmente a pior parte de tudo o que me contou foi esse telefo‑ nema em que a pessoa desconhecida, mal-educada e agressiva des‑ pejou energias negativas sobre você, minha amiga. Energias essas que com a ajuda de Deus você há de superar. – E dos seus amiguinhos do outro lado, não é Luíza? Luíza sorriu e comentou: – Você está se referindo aos bons espíritos, Célia? Sim, eles estão sempre prontos a nos auxiliar desde que façamos nossa parte. E no seu caso é não se deixar desequilibrar com as palavras que ouviu ao telefone. Seja quem for essa pessoa, deve estar espiritualmente doente para proceder dessa maneira.


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– Se está doente, também está querendo roubar a minha saú‑ de, amiga! – É aí que entra a sua parte para ser auxiliada por Deus e pelos espíritos amigos. Não permita se envolver pelas palavras que ouviu. Vamos orar pedindo socorro e fazendo a nossa parte para que tudo se esclareça, Célia. – Você vai lá hoje à noite? Luíza tornou a sorrir. – “Lá” significa no centro espírita? Sim, vou. Hoje é dia de reu‑ nião aberta ao público. Por que não vem comigo? – Não. Não. Você pede por mim para os seus amigos, Luíza. – Está vendo como agimos? Reconhece que pode ser auxiliada, mas se nega buscar o socorro, Célia. Essa é a parte que cabe a você realizar para que receba ajuda. – Mas eu não sou espírita, Luíza! – E nem está sendo proposto para que se torne uma, Célia. A dou‑ trina espírita não disputa seguidores. Reconhece o direito de cada um escolher livremente a religião que prefere. O que conta é procurarmos fazer o bem a quem necessita. A vivência do amor foi a religião dei‑ xada por Jesus. Todas as que surgiram depois dele são rótulos cria‑ dos pelo homem. A verdadeira religião, aquela que liga a criatura ao Criador, é realizar o bem para aqueles que necessitam. Sermos bons e honestos conosco e com os semelhantes. Quando procedemos assim, estamos ligados ao nosso Pai, vivenciando a verdadeira religião. – Mas se eu não for lá, eles não me ajudarão? – Os bons espíritos sempre procuram auxiliar. É que você vin‑ do ao centro poderá receber um passe e tomar a água fluidificada que trará socorro ao seu corpo e a você como espírito imortal, mi‑ nha amiga. – É que hoje a noite preciso me sentar com o Luiz Flávio para con‑ versarmos sobre o que aconteceu depois que ele saiu, como estou fazendo agora com você.


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Luíza voltou a sorrir da infantilidade da amiga. – Não é isso não, Célia. Você está usando o diálogo com o seu marido, que precisa realmente acontecer, como desculpa para não ir ao centro comigo hoje. Célia ficou acabrunhada com a afirmativa de Luíza que realmen‑ te acertara em cheio. – Mas não tem problema não, Célia. Pedirei por você e pelo seu lar do mesmo jeito. Contudo, mesmo não indo ao centro, faça a sua parte não permitindo que as vibrações negativas do telefonema to‑ mem conta dos seus pensamentos. Isso é muito importante. É a par‑ te que lhe cabe fazer no ambiente do seu lar. Pode ficar tranquila que pedirei por vocês, sim. Abraçaram-se e cada uma seguiu para a sua sala de aula já que o sinal anunciara o final do recreio.


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capítulo 4

O PSICÓLOGO

SE A MÃE, Célia, estava transtornada pela agressividade do telefo‑ nema, Luiz Flávio também não estava em um dia dos mais tran‑ quilos devido às dúvidas que cresciam dentro dele em relação ao filho. Por isso tinha se dirigido ao serviço naquela manhã com um fir‑ me propósito: procuraria o auxílio de um amigo psicólogo que co‑ nhecia desde a sua época de adolescente. O patrão era um homem compreensível e sensível aos problemas graves de seus empregados. Compreendia que um servidor com li‑ mitações impostas por problemas pessoais não rendia tudo o que podia e, por isso mesmo, procurava escutar como amigo as queixas e, na medida do possível, colaborar para solucionar as dificuldades para ter o retorno do serviçal em plena produção. Sabedor desse caráter, Luiz pediu-lhe alguns minutos de atenção quando expôs as preocupações que lhe roubavam a tranquilidade naquela manhã, pedindo ao seu chefe uma hora para uma conversa orientadora com o psicólogo conhecido.


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Prontamente atendido e liberado para esse tempo, Luiz Flávio procurou pelo profissional que se dispôs a ouvi-lo, percebendo o estado de ansiedade do antigo conhecido. – Então é isso, Otávio. Estou com certas desconfianças em relação ao meu filho Renato sobre a questão do uso de drogas. Não comen‑ tei minhas dúvidas com Célia para não preocupá-la antes da hora. – No que fez muito bem, Luiz. Não somente para poupar a sua es‑ posa como também não fazer acusações que poderiam se mostrar in‑ fundadas em relação ao seu filho. Primeiramente, é preciso ter provas concretas de que o uso de substâncias ilícitas esteja realmente sendo feito antes de formalizar uma acusação. E outra coisa extremamente importante que gostaria que você guardasse: se houver a confirmação da suspeita, sempre se posicionar como amigo do seu filho e nunca como um acusador frio e distante. Tal atitude aproxima o traficante e distancia o filho que se sente acuado no seio da própria família. – Mas Renato tem todo o apoio meu e da mãe, Otávio! O argu‑ mento que procurou por drogas por uma carência no lar não se apli‑ ca no caso dele. – Cuidado! Está dando por certa a suspeita! Acabei de alertá-lo que as coisas não podem ocorrer dessa maneira. Primeiro tem que haver provas concretas das suspeitas. – É mesmo. Desculpe, mas a ansiedade dos pais é muito grande quando pensamos na possibilidade desse perigo. – Entendo. Mas, veja bem. A adolescência é um período pertur‑ bador na vida do jovem porque ele enfrenta vários problemas. Mu‑ danças no corpo físico. Desafios sociais. O estresse de entrar numa faculdade. De maneira que, mesmo com o apoio dos familiares, não faltam motivos para angústias nessa idade da vida. É claro que quando falta o apoio do lar, a pressão emocional aumenta e muito, tornando o jovem uma presa mais fácil das drogas e dos traficantes. – Por isso mesmo eu e Célia estamos sempre abertos ao diálogo e atentos à vida dele.


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– E fazem muito bem. Mas o jovem que esteja realmente usando, por exemplo, a maconha, apresenta mudanças em seu comporta‑ mento. Apresenta mudanças de humor; demonstra uma maior difi‑ culdade em raciocinar, em tomar decisões; a memória é prejudicada; pode se perder na conversa que esteja mantendo com os pais ou outras pessoas. – Propriamente esses dados que você está me passando eu não percebi, sinceramente. – Se ele tiver amigos aos quais tenha acesso, procurem se infor‑ mar com muito cuidado se o Renato tem se apresentado diferente do habitual. Às vezes ele apresenta essas mudanças fora do lar. – Renato não é de muitos amigos, mas poderei sondar junto aos poucos que ele leva em casa. – Sempre com muito cuidado, Luiz Flávio. Os jovens de hoje são muito inteligentes e podem perceber que estão sendo vigiados por algum motivo. O psicólogo aguardou alguns segundos e ponderou: – O importante, Luiz, é o fato dos pais conhecerem o máximo possível o filho para que possam perceber mudanças neles. O que percebo no meu consultório é a triste realidade dos pais serem sur‑ preendidos por situações de consumo de drogas ilícitas por seus fi‑ lhos que apresentaram sinais visíveis dessa triste realidade, e que não foram percebidos exatamente pelo fato desses pais não conhece‑ rem seus filhos de maneira suficiente. Isso é profundamente lamen‑ tável! Pais que não conhecem os próprios filhos, convivendo com eles no mesmo lar! Aguardou mais um pouco de tempo e retornou à conversa. – Mas até agora você não me disse o que está levando você a essa angústia de achar que Renato possa estar usando drogas. O que mais concretamente falando o levou a essa suspeita? – Um dia desses senti um cheiro estranho no quarto dele, Otávio. – Está querendo me dizer que invadiu a privacidade dele, Luiz?


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– Não. Eu passava pelo quarto dele que estava com a porta aber‑ ta. Renato tinha ido pegar uma peça de roupa na lavanderia. Foi quando senti o tal de cheiro estranho que me levantou suspeitas. O psicólogo sorriu e perguntou ao amigo: – Ficou constrangido, sem jeito, quando perguntei se estava inva‑ dindo a privacidade de seu filho? – Confesso que sim. Não gosto de invadir a privacidade de nin‑ guém, principalmente a de meu filho. – Mas isso é o correto, Luiz. Não invadir, mas entrar no quarto de Renato para dialogar com ele, orientando-o. É preciso alertar sobre os benefícios e os riscos de um computador quando ele existe e é uti‑ lizado pelo adolescente. Vão encontrar boas e más informações do outro lado da tela. Boas e perigosas companhias. Pedófilos, pessoas de mau-caráter, enfim, todo o tipo de caráter estará atrás da tela de um computador e é função dos pais mostrar isso ao filho. Entrar no quarto para um diálogo orientador não é invasão. Pode ficar tran‑ quilo. É um dever dos pais nos dias atuais. Otávio aguardou uns instantes e retornou ao assunto que estava sendo tratado antes. – Você falava do cheiro forte que sentiu no quarto de Renato. Real‑ mente a maconha tem um cheiro muito forte e inconfundível para quem já sentiu. Algumas pessoas o comparam ao cheiro de gambá. Uns o descrevem como um cheiro doce. Outras pessoas como aze‑ do. Depende da sensibilidade de cada um. Contudo, não podemos fechar um diagnóstico somente baseado nesse acontecimento. Pode‑ mos e devemos ficar alertas, mas concluir definitivamente, não. – Outra coisa, Otávio, é Renato se apresentar despenteado, sem se importar com o que veste. Hoje de manhã mesmo, praticamente se arrastou para tomar o café antes de ir para a escola. – O descaso com a própria aparência e o excesso de sono são da‑ dos a considerar para agregá-los no nosso, digamos, dossiê que es‑ tamos elaborando juntos nessa conversa, amigo Luiz.


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– Essa impossibilidade de concluir pelo sim ou pelo não é que angustia muito, Otávio! – Sem dúvida, meu amigo. Mas a dúvida não persistirá por mui‑ to tempo. Já que ela existe, precisa ser esclarecida o mais rápido possível para que Renato seja socorrido, caso essa seja realmente a realidade. – E como eu e a Célia faremos isso, meu amigo? – Peça para a mãe ficar atenta às roupas que ele usa. Muitas ve‑ zes os jovens esquecem resíduos de maconha em bolsos. Atenção ao cheiro da roupa para verificar se esse odor sugestivo da droga não está presente. Algum objeto esquecido em algum lugar da casa, tais como, cachimbos, folhas de seda, isqueiros, ou algo diferente que sugira ser algum tipo de veículo utilizado para proporcionar o consumo da droga. Observar as amizades mais recentes que possam tê-lo induzido ao consumo da maconha que me parece ser o que mais o está preocupando, como percebi. – Em resumo, Otávio, acabou a paz em meu lar! – observou Luiz Flávio em tom de desânimo. – Os desafios existem para serem vencidos, Luiz e não para nos derrotar. Continue abordando os perigos do uso de drogas quando o assunto surgir normalmente, em seu lar, sem demonstrar que ele está sendo comentado como uma forma de acusação contra seu fi‑ lho. Explique os riscos do consumo de qualquer droga ilícita e inclu‑ sive das denominadas lícitas, mas que causam grandes males como o álcool e o fumo. Tudo isso em conversa informal para não dar ideia de existir nela uma acusação velada contra ele sem as devidas pro‑ vas. Obviamente que, se comprovada a utilização de qualquer subs‑ tância nociva, a conversa deve ser mais direta e aberta, mas sempre você e a Célia se posicionando como amigos dele e nunca, simples‑ mente, como um tribunal de acusação. Isso, como já falei, distancia o filho dos pais e o aproxima do traficante e dificulta muito a recu‑ peração da vítima.


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– E o tal de olho avermelhado? É verdade que isso acontece aos usuários da maconha? – A fumaça da maconha irrita os olhos levando à cor vermelha. Mas não podemos fazer diagnóstico baseado apenas nesse dado, já que outras situações podem provocar a vermelhidão do globo ocu‑ lar, tais como, falta de sono, uso de muitas horas de computador na utilização de videogames, até mesmo uma irritação provocada por alguma enfermidade das vistas. Tudo depende de estudar com cui‑ dado a situação e ir somando ou eliminando hipóteses, meu amigo. – Otávio, meu bom amigo. Agradeço pelo seu tempo, mas preciso retornar ao meu trabalho. Meu chefe é muito compreensivo, mas não devo abusar. – Fique à vontade para me procurar, Luiz. Estou aqui sempre que puder lhe ser útil. Não só a você como a Renato também. Abraçaram-se e Luiz Flávio dirigiu-se ao trabalho com mui‑ tas informações úteis sobre o assunto. Conversaria com a esposa e montariam um esquema de vigilância necessária para esclarecer o assunto que tanto o angustiava. Não podia continuar escondendo suas suspeitas. Mal imaginava o que estava acontecendo com Célia. Principal‑ mente depois do tal telefonema que recebera depois que ele se reti‑ rou do lar em direção ao trabalho!


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capítulo 5

CONFIDÊNCIAS E SUSPEITAS

LUIZ FLÁVIO CUMPRIU suas obrigações daquela manhã após agrade‑ cer ao patrão a concessão de sua saída temporária para falar com o psicólogo. Intimamente ansiava retornar ao lar para conversar mais aber‑ tamente com Célia. Não podia manter sigilo sobre sua suspeita em relação ao filho. Necessitava da colaboração da esposa para chegar a um raciocínio mais exato sobre Renato e tomar as providências ne‑ cessárias, caso ele estivesse realmente envolvido com drogas. E isso não poderia fazer sozinho. A esposa e mãe era fundamental para desvendar a realidade e acabar de vez com aquela angústia crescen‑ te que lhe roubava a paz. O que ele não sabia era que os sentimentos dela não eram diferen‑ tes. Célia ministrou suas aulas com a honestidade de uma professo‑ ra responsável. Entretanto, alimentava o mesmo desejo de retornar ao lar para uma conversa mais franca com Luiz Flávio sobre o estra‑ nho telefonema que recebera logo pela manhã. Sem deixar de lado a referência ao material encontrado no vaso sanitário do banheiro do


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filho e que lembrava cinzas de um cigarro. Também ansiava resolver de vez aquela suspeita para que o lar retornasse à paz em que tinha vivido todos aqueles anos. Quando finalmente retornaram ao lar na hora do almoço, uma esperada atração movia-os na busca de um pelo outro. – Como foi na escola nessa manhã, meu bem? – perguntou ele para ser gentil com a esposa e afastar um pouco a angústia que o invadia. – Tive uns probleminhas antes de sair de casa hoje, mas mesmo assim consegui cumprir com os meus compromissos. E você? – Probleminhas? Mas que problemas se tudo estava bem hoje em nosso café da manhã? – Luiz! Precisamos conversar mais séria e francamente hoje à noi‑ te. Não estava tudo bem hoje pela manhã. Fingimos que estava para manter a paz de nossa casa que não desejamos seja roubada pelos problemas da vida. – Como assim, Célia? – Você estava nitidamente preocupado com o assunto sobre dro‑ gas e a possibilidade de estar envolvendo nosso filho. Sejamos fran‑ cos! Precisamos um do outro nessa ocasião. – Não nego que estava e estou preocupado com essas notícias de crimes estampadas nos jornais envolvendo vítimas e traficantes. – Não, Luiz! Sua preocupação envolve diretamente Renato. E o mesmo sinto eu depois do telefonema que recebi essa manhã antes de sair em direção ao trabalho. – Telefonema, Célia? Mas que telefonema? – Na realidade foram mais de um! – Então vamos conversar já! – Não convém. Vamos reservar o horário onde possamos dispor de tempo para raciocinar sem a interferência das nossas emoções. Vamos marcar nossa conversa para hoje mesmo à noite. Quando nos recolhermos ao nosso quarto conversaremos com mais tempo


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e poderemos raciocinar melhor sobre certas coisas, principalmente depois que eu te contar o que ouvi no telefone nessa manhã. – Agora você me deixou mais angustiado! – Não. Conheço você o suficiente para perceber que já estava an‑ gustiado quando comentou o assunto pela manhã, Luiz. A notícia que leu no jornal foi o estopim de algum problema que você me ocultou com a finalidade de me poupar. Mas não quero que carregue os problemas sozinho, meu bem. Afinal, Renato é nosso filho e de‑ vemos dividir responsabilidades e somar esforços em favor do bem dele. Concorda comigo? – Você tem toda razão, Célia. Estou realmente muito preocupado e agradeço a sua sensibilidade de perceber isso e se oferecer para re‑ solvermos juntos as questões que envolvem nossa casa e nosso filho. Conversaremos, sem dúvida nenhuma, ainda esta noite, meu bem. Abraçou a esposa e confidenciou: – Nessa manhã pedi autorização ao meu patrão que é muito sen‑ sível aos problemas dos funcionários como sempre lhe falei, e ele me liberou para que eu pudesse procurar Otávio, o meu amigo psi‑ cólogo. – E qual foi o assunto, Luiz? Com toda a certeza, se não me enga‑ no, deve ter sido sobre nosso filho. – Foi mesmo, Célia. Tive uma conversa muito útil e exatamente sobre o consumo de drogas por adolescentes e não vou mentir que não teve relação com nosso filho. Como muito bem você concluiu, a notícia que li no jornal sobre drogas não me angustiou apenas pelo crime estampado, mas pela possibilidade de podermos estar com problema semelhante dentro da nossa própria casa! – Mais um motivo para conversarmos hoje, sem falta, na hora em que nos recolhermos para nosso quarto, Luiz. – Apenas um cuidado, pelo menos por enquanto, Célia. Vamos continuar tratando Renato como sempre fizemos. À noite lhe expli‑ co o motivo.


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E antes de continuarem em direção ao almoço esperando pela chegada do filho, Luiz Flávio indagou: – Teresa, a nossa auxiliar nos serviços da casa, é discreta, Célia? – Sim, ela é. Trabalha conosco desde que Renato era bem peque‑ no. Mas por que me pergunta isso? – completou a esposa sem enten‑ der as intenções do marido. – Explicarei melhor em nossa conversa noturna, mas creio que, talvez, ela possa nos ajudar. Embora Célia não tivesse entendido a razão da pergunta e da bre‑ ve explicação dada pelo marido, beijaram-se e foram providenciar alguma coisa que faltava para o almoço já encaminhado por Teresa que prestava seus serviços para eles no lar. Renato chegou da escola e os quatro se sentaram à mesa para o al‑ moço. Luiz Flávio e Célia, embora não professassem nenhuma religião de forma mais ostensiva, entendiam que Teresa devia sentar à mesa da refeição como uma pessoa da família. Se servia ao lar, deveria participar do mesmo como um membro da casa. Isso conferia um voto a mais de confiança deles para com ela, ao mesmo tempo em que aumentava a res‑ ponsabilidade da mesma nas tarefas entregues a sua responsabilidade. Em dado momento, Célia falou muito discretamente a Renato que alguém havia ligado para ele logo pela manhã. – Para mim, mãe? E quem era? – perguntou Renato meio cons‑ trangido. – Não sei, meu filho. Não deixou o nome. Mas deve ser alguém que o conhece já que tinha o número do nosso telefone. – E não deixou o nome? Não disse se ligaria mais tarde? Ou se era para eu ligar? Renato revelava uma nítida apreensão nas perguntas que fazia. Por sua vez, Célia, inteligentemente, não descreveu a grosseria da pessoa ao telefone. Não queria espantar o filho de fornecer mais da‑ dos sobre o estranho para ela, mesmo porque não conversara com o marido ainda para trocarem melhores decisões.


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À tarde Luiz Flávio retornou ao trabalho. Cumpriu com as suas responsabilidades, mas o seu pensamento estava monopolizado pela conversa que teria à noite com a esposa. Célia ficou em casa dando andamento ao preparo de novas au‑ las para os alunos ao mesmo tempo em que corrigia nos intervalos a algumas provas aplicadas aos mesmos conforme o planejamento escolar exigia. Da mesma forma seus pensamentos se focavam na conversa que iria ter com o marido naquela mesma noite. Não permitia que seu serviço fosse prejudicado, mas não conseguia isolar a mente total‑ mente do compromisso noturno. E a noite não se fez esperar, embora os ponteiros dos relógios de Célia e Luiz Flávio parecerem se mover com maior lentidão do que o costume. A família já havia jantado, Teresa se fora em cumprimento ao seu horário de trabalho, os cônjuges se preparavam para se recolher ao quarto, não antes de observarem a conduta de Renato que demons‑ trava intenções de sair. – Vai sair, meu filho? – perguntou a mãe. – Vou à casa de um amigo conferir a resolução de uns problemas, mãe – foi a resposta evasiva à pergunta materna. – Falando sobre amigos, meu filho, tenho observado que não tem vindo nenhum deles mais a nossa casa como era de costume. Brigou com alguém, Renato? – Não, mãe. É que cada um vai seguindo a sua vida. Assim como não sou obrigado a ir a casa deles, eles também não são obrigados a vir até nossa casa. – Lógico que não, meu filho. Mas gostaríamos que conservasse as boas amizades! Elas são importantes em nossas vidas! Convi‑ de alguns deles para retornarem como antes. Teremos um grande prazer em recebê-los, não é Luiz? – disse Célia voltando-se para o marido.


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– Claro que sim, querida. Nossa casa está, como sempre esteve, aberta aos bons amigos de nosso filho. Basta ele querer. Sua mãe tem razão, Renato. Volte a convidá-los! Vamos marcar um churrasco para o fim de semana que julgar melhor, meu filho. – Está bom, pai e mãe. Vou pensar no assunto. – Pode começar por esse amigo mesmo aonde você vai indo agora conferir as lições, meu filho – colocou com perspicácia a mãe. – Tá bom, gente. Até mais – disse Renato querendo fugir ao assunto. O pai não deixou por menos: – Filho! Não demore! Sabe que ficamos preocupados enquanto você não chega! Estaremos a sua espera como sempre. – Nossa! O que deu em vocês dois? Parece até que vai me aconte‑ cer alguma coisa! – Seu pai está preocupado com a notícia que leu no jornal essa manhã, Renato, e que comentou à mesa, filho – colocou a mãe. – Se a gente for se basear nos jornais, ninguém mais sai de casa! – respondeu. – Seja como for, cuidado e volte logo, Renato. – Volto. Assim que conseguir resolver os problemas com o meu amigo. Beijou a mãe e abraçou o pai e saiu. Célia e Luiz Flávio ficaram se entreolhando com mil pensamentos assaltando-lhes a mente. Depois da saída de Renato, cada cônjuge providenciou o encerra‑ mento das atividades do dia de trabalho com um bom e prolonga‑ do banho. Logo depois estavam repousando sobre a cama de casal onde iniciaram a conversa necessária sobre o filho. Luiz Flávio foi o primeiro a falar. – E então, Célia. Fiquei preocupado quando você mencionou o telefonema da manhã antes que você saísse para o trabalho. Quem era? E de que se tratava?


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– Gostaria de poder responder às suas perguntas, Luiz. Primeira‑ mente, a pessoa foi de uma falta de educação espantosa. Depois, des‑ feriu um atrevimento e uma ameaça velada a minha pessoa quando insisti para saber exatamente o que você acabou de perguntar: quem era e o que desejava com o nosso filho. – Falta de educação, ameaça, Célia? – Sim. Não respondeu ao cumprimento que dirigi a essa pessoa desejando um bom-dia. – E depois? – Quando insisti em saber de quem e do que se tratava, me cha‑ mou de velha e que seria melhor eu não me intrometer! – Mas que atrevimento! Mas como um indivíduo desses sabia o nosso telefone, Célia? – Isso também cansei de perguntar a mim mesma, Luiz. O casal se entreolhou e concluiu quase ao mesmo tempo: – Só pode estar relacionado a Renato! Mas como se envolveu com um tipo desses, meu Deus? – disseram ambos. Um silêncio de alguns minutos se estabeleceu entre o casal, sendo quebrado pelo marido. – Célia, não quis preocupá-la antes do tempo. Mas um dia desses senti um cheiro suspeito no quarto do Renato. – Como assim “cheiro suspeito”, Luiz? Cheiro de quê? – De maconha, Célia! – Meu Deus! Então... – Calma! Não vamos tirar conclusões apressadas sobre o assunto. Me escute primeiro. O Otávio orientou que não fizéssemos acusa‑ ções sem provas. – Mas como vamos provar que dentro da nossa casa nosso filho está usando drogas? – Observando qualquer mudança dele, meu amor. Observar mui‑ to detalhadamente cada dia de Renato! Esperou mais um pouco e completou:


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– Por isso perguntei se podíamos confiar em Teresa. Ela entra no quarto dele para arrumar as coisas e poderá observar algo que nos passe despercebido, Célia. – Como assim, Luiz? Não estou entendendo! – Algum sinal de cigarro. Algum cheiro estranho como senti ou‑ tro dia. A presença de alguma coisa que sugira que Renato esteja fumando. Por exemplo, um isqueiro. Papel de seda. Alguma subs‑ tância que não existia antes. Tudo é muito importante para termos condições de chamar nosso filho para uma conversa mais objetiva e direta, Célia. Oriente a Teresa para atentar nas roupas que ele troca e coloca para lavar se existe alguma coisa estranha como cheiro ou qualquer objeto de uso pessoal não habitual. Se encontrar, peça para ela informar a gente. – Agora que você tocou nesse assunto, Luiz, lembro-me de um dia quando vi algo no vaso sanitário do quarto de Renato. Mulher tem mania de dar descarga para manter o vaso sempre o mais limpo possível. Homem, às vezes tem preguiça e não se preocupa tanto com isso. Foi numa ocasião dessas que me pareceu ter visto algo semelhante a cinza de cigarro. Não tive certeza porque não estou acostumada a isso. – Por que não comentou nada comigo, Célia? – Primeiro porque não tinha certeza do que tinha visto. Segundo que não me passou pela cabeça essa possibilidade de nosso filho estar consumindo drogas! – Por isso temos que montar esse esquema de observação mais apurado e não deixar passar nada sem uma resposta, querida. Pro‑ cure pensar numa maneira de contar com a Teresa sem que ela per‑ ceba exatamente o motivo de estarmos pedindo a colaboração dela. Não vamos alarmar sem provas. – E quanto à pessoa do telefonema, Luiz? Como vamos descobrir quem ligou, o que realmente desejava, quem era essa pessoa? Meu Deus! São tantas dúvidas que acabo me perdendo!


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– Não precisa se preocupar porque, segundo penso, se ti‑ ver alguma coisa a ver com essas malditas drogas, ele irá ligar de novo. – Mas será que vai ter esse atrevimento, Luiz? – Tem esse e muitos outros que não somos sequer capazes de ima‑ ginar, meu bem! Lembra-se da notícia do jornal dessa manhã que anunciava mais um crime em nome dessas lamentáveis substâncias ilícitas, Célia? Esperou mais um pouco abraçado à esposa para acalmá-la. De‑ pois comentou: – O mais imediato é montarmos nossa observação mais detalha‑ da sobre a conduta de Renato que as coisas se sucederão trazen‑ do-nos explicações, caso ele esteja realmente envolvido com o uso dessas substâncias. – Estou muito preocupada, Luiz! – disse Célia apertando o mari‑ do contra seu corpo como um pedido de socorro. – Devemos estar vigilantes, meu amor! Se caso se confirmar nos‑ sas suspeitas, vamos agir como mais amigos ainda do que temos sido de nosso filho. O importante é não nos tornarmos acusadores! Montarmos um tribunal de julgamentos! Não! Essa tática é extre‑ mamente errada e atira os jovens ainda mais nas mãos desses infeli‑ zes que traficam as drogas julgando que serão felizes com a desgra‑ ça alheia! Apertou a esposa entre os braços e se dispuseram a aguardar pela volta do filho. Quem sabe se não encontrariam mais dados nessa saída noturna de Renato? Assim que escutaram o filho adentrando o lar, os corações de am‑ bos se aquietaram um pouco mais. Aguardaram pelo “boa-noite” do filho antes de adormecerem. Cerca de meia hora depois Renato bateu à porta do quarto dos pais após verificar que a luz estava acesa pela fresta que permitia a irradiação da mesma pela parte inferior.


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– Entre, meu filho! Eu e seu pai estávamos aguardando seu retor‑ no para que pudéssemos dormir em paz por sabê-lo na segurança de nosso lar. O jovem entrou meio acanhado como não era do seu feitio. – Vem cá, filhão! Dê-nos um abraço! – colocou o pai. Renato abraçou o pai e beijou a mãe que lhe deu um abraço bem apertado como se quisesse guardar aquele tesouro que a vida lhe dera em um local bem seguro. – Resolveu seus problemas da escola com o amigo, filho? – per‑ guntou Luiz Flávio. – Ah! Sim, pai – respondeu meio titubeante e mecanicamen‑ te Renato. – E convidou esse seu amigo para vir até a nossa casa para um churrasco no final de semana? – Acabei me esquecendo, pai! Os problemas estavam difíceis de entendermos e encontrarmos solução – respondeu evasivamente. Renato afastou-se de perto da cama como quem não desejasse mais continuar qualquer tipo de conversa. – Vá descansar, meu filho! Mas antes me dê mais um abraço bem forte! – disse-lhe a mãe tornando a apertá-lo entre os braços e pas‑ sando-lhe as mãos por entre os cabelos úmidos. Assim que o jovem deixou o quarto, Célia comentou com o mari‑ do em tom preocupado: – Luiz. Renato tomou banho antes de vir até nosso quarto! Seus cabelos estavam umedecidos! – E o que tem isso, Célia? – Ele já havia tomado banho pouco tempo antes de jantar e sair de casa!... Apagaram a luz do quarto, mas não conseguiram apagar os pen‑ samentos que mais aquela observação de Célia havia percebido.


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capítulo 6

NOVAS EVIDÊNCIAS

O DIA AMANHECEU trazendo até cada um dos componentes daquele lar as suas obrigações de rotina. Luiz, após ter auxiliado a esposa no preparo para a mesa do café da manhã, folheava rapidamente o jornal com o pensamento na úl‑ tima observação da esposa de que o filho tinha tomado banho antes de ir se despedir para mais uma noite de sono. “Célia tinha razão! Se o jovem tinha tomado banho poucas ho‑ ras antes do jantar, por que tinha repetido o ato após chegar da rua e vir ao quarto para suas despedidas da noite? Será que procurava disfarçar o cheiro forte da... Não! Não devia e nem forçaria o racio‑ cínio! ‘Cuidado’, como recomendara Otávio, no levantamento das evidências para não fazer uma acusação sem fundamento contra o filho!” – pensava ele enquanto virava mecanicamente as páginas do jornal. Aliás, o sono naquele lar parecia que cada vez se fazia mais au‑ sente. Sentaram-se à mesa, serviram-se do café da manhã e Renato e o pai partiram em direção aos seus destinos habituais.


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Célia entraria um pouco mais tarde naquele dia e aproveitou para esperar por Teresa e conversar mais tranquilamente com ela. “Quantos mais dados fossem levantados e o mais precoce que isso acontecesse, tanto melhor. Ficariam livres das suspeitas sobre o fi‑ lho ou agiriam mais urgentemente caso se confirmasse a utilização das drogas pelo rapaz” – pensava ela enquanto se movimentava pela residência. Ouviu a chave girar na fechadura da porta da cozinha por onde Teresa sempre entrava e dirigiu-se para aquele cômodo da casa, já que estava na sala arrumando algumas coisas deixadas fora de lugar por Renato, quando chegara na noite anterior. Antes, porém, que atingisse a porta por onde entrava a auxiliar nos serviços da casa, o telefone tocou. O coração de Célia bateu mais rápido no peito! “Horário semelhante ao do telefonema de ontem pela ma‑ nhã! – pensou ao consultar o relógio. Seria a pessoa agressiva e mal-educada a estragar seu dia como acontecera no dia an‑ terior?!” Mas a resposta só a teria se atendesse ao chamado que insistia mesmo depois de ter desligado uma vez. Aproximou-se do aparelho e o levou até um dos ouvidos. – Alô? A mesma voz rouca, seca e agressiva respondeu do outro lado da linha telefônica: – Quero falar com o Renato! Controlando sua indignação e estado de nervos, Célia conseguiu falar demonstrando tranquilidade: – Bom dia! Quem deseja falar com ele, por favor? – Um conhecido, um amigo, dê o nome que quiser, mas chame rápido o rapaz! – Se alguém deseja falar com meu filho, esse “alguém” deve ter um nome. Você ou o senhor poderia me dizer quem é?


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– Já te avisei ontem, “dona”! Não intromete seu nariz onde não deve! Vai chamar ou não vai? Ou prefere que eu encontre seu filho nas ruas da cidade longe da “mamãe”? – e riu do outro lado da linha a pessoa não identificada, grosseira e, por certo, não muito bem-in‑ tencionada, já que não se identificava. – Meu filho não está, seu grosseiro! Não teve mãe para lhe dar educação? – perguntou Célia irritada com tanta falta de educação, perdendo a tranquilidade. – Fica na tua, velhota! Vai ser melhor pra você e pro seu filhinho – foi o que ouviu seguido de outra gargalhada do estranho que tornou a desligar o telefone sem mais conversas. Nisso Teresa já tinha entrado na sala quando escutou o tom de conversa da patroa. Observou: – Nossa, dona Célia! A senhora está transtornada! Aconteceu al‑ guma coisa com o Renato? Parece que era alguém que falava sobre ele ao telefone pelas suas respostas! Célia procurou se acalmar para conversar cautelosa com Teresa. – Teresa, você trabalha há anos nessa casa e já a consideramos como da família, não é assim? – É, sim, senhora! Por que, fiz alguma coisa de errado, dona Cé‑ lia?! – Não, minha amiga. Não fez nada de errado. É que eu e o Luiz Flávio estamos tendo uma preocupação muito grande com o Renato que você conhece desde criança. – Aconteceu alguma coisa com o menino, dona Célia?! – Olha, Teresa. Ainda não sabemos ao certo o que está acontecen‑ do, mas precisamos muito da sua ajuda! – Credo! A senhora está me deixando assustada! – Mas não precisa ficar. Vou me acalmar para conversar me‑ lhor com você para que possa entender onde pode nos aju‑ dar muito.


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Passou as mãos pelos cabelos, puxou uma cadeira da cozinha e sentou-se ao lado de Teresa. – O Renato – iniciou a conversa Célia – tem se apresentado meio diferente ultimamente. Até mesmo estranho, eu diria. Levanta mal arrumado, mal penteia os cabelos, não tem ligado muito para a roupa que escolhe para sair e isso tem deixado a mim e a Luiz preo‑ cupados porque ele não era desse jeito, você me entende? – Eu acho que sim, dona Célia. Até deu pra fumar! – Fumar? Como assim, Teresa? – Dia desses, não é que eu achei uma binga no quarto dele? – Uma “binga”? Mas o que é isso, Teresa? – Binga é um desses isqueiros antigos, dona Célia. Desses que o pessoal mais velho costumava usar para acender cigarro de palha! – E por que não me avisou, minha amiga?! – Não deu tempo! Eu acho que o Renato saiu de uma das aulas e voltou correndo atrás da binga. Entrou correndo pela casa, procurou no quarto e depois me procurou na área de serviço onde eu colocava umas peças de roupas pra lavar na máquina. – E o que ele te disse sobre essa tal de “binga”, Teresa? – Perguntou-me sobre ela e disse que tinha vindo buscar porque era de um amigo lá da escola e ele tinha que devolver o mais rápi‑ do possível. – Mas se era do amigo, por que trouxe essa “coisa” para nossa casa, meu Deus! Aqui ninguém fuma! – Também pensei nisso, dona Célia. O que esse menino tá fazen‑ do com esse negócio no quarto dele? Será que tá fumando escondido dos pais? eu pensei. – Pois então, Teresa! Entendeu por que precisamos da sua ajuda, minha amiga? – Agora entendi por que a senhora tá preocupada! – Tudo que você vir de diferente no quarto ou nas roupas dele, você me avisa, está bom? Tudo, Teresa! Mesmo que você


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julgue não ter nenhuma importância, você me avisa. Posso contar com você? – Claro que sim! A senhora tá cuidando do seu filho que eu co‑ nheço desde pequeno. Tudo que eu puder fazer para ajudar, pode contar comigo! – Que bom, Teresa! E Deus lhe pague pela sua ajuda valiosa! – Era o dono da binga que ligou para a senhora? – perguntou a serviçal ingenuamente. – Não sei dizer, Teresa. A pessoa não quis dar o nome! Foi grossei‑ ra! Nem ao bom-dia que desejei, retribuiu! – Acho que eu sei por quê! – Sabe? – Lógico. Deve ser o dono da binga que sabendo que fez coisa errada, tava com vergonha de conversar com a senhora! Célia sorriu do raciocínio ingênuo da serviçal. Abraçou‑ -a comentando: – Vai ver que sim, Teresa. Vai ver que sim... Teresa correspondeu ao abraço afetuoso da patroa e dirigiu-se para arrumar as louças e talheres da cozinha. Voltou-se para Célia que buscava na sala o material que tinha que levar para administrar suas aulas naquele dia, observando: – Ah! Dona Célia! Sabe aquele papel que as crianças usam para fazer pipas e empiná-las nas ruas? – Sei sim, Teresa. É papel chamado de impermeável. – Deve ser esse mesmo. – Mas o que tem esse papel? Por que se lembrou dele, mi‑ nha amiga? – É que vi vários papéis desse tipo rasgado em tiras mais ou me‑ nos finas na gaveta da mesa da escrivaninha de Renato. – Engraçado, Teresa! Renato já passou da época de se interessar por pipas! Não tenho ideia do que essas tiras de papel impermeável faziam na escrivaninha dele.


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– Só falei porque a senhora pediu para observar tudo que fosse diferente no quarto do menino. Como nunca vi esse tal de papel por lá antes, estou contando para senhora. – E fez muito bem, Teresa. Continue assim. Observe e me passe qualquer novidade que observar. Célia não entendeu o que esse material podia significar, mas ficou com a notícia do encontro desse tipo de papel remoendo em sua mente. Pegou o material didático que necessitava para suas aulas naquele dia e dirigiu-se à escola. “Algum dos colegas saberia dizer o que um rapaz que não está fa‑ zendo uma pipa poderia estar fazendo com esse papel impermeável!” Cumpriu seu dever de professora durante as primeiras aulas da manhã não permitindo que suas preocupações pessoais interferis‑ sem em seu desempenho dentro da sala de aula. No intervalo, reunida na sala com os demais professores, resol‑ veu lançar a dúvida entre os colegas. – Pessoal! Alguém sabe por que os jovens utilizam o papel imper‑ meável além de fazer suas pipas com ele? – Ora, Célia! Por que pergunta isso? Por acaso está interessada em fazer um “baseado”? – disse um dos professores rindo muito. – “Baseado”? Do que você está falando, colega? Nem sei o que é isso! – Célia, “baseado” é um material que faz as pessoas voarem como as pipas! – respondeu o mesmo colega sempre rindo dela. – Continuo não entendendo nada do que está dizendo – respon‑ deu sem entender realmente a comparação entre o tal de “baseado” e a pipa. – Ora, professora! “Baseado” é um cigarro de maconha, minha amiga. Certas pessoas usam o papel impermeável para recheá-lo com maconha que depois enrolam e transformam em um cigarro. E aí é só dar umas tragadas para voar como a pipa, minha amiga – continuou sempre a rir o colega do grupo.


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Célia balançou em suas emoções! “Então poderia ser esse o motivo pelo qual Teresa encontrou as tiras de papel cortadas na escrivaninha do Renato! Meu Deus! Tudo caminhava para indicar fortes indícios de que o filho estaria real‑ mente envolvido com drogas!”, remoía ela em seu interior agitado por fortes preocupações. – O que foi, Célia? Me parece que as observações do nosso colega abalaram você! – manifestou-se Luíza, a senhora espírita que tam‑ bém lecionava na mesma escola. – Se precisar alguém para conver‑ sar, saiba que estou a sua disposição. – Ah! Obrigada, Luíza. Acho que vou precisar muito mesmo! A propósito: você tem pedido pelo meu lar lá no seu centro? – Apesar de não ser “meu” centro, Célia, tenho pedido sim. Mas ainda insisto com você naquela mesma posição da nossa conversa anterior de que deveria comparecer por lá para observar como o socorro do mundo espiritual existe realmente. Ficar falando de lon‑ ge sem a pessoa ver, não conseguimos transmitir como os espíritos amigos nos auxiliam. Além do socorro, ouvimos as explicações para as dificuldades da vida que visitam a todos nós, minha amiga. – Creio que no meu caso estou mesmo, Luíza. As coisas lá em casa com o Renato estão começando a complicar. – Volto a me colocar a sua disposição para qualquer conversa a hora que você precisar, Célia. Sabe que pode contar comigo. E com os espí‑ ritos amigos também. Eles estão sempre dispostos a nos socorrer quan‑ do aceitamos a ajuda deles. Pense na possibilidade de irmos ao centro qualquer dia desses. Vai fazer muito bem a você e a toda família. “É! Estamos precisando mesmo! Restos de cigarro no vaso sani‑ tário! Essa tal de ‘binga’ encontrada por Teresa! Agora o papel im‑ permeável, além do mal-educado ligando em minha casa atrás do Renato! Acho que são problemas que só os espíritos da Luíza vão con‑ seguir ajudar” – pensava consigo mesmo Célia enquanto se dirigia para a sala de aula em cumprimento da jornada matutina na escola.


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capítulo 7

A SITUAÇÃO SE DEFINE

NAQUELA MANHÃ, APÓS a conversa na sala dos professores com os colegas, Célia desejava com grande angústia chegar em casa para informar ao marido as observações recolhidas naquele início de dia que se apresentava de maus presságios. As informações de Teresa, o telefonema anônimo mal-educado que tornou a se repetir, a explicação sobre o possível uso do papel impermeável por um dos colegas da escola, enfim, as notícias acena‑ vam com um resultado desanimador. Célia sentia falta do refúgio do lar que deve ser na Terra um lugar de refazimento, de trocas de ideias, de consolo mútuo para o devido enfrentamento das lutas da existência. Infelizmente, muitos lares se transformam em verdadeiras praças de guerra tornando a travessia terrestre ainda mais difícil. Entretanto, ela agradecia a Deus o ambiente do lar junto a Luiz Flávio, o companheiro amigo e seguro nos embates da existência. Abriria seu coração relatando os apontamentos infelizes descober‑


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tos naquela manhã por indicarem em direção à situação de intran‑ quilidade junto ao filho adolescente. Não se esquecera igualmente do oferecimento da amiga Luíza que frequentava a religião espírita. Também procuraria ajuda dela em ocasião propícia. Ouvira falar de muitas pessoas que tinham recebido ajuda em momentos de dificuldade junto àquela estranha religião para ela. Se era estranha, contudo os comentários eram sem‑ pre positivos em termos do auxílio que as pessoas que a buscavam recebiam nos chamados “centros espíritas”. “Por que centro espírita?” – perguntava-se. “Teria aquele local alguma coisa que atraía os mortos?” – pensou com um arrepio a percorrer-lhe todo o corpo. “No devido tempo descobriria. O importante era buscar ajuda para resolver o problema de Renato!” – continuava a meditar en‑ quanto colocava seu automóvel na garagem da casa. Luiz Flávio, estranhamente, já havia chegado antes dela. “Por que razão saíra antes do emprego? Teria tido algum pro‑ blema de saúde? Também, com as preocupações que estavam vi‑ vendo não seria de estranhar se algum mal-estar o tivesse viti‑ mado, o que teria obrigado o seu retorno mais cedo para o lar” – perdia-se em cogitações enquanto se dirigia ansiosa para o in‑ terior da casa. Abriu a porta da sala e viu o marido sentado em um dos sofás. Ele a recebeu com um sorriso. Entretanto, aquele sorriso não era o habitual. “Alguma coisa aconteceu!” – pensou ela rapidamente enquanto se aproximava para o abraço e o beijo costumeiros. A pergunta se fez inevitável: – O que aconteceu, amor? Geralmente chega sempre depois de mim! – Pois é! Hoje dei uma antecipada no meu horário. Queria con‑ versar com você antes da chegada de Renato.


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– Descobriu mais alguma coisa sobre ele? Para mim foi um dia de descobertas desagradáveis, como irei te contar. – Então fale primeiro, assim você se acalma mais para continuar‑ mos a conversa. Onde está Teresa? – perguntou ele com a preocupa‑ ção de que ela não escutasse a conversa dos dois. – Não precisa se preocupar com ela, Luiz. Conversei com Teresa esta manhã e, com muito jeito para não sinalizar o motivo do pe‑ dido, pedi a ajuda dela para que nos revele qualquer mudança em Renato que venha a perceber ou já tenha percebido. – E daí? Houve alguma observação por parte dela? – Infelizmente, sim, Luiz. E não foram boas. Dito isso, Célia passou a narrar ao marido o encontro da binga, das pequenas tiras de papel impermeável na gaveta do rapaz. Relatou também o novo telefonema da pessoa mal-educada à procura de Renato. – De tal forma que não precisamos nos preocupar muito com Te‑ resa porque ela já é nossa aliada. Evidentemente que, por enquanto, não iremos entrar em detalhes com ela. Infelizmente, o ser humano não consegue, muitas vezes, guardar segredo de problemas delica‑ dos que incidem sobre a vida alheia. Teresa é um ser humano normal como nós. Por isso, a princípio, não vamos revelar a natureza real e total do problema que nos preocupa. Conforme as coisas transcor‑ rerem, iremos analisando o que devemos ou não devemos falar com ela. Pode ficar tranquilo que ela não possui o mau hábito de ouvir pelos cantos da casa ou atrás das portas. Aguardou um pouco e indagou do marido: – E sua manhã, como foi em relação a novas descobertas que in‑ teressem a Renato? Seu retorno mais cedo do trabalho tem alguma coisa a ver com isso, pelo que deduzo. – Tem razão, Célia. Hoje quando saí em direção ao trabalho resol‑ vi dar uma de detetive. – Como assim?


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– Não sei bem por que, mas resolvi aguardar a saída de Renato em direção à escola e resolvi segui-lo de carro para ver se encontrava mais alguma pista. – E aconteceu algo? Diga logo! – perguntou ansiosa a esposa. – Acho que conheci o sem educação que liga para nossa casa! – Não estou entendendo, Luiz! Seja mais claro! – Vou ser. Renato desceu do ônibus uns quarteirões antes da escola, o que estranhei. Assim que desceu, um sujeito de má apa‑ rência se aproximou dele e passou algo ao nosso filho que não pude ver do que se tratava. Em seguida, Renato deu algum di‑ nheiro a ele. – Meu Deus! Renato estava comprando drogas? – Ao que tudo indica, Célia, infelizmente sim! – Mas onde irá consumir essa substância? – Teremos que ficar atentos. Não creio que correrá o risco de con‑ sumir dentro da nossa casa. Mas hoje é um dia ideal para observá-lo muito bem a partir do momento em que chegar. Vamos procurar arrumar mais alguma prova que somadas às informações de Teresa nos permitam chamá-lo para uma conversa. Se não tivermos dados suficientes ele irá se esquivar. E depois que souber que descobrimos, procurará inventar desculpas. Vamos coletar tudo antes que ele ve‑ nha a saber. Creio, porém, que hoje teremos as pistas que fecharão a hipótese de que nosso filho está envolvido com drogas ilícitas, Célia. Portanto, muita atenção a partir do momento da chegada dele. Das atitudes que apresentar. De qualquer mudança de comportamento. Como ele comprou a substância esta manhã, as chances de conse‑ guirmos mais provas será mais fácil. Célia abraçou-se ao marido, murmurando: – Sabe Deus o que iremos passar em consequência dessa atitude de Renato, Luiz Flávio! – A luta não será fácil, meu bem. Mas unidos conseguiremos ven‑ cer, você verá.


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Célia aguardou mais um pouco de tempo abraçada ao marido e modificou a conversa: – Sabe a Luíza que leciona comigo na escola? – Sim. Já a vi algumas vezes ao ir buscar você na escola quando seu carro estava no conserto, Célia. – Não sei se comentei com você, mas ela vai a um “centro” dos espíritas, você já ouviu falar dessa religião? – Já sim. Inclusive onde trabalho tem alguns colegas que também frequentam esse tal de “centro”. – E o que você acha? – Do quê, Célia? – Dessa religião. – Não sei. Não conheço nada! A única coisa que escuto de lon‑ ge dizer é que eles vivem procurando ajudar os outros de algu‑ ma maneira. – Pois então! Vou pedir a ajuda de Luíza para nosso filho. – Mas vai falar com ela sobre o problema? Não falou que o ser humano não consegue guardar segredo? Se começar a fa‑ lar pra esse e aquele, o negócio vai virar um incêndio difícil de controlar! – Com Luíza tenho a certeza de que não será assim. Ela saberá guardar segredo e ajudar em tudo o que for possível, Luiz. Nisso a porta da sala se abriu e Renato entrou. – Oi, pai! Olá, mãe! – Vamos almoçar, filho? Só estávamos esperando você chegar. – Já desço já, mãe. Tá muito calor e vou tomar um banho antes. Célia e Luiz Flávio se entreolharam admirados da atitude do filho em tomar banho naquela hora do dia. Não era uma atitude que fazia parte da rotina do moço. Sem que pronunciasse nenhuma frase, o casal observou Renato subindo as escadas que levava ao andar superior da residência onde se localizavam os quartos com os respectivos banheiros.


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Entretanto, se pudéssemos ler os pensamentos de cada um dos progenitores, encontraríamos a frase: “Aí tem coisa!” Célia aproveitou a ausência do filho e chamou Teresa. – Teresa, Renato subiu para tomar um banho devido ao calor. Pro‑ cure colocar as roupas dele logo para lavar porque assim fica mais fácil a limpeza, minha amiga. E antes que a servidora da casa se afastasse, Célia completou: – E não se esqueça, por favor, daquela nossa conversa pela manhã quando você chegou! Precisamos muito da sua aju‑ da, Teresa! – Pode deixar, dona Célia. Estarei atenta! Qualquer novidade eu aviso a senhora. Passados alguns minutos, Renato desceu para a refeição do almo‑ ço, ocasião em que estavam acostumados, o casal e o filho, a conver‑ sar sobre a manhã de cada um. – E aí, filho? Como foram as aulas hoje? – perguntou a mãe. – Como sempre. Alguns professores explicam bem, outros nem tanto. E antes que a atenção continuasse na pessoa dele, Renato observou: – E você, pai? Geralmente é o último a chegar de nós três. Voltou mais cedo hoje? – Cheguei sim. Até mesmo antes da sua mãe. – Mas por quê? Teve algum problema no trabalho? Passou mal ou alguma coisa parecida? – Precisei tratar de um assunto mais urgente e pedi ao meu patrão para sair antes, meu filho. Com a autorização dele acabei chegando mais cedo de fato. – Nossa! E que problema urgente foi esse? – Sua mãe anda recebendo uns telefonemas de pessoa muito mal‑ -educada aqui em casa! Não sei se você está sabendo. O rapaz se ajeitou na cadeira antes de responder. – Não sei de nada não, pai. Mas quem está ligando para casa?


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– É o que pretendo descobrir. Por isso saí mais cedo do servi‑ ço hoje. A inquietação do rapaz aumentou onde estava sentado. – Tem ideia de quem poderia ser, Renato? – perguntou-lhe o pai. – Eu? Ora, por que eu teria se nem em casa fico de manhã? E antes que a conversa prosseguisse o jovem argumentou: – Bem! Vou retornar à casa do meu amigo de ontem à noite para acabarmos de estudar. – Mas nem acabou direito sua refeição, meu filho! – observou a mãe. – Na janta como melhor para compensar o almoço, mãe. Agora estou com pressa. – Mas, Renato... – Deixe ele ir, Célia. À noite ele janta melhor – colocou Luiz Flávio. Rapidamente o rapaz se afastou da mesa e da presença dos pais. Enquanto isso Teresa se aproximou. – Dona Célia? – Fale, Teresa. A senhora olhou para Luiz como se estivesse na dúvida sobre fa‑ lar alguma coisa na presença dele. Célia percebeu o vacilo e corrigiu: – O Luiz está sabendo da sua colaboração em favor de Renato, minha amiga. Pode falar. – A camisa de Renato estava com um cheiro forte, estranho! – De suor, Teresa? Ele disse que transpirou muito devido ao calor. – Não, senhora. É um cheiro diferente! – Traga a camisa para que eu dê uma olhada, Teresa! Por favor! – pediu Luiz Flávio. A serviçal retornou rápido com a peça de roupa entregando-a ao patrão. Luiz cheirou a camisa. “Não tinha dúvidas! O cheiro era o mesmo que sentira, por acaso, no quarto do filho dias atrás!” – rapidamente deduziu o pai.


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Célia aguardou com o olhar angustiado pelas palavras do marido. – E então, Luiz?! – É o mesmo cheiro do quarto, Célia! Não tenho dúvidas. – Então... Antes que terminasse a sua conclusão, Teresa voltou a observar: – Dentro de uma das meias que ele também trocou tinha essa “bituca” de cigarro! – “Bituca” de cigarro? – exclamou Célia. – Célia! Vamos ter que conversar com nosso filho! Já não tenho mais dúvidas. O quebra-cabeça está muito evidente!... – Quer dizer então... – Sim, Célia! É isso mesmo que está pensando! A luta em favor de Renato vai começar! – concluiu o marido.


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capítulo 8

A CONVERSA

É POSSÍVEL IMAGINAR o estado emocional com o qual os pais de Re‑ nato aguardaram os minutos daquela tarde em direção às horas da noite para uma conversa franca com o filho. Aguardaram o transcorrer do jantar onde mantiveram a conversa costumeira. Assim que a mãe recolheu os pratos e talheres da mesa, com o auxílio do marido, depositando-os sobre a pia da cozinha para a devida ação de limpeza, Renato mostrou disposição de sair novamente naquela noite como vinha fazendo há pouco tempo, con‑ duta essa não condizente com o habitual do rapaz. O pai interceptou a atitude do filho. – Renato, eu e sua mãe precisamos muito conversar com você, meu filho. – O que foi, pai? Aconteceu alguma coisa? Alguém está doente? – Não acha normal que os pais conversem com o filho, Renato? Sempre fizemos isso, lembra-se? – Sim, é claro! Mas parece que o senhor está mais formal nes‑ ta noite!


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Luiz Flávio passou as mãos por sobre os ombros do filho e a mãe envolveu-o com um dos braços pela cintura conduzindo-o até as poltronas confortáveis da sala. – Isso é um convite ou uma condução coercitiva? – disse o moço em tom de brincadeira. – Isso são os laços do amor, meu filho – respondeu a mãe. Acomodaram-se os três em poltronas próximas e Luiz iniciou a conversa: – Filho, eu e a sua mãe também fomos adolescentes um dia. Já passamos por essa fase da vida com todas as mudanças que ela pro‑ move no corpo e, principalmente, nas emoções dos jovens. Nesse período muitas dúvidas nos visitam. Outras vezes são inseguran‑ ças perante o futuro, especialmente em um mundo que cada vez mais se apresenta de extrema competição. Ao mesmo tempo, se nos apresenta a nossa inserção na sociedade de uma maneira mais indi‑ vidual, ou seja, por si mesmo, longe da presença dos pais que ficam em casa torcendo sempre pelo sucesso do filho que amam. – Pai, por que todo esse discurso? Por que não vai ao ponto dessa conversa que eu ainda não entendi aonde quer chegar? – Você me viu preocupado dias atrás com a notícia do jornal quando li sobre o crime provocado pelas drogas. Renato procurou manter o semblante natural, mas não conseguiu de maneira plena. O seu ar de segurança até então sofreu um peque‑ no abalo, apesar da luta para permanecer longe do assunto específi‑ co das drogas. – O senhor é muito preocupado com as coisas que acontecem aos outros, pai! Aliás, não só o senhor como a mamãe também. – Se você me acha preocupado com o assunto que afeta as outras pessoas, imagine quando esse assunto atinge alguém aqui de casa! – respondeu Luiz. – E quem está sendo atingido e pelo quê, pai? – procurou disfar‑ çar mais uma vez.


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– Você, meu filho, a quem amamos tanto! – Confesso que não entendo! – afirmou Renato, embora já de‑ monstrando muita preocupação. – Gostaria que fosse franco conosco, filho! O que você encontra na maconha que não encontra dentro de nosso lar? – Que é isso, pai?! Então o senhor acha que eu estou usando dro‑ ga? É por isso toda essa encenação?! – Renato, não precisa negar a realidade aos seus pais. A nossa intenção não é julgá-lo, não é criticá-lo, mas apenas dizer-lhe que estamos aqui ao seu lado para que entenda que drogas são estados de ilusão em que uma pessoa mergulha e que não muda a realidade, meu filho! – Mas eu não estou usando maconha! – Renato, não queremos confronto, não queremos guerra, que‑ remos apenas que saiba o quanto te amamos e estamos ao seu lado para que largue esse vício o quanto antes, meu filho! Não se deixe enganar pelos falsos amigos que o tenham convidado para o uso dessa substância, Renato! Talvez não tenham pais ao lado deles! Muito menos se deixe enganar por aqueles que vendem essa infelici‑ dade que não resolve absolutamente nada. Pelo contrário. Complica cada vez mais a vida, meu filho. – Mas eu já disse! Não estou usando maconha nem nada! – Renato, sabe por que cheguei antes do emprego hoje pela ma‑ nhã como bem observou? O moço não respondeu. Percebeu que a situação não estava nem um pouco favorável a ele. – Temos reparado em várias mudanças suas, meu filho. Suas no‑ tas na escola têm piorado e você era um bom aluno. Está desleixado com a sua aparência. Essas suas saídas para casa de “amigos” que nunca vêm visitá-lo como acontecia antes. Os telefonemas agressivos que sua mãe tem recebido de desconhecido a sua procura. Cheiro es‑ tranho que senti em seu quarto um dia em que largou a porta aberta.


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– O senhor está invadindo a minha privacidade, pai? – Não, Renato. Apenas passei por acaso em frente ao seu quarto e senti o aroma intenso e estranho que não é da rotina em nossa casa. Invade-se a privacidade quando não nos importamos com a pessoa, o que não é nossa atitude em relação a você, Renato! Essa conversa franca e amiga, por exemplo, não é uma invasão da sua privacidade, mas o amor pela sua pessoa que se apresenta para auxiliar da forma que for necessária. O rapaz se calou. Luiz Flávio continuou: – Em virtude dessas mudanças e desses acontecimentos estra‑ nhos, resolvi observá-lo na manhã de hoje enquanto se dirigia de ônibus para a sua escola. – O senhor está dizendo que me seguiu como se eu fosse um ban‑ dido, pai? – tentou chantagear para sair da situação desagradável em que se encontrava. – Segui meu filho a quem amo e cuja responsabilidade de orientar e ser a mão amiga em qualquer situação minha consciência cobra. A mim e a sua mãe, Renato. – E daí? – indagou seco o rapaz. – Vi perfeitamente quando desceu do ônibus antes do ponto pró‑ ximo da escola e encontrou-se com um indivíduo estranho. Talvez o mesmo que tem tido a ousadia e a falta de educação para agredir sua mãe pelo telefone. – E o que isso prova? – tentava ainda fugir à realidade da conversa. – Vi muito bem quando esse estranho que só deseja o seu mal passou algo às suas mãos enquanto você estendia na direção dele algum dinheiro, Renato! O que você acha que um pai preocupado com o filho vai concluir dessa atitude bastante clara? – Eu não quero continuar essa conversa! – disse levantando-se bruscamente de onde estava sentado. – Meu filho, se acredita que eu e seu pai o amamos e só queremos auxiliar e não criticar ou julgar, permaneça para continuarmos nos‑


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sa conversa, Renato. Levantar e fugir ao diálogo não é a solução. É fugir de encontrarmos uma saída benéfica para você e para nós que o amamos tanto, meu filho. Diante das colocações maternas, o moço voltou a sentar-se. – Todos nós nos equivocamos na vida, Renato! – continuou ela. Não pense você que depois de adultos eu e seu pai não erramos mais. Erramos sim e continuaremos a nos equivocar até o final de nossa existência. Não existe ser humano perfeito! Por isso entendemos que você tenha se aproximado dessa droga por uma curiosidade própria da sua idade ou por convites de amigos da sua relação. O motivo não importa. O que vem ao caso é nos unirmos para que você enxer‑ gue a realidade e se afaste em tempo dessa situação, Renato! Além do nosso apoio irrestrito, também o levaremos a psicólogo ou a um médico para que entenda os perigos a que se expõe. Você e outros jovens que talvez não encontrem no lar o amparo que estamos lhe oferecendo. Eu gostaria de ter alguém que me alertasse nas ocasiões em que vou realizar escolhas erradas ou enganosas. Infelizmente seus avós já se foram para a outra vida, Renato. Conto agora aqui na Terra com o apoio seu e do seu pai nas minhas escolhas. Preciso da ajuda de vocês dois e não me envergonho disso, filho! Deixe que a gente cumpra a nossa missão como pais aqui neste mundo ajudando a você da forma que for preciso para que se veja livre desse vício! – Vocês falam da maconha como se fosse um veneno aceso na boca de quem uma vez ou outra resolve provar por curiosidade um cigarro desse tipo. Luiz Flávio e Célia, sem demonstrarem, respiraram mais alivia‑ dos. Afinal, num ato falho, o filho havia confessado o que o estranho na rua lhe passara às mãos como o pai havia visto! Infelizmente era a maldita droga que infelicitava a tantos jovens! A maconha! Não fizeram alarde sobre esse fato do filho ter revelado o que recebera das mãos daquele estranho. Desejavam continuar o diálogo e o au‑ xílio em favor de Renato e alguma menção ao descuido da parte dele


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revelando a droga que comprara, poderia exacerbar o orgulho e a vaidade do filho irritando-o e dificultando a continuação da conver‑ sa. A primeira batalha havia sido ganha, que era a não persistência na negação do uso da droga. Animaram-se e procuraram transmitir mais informações ao filho. Principalmente tomaram o cuidado de continuar conversando como se Renato não tivesse cometido o des‑ cuido em mencionar a droga ilícita que adquirira. – É isso mesmo, filho! Estamos do seu lado exatamente para aler‑ tá-lo de que a curiosidade pode levar ao vício! Se entender os efeitos nocivos dessa droga resolverá por si mesmo deixá-la de lado. – Mas a maconha não está sendo liberada em certos países para uso em determinadas doenças? Como pode ser tão má assim? Se é capaz de curar, não é capaz de matar! – O componente da maconha para uso médico é administrado com orientação médica e não chega às mãos de quem precisa através de traficantes, meu filho! – colocou o pai. – Você sabia, por exemplo, que o cigarro de maconha tem mais substâncias tóxicas do que um cigarro comum? Você sabia que a maconha pode produzir euforia que é um estado falso de alegria? Quando passa o efeito, a situação desagradável que tenha levado alguém a utilizá-la como um meca‑ nismo de fuga, continua presente e muitas vezes agravada! A maco‑ nha atrapalha no aprendizado da escola por interferir no funciona‑ mento de determinadas áreas do cérebro. Acelera o coração a cada tragada. Dilata as veias dos olhos, que ficam avermelhados. Luiz Flávio impôs uma pausa na conversa para não jogar muitas informações que tinha buscado nos meios de comunicação tornan‑ do a compreensão das mesmas mais difícil pelo filho e correndo o risco de afugentá-lo da conversa que ia se encaminhando bem. De‑ pois continuou: – E tem mais, Renato. Se a pessoa envolvida não deixar o hábito, vêm as consequências mais graves. As defesas do organismo se en‑ fraquecem e tornam o usuário mais propenso a desenvolver doen‑


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ças. No homem diminui a produção de hormônios sexuais. Com a continuação do uso modifica o humor da pessoa, tornando-a mais indiferente ao meio em que vive. Enfim, só traz efeitos nocivos, meu filho. E o pior deles: a maconha abre a porta para o uso de substân‑ cias ilícitas mais daninhas e destruidoras como o crack, a cocaína, heroína, ecstasy etc. E essas últimas possibilitam doenças gravíssi‑ mas, como hepatite e a AIDS, entre outras. Aguardou mais um pouco sempre observando a atitude do filho. – Aliás, Renato, creio mesmo que até as chamadas drogas lícitas deveriam ser melhor controladas para não dizer proibidas. Qual o bem que o álcool e o cigarro fazem à saúde e ao bolso da pessoa? Quantas vidas o álcool não ceifa através das doenças ou acidentes de trânsito, principalmente entre jovens? E o cigarro? Quantas enfer‑ midades não traz ao corpo sendo muitas delas mortais? Em minha opinião, meu filho, se alguma droga, lícita ou ilícita, fosse boa, não deveríamos chamá-la de droga, você não acha? – Bem! Mas o que interessa nisso tudo é você, meu filho – co‑ locou Célia com muito carinho aproximando-se dele e afagando‑ -o ternamente. O jovem estava envergonhado por ter sido pego de surpresa. Jul‑ gava que ninguém tinha percebido em sua casa. Sabiamente os pais não mencionaram nenhuma das informações passadas por Teresa. Dessa maneira ela conseguiria continuar moni‑ torando qualquer atitude ou acontecimentos suspeitos por parte de Renato dentro do lar. A cabeça do jovem fervilhava em pensamentos desencontrados. Os corações dos pais estavam abrigando as dúvidas sobre o sucesso da conversa daquela noite que nunca julgaram ser necessária acon‑ tecer naquela casa. Tinham consciência de que a guerra havia co‑ meçado, mas ainda demandaria muitas batalhas de resultados que somente o tempo revelaria.


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capítulo 9

NA CASA DE LUÍZA

ERA UM DIA de feriado na cidade e Célia aproveitou para buscar palavras de conforto junto a sua amiga Luíza, que ia naquele lu‑ gar onde falam com as almas do outro mundo. Quem sabe não poderia ela auxiliar de alguma maneira no drama que se insta‑ lara em sua casa com a notícia confirmada de que Renato usa‑ va maconha? A campainha da residência tocou e logo as duas amigas conversa‑ vam tranquilamente no aconchego da residência, com os familiares de Luíza ainda entregues ao sono da manhã. – Desculpe ter vindo assim tão cedo, Luíza! – Que nada, amiga! Você bem sabe que levanto cedo para organi‑ zar meus compromissos do dia. Recebo-a com muito carinho e pra‑ zer em minha casa. – É constrangedor o motivo que me trouxe aqui, Luíza. – Tenha em mim uma irmã mais velha a sua disposição, Célia. Problemas todas nós temos neste mundo para onde viemos enfren‑ tar dificuldades e, vencendo-as, crescer para Deus nosso Criador.


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– Como é bom ter uma fé assim, principalmente quando as coisas se complicam! – Você também é uma mulher valorosa, Célia. Se não pensa dessa maneira é porque ainda não descobriu do que é capaz! – Pois é, amiga. Acredita que acabamos por constatar que meu filho está usando maconha? – Célia, isso realmente é preocupante, mas, infelizmente, o seu lar não é o único, nem o primeiro e nem será o último onde esse mal se faz presente. O importante é que descobriram o problema e você e Luiz Flávio irão enfrentá-lo com muito sucesso, tenho a certeza. E digo mais: com a ajuda dos amigos e dos profissionais qualificados para apoiar Renato, conseguirão libertá-lo desse vício infeliz. – Agradeço muito por seu apoio, Luíza. Na verdade, o Luiz não queria que eu comentasse com ninguém, mas estou precisando de‑ sabafar e encontrar ideias novas para aguentar a situação. – Fique tranquila. Não passarei adiante a notícia, se é essa a preo‑ cupação do seu marido. Se não conseguir auxiliar, não serei eu quem irá cometer o erro da maledicência passando adiante o problema de vocês. – Será que lá no centro de vocês eles não ajudam também? – Célia, deixa-me explicar uma coisa. Lá no Centro Espírita Seareiros de Jesus, a casa espírita não é de ninguém, minha amiga. Se quiser‑ mos dar o nome de alguém, essa pessoa seria o próprio Cristo porque é em nome dele e por ele que trabalhamos. Existe um erro tanto no meio espírita como fora dele em considerar que um centro é de fulano ou de sicrano. Não é de ninguém. Nós, os trabalhadores, passamos. O trabalho em nome de Jesus prossegue. Entendeu essa questão? – Entendi mais ou menos. Mas será que conseguem ajudar meu filho? – Célia, seu filho é um filho de Deus! Se nós tudo fazemos para que nossos filhos se conduzam bem perante os compromissos da vida, imagine se Ele não iria ajudar! É claro que sim!


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– Mas como é essa ajuda, Luíza? De que jeito ela chega? Não po‑ demos ver Deus! – Vou dividir a resposta em duas partes. A primeira parte, que é a que você está mais interessada no momento, é a seguinte: Deus nos ajuda através do nosso próximo! Toda pessoa que pode fazer algu‑ ma coisa em favor de alguém necessitado, está exercendo um traba‑ lho em nome do Criador. Ou seja, o Criador atende a criatura atra‑ vés de outra criatura, nos ensinam os espíritos amigos. Por exemplo: recebo-a em meu lar com muito respeito e carinho e desejo ajudá-la de todas as formas que me forem possíveis. É esse meu compromis‑ so perante nosso Pai. Quando teve a ideia feliz de procurar minha casa, Deus está me proporcionando a oportunidade de auxiliá-la de alguma maneira. É assim que Ele nos socorre. Agora vou responder a outra colocação sua quando falou que não podemos ver a Deus. Podemos vê-Lo se desejarmos desde os primei‑ ros raios da manhã quando o sol desponta no horizonte anuncian‑ do o novo dia! É Deus nos proporcionando mais um tempo nesse mundo para realizarmos nosso trabalho! Quando a flor desabrocha no jardim da nossa casa, quando o pássaro canta feliz e constrói e reconstrói seu ninho depois da chuva intensa, é Deus se mostrando àqueles que têm olhos de ver, Célia! “Quando nossos filhos sorriem, mal se levantam e nos abraçam, é Deus presente em nossas vidas, amiga! E poderia ficar aqui o dia inteiro falando d’Ele para você, mas não desejo cansá-la, pois ima‑ gino a angústia que está envolvendo a sua alma com o problema de Renato.” – E quando um filho usa drogas, também é Deus se mostrando a nós, Luíza? – É Deus entregando em nossas mãos a responsabilidade de con‑ duzirmos esse filho d’Ele para o bom caminho, Célia! É Deus nos pro‑ porcionando a oportunidade de colaborarmos com Ele na condução desse filho ao caminho do bem. Se Jesus no auge dos seus sofrimentos


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jamais duvidou da existência do Pai, não haverá de ser em nossos problemas menores, em nossas dores menores que iremos duvidar, minha amiga! A vida é um mar com águas ora calmas, ora revoltas para que possamos aquilatar a evolução que já fizemos. Quando o barco onde estava Jesus e os seus discípulos começou a se agitar peri‑ gosamente no lago de Genesaré ameaçando a vida de todos, qual foi a atitude de nosso mestre? Confiar! Podemos dizer que o barco de sua família navega em tempos de águas agitadas. Mas é exatamente nessa hora em que as presenças de Deus e de Jesus se fazem mais intensas perto de nós, Célia! Não se passa assim com a mãe e o filho? Quando a criança está vitimada por uma doença, os cuidados maternos se fa‑ zem mais intensos. A mãe se aproxima mais do filho que necessita de um desvelo maior. Se nós agimos assim, imagine como não deve agir o Criador e o nosso mestre Jesus! A presença deles se faz mais intensa na sua casa neste momento agitado da vida de vocês! – Escutando você falar parece tudo tão fácil, mas na hora em que ficamos sozinhas a dor e a preocupação apertam o laço da angústia em nossos corações! – Essa certeza também está dentro de você, Célia! Porque Deus está dentro de você, minha amiga. É só uma questão de despertar essa certeza que se vê obscurecida pelos problemas da vida. Por isso acho bom se você pudesse comparecer ao Seareiros de Jesus. O ideal seria que Luiz Flávio e Renato também fossem. A casa espírita, além de escola e oficina de trabalho, é também um hospital onde os espí‑ ritos amigos nos socorrem sem que percebamos. Desde o momento em que adentramos o ambiente do centro, eles começam o trabalho incansável deles. – Mas é isso que eu não entendo, Luíza! Os espíritos só ficam lá? Só podem socorrer lá? Se negam a trabalhar ou não conseguem em outro lugar? Não podem socorrer minha família na minha casa?! Luíza sorriu das colocações que revelavam o desconhecimento de Célia sobre o mundo espiritual que se confunde com o mundo dos


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homens estando eles, os espíritos, por toda parte. Procurou explicar com paciência para a amiga abalada, emocionalmente, pela desco‑ berta em relação ao filho. – Lógico que podem, Célia, e assim procedem. Os espíritos não estão trancados no centro. Podem ir a qualquer lugar. Nossa dimen‑ são física não é barreira para eles. – Então! Por que tenho que ir ao centro para ser atendida? – Célia me responda o seguinte: onde um médico poderá aten‑ dê-la melhor, em sua casa ou em um hospital com todos os recur‑ sos que o hospital coloca à disposição dos doentes? Percebeu a dife‑ rença? Quando vamos até o centro, nossa mente volta-se mais para Deus, para Jesus. Na casa espírita os problemas não conseguem des‑ viar nossa atenção do Criador como fazem em um ambiente não religioso. É preciso essa aproximação maior da criatura em relação ao Criador para que Ele possa nos socorrer com mais intensidade. Na sua casa ou na minha, por exemplo, sempre somos solicitadas para resolver algum problema da vida material e não conseguimos essa intimidade maior com Ele. Já no centro você tem como objetivo maior buscar esse auxílio sem tanta interferência das coisas do dia a dia. “Exemplifica bem essa aproximação a passagem do Evangelho em que a mulher portadora de um fluxo hemorrágico que não obti‑ nha a cura pela medicina da época, busca o socorro aproximando-se de Jesus. Ela poderia pedir ficando na casa em que morava, mas, entretanto, se esforça em procurá-lo no meio de muita gente que se comprimia contra Jesus, buscando aflita o socorro que ele poderia proporcionar. Essa doente não chega a falar com ele, mas possuía a fé de que se apenas tocasse em sua túnica seria curada. E tamanha era realmente a fé que a movia que Jesus percebeu o instante em que parte dele o socorro em direção a ela. Ela sai do conforto do lar e vai à sua procura. Mobiliza-se em direção daquilo que necessita‑ va ardentemente, minha amiga. Esse esforço é levado em conta por


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Deus. Não diz o ditado que Deus faz a parte d’Ele quando fazemos a nossa? Pois então! Por isso acho que deveria ir até o centro que frequento em busca do auxílio que não lhe faltará.” Aguardou alguns minutos para que a amiga raciocinasse sobre os argumentos apresentados e depois convidou-a carinhosamente: – Hoje mesmo teremos reunião na nossa casa espírita. Por que não vem comigo, Célia? Tenho certeza de que encontrará as forças de que precisa para enfrentar com tranquilidade o seu problema. Convide também o seu marido e, especialmente, o Renato. – Eles não irão, com certeza, Luíza! – Não tem importância. Pelo menos você lançou a semente que um dia frutificará, minha amiga! Não foi isso que Jesus fez conos‑ co? Há mais de dois mil anos dirigiu o convite a toda a Humani‑ dade da qual é o Pastor divino! Muitos atenderam. Outros relu‑ tam até hoje. Mas o rebanho do Senhor cresce a olhos vistos por representar a vivência do amor – a grande realidade da vida. Não tem importância que Luiz Flávio e seu filho não compreendam. A semente, entretanto, estará lançada e no devido tempo frutificará como você verá. Aguardou mais alguns segundos e retornou com a indagação: – E quanto a você, Célia? Sinto que chegou o seu momento, ami‑ ga! Vamos essa noite? Passo em sua casa e terei o prazer muito gran‑ de de lhe fazer companhia no Seareiros de Jesus. O coração de Célia dizia que sim. A razão titubeava entre a nega‑ tiva e a concordância ao convite de Luíza. E nesses segundos de va‑ cilação a imagem do filho necessitado fez com que a emoção falasse mais alto. – Então vou com você, hoje mesmo. Meu filho precisa muito! Meu coração de mãe pede isso. Por ele eu irei. – Todos nós precisamos de Jesus, minha amiga! Mesmo nas horas da calmaria precisamos escutar seus conselhos que nos preparam para a ocasião das águas agitadas da existência que o barco de nos‑


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sas vidas um dia enfrentará, Célia. Fico muito feliz com a sua deci‑ são! Os espíritos amigos também, tenho certeza! Dessa maneira eles poderão auxiliá-los melhor. E mais uma vez deixo bem claro para que fique tranquila: não existe nenhum compromisso de sua parte em se tornar espírita. O que interessa é a nossa aproximação junto ao Criador e a Jesus! Luíza serviu um saboroso café à visitante e depois abraçou-a, afe‑ tuosamente, procurando demonstrar que se sentia solidária com os problemas que vitimavam o lar da amiga. Antes da despedida, propôs em tom delicado e carinhoso: – Posso aplicar-lhe um passe, Célia? – Passe? Como assim? – Nunca viu uma ilustração de Jesus com uma das suas mãos abençoadas sobre a cabeça de alguém a quem socorria? – Sim. Já vi, embora não me lembre onde e nem quando. – Pois então! A doutrina espírita, que revive os ensinamentos de Jesus, utiliza-se da imposição das mãos sobre as pessoas pedindo o socorro dos espíritos amigos que trabalham em nome de nosso Mes‑ tre. A essa atitude chamamos de passe, quando então os espíritos têm a oportunidade de aplicar energias reconfortantes em cada um de nós, segundo as necessidades de cada necessitado. – Mas você não disse que o lugar certo é no centro? – inda‑ gou Célia. – O lugar ideal é no centro espírita, mas como os espíritos estão em toda parte como expliquei, nada impede que peçamos socorro a eles desde já. Isso irá revigorá-la e fortalecer sua decisão de irmos ao centro hoje, minha amiga. Aguardou alguns instantes enquanto Célia pensava e retornou a pergunta: – E então? Aceita o socorro dos espíritos amigos através de um passe? – Sim. Se não fizer bem, mal não fará, não é Luíza?


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A amiga de Célia voltou a sorrir da colocação errada da compa‑ nheira e corrigiu: – O passe dado com amor e a forte determinação de ajudar o ne‑ cessitado, sempre faz muito bem, Célia. Entretanto, uma condição é indispensável: a fé de que isso realmente é possível. Lembre-se da mulher do Evangelho que buscou Jesus tocando-lhe a ponta da sua túnica para ser curada! Tenhamos uma pequena dose da fé des‑ sa mulher e seremos socorridos sempre! Enquanto aplico o passe, mentalize aquela mulher sofredora e peça a Jesus o auxílio de que necessita. Ele a atenderá através dos bons espíritos, Célia! E assim foi feito. O encontro e a conversa entre as duas amigas fo‑ ram encerrados com o passe que rogava a Jesus as forças necessárias para que Célia e o marido socorressem da melhor maneira possível ao filho Renato, envolvido com o problema das drogas. Despediram-se e deixaram acertada a ida naquela noite ao Centro Espírita Seareiros de Jesus.


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capítulo 10

NO CENTRO ESPÍRITA

NAQUELA MESMA NOITE do dia combinado, Célia compareceu com a amiga Luíza à Casa Espírita Seareiros de Jesus. Célia mostrava-se meio receosa porque de espiritismo mesmo só ouvira falar. E quando o ser humano fala sem conhecimento de causa, os maio‑ res absurdos podem surgir. E uma dessas colocações sem nenhum fundamento era de que es‑ piritismo era obra do demônio. Que os espíritos que se manifestavam naquele local, mesmo quando recomendassem a vivência do amor e a prática do perdão, eram seres infernais a serviço do mal. Mesmo falan‑ do de Jesus e aceitando-o como mestre e senhor, o raciocínio bloquea‑ do por ideias preconcebidas conseguia colocar a figura do demônio na tentativa de atacar uma religião que recomenda a prática da caridade. O mais estranho ainda é aceitar a existência de seres perpetua‑ mente voltados ao mal, à perdição dos homens, tendo saído eles próprios da obra da Criação Divina que é a expressão máxima e mais pura do amor.


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Ora, se Deus é um Ser presciente, ou seja, sabe de tudo o que vai acontecer antes que aconteça, ao criar um anjo que se rebelaria contra a Sua vontade e se dedicaria ao mal para todo o sempre, o Criador não teria tido piedade dessa Sua criatura e nem daquelas a quem traria o sofrimento? Logo, se tivesse faltado piedade na hora em que esse ser tivesse sido criado, Deus teria incorrido em erro e, portanto, deixaria de ser o Deus que a tudo criou com a finalidade de evoluir em direção à perfeição e entrar na posse da felicidade plena e da paz imorredoura que a todos aguardam. Mas, quando não se faz uso do raciocínio, quando se aceita pen‑ samentos prontos mesmo que com uma carga enorme de contradi‑ ção ou de má-fé, o resultado é esse que vemos: o espiritismo é obra do demônio! Esses conceitos infundados, nascidos da ignorância dos julgadores totalmente ignorantes da doutrina espírita, possuidores de uma gran‑ de dose de má-fé, causavam um certo temor à amiga de Luíza. – Luíza, aqui apagam as luzes? – perguntou Célia assustada. – Na reunião pública não, Célia. A única coisa que não se dis‑ pensa é o silêncio respeitoso para que os espíritos amigos consigam trabalhar em nosso favor. Ao mesmo tempo em que se promove a limpeza física das salas do centro, o plano espiritual realiza a hi‑ gienização do ambiente removendo qualquer energia negativa que interfira com o bom andamento dos trabalhos. Quando a conversa vazia de conteúdo se instala no salão de reunião aberto ao público, é semelhante a jogar lixo numa casa em que os proprietários tiveram o trabalho cuidadoso de limpar. – Mas esses espíritos não mostram a cara, não é? – voltou a per‑ guntar Célia ainda receosa. Luíza percebendo a razão da pergunta da amiga esclareceu: – Célia, os espíritos são seres inteligentes fora de um corpo igual ao nosso! O dia em que trocarmos de lado, nós seremos como eles, e eles tomarão um corpo igual ao que usamos hoje! Não há motivo


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para receio algum! O medo é fruto da ignorância! No Universo de Deus tudo é natural, minha amiga! O sobrenatural foi criado pela imaginação e desconhecimento do ser humano! O sobrenatural só existe na cabeça daqueles que desconhecem a realidade e se julgam no direito de criar fantasmas. Pode ficar tranquila! Os espíritos estão aqui como estão em toda parte para nos ajudar quando escolhemos o bem, o amor. Da mesma forma existem aqueles que fomentam o mal se escolhemos o erro, o orgulho ou a vaidade. Da mesma maneira que escolhemos o que vamos comer ou vestir, escolhemos também qual a companhia iremos ter conosco dependendo da nossa atitude na vida voltada para o erro ou para o acerto. Como estamos aqui com as melhores das intenções, somente espíritos bons se aproxima‑ rão para nos socorrer. – Ainda bem! Que assim seja! – exclamou mais aliviada a compa‑ nheira de Luíza que voltou a sorrir da atitude de sua acompanhante. A conversa rápida das duas foi interrompida pelas palavras de um senhor sexagenário que se postava à frente dos presentes e atrás de uma mesa onde se localizavam algumas cadeiras. O móvel era coberto por uma toalha branca de tecido simples que se derramava pelas bordas do objeto de madeira. Ao perceber o tecido alvo sobre a mesa, a pergunta se fez inevitável: – Ah! Aqui é centro de mesa branca, não é Luíza? – perguntou ingenuamente Célia. Luíza pediu-lhe silêncio com um dos dedos sobre os lábios enten‑ dendo a razão da pergunta da amiga. Discretamente colocou: – Agora não devemos conversar, Célia. Depois te explico o que você quiser. Vamos prestar atenção em nosso companheiro que nos dirige a palavra. – Muito boa noite e bem-vindos todos ao Centro Espírita Seareiros de Jesus, meus amigos e irmãos! – iniciou o senhor Alfredo, dirigente daquela casa espírita.


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Era o dirigente das atividades daquela noite que iniciava a sua preleção aos presentes. Célia não teve dúvidas. Fez nova pergunta a Luíza. – Esse é o chefe de vocês, Luíza? – perguntou ingenuamente para sua amiga. – Em espiritismo não existe chefe de ninguém, Célia. Somos to‑ dos iguais perante Deus. Agora façamos silêncio para ouvirmos as palavras do nosso amigo. E o senhor continuou: – Rogando as bênçãos de Jesus para todos nós, elevemos a Deus a oração do Pai Nosso que o Mestre nos ensinou, pedindo o socorro de que necessitamos para as lutas da existência. O companheiro encarregado da reunião daquela noite iniciou a oração, enquanto era acompanhado mentalmente na prece pelos de‑ mais presentes. De início, Célia começou a orar em voz alta, mas foi discretamen‑ te advertida por Luíza que a orientou para que a oração da amiga fosse feita em pensamento, acompanhando o senhor que à frente dera início às palavras dirigidas ao público presente. – Célia, acompanhe mentalmente. Não é necessário fazê-lo em voz alta – esclareceu com delicadeza para não ofender a companheira. Terminada a prece, o mesmo senhor prosseguiu: – Estamos reunidos nos Seareiros de Jesus que é nossa escola, nosso hospital e nossa oficina de trabalho. – Luíza, mas aqui não é uma igreja? – perguntou Célia confusa com as colocações que acabara de ouvir. Luíza percebeu que as dúvidas da amiga continuariam a surgir, apesar da recomendação do silêncio que fizera no início. Tinha que ter a devida dose de paciência para que o auxílio do plano espiritual viesse socorrê-la. Caso agisse com intransigência com as perguntas que eram feitas negando-se a respondê-las ou repreendendo-a pela quebra do silêncio, isso poderia afastar a necessitada da casa espí‑


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rita e, por consequência, do socorro necessário. Mentalmente Luíza pedia perdão aos espíritos presentes pelo fato de a acompanhante não ter compreendido a necessidade do silêncio de maneira comple‑ ta. Prometia esclarecê-la melhor para as próximas ocasiões. Dessa forma, com muita paciência e contando com a mesma dose dessa virtude do plano espiritual, respondeu: – Calma que irá entender. Nosso amigo fala para as pessoas que estão vindo há pouco tempo ao centro. Não se afobe e daqui a pou‑ co entenderá. O senhor prosseguiu: – O centro espírita é um hospital para todas as almas que recebem o socorro do Alto dentro da lei do merecimento de cada um. “O centro espírita é também a escola de nós todos porque nos recorda como proceder corretamente na existência, relembrando os ensinamentos de Jesus. “E o centro espírita é nosso local de trabalho onde podemos auxiliar aos mais necessitados do que nós mesmos. Apesar de julgarmos nossas dificuldades as maiores da vida, sempre existe alguém que sofre mais. E aí estará aquele a quem devemos servir em nome de nosso mestre Jesus. Quando assumimos a figura que somos o maior dos sofredores, perdemos a capacidade de enxergar aquele que sofre mais. E perde‑ mos, por consequência, a oportunidade de socorrer para que sejamos socorridos! Não nos esqueçamos dos ensinamentos de São Francisco de que é dando que se recebe. Quanto mais necessitados do aspecto de hospital do centro espírita, mais devemos ser servidores de nossos semelhantes utilizando as oportunidades de trabalho que o centro nos oferece dentro da sua característica de oficina de serviços em geral. “Aqui, neste local abençoado pela presença de Jesus e dos espíri‑ tos que trabalham em nome dele, nós tratamos de nossos problemas maiores, aprendemos recordando os ensinamentos de Nosso Senhor e trabalhamos para nos tornarmos merecedores de receber na medi‑ da em que damos ou doamos.”


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– Mas, Luíza, eu vim à procura de socorro para meu filho! Como vou ajudar alguém? – Célia, minha amiga. Nosso irmão está fazendo uma exposição do que representa o centro para todos nós. Na medida em que conti‑ nuamos a frequentá-lo, iremos encontrando as oportunidades de dar para receber o que necessitamos. Ensina um dos nossos irmãos desen‑ carnados que quando o trabalhador está pronto, o trabalho aparece. Prestemos atenção nas palavras do nosso expositor. E o senhor continuou: – Podemos entender o Universo de Deus como duas mãos que se unem. Ora uma sustenta a que necessita de socorro, ora a mão que era socorrida passa a ser a que socorre. “Assim procede o amor que preenche todos os recantos da Cria‑ ção de Deus! “De mãos unidas, todos os espíritos caminham para Ele. Quando caímos, mãos existem que nos levantam. Quando nosso semelhante cai, é nossa vez de reerguê-lo. “Atentemos para uma realidade despercebida pela maioria dos homens: devemos colaboração e respeito para com toda a Obra da Criação Divina! Não apenas respeito e auxílio para o reino animal, amparando nossos irmãos mais novos na obra da Criação. Respeito para com os rios, para com o reino vegetal e a atmosfera que nos permite a vida na Terra. “Não seria por entender dessa forma que o glorioso espírito São Francisco a tudo denominava de irmão? “Irmão sol, irmã Lua. Irmão pássaro, irmão lobo, irmão fogo. Em tudo São Francisco via a obra de Deus e a respeitava e amava com a mesma intensidade. “Depois de Jesus, Francisco é o grande orientador que devemos seguir quando buscamos um rumo para nossas vidas.” Terminada a breve explanação para não cansar a plateia e des‑ viar-lhe a atenção para assuntos corriqueiros do dia a dia, a sequên‑


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cia dos trabalhos se fez com o direcionamento dos presentes para a câmara de passes. Outra pergunta por parte de Célia se fez inevitável: – Luíza, não estou entendendo mais nada! Aqui é um centro espí‑ rita e falam de São Francisco? – Calma. Assim que terminar a reunião de hoje fico te devendo duas respostas: uma sobre a toalha branca e a outra sobre São Fran‑ cisco. Pode ficar tranquila que não esqueci não, minha amiga. Colocadas essas duas observações, Célia voltou sua preocupação para a câmara de passes. – Luíza, o que tem dentro daquela sala? – Pessoas como nós, minha amiga. – Só pessoas? – E os espíritos que irão nos ajudar a refazer as forças para as lu‑ tas do dia a dia, Célia. – Mas eu vou ver esses espíritos? Não havia como não sorrir! E foi o que fez Luíza, esclarecendo: – Não, Célia. Somente as pessoas que possuem a mediunida‑ de de vidência, e, diga-se de passagem, são poucas, conseguem vê-los. Fica tranquila que não verá nada além das passistas que são companheiras nossas que, impondo as mãos sobre cada um dos presentes, transmitem o socorro do mundo espiritual. Mas sentirá um grande conforto ao sair de lá. Confie em Jesus, minha amiga! E tenha um pouco mais de paciência fazendo silêncio, por favor. Célia disfarçou o receio acompanhada por Luíza ao adentrar a câ‑ mara de passes. Sentou-se em uma das cadeiras e foi atendida pela própria amiga que trabalhava na transmissão dos passes. Sentiu-se mais calma quando Luíza sussurrou-lhe aos ouvidos: – Pense no grande médico de todos, Célia. Peça o socorro de Jesus para o seu lar. Somos ovelhas do seu enorme rebanho e o Divino Pastor não nos faltará.


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Célia sentiu uma paz muito grande a envolvê-la enquanto o ato do passe era aplicado pela companheira. Encerrado o atendimento a todas as pessoas necessitadas do so‑ corro energético dos recursos espirituais, foi feito o agradecimento final e os presentes começaram a deixar a casa espírita. Luíza estava liberada para esclarecer a amiga de maneira mais atenciosa e completa. – Vamos lá esclarecer suas duas perguntas. A toalha branca so‑ bre a mesa que você viu lá na frente do salão tem essa cor por uma questão de limpeza apenas. Não se trata de centro espírita de mesa branca como pessoas que nada entendem costumam se expressar. O branco é uma cor neutra e confere ao ambiente um aspecto de lim‑ peza melhor do que outra cor qualquer. A verdadeira casa espírita é aquela que segue as orientações do seu codificador, Allan Kardec, não importando a cor da toalha sobre a mesa. Essa é a primeira ex‑ plicação a sua dúvida. “Aqui falamos em São Francisco, Santo Agostinho, Teresa de Ávi‑ la, Vicente de Paula ou outros que foram denominados de santos pe‑ los critérios dos homens, porque são espíritos mais evoluídos e que nos ensinam e servem para nós como exemplos. A doutrina espírita não faz discriminação religiosa nenhuma. Se o espírito é evoluído, se transforma em exemplos para nós, independentemente da religião que tenha professado aqui na Terra, minha amiga. Entendeu?” – Creio que sim. Discretamente, uma das passistas aproximou-se de Luíza em um momento em que a curiosidade levou Célia a aproximar-se de de‑ terminados setores da casa espírita mais próximos, comentando em voz baixa, quase num sussurro: – Sem querer me intrometer, porque sabemos bem que isso não é conveniente, Luíza, mas sua amiga também faz tratamento com mé‑ dicos da Terra? Não se espante com a minha aparente intromissão que logo explicarei o motivo.


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– Realmente você me assustou com a pergunta, Ângela, mas Célia está bem de saúde. O motivo de estar aqui não se trata de nenhuma enfermidade física dela. – Desculpe pela minha intromissão, Luíza. Então devo ter-me en‑ ganado no que senti ao vê-la na câmara de passes. É que eu estava ao seu lado enquanto você a atendia. – Como assim, se enganou? Não consigo entender! Não existe nada de errado fisicamente com ela. Você não estava aplicando o recurso do passe em outra pessoa? – Sim, estava. Mas uma vibração de dor, de amargura profunda, de tristeza que não sei entender me atingia vindo da sua amiga. Mas se ela não está doente, devo ter sido influenciada por alguma enti‑ dade desejosa de atrapalhar meu trabalho, Luíza. Sabemos que os espíritos voltados para o mal procuram penetrar a intimidade dos centros mesmo que somente em pensamento para atrapalhar. Devo ter dado oportunidade para que isso acontecesse e tentaram me con‑ fundir. Esquece, por favor. – Agora fiquei preocupada, Ângela. Você é uma trabalhadora ex‑ periente que não se deixaria influenciar dessa maneira. Além disso, sabemos que na câmara de passes não poderia existir influência ne‑ gativa para atrapalhar os trabalhos. A câmara é previamente prepa‑ rada pelos benfeitores espirituais! – Mas a falha teria sido minha, Luíza. Posso ter dado condições de receber à distância a influência negativa de entidades desejosas de causar intranquilidade. Fiquei até com a consciência culpada por ter prejudicado a aplicação de passe na pessoa que atendia. Mas a sensação que vinha da sua amiga e me atingia era muito forte. Como somos imperfeitos, devo ter me enganado sobre o que senti. Peço até desculpas, Luíza. E, por favor, esqueça as minhas palavras. Pre‑ ciso estudar mais e policiar-me melhor – disse Ângela sinceramente constrangida por ter manifestado sua preocupação junto à compa‑ nheira do centro espírita.


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Célia, após algumas espiadelas em alguns locais do centro, vol‑ tou rápido à presença da amiga porque se sentia mais segura ao lado dela. Contudo se ausentara tempo suficiente para o diálogo entre Luíza e Ângela. Não demorou muito para que uma outra pergunta surgisse. – Luíza, os espíritos vão para onde agora que terminou o trabalho aqui no centro? – indagou dando causa à continuidade da conversa entre as duas. – Ah! Célia. Os espíritos têm muito trabalho a fazer! Às vezes continuam aqui no centro atendendo a desencarnados. Outras vezes vão para outros locais onde podem ser úteis de alguma forma. Há muito trabalho nesse Universo de Deus, minha amiga! Os sofredo‑ res abundam e os sofrimentos desfilam pedindo socorro! – Mas continuam aqui no centro com tudo fechado e as lu‑ zes apagadas? Novo sorriso de Luíza, seguido das explicações possíveis para o nível de entendimento de Célia. – Célia, que bom que você se interessou pelas atividades do plano espiritual! Tem muita coisa para ser compreendida, minha amiga. Isso demanda um estudo de várias existências! E ainda não dá tempo de aprendermos quase nada! Não conseguimos nem imaginar o que o Universo tem para ser descoberto por cada criatura! “Irei te explicando aos poucos, o que sei, na medida em que tro‑ carmos ideias. Se você continuar a frequentar nossas reuniões, cada vez entenderá melhor. Vou arrumar dois livros para você começar a ler sobre o assunto. Um deles chama-se O Livro dos Espíritos. O ou‑ tro trata-se de O Evangelho segundo o Espiritismo. Você ficará craque no assunto assim que estudá-los muitas vezes com calma – colocou para animar a amiga.” – Foi o fundador do espiritismo quem escreveu, não foi? Allan Kardec! Pelo menos isso eu sei.


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– Foi ele mesmo, Célia. Apenas o esclarecimento de que Kardec não foi o fundador do espiritismo, mas sim o seu codificador! O ho‑ mem que teve o desprendimento e a coragem de colocar em livros os ensinamentos dos espíritos superiores. No carro, durante o retorno para seus lares, Luíza perguntou: – E aí? Sentiu-se melhor após receber o socorro do passe e de ou‑ vir algumas explicações do senhor Alfredo, minha amiga? – Naquela sala eu senti uma paz muito grande, Luíza. Pena que não pude continuar por lá. Retorno ao lar com o grave problema de Renato! – Mas retorna com a ajuda do plano espiritual, Célia! Vai sentir a diferença. Precisamos continuar nossas lutas. Foi para isso que vol‑ tamos a um novo corpo na escola da Terra. Além disso, podemos e devemos retornar para buscar mais socorro no hospital da casa espírita que não fecha nunca! E antes que surgissem novas perguntas, acrescentou: – Mas isso será assunto para novas e agradáveis conversas entre nós duas. – Eu vou voltar sim, Luíza. Senti um conforto muito grande e te agradeço por ter me levado até o seu centro. – Não é o meu centro, amiga! Como já expliquei, aquele lugar é onde todos se reúnem para trabalhar em nome de Jesus. Centro espí‑ rita não tem dono. Todos nós um dia desencarnaremos. Não somos proprietários de nada, amiga. – É verdade. Me esqueci. Mas com o tempo vou aprendendo – ar‑ gumentou sorrindo Célia. – Não tenho dúvida disso, minha nova companheira de casa espírita. E antes de deixar a amiga, perguntou: – De saúde está tudo bem, não é, Célia? – Sim, claro! O meu problema você sabe bem qual é. Mas por que a pergunta, Luíza?


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– Ah! Nem sei. Força do hábito de quem está acostumada a ampa‑ rar pessoas que se dirigem ao centro em busca de amparo para suas enfermidades. Até me esqueci que o seu caso é diferente e acabei perguntando sem pensar. Esquece. Célia ficou mais confortada em seu lar e com disposição para as lutas que, com certeza, viriam junto ao filho. Luíza, entretanto, chegou em casa preocupada com a observação de Ângela. “Se ela sentiu aquelas vibrações procedentes de Célia, alguma coisa significava! Um simples engano não era a explicação mais provável. Mas qual seria o verdadeiro motivo daquelas energias pressentidas por Ângela? Dor, amargura, tristeza profunda? O que estaria reservando a vida de mais problemas para a amiga? Poderia Renato estar correndo risco de vida envolvendo-se com traficantes? Sim! Era uma hipótese. Justificaria as vibrações detectadas por Ân‑ gela. Enfim, quem sou para desvendar o futuro? Que Deus e Jesus amparassem em suas lutas todos os envolvidos no lar da amiga Cé‑ lia. Insistiria para que continuasse a frequentar o centro recebendo o socorro para os embates que se desenhavam no horizonte da exis‑ tência! Contudo, a companheira Ângela do Seareiros de Jesus não se enganaria tão facilmente. Isso é que não!” – eram os pensamentos que se aninhavam na mente de Luíza antes que ela se dirigisse ao leito para o devido repouso daquela noite.


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capítulo 11

A PRESSÃO AUMENTA

DEPOIS DA ÚLTIMA conversa em que Renato, num lapso de me‑ mória acabou revelando que recebera do estranho na rua algo muito suspeito, o rapaz se tornou arredio a novos diálogos com os pais. Luiz Flávio e Célia continuaram tratando o filho com muito ca‑ rinho, mas sem forçar a conversa sobre o mesmo assunto, embora sempre atentos a qualquer atitude que exigisse uma participação mais incisiva deles. E foi o que aconteceu quando naquela manhã o telefone tocou outra vez antes que alguém da família tivesse se ausentado do lar. Célia atendeu: – Alô? Bom dia. – Madame, quero falar com o seu filho. – Mas quem é, por favor? Luiz logo percebeu que deveria se tratar do indivíduo mal-edu‑ cado a quem se referira a esposa quando contou sobre os telefone‑ mas anteriores.


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Renato aguçou os ouvidos porque a consciência envolvida com atitudes não recomendáveis colocava-o de prontidão contra tudo e contra todos. O pai levantava para consigo mesmo a hipótese de se tratar do estranho que na rua abordara seu filho naquela manhã em que o seguira rumo à escola. – Já disse das vezes anteriores que a conversa é com o seu filho, madame. Não importa quem sou eu. Célia, aborrecida, julgou melhor não manter a conversa com a pessoa do outro lado da linha e passou o telefone para o filho. “Renato terá que abrir a conversa com aquela pessoa o que nos fornecerá mais dados sobre o que está ocorrendo!” – raciocinou ela enquanto olhava significativamente para o marido. O filho respondia por monossílabos tentando evitar transpare‑ cer algo sobre o assunto ou a pessoa que o procurava em sua pró‑ pria casa. – Eu sei... – Não, não esqueci... – Vou dar um jeito... – Eu sei, eu sei... – Tá bom... Célia ficou mais apreensiva e aproximou-se do marido abraçando-o enquanto olhava para o filho procurando adivinhar o sentido das pala‑ vras de Renato com o indivíduo mal-educado e petulante que tinha o descaramento de ligar para sua casa e ainda proceder grosseiramente. “Gente boa não podia ser!” – pensava aflita. O filho desligou o mais rapidamente que pôde o telefone como se quisesse se livrar de algo muito incômodo. Não teve coragem de encarar os pais e procurou o material da escola para sair. O pai julgou ser o momento oportuno para retornar de alguma maneira ao assunto do qual o filho procurava fugir.


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– Renato, meu filho. Não quero me intrometer na sua intimidade, mas estamos ao seu lado se estiver acontecendo algum problema. Sabe que pode contar conosco. – Não é nada, pai – respondeu vagamente à colocação paterna. – Filho, um estranho que liga para nossa casa, maltrata a sua mãe e se dirige a você, nos preocupa muito! Se essa pessoa o estiver im‑ portunando de alguma maneira, estamos ao seu lado para enfrentar o problema. – Já disse, pai. Não é nada importante. Luiz Flávio resolveu jogar a “isca”: – É aquele mesmo que eu vi te passando algo naquele dia em que o acompanhei a distância até a escola, filho? – Pai, estou atrasado. Não tenho tempo de conversar. Outra hora nos falamos. Renato estava tenso. Precisava sair da presença dos pais. – O quanto antes essa hora chegar, tanto melhor para todos nós, Renato. Poderemos ajudá-lo de maneira mais efetiva. É para isso que somos seus pais. Procure encontrar esse tempo o quanto antes. – Tá bom, pai. Vou pensar e assim que resolver, conversamos eu, você e a mamãe. Agora preciso ir. Já estou atrasado. Mesmo o filho mostrando-se arredio, os pais o abraçaram e beija‑ ram desejando-lhe um bom aprendizado na escola. – Luiz, está claro que essa criatura malcriada tem algo muito sério a ver com nosso filho para se atrever a ligar aqui em casa atrás dele dessa maneira. – Também penso como você, Célia. Precisamos agir com cuidado para que essa pessoa não puxe nosso filho para o lado dele. Continue‑ mos a nos colocar à disposição de Renato para qualquer conversa a hora que ele desejar. Quanto mais esse estranho pressioná-lo de alguma maneira ou pelo motivo que for, mais Renato tenderá a se socorrer do nosso apoio se soubermos lidar bem com a gravidade da situação. Não podemos coagi-lo e empurrá-lo para o lado errado, entendeu Célia?


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– Você acha possível que... – De se tratar de um traficante ao telefone? Sim. Acho bem pos‑ sível. E o atrevimento dele em ligar aqui em casa pode significar algo a nosso favor na luta contra o uso de droga que Renato este‑ ja envolvido. – Como assim? Confesso que não entendi! – Veja bem. Esse atrevimento em ligar com toda essa falta de edu‑ cação para a nossa casa, pode significar que ele esteja cobrando al‑ guma coisa de Renato. Não viu como ele ficou tenso ao telefone e respondeu com frases curtas dando a impressão que alguma coisa estava sendo cobrada dele pelo estranho? Não agiu como se tudo estivesse bem, mas sim ao contrário. Comportou-se como se alguém do outro lado da linha o tivesse importunando, encurralando-o. – Pensando bem e refletindo nas atitudes e palavras de Renato enquanto falava ao telefone, parece mesmo que ele estava acuado, com medo de alguma ameaça. – Pois então! Essa é a hora que devemos aproveitar para mostrar a ele o quanto além de pais somos amigos com quem pode realmen‑ te contar em qualquer ocasião! Se o mau-caráter espremê-lo do outro lado, devemos estar aqui oferecendo o auxílio de que ele precisar. Se agirmos corretamente, o mal-intencionado estará empurrando Renato para buscar socorro. Estará empurrando nosso filho em nos‑ sa direção! Devemos proceder para que ele entenda isso e busque abrir-se conosco o quanto antes. – Mas se for um traficante ligando para Renato, isso significa que está oferecendo mais drogas ou cobrando por aquelas que já forne‑ ceu?! – manifestou-se apreensiva a mãe. – É uma possibilidade muito grande, meu amor. Mas se pressio‑ narem Renato pensando na sua segunda hipótese, ele terá que bus‑ car socorro. É quando entraremos em ação proporcionando a ele o socorro necessário. Vamos aguardar esperançosos e muito vigilantes para agirmos no momento mais correto possível!


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Enquanto esse diálogo se passava entre os pais do moço, o jovem caminhava totalmente ausente das coisas ao seu redor. Seus pensa‑ mentos eram incontrolados e dominados por uma preocupação que impunha profunda angústia. “Meu Deus! E agora? Não tenho o dinheiro que ele está me co‑ brando! O homem está muito furioso! Não sei como conseguir a quantia necessária! Já pensei até em roubar alguma coisa em casa pra vender, mas a consciência não me deu forças para essa atitude! O que irei fazer? Pedir dinheiro para o meu pai ou minha mãe para pagar um traficante? Não! Não posso! E se eu sumir por uns tempos para a casa de um parente que mora em outra cidade longe dessa? Mas como vou justificar essa atitude junto aos meus pais e aos pa‑ rentes que sabem muito bem que estou em período de aulas? Parar de vir à escola e ficar escondido dentro de casa também não adianta. Se ele descobriu meu telefone, com certeza já deve saber onde moro! São terríveis! Maldita a hora em que aceitei colocar aqueles cigarros na boca para acompanhar a turma!” – agitava-se de um lado para outro os pensamentos conflitantes de Renato enquanto ele caminha‑ va como um robô chutando um pedaço de papel aqui ou uma folha caída acolá. De repente uma freada brusca de uma moto ao seu lado desper‑ tou-o para a realidade onde se encontrava. – E aí, bonitão? Tá pensando em como descolar um dinheiro rápi‑ do? Sabe que não gosto de esperar por muito tempo – disse o piloto do veículo sem mais conversas. Renato saltou de lado tamanho o susto da inesperada aparição. O motoqueiro gargalhou, dizendo: – Tá com medo, é? É bom que esteja mesmo! Você sabe que a gen‑ te não brinca em serviço. Ou paga ou... E fez um gesto que significava que o rapaz pagaria com a vida se não saldasse a dívida pela droga fornecida. – Calma, cara! Eu vou pagar! Me dê um tempo!


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– Seu tempo já era mano! Ou paga ou... E de novo repetiu o mesmo gesto que cada vez mais amedrontava o rapaz. – Vou conseguir o dinheiro! – Vai é? E como? E quando? – O mais depressa possível! – respondeu Renato extremamen‑ te apavorado. – Olha! Vou te dar um ajuda: por que não pede pra mamãe? Aque‑ la velha se mete sempre quando ligo atrás de você! – Respeita minha mãe e deixa meus pais longe disso, cara! – Nossa! Como o frangote ficou valente! Mãe é pra essas coisas. Não é assim, mano? Pede pra velha! Ela não vai gostar que aconteça alguma coisa de ruim ao filhinho! – disse o motoqueiro tentando passar uma das mãos no rosto do jovem para aumentar a pressão psicológica sobre a sua vítima. Renato afastou-se para evitar o contato. – Tá com medo, mano? É bom que esteja mesmo! Senão... Mais uma vez o gesto repetiu a ameaça à vida de Renato. – Chega de conversa! Te dou mais só dois dias, cara! Dois dias! – disse mostrando com os dedos de uma das mãos o núme‑ ro anunciado. – Mas dois dias é muito pouco, cara! – Mas o que você deve é muito, mano! Os caras lá de cima não querem esperar mais não. Aliás, por eles, eu te pegava era ago‑ ra mesmo! Renato recuou mais um pouco do motoqueiro. – É bom ir se encolhendo mesmo. Esconda-se debaixo da saia da mamãe. Nós vamos te buscar onde se esconder, mano! Somos mui‑ tos! A maioria você não conhece. E é aí que mora o perigo! Quando você menos esperar, plaft! Te pegamos! Ligou a moto sem tirar o capacete e sinalizou outra vez com os dedos dizendo:


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– Dois dias, mano! Dois dias! – acelerou violentamente a moto, gargalhando. Renato, apavoradíssimo, não corria, deslizava por sobre as calça‑ das que o separavam de sua casa. Luiz Flávio e Célia ainda não tinham saído para o trabalho quan‑ do a porta da frente da residência abriu-se subitamente. – Pai! Mãe! Podemos conversar agora mesmo?


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capítulo 12

O DIÁLOGO INICIA

CÉLIA CORREU A abraçar o filho ao vê-lo entrar com a face de espan‑ to na sala da residência. E o rapaz mergulhou no abraço da mãe como se procurando refúgio da situação que enfrentara há pou‑ cos minutos. – O que aconteceu, Renato? Por que não foi para a escola, meu filho? – disse a mãe deslizando as mãos pelos cabelos revoltos do rapaz. O pai também demonstrou a sua preocupação. – Sim! O que aconteceu? Era para você estar na escola a essa hora! O moço ficou uns minutos como que paralisado a pensar em como iniciaria aquela desagradável e vergonhosa conversa com os pais. – Fale, Renato! O que aconteceu para você retornar nesse estado para casa, meu filho? – Foi aquele homem, pai. – Aquele homem? Mas que homem, filho? – Aquele que você viu entregando alguma coisa pra mim naquele dia que me acompanhou de longe até a escola.


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– Ah! Mas então está na ocasião propícia para que nos conte tudo para podermos ajudá-lo. É somente isso que queremos: ajudar no que for necessário – argumentou o pai. – É isso mesmo, meu amor! Eu e seu pai apenas queremos ajudar você. Mas para isso precisamos saber o que está acontecendo para traçarmos nossos planos conjuntamente, Renato! Abra seu coração para seus pais, filho! Mais alguns segundos de silêncio onde o rapaz relutava no con‑ flito de pensamentos desencontrados e descontrolados. – É verdade! – foram essas as palavras que quebraram, por fim, o silêncio. – É verdade o quê, Renato? – indagou o pai. – Estou fumando maconha – respondeu de cabeça baixa, abra‑ çado ao peito da mãe como se a confirmação daquilo que os pais desconfiavam lhe retirasse dos ombros enorme peso. – E estamos aqui para ajudá-lo a ganhar a guerra contra esse ví‑ cio, meu filho. – E por que se entregou a esse vício, Renato? Por acaso não temos sido pais em quem você sempre pôde confiar ou contar para resol‑ ver algum problema? – perguntou Célia. – Não é nada disso, mãe. – Mas então por quê, meu filho? – insistiu a mãe. – Amigos que ficam desafiando a gente quando fumam, mãe. Se não aceitamos, deixam a gente de lado. “Queimam” a gente no gru‑ po, entende? Desafiam a nossa masculinidade perante os outros. – Já por essa atitude você pode ver que de amigos não têm nada, Renato! Um amigo verdadeiro não puxa o companheiro para situa‑ ções complicadas – considerou o pai. – Então, pai! Depois que a gente fuma um, dois, três cigarros, começamos a sentir falta do seguinte. E é aí que a coisa se complica. – O grande problema, filho, é que todos os tóxicos não retiram a realidade em que você está vivendo. Apenas mascaram a situação.


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Ou melhor considerando: agravam a situação seja ela qual for por‑ que introduzem a dependência química no corpo. Por isso que eu disse: que amigo é esse que leva o companheiro para uma situação dessas de falsidade e que não soluciona nada? – Eu só fiquei curioso, pai. Mais nada. Não precisava fugir de nada. – Tanto melhor e mais fácil de enfrentarmos esse problema e ga‑ nharmos a guerra, Renato. E é o que vamos fazer juntos, eu, você e a sua mãe. Confiemos que tudo vai dar certo – entusiasmou o rapaz Luiz Flávio. Aguardou mais alguns instantes e voltou ao assunto principal que o preocupava muito. – Mas você falava daquele indivíduo que eu vi abordá-lo na rua. Tem certeza de que era o mesmo? – Tenho, pai. Ele não tirou o capacete, mas pela voz reconheci que era o mesmo. – E o que ele queria desta vez? Novo silêncio invadiu a sala. A mãe colaborou: – Fale, meu filho! Precisamos saber de todos os detalhes para po‑ der ajudá-lo. O rapaz mais confiante com as colocações de Célia encontrou for‑ ças para prosseguir. – É ele quem vende os cigarros. No começo me deu alguns. De‑ pois só no dinheiro. – Dinheiro que você tirava da quantia que lhe damos todas as semanas para as suas pequenas despesas, meu filho? – perguntou o pai. – É isso, pai. – Mas se você pagou pela droga, o que ele está querendo? Passar mais tóxico para que aumente a sua dependência, Renato? – Não, pai. É que eu estou devendo pra ele. Fumei mais do que o dinheiro que tinha e agora estou devendo. – E ele te abordou para cobrar?


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– Isso mesmo. – Se eu conheço a tática dessa gente, fez ameaças a você? – Fez, pai. – Que tipo de ameaças, meu filho? – perguntou extremamente preocupada a mãe. Novo silêncio interrompeu o diálogo. – Fale, meu filho. Precisamos saber de tudo para protegê-lo! – vol‑ tou a colocar a mãe. – Ele... Ele... – Fez ameaça a sua vida, não foi, Renato? – completou o pai de forma direta. Diante dessa colocação Célia estreitou ainda mais o filho contra seu peito. – Bandidos! Além de venderem a desgraça e acabarem com a vida, com os sonhos dos jovens e dos pais, ainda têm coragem de ameaçar a existência dos dependentes por causa desse maldito di‑ nheiro ganho dessa forma! Que atrevimento, meu Deus! – ponderou a mãe extremamente temerosa e revoltada. – É isso mesmo. E agora não sei mais o que faço. Se não pagar, ele me disse que vai me pegar seja onde e quando for, mãe. – Estamos aqui para protegê-lo, filho! – colocou o pai. – Se for ne‑ cessário mobilizaremos a polícia. As coisas não vão ser da maneira como eles pensam! – Mas estou com muito medo! Eles têm gente onde menos se es‑ pera, pai! Surgem do nada! São como sombras! – É bom que você tenha percebido isso, filho. Mais uma razão para nunca mais se envolver com essa espécie de pessoas. – E tem mais um detalhe, pai. – Sim? E qual seria, Renato? – Só me deram dois dias para eu pagar, senão... – Senão o quê, meu filho? – perguntou Célia mais assustada e preocupada ainda.


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Renato não respondeu com palavras, apenas lágrimas rolavam de seus olhos. Luiz, percebendo a profunda angústia da esposa e o medo do fi‑ lho, julgou melhor encerrar aquela conversa. Já haviam progredido muito no diálogo. – Agora vai descansar em seu quarto, meu filho. Eu e sua mãe vamos ficar pensando em como resolver essa situação. O importante é que nos forneceu os dados para que possamos ajudá-lo e não vai acontecer nada de ruim com você. Assim que o filho se afastou em direção ao quarto, o casal reini‑ ciou a conversa. – Estou apavorada, Luiz! Eles são capazes de matar nosso filho? – Essa gente é capaz de tudo, Célia. São pessoas que semeiam a desgraça na vida dos outros pelos meios mais diferentes em busca do dinheiro maldito que conseguem vendendo drogas. Mas com a conversa aberta que tivemos, podemos traçar planos para defender a todos nós. – A todos nós? Mas o alvo não é nosso filho? – Desse tipo de gente você pode esperar de tudo. É bom estarmos vigilantes sempre! – Creio que você tem razão. Até tive uma ideia! Quando o telefo‑ ne tocar novamente e Renato estiver em casa, vou escutar a conversa na extensão. Se for algum amigo da gente, Renato irá me chamar. Mas se for o mesmo mau-caráter que tem ligado com toda a má edu‑ cação de que é portador, posso ficar sabendo melhor qualquer tipo de ameaça que ele faça contra nosso filho. Dessa maneira podemos nos proteger melhor. O que você acha, Luiz? – Contra essa gente que joga sujo, temos o direito de usar os meios ao nosso alcance para nos defender. Vou falar com um in‑ vestigador da polícia que conheço e pegar orientações com ele. Dessa maneira vamos somando armas para a defesa da nossa casa, Célia.


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– Vou buscar ajuda no centro espírita da Luíza. Quem sabe não vem uma orientação por parte dos espíritos com quem eles conver‑ sam lá? – Se você se sentir mais segura, faça isso, Célia. Entretanto, vamos nos preparando por aqui mesmo. Me parece que o outro lado da vida fica meio longe daqui e o socorro de lá pode demorar a chegar até aqui. – Você não acredita, não é? – Respeito a crença de todos, Célia. Só acho que Deus espera que a gente faça a parte da gente para que Ele possa nos ajudar. Mas fique tranquila. Fale com Luíza se isso a tranquiliza mais, meu bem. Abraçaram-se cada um arquitetando planos para a defesa do fi‑ lho Renato sob a ameaça dos traficantes.


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capítulo 13

BUSCANDO APOIO

APESAR DE TODA a forte carga de emoções naqueles poucos minutos de conversa entre os familiares, Célia dirigiu-se à escola para as au‑ las costumeiras. Como perdera as duas primeiras aulas programadas no calendá‑ rio escolar daquele dia, justificou-se com a diretora comprometen‑ do-se a repor as lições não ministradas em outra ocasião dentro do ano letivo. Em seguida prosseguiu a jornada que o compromisso esperava dela. No intervalo das aulas solicitou à amiga Luíza uma conversa mais reservada para poder desabafar, ao mesmo tempo em que pe‑ diria ajuda mais uma vez. – Essa manhã em minha casa a verdade, em toda a sua extensão, veio à tona, minha amiga. Por isso preciso de sua ajuda – abriu o seu coração a mãe de Renato. E contou com detalhes os fatos ocorridos com o filho naquela ma‑ nhã numa conversa inesperada. Não omitiu nenhum detalhe por‑ que confiava plenamente na companheira de magistério.


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– E estou extremamente preocupada, Luíza! Eu diria apavorada mesmo – prosseguiu na conversa de desabafo. – Calma, Célia! Nesses momentos precisamos acalmar a mente para não nos precipitarmos em decisões erradas tomadas ao sabor das emoções que ficam distantes da razão! – Eu sei, Luíza. Por isso mesmo pensei se você não pediria alguns minutos de conversa com o senhor Alfredo. Ele é um homem pon‑ derado e está distante do meu problema, podendo aconselhar-me melhor sem os envolvimentos que a proximidade da pessoa querida pode suscitar. – É claro que sim, Célia. Nosso amigo Alfredo é uma criatura sempre disposta a ajudar. Não se negaria a uma conversa amiga com você a fim de algumas orientações que ele julgar úteis para auxiliá-la. Depois de pensar um pouco, Luíza ponderou: – Você tem condições de ir ao Centro Seareiros de Jesus ainda hoje, Célia? – O que for preciso, minha amiga! – respondeu prontamente. – Então pode considerar a conversa com Alfredo marcada. Quan‑ do sairmos na hora do almoço, ligarei para ele e explicarei sobre a sua necessidade de algumas orientações particulares. Se o conheço, ficará feliz em poder ajudar a mais uma pessoa. E você esteja pronta um pouco antes do horário costumeiro para que possamos chegar com folga para a sua conversa com ele. – Faça isso, amiga, por favor! – Claro que sim! Chegaremos meia hora antes do horário dos tra‑ balhos da noite e Alfredo conversará com você, pode ter certeza. A resposta de Célia foi um abraço bem apertado em sua amiga Luíza como agradecimento pela ajuda sempre presente nas horas difíceis de sua vida. A mãe de Renato completou a jornada da manhã das aulas sob a sua responsabilidade e retornou ao lar mais tranquila.


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“O senhor Alfredo é um homem experiente em lidar com o so‑ frimento alheio e, por certo, terá as palavras adequadas para orien‑ tar e tranquilizar-me melhor” – pensava Célia enquanto se dirigia para casa. O almoço transcorreu em ambiente de constrangimento para Renato, embora os pais tudo fizessem para manter a rotina normal da casa. O filho pouco comeu e ausentou-se logo da mesa de refeições di‑ rigindo-se para seu quarto. Foi a oportunidade que o casal teve para conversar sobre o pro‑ blema que afligia a ambos. A primeira a falar foi Célia, envolvida por grande ansiedade: – Luiz Flávio, falei com Luíza na escola e irei ao centro dela hoje à noite mesmo. Lá tem um senhor com grande experiência em orien‑ tar as pessoas com problemas e, tenho certeza, que vai direcionar nossas atitudes em relação ao que se refere ao problema de Renato. Estou confiante, meu amor. – Que bom vê-la sentindo-se assim, meu bem! Se isso faz você sentir-se melhor, vá mesmo. Eu fico em casa para conversar mais com nosso filho, pode ficar tranquila. Aguardou alguns instantes e voltou a comentar: – Hoje liguei para meu amigo que é investigador e ele passou algumas orientações que também irão nos auxiliar na solução do nosso caso. – E o que disse ele, Luiz? – Basicamente o que intuitivamente já sabemos: muito cuidado! Esse pessoal que se envolve com drogas não tem muito a perder. Para eles o dinheiro está antes e acima de tudo. São capazes de arris‑ car a própria vida, como vemos nas reportagens de televisão, para manter o tráfico. Não medem consequências. Não temem as leis, talvez por serem muito brandas. Estão escravizados pelo dinheiro fácil e volumoso que angariam à custa das desgraças alheias que


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para eles não incomodam de maneira nenhuma suas consciências anestesiadas. Os grandes chefes estão ocultos. Valem-se de “peixes” menores para o tráfico e os riscos mais ostensivos. Dão ordens e ai daquele que não cumpri-las! – Essa realidade coloca claramente que Renato está em perigo real! – conclui Célia. – Primeiramente ele, Célia. Mas também não podemos nos descui‑ dar. Esse pessoal se utiliza de qualquer meio para atingir seus fins. – Meu Deus! Quantas almas perdidas! Por isso mesmo vou ao centro hoje sem falta com Luíza! – afirmou revelando toda a sua convicção. – Vá sim, querida. Será bom para você e para nós todos – afirmou Luiz Flávio em apoio à decisão da esposa procurando animá-la. E, de fato, naquela noite Luíza e a amiga chegaram mais cedo ao centro onde eram esperadas pelo senhor Alfredo que recebeu as duas com um sorriso cordial. – Muito boa noite, minhas amigas e irmãs! Vamos até a sala de entrevistas onde poderemos conversar mais à vontade. – Desculpe, Alfredo. Vou deixar Célia a sós com você para que ela tenha mais liberdade na conversa. Que os bons espíritos os pro‑ tejam, meus amigos! Célia adentrou a pequena sala destinada a receber as pessoas que precisavam de um diálogo mais aberto e íntimo e de orientações mais diretas. Naquele local sentiu-se plenamente à vontade para narrar ao trabalhador espírita sobre a situação que se instalara em seu lar, tendo como figura central o filho Renato. – Pois é, senhor Alfredo. Essa é a situação que estamos vivendo lá em casa. Preciso muito de uma orientação do senhor – esclareceu Célia após narrar todos os detalhes do problema que tinha se insta‑ lado em seu lar. – Estou aqui para auxiliar no que for preciso, minha irmã. Peça‑ mos a Jesus que se compadeça de nossas necessidades trazendo o


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socorro que vivemos precisando, através dos espíritos que em nome dele sempre nos amparam. – Será que eu e meu marido erramos para que nosso filho tenha sido seduzido pela droga, senhor Alfredo? – Segundo a irmã mesmo contou, Renato foi como que desafia‑ do a fumar o cigarro de maconha, dona Célia. Na idade dele, que é a de autoafirmação, esse desafio é muito grande. Representa uma espécie de ritual para ser aceito pela turma. Além disso, o que diz a sua consciência que é a parcela de Deus em cada uma das Suas criaturas? Levando em consideração que estamos muito longe da perfeição para a qual fomos criados por Deus, sua consciência a acu‑ sa de alguma coisa? – Até onde me lembro, não, senhor Alfredo. – Isso é o mais importante no drama todo em que estão envolvi‑ dos. Somos espíritos em aprendizado na escola da Terra. Não somos perfeitos! Pelo contrário. Estamos muito longe, mas muito longe mesmo da perfeição para a qual Deus nos criou. Entretanto, quando os pais aqui na Terra agem fazendo de tudo para que o filho não se extravie do caminho do bem, devemos permanecer tranquilos. É a culpa que nos rouba a paz. O dever cumprido é o promotor des‑ sa paz! – Mas não consigo ficar tranquila com a vida do meu filho em risco, senhor Alfredo. – Isso é perfeitamente compreensível. É seu filho! Seu instinto de proteção materno está mobilizado para defendê-lo. Entretan‑ to, é indispensável não nos esquecermos de que ele é também e, antes de mais nada, filho de Deus, minha irmã! Por isso vamos solicitar o auxílio do Criador para que você e seu marido possam continuar cuidando do filho do nosso Criador da melhor manei‑ ra possível. – Mas é isso que não consigo entender direito, senhor Alfredo. Do jeito que o espiritismo coloca dá a impressão de que não somos os


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pais, mas sim apenas uma espécie de “babá” dos filhos que nasce‑ ram do nosso ventre! Alfredo sorriu da colocação sincera de Célia e explicou: – Não somos “babás” dos filhos de Deus, não, minha irmã. Quan‑ do a mulher, juntamente com o marido, “confecciona” um corpo de carne para que um espírito retorne ao mundo físico, somos considera‑ dos por Deus como cocriadores na obra d’Ele! E isso é extremamente importante! É grandioso! Damos um uniforme, que é o corpo físico, e nele Deus deposita um espírito imortal! Veja que coisa mais bela! Esperou alguns segundos para que Célia fosse entendendo me‑ lhor e retornou ensinando: – Quando o corpo morre, o espírito retorna para o Criador na vida que nunca se interrompe. E se Ele permite que participemos na obra da Criação, devemos agir da melhor maneira possível para que o espírito imortal, entregue temporariamente aos nossos cuidados retorne melhorado para o Pai. Eu disse melhorado e não perfeito. Perfeição demanda milhares de anos! Um tempo que é impossível para nós prever! Incontáveis idas e vindas à escola da Terra ou a um dos inúmeros planetas habitados do Universo sem fim. O próprio Jesus afirmou serem muitas as moradas na casa do Pai! Enquanto o orgulho do homem o impedir de entender que o nosso planeta é uma casa muito humilde na Criação divina, planetas muito mais evoluí‑ dos do que os nossos representam com maior fidelidade a grandeza do Criador espalhados por esse Universo sem fim. E é nesses plane‑ tas melhores que encontraremos as escolas mais adiantadas quando a elas fizermos por merecer! Célia estava como que hipnotizada por aquelas notícias das quais não tinha ouvido falar com tal beleza até então. – Nossa, senhor Alfredo! Escutando o senhor falar parece que tudo é tão perfeito! Mas na prática a coisa se complica. – Complica porque perdemos essa visão de Deus, minha irmã. Achamos que os filhos são nossos e de mais ninguém, quando na


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realidade o corpo que confeccionamos é mortal, tem tempo de du‑ ração. O espírito, que é criação do Pai é imortal, não conhece jamais a morte! Por nos esquecermos dessa realidade, sofremos mais do que deveríamos. – É difícil de compreender e aceitar os fatos assim, realmente, se‑ nhor Alfredo. – É o nosso orgulho e vaidade que tornam difícil de entender a vida como ela é realmente e não como achamos que ela seja de acordo com os nossos interesses, Célia. Vejamos a situação especí‑ fica de Renato. Você acha que Deus não tem nada mais a ver com o seu filho? Que agora o Renato é problema somente seu e do seu marido? Não, minha irmã! Deus está a auxiliá-los para que con‑ duzam Renato ao bom caminho. O Criador deseja que ele seja um vencedor! Que supere o vício da droga. Deus está torcendo pela vitória de todos os Seus filhos que estão na escola da Terra como em qualquer outro lugar do Universo! Não estamos esquecidos e muito menos abandonados por Ele! Apenas, temporariamente, es‑ tamos em viagem de aprendizado com data de chegada e de par‑ tida para o nosso verdadeiro lar que é o mundo dos espíritos! E digo mais: a nenhum filho Seu o Criador destinou o fracasso, a prática de coisas ruins aqui no mundo dos homens. Não! O Pai espera sempre que caminhemos em cada existência aqui na Terra para crescermos em direção a Ele e entrarmos na posse da feli‑ cidade completa para sempre. Para mergulharmos em um estado de paz que a nossa mente não é capaz sequer de imaginar por en‑ quanto. Os grandes mártires do cristianismo suportaram todos os sofrimentos porque já entendiam a realidade como a que estou, palidamente, explicando a você agora. Sabiam que os sofrimentos são todos passageiros e que se suportados com fé em Deus, nosso retorno será glorioso para o mundo espiritual. – Como seria bom se todos entendessem dessa maneira, senhor Alfredo! Sofreríamos muito menos!


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– Essa é a realidade que a doutrina dos espíritos nos apresen‑ ta, minha irmã. Continuemos a lutar porque Deus está conosco em nossas dificuldades! Auxilia-nos através dos espíritos amigos e dos encarnados de boa vontade. Célia estava bem mais calma depois daqueles esclarecimentos todos. Sentia como se aquela sala estivesse impregnada de uma vi‑ bração curativa para todos os males da alma. Sentia-se mergulhada em um recipiente com líquido balsâmico. Um sentimento de paz in‑ vadia seu corpo por todos os lados e por todos os ângulos. Despertou dessas sensações com uma pergunta de Alfredo: – Permite que eu lhe aplique um passe, dona Célia? – Por favor! – respondeu. Após rogar o auxílio das entidades amigas, Alfredo deu início à aplicação dos passes. Célia sentiu-se como se caminhasse por um prado verdejante. Ao longe viu uma construção conhecida sua que irradiava uma tênue luz esverdeada. Aproximou-se curiosa. No frontispício da casa leu claramente a denominação “Seareiros de Jesus”! – Dona Célia, dona Célia. Terminamos, minha irmã – era a voz de Alfredo chamando a atendida por ele. – Nossa, senhor Alfredo! Que coisa mais estranha! Estou aqui no centro e parece que deixei esse local e fui a outro lugar! E o mais es‑ quisito ainda é que nesse outro local tornei a encontrar o prédio do Seareiros de Jesus! Meu Deus! O que será que aconteceu? – Os espíritos nos ensinam que tudo na Terra é cópia do que existe na dimensão espiritual. Talvez a nossa humilde casa espí‑ rita tenha origem na espiritualidade materializando-se aqui entre os encarnados e a irmã tenha ido, digamos assim, à matriz espiri‑ tual do Seareiros. Mas se foi um acontecimento bom, agradeçamos a ajuda de Jesus. Agora preciso da sua licença porque os trabalhos da noite vão se iniciar daqui a poucos minutos e contam com a minha presença.


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Após agradecer pela conversa e orientações amigas e consolado‑ ras, Célia ficou a cismar. “Mas que coisa mais estranha! Se o centro está aqui. Se eu estou aqui. Como me vi naquele prado suave e belo? Como o Seareiros de Jesus também estava lá?” – E aí, minha amiga? Como foi a conversa com o nosso companheiro Alfredo? Conseguiu fortalecer sua fé de que tudo dará certo? – era Luí‑ za que se aproximara de Célia quando retornou para o salão principal para as atividades de mais uma noite de trabalho, em favor das pessoas portadoras de problemas aos quais o mundo não oferecia soluções. – Foi tudo tão bem, Luíza! Principalmente no final quando o se‑ nhor Alfredo me aplicou um passe. Creio que fiz uma viagem em uma espécie de disco voador! – gracejou com a amiga. – Disco voador? O que está querendo dizer com isso, Célia? Não estou entendendo nada. Só posso te adiantar e principalmente aler‑ tar que os espíritos voltados para o bem são muito sérios! – Não estou debochando de nada, não, minha amiga. Mas não es‑ tou entendendo nada da mesma forma como você. Durante o passe fui parar em um lugar diferente que eu nunca havia visto ou estado num lugar daqueles. Era um prado muito belo. Ao longe avistei uma construção que irradiava uma tênue luz esverdeada que parecia combinar com a cor da vegetação. Aproximei-me e no frontispício da casa sabe o que estava escrito, Luíza? – Não. Mas sou sincera em confessar que estou curiosa em saber – respondeu com franqueza, sorrindo. – Nada mais, nada menos do que o nome do Centro Seareiros de Jesus! Dá para entender, amiga? – Nossa! – Pois é. Por isso gracejei que devo ter feito uma viagem em um disco voador para ser assim tão depressa! Não vai nessa minha des‑ crição nenhum desrespeito aos espíritos, mas como posso estar aqui e, de repente, ter ido parar lá?!


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– Talvez seja algum ensinamento que os espíritos estão preparan‑ do para você, Célia. Vamos esperar. Eles sempre têm uma finalidade construtiva nos acontecimentos em que tomam parte. Hoje pode‑ mos não entender. Amanhã a lição se torna clara e acabamos nos beneficiando do ensinamento. As duas amigas encerraram a conversa porque a leitura da pági‑ na baseada no Evangelho de Lucas – Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Lucas 12:20 – dava opor‑ tunidade que Alfredo falasse sobre a transitoriedade da vida terrena e dos bens materiais e a certeza de nossa partida para o mundo dos espíritos com a consequente necessidade do devido preparo para a grande transição.


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capítulo 14

PAI E FILHO

ENQUANTO CÉLIA BUSCAVA conforto no centro espírita frequentado pela amiga Luíza, Luiz Flávio buscava diálogo com o filho Renato no aconchego do lar. – Filho, vamos conversar um pouco mais sobre o ocorrido com você nessa manhã. Precisamos saber o máximo para podermos proteger você e o nosso lar desse tipo de pessoas que encon‑ tram aquilo que eles julgam felicidade, semeando desgraça para os outros. – E o que o senhor quer saber mais, pai? – Qual é a dívida que você tem com esse mau-caráter, Renato? – Devo a ele mais ou menos uns mil reais. – Quanto a esse valor podemos dar um jeito, meu filho. Agora, precisamos do seu compromisso de abandonar o uso dessa substân‑ cia e, principalmente, manter distância desse tipo de gente. Só pela ameaça que fez a você, dá para entender do que são capazes! E que não são amigos de ninguém a não ser do dinheiro que arrancam dos infelizes que caem em suas malhas. Inclusive vou pedir ajuda de


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Otávio, um amigo psicólogo, para conversar com você e dar o apoio necessário nessa luta que é de todos nós, Renato. – Eu sei, pai. Mas o senhor acha que esse indivíduo é capaz de chegar ao extremo de matar pelo dinheiro? – Não tenha nenhuma dúvida quanto a isso, meu filho. Eles vivem em função do dinheiro que arrancam das vítimas. Pessoas assim não têm nenhum escrúpulo! Não vacilam! Matam-se inclusive entre eles mesmos na disputa de pontos de vendas das drogas, quanto mais àqueles que não pagam o que devem! Luiz Flávio sentiu a preocupação do filho com a ameaça e per‑ cebeu que a ocasião era propícia para demonstrar o apoio dele e da mãe a Renato. – Você tem sorte de contar com pais compreensivos que estão ao seu lado para enfrentar o que for necessário para libertá-lo, Rena‑ to. Só que também tem o outro lado: é necessário que você queira se libertar! De um lado estamos eu e sua mãe. Do outro está a sua vontade firme em abandonar o uso, enquanto é tempo. É como se fosse uma moeda. Se faltar uma das faces ela não existe e não tem valor algum. – Entendo, pai. O diálogo que se desenrolava no quarto de Renato, foi interrom‑ pido pelo telefone que tocou na sala. O pai prontamente colocou: – Deixa que eu atendo, Renato. Pode ser a sua mãe querendo sa‑ ber notícias suas. Ela foi ao centro espírita com a colega dela, a Luíza lá da escola. – Atende na extensão do seu quarto mesmo que é mais perto, pai. Assim posso falar com a mamãe e deixá-la mais tranquila – pe‑ diu Renato. – Não. Você pode ficar na extensão. Eu vou atender lá na sala. Que‑ ro ouvir bem a voz de quem estiver do outro lado da linha. Vai que não é sua mãe! – considerou o pai com um certo ar de desconfiança.


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– Credo, pai! Está achando que é... – Já vamos saber, Renato. Luiz aproximou-se do aparelho e tirou o fone do gancho. – Pronto? – Quero falar com Renato – respondeu bruscamente a voz do ou‑ tro lado da linha. – Eu sou o pai dele e quero saber quem está querendo falar com o meu filho. – Ah! O marido da coroa! – Típica linguagem de um malandro sem educação e mau-cará‑ ter! Aqui não tem coroa, seu mal-educado! Aqui moram pessoas que trabalham, que são honestas, que não exploram ninguém! – Nossa! O velho está valente! Vá chamar seu filho, coroa! – Não converso com quem não tem educação e muito menos meu filho! – Então só dê um recadinho a ele, coroa: o prazo está acabando! Se não pagar, “zap”! – Procure gente da sua laia para conversar, seu mau-caráter! – res‑ pondeu extremamente irritado Luiz Flávio. Não houve resposta. Apenas o ruído característico de linha inter‑ rompida pela ligação desfeita. – Tá vendo, pai! Esse cara vai me matar! – Não, ele não vai, Renato. Já falei com um investigador amigo meu e estamos traçando algumas estratégias para nos defendermos. Mas é bom pra você ver com que espécie de gente se meteu, meu filho. Você acha que o prazer ilusório de algumas tragadas desses malditos cigarros vale a pena para depois termos esse tipo de gente fazendo ameaças em nossas vidas? Os rápidos minutos de prazer inútil dessa erva, que nada resolve, vale a angústia que se intromete em nossas existências, meu filho? Renato não respondeu. Não precisava. Sua face revelava o temor que invadia seu mundo íntimo. Luiz percebeu isso nitidamente no


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filho e não quis forçar mais a conversa para não perder a confiança do moço. “A pressão do traficante está sendo benéfica como lição inesque‑ cível para meu filho!” – ponderou consigo mesmo Luiz Flávio. Minutos depois Célia chegou do centro com feição renovada. Es‑ tava mais tranquila com as palavras do senhor Alfredo e do passe que recebera dele. Só não conseguia entender aquela visão que tivera do outro lugar que tinha visto enquanto recebia o socorro através do passe. A pergunta de como pudesse estar em dois locais diferentes desa‑ fiavam o seu raciocínio. “Com o tempo entenderei! Pretendo continuar indo lá com Luíza e acabarei compreendendo melhor!” – ponderava enquanto se diri‑ gia ao quarto do filho. Ao adentrar o cômodo, não passou indiferente à sua visão de mãe, a feição de pavor do filho. E as angústias do filho buscaram o socorro no coração materno. – Mãe! O cara ligou aí de novo! Papai atendeu! Disse que vai me matar se eu não pagar! – desabafou Renato como se a revelação fosse um pedido de socorro urgente. – Como assim, meu filho! Aquele sem educação ligou a essa hora da noite em nossa casa fazendo ameaças? – Calma, Célia! Fui eu quem atendeu. As ameaças fazem parte do caráter desse pessoal. E isso é bom para que nosso filho veja bem com quem se envolveu. Conversei com Renato e iremos resolver isso da me‑ lhor maneira possível. Faremos nossa parte para defender nosso filho e ele terá que fazer a dele lutando contra esse vício. Dessa maneira, tudo acabará bem, felizmente. Conseguimos socorrer a tempo esse engano de Renato. Como diz o ditado popular, há males que vêm para o bem. O traficante, mostrando seu caráter com essas atitudes, representa um mal que vem para o bem de nosso filho que recebe um alerta e uma nova oportunidade de cair fora dessa situação sem se envolver em outra.


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Luiz Flávio tinha noção da gravidade da situação, mas procurava poupar a esposa. – Mas é muito atrevimento ligar novamente e a essa hora em nos‑ sa casa! – não se conformava Célia. – Mas esperar o que dessa gente, amor? – perguntou com delica‑ deza o marido para continuar na atitude de tranquilizar a esposa. – Mas... Célia não concluiu a frase porque o telefone tocou novamente. – Deixa que vou atender de novo – ponderou Luiz. – Não, Luiz! Eu vou atender para ver se a voz é do mesmo ca‑ nalha das outras vezes! Fique na extensão do nosso quarto. Não é possível que o atrevido esteja a ligar outra vez! – disse Célia dirigin‑ do-se até o aparelho telefônico da sala. – Alô? Célia estava trêmula de medo e de revolta. – Madame! Estou ligando outra vez porque chegou em sua casa agora, não é? – indagou a pessoa do outro lado da ligação. A voz era a mesma das outras vezes. Célia fulminou: – Mas que atrevimento o seu, canalha sem educação. Como ousa ligar para minha casa a essa hora? E mais: está vigiando meus passos? – Calma, coroa! Como o machão do seu marido ficou muito va‑ lente no telefone, tô ligando pra avisar a madame que se o seu filhi‑ nho não pagar o que deve: zap! E o prazo tá acabando! – O que significa isso, seu bandido? Vamos colocar a polícia em seu encalço! Vai ser preso e aí vamos ver a sua valentia quando esti‑ ver atrás das grades, bandido! – Nossa! Acho que a valentia pertence a toda a família, coroa! Só vamos ver até quando! E antes que Célia ouvisse o som de linha interrompida pelo desli‑ gamento do telefone, ainda teve tempo de ouvir uma gargalhada da pessoa que fizera a ligação. Nervosa subiu de novo para o quarto chorando.


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– Era ele, mãe? – Era, meu filho! – respondeu procurando conter as lágrimas para não apavorar ainda mais Renato. Luiz Flávio interferiu aproveitando-se do ocorrido: – Está vendo, filho? Essa é a espécie de gente com quem você se envolveu a troco de nada! Veja o sofrimento da sua mãe, o seu próprio sofrimento, o sofrimento de todos nós e reflita para o futuro se vale a pena colocar na boca um cigarro cujo preço é tão alto para todos nessa casa! – Como gostaria que nós três fôssemos ao centro de Luíza! Saí de lá reconfortada hoje pelas orientações que o espiritismo nos dá sobre a vida e os seus acontecimentos! – Iria comigo, filho? Não precisa temer nada. São pessoas amigas, bondosas, que só nos dirigem palavras de bom ânimo e consolo. Não convidaria meu próprio filho se tivesse algum risco. – Não sei, mãe. Tenho medo desse negócio de espíritos! – Eu também tinha porque fazia uma outra ideia do que fosse um centro espírita e as pessoas que lá dentro se encontram, meu fi‑ lho. Mas é tudo muito natural, tranquilo, muita paz, nada que possa assustar a quem quer que seja. Faria muito bem a você e a seu pai como tem feito a mim! – Não sei responder agora, mãe. Vamos ver. Talvez eu aceite seu convite, mas prefiro pensar um pouco. – Renato! Nossa casa está sob ameaças no dia de hoje! Por que dei‑ xar de procurar socorro no dia de amanhã, meu filho? Tenho certeza de que sairá de lá mais reconfortado e seguro para lutarmos juntos! – Mas, mãe! O que essas pessoas desse lugar ou esses tais espí‑ ritos vão poder fazer? Prender esse homem que passou a infernizar nossas vidas? – Prender é função da polícia, Renato. No centro encontraremos orientações mais seguras de como devemos agir para que o socorro de Deus chegue até nós ajudando a resolver essa situação!


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Renato abaixou a cabeça sem dar resposta ao convite materno. Célia voltou seu olhar para o marido. – E você, Luiz, vai conosco ao centro também? – perguntou sa‑ bendo que ele era mais resistente ao convite. – Estamos nos organizando para nos defender desses maus ele‑ mentos, Célia. Os problemas do nosso mundo têm que ser resolvi‑ dos por nós mesmos. – Mas você duvida que Deus possa nos auxiliar em nossas lu‑ tas, Luiz? – Não é isso, Célia. É que não podemos ficar parados esperando que Ele resolva o que nos compete solucionar. Vamos providencian‑ do o que podemos. Só isso! – E você tem razão, meu bem. O ditado popular de que Ajuda-te que o céu te ajudará diz exatamente isso. O fato de irmos ao centro não nos desobriga de fazer a nossa parte como estamos fazendo. Apenas acrescenta o auxílio valioso de Deus em nossas lutas. Aguardou alguns segundos e indagou: – Promete pensar? – Claro que sim. Independentemente da minha decisão, o Renato deve ir com você porque acho que será muito bom para ele. – Para nós três, Luiz! – acrescentou a esposa. – Acredito que sim, Célia! Para nós três, se Deus quiser, meu bem. Se você pensa assim, eu penso também, meu amor! Abraçaram-se os três renovando a disposição de lutar sem tré‑ guas para vencer o inimigo que Renato introduzira dentro do lar num momento de irreflexão!


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capítulo 15

O INVESTIGADOR

NO DIA IMEDIATO à conversa anterior, logo de manhã bem cedo, o telefone tocou novamente na casa de Luiz Flávio. Célia e o marido levantaram rapidamente e encontraram Renato no corredor dos quartos como se houvessem combinado esse encontro. O pensamento comum na mente dos três era um só: – É ele, o traficante atrevido outra vez! – anunciou a mãe expres‑ sando com fidelidade o pensamento do filho e do marido. Em seguida sugeriu: – Deixem que eu atendo ao telefonema desse bandido! – tornou a expressar a sua revolta. – Não, Célia. Sabemos qual o objetivo dele. Quer o dinheiro da maldita droga que vendeu pra Renato. Se você atender não chegare‑ mos ao objetivo principal que é saber dele onde levar o tal pagamen‑ to, por mais revolta que isso nos cause. Temos que atraí-lo para uma situação que permita à polícia agir. – E vamos pagar, Luiz? – perguntou entre a revolta e a angústia que invadia o seu ser.


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– Não temos escolha, meu bem. Essa gente é capaz de tudo! In‑ clusive atentar contra a vida de Renato. Não têm nada a perder! Por isso é melhor deixarmos nosso filho atender ao telefone para saber o que o traficante planeja. Se eu ou você atendermos, ele não se abrirá. Precisamos de informações para fornecer ao meu amigo Roberto, da investigação policial, com o qual já conversei e está de sobre alerta para pegar esse indivíduo. – Então vou ficar ouvindo na extensão, Luiz – argumentou Célia dirigindo-se para o quarto do casal. Enquanto os três trocavam essas ideias, o telefone parou de tocar. Mas reiniciou com insistência outra vez. Agora já não havia mais dúvidas. Só podia ser o atrevido intruso! Renato dirigiu-se até o telefone da sala enquanto a mãe correu para a extensão com o coração aos saltos. – Alô? – atendeu o jovem muito assustado. – E aí, mano? Hoje é o fim do prazo, cara. Já descolou a grana? – Pode ficar tranquilo que vou pagar, cara. – Hoje, né bacana? – É! –Arrumou rápido os trocados, cara! É o coroa quem vai compa‑ recer com a grana? Nessa altura do diálogo atrevido e debochado do traficante, Célia que estava ouvindo na extensão do telefone do seu quarto, não se conteve: – Bandido atrevido! A polícia vai te pegar miserável! Fica des‑ truindo vidas e extorquindo dinheiro de pessoas honestas e que tra‑ balham duro para viver! – Ei, mano? Segura essa coroa doida que eu já estou cheio dela, cara! – Não fale assim da minha mãe! – foi a resposta automática de Renato em defesa de Célia. – Cara, presta bem atenção: se não vier com essa grana ainda hoje, não vou telefonar mais, não! Vou te pegar quando você menos espe‑


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rar. E aí você já sabe né: zap! Já era um garotão filho de papai. E da mamãe também, claro! Renato estava cada vez mais apavorado. Luiz Flávio percebendo a situação, após acalmar a esposa, dirigiu-se até ao lado do filho apoiando-o para que a conversa prosseguisse. Com a presença do pai, Renato readquiriu forças para continuar. – Já falei que levo o dinheiro hoje! Só preciso saber aonde. – Esperto você, mano! Quer que eu marque um lugar para armar pra mim, né malandro? Tu pensa que sou trouxa, cara? – Não é isso! Só não sei onde levar o dinheiro. – É isso sim, cara! Mas vamos ao que interessa. Você vai indo pra escola por caminho diferente que usa todos os dias que eu te encon‑ tro, mano! Tenho radar pra grana! – disse e gargalhou do outro lado da linha telefônica. Célia continuava a ouvir na extensão e estava a explodir de revol‑ ta. Só não falou mais nada porque o marido que havia retornado ao seu lado, desaconselhou tal atitude. Precisavam das informações do traficante para armar o plano policial que tinha o objetivo de pren‑ dê-lo. A conversa ao telefone não durou muito mais. O objetivo do de‑ linquente estava atingido. Receberia o dinheiro. Assim que a ligação foi encerrada, Célia voltou a demonstrar sua revolta. – Não me conformo! Que mundo é esse, meu Deus? Você rece‑ ber um atrevido, praticamente dentro de sua casa, para extorquir dinheiro? Dinheiro maldito que rouba a vida das pessoas! – Calma, amor! – procurou acalmá-la o marido que a tinha entre os braços. Precisávamos de alguma informação para eu levar até o Roberto. De posse dos dados da conversa ele poderá planejar a ação da polícia. – Eu sei, Luiz! Seus argumentos são válidos! Mas continuo a sen‑ tir a revolta do mesmo jeito! Se pudesse eu faria justiça com minhas


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próprias mãos para acabar com essa espécie de gente, se é que esse tipo pode ser considerado como tal! – Calma! Vou levar as informações até Roberto agora de manhã mesmo. Quanto a você Renato, aprenda como é difícil e perigoso resolver a tragada de um prazer enganoso, meu filho! Quanto trans‑ torno para família e quanto risco trazido até você a troco de nada! Esperou mais alguns minutos colaborando no preparo da mesa para o café da manhã, e depois ponderou: – Renato, hoje você vai mais tarde para escola. Preciso de tempo pra avisar Roberto, e ele pra planejar alguma coisa contra esse tra‑ ficante que está doido pelo dinheiro. Com certeza deve estar pres‑ sionado pelo seu chefe que quer a quantia que você ficou devendo a eles. – Mas pai, se eu me atrasar para ir à escola, o cara não vai conse‑ guir me encontrar! E vai querer se vingar! – Não se preocupe. Ele ligará aqui pra nossa casa. Ainda mais quando já sabe que está com o dinheiro pra dar a eles. São como urubu atrás da carniça. Lembra que ele falou que tem radar pra dinheiro? Pois então! Não se preocupe! Ele irá encontrá-lo. Vamos seguir fazendo nossa parte da maneira mais correta pra tudo aca‑ bar bem. O mais importante nesses problemas todos que estamos enfrentando é você aprender que não vale a pena acender um ci‑ garro de maconha. Como também nenhum outro tipo de cigarro. Digo mais: não vale a pena cultivar nenhum tipo de vício, mesmo quando ditos lícitos como o álcool, responsável por tanta desgra‑ ça nas famílias e naqueles que dele fazem uso, volto a lembrar. O mesmo acontece com o aparente cigarro comum. Quantos males trazem à saúde do fumante e das pessoas que com eles convivem debaixo do mesmo teto e que passam a ser consideradas como fumantes passivos! Aguardou um pequeno tempo para que as suas considerações fossem absorvidas e prosseguiu:


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– Vamos nos organizar dessa maneira: vou à procura de Roberto agora mesmo levar até ele as ameaças do traficante para que a polícia planeje algo. Não se esqueça, filho, de não sair já para a escola. Pre‑ ciso de algum tempo para chegar até ao meu amigo policial, da mes‑ ma forma que ele também precisa de tempo para organizar a sua de‑ fesa, Renato. Assim que ele julgar que está tudo em ordem, ligo aqui pra casa. E você, Célia, procure não atender ao telefone. Está muito nervosa e não tem condições de ouvir asneiras desse indivíduo. – Mas pai! Se eu demorar muito ele vai ligar aqui de novo! – Provavelmente, sim. Mantenha a afirmativa de que está com o dinheiro e vai até a escola ainda no período da manhã depois que providenciar as coisas de que você precisa. Isso irá acalmá-lo. Te dou um retorno assim que Roberto autorizar a sua saída pra escola. Es‑ tamos certos assim? Após a concordância da esposa e do filho, Luiz Flávio partiu em direção ao encontro do amigo policial. Chegando ao local, procurou resumir os acontecimentos. – E foi isso o que se passou, Roberto. Minha esposa está muito tensa e revoltada com o atrevimento do indivíduo em ligar pra casa. Renato está assustado com as ameaças. Vim o mais depressa possí‑ vel pra que você tome as providências que julgar mais apropriadas. Meu filho aguarda orientações suas. – Já estava pensando no caso desde que você me comunicou o que vinha ocorrendo, Luiz. Agora com essas informações que trouxe, creio que o delinquente vai abordar seu filho com uma moto que é um veículo de fuga que eles gostam muito de utilizar porque transitam na contramão de direção, passam por cima de calçadas o que facilita cometer o crime e fugir. Portanto, ele deve se aproximar do seu filho de forma inesperada, apanhar o dinhei‑ ro e fugir. Eles também não são nada bobos. Contam com a pos‑ sibilidade de vocês terem avisado a polícia e vão agir da forma mais rápida possível.


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Passou a mão direita pelo queixo, alisou os cabelos e continuou: – Vamos usar dois veículos comuns pra não chamar a atenção deles. Um seguirá à frente do seu filho pra tentar barrar a fuga através de moto. O outro veículo acompanhará seu filho na re‑ taguarda com o mesmo objetivo do que estiver à frente. Como se a gente encurralasse o traficante pra poder pegá-lo. Como te disse, não é fácil. São espertos, audaciosos e não temem nada. Tudo pelo dinheiro é o lema deles. Precisamos agir rápido e com muita discrição pra que não percebam a nossa presença. Qual‑ quer descuido ou vacilo o perderemos. E as ameaças que fize‑ ram ao seu filho não são brincadeiras! Por dinheiro realmente eles matam mesmo! Levantou-se da escrivaninha onde conversava com Luiz e orientou: – Vou traçar os planos com a minha equipe e te dou o toque pra você liberar seu filho em direção à escola. Fique tranquilo. – Só estou preocupado, Roberto, com a demora de Renato ir pra escola. O bandido pode desconfiar que estamos preparando algu‑ ma coisa. – Como te disse, eles não são bobos. Mas não demoraremos. Só o tempo de conversar e ultimar os preparativos e estaremos protegen‑ do seu filho contra esses delinquentes. Bateu nos ombros de Luiz e orientou. – Fique por perto que te dou o OK, certo amigo? Roberto se afastou para passar as orientações à equipe sob o seu comando. Enquanto decorria esse tempo do planejamento, o telefone da casa de Renato, como já era de se esperar, tocou novamente. – Mãe, é ele! É o cara de novo! Deixa que eu atendo – ponde‑ rou Renato. – Mas é muito atrevimento desse tipo! – colocou Célia que estava muito nervosa e revoltada.


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– Deixa que eu atendo. A senhora está muito nervosa e vai dis‑ cutir com ele outra vez, o que pode piorar as coisas. Logo o papai vai me liberar pra ir até a escola e tudo vai se resolver – considerou Renato que também estava vivendo uma angústia e temor muito grandes pelas ameaças recebidas. Célia dirigiu-se rapidamente até a extensão do telefone do seu quarto. – Alô? – Como é que é, mano? Vai ficar escondido na barra da saia da mamãe, cara? Cadê o dinheiro? Desembucha logo! Já estou ficando nervoso com essa espera. Por que ainda não foi pra escola? Vamos logo com essa grana! – Vai trabalhar, vagabundo! – entrou na conversa Célia na exten‑ são, não se contendo novamente diante do atrevimento do trafican‑ te. – Não tem vergonha de ganhar dinheiro vendendo a morte para as pessoas, seu infeliz! – Pô! Essa coroa já tá passando da conta, mano! Mulherzinha azeda! Vai trabalhar, sua velha! O assunto entre eu e o seu filhinho nós resolvemos. – Cafajeste! Desavergonhado! Bandido! – continuava Célia na extensão. – Mãe! Para, pelo amor de Deus! Já vou pra escola e tudo fica re‑ solvido – tentava acalmar os ânimos exaltados da mãe. – É isso aí, mano! Vem logo porque já tô cansado! Traz logo essa grana que me deve senão já sabe, né? Zap! – A polícia vai te pegar, seu malandro! Não perde por esperar! – continuava esbravejando a mãe de Renato. – Coroa insuportável! Vamos resolver isso logo, cara! A grana! E rápido! Célia tentou continuar o seu desabafo, mas o sinal de linha inter‑ rompida colocou um final nas suas palavras. O telefone voltou a tocar.


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– Não é possível que seja esse atrevido outra vez! – observou ela. – Deixa eu atender de novo, mãe! Por favor! Dessa vez era Luiz Flávio passando as coordenadas para o filho dirigir-se para a escola. – Já está tudo certo aqui na delegacia, filho. Faça como o trafi‑ cante exigiu. Não siga o mesmo caminho pra ele não desconfiar. Os investigadores vão acompanhá-lo a curta distância em veículo co‑ mum. Assim que ele te abordar, será detido. E sua mãe, como está? – Muito nervosa. O cara tornou a ligar e ela discutiu com ele de novo. Mas agora vai ficar mais calma sabendo da ação da polícia. Eu já vou pegar minhas coisas e vou pra escola seguindo o plano. Célia pegou o telefone depois de Renato conversar com o pai. – Acredita, Luiz, que o bandido ligou outra vez exigindo rapidez na entrega desse dinheiro sujo? – Calma, Célia! Está tudo pronto aqui na investigação policial. Nosso filho estará acompanhado de perto pela polícia para deterem o bandido. Fique calma. – Não consigo, Luiz! É revoltante tanto atrevimento! – Procure deitar um pouco e relaxar que logo receberá a notícia da prisão desse traficante. – Sinto que preciso ajudar de alguma maneira, Luiz. Não posso ficar parada como se estivesse assistindo a um filme! – Célia! Nem eu e nem você temos que fazer nada. Agora é com quem tem experiência de lidar com esse tipo de gente. Confiemos no Roberto e na sua equipe que já está a caminho para acompanhar Renato. Deite um pouco e se acalme. Célia não respondeu. Tinha um plano na cabeça e iria executá-lo tanto para proteger o filho como para prender o cafajeste que estava roubando a paz da sua família. Renato partiu por caminhos diferentes dos outros dias a pedido do traficante. Trazia o coração aos sobressaltos. Os pensamentos jor‑ ravam como de uma cachoeira inesgotável em seu cérebro.


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“Onde estaria o bandido? De onde viria? Em que quarteirão o encontraria? A polícia conseguiria prendê-lo antes que pegasse o dinheiro? Sairia ileso dessa enrascada?” – e continuava chu‑ tando aqui e acolá pequenas pedras ou folhas de árvores sobre a calçada. Por sua vez, Luiz Flávio também ficara apreensivo aguardan‑ do notícias em sua casa. Seus pensamentos da mesma forma es‑ tavam inquietos: “Célia não estava. Por certo teria ido para a es‑ cola. Mas como tinha cabeça para dar aulas num momento como aquele? Demoraria um retorno de Roberto, o amigo policial? E qual seria a notícia? Prenderiam o delinquente? E Renato, como estaria naquele mesmo momento com tanta incerteza a rodear a todos?” Sentou-se à mesa onde havia tomado o café da manhã e, meca‑ nicamente, pegou uma xícara para tomar mais um gole do líquido ainda quente. Os carros dos policiais seguiam o trajeto planejado para apanhar o traficante. De repente, em uma rua de pouco movimento no trajeto para a escola, uma moto possante entrou em alta velocidade em direção a Renato. O coração do jovem bateu mais rápido. “Com certeza era o cara atrás do dinheiro!” – pensou rápido pe‑ gando o dinheiro que estava em um dos bolsos da mochila que tra‑ zia aos ombros. Os policiais se comunicaram pelo rádio dos seus carros preparan‑ do o cerco que tinha que ser muito rápido. Entretanto, para surpresa de todos os envolvidos, um carro en‑ trou em alta velocidade em direção da moto com a evidente intenção de atropelar o motociclista. Além da rapidez com que se aproxima‑ va, tocava a buzina de forma alucinada com um dos braços do mo‑ torista para fora da janela do veículo gesticulando no ar e gritando impropérios ininteligíveis a todos na proximidade.


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– Mas o que é isso? – gritou Roberto para o companheiro ao seu lado no veículo como também pelo rádio para os outros que esta‑ vam à frente de Renato. – Vai atrapalhar nossos planos, chefe! – responderam pelo rádio os policiais do carro que estava na frente para interceptar o motoqueiro. Renato e o traficante que ainda não o havia abordado para pegar o dinheiro voltaram-se para o carro em disparada sem entender ab‑ solutamente nada. Num instinto de defesa apurado o delinquente acelerou com vio‑ lência sua moto afastando-se do local por pressentir que alguma coi‑ sa tinha dado errado. Antes, porém, teve tempo de gritar bem alto para que Renato ouvisse bem claro: – Isso não vai ficar assim, mano! Alguém vai pagar e caro! Os carros dos policiais ainda tentaram bloquear sua passa‑ gem, mas devido ao impacto da surpresa do veículo estranho, não conseguiram o intento e o criminoso conseguiu empreen‑ der fuga. O carro que entrara em desabalada carreira freou fortemente ao lado do rapaz que não conseguia entender o que estava acontecendo. Os dois carros dos policiais também se acercaram para apanhar o intruso que estragara tudo. A porta do veículo inesperado se abriu e Renato, boquiaberto, balbuciou atônito: – Mãe? O que a senhora está fazendo aqui? Ao ouvir o rapaz, Roberto considerou: – Dona Célia!! A senhora estragou nossa chance de prender o ban‑ dido! Por que não ficou em casa com seu marido? – Era meu filho em perigo e o meu coração de mãe não tinha paz suficiente para ficar parada dentro da minha casa enquanto ele cor‑ ria risco de vida. – Mas o que a senhora podia fazer aqui nessa hora para protegê‑ -lo, dona Célia? – indagou entre frustrado e irritado Roberto.


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– Jogaria meu carro em cima daquele bandido! Dessa forma colo‑ cava um final nesse drama todo. Roberto passou a mão pelo cabelo procurando acalmar-se e esclareceu: – Mas, senhora! Não tenha a ilusão de que eliminando um trafi‑ cante a senhora resolveria o problema! Existem centenas deles! Ou‑ tros viriam cobrar do seu filho a quantia devida. – Se o senhor fosse mãe entenderia minha reação, policial! – Dona Célia! Pelo amor de Deus! Além de não ter resolvido nada, sua atitude agravou a situação de vocês todos! Esses criminosos não se assustam com nada e continuarão mais furiosamente ainda a co‑ brar aquilo que julgam ser deles! A senhora nem imagina o quanto agravou a situação! – Desculpe ter interferido com o trabalho de vocês da polícia, mas o que me importa é a segurança do meu filho! – É sobre isso mesmo que estou procurando alertar, minha senho‑ ra! Aumentou ainda mais o risco que o seu filho está correndo! – Desculpe mais uma vez policial, mas se for preciso torno a fazer tudo de novo! Roberto se afastou para não perder a paciência com a esposa do amigo. Célia colocou Renato no carro e dirigiu-se para casa. O telefone da casa de Luiz tocou e ele correu esperançoso para atender. – Deve ser Roberto com boas notícias! Alô? Roberto? – Roberto nenhum, coroa! Só liguei pra avisar que vão pagar bem caro a tentativa de me pegar! Armaram pra cima do cara errado, mano! Tu espera pra ver. Luiz Flávio mal entendia as palavras que lhe chegavam aos ouvidos. “Mas o que teria acontecido? O bandido conseguiu escapar e es‑ tava furioso! E se estava daquele jeito não tinha conseguido pegar o


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dinheiro! O plano do amigo parecia bom! Onde teria falhado? Onde estaria Renato? Junto com os policiais que, por certo, estavam tra‑ zendo-o pra casa? O que teria dado errado, meu Deus? Tanta confu‑ são em tão pouco tempo!” Ouviu um carro parando na porta de casa e constatou ser Célia e Renato. “Célia e Renato? Mas como os dois podiam estar juntos? Célia não estava na escola? O correto eram os policiais terem trazido o filho!” Cada vez entendia menos. Resolveu telefonar para Roberto en‑ quanto a esposa e o filho dirigiam-se para o interior da residência. – Alô? Roberto? O que aconteceu, meu amigo? O que deu errado? Estou confuso! O bandido ligou aqui em casa ameaçando mais ain‑ da porque estava furioso! – Pois é, Luiz! O plano não deu certo porque tinha um “policial” a mais, meu amigo! – Um policial a mais? Mas não estava tudo certo? Tudo planejado conforme conversamos na delegacia? – Sua esposa já chegou, Luiz? – Está chegando com o meu filho, Roberto. – Converse com ela que irá te explicar melhor, meu amigo. Ela viu tudo bem de perto. Quem sabe de outra vez a gente consegue pegar o malandro. Um abraço, Luiz. – Mas, Roberto... O telefone do policial havia sido desligado.


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capítulo 16

A IMPRESSÃO DE ÂNGELA

– E FOI o que aconteceu, Luíza. Fiquei tão desesperada de ver meu filho à mercê daquele bandido que acabei prejudicando a ação da polícia. – Nossa, Célia! Não sei nem o que dizer, a não ser que você também correu risco, além do Renato. Às vezes temos reações imprevisíveis de‑ pendendo das circunstâncias da vida, minha amiga. Daí a importância de ter uma fé que nos aproxime de Deus, que nos inspira nessas horas. – Pois é. Principalmente quando um filho se encontra no alvo de um bandido, acabamos por perder a cabeça de vez! Era a conversa entre as duas amigas após a tentativa frustrada de prender o traficante. Célia procurava apoio e a oportunidade de um desabafo por todo o contratempo ocorrido. Luiz Flávio não a criticara diretamente, mas no fundo percebeu que ele tinha ficado aborrecido com a inter‑ venção dela, proporcionando a fuga do criminoso. – Sabe, Luíza, vou ver se consigo levar Renato ao centro espírita que você frequenta.


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– Ah! Já melhorou muito! – observou alegre a companheira. – Como assim? – indagou Célia sem compreender a colocação. – É que você não repetiu os enganos anteriores quando se referiu ao Seareiros de Jesus como o “meu” centro espírita! – Pois é. Creio que lá Renato poderá compreender melhor como é a vida e se fortalecer contra os vícios. Como também receber uma proteção maior dos espíritos. O que você acha? – Ter uma religião que nos aproxima do nosso Criador é sempre muito bom, Célia! Viemos do mundo espiritual e para lá retornare‑ mos. Quando não perdemos de vista essa realidade, conseguimos nos cuidar melhor e dar as condições para sermos auxiliados nessa existência passageira. Os espíritos cuidarão de Renato na proporção em que Renato cuidar dele mesmo. Precisamos fazer sempre a nossa parte, dar a nossa colaboração para que o auxílio de Deus nos alcance. – Mas ele indo ao centro, não será mais fácil de Deus perdoá-lo e protegê-lo? – Deus não perdoa ninguém, Célia. – Não? – disse espantada e com os olhos muito abertos como se tivesse levado um grande susto ou sofrido uma grande decepção. – Não, minha amiga. Deus nos dá quantas oportunidades preci‑ sarmos para repararmos o mal que venhamos a praticar. Só a repa‑ ração pacifica nossa consciência endividada. Isso é o perdão: a paz de consciência! Ela não é gratuita como ensinam muitas religiões. O perdão é conquistado a duras penas, reparando o mal que tenha‑ mos praticado! – Mas na oração do Pai Nosso, Jesus não nos ensinou a pedir o perdão a Deus? – Claro que sim. E Deus nos responde através das oportunida‑ des de corrigirmos os erros retornando a uma nova existência junto àqueles a quem ficamos devendo. – Nossa! É por isso que muita gente não gosta do espiritismo. Ele complica as coisas!


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– Não, Célia. O espiritismo traz os ensinamentos de Jesus, livre das deturpações que os homens colocaram nas lições do Mestre, procurando sempre pelo mínimo esforço. – Como assim? Não estou entendendo. – Mas já vai entender. Veja bem. Se existisse o perdão de Deus para nossos erros de maneira fácil, de maneira gratuita, como ficaria aquele a quem prejudicamos um dia? Por exemplo, eu sou perdoada por Deus e aquele a quem prejudiquei fica sem ser indenizado pelo mal que lhe fiz? Se ponha no lugar de quem sofreu uma agressão. Você acharia o perdão gratuito justo? Sentiria que a justiça foi feita se a pessoa que lhe fez o mal, pura e simplesmente, fosse perdoada sem reparar o mal que causou a você? Célia pensou por alguns minutos e depois comentou: – É. Acho que não. – Pois então! E tem mais. É infinitamente melhor recebermos no‑ vas oportunidades de reparar o mal praticado do que irmos a um lugar de sofrimento eterno como ensinam as religiões que falam so‑ bre o inferno! Esperou um pouco e perguntou: – Por exemplo, Célia, você seria capaz de jogar numa prisão para o resto da vida o seu filho Renato porque ele fumou maconha? Você não se arriscou quando ele foi levar o dinheiro para o traficante com receio de que acontecesse alguma coisa com ele? – Claro! É meu filho! Faria o mesmo muitas outras vezes! – Aí está. Se como pais aqui na Terra, imperfeitos como somos, tudo fazemos para proteger e recuperar nossos filhos, imagine você se Deus, Pai perfeito, nos jogaria no inferno para sempre. Não! Ao invés disso nos dá novas oportunidades de nos corrigirmos, quan‑ tas forem necessárias! Isso é justiça. Isso é amor! Dessa forma tudo caminha para harmonizar-se no Universo porque não existirá um único ser injustiçado, como não haverá nenhum ser protegido e de‑ sobrigado de reparar o que livremente fez de errado.


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– É Luíza. Reconheço a lógica do espiritismo! Mas volto a pergun‑ tar, o que acha de levar o Renato ao centro? – Acho ótimo! Fico feliz com essa possibilidade! O dia que quiser, minha amiga! – Então, amanhã mesmo nós iremos. – E eu estarei lá para recebê-los com carinho e imensa alegria! Quem sabe se Alfredo consegue falar com ele também da mesma maneira como conversou com você, não é? No dia seguinte mãe e filho estavam na reunião pública do Seareiros de Jesus. A leitura do Evangelho naquela noite remeteu à passagem de Ma‑ teus que aborda a porta estreita e a porta larga da existência. Alfredo mais uma vez fazia uso da palavra para explicações bas‑ tante resumidas e objetivas. – Prezados irmãos e companheiros na atual existência, como o mundo material nos acena incansavelmente com as portas largas da vida! Trazemos um desejo ainda não esclarecido de sermos felizes no curto espaço entre o berço e o túmulo, o que nos atrai para as portas largas das oportunidades nas aparências fáceis da vida. Dis‑ semos que o desejo dessa felicidade aqui na Terra não é esclarecido porque tudo o que o mundo nos proporciona, aqui deixamos com a morte do corpo, ficando também os motivos da nossa felicidade aparente e tão rápida. É assim que muitos são atraídos pelo ganho do dinheiro desonesto e julgam ser felizes. Outros companheiros são como que tragados irresistivelmente pelo gozo dos prazeres mate‑ riais, tais como o sexo, a bebida, o cigarro e outras drogas denomi‑ nadas de ilícitas e julgam ter encontrado a felicidade. Outros ainda se agarram ao poder temporário do mundo como se fossem mandar eternamente nas pessoas e sentem-se felizes e inebriados pelo poder temporário que a Terra lhes confere e que aqui será deixado. O que não dizer daqueles companheiros que acreditam na impunidade porque não cogitam de uma vida após a existência material e creem


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estar sendo felizes? Outros que se enganam, fazem a opção pelos chamados crimes hediondos onde dão vazão aos seus instintos pri‑ mitivos, ignorando o resultado da má semeadura do presente e por desconhecerem as consequências vivem momentos de uma felicida‑ de extremamente rápida. “E assim poderíamos ir citando outros exemplos que os compa‑ nheiros conhecem muito bem. Mas é difícil a opção pela porta es‑ treita que nos afasta da recompensa imediata e fugaz do mundo, mas nos proporciona um retorno bem-aventurado ao mundo dos espíritos, destinação fatal para todos nós que estagiamos tempora‑ riamente na escola da Terra! De que valem algumas horas ou alguns dias da felicidade que o mundo pode nos proporcionar quando en‑ tramos pela porta larga, se isso nos custar períodos consideráveis de arrependimento e reparação nas futuras existências em um novo corpo físico, meus irmãos?” – Mãe, quero ir embora. Não estou entendendo muita coisa do que esse homem está falando – disse Renato quebrando o silêncio entre ele e a progenitora. – O senhor Alfredo é uma alma boa, meu filho. Tenha um pouco de paciência. A Luíza poderá explicar o que você não entender. Se conversasse com ele veria que ser humano prestativo ele é. – Não vai me dizer que ele é psicólogo e a senhora está querendo que converse sobre drogas com ele! – Não, Renato. Gostaria que conversasse com o senhor Alfre‑ do sobre a vida como um todo. Dessa maneira, entendendo que somos espíritos imortais de passagem aqui nesse mundo, tudo se modifica, meu filho. Fica mais fácil a gente optar pela por‑ ta estreita como ele está nos ensinando baseado no Evangelho da noite. – Nossa! A senhora está ficando carola? Estou muito nervoso com tudo o que está acontecendo! Não estou a fim de conversar nada com ninguém!


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– Filho, é exatamente nessas horas que precisamos nos abrir, de‑ sabafar, dividir nossas angústias com alguém que possa nos ajudar. E esse senhor é uma pessoa capaz de fazer isso. Pensando dessa maneira, Célia torcia que após o término da reu­ nião daquela noite Alfredo pudesse encontrá-los e conversar um pouco com Renato. Não o encontrou enquanto se dirigia para a saída do centro, mas com a amiga Luíza. – Já estão indo, Célia? – Sim. Renato não está se sentindo muito bem com toda essa con‑ fusão que estamos vivendo e quer ir para casa. – Ah! Não antes de eu apresentar o Alfredo para ele. Você vai gostar muito de trocar algumas palavras com ele, Renato. Vai ver que seu ânimo melhorará depois disso. Não vai demorar nada. Um instante só, por favor. Dizendo isso dirigiu-se até o companheiro do centro e o trouxe até a presença de Célia e do filho. – Alfredo, gostaria que conhecesse um novo amigo. É filho da Célia. Aqui está ele, esse forte e belo jovem que se chama Renato. – É uma alegria muito grande, meu filho. Sabe que a presença dos jovens me faz muito bem. Vocês estão começando uma nova existên‑ cia aqui na Terra e dispõem de um longo tempo para acertar e valo‑ rizar muito a atual reencarnação. A doutrina para os jovens é como ganhar em uma loteria sozinho. Pode orientá-los a escolher a porta estreita que nos conduz para Jesus e para Deus. Nós, os mais velhos, já não dispomos de tanto tempo assim. Que bênção a juventude quando bem empregada, Renato! Gostaria de ter a sua idade saben‑ do o que aprendi no espiritismo. Erraria menos e acertaria mais. Nessa altura da conversa, Alfredo dirigiu-se para uma compa‑ nheira que passava perto: – Ângela! Venha cá, minha amiga. Quero que conheça Célia e o seu filho. Estão com Luíza.


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Luíza olhou para Ângela lembrando-se da conversa sobre Célia quando ela esteve pela primeira vez no Seareiros de Jesus. “Vai ser uma boa oportunidade para Ângela se refazer da im‑ pressão daquela noite sobre Célia, quando percebeu uma grande angústia ou um profundo sofrimento que emanava das vibrações dela na sala de passe!” – pensava intimamente com um sorriso nos lábios. Depois das devidas apresentações, alguns minutos de conversa, o grupo se dissolveu seguindo cada um para o seu destino. Antes, porém, que Luíza e Célia se despedissem, a primeira ini‑ ciou conversa com Renato. – E aí, Renato? Gostou de acompanhar a sua mãe ao centro? No início é meio confuso de se entender, não é? – É sim. Para falar a verdade, não entendi quase nada do que o “seu” Alfredo falou. Porta larga, porta estreita, a vida pra mim só tem um caminho e nenhuma porta! Luíza sorriu da colocação espontânea do jovem. – De uma certa maneira você tem razão, Renato. Seguimos por um caminho nessa existência. As nossas escolhas é que representam as portas. Quando preferimos agir corretamente, estamos optando pela porta estreita. Quando escolhemos o errado, o mais fácil, o mais cômodo mesmo sabendo que isso pode prejudicar a outras pessoas ou a nós mesmos, estamos entrando pela porta larga e fácil, mas que nos conduz a situações de sofrimentos. – E além de portas têm janelas também, tia? – disse fazendo troça o moço. Todos riram da colocação. E logo em seguida Luíza voltou-se para Célia. – Gostou da Ângela, minha amiga? – Ela é de falar pouco, Luíza! Parece que observa mais do que fala. Não sei te dizer por que, mas tenho um certo medo de pessoas assim, quando elas me observam.


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– Você acertou. Ângela é muito observadora mesmo. E é de falar pouco. Mas é um coração de ouro. Tudo o que ela possa fazer pra ajudar alguém, ela está sempre pronta. Abraçaram-se os três no ato da despedida e rumaram para suas residências. Pouco tempo depois o telefone da casa de Ângela tocava. – Ângela? É a Luíza. Hoje que deu para conversar com Célia, a sua impressão sobre ela foi a mesma daquele dia na sala de passes? Sabe, fiquei preocupada com a sua observação sobre ela. Percebeu aquelas sensações estranhas de sofrimento, de angústia nascidas da pessoa dela? – Luíza, não quero preocupá-la. Sei que são muito amigas. E como eu disse naquela ocasião, posso estar errada na impressão que senti em relação a Célia. Estamos sujeitas a erros nessa vida, como você bem sabe. – Claro. Entendo. E hoje, aquelas impressões continuaram? – Sinto muito, Luíza. Continuaram e mais fortes ainda. Se eu não estiver enganada, alguma coisa muito grave se avizinha, embora não tenha a menor ideia do que seja. – Então precisamos orar mais ainda por ela. E em relação ao filho, percebeu alguma coisa? – Em relação ao moço, não. A vibração pesada, dolorosa, preo‑ cupante até, vinha da sua amiga, Luíza. Mas insisto que você con‑ sidere a possibilidade maior de que eu esteja errada. Não é isso que aprendemos em espiritismo? Refugar muitas verdades do que acei‑ tar uma mentira? – Entendo, Ângela. Mas é melhor orarmos mais ainda pela Célia. Pedir aos espíritos amigos que a protejam na medida do possível que as leis de Deus permitirem. – Também irei orar por ela, Luíza. Pedirei que minha impressão esteja errada em cem por cento! Acertar em coisas boas para os ou‑ tros nos alegra, mas acertar em coisas desagradáveis nos entristece.


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Despediram-se as duas amigas ao telefone. O sono de Luíza não foi tranquilo. “É evidente que Ângela pode estar errada! Somos espíritos ainda muito pouco evoluídos. Mas preferia que ela não tivesse captado essas sensações que Célia transmitiu a ela” – era o pensamento que absorvia sua mente enquanto procurava conciliar o sono.


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capítulo 17

A INTIMAÇÃO

NO DIA SEGUINTE da ida ao centro espírita com o filho, o telefone vol‑ tou a tocar um pouco mais tarde do que o costumeiro horário onde o estranho personagem ligava à procura de Renato. Luiz Flávio já tinha saído para o trabalho e o filho para a escola. Exatamente por não ser o horário habitual dos outros telefonemas foi que Célia atendeu ao telefone totalmente despreocupada. Mas às primeiras palavras ouvidas, sua tranquilidade foi fulminada como por um raio de mau presságio. – É a coroa? – perguntou a voz já conhecida de todos da casa. Uma sensação de medo, revolta e raiva invadiu todo o ser da mãe de Renato. – Voltou para nos atormentar, infeliz? – Voltei pra cobrar o que tenho direito, madame. – E que direito possui um traficante que vende a morte para jo‑ vens e seus familiares? – perguntou na esperança de causar cons‑ trangimento ao delinquente.


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– Não tenho culpa se existem inúmeros jovens que procuram em nossa ajuda aquilo que não encontram na própria casa, madame. O tom da resposta era insolente, agressivo e atrevido. – Que não é o caso do meu filho, seu bandido! Do outro lado da linha gargalhou e perguntou em seguida: – Não? Então por que o moleque traga com prazer o cigarrinho que fornecemos a ele, coroa? – Porque são demônios na arte de enganar e oferecer ilusões a esses pobres moços! – Mas, madame! Quem tem em casa o que precisa, não busca ilu‑ sões em um cigarro que queima logo e acaba! – Um dia quem vai queimar no inferno são vocês, seus maldi‑ tos! – respondeu Célia extremamente nervosa com todo aque‑ le atrevimento. – Quem sabe se a gente não se encontra por lá, madame? – retru‑ cou com cinismo. – Bandido! Escapou da polícia uma vez, mas da próxima te pegarão para pagar o que deve a toda uma sociedade de bem, seus criminosos! – Ah! É mesmo! Escapei com a sua ajuda, coroa! Não fosse a sua entrada igual uma louca com aquele carro e talvez os “caras” me tivessem pego. Agradeço pela ajuda, madame! O tom de deboche ia cada vez mais irritando Célia e fazendo com que ela perdesse o controle da conversa. – Não vão faltar outras oportunidades e te pegarão, malandro! – Chega de conversa fiada, dona! O assunto é sério! Muito sério! Es‑ cuta bem o que vou dizer porque não vou repetir nada. Por sua causa seu filho não me passou a grana que me deve. Por isso, a condição do pagamento complicou pra você, coroa. Não quero mais que seu filho leve o dinheiro. Você estragou o recebimento e você vai trazer o paga‑ mento. A não ser que queira que eu pegue o seu filhinho e dê uma lição nele porque a mamãe foi uma atrevida intrometida em nossos negócios.


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– Mas... – tentou argumentar Célia, mas foi interrompida pelo traficante. – Cala a boca! Ainda não acabei. Tem mais! Se cair na besteira de avisar a polícia ou ao seu maridinho para armar outra emboscada, é melhor nem vir porque o seu filhinho é quem vai pagar o pato! – Mas... – Bico calado, madame! Arrume o dinheiro que estava com seu filho e me traga no endereço que vai anotar agora no papel! Como Célia não respondia por estar perplexa com tanto atrevi‑ mento, o bandido insistiu: – Anda logo! Pegue um pedaço de papel e anote o lugar onde você e só você vai trazer o dinheiro sem polícia, sem marido, se qui‑ ser que tudo continue bem com o seu filho! Não meteu o nariz onde não foi chamada naquele dia? Então seu castigo vai ser esse. Traga sozinha o dinheiro no endereço que vou passar senão o filhinho vai pagar caro, muito caro pela sua desobediência. Você sabe que não brincamos em serviço, né? Se eu não receber certinho dessa vez, não vai ter mais telefonema nenhum. Pego seu filho e zap! Dou um jeito nele pra sempre, coroa intrometida! Prometo que nunca mais irá ver o seu queridinho! – disse gargalhando do outro lado da linha. Célia anotou com as mãos trêmulas o endereço que ouvia ao te‑ lefone enquanto um sentimento de inconformação percorria todo o seu ser. “Seria um pesadelo o que estava ouvindo, meu Deus?!” – Presta bem atenção, coroa: nada de polícia, de marido, de nin‑ guém dessa vez! Senão, zap no filhinho! Para que você tenha a cer‑ teza de que não estou brincando vou te dizer uma coisa madame: não adianta ir em centro espírita nenhum porque ninguém vai te proteger! Entendeu bem? Sei de cada passo que vocês dão! Aonde vão. Onde estão. Quando estão. Com quem estão. De maneira que não será difícil eu apanhar o seu filhinho e zap! Adeus menininho da mamãe!


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Célia continuou em silêncio profundamente abalada por tudo o que ouvia e não conseguia acreditar em tanto atrevimen‑ to. Despertou do espanto com a voz rude do outro lado da li‑ nha telefônica. – Anda logo, sua velha! Providencia tudo bem rápido. Seu tempo é curto. Senão... E desligou o telefone. Célia tinha a sensação de estar vivendo um pesadelo! “Que mundo é esse onde pessoas de bem, que respeitam a socie‑ dade em que vivem, onde labutam honestamente pelo pão de cada dia, se veem insultadas, desafiadas por indivíduos daquela espécie? Tenho que agir com presteza porque o atrevido não estava brincan‑ do e nem fazendo ameaças que não irá cumprir. Pois até o fato de termos ido ao centro espírita ele sabe! Preciso agir com muito tato para conseguir o dinheiro das mãos de Renato para que nem ele e nem Luiz desconfiem de nada. Prefiro me expor do que colocar meu filho em perigo. O estranho é o endereço que o bandido passou para a entrega do dinheiro. Nunca ouvi falar daquela rua! Preciso buscar um mapa da cidade para localizar o endereço. Mas tudo vale a pena para não expor Renato a uma nova situação de perigo. Entrego o dinheiro e consigo a paz que se ausentara do meu lar depois dos malditos telefonemas!” – raciocinava Célia procurando arquitetar a maneira de agir para atender a intimação sem levantar nenhuma suspeita em casa. Arrumou as coisas de que necessitava para desempenhar suas funções de professora em mais aquele dia e seguiu para escola cum‑ prir suas obrigações perante os alunos. No intervalo das aulas, Luíza percebeu que alguma coisa não es‑ tava bem com a amiga. Parecia meio ausente do ambiente. Respon‑ dia com frases curtas às tentativas de conversa. Enfim, devido à sua sensibilidade desenvolvida em contato com os sofredores atendidos pela equipe do centro espírita, Luíza tinha forte impressão de que a


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amiga estava muito estranha. Resolveu conversar mais para ver se dava a oportunidade a algum desabafo maior de Célia. – Desculpe, Célia, mas alguma coisa aconteceu de ontem para hoje de manhã? Ontem no centro você parecia bem mais tranquila. Até mesmo alegre pelo fato de Renato tê-la acompanhado aos traba‑ lhos da noite. – Não sei, minha amiga. Acordei com essa sensação estranha. Real‑ mente não estou bem, mas não sei a que atribuir esse meu estado de espírito. Será que é alguma influência espiritual perturbadora, Luíza? – argumentou para desviar do real motivo que a preocupava seriamente. “Não posso me abrir com Luíza. Ela é muito discreta, mas não posso correr o risco do telefonema de hoje sair de controle e com‑ prometer a entrega do dinheiro a esse bandido para que voltemos a ter paz novamente.” – pensava com tristeza por não poder se abrir com ninguém sobre o assunto, principalmente com Luíza ali na sua frente. – Tudo bem com Luiz e Renato? – voltou a insistir Luíza na espe‑ rança de conseguir que Célia se abrisse. – Sim, tudo. Cada um seguiu seu rumo logo de manhã. – Os telefonemas pararam de importuná-los? – Sabe Luíza... Pensou em comentar com a amiga, mas as palavras do trafican‑ te ditando ameaças sérias contra o filho, caso a conversa entre os dois fosse revelada a alguém, acabou por levá-la a mudar o rumo da conversa. Prendeu os lábios para não continuar o assunto. – Creio que é um desses dias em que você não levanta bem, em‑ bora não saiba identificar a causa. Vai passar, amiga. Obrigada pela sua preocupação. Luíza não se convenceu com a explicação de Célia, mas não po‑ dia insistir mais em respeito a algum problema que ela não quises‑ se conversar.


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“Que tem coisa séria nesse comportamento de Célia, tem! Mas como ajudar se ela prefere o silêncio? Espero que os espíritos amigos a amparem para que tudo seja solucionado da melhor maneira pos‑ sível” – foi o consolo que restou a Luíza. Célia chegou em casa trazendo a angústia no peito que o telefo‑ nema da manhã havia instalado em sua alma. Contudo, fazia um esforço enorme para que o filho e o marido nada percebessem. O prazo dado pelo malfeitor se encerrava na manhã do dia seguinte. Precisava descobrir onde Renato havia colocado o dinheiro sem levantar nenhuma desconfiança. “Meu Deus! Como uma pessoa era capaz de tumultuar a vida de toda uma família como a dela! E quantas outras não haveriam na mesma situação? Talvez até em situação pior do que a sua. Pre‑ cisava mais do que nunca da proteção que os espíritos pudessem dispensar-lhe naquelas horas de incertezas!” – nesse estado de es‑ pírito chegou em casa procurando pelo filho que chegara antes de Luiz Flávio. Abraçou Renato. Perguntou-lhe como tinha ido na escola na‑ quela manhã. Manteve sempre a rotina para não levantar nenhu‑ ma suspeita. Por fim, dando aparência de uma simples pergun‑ ta, indagou: – Renato! O dinheiro daquele traficante está bem guardado com você, não é, meu filho? O moço estranhou a pergunta da mãe. – Ué, mãe! Claro que sim! Por que a pergunta agora? – Porque aquele malfeitor poderá voltar para nos extorquir, meu filho. Você sabe que eles não têm caráter. Não desistirão desse di‑ nheiro infeliz até receber. – Com toda a certeza, mãe. Está comigo guardado em meu quar‑ to. Pode ficar tranquila. Quando chegar a ocasião vamos entregar para aquele bandido e ter nossa paz de volta. Abraçou forte a mãe a quem amava muito dizendo:


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– A senhora e o papai me perdoem pelo que fiz. Roubei o sossego de vocês dois, não é mãe? – Todos nós erramos, meu filho! Você ainda é muito jovem. Tem uma longa vida pela frente e verá que erramos muito! O importante é acordarmos para esses erros e não repeti-los no futuro! – Prometo que não, mãe! Prometo que não. – Isso já me devolve a paz, Renato! Agradeço a você e a Deus por isso. Célia procurava mentalmente uma situação onde ficasse sabendo o local em que o dinheiro tinha sido guardado. Mas tinha que ser uma pergunta a mais natural possível, que não despertasse nenhu‑ ma desconfiança no filho. De repente, teve uma ideia. – Vamos ver se criou juízo mesmo! Me mostre onde guardou o dinheiro que iremos entregar para o delinquente na devida ocasião – disse passando um dos braços no pescoço do rapaz de forma muito meiga e amiga. – Vamos lá, minha mãe. Vou mostrar o esconderijo! Mas não con‑ te para o bandido senão ele vem buscar diretamente sem termos que ir levá-lo a ele – disse sorrindo para Célia. – Prometo que não, filho! Será um segredo entre nós dois! Caminharam abraçados até o quarto de Renato. No fundo de uma gaveta de camisas do guarda-roupas, o moço tinha colado o envelope com a quantia destinada ao criminoso. – Está vendo, mãe? É só puxar a gaveta toda pra fora e aí está o que o bandido está desesperado para colocar as mãos! – Genial, Renato! Eu jamais acharia se você não me mostrasse! Vamos deixá-lo bem guardado nesse local até a hora de planejarmos uma nova ação da polícia para apanhar o malandro. “Pronto! Já solucionei o primeiro problema! Agora só resta pro‑ curar no computador onde fica o endereço exigido pelo traficante, onde eu preciso levar o dinheiro” – pensou Célia mais animada,


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embora muito preocupada por ter que solucionar o caso até o final quando passaria às mãos do delinquente a quantia exigida. Manteve o mais aparentemente possível a tranquilidade na hora do almoço perante o marido, da mesma forma como fizera junto ao filho. – Aquele bandido mal-educado não ligou mais, Célia? – Felizmente até agora não, Luiz – disse desviando o olhar do marido para não levantar suspeitas. – Precisamos ficar de sobreaviso porque eles não vão desistir do dinheiro. Vivem disso e para isso. – Não tenha dúvidas, querido. Mas vamos aguardar. Tudo tem seu tempo. Assim que fizerem novo contato você torna a falar com Roberto, o seu amigo policial. – O estranho é que já deveriam ter ligado novamente atrás do Renato. – Felizmente não, Luiz. Quem sabe não tomaram um bom susto naquele dia? – Você não conhece esse pessoal, Célia! Se tivessem medo de al‑ guma coisa não fariam o que fazem destruindo a vida dos outros. Célia desviou o assunto para não demonstrar os sentimentos que lhe invadiam todo o ser. Depois do almoço Luiz retornou ao trabalho e Renato voltou para o quarto a providenciar os estudos e lições que a escola requisitava. A mãe precisava usar o computador para localizar o desconheci‑ do endereço que o traficante passara. Arrumou uma desculpa para entrar no quarto do filho. – Oi, meu amor! Vai ocupar o computador agora? – Não, mãe. Por quê? – Preciso pesquisar um assunto para minhas aulas. Se não vai usar, vou fazer isso agora mesmo. E através do computador, enquanto o filho estudava, Célia en‑ contrava a rua do seu destino para entregar o dinheiro de vez.


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“Meu Deus! Como é longe! Vou ter que rodar um bocado para chegar até lá. Mas tudo vai compensar depois que estivermos em paz outra vez. Não vou envolver ninguém porque não vejo a hora que isso termine! É preferível perder esse dinheiro para um bandido e recuperar a paz! Como estraguei tudo quando a polícia preparou para prendê-lo, fico devendo esse sacrifício para minha família. Es‑ tou com muito medo. Nunca me vi frente a frente com alguém dessa espécie, mas preciso encerrar esse assunto.” O restante do dia transcorreu dentro da aparente normalidade que Célia conseguiu demonstrar perante o marido e o filho. À noite o telefone tocou. Os três entreolharam-se e foi Luiz quem tomou a decisão. – Deixem que eu atendo. Se for aquele infeliz outra vez, eu me entendo com ele. Mas, felizmente, não era. – Célia. É pra você. É Luíza. – Oi, minha amiga. Que surpresa o seu telefonema a essa hora. Aconteceu alguma coisa lá na escola? – Não, Célia. Estou ligando para saber de você. Achei que você estava angustiada hoje pela manhã quando nos encontramos. Está tudo bem? – Sim, Luíza. É que eu estava preocupada com algumas aulas que te‑ nho que dar amanhã. Mas já resolvi o problema. À tarde usei o compu‑ tador do Renato e levantei dados sobre o assunto e está tudo resolvido. – Sabe que pode contar comigo, Célia. Somos como irmãs. O que precisar é só me ligar. – Obrigada. Tenha uma boa-noite. Se Luíza teve uma boa-noite, o mesmo não ocorreu com Célia. Pesadelos estranhos invadiram as suas poucas horas de sono agitado. Acordou diversas vezes nas horas noturnas. Percorreu os cômo‑ dos da casa como se procurasse por algo que não sabia definir.


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Abriu várias vezes o quarto do filho para verificar se tudo esta‑ va bem. Chegou mesmo a tomar uma xícara de leite bem quente com bastan‑ te açúcar que sempre ouvira dizer que trazia o sono de volta, mas nada! Olhou diversas vezes para o firmamento porque não via a hora de o sol nascer e anunciar o novo dia em que ela encerraria aquele tormento todo em que a família mergulhara com o envolvimento de Renato com as drogas. Finalmente adormeceu acomodada em uma das poltronas da sala onde Luiz a encontrou surpreso. – Oi, amor! O que aconteceu? Acordei e não a vi no quarto. Desci para ajudá-la no preparo da mesa para o café da manhã, mas não es‑ perava vê-la adormecida na poltrona aqui na sala! O que aconteceu? Por acaso passou mal à noite? Está tudo bem com você? – Está sim, Luiz. Apenas preocupada com algumas aulas que te‑ rei que dar hoje, mas está tudo bem. – Preocupada com aulas? Com toda a sua experiência? O que é isso, amor? Vai tirar de letra a matéria a ser lecionada. Fique tranqui‑ la. Pode deixar que providencio o café da manhã. Tome o seu banho para se refazer da noite maldormida. Está meio abatida pela falta de um bom sono. Luiz Flávio aprontou a mesa do café da manhã como era o há‑ bito da família. Antes de sair para o trabalho, tornou a dar atenção para esposa. – Está tudo bem mesmo, Célia? Se quiser ir a algum médico eu a acompanho. Ligo para o escritório e digo que vou me atrasar e de‑ pois reponho as horas não trabalhadas. – Não, Luiz. Obrigada. Vá trabalhar tranquilo. Vai ver que quan‑ do nos encontrarmos para o almoço já estarei bem melhor – disse abraçando o marido e beijando-o carinhosamente. – Mãe! Vou indo pras aulas. Qualquer coisa que a senhora preci‑ sar, sabe onde estarei. Me procura, tá?


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Célia sorriu, abraçou o filho bem apertado, beijou-o e: – Meu tesouro! Não se preocupe comigo. Tome cuidado você com aquele malfeitor! Assim que os dois saíram, Célia pegou o carro e seguiu rumo ao longínquo endereço passado pelo traficante onde deveria levar o dinheiro. Na hora do almoço poderia dar a boa notícia à família e a paz tornaria a reinar no lar.


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capítulo 18

O SUMIÇO

E A HORA do almoço chegou, mas Célia não veio, o que causou moti‑ vo de preocupação em Luiz Flávio e no seu filho. – Renato, sua mãe ia a algum lugar depois das aulas antes de vir para o almoço? – Não sei, pai. Não me disse nada quando estivemos juntos de manhã antes de eu ir para a escola. Luiz chamou por Teresa, a servidora do seu lar, e procurou por algum aviso que a esposa tivesse deixado por telefone. – Teresa, Célia ligou dizendo que ia se atrasar para o almoço por algum motivo? – Não, “seu” Luiz. Quando cheguei, ela já tinha saído. Não dei‑ xou nenhum bilhete e nem telefonou, não senhor. – Mas que coisa mais estranha! Isso nunca aconteceu antes! Dirigiu-se até a agenda onde anotavam os telefones dos amigos, procurou pelo número de Luíza e ligou para ela. – Luíza? É o Luiz. Encontrou Célia no intervalo das aulas hoje? Ela ainda não veio para o almoço.


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– Estranho, Luiz, porque ela também não foi lecionar hoje. Como ontem achei que ela não estivesse muito bem, pensei que tivesse ido ao médico. Mas, infelizmente, não tenho notícias para dar sobre ela nessa manhã. – Como assim, Luíza? Ela se queixou de alguma doença ou de alguma coisa que estivesse sentindo pra você? – Não se queixou de nada, Luiz. Apenas achei que ela não es‑ tava bem. Sua expressão facial não estava boa. Conversei com ela para ver se estava com algum problema que pudesse ajudar, mas me respondeu que estava tudo bem. Inclusive ontem à noite, quando liguei, era exatamente para saber se estava tudo bem. E tornou a responder que não tinha problema algum. Agora tam‑ bém fiquei preocupada! Se tiver alguma notícia, me ligue, por favor, Luiz. Luiz desligou o telefone ainda mais preocupado já que nem uma das melhores amigas da esposa tinha notícias sobre ela. “Não foi lecionar hoje? Como assim? Célia não era pessoa capaz desse comportamento. De manhã estava preocupada com as au‑ las que tinha para dar! Como não foi lecionar?” – pensava consi‑ go mesmo. – Percebeu alguma coisa estranha hoje pela manhã em sua mãe, Renato? – Não, pai. Nos despedimos depois que o senhor foi trabalhar, mas não notei nada. Ontem ela ainda usou o computador para pro‑ curar algum assunto sobre as aulas que daria hoje. – Usou o computador para procurar assunto sobre as aulas? Por isso estava preocupada de manhã como se não tivesse experiência suficiente para tirar de letra a matéria a ser lecionada. – Pois é. Estava tudo bem. Conversamos um pouco, mas não per‑ cebi nada errado, não. – Ninguém ligou atrás dela hoje de manhã enquanto você estava em casa?


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– Não, pai. O telefone nem tocou. O senhor bem sabe como a gen‑ te anda preocupado com esse bendito telefone! Mas ele ficou mudo. – Vá almoçando, Renato. Vou ligar para Roberto pra ver se ele me orienta. Estou confuso com esse comportamento da sua mãe. Nunca aconteceu isso! Foi até o telefone e ligou para o amigo investigador de polícia e expôs a situação. – Vou dar uma passada em sua casa, Luiz. Fique tranquilo. Vamos encontrar Célia. Deve ter ocorrido algum imprevisto de última hora e ainda não deu tempo para ela entrar em contato com vocês. Mas logo estarei aí. Mas Luiz Flávio não conseguia ficar nem um pouco tranquilo. Conhecia muito bem a esposa para saber que essa atitude de desa‑ parecer sem nenhuma satisfação, não era própria dela. Torcia para que alguma coisa muito grave não tivesse ocorrido. “Será que se envolveu em acidente de trânsito e está em algum hospital impossibilitada de se comunicar?” – pensava Luiz procu‑ rando motivos para o sumiço da esposa. Como prometera, ao perceber o nervosismo do amigo ao telefo‑ ne, Roberto logo estacionou seu carro na frente da casa de Luiz. – É como lhe contei ao telefone, Roberto. Não encontro razões para explicar esse sumiço de Célia. Estou muito preocupado – ma‑ nifestava suas preocupações ao amigo policial que já estava sentado na sala de sua casa. – Luiz! Calma! Ainda não podemos falar em sumiço. Temos que aguardar um tempo para termos certeza de que Célia realmente está desaparecida. – Mas Roberto, essa não é uma atitude característica dela! Algu‑ ma coisa aconteceu! – Sim, Luiz. Pode ter acontecido. Vim para te tranquilizar e começar‑ mos a raciocinar sobre um possível desaparecimento de Célia. Vamos acalmar os ânimos pra que possamos pensar melhor sobre as hipóteses


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do que pode ter acontecido. Se entrarmos em pânico, aí sim não conse‑ guiremos ajudá-la caso esteja precisando realmente da nossa ajuda. En‑ tendo a sua preocupação pelo fato ocorrido com aquele bandido que fi‑ cou ligando para casa de vocês. Está com os nervos à flor da pele, como se costuma dizer. Tudo o que acontece, já pensa no pior. Não é assim? – Sim. É claro que sim. E não é sem motivo! Você como policial sabe melhor do que eu disso. – Claro. E por tocarmos no assunto, o indivíduo ligou mais algu‑ ma vez depois que não conseguimos pegá-lo? – Recentemente, não. Ainda há pouco perguntei o mesmo para Renato e ele também não recebeu nenhum telefonema. – É. O lógico era de se esperar que tivessem ligado para seu filho – considerou o investigador. E voltando-se para Renato que estava assustado em um canto da sala, perguntou: – Não notou nada mesmo de diferente em sua mãe hoje pela ma‑ nhã, Renato? – Como disse ao meu pai, não notei nada de errado. Nos despedi‑ mos como sempre e ela não comentou nada. – Nada de telefonema suspeito também? – Que eu tenha atendido ou escutado minha mãe atender, não. – Roberto – interveio Luiz – uma colega dela da escola, a Luíza, me disse agora há pouco quando liguei para ela procurando por Cé‑ lia, que ontem achou que minha esposa não estava bem. – Tá aí uma coisa interessante para explorarmos caso Célia real‑ mente não apareça, Luiz. Pelo menos alguém detectou que alguma coisa não estava bem com ela no dia de ontem. – Quer que eu ligue para Luíza dar uma passada por aqui, Roberto? – Seria interessante, Luiz. Pelo menos é alguém que percebeu que alguma coisa não estava dentro da rotina de sua esposa. Pode ser um início para começarmos a investigação dependendo do que ela tiver para dizer.


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Pouco tempo depois Luíza chegava à casa de Luiz Flávio após receber um telefonema dele pedindo a presença da amiga de Célia. – Dona Luíza, o Luiz me falou que a senhora reparou que alguma coisa parecia perturbar Célia ontem na escola. O que mais precisa‑ mente a senhora percebeu nela? – Eu tive a nítida impressão de que ela estava angustiada, nervo‑ sa, ausente mesmo do ambiente onde conversávamos. – E ela não se abriu com a senhora? – perguntou o investigador. – Não. Disse que estava tudo bem. Mas pelo que conheço sobre ela, não estava não. Alguma coisa importunava e muito a minha amiga. Inclusive ontem à noite tornei a ligar para cá e ela tornou a me dizer que não havia problema nenhum. Mas, volto a insistir, em minha opinião ela não estava bem. – Luiz, você sabe de algum motivo que pudesse estar provocando essa angústia na sua esposa como referiu a senhora Luíza? Algum problema de saúde? Alguma discussão entre vocês? – Não, Roberto. Hoje pela manhã eu a encontrei aqui no sofá da sala, mas o que ela me disse é que estava preocupada com as aulas que tinha que dar na manhã de hoje. Pela experiência em lecionar de Célia, essa preocupação não se justificava. Não seria absoluta‑ mente o suficiente para fazê-la perder o sono e ficar tão preocupada que demonstrasse isso para a amiga Luíza. E tem mais. Ontem não percebi nada em Célia. Estava tudo normal. Pelo menos na aparên‑ cia, estava. A única coisa que me ocorre para preocupá-la é aquele maldito indivíduo que ligava para minha casa e não conseguimos prender aquele dia. – Mas como você já falou, ele não ligou mais recentemente! – completou o policial. – Embora não possamos excluí-lo, não vamos colocá-lo como o principal suspeito. Pelo menos por enquanto. Não vamos perdê-lo de vista em nossas cogitações, apenas esperar por mais dados.


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Roberto tomou um café servido por Teresa e comentou: – Vamos fazer o seguinte: vou para delegacia resolver uns proble‑ mas e retorno mais tarde. Qualquer notícia, vocês me comunicam, por favor. – A mim também – pediu Luíza. Os dois convidados se foram e ficaram Luiz e o filho. – O que pode ter acontecido com a mamãe, pai? – Não tenho a menor ideia, meu filho. Deus permita que nada de grave. – Ainda ontem conversamos tranquilos. Prometi a ela não me en‑ volver mais com essa maldita gente! Ficou tão feliz que até me per‑ guntou onde eu tinha guardado o dinheiro do traficante! – Como assim, Renato?! – Pois é, pai. Ela ficou tão alegre com a minha promessa que me pe‑ diu que eu mostrasse onde tinha guardado aquele maldito dinheiro! – Mas que coisa mais estranha! E você mostrou a ela onde guardou? – Mostrei, pai. Ela me pediu! – E ela fez algum comentário? – Só disse que eu tinha guardado num lugar muito bem pensado. Só isso! – Sei – disse Luiz com uma das mãos segurando o queixo como se estivesse pensando em algo. – Em todo caso vamos ver se o dinheiro está onde você o guardou! Se não estiver, vou ligar imediatamente para o Roberto! Quem sabe ele poderá encontrar alguma pista nes‑ se fato! – Como assim, pai?! Não estou entendendo! – Nem eu. Mas os investigadores enxergam coisas onde não ve‑ mos nada. Na verdade Luiz Flávio tinha um pensamento na cabeça que pre‑ feriu não revelar ao filho para não causar pânico maior em casa. Re‑ nato abriu o guarda-roupas e retirou a gaveta onde tinha prendido o envelope atrás com o dinheiro para entregar ao traficante.


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– Pai! Sumiu! – E ontem estava aí quando você mostrou a sua mãe? – Claro! Eu vi e ela também viu. O telefone de Roberto tocou novamente. – Roberto? Estou ligando porque descobrimos algo que pode ter relação com o sumiço de Célia! Relatada a descoberta ao investigador, ele a valorizou muito e logo depois estava novamente na casa de Luiz. – Bem, meus amigos, agora parece que as coisas estão ganhando um sentido. Infelizmente uma direção grave para explicar a ausên‑ cia de Célia. – Mas o que o sumiço do dinheiro tem a ver com minha mãe ain‑ da não ter voltado? Não pode ter sofrido um acidente e estar em um hospital? – perguntou aflito Renato. – Pode sim, meu rapaz. Tanto pode que já direcionei uma busca pelos hospitais para aonde são conduzidas as pessoas acidentadas, por via das dúvidas. Mas o desaparecimento do dinheiro me preo‑ cupa mais do que um acidente. – Não pode ter sido Teresa? Ela é quem vive limpando a casa! – ar‑ gumentou o jovem profundamente angustiado pela ausência da mãe. – Calma, filho! Teresa trabalha conosco há muitos anos. Não po‑ demos incluí-la nisso. Amamos Célia, mas isso não nos autoriza fa‑ zer acusações contra pessoas a quem conhecemos há tanto tempo. Deixemos por conta de nosso amigo Roberto. – Tem razão, Luiz. Quem pegou esse dinheiro ao que tudo indica foi realmente Célia. – Mas o que tem a ver o fato da minha mãe ter pegado o dinhei‑ ro com o sumiço dela, investigador? – era novamente Renato quem demonstrava intensa preocupação com a tensão crescente na casa. – É o que nos cabe provar, meu filho. Na aparência são duas pon‑ tas separadas: sua mãe ter pegado o dinheiro e o fato dela ter sumi‑ do. Disse que na aparência, note bem!


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– E não vejo nada mesmo que una esses dois acontecimentos! – novamente interveio Renato já tendendo para o desespero. – Filho, vamos deixar o Roberto raciocinar para solucionarmos o problema. – Vocês dois têm certeza de que o bandido não ligou para cá no‑ vamente, não têm? – Que tivéssemos atendido, não, Roberto – respondeu Luiz. – O que não anula a possibilidade de tê-lo feito – argumentou o policial. – Como assim? – cada vez mais tenso perguntou Renato temendo para a direção que os acontecimentos pudessem apontar. – Vocês dois não atenderam a nenhum telefonema, mas Célia pode ter atendido, não pode? Pai e filho olharam-se temerosos pela possibilidade e suas consequências. – Vou pedir um levantamento pelas vias legais das ligações que o seu telefone recebeu nesses últimos dias, Luiz. Dessa maneira tere‑ mos o número, a data e o horário em que isso tenha ocorrido caso o bandido tenha ligado para cá. – Mas o senhor acha que se o bandido tivesse ligado, ele teria feito de um número legal? – perguntou mais uma vez o filho tremenda‑ mente abalado. – Lógico que não. Costumam se utilizar de números clandestinos. Mas teremos o registro desse número. A intenção é apenas confirmar a possibilidade de alguém ter ligado e sua mãe, e não vocês dois, ter atendido. Confirmado isso, ligamos as duas pontas do sumiço do dinheiro e da sua mãe, Renato. – Não entendi como uma coisa tem a ver com a outra! – É simples. Se ela falou com alguém que ligou de algum número suspeito, possivelmente foi o traficante. E ele pode ter exigido que a sua mãe levasse o dinheiro! – Mas por que ela e não eu? Sempre infernizou minha vida!


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– No momento não sei te responder isso, meu rapaz. Mas prome‑ to que descobrirei. – Roberto, mas o levantamento das ligações pode demorar muito! Precisamos encontrar Célia rápido! – Entendo sua angústia, Luiz, mas são as pistas de que dispomos no momento. Portanto, temos que nos conduzir por elas. – E a coitada ainda ontem usou o computador para preparar as aulas que ia dar hoje na escola! – colocou o jovem. Incontinenti, a revelação do rapaz aguçou os sentidos do policial. – Como assim, meu filho? Sua mãe usou o computador ontem? – Sim. Ontem à tarde. Por quê? Falei alguma besteira? – respon‑ deu irritado o jovem. – Pelo contrário! Você forneceu outra pista! – Agora não entendi, Roberto – argumentou Luiz. – Simples, meu amigo! Você autoriza que periciemos o seu com‑ putador? Podemos encontrar mais alguma coisa que nos leve ao pa‑ radeiro de Célia! Sabendo que ela usou ontem no período da tarde, o perito vai melhor orientado e encontrará qualquer informação que possa nos ajudar a esclarecer as coisas. – Continuo não entendendo, Roberto! – Veja bem, Luiz: você mesmo disse que sua esposa dormiu mal, preocupada com as aulas que teria que dar hoje; você reconhece que pela experiência dela no magistério não teria razões para tal preocupação; seu filho nos contou agora que ela teria pesquisado material para essas mesmas aulas; e a pergunta que eu faço é se real‑ mente Célia fez uso do computador para a finalidade de programar alguma matéria para as aulas do dia de hoje ou por outro motivo que desconhecemos. – Confesso que não consigo entender aonde você quer chegar, Roberto, mas se for útil essa perícia no computador, pode levá-lo agora mesmo. Só prometa me manter informado do que encontrar e que possa auxiliar no paradeiro de Célia.


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– Claro, Luiz! Vou providenciar isso agora mesmo! Temos pessoal acostumado a esse tipo de perícia e vou pedir urgência nessa pes‑ quisa para eles. Irei te mantendo a par dos acontecimentos e pistas que aparecerem. Transcorreram algumas horas que pareciam uma eternidade para pai e filho. Já no início da noite o telefone tocou. Os dois correram para o aparelho. – Filho, deixe que eu atendo. Você está muito nervoso e pode não entender bem as coisas. Era Roberto. – Luiz? Localizamos no computador um endereço que foi procu‑ rado em período correspondente ao que sua esposa usou o compu‑ tador. – Um endereço? Mas qual? E por quê? – Calma, amigo! Estou indo agora para o tal endereço. Posso te adiantar que fica na periferia da cidade. Pode ser a ligação com to‑ dos os acontecimentos que estamos investigando. – Quero ir junto com vocês! – Negativo, Luiz. Uma investigação policial não permite o envol‑ vimento de outras pessoas a não ser em determinadas situações. Por enquanto não é essa a situação em relação a sua esposa. Não sabe‑ mos o que iremos encontrar e não podemos expôr a vida de ninguém nessa busca. Pode ser que não cheguemos a nada, mas temos que pesquisar todas as pistas. Fica tranquilo. Qualquer coisa que des‑ cobrir, te coloco a par rapidamente, mas não posso levá-lo. É muito melhor que permaneça junto ao seu filho que está desesperado. – Bem, se é assim, só me resta esperar. Como Célia ainda não apa‑ receu até agora, creio que esse lugar deve ter alguma ligação com o desaparecimento dela, infelizmente.


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capítulo 19

A TRAGÉDIA

LUIZ ESTAVA EXTREMAMENTE nervoso. Um mau presságio o assaltava roubando-lhe o pouco de paz que ainda resistia naquele coração desde o início do desenrolar dos acontecimentos com o filho, com os telefonemas atrevidos e ameaçadores, com a tentativa frustrada de prender o delinquente. Devido aos maus pressentimentos, procurou orientar o filho para que fosse deitar. – Renato, vá deitar, meu filho. Pode ser que as notícias demo‑ rem ou as investigações não levem a nada. Não adianta você fi‑ car acordado. – Pai, e o senhor acha que vou conseguir dormir antes de saber alguma coisa sobre a mamãe? Vou ficar aqui com você até surgir uma pista de onde ela está. Luiz Flávio entendeu as razões do filho. Ele também não conse‑ guiria dormir sequer por um minuto que fosse. Com o avançar das horas e a falta de contato da esposa com eles, com certeza alguma coisa de muito grave acontecera com Célia.


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Andava da porta da sala para a grande janela que proporcionava visão para rua como se fosse um robô programado para cobrir esse trajeto. Esfregava as mãos e alisava os cabelos para trás. Teresa também não se ausentara da casa, preocupada com a patroa. – Teresa, vá para sua casa! Amanhã saberá as notícias sobre Célia. Sua família vai ficar preocupada com a sua ausência. – Já avisei eles, “seu” Luiz – disse no seu linguajar simples, mas impregnado de sinceridade que Luiz não teve coragem de corrigir o erro de português. – Não vou embora enquanto não tiver notícias de dona Célia. Pobrezinha! Deus a proteja para que nada de ruim ou grave tenha acontecido com ela! – Vire essa boca pra lá, Teresa! A polícia vai trazer minha mãe de volta! – retrucou Renato para aliviar a tensão que tinha dominado todas as fibras do seu ser. – Se Deus quiser, Renato! Se Deus quiser, meu filho! Quando Luiz se aproximou mais uma vez da janela, seu sangue gelou nas veias! Roberto descia do carro só! Célia não estava com ele! “Meu Deus! Ou não a encontrou ou...” – não teve coragem de completar nem em pensamento o que a presença do amigo investi‑ gador sem a esposa lhe sugeria. Roberto entrou na sala cuja porta já tinha sido aberta por Luiz. Os olhos dele perguntavam mais do que as palavras podiam dizer. Mas era preciso traduzir todo o temor em palavras. – E aí, Roberto? O endereço esclareceu alguma coisa? Célia estava por lá? Que notícia você me traz? – Preciso que venha comigo, Luiz. – Eu também vou! – disse Renato quase gritando plenamente des‑ confiado de que não se tratava de coisa boa aquele convite àquela hora da noite associado ao desaparecimento da mãe. – Você não, Renato! – disse de forma bem segura e imperativa o policial. – Por enquanto, só o seu pai. – Por quê? Está com medo que eu saiba que minha mãe está morta?


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– Filho, vamos manter pelo menos um fio de esperança. Eu vou com Roberto e volto logo para te colocar a par do que esteja acon‑ tecendo. Fique com Teresa. Assim você faz companhia para ela que está conosco até essa hora da noite. Luiz também participava da ideia de que a esposa estivesse morta, mas procurou poupar o filho da notícia até que ela fos‑ se confirmada. – Vamos, Roberto. Quero saber o mais depressa possível o que está acontecendo com Célia. – Pai! Não! – foram as palavras desesperadas do rapaz que Luiz conseguiu ouvir. O carro do investigador partiu o mais rápido possível. – Para onde estamos indo, Roberto? Roberto foi franco porque de nada adiantava mais adiar a conversa. – Para o IML, Luiz. Sinto muito. Célia foi encontrada morta den‑ tro do carro naquele endereço. – Mas... Mas... Quem fez isso Roberto? – perguntou Luiz en‑ trelaçando os dedos e com uma palidez total tomando conta das suas feições. – Provavelmente o pessoal do tráfico. – Mas por que ela? Não telefonavam para meu filho? Por que Célia?! – Tenho uma hipótese, Luiz. Com a quebra do sigilo das ligações telefônicas, poderemos ver se eles ligaram para sua casa exigindo de novo o dinheiro. – Mas ninguém atendeu ligação deles! – Você e seu filho não atenderam. Mas como podemos excluir que eles não falaram com Célia, Luiz? – Mas mesmo que tenham falado, teriam exigido que Renato en‑ tregasse o dinheiro! Por que Célia foi até aquele endereço no fim do mundo?


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– Conhecendo esse tipo de gente, posso levantar algumas hipó‑ teses, Luiz. Talvez eles tenham exigido que ela levasse o dinheiro dessa vez pelo fato de sua esposa ter atrapalhado o recebimento do mesmo naquela ocasião em que ela apareceu com o carro tentando atropelar o traficante. – Ou seja, eles quiseram se vingar dela? – perguntou Luiz com tom de revolta na voz. – Exatamente. Atraíram sua esposa para vingarem-se dela. – E essa vingança tinha que chegar a ponto de tirarem a vida dela? – balbuciou em tom de voz que traduzia uma total descrença no ser humano. – Infelizmente não possuem os sentimentos que nos caracteri‑ zam, Luiz. Pode-se esperar qualquer atitude por parte deles. – Levaram a vida dela e o maldito dinheiro. Não bastava esse dinheiro desgraçado? Era preciso matá-la? – Não, Luiz. Não levaram o dinheiro. Espalharam as notas por sobre o corpo dela como uma mensagem que interpreto como mani‑ festação da vingança deles contra a atitude de Célia. – Tem uma coisa que não entendo! Célia foi para esse local ainda pela manhã! Ninguém viu o carro parado por lá? Ninguém chamou a polícia? – A maioria das pessoas tem muito medo de se envolver com essa gente, Luiz! Preferem o silêncio a cair na antipatia deles porque sa‑ bem muito bem como as coisas terminam para quem tiver a ousadia de fazer algum tipo de denúncia. Essa é a razão principal do silêncio sobre o que aconteceu com a sua esposa. Além disso, tiveram o cui‑ dado de cobrir o corpo deitado sobre o banco com uma espécie de lona para não atrair a atenção de ninguém, Luiz. – Até que ponto a maldade humana pode chegar, meu Deus! – Você nem imagina! Na minha profissão vejo coisas que chego a desacreditar do ser humano! – Mas o que estou indo fazer no IML?


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– O reconhecimento do corpo por algum familiar, Luiz. Sinto muito, mas isso é indispensável. – E a liberação do corpo, como fica? – Em crimes, só depois da autópsia pelo médico legista. No pro‑ cesso deverá constar a causa da morte e as circunstâncias em que ela ocorreu. Isso poderá se transformar em agravantes do crime se existir, por exemplo, sinais de tortura. A justiça exige que seja des‑ se modo. – Mas ninguém foi preso! De que adiantarão esses dados? Por que não liberam logo o corpo? – Ninguém foi preso ainda. Mas o autor ou autores serão captu‑ rados. – Mas como, Roberto? Ninguém viu quem ligava para minha casa! Muito menos quem cometeu essa monstruosidade com Célia! – Pode acreditar. O culpado ou culpados serão pegos. A polícia sabe como agir, Luiz. Só temos que ter paciência para capturá-los. A pressa joga a favor do criminoso. A paciência, em nosso favor. Um crime sempre deixa pistas. Temos que descobri-las e segui‑ -las com cautela e agir na hora certa. Você verá como iremos es‑ clarecer o que aconteceu e punir a quem for preciso pela morte da sua esposa. – Também agora, que diferença faz? Célia está morta! – Para a polícia faz muita diferença, Luiz. E não descansaremos enquanto não houver a devida punição pelo que aconteceu. Luiz Flávio não quis entrar em detalhes no interior do IML. O corpo sem vida realmente era o de Célia. Os detalhes da execução não vinham ao caso porque em nada modificaria o doloroso e la‑ mentável fato de tê-la perdido. Quando percebeu que Roberto ia en‑ trar em detalhes sobre o ocorrido, ele esquivou-se: – Perdoe-me, amigo. Poupe-me de detalhes. Basta o tamanho da dor que me invade a alma. De nada resolveria tudo o que você apu‑ rou sobre as circunstâncias da morte dela. Seria apenas um acrésci‑


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mo na cruz que me pesa sobre os ombros quando penso em como Renato irá se comportar diante dessa brutal realidade. Depois de cumprir com as formalidades no IML, Luiz foi levado de volta ao lar pelo companheiro. – Quer que eu dê a notícia ao seu filho, Luiz? – Obrigado. Pode deixar que eu mesmo o faço. Não adianta fugir do problema. Só espero que ele não se desequilibre e retorne para o caminho das drogas como um mecanismo de revolta. Pode se sentir culpado pelo ocorrido. Ou seja, o que vem depois é que me preocu‑ pa, Roberto, não é o agora. O presente não é possível de ser modi‑ ficado, infelizmente! A mãe se foi e ninguém pode modificar essa realidade. Mas o dia de amanhã é uma incógnita. – Desejo-lhe forças, meu amigo – disse o investigador batendo‑ -lhe nos ombros e se despedindo. Renato se revoltou de início. Blasfemou contra Deus. Protestou porque pessoas inocentes e trabalhadoras morriam desse jeito. Que mal sua mãe havia feito àqueles bandidos? Depois chorou. Chorou muito como se as lágrimas quisessem tirar do seu peito o coração pesado com tantos sofrimentos. Quando as lágrimas já não atendiam mais ao chamamento dos seus sentimentos, mergulhou num mutismo que preocupou profun‑ damente o pai. Todas as frases paternas de consolo diante do irrever‑ sível não recebiam resposta alguma. A dor pela perda da mãe ado‑ rada trancara-lhe o mundo íntimo, isolando-o de tudo e de todos. Ao mesmo tempo em que Luiz Flávio comunicara o ocorrido a Luíza, pedira a ela o apoio junto ao filho. A colega de trabalho de Célia e colaboradora do Seareiros de Jesus não se fez esperar. Luíza pediu também a colaboração de Alfredo para que dissesse algumas palavras de consolo aos familiares durante o velório. “As impressões de Ângela, infelizmente, não estavam erradas quando sentia vibrações estranhas, como se fossem murmúrio de


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dor a distância na presença de Célia! Não que o destino estivesse tra‑ çado de maneira imutável, mas que o livre-arbítrio do ser humano expunha Célia a perigos iminentes que Ângela não podia detalhar” – pensava consigo mesma enquanto providenciava o socorro ao seu alcance e ao alcance dos amigos trabalhadores do centro espírita. O velório estendeu-se durante o dia com previsão do sepulta‑ mento para o final da tarde. Renato continuava mergulhado em seu mutismo sem nenhuma demonstração de contato com a realidade exterior. Luiz Flávio derramava lágrimas discretas nos intervalos em que recebia os cumprimentos das pessoas presentes. Pela manhã, minutos antes do fechamento do caixão, Alfredo pe‑ diu licença aos presentes e o consentimento dos familiares para ex‑ pressar a solidariedade da família espírita do Seareiros de Jesus. – Amigos e irmãos presentes nesse recinto onde a dor faz morada entre os homens. Com todo o respeito pelos sentimentos e interpre‑ tações dos presentes ao velório da nossa companheira, gostaríamos de lembrar que a morte física nos leciona uma realidade que insis‑ timos em não enxergar. E essa lição que nos visita praticamente to‑ dos os dias vitimando os companheiros da jornada terrestre é sobre a transitoriedade do homem revestido com um uniforme que lhe permite frequentar a escola da Terra. Sabemos que a dor nos fere profundamente a alma quando olhamos para o familiar querido e imóvel dentro de uma urna funerária. E é exatamente sobre isso que a doutrina espírita vem nos consolar ao lembrar-nos que observa‑ mos apenas as vestes que serviram para a manifestação do espírito imortal que continua a sua jornada em outra dimensão da vida, am‑ parado sempre pela misericórdia da Providência Divina em compa‑ nhia dos familiares que nos antecederam à realidade que contem‑ plamos agora. “Não existe a morte no Universo de Deus. A morte que enxerga‑ mos é apenas o retorno da parte material ao ciclo natural dos elemen‑


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tos que compõem a vida em seu aspecto físico. A Lei do Universo é de vida e vida em abundância, como nos ensinou Jesus. Deixamos o uniforme, deixamos a escola da Terra, mas não deixamos a escola da vida. Nesse mesmo momento em que lamentamos a partida da nossa companheira, da mãe e da esposa, ela prossegue vitoriosa so‑ bre a aparência da morte que nos fere e causa a dor da separação, para continuar cumprindo a determinação de Deus que é viver para sempre! Jesus, o herói da cruz da perversidade humana, é a prova incontestável dessa verdade! E o amor do Criador é tão grande que determina nosso encontro futuro atraído que somos pelo amor por aquele que hoje se despede temporariamente do nosso convívio.” Alfredo se absteve de se estender por mais tempo. Sabia que ali existiam pessoas de outras religiões e até mesmo sem religião alguma. Cumpridas as demais formalidades, o sepultamento do corpo de Célia foi efetivado. Renato continuava calado, mudo, indiferente às sequências dos acontecimentos, apenas agindo como um robô que cumprisse a pro‑ gramação que lhe fora imposta. – Luíza, estou muito preocupado com esse comportamento de Renato – era o pai que conversava com a amiga de Célia. – Não está dando vazão à dor que sei que carrega por dentro devido a sua gran‑ de ligação com a mãe. – Luiz, sabe que pode contar conosco sempre em qualquer situa‑ ção ou dia em que se fizer necessário. Eu e o pessoal do centro esta‑ mos e estaremos sempre a postos para quando você precisar. Basta um simples telefonema e faremos o que nos for possível. Como Al‑ fredo colocou nas suas breves palavras, para nós espíritas, Célia con‑ tinua viva e nossa amiga como sempre e não lhe faltaremos ao que o filho necessitar por termos a certeza de que esse é o desejo dela. Não se acanhe em procurar-nos. Estaremos a postos, meu amigo. – Que bom, Luíza! Célia gostava muito de ir ao seu centro. Volta‑ va mais aliviada, mais conformada, mais feliz eu diria.


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Luíza resolveu não corrigir a colocação de Luiz – seu Centro – por entender as condições do momento que ele vivia. Apenas esboçou um breve sorriso e abraçou longa e carinhosamente a Renato como se a própria Célia o fizesse. Depois se despediram.


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capítulo 20

NO PLANO ESPIRITUAL

ENQUANTO OS ENCARNADOS providenciavam as despedidas ao corpo físico de Célia, a vida que não se interrompe dava prosseguimento com o socorro de que ela necessitava e se fazia merecedora na di‑ mensão espiritual da existência. A desencarnação por meio de ato violento colocara o espírito em estado de sono profundo providenciado pelos amigos espirituais encarregados de socorrê-la. Como cada desencarnação é um caso à parte analisado pelas so‑ beranas Leis, evidentemente que existem as mortes violentas em que o espírito fica totalmente desorientado sem compreender o que está acontecendo, exatamente porque continua vivo enquanto o corpo material jaz inerte e totalmente desprovido da vida de que dispunha. Mas com Célia, julgou a Lei que a mesma era merecedora des‑ se amparo imediato da perda de consciência, mergulhando em sono reparador. Ao desamparo nenhuma criatura de Deus fica. O problema é ter condições de perceber o socorro que do mundo espiritual se faz pre‑


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sente, da mesma forma como os encarnados protestam através de blasfêmias variadas por não enxergarem o manancial de bênçãos que sobre eles chega a cada dia que amanhece. A própria revolta é causa de cegueira em relação ao amparo de Deus para cada uma de suas criaturas. Mas Célia dormia em um leito de uma colônia espiritual sob os cuidados do irmão Teodósio. Laurinda era uma espécie de enfermeira e companheira encar‑ regada de acompanhar a recuperação de Célia em ritmo compatí‑ vel a não gerar nela mais conflitos e exacerbação de angústias pela mudança brusca e violenta de plano vibratório, deixando os entes queridos na dimensão física. – Irmão Teodósio, que maravilha os espíritos que fazem jus a tal amparo como a nossa irmã Célia! Quantos desencarnam através de processo violento e vagam sem rumo até que consigam perceber que a Providência Divina busca por eles, não é? – Também fico imensamente feliz quando os nossos irmãos se fazem merecedores desse amparo proporcionado pelo mérito de cada um. Nossa irmã Célia, como todos nós que estamos ainda muito longe da perfeição, tinha seus desequilíbrios. Contudo, a Providência Divina aproveita tudo o que fazemos de bom em nosso favor. Célia foi uma profissional honesta que amava seus alunos. Foi esposa carinhosa e mãe dedicada. Não temeu ir ao en‑ contro com o infeliz que lhe tirou a vida sem a mínima noção das consequências que acarretou para si mesma. Ela não ignorava os riscos a que se submetia ao cumprir a determinação dos irmãos desequilibrados e entregues à criminalidade que tiraram a sua vida, mas o fez para poupar o filho dos perigos a que se expunha em contato com os desajustados da Terra. Todos esses fatos as leis de nosso Criador revertem em favor dela que recebe o amparo da misericórdia Divina através do nosso pequeno e simples trabalho nesse local, irmã Laurinda.


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Célia teve uma pequena agitação no leito onde repousava e logo foram administradas benéficas energias calmantes através do passe que a reconduziu ao sono reparador. – Como é bom dormir esse sono sem pesadelos, não é irmão Teo‑ dósio? – comentou Laurinda. – Sem nenhuma dúvida! Muitos companheiros mergulham num estado de inconsciência após a desencarnação como se vivessem terríveis pesadelos! Gostariam de despertar e constatar que tudo realmente se tratava apenas de um sono mau, como acontece a muitos encarnados quando despertam dos seus pesadelos. Mas, infelizmente, já se encontram na nossa dimensão da vida e terão que conquistar as condições para conseguirem perceber o socorro que os rodeia partindo do infinito amor de Deus! Nossa irmã Célia recebe nesse sono tranquilo o resultado positivo de sua existência na Terra. – A recuperação dela deverá ser mais curta devido aos seus méri‑ tos, não é irmão Teodósio? – perguntou Laurinda. – Como cada caso tem particularidades que só o tempo re‑ vela. Vamos trabalhar junto dela e pedir ao Criador que tudo transcorra da maneira como for melhor para ela, Laurinda. Creio que o núcleo espírita Seareiros de Jesus poderá colaborar nessa recuperação. – É verdade, irmão Teodósio! Lá se encontra Luíza, a amiga que trabalha naquela casa espírita. A afinidade entre ambas permitirá que Célia receba esclarecimentos naquele abençoado local de traba‑ lho, em nome de Jesus. Teodósio interrompeu o diálogo com Laurinda, colocou uma das mãos em sua fronte como se estivesse a pensar... Depois de um determinado tempo, comentou: – Teremos trabalho a desdobrar junto ao filho de nossa irmã Célia também. O rapaz está mergulhado em profundo estado de revolta com a desencarnação violenta e inesperada da mãe. Es‑


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ses pensamentos não fazem mal somente a ele, mas também a Célia, que necessita do socorro vibracional da nossa dimensão e, principalmente, daquela onde se localiza o filho devido à sin‑ tonia entre os dois, estabelecida pelo amor que um sente pelo outro. O socorro dos encarnados em favor dos desencarnados se faz através da prece e resignação às decisões Divinas. O fato de um espírito estar dentro ou fora de um corpo, não interrompe o contato mente a mente entre eles. Dessa maneira, no mecanismo do despertamento de nossa irmã Célia, os sentimentos de Renato exercerão grande influência. Não há como isolar os que partem daqueles que ficam de maneira absoluta. Não existe uma espécie de muro ou algo semelhante como imaginam os encarnados, se‑ parando-os dos desencarnados. A velocidade do pensamento não é capaz de ser aferida por nenhum aparelho. Ela é instantânea. Na medida em que os pensamentos de revolta brotam na intimi‑ dade do rapaz, atingem como um raio os sentimentos maternos dificultando-lhe o despertar da consciência, além de impor sofri‑ mentos a Célia. “Se os encarnados entendessem essa realidade, sofreriam me‑ nos e poupariam os que partem. Por isso teremos que trabalhar junto dele para atenuar sua influência negativa junto à mãe sob nossa responsabilidade. Para alcançarmos nosso objetivo, recor‑ ramos sempre ao auxílio do mais Alto, rogando a Deus e a Jesus as forças que não podem nos faltar. Trabalhemos também através da intuição junto à irmã Luíza para que ela atenue no coração de Renato as vibrações deletérias da ideia de que a mãe morreu e acabou para sempre. Essa interpretação totalmente errônea, como sabemos, alimenta o desespero e a revolta nos corações dos que ficam encarnados.” – Se irmã Luíza conseguisse direcioná-lo ao núcleo espírita que frequenta, esses esclarecimentos ficariam mais fáceis de serem trans‑ mitidos e compreendidos, não é irmão Teodósio?


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– Sem nenhuma dúvida! Principalmente porque, com o devido tempo, Célia poderá se manifestar através de alguma mediunidade dando provas de que continua plenamente viva. Renato poderia ob‑ ter da própria mãe essa comprovação. – Será que existe essa possibilidade de o rapaz aceitar, ir‑ mão Teodósio? – Como posso prever a escolha que é do livre-arbítrio de cada um, Laurinda? – Vamos trabalhar auxiliando para que Luíza consiga levá-lo até o Seareiros de Jesus. – Isso sim iremos fazer, mas a palavra final, a decisão pertence a cada ser da obra da Criação de Deus. – Se o pai de Renato também aceitasse, tudo ficaria mais fácil! – Da mesma forma, Luiz Flávio possui o livre-arbítrio, Laurinda. Po‑ demos trabalhar para que siga esse caminho. Luiz é um bom homem, porém, não afeito a religiões. Quem sabe se a dor pela separação física da esposa não tenha modificado sua maneira de enxergar a vida? Enquanto Célia recebia o socorro na dimensão espiritual da vida, no centro espírita Seareiros de Jesus, Luíza mantinha-se em prece pela amiga desencarnada a quem se afeiçoara com sentimento de uma irmã consanguínea. Intimamente pensava em como seria um bálsamo receber a notí‑ cia de que Célia estava amparada na espiritualidade. Entendia perfeitamente ser impossível qualquer comunicação dela mesma, Célia, devido à violência e o inesperado da desvincula‑ ção do corpo físico. Mas uma informação pela espiritualidade sobre a situação da amiga, Luíza desejava no seu mundo íntimo. Mesmo com a descrença de Luiz Flávio e Renato sobre a existência da di‑ mensão espiritual e a pujança de vida que nela existe, não se impor‑ taria de levar uma boa notícia aos familiares. “Poderiam não acreditar. Poderiam até desdenhar. Mas uma semente de esperança seria plantada nos corações dolo‑


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ridos e saudosos do marido e do filho” – pensava Luíza em suas meditações. O Evangelho da noite abordou a perda de entes queridos. Após a exposição breve como era da maneira de Alfredo se con‑ duzir perante o público a fim de esclarecê-lo sem cansá-lo, seguiu-se a aplicação de passes. Na oração final, antes do término dos trabalhos abertos ao pú‑ blico em geral, Luíza rememorava trechos de O Evangelho segundo o Espiritismo, mais especificamente da oração por aqueles que já não estavam encarnados. “Onipotente Deus, que a Tua misericórdia se derrame sobre a alma de Célia a quem acabaste de chamar da Terra. Possam ser-lhe contadas as provas que aqui sofreu, bem como ter suavizadas e en‑ curtadas as penas que ainda haja de suportar na espiritualidade! Bons espíritos que a viestes receber e tu, particularmente, seu anjo guardião, ajudai-a a despojar-se da matéria; dai-lhe luz e a consciên‑ cia de si mesma, a fim de que saia presto da perturbação inerente à passagem da vida corpórea para a vida espiritual. Inspirai-lhe o arrependimento das faltas que haja cometido e o desejo de obter per‑ missão para as reparar, a fim de acelerar o seu avanço rumo à vida eterna bem-aventurada.” Ao término, Luíza tinha os olhos marejados de lágrimas saudosas pela amiga. Recompôs-se e dirigiu-se para a reunião do grupo me‑ diúnico de que fazia parte. Os desencarnados foram atendidos em clima de profundo respei‑ to e amor ao próximo. Antes do encerramento desse atendimento fraterno, o mentor do grupo dirigiu algumas palavras de bom ânimo para o prosseguimen‑ to daquele importante trabalho de caridade em favor dos sofredores. Por fim, um breve recado: – Nossa irmã Célia encontra-se recolhida em colônia da nossa dimensão vibratória e amparada pela misericórdia de Deus e sus‑


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tentada pelo amor de Jesus. Oremos sempre por ela confiando no Criador. Muita paz! Alfredo e Luíza se entreolharam e agradeceram profundamente a Deus pelo bálsamo da notícia tão esperada. À saída do centro, pararam para conversar alegres com a notícia alvissareira. Célia estava sob os cuidados de espíritos amigos! – Alfredo! Como estava pedindo em meu coração por uma notícia dela! Pedindo, mas entendendo que tudo obedeceria à decisão do plano espiritual. – É exatamente isso que muitas pessoas que buscam notícias dos seres queridos desencarnados não entendem. Pensam que so‑ mos nós, os encarnados, quem decide se a notícia vem ou não. Não entendem que toda uma análise é feita para que um objetivo co‑ mum seja atendido: beneficiar aquele que partiu e os que ficaram saudosos. Jamais o plano espiritual prejudicaria aquele que deixou o corpo físico apenas para atender os apelos daqueles que perma‑ necem na carne. A lei é de misericórdia para com todos os seres da Criação Divina. – E a situação fica ainda pior, Alfredo, quando querem notícias através do próprio desencarnado! Na maioria das vezes, como ve‑ mos nas comunicações mediúnicas, não têm eles condições de se ma‑ nifestar por si próprios! Muitos não têm consciência que deixaram o mundo físico. Como querer que se manifestem trazendo notícias? – Principalmente se os encarnados que desejam essas notícias es‑ tão mergulhados em revolta e desespero! Quantos sofrimentos se‑ riam poupados para as duas dimensões da vida se a dor fosse traba‑ lhada pela resignação nos ditames das leis de Deus! – Penso em levar essa notícia da querida Célia ao marido e ao filho. O que você acha disso, Alfredo? – Devemos semear sempre a verdade da imortalidade, Luíza. O acreditar ou descrer fica por conta do livre-arbítrio de cada um. Leve a notícia, sim. Se não acreditarem, pelo menos ficarão em dúvida.


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E quem sabe sobre essa dúvida eles não queiram pesquisar um dia comparecendo ao Seareiros de Jesus? – E é isso que vou fazer torcendo para que aqueles dois “Tomés” pensem um pouco nessa possibilidade! E a noite foi encerrada com a esperança e o agradecimento pela grata notícia recebida sobre Célia.


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capítulo 21

A VIDA QUE NÃO CESSA

APESAR DAS DORES, dos problemas que caracterizam cada pessoa, a vida continua. Aliás, a continuação da vida é exatamente a sucessão de obstáculos para serem resolvidos. Luíza cumpriu com a sua intenção de levar a notícia sobre Célia a Luiz Flávio e Renato na esperança que servisse de lenitivo às dores pela separação física da esposa e mãe. O moço estava trancado em seu quarto como se habituara a fazer desde o dia do falecimento da mãe. Luiz recebeu a notícia na sala onde recepcionou a visita de Luíza. – Então, Luiz! Ficamos muito felizes lá no centro com a informa‑ ção dada espontaneamente pelo mentor dos trabalhos na comunica‑ ção mediúnica sobre Célia. Parou um pouco o assunto observando a reação no marido que não demonstrou nenhum tipo de emoção. Entretanto, ela continuou: – Essas notícias dadas de maneira espontânea são muito valiosas porque partem do lado de lá para nós. Célia encontra-se amparada pelos amigos espirituais e em processo de recuperação. Muitos não


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têm esse merecimento e ficam vagando, como se costuma dizer, per‑ didos em sua nova situação no mundo espiritual. Luiz Flávio movimentou-se na cadeira onde estava acomodado e disse: – Olha, Luíza! Respeito a crença de vocês que as coisas se passem dessa maneira, mas me perdoe se não posso participar do mesmo consolo que você. Se isso realmente está ocorrendo com a Célia, ou melhor ainda, se ela continua viva, tanto melhor para ela. Merecia. Mas não consigo entender ou acreditar sem ver, sem uma prova con‑ creta. Não sei se você me entende? – Entendo sim, Luiz. Mas se essas informações servirem para consolá-lo e auxiliá-lo para que sofra um pouco menos, já me dou por realizada. Não sei se você também acredita ou não, mas nosso sofrimento é percebido por aqueles que partiram e isso atrapalha a recuperação deles. Quando nos revoltamos, quando pedimos con‑ tas a Deus pelo que aconteceu e com o que não concordamos, isso é prejudicial tanto para nós que ficamos quanto para aqueles que mudaram de dimensão de vida. – Não estou revoltado com o ocorrido porque sei que de nada vai adiantar. Sinto uma enorme falta de Célia por conta de todos esses anos de convivência boa que tivemos. Gostaria de tê-la comigo. Gos‑ taria muito que não tivesse acontecido isso com ela e nem com Rena‑ to, evidentemente. Que tudo não passasse de um sonho mau, de um pesadelo do qual eu acordasse e pudesse respirar aliviado! Então, digo a você como amiga da família, que me sinto como um avião planador que é rebocado por outro até atingir determinada altura e depois é solto para seguir seu próprio rumo por sua conta. Estou como que flutuando no espaço, se posso assim me definir melhor. – Entendo, Luiz, e lamento muito o que aconteceu. E Renato, como está? – Preocupando-me bastante! Quando tento conversar com ele so‑ bre o ocorrido com a mãe, ele se afasta e vai para o quarto. Minha


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grande preocupação é a de que ele retorne a buscar nas drogas o consolo para a ausência materna! – Meu Deus! Isso seria uma tragédia tanto para nós que aqui fica‑ mos como para a mãe que receberá no plano espiritual as vibrações de desequilíbrio do filho! Não temeu arriscar a própria vida para poupá-lo! Se Renato retornar às drogas, o sofrimento de Célia au‑ mentará e poderá sentir como tendo sido em vão o seu sacrifício. Aguardou uns momentos e perguntou: – Posso ir falar com ele no quarto? – Claro! Você é da casa. Espero sinceramente que ele te escute pelo bem dele! – Dele, de você e da mãe, Luiz. Não devemos excluir Célia pelo fato de não estar entre nós fisicamente. Luiz não respondeu e alguns metros depois, Luíza batia na porta do quarto do rapaz. – Renato, meu filho! Sou eu, Luíza. Posso entrar? Ele não respondeu, apenas abriu a porta do quarto sem nada di‑ zer e voltou a sentar na escrivaninha onde mexia com o computador. Luíza percebeu a dor que invadia aquela alma. Aproximou-se e deu-lhe um abraço bem apertado mesmo com o rapaz de costas para ela. Renato permaneceu imóvel. Luíza iniciou a tentativa de diálogo: – Trouxe notícias de sua mãe, Renato. Ela está bem. Está ampara‑ da pelos espíritos amigos. – Ah! Pensei que a senhora a tivesse encontrado em algum hospi‑ tal! – Colocou, ironicamente, demonstrando de forma indireta o seu sofrimento. – Mas ela morreu, né, tia? – Imagino o quanto está sendo difícil para você, meu filho! Sei do sentimento que envolvia vocês dois. Mas acredite: sua mãe só perdeu o corpo. Ela continua viva porque ninguém morre. Tivemos informações lá no centro de que ela está amparada e em recuperação porque continua viva.


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O rapaz retornou com outra ironia: – E eles avisaram quando ela vai ter alta e voltar para casa? “É preciso ter paciência. Muita paciência para penetrar no bloco de revolta que a separação da mãe construiu em torno dele” – racio‑ cinou Luíza. – Ela, com o devido tempo, poderá estar aqui na sua casa. A única diferença é que não a verá com o mesmo corpo como antes. Mas con‑ seguirá sentir sua presença devido ao grande amor que une vocês dois, meu filho. – Não é isso que eu quero, sentir fantasmas! Quero minha mãe em carne e osso como antes! Como somos agora! Não me interessa nada que eu não possa ver e tocar! – Com um corpo igual ao nosso você bem sabe que não será possí‑ vel, Renato, mas falar com ela, isso acredito muito em Jesus que será! – Então, de que adianta toda essa conversa que mais parece coisa de louco, tia? – Adianta para diminuir o seu sofrimento e o dela. Quando você sofre, ela sofre. Quando você chora, ela chora. Se conseguir acalmar o seu coração, confiando em Deus, estará ajudando sua mãe a retor‑ nar e comunicar-se conosco mais rapidamente. – E quem disse isso pra senhora? – Os espíritos afirmam que assim se passa, Renato! – Ah! Sei. Os fantasmas em quem a senhora acredita! Eu acre‑ dito em minha mãe! Se ela aparecer na minha frente em carne e osso. Se ela conversar comigo. Se ela me abraçar e beijar como fazia, então eu acreditarei. Enquanto for o vento que fala por ela, me desculpe, mas não acredito em nada! – mergulhou em silêncio enquanto lágrimas silenciosas de profunda dor escorriam pela face abaixo. Luíza entendeu prontamente que não era ocasião de continuar insistindo. Abraçou o jovem a quem queria muito bem porque era filho da sua grande amiga.


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Antes, porém, de sair do quarto, voltou-se para ele e instintiva‑ mente falou: – Não sei te explicar como, meu filho, mas um dia vocês se reen‑ contrarão novamente. – Nisso também acredito, tia. Quando eu for pra dentro de um buraco como ela foi! Não adiantava continuar insistindo. A dor, por enquanto, era muito grande e vencia as primeiras batalhas. Mas Luíza acreditava convictamente que a imortalidade venceria a guerra afugentando todo o sofrimento que se instalara naquele lar. *** Enquanto entre os encarnados a dor, a revolta, a descrença encon‑ travam guarida, na dimensão espiritual Célia era uma das inúmeras provas da continuidade da vida que prosseguia sua marcha na con‑ tagem do tempo de encarnados e desencarnados. – Onde estou? O que acabou acontecendo, afinal? – eram pala‑ vras sussurradas em seu leito de recuperação onde se encontram Teodósio e Laurinda. – Célia, minha amiga! Você está em recuperação do seu estado emocional desgastado com os problemas enfrenta‑ dos recentemente. – Mas onde estou? Me parece uma enfermaria! Por acaso fiquei doente e não percebi? Quem são vocês? Médicos? Enfermeiros? – Célia! Que importa o lugar e os nomes, minha amiga? O impor‑ tante é que você está ficando melhor a cada dia! Somos seus amigos. O seu médico não está no momento. – Mas preciso falar com ele. Preciso informar meu marido e filho onde estou. Eles devem estar preocupados. – Fique calma. Já nos encarregamos de avisá-los. Agora você precisa repousar mais um pouco – disse Teodósio aplicando pas‑


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ses de energias calmantes em Célia que voltou a mergulhar em sono reparador. – Irmão Teodósio, é frequente o número de desencarnados quan‑ do começam a sair do estado de confusão se preocuparem com o tempo em que aqui estão e onde estão, não é? – Cada caso é singular ficando na dependência da evolução de cada espírito, minha irmã. Não há como traçar regras. Quanto mais o espírito vive mergulhado no corpo, tanto maior é a dificuldade de se adaptar à nova realidade. Não devemos abruptamente colocar Célia a par da desencarnação. Essa realidade pode levá-la a estados de desequilíbrios que atrapalharão a sua retomada de consciência. Creio que daqui um tempo, poderíamos conduzi-la ao núcleo es‑ pírita Seareiros de Jesus onde está Luíza. Dessa maneira nossa irmã poderá ir tomando contato com as duas realidades e não se chocar tanto com a notícia da desencarnação. Em relação ao tempo em que aqui estão é outra questão delicada de ser explicada para eles. Se tomarmos como referência a eternidade, a noção do tempo se reduz a poucos segundos em nossa dimensão. Como se fosse um breve sopro. Outros podem estar tão vinculados às influências do mundo material que o tempo para eles se passa mais ou menos nos padrões da Terra. Temos que considerar também como condição de imensa importância a região espiritual em que estagiam após a desencarna‑ ção. Nas regiões de sofrimento, um dia tem a duração de um século! Não devemos e não podemos estabelecer regras rígidas porque cada desencarnação como cada reencarnação é peculiar a cada espírito. – Pela sua experiência, a aproximação de Célia do núcleo espírita frequentado por Luíza irá demorar? – Aguardo orientações dos planos maiores, Laurinda. Não deve‑ mos nos precipitar e nem deixar passar a ocasião propícia em que isso deva ocorrer. O tempo de Deus é exato. Célia continuava cada vez mais despertando para a realidade nova em que estava e procurando compreender o que ocorria.


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– Onde estou? Não me responderam até agora. Voltei a dormir? Que confusão é essa? Quero falar com o médico! Preciso sair daqui! – Calma, minha amiga! Irá compreendendo as coisas na medida em que vai melhorando como está acontecendo. Vamos levá-la em breve tempo a um lugar que você conhece. Creio que poderá encon‑ trar mais respostas às suas dúvidas. Confie em Deus e em Jesus. – Por acaso esse lugar é um hospital? Fiquei doente? Por que es‑ tou aqui? – Fica tranquila! O importante é que você está melhoran‑ do! Em breve entenderá melhor e suas dúvidas serão esclareci‑ das paulatinamente. Novos passes foram aplicados para tranquilizá-la. Tempos de‑ pois, entre momentos de semiconsciência e sono reparador, a auto‑ rização para ida de Célia ao Seareiros de Jesus havia chegado. A luz, aos poucos, chegava iluminando sem violência.


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capítulo 22

NO SEAREIROS DE JESUS

SE CÉLIA ENFRENTAVA problemas na dimensão espiritual no sentido de tomar consciência com o que estava acontecendo, na Terra os pro‑ blemas junto a Luiz Flávio e Renato também existiam. Talvez mais graves ainda. O jovem retornara ao uso das drogas ilícitas, da bebida alcoólica e do cigarro como uma forma de protesto íntimo contra a morte da mãe. A atitude do rapaz era também uma forma de agredir a sociedade em que vivia e que julgava responsável pelo assassinato de Célia. O pai buscava incansavelmente o aconselhamento do filho que via, com muita tristeza, descer o abismo físico e moral de forma lamentá‑ vel. Para sustentar os vícios, Renato abandonara a escola e arrumava serviços sem vínculos empregatícios nos intervalos que o consumo das drogas permitia. Apenas ajuntava recursos financeiros aqui e ali, cujo dinheiro era todo empregado na sua própria destruição. Até Teresa, a serviçal que não abandonara a família após a morte da patroa, procurava aconselhá-lo já que o vira nascer e o tinha na posição de um filho de seus sentimentos.


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– Renato, meu filho! Como sua mãe estaria triste se estivesse por aqui! Em memória do amor que ela tanto dedicou a você, pare com tudo isso! Você está buscando uma forma de morte len‑ ta! Olha a situação do seu pai que já não sabe mais o que fazer para tirá-lo dessa vida, Renato! Pelo amor de Deus, pare enquan‑ to é tempo! – Você acredita que a vida continua Teresa, como fala minha tia Luíza? – Lógico que sim, Renato! Deus existe! E se Ele existe a vida não tem fim como bem demonstrou Jesus! – Ótimo, Teresa! E você acha que se eu continuar nessa vida vou acabar morrendo logo? – Se continuar nesse rumo, vai sim, infelizmente para todos nós, meu filho! – Então estou no caminho certo! A morte não existe! Minha mãe continua viva! E eu morrendo logo, vou me encontrar com ela! Tá tudo certo, Teresa! Tudo certo! – Não está não, Renato! Os que se matam não se encontram com os que morreram na hora que Deus determinou. Você está abrevian‑ do sua partida. E isso não é da vontade de Deus! Não vai se encon‑ trar com dona Célia desse jeito não! – Não vou encontrar com minha mãe nunca mais, Teresa, porque a morte é o fim de tudo! Mesmo que eu fosse um santo aqui na Terra, nunca mais veria minha mãe! – Mas... – tentou argumentar a serviçal, mas Renato já tinha se virado e tomado o rumo do seu quarto. Luiz Flávio que escutava a conversa em outro cômodo da casa para não interferir, se aproximou de Teresa, desanimado. – Está difícil, minha amiga! Muito difícil. O bandido não matou apenas a mãe! Matou também o filho! – Vamos orar, “seu” Luiz! Vamos pedir a Deus que dona Célia socorra o filho nessas condições. Ela vai escutar porque coração de


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mãe não morre. Continua sofrendo pelo filho mesmo do outro lado da vida! – Faça isso por nós, Teresa! Deus queira que Célia te escute! Eu já não sei mais o que fazer! Tudo o que tenho feito para alertar Renato, ele coloca a morte da mãe como argumento contrário para aban‑ donar esse tipo de vida. No psicólogo, que é meu amigo Otávio, se recusa a ir. Luíza também tem procurado levá-lo para a religião dela, mas ele não aceita. Por Célia continuo lutando e lutarei até o fim para recuperar nosso filho. – E ela vai ajudar, “seu” Luiz. O senhor vai ver! Não vai lutar so‑ zinho não! Ela continua como mãe dele e vai socorrer o filho. Luiz sorriu da atitude que julgava ingênua de Teresa, mas admi‑ rando a grande fé daquela mulher. No centro espírita Seareiros de Jesus, os médiuns se reuniam para mais uma sessão de socorro aos desencarnados. Ângela, aquela mesma que pressentira grandes sofrimentos na presença de Célia desde que a viu pela primeira vez, aproximou‑ -se de Luíza minutos antes de se reunirem na sala reservada para as comunicações. – Luíza, me lembro bem da sensação que sua amiga Célia me cau‑ sou nas poucas vezes em que a vi em nossa casa espírita. – Sim, Ângela. Você estava certa, infelizmente. – Pois é. Mas hoje espero estar cem por cento certa, minha amiga! – E por que, posso saber? – Sinto uma presença comigo desde essa manhã. – Sim. Sabemos que a espiritualidade promove a ligação dos espíritos que irão se comunicar ao médium com antecipação, para facilitar o trabalho mediúnico. Mas o que isso tem a ver com Célia? – Não sei te explicar direito. Mas a sensação que estou sentindo lembra aquela que senti na presença da sua amiga, mas de intensi‑ dade mais atenuada. Diria que é um misto de sofrimento, mas com


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esperança! Estranho, não é? Não consigo explicar e nem entender muito bem. Eu diria que pressinto uma ponta de esperança! Se não estiver errada, lógico. – Deus auxilie-nos e a Célia para que não esteja, Ângela! Quem sabe a misericórdia de Deus não determinou que hoje seja dada uma oportunidade para minha amiga nas manifestações da noi‑ te? Vamos pedir a Jesus e aos espíritos amigos que isso realmente venha a ocorrer. Nosso ambiente de paz e de amor fará bem a ela auxiliando no despertar para a nova vida na qual está vivendo. Faz mais de um ano da tragédia que a vitimou. O filho desencaminhou na vida pela revolta da morte da mãe, apesar dos esforços paternos em fazê-lo retornar ao caminho correto. Se realmente a sensação que você está sentindo, Ângela, se referir a Célia, que ela seja mui‑ to bem-vinda entre nós! As amigas se recolheram junto com os demais componentes do grupo mediúnico para o trabalho de mais aquela noite no Seareiros de Jesus. Na última manifestação da noite, Ângela foi utilizada como mé‑ dium do espírito necessitado de comunicar-se. – Onde estou? Quem são vocês? Por acaso enlouqueci ou estou muito doente? Já não sei há quanto tempo venho perguntando a mesma coisa e só me dão respostas incompletas que mais parecem desculpas! Querem me manter confusa? Que lugar é esse? – Poderia nos dar o seu nome para que possamos esclarecer suas dúvidas? – perguntou o dialogador. – Meu nome é Célia. Não consigo entender o que está acontecen‑ do e ninguém quer me esclarecer! – Estamos aqui para conversar, minha irmã. Tudo que soubermos e a misericórdia de Deus permitir, iremos informá-la. – Que maneira estranha de falar! Sou sua irmã? Mas quem é você? – A expressão “irmã” é um termo carinhoso que utiliza‑ mos em nossas conversas. Na realidade expressa uma verdade


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porque somos todos filhos de Deus e, portanto, irmãos, você não acha? – Isso me parece mais conversa de igreja! Você é padre? – Acredito que todas as religiões nos ensinam que somos irmãos. Dessa maneira, em qualquer uma, esse termo é empregado. Na reli‑ gião católica, na evangélica, na espírita. – Espírita? – exclamou o espírito através da médium. – O que foi Célia? Lembrou-se de algo, minha irmã? – Está confuso. Minha cabeça não consegue pensar direito. Mas “espírita” me lembra um lugar e uma pessoa. – Que bom! Boas recordações a auxiliarão a responder suas per‑ guntas. Diga-me uma coisa: o nome que vou dizer também lembra a você algo? Seareiros de Jesus. – Sim! Não me é estranho! É um lugar! Não consigo me lem‑ brar direito. – E o nome “Luíza”, também faz você recordar de alguém? – con‑ tinuou o dialogador. – Luíza! Seareiros de Jesus! Parece que têm ligação! Parece que eu tenho ligação com eles! – Célia, façamos o seguinte: convidamos você a voltar mais vezes até essa casa de oração onde você terá suas dúvidas esclarecidas. Por hoje, creio que você deve acompanhar aqueles que te trouxeram até aqui para continuar sua recuperação, minha irmã. – Mas aqui onde? Com quem eu converso? Preciso saber para me localizar melhor e entender o que está acontecendo! – Você está em um local onde todos nós oramos para que o bem seja implantado no coração dos homens, Célia. Aqui encontrará a paz e as respostas às suas dúvidas. Por isso gostaríamos que retor‑ nasse outras vezes para continuarmos nossa conversa, minha amiga. Enquanto conduzia a comunicação para o final, o dialoga‑ dor aplicava passes em Ângela que servia de médium ao espíri‑ to comunicante.


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Célia foi desvinculada mentalmente da médium e recondu‑ zida para o local que a abrigava na dimensão espiritual onde se recuperava. Obviamente que encerrado aquele trabalho era inevitável a ale‑ gria de Luíza, Ângela e Alfredo que tinham conhecimento mais es‑ pecífico sobre o drama de Célia. Alfredo comentou: – Devemos ter a caridade de não dizer de forma direta que aconteceu a desencarnação. Muitos espíritos se desequilibram ain‑ da mais por nunca terem cogitado dessa realidade em vida física. Devemos ir proporcionando informações para que o desencarnado perceba a mudança que está ocorrendo e se prepare melhor para a realidade final. Tenho certeza que trabalhando em conjunto, nos‑ sos irmãos desencarnados e nós encarnados, em tempo não muito distante conseguiremos informar nossa companheira Célia do seu estado atual. – Como foi bom ela ter frequentado, mesmo por um tem‑ po relativamente pequeno, nossa casa espírita! – expressou alegre Luíza. – Pode ser esse o caminho para o esclarecimen‑ to dela! – Sem dúvida, Luíza. Toda semente plantada no campo do bem, mais cedo ou mais tarde germina. Sinto que para Célia essa semente está prestes a eclodir em benefício dela. – Dela e, mais para frente, dos familiares que ficaram, Alfredo! Principalmente o filho que está numa revolta muito grande. Quem sabe a misericórdia de Deus venha a permitir que ele receba as provas da imortalidade da mãe em nossa casa espírita e consiga a sua redenção! – Continuemos a pedir por ela e a recebê-la em nossa casa na medida em que os planos de Deus permitirem, companheiros! Será motivo de grande alegria tê-la, no futuro que Jesus permitir, como colaboradora nossa desencarnada!


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Todos se despediram para uma noite de repouso, embalados pela felicidade das notícias recebidas. Luíza tinha mais uma tarefa: levar até Luiz e Renato as boas-no‑ vas sobre Célia.


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capítulo 23

AUXÍLIOS DAQUI E DE LÁ

CÉLIA RETORNOU DA reunião mediúnica onde teve oportunidade de iniciar suas manifestações iniciais ainda frágeis, mas que iriam me‑ lhorar com o tempo e os diálogos com o dialogador. Teodósio e Laurinda trocavam ideias sobre o acontecimento. – Laurinda, mobilizaremos os recursos do nosso plano para que a nossa irmã Célia aproveite cada vez mais o contato com o mundo físico através dos médiuns daquele núcleo espírita. Aplicaremos as energias adequadas ao seu centro de memória, o que auxiliará nas recordações necessárias ao seu refazimento. – Esse despertar mais precoce vai ajudá-la a caminhar na rota evolutiva de uma maneira mais consciente e aproveitando as lições que surgirem de tudo o que passou, não é irmão Teodósio? – Não só para ela ocorrerá o benefício, Laurinda. Vemos que a situação do filho de Célia, o jovem Renato, que se permitiu o mergu‑ lho na descrença, no desespero com a morte da progenitora, expõe o rapaz à ação de espíritos mais atrasados e infelizes. Receio que a ideia do suicídio venha se instalar nos pensamentos do rapaz. Uti‑


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lizando-se de substâncias nocivas na vã tentativa de fugir à sua de‑ cepção com a vida, coloca sua existência física tão preciosa em risco. Creio que as provas da imortalidade da mãe através dela mesma, afastará o rapaz desse risco maior que é o de atentar contra a pró‑ pria vida. – Entendi, irmão Teodósio. Se Renato assistir a uma manifestação da própria mãe na Casa Espírita Seareiros de Jesus, ele vai ao menos parar para refletir melhor e talvez mesmo mudar de vida. – Pode ser, Laurinda. O auxílio da Providência Divina chega a cada um de nós. Resta saber identificar e aproveitar em nosso favor esse socorro. Enquanto esse diálogo entre os dois acontecia, Célia esboçou leve despertamento. – Onde estou mesmo? Me pareceu ter ido a algum lugar! Conver‑ sei com alguém? Onde está o médico que ainda não veio me ver? Teodósio imediatamente deu início à administração de energias sobre o centro de memória de Célia para que o diálogo a ser mantido fosse melhor compreendido. – Minha irmã, como já dissemos, está entre amigos. Você esteve também entre outros companheiros num local onde se trabalha em nome de Jesus. – É. Me pareceu uma sala escura onde havia pessoas sentadas em volta de uma mesa. Lembro que conversaram comigo realmente. Alguém me falou de paz, de oração, que é exatamente do que estou precisando, embora não saiba por quê. E aqui também fazem o mes‑ mo, não é assim? Me envolvem em um sentimento de carinho muito grande. Mas gostaria de saber mais. Como vim parar nesse lugar? O que realmente aconteceu? Por que estou aqui? Não consigo me lembrar, mas sinto que estava em um outro que deixei por motivos que não me lembro. Onde eu estava antes de vir para cá? – Façamos o seguinte, Célia – disse Teodósio – nós três, eu, você e Laurinda retornaremos em breve onde você esteve nessa noite. E lá


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obterá mais explicações que você deseja. O mais importante, porém, é confiarmos em Deus e em Jesus que são nosso amparo maior. Con‑ fiando neles, tudo se esclarecerá. Você confia, minha irmã? – Sim. Confio. Estou um pouco confusa, mas tenho a impressão de que me falaram muito de Jesus e de nosso Criador há pouco tempo! – Pois então. Continuando nessa direção e cultivando essa fé e esperança, logo obterá as respostas que você tanto procura. Por ora, oremos a Deus pedindo o socorro que cada um de nós necessita nas lutas da vida, minha irmã. Teodósio fez curta oração rogando o amparo de Jesus acompa‑ nhado por Laurinda e Célia que logo depois adormeceu. Só que des‑ sa vez ela teve sonhos que ora a agitavam, ora a faziam sorrir. Laurinda observando essas reações opostas perguntou a Teodósio: – O que estará acontecendo, irmão Teodósio? Antes ela repousava tranquila e agora esboça essas reações contrárias e estranhas! – Para auxiliar na recuperação da consciência, por enquanto Célia está sendo visitada por algumas recordações dos últimos aconteci‑ mentos da sua existência que se findou, lamentavelmente, através de um crime. O sorriso é quando a imagem do filho amado visita a sua lembrança. A agitação refere-se aos acontecimentos tristes e amargurados que vivenciou junto aos infelizes que terminaram co‑ locando fim a sua existência na Terra porque desconhecem a colheita do mal que fizeram. São mecanismos que auxiliarão a recuperação da sua consciência sobre a sua última jornada junto aos homens. Enquanto isso no mundo material Luíza procurava mais uma vez pelos familiares da amiga com as notícias alvissareiras, pelo menos para ela. Tinha necessidade de participar delas com Luiz, mesmo que Renato estivesse muito revoltado com a morte da mãe. Mais uma vez Luiz a recebeu gentil em seu lar. – Estou imensamente feliz, Luiz. Embora você possa não com‑ partilhar daquilo em que creio, senti a necessidade e o dever de vir informá-lo de mais notícias sobre Célia.


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Ele, por educação, se dispôs a ouvir. – Ela deu sua primeira comunicação em nosso centro espírita na noite de ontem. Está indo muito bem. Tenho fé que logo poderei trazer notícias mais robustas sobre a recuperação dela. Tenho fé em algo maior, Luiz! Um dia Célia conseguirá fornecer a você e a Renato provas de que continua viva na outra dimensão da vida para que vocês possam compartilhar com ela essa verdade! Luiz manteve-se em atitude de respeito quanto à euforia da ami‑ ga da sua esposa. – Quem bom para você, Luíza. Eram muito amigas. Quanto a mim, permaneço na posição de respeito àquilo em que vocês creem. O que está me preocupando cada vez mais é meu filho! Ou vive trancado no quarto não aceitando o diálogo, ou faz pequenos ser‑ viços cujo objetivo é a compra de drogas como a maconha. Ainda agradeço a Deus que não partiu para substâncias mais pesadas! – Está vendo, Luiz? Você também agradece a Deus pelo fato das coisas não estarem pior! E Ele vai permitir que assim continue cami‑ nhando para uma situação melhor. Fico exultante quando acredito sem vacilar que Célia virá ajudá-los! Pena que eu não consiga trans‑ mitir a você essa certeza, mas ela virá, não tenho dúvidas. – Sua confiança em que isso venha a ocorrer já me ajuda muito, Luíza! Quando alguém crê com a sua convicção o mundo fica me‑ lhor. Espanta o pessimismo e atrai o otimismo. – Posso lhe fazer um convite atrevido, Luiz? – colocou meio des‑ locada Luíza. – Sinta-se à vontade, minha amiga. – Não quer comparecer algum dia ao centro espírita que frequen‑ to? Acho que a sua presença por lá atrairia o espírito de Célia para o local pela força do amor! Se Renato aceitasse esse convite então! O amor da mãe por ele funcionaria como um poderoso ímã! Ele pode‑ ria receber provas de que ela continua viva! Luiz ficou alguns segundos em silêncio.


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– Prometo que vou pensar no convite, Luíza. Só não quero res‑ ponder agora. – Pense com carinho, Luiz! Se você for, abrirá o caminho por for‑ ça do exemplo para que Renato também vá! Faça isso em nome do amor que tinha pela sua esposa! E pelo amor que tem pelo seu filho! Despediram-se fraternalmente. A semente lançada por Luíza fica‑ ra instalada na alma de Luiz. *** No plano espiritual o auxílio a Célia prosseguia ao mesmo tempo em que era trazida ao núcleo espírita Seareiros de Jesus, aproveitando cada vez mais os diálogos que mantinha através dos médiuns com o dialogador. – Estou novamente nesse lugar? Então aqui é uma igreja espírita? Aqui trabalha uma pessoa que conheço? Me disseram mais ou me‑ nos isso a última vez em que aqui estive. – Não chamamos de “igreja”, minha irmã. Estamos em uma casa de oração com orientação espírita. Aqui realmente trabalha uma irmã com o nome de Luíza. Você a conhece. Procure lembrar. O nome de nossa casa é Seareiros de Jesus. Aqui nos reunimos em nome dele para trabalhar em favor de todos que necessitam. E quando auxiliamos ao nosso semelhante, Deus nos auxilia, Célia. Enquanto esse diálogo se passava, Teodósio transmitia recursos ao centro da memória de Célia para auxiliar nas recordações. O dialogador continuou: – Lembra-se de algum trabalho que você fazia até pouco tempo? – perguntou o dialogador procurando direcionar melhor a conversa para esclarecer a visitante. – Sou ... Célia fez uma pausa como se refletisse sobre algo. De‑ pois continuou:


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– Está meio confuso! Lembro-me de jovens. De um prédio grande aonde eu ia. Gostava daquele lugar. – E esse lugar com uma casa grande e vários jovens não poderia ser uma escola, por exemplo, minha irmã? Novo silêncio do espírito comunicante que parecia estar pensan‑ do na pergunta que lhe fora feita. – Sim. Poderia. E se era uma escola quer dizer que eu dava aulas? Era professora nesse lugar? – Por que não, não é, minha irmã? Uma bela profissão! Transmitir conhecimentos aos mais novos. Tinha alguma amiga nesse lugar, minha irmã? – Sim! Tinha uma grande amiga que deve estar me procurando porque nunca mais estive nesse local. Não sei o motivo, mas parece que sumi de lá. – Lembra-se do nome dela? Por acaso seria Luíza? – Luíza? – o espírito fez uma pausa como se procurasse recordar e depois continuou. – Sim! Esse nome me recorda alguma pessoa! – E além desse lugar que você frequentava, tem sentido falta de mais alguma coisa ou de alguém? – Claro! Não sei onde estou, mas sinto falta de visita da mi‑ nha família! – Que bom, Célia! Tem uma família também? – Tenho! Um marido e um filho a quem amo muito! Por isso mes‑ mo que não entendo onde estou e por que não vêm me visitar! O espírito começou a apresentar-se agitado através do médium pelas dúvidas que iam surgindo, tendo o dialogador ponderado: – Irmãos! Vamos orar pedindo o auxílio de Jesus para nossa irmã! Creio que já fizemos progresso nessa vinda dela a nossa Casa por mais outra vez. Não convém forçarmos mais. No plano espiritual as informações serão aprofundadas fortalecendo nosso trabalho con‑ junto em favor dela. Nada de violência para não provocar traumas


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que atrapalhem o despertar da consciência em Célia. Confiemos na misericórdia de Deus, prosseguindo no auxílio a essa nossa irmã, juntamente com os amigos desencarnados. Essas ponderações eram acompanhadas da aplicação de passes na médium que servia para a manifestação da desencarnada. Luíza exultava de felicidade pela amiga. Agradecia profunda‑ mente a Deus e a Jesus o encaminhamento de Célia para um des‑ pertar progressivo mais tranquilo e com maior nível de consciência. Depois do encerramento dos trabalhos da noite e antes da des‑ pedida entre os amigos encarnados, Luíza comentou com Alfredo: – Alfredo, meu amigo! Aguardando a tomada de consciência de Célia, pareço uma adolescente esperando o baile de quinze anos! Que vontade de a abraçar através da médium! – Pois abrace-a em pensamento. Você sabe muito bem que os de‑ sencarnados recebem nossas vibrações de amor. Não sofra por cau‑ sa disso. Não tardará o dia do diálogo mais pleno com nossa irmã. Sinto que a misericórdia de Deus nos encaminha para essa realida‑ de, Luíza. E despediram-se para mais uma noite de paz daqueles que cum‑ priram com o dever!


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capítulo 24

A NOITE CONTINUA

– LAURINDA – comentou Teodósio –, a noite continua e vamos apro‑ veitá-la para continuar ajudando nossa irmã Célia. – E como isso seria feito, irmão Teodósio? – Como sabemos, Luíza vai descansar o corpo físico através do sono. Vamos ampará-la em seu desdobramento e trazê-la até a presença de Célia. Quando o encontro acontecer, sustentaremos Luíza que já possui uma relativa noção da nossa dimensão ao mes‑ mo tempo em que forneceremos energia ao centro da memória de Célia facilitando o reconhecimento da amiga. Estaremos dando mais um passo em direção à tomada de consciência dela da sua atual situação. Decidido isso, Teodósio e Laurinda aguardaram que o corpo de Luíza adormecesse impregnado do sentimento de alegria haurido no centro espírita e a conduziram em espírito até os aposentos onde se encontrava Célia. Auxiliada pelas energias dos companheiros espirituais, Luíza logo percebeu a presença da amiga deitada sobre um leito seme‑


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lhante ao de um hospital da Terra, após ter retornado da manifesta‑ ção mediúnica no Seareiros de Jesus. Célia, da mesma forma amparada pelos dois espíritos, olhou com curiosidade para a amiga encarnada e em desdobramento até sua presença. Balbuciou entre incrédula e indecisa: – Até que enfim recebo uma visita! Quem é você que me faz essa caridade? – Sou uma grande amiga sua, Célia! Meu nome é Luíza. Fico feliz em ver que está muito bem! – Minha amiga? De onde? – Lembra-se da escola onde lecionávamos juntas? – Então estavam com a razão na casa espírita onde estive há pou‑ co! Sou professora. Mas não consigo entender o que aconteceu! Você é a primeira pessoa conhecida que vem me ver! Onde estou? Fiquei doente por acaso? Isso aqui é um hospital? – Não está doente não, Célia. Folgo em vê-la tão bem! Sinto-me muito feliz em poder abraçá-la. E realmente Luíza estreitou entre seus braços Célia como fazia quando encarnadas. Havia uma carga de energias positivas tão grande nesse encontro que Célia foi muito beneficiada em sua me‑ mória e compreensão da nova situação. – Pode me dizer onde estou, Luíza? Por que demoram em permi‑ tir que eu saia daqui? – Você está entre amigos, Célia. E logo sairá daqui como deseja. Tenha só mais um pouco de paciência. Tudo é para seu bem! Logo que essas palavras foram trocadas entre as duas e o abraço afetuoso se desfez, um outro espírito em estado de desdobramento se fez presente no local. Luíza amparada olhou para o visitante que chegara e exclamou: – Luiz Flávio? Que bom estar aqui também!


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Mas Luiz não tinha o grau de lucidez de Luíza nem amparado por Teodósio e Laurinda. Olhava semiadormecido o ambiente es‑ tranho para ele. Olhava, mas não compreendia onde estava e muito menos o que se passava. Foi aproximado do leito da esposa. Olhou-a demoradamente, sorriu, mas não emitiu nenhuma palavra. Célia olhou-o com mais compreensão, porém sem compreender totalmente de quem se tratava. – Eu o conheço, mas não consigo me lembrar direito. Mesmo as‑ sim fico feliz com mais essa visita! Quem é ele, Luíza? Você também o conhece? – É outra pessoa que também lhe quer muito bem, Célia! Estão próximos pelos laços do amor! O nome dele é Luiz Flávio. Logo você entenderá melhor. Para evitar uma maior agitação de Célia, irmão Teodósio aplicou‑ -lhe energias calmantes e depois de adormecê-la, acompanhou a re‑ condução de Luíza e Luiz Flávio para os respectivos veículos físicos. A noite se coroava de bênçãos com o auxílio dos planos maiores da vida. Se a noite foi de sucesso espiritual, o dia não poderia ser diferente. Luíza, assim que acordou, participou aos familiares do encontro com Célia no mundo espiritual. Incontinenti, ligou para Luiz Flávio. – Luiz! Bom dia, meu amigo! Desculpe ligar tão cedo, mas sei que tem o hábito de acordar logo pela manhã. – E tem razão, Luíza. Já estou preparando as coisas para o café da manhã. Mas ao que devo seu telefonema assim tão cedo. – Estou tão feliz e quero repartir essa felicidade com você. Estive com Célia a noite passada no plano espiritual! Fez-se um silêncio por parte do marido de Célia e que foi perce‑ bido por Luíza que insistiu: – Luiz?


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– Desculpe, Luíza. Estive pensando no sonho que também tive com Célia ontem à noite! Não entendi direito. Não tenho muitas lembranças, mas me pareceu que ela estava sobre um leito. É só do que me lembro. Você sabe como é. Sonhos são produtos da mente e a mente não é fácil de entender. – Ah, meu amigo! Não foi sonho não! Tenho certeza de que foi visitar sua querida na outra dimensão! O amor faz isso, Luiz. Os que se amaram verdadeiramente na Terra prosseguem se amando mesmo quando um está ausente. A morte não derrota o verdadeiro amor! Posso afirmar a você que não tive sonho não! Estive com ela mesma. Conversamos um pouco embora eu não me lembre exata‑ mente sobre o quê! Mas conversei com ela. Fiquei com a nítida im‑ pressão de que ela também me reconheceu! Que coisa mais bela é a imortalidade, Luiz! – Como venho te dizendo, Luíza, respeito sua crença. Para mim interpreto como um sonho que tive com Célia. Gostaria muito que fosse verdade, mas sem provas prefiro ficar com a explicação racio‑ nal do fato. – Tenho certeza de que um dia você terá essas provas! Você e o Renato que precisa tanto! E como vai indo ele? – De mal a pior! Ou está no quarto trancado ou some daqui de casa por um período variável. Faz algum serviço temporário atrás do maldito dinheiro para seus cigarros de maconha. Quando tento dialogar sobre qualquer assunto, não responde nada. Se abordo o nome de Célia, ele diz que a mãe está morta e nada mais tem a ver com esse mundo. Como pode deduzir, a situação está muito difícil, senão desesperadora. Aquele bandido não somente tirou a vida da Célia, mas arrebentou com a família toda. – E conseguiram prendê-lo, Luiz? – Que nada! Vivem como ratos que se escondem nos mínimos buracos que o mundo do crime proporciona. Já nem alimento mais nenhuma esperança. Também, o que isso modificaria a perda


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que tivemos quando tiraram a vida da minha esposa e a mãe do meu filho? Luíza disse as palavras de consolo e bom ânimo que podia ao seu amigo e desligou o telefone preocupada com a situação do rapaz a quem Célia tanto amava. *** O tempo que não se interrompe, continuou sua marcha nas duas dimensões da vida. As manifestações nas reuniões mediúnicas con‑ tinuavam contando com a presença dela onde sempre recebia es‑ clarecimentos em doses cada vez maiores procurando conduzi-la a tomar consciência possível da realidade. Da mesma forma a espiritualidade amiga lançava mão nas oca‑ siões apropriadas da presença de Luíza desdobrada pelo sono no‑ turno e do marido Luiz para o qual tudo não passava de um sonho com a esposa a quem tanto quisera bem, embora fosse tendo uma consciência cada vez mais nítida do ambiente onde Célia estava como também dela mesma. Já não recusava com tanta veemência as explicações da amiga Luíza sobre seus encontros com aquela que fora sua esposa. Apenas não compreendia como isso era possível, mas estava cada vez mais aberto a essa possibilidade desde que apa‑ recessem as provas sobre os acontecimentos. Luíza resolveu “cobrar” uma resposta ao convite feito tempos an‑ tes ao amigo. – E então, Luiz? Vamos uma noite dessas ao centro espírita que frequento? Sem nenhum compromisso da sua parte em abraçar mi‑ nha religião. É que acredito que a sua presença por lá atrairá Célia com mais intensidade dando a ela condições de um despertar mais completo. Faça isso por ela! – Mas Célia morreu, Luíza! O que a minha presença nesse local vai poder fazer por ela?


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– Está cometendo um erro de julgamento, Luiz. Célia não morreu! Tenho estado com ela em várias ocasiões na dimensão espiritual. Ela perdeu o corpo que tinha como nós perderemos o nosso um dia sem deixarmos de viver. O amor entre vocês servirá como um ímã poderoso a atraí-la para o centro e facilitar os ensinamentos que são dirigidos a ela nas sessões mediúnicas em que tem comparecido com frequência. Faça isso por seu filho também, Luiz! Quanto mais robustas forem as provas de que a mãe está viva, tanto mais força ele terá para deixar a vida em que mergulhou repleta de desequilíbrios. Houve alguns segundos de silêncio que Luíza soube compreen‑ der e respeitar. – Está bem. Se é pelo bem do meu filho, eu irei. Essa noite mesmo? – Sim, meu amigo. Essa noite mesmo vou acompanhá-lo ao Seareiros de Jesus! Célia ficará tão feliz com a sua presença! Isso vai favo‑ recer muito a todos. Que bom, meu Deus! Na hora combinada os dois adentraram as dependências da casa espírita. Luíza apresentou Luiz Flávio a vários companheiros. Ân‑ gela que percebera que algo estava errado com Célia ainda encarna‑ da e depois fora a sua médium em diversas manifestações, também teve o prazer de apertar a mão de Luiz. Num momento rápido e de muita discrição, aproximou-se de Luíza. – Luíza, tive uma impressão muito boa em relação a Luiz. Posso dizer que totalmente oposta à que tive da esposa dele na primeira vez em que a vi. Não sei descrever bem o que é. Não se trata espe‑ cificamente dele, mas de algo bom que vai acontecer envolvendo a pessoa dele. Teremos a reunião mediúnica depois da exposição do Evangelho e aplicação dos passes. Se ele pudesse aguardar em nossa biblioteca, quem sabe não poderíamos dar-lhe uma boa notícia? – Que bom, amiga! A família está precisando muito, especial‑ mente o filho Renato. Pedirei que fique em companhia dos amigos que sempre permanecem até o final da reunião mediúnica para


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o devido fechamento da nossa casa espírita. Permita Jesus algum consolo a essa alma que padece a separação da esposa há mais de três anos! E dessa maneira Luiz Flávio aguardou o tempo em que a reunião mediúnica acontecia pela presença de Luíza. Nas comunicações que aconteciam em ambiente reservado ao contato com os espíritos desencarnados, o dialogador percebeu que alguma entidade havia estabelecido a devida sintonia com Ângela, a médium. – Seja muito bem-vindo meu irmão ou minha irmã. Para nós sem‑ pre é motivo de muita alegria quando recebemos a visita de alguém querido aos nossos corações. – Meu nome é Célia. Já estive aqui muitas vezes. Aqui recebi mui‑ to ensinamento. Da mesma forma estou amparada onde vivo. Me julguei algum tempo prisioneira de um local de onde não podia sair. Tenho recebido a visita de uma grande amiga que se encontra nesse ambiente. Luíza. Como agradeço sua presença nos meus dias de in‑ certezas! Um outro coração amado também tem me visitado, mas ele não se encontra nesse ambiente. – Poderia nos dizer o nome dele, minha amiga? – Hoje eu sei que é Luiz! Ele não conversa muito comigo como faz Luíza, mas a sua presença me é preciosa ao coração. – Então podemos deixá-la mais feliz ainda nessa noite informan‑ do-lhe que Luiz compareceu a nossa casa hoje, minha irmã. – Que bom, meu Deus! Parece que estou me aproximando nova‑ mente das pessoas a quem amo! – Luiz lhe é querido ao coração por algum motivo particular? – Sim, claro! Eu o amo muito. Assim que voltar para casa conti‑ nuaremos nosso amor! – Célia, você já está em casa, minha irmã. – Não. Eu estou em algum hospital por algum motivo que não consigo entender.


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– Sente-se bem nesse local, Célia? – Cada vez mais! Eu diria que estou preparada para ter alta médi‑ ca, embora nunca tenha visto o médico que me trata. – Seu médico, que é nosso médico também, está sempre ao seu lado. O nome dele é Jesus, minha irmã. – Entendo. Jesus cuida de todos nós. Mas eu me refiro a um mé‑ dico que cuida da minha saúde, do meu corpo, você me entende? – E existe algo errado com o seu corpo, Célia? Não está se sentin‑ do muito bem? – Sim. Agora estou sentindo-me normal. Por isso mesmo que não entendo por que ainda não tive alta! Por que tenho que vir aqui para conversar com vocês? Por que não posso ficar com vocês? Por que te‑ nho que ir embora para o hospital e não com vocês para minha casa? – Célia, me responda com a maior sinceridade que o seu coração possa sentir. – Sim? – Sente-se viva como nós? Não possui um corpo como o nosso? Não estamos conversando? – Mas é claro que estou viva! Não entendi a pergunta. Só não con‑ sigo entender por que não podemos sair juntos daqui em direção a nossas casas. – Entenderá em breve, minha irmã. Muito em breve! O dialogador entendeu, intuído pelo plano espiritual, que a con‑ versa tinha avançado o suficiente. Os esclarecimentos definitivos seriam dados naquela dimensão para que Célia definitivamente en‑ tendesse que havia desencarnado. Mais uma vez Luíza dividiu mais essa joia espiritual com Luiz, para incentivá-lo a persistir no caminho do socorro que cada vez mais se avizinhava para ele e para o filho, na pessoa de Célia que se apresentaria rediviva para os dois.


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capítulo 25

A REVELAÇÃO

ERA UM DIA de um sol vigoroso. Leve brisa balançava delicadamente as flores multicoloridas do jardim que podia ser visto da janela do quarto de Célia, no local do plano espiritual onde estava recolhida desde a desencarnação. Teodósio aproximou-se do leito juntamente com Laurinda. Esta‑ vam radiantes! Felizes! E revelavam essa condição no sorriso estam‑ pado em seus rostos. – Bom dia, Célia! Que bom encontrá-la irradiando saúde, minha irmã! Como está? Sente-se bem? – Muito bem! Nunca me senti melhor, para dizer a verdade. – Já contemplou a beleza do jardim no pátio para onde a janela do seu quarto se abre? – Sim. Já. Mas qual a razão de tanta euforia, irmão Teodósio? Lau‑ rinda também me parece muito feliz. – Porque hoje chegou o dia de sua “alta”. – Vou poder ir para minha casa?! – De uma certa forma sim – respondeu Teodósio.


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– Como de uma certa forma? Quero ir para casa! Rever meus... meus... Célia mostrou certa indecisão em que foi auxiliada por Laurinda. – Rever seus entes queridos, Célia. – Isso! Revê-los! – Célia, diga-me uma coisa: já ouviu muitas vezes que ninguém fica para semente, não é? – interrogou Teodósio. – Claro! Já ouvi e disse essa verdade muitas vezes. Mas por que tudo isso? – Porque a vida nunca acaba, Célia. Ora estamos dentro de um corpo, ora estamos fora dele, mas continuando sempre vivos. – Entendo. Agora estamos dentro de um corpo, por exemplo, ir‑ mão Teodósio. – Estamos dentro de um corpo muito parecido com o ou‑ tro, Célia. – Como assim com o outro? Meu corpo está aqui. Qual seria o outro? – Deus em sua infinita sabedoria e misericórdia nos concede um corpo enquanto estamos crescendo para Ele, mesmo quando perde‑ mos o corpo que tínhamos no mundo, minha irmã. Célia olhou espantada! Passou as mãos pelos braços, pela sua face, pelos seus cabelos. Apertou as duas mãos que depois percorre‑ ram todo o seu corpo. – Não entendo! Meu corpo está aqui! Não o perdi! Não tenho outro! Que corpo é esse que tínhamos no mundo? Tínhamos não! Temos! É este. Não tenho outro! – Acalme-se para poder entender definitivamente o que aconte‑ ceu. Como disse há pouco, chegou a hora da sua “alta” do local onde por muito tempo supôs ser um hospital nos moldes dos que existem no mundo dos homens. – E aqui não é? O que foi? Sofri um acidente? Foi isso? “Mundo dos homens”? Por acaso estou onde?


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– Célia, você continua plenamente viva como pode constatar, mas em outra dimensão da existência, minha filha. Profundo silêncio se estabeleceu no quarto onde conversavam. Célia, que estava em pé, sentou-se na cama procurando organizar os pensamentos. Lágrimas silenciosas escorriam-lhe pela face. “Eu pressentia que alguma coisa de muito grave tinha acontecido comigo! Mas não tão grave a esse ponto!” – pensava ela enquanto continuava a chorar em silêncio. Depois de um certo tempo no qual Teodósio não interferiu respei‑ tando a intimidade daquele momento, comentou: – O senhor está querendo me dizer que... – Que continuamos mergulhados na vida que nunca acaba, mas numa realidade que de uma certa forma é “paralela” à outra que deixamos um dia. Se servir para exemplificar melhor, é semelhante a mudar de uma cidade para outra ou de um país para outro, mas continuar morando no planeta Terra. Não perdemos nossa identi‑ dade, apenas encontramos uma realidade diferente daquela a qual estávamos acostumados. – Então eu morri? Mas como se Luíza tem me visitado? Ela tam‑ bém morreu? – Por acaso sente-se morta? Não é capaz de raciocinar, de enxer‑ gar, de conversar conosco, de admirar a beleza e sentir o perfume das flores, sentir o calor dos raios do sol? Ouvir o canto dos pássaros? À noite não consegue contemplar o bordado das estrelas no infinito? Isso é estar morta? Não sente a brisa a roçar de leve seu rosto? Não acabou de tocar seu corpo detalhadamente? Não constatou que está viva? A própria visita de Luíza é uma prova de que você está viva! – Sim, mas... – Deixar a vida material e mergulhar nesta dimensão em que es‑ tamos é continuar na vida, minha filha. Jesus não recomendou que o trabalho de enterrar os mortos caberia àqueles que se sentissem mortos? Não estamos vivos? Então nosso trabalho é outro. Em nome


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do nosso Mestre o trabalho que nos cabe realizar é servir aos seme‑ lhantes a quem podemos ajudar. Se você confia em Deus, o momen‑ to de trabalhar também se aproxima para você, Célia, porque está plenamente viva. Mais ainda do que antes e do que muitos que se arrastam em um corpo diferente do nosso pelas estradas do mundo! – Mas como foi que isso aconteceu comigo? – Os detalhes você conhecerá quando a autorização dos planos mais elevados chegarem para que isso aconteça. O importante é con‑ tinuarmos vivos e trabalhando. – Mas como vou trabalhar? Mal estou entendendo o que está acontecendo comigo! – Estaremos esta noite no núcleo espírita que visitamos várias vezes. Lá você iniciará seu trabalho provando que está plenamente viva, Célia! – E como farei isso? Que importância tem minha presença se não posso ser vista? – Ser vista não, mas ouvi-la através de uma de nossas compa‑ nheiras que servem de intérprete para nossas emoções ou por in‑ termédio de uma mensagem escrita, podemos dar prova da nossa imortalidade aos nossos irmãos que ainda estão no mundo físico. E esse trabalho é de profunda importância para aqueles que estão no mundo muitas vezes desorientados e interrogando se realmen‑ te existe vida após a morte, Célia. Muitos se suicidam por duvidar da continuidade da vida e mergulham em profundo sofrimento em nossa dimensão. Você terá essa abençoada oportunidade de provar a eles a imortalidade! Isso os auxiliará muito em suas vidas apoiando‑ -os para que façam a opção pelo bem, irmã Célia! E posso garantir, desde já, que se permanecer em sua fé, novos e importantíssimos trabalhos serão entregues a sua responsabilidade. E Teodósio e Laurinda abraçaram-na amorosa e calorosamente enquanto ela procurava coordenar e ordenar seus pensamentos com as revelações que tivera naquela manhã.


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À noite os médiuns do Seareiros de Jesus estavam reunidos mais uma vez para realizar o trabalho de atendimento aos desencarnados. A última manifestação coube a Célia utilizando-se da mediunida‑ de de Ângela. – Prezados amigos e irmãos aqui presentes. Venho para agra‑ decer as orações e ensinamentos que obtive nesta abençoada casa que trabalha em nome de Jesus. Amigos espirituais acrescenta‑ ram esclarecimentos sobre minha situação. Hoje sei, depois de mais de três anos, que continuo viva, embora em outra dimensão da vida. Agradeço a Deus pelo dom da vida que nunca se encerra. Apenas muda a forma como se apresenta. Que essas minhas pou‑ cas palavras sirvam como um primeiro testemunho aos amigos aqui presentes e, principalmente, aos meus familiares que não podem presenciar esse momento de imensa felicidade, entenden‑ do que a vida continua sempre e sempre. Que Jesus a todos nos abençoe em nossas dificuldades e, principalmente, em nossas ho‑ ras de dúvidas em que vacilamos em aceitar a realidade da vida que nunca conhece o fim. Célia conseguiu manifestar-se para os encarnados apoiada por Teodósio e Laurinda. Entre os encarnados a alegria foi muito gran‑ de, principalmente nos corações de Alfredo, Luíza e Ângela. Entre os desencarnados não se passou diferente. Célia havia dado o primeiro passo para testemunhar aos que ainda estavam num cor‑ po físico que continuava plenamente viva. Esse diálogo e essa prova de imortalidade era o início de muitas semeaduras de otimismo no coração de Luiz Flávio e do descrente jovem Renato. Luíza, como sempre, não titubeou em levar o acontecido ao co‑ nhecimento do marido de Célia naquela mesma noite. – Luiz! Hoje, finalmente, ela se fez presente entre nós na reunião mediúnica deixando uma pequena mensagem em que revela estar consciente de ter desencarnado, mas continuar plenamente viva!


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– Que bom, Luíza. Fico feliz por você que sempre acreditou nes‑ sa possibilidade. – Fique feliz por você também, Luiz! E, principalmente, por Re‑ nato que no devido tempo terá a prova de que a mãe continua viva, quando então tudo haverá de melhorar. Luíza estava muito feliz. Estava eufórica mesmo com a manifes‑ tação da amiga. Tão entusiasmada que não vacilou em pedir para falar com Renato. – Ele está no quarto como sempre, Luíza. Se quiser conversar com ele, sinta-se à vontade, minha amiga. Luíza aceitou o convite e a passos rápidos chegou até os aposen‑ tos do rapaz. Bateu na porta pedindo autorização para entrar. Per‑ missão concedida, entrou. – Renato, meu filho. Hoje ouvimos sua mãe lá no centro falar co‑ nosco provando que continua viva! Como gostaria que estivesse lá! – A senhora está querendo dizer que alguém simulou ser a minha mãe falando, tia! Como pessoa de boa-fé que é, acredita em ventrílo‑ quo? É! Nessas pessoas que usando um boneco jogam sua voz nesse boneco para dar a impressão ao público que é o boneco quem fala. Foi isso que a senhora viu, tia, e não a minha mãe que está morta. – Renato! Sei que a sua dor continua grande pela separação apa‑ rente de sua mãe. Mas confio totalmente em Deus que um dia você terá a prova de que Célia continua viva e amando-o como sempre fez. Posso te dar um abraço de boa-noite? Com um gesto afirmativo do rapaz, Luíza se aproximou e aper‑ tou-o entre os braços lembrando-se da amiga que se manifestara na‑ quela noite. Afastou-se do rapaz e ele ironicamente argumentou: – A senhora daria uma boa ventríloqua, tia. – Como assim, Renato? – Porque já está conseguindo imitar o perfume que minha mãe usava. Agora só falta falar como ela!


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Luíza sorriu constrangida pela colocação e deixou o quarto pen‑ sando consigo mesma: “Esse rapaz está ficando ruim da cabeça! Que perfume é esse a que se referiu se apenas tomei meu banho antes de ir para o centro? Evitamos utilizar perfumes nos dias de reunião para não impregnar com diferentes odores o ambiente das manifes‑ tações mediúnicas. Além disso, nem sei qual era o perfume que Célia tinha o hábito de usar! Coitado, deve ser o problema das drogas! Ah, minha amiga, precisa voltar rápido para tomar conta desse rapaz!” Enquanto isso, Célia, que esteve presente no abraço através da amiga, sorria!


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capítulo 26

O TRABALHO PROSSEGUE

– CÉLIA, NOSSA irmã. O trabalho em nome de Jesus está a convi‑ dá-la a auxiliar os que necessitam mais. Na medida em que aju‑ damos, somos atendidos em nossas necessidades. Está disposta a trabalhar? Era Teodósio que falava com ternura a Célia que já apresenta‑ va um grau de consciência e determinadas condições de entender e atender às necessidades urgentes do filho entregue às drogas. Evidentemente contaria com o apoio de Teodósio, de Laurinda e de outros trabalhadores mais experientes que compunham o grupo de apoio que a acompanharia no trabalho a ser iniciado. A sinto‑ nia estabelecida pelo amor entre ela e seu filho Renato facilitaria os resultados positivos que se pudesse obter com ele envolvido pelas energias amorosas do espírito materno. – E em que posso ser útil a alguém se mal estou me inteiran‑ do da minha nova condição na dimensão espiritual da vida, ir‑ mão Teodósio? – A boa vontade supre nossas imperfeições, Célia. Existe um tra‑


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balho entre os encarnados em que a sua importância é muito grande. Se concordar, iniciaremos nesta noite mesmo. – Claro! Como negar depois de tanto amparo que recebi de todos em minha volta para constatar a realidade da vida? Embora não en‑ tenda como posso ajudar a alguém, tudo que for possível eu farei. – E isso será muito bom para todos, Célia, como você verá. Con‑ fiemos nos desígnios de Deus e no amparo de Jesus. A noite chegou, mansa, com o seu manto bordado de estrelas e a lua a derramar sua cor de prata sobre a cidade que se preparava para o descanso noturno. Luiz Flávio tendo voltado do trabalho procurava mais uma vez o diálogo com o filho. – Renato, meu filho! Já não sei mais o que posso fazer para aju‑ dá-lo a superar a dor da morte da sua mãe. O seu retorno ao uso da maconha e a sua negação em conversar com meu amigo Otávio que é psicólogo para que ele te ajude a largar essa dependência, deve entristecê-la muito! – Mas pai? Onde ela está? O senhor por acaso esteve com ela? – Essa sua revolta de nada vai ajudá-lo, Renato. Eu não estive com ela, mas Luíza está muito feliz com as comunicações de sua mãe no centro espírita que ela frequenta. – E o senhor acredita nisso, pai? – Se tiver as provas devidas acreditarei sim. Permaneço aberto a novas verdades e realidades como você também deveria fazer. Que sabemos nós sobre os segredos da vida, meu filho? Não somos os donos da verdade! A ciência evolui trazendo coisas novas e boas para todos. Na religião isso também pode acontecer. Pelo menos não custa dar um voto de confiança. – Já vi que tia Luíza fez a sua cabeça com as coisas das almas do outro mundo! Pai! Acorda! Quem morreu acabou! Mataram a ma‑ mãe! Então ela acabou e ponto final! Depois criticam quem usa ma‑ conha! Mas tem gente que sem usar fica mais pirada ainda!


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Luiz Flávio aproximou-se do filho, deu um abraço apertado e fa‑ lou baixinho em um dos seus ouvidos: – Renato! Em nome da sua mãe, larga essa vida! Você é um rapaz que tem tudo para crescer, se formar, ter uma vida decente, cons‑ tituir família como sua mãe gostaria que acontecesse. É só querer! Você é mais forte do que esse vício! Em nome dela, seja um homem realizado, feliz, completo, meu filho! Ainda está em tempo! Por que não acompanha Luíza ao centro? Pode conseguir as provas da imor‑ talidade da sua mãe! Não é vergonha nenhuma. Dê essa chance a ela de provar a você que continua viva e te amando muito como sempre fez. Renato não respondeu. Afastou-se dos braços paternos e dirigiu‑ -se para o seu quarto onde se entregou, uma vez mais, à ilusão de outro cigarro de maconha. Sob a ação da droga o espírito encontrou um pequeno afrou‑ xamento dos laços que o prendiam ao corpo físico. Tinha uma visão embaçada do quarto onde estava. Julgava que encontrava a paz nesses momentos. Acendeu mais um cigarro como um me‑ canismo de revolta contra a morte materna e começou a inalar a fumaça da droga ilícita. Seu estado de consciência se alterou um pouco mais. Ouvia vozes que não sabia de onde vinham. Vultos que pareciam ter invadido seu quarto. Ria de si mesmo diante daquelas alucinações. Procurava pegar algo com as mãos que não tocavam em nada. Respondia coisas desconexas a perguntas que supunha lhe eram feitas. E nesse ambiente lamentável a voz de Teodósio se fez ouvir. – Célia! Eis aí o seu trabalho, minha filha! Esse filho de Deus foi e continua sendo seu filho e necessita muito do seu socor‑ ro maternal. Ela sofreu um impacto muito grande no que foi apoiada pelos espíritos amigos. – Ele é... É...


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Nesse momento em que Célia tomava conhecimento de mais uma parte da sua realidade, Teodósio aplicava energias em seu centro de memória facilitando suas recordações da última existência física. – Sim, minha irmã. É Renato, seu filho, que necessita muito do seu amor! – Mas ele não estava desse jeito quando eu... Parou a frase. Teodósio auxiliou: – Quando você deixou o corpo físico, Célia. Porém, como pode constatar, você não deixou a vida, que continua, e onde tem trabalho a realizar caso aceite. Estamos aqui para ajudar você a auxiliar seu filho. Ele precisa muito do seu amor, como pode ver. – Ele está envenenado pelas drogas, meu Deus! – Mas a força do amor de mãe é muito maior do que tudo isso, Célia! Basta crer nisso e trabalhar para que tudo se reverta. Traba‑ lharemos juntos. Não está sozinha. Jesus e os espíritos amigos estão conosco na recuperação dessa ovelha transviada do seu rebanho. Deixe que o seu amor por ele comande seus passos e verá como tudo dará certo. Amparada pelos amigos da espiritualidade, Célia se aproximou do filho, abraçando-o e chamando-o pelo nome baixinho. Renato sentiu a energia daquele afeto que não acabara. Entretan‑ to, devido ao uso da droga, atribuiu a ela as sensações que a mãe lhe transmitia. – Bem que meu pai falou que ela não morreu! Está aqui! No meu quarto! Não fosse a fumaça do cigarro eu juro que até poderia vê-la – colocou ironicamente. Fez um movimento de reverência com o corpo à moda dos hábi‑ tos de séculos anteriores e disse: – Seja bem-vinda ao mundo dos vivos, dona Célia! – e pôs-se a rir. O pai, que notou ruídos estranhos, entrou no quarto do filho im‑ pregnado do cheiro característico da droga e de uma determinada quantidade de fumaça.


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Abriu as janelas para que o ar promovesse a limpeza do ambiente. – Pai! O senhor tinha razão! Minha mãe está aqui! Não consegue vê-la? Chame Luíza para falar com ela! Assim faremos um bate-pa‑ po entre família! – e novamente gargalhou. Luiz Flávio percebeu que o rapaz tinha consumido dose anormal de maconha e conduziu o filho até o leito e colocou-o em posição de repouso. – Renato, procure dormir para que o efeito dessa droga maldita não o prejudique ainda mais, meu filho. Vou ficar aqui com você até que adormeça. – Aproveite e converse com mamãe! Ela está aqui! – e tornou a gargalhar. Luiz lembrou-se da esposa. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Pensou: “Ainda bem que não está aqui para ver essas cenas, Célia! Se não tivesse partido, Renato seria uma outra pessoa, com certeza! Seu amor não permitiria uma situação como essas! Você que deu a vida pela vida dele saberia o que fazer! Eu já não sei mais como devo agir!” – era um monólogo consigo mesmo enquanto uma quantida‑ de maior de lágrimas escorriam pelo seu rosto. Célia sentiu o impacto das palavras do ex-companheiro. “Como assim, dei minha vida pela vida de Renato?!” – pensou. Seus companheiros de incursão até o lar perceberam a indagação. Teodósio tomou a responsabilidade de responder. – Luiz Flávio disse uma realidade, minha irmã. Você sacrificou sua existência física para que seu filho não se expusesse a graves riscos. – Mas como assim? – Seu filho se envolveu com drogas como bem pode constatar, Cé‑ lia. Ficou devendo para traficantes que exigiram que o pagamento fosse feito por você. Ao se expôr para cumprir as condições que eles impunham você foi agredida e deixou a existência material. Bem re‑ sumidamente foi isso o que ocorreu. Maiores detalhes você terá em


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ocasião mais propícia. Foquemos no momento no trabalho a realizar que é trazer Renato para o rebanho de Jesus. O seu amor de mãe é capaz desse feito, minha irmã. Célia começou a chorar silenciosamente. Muitas ideias conflitan‑ tes invadiam seu cérebro e tumultuavam suas emoções. “Então deixara no mundo um filho envolvido com drogas? Per‑ dera seu corpo devido a isso? O que mais havia acontecido que não tomara conhecimento ainda? Onde obter forças para auxiliar Renato voltar ao bom caminho? A morte do corpo não impõe a ninguém um repouso para sempre como ensinam muitas religiões! A vida pros‑ segue! E continua com muitos problemas que precisam ser resolvi‑ dos!” – pensava entre lágrimas. Teodósio que captava as emoções da companheira aproveitou para comentar: – Imagine você, Célia, aqueles irmãos infelizes que se suici‑ dam para ficar livres dos problemas da vida física! Encontram a continuação de tudo agravado em nossa dimensão. Mas não perca as esperanças em Jesus! Com a ajuda dele, você vencerá, pode acreditar! Disse essas palavras e abraçou-a, carinhosamente, infundindo energias para que prosseguisse ainda mais um pouco naquela noite. Renato adormeceu com a presença do pai ao seu lado. O espírito se desprendeu parcialmente do corpo atordoado pelo consumo da droga. Célia que estava ao seu lado perguntou sem compreender: – Mas a droga usada afeta também o espírito, irmão Teodósio? – Sempre, minha irmã. O complexo constituído pelo corpo físico, pelo espírito imortal e pela sua vestimenta que denominamos peris‑ pírito, são intercomunicáveis. O homem enquanto estagia na carne não agride o corpo sem agredir o espírito. Renato está confuso de‑ vido à ação da droga sobre ele como ser imortal. Mas mesmo assim, dirija-se a ele. Fale com toda a sua emoção! Com todo o amor que sente por seu filho! Ah! Se os homens soubessem a força do verda‑


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deiro amor! Fale, Célia, como se você estivesse com ele em seu colo ainda pequenino. Célia aproximou-se do leito de Renato e acariciou seu rosto como fazia antes. Imaginou-o recolhido em seu regaço como se ainda fosse uma criança pequena. Ele, em espírito, encolheu-se e aninhou-se no colo materno. A cena era enternecedora. Célia beijou-o com todo seu amor na fronte. Luiz Flávio que nada via, percebeu que o filho aquietara-se no leito e mantinha uma respiração menos ofegante. Beijou-o também. Célia sorriu para o companheiro que mantinha-se no corpo físico agradecendo pela luta dele junto a Renato. Luiz sentiu uma sensa‑ ção de bem-estar a invadir-lhe os sentimentos. Atribuiu isso ao fato de o rapaz ter se acalmado. Fechou a janela do quarto por onde o cheiro da erva já tinha se esvaído, ajeitou as cobertas do filho e pen‑ sou sem pronunciar nenhuma palavra: “Que Deus permita que você sonhe com a sua mãe, meu filho!” A equipe espiritual permaneceu por mais algum tempo no lar de Luiz Flávio permitindo que energias benéficas permanecessem naquele local em nome do amor! – Renato, meu amor! Sei que não pode me ouvir ou compreender o que se passa. Mas em nome do amor que sempre senti por você estou aqui de volta. Prometo ficar ao seu lado sempre que as leis de Deus permitirem. Lutaremos juntos pela sua vitória! Hei de trazê-lo de volta para o rebanho de Jesus. A morte tirou-me o corpo, mas jamais meus sentimentos por você! O filho revolveu-se no colo da mãe, abriu os olhos assustados. Apenas via um vulto que não conseguia identificar. Um sentimen‑ to bom invadia-lhe as fibras mais íntimas. Não percebera as pala‑ vras de Célia como foram pronunciadas. Renato, depois de mui‑ to tempo, tinha um sonho bom. Algum anjo o visitava enquanto dormia. Virou-se para o lado oposto no colo materno e adorme‑ ceu novamente.


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Célia ficaria naquele local pelo resto da noite. Contudo, Teodósio explicou-lhe que a tarefa era gradativa. Não havia como reparar os desequilíbrios em pouco tempo. – Entendo seu desejo, minha irmã – manifestou-se Teodósio. – Mas antes que a noite se finde, precisamos ir a um outro lar. – Entendo, irmão Teodósio. Perdoe-me em minha fraqueza de permanecer ao lado dele para sempre. – Não é fraqueza, minha amiga. É amor. Mas precisamos ir até o lar de Luíza. – Ah! Minha grande amiga! – Exatamente. E lá você poderá dizer alguma coisa para ela em prosseguimento da tarefa que estamos realizando com o seu auxí‑ lio, Célia. Locomoveram-se até o lar de Luíza que estava ao lado do corpo adormecido e reconheceu a amiga presente em sua casa. Abraçaram‑ -se. Célia falou sempre apoiada pelos companheiros espirituais. – Luíza! Estive com Renato há pouco! Não tenho como descre‑ ver minhas emoções! Vou lutar por ele. Conto com a sua ajuda, mi‑ nha amiga. – Luíza, minha irmã – agora era Teodósio quem se dirigia a ela. – Na próxima noite levaremos Célia para que faça uma comunica‑ ção escrita aos amigos e, principalmente, ao filho tão necessitado de acreditar que a mãe continua viva. Trabalhemos juntos para a vitória do bem em nome do nosso mestre Jesus! Fiquemos na paz do Cristo. Luíza sorriu para Célia e Teodósio. Não vislumbrava os demais componentes do grupo. Na manhã seguinte acordou invadida por uma alegria que ela deduzia o motivo. Lembrava-se da amiga, embora não se lembras‑ se exatamente das palavras. Precisava ir e iria novamente ao lar de Luiz Flávio e Renato. Seu coração pedia essa atitude.


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capítulo 27

O RECADO

LUÍZA PROCUROU IR bem cedo à casa de Luiz Flávio. Queria transmitir sua alegria a ele e a Renato, se fosse possível. Sabia das dificuldades junto ao rapaz, revoltado com a morte da mãe. Mesmo assim não deixaria de semear. Luiz até se espantou com a presença da amiga tão cedo em seu lar. – Muito bom dia, Luíza! Aconteceu alguma coisa? Você por aqui tão cedo! – Aconteceu uma coisa maravilhosa essa noite, Luiz. Estive com Célia! Que alegria eu sinto! Vim para dividir essa certeza com você! Tenho certeza, mais do que nunca, que ela vai velar por Renato! – Fico feliz com a sua alegria, Luíza – respondeu tímido Luiz. – Sei que você não tem muita convicção dessa certeza, Luiz. Mas tenho comigo que logo teremos as provas para demonstrar a imorta‑ lidade de Célia, principalmente para Renato que tanto necessita dela nesse momento da vida. – Alguém falou em meu nome? – era Renato quem aparecia na sala tendo ouvido a conversa do pai com a amiga de sua mãe.


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Por incrível que pareça ele estava de cabelos penteados e bem‑ -posto na sua vestimenta do dia. – Mas que bela visão, meu filho! – observou contente o pai. Renato não respondeu. Apenas fez um gesto de “deixa pra lá” com uma das mãos. Luíza não se conteve em sua alegria. – Renato, meu filho. Sua mãe está bem viva! Estive com ela esta noite! Creia nisso! Tenho certeza de que ela vai prote‑ ger você! – Está viva mesmo, tia! Ela até esteve em meu quarto ontem! Luíza, eufórica, não percebeu a ironia do moço. O pai interferiu: – Renato, respeite a fé da Luíza, meu filho. – Como assim? Você a viu? – perguntou ela. – Não vi. Mas falei até para o meu pai que ela estava no quarto. Pedi pra ele conversar com ela – continuou em tom de deboche. – O que aconteceu ontem, Luiz? – perguntou a visitante. – Não foi nada, Luíza. Renato está brincando com você. Descul‑ pe-o. – Sabe o que é, tia? Na verdade eu tava “chapado”! Fumei uns dois baseados seguidos. E no meio da fumaça pareceu que eu via minha mãe e ouvia a voz dela. Por isso pedi pra meu pai conversar com ela. Luiz Flávio baixou a cabeça envergonhado e procurou explicar para Luíza. – Desculpe, mas ele estava sob os efeitos do cigarro. Acomodei-o no leito para que dormisse e se livrasse do efeito da droga o mais rápido possível. Foi isso. – Então, tia. E foi aí que sonhei com minha mãe. Sonhei que tava como um nenê no colo dela, pode? Pelo menos com o cigarro minha mãe fica viva. – Não, Renato! Sua mãe não depende dessas coisas para estar bem viva, meu filho! A vida é um dom imortal de Deus! Eu acredito que Célia esteve realmente com você esta noite.


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– Sonhar não é proibido, né, tia? Eu fumo e sonho. A senhora sonha sem fumar. Tudo é um sonho! Sem sonhar a gente não con‑ seguiria viver. A vida é assim mesmo. Desse jeito vamos levando as coisas. – Pode continuar pensando assim, meu filho. Mas um dia você irá aceitar a imortalidade, Renato! Sua mãe provará isso a você! De um jeito ou de outro Célia reconquistará seu coração para Jesus. Abraçou e beijou Renato em nome da amiga ausente fisicamente e depois voltou-se para Luiz, perguntando: – Você vai ao centro hoje, Luiz? Sinto em meu coração que você deveria ir. – Vai, pai! O senhor já entrou nessa onda de espiritismo mesmo! Vai ficar aqui sozinho fazendo o quê? – Quer ir comigo, filho? – perguntou de surpresa Luiz. O rapaz deu uma vacilada, mas depois, para se autoafir‑ mar, respondeu: – Por quê? Acha que tenho medo? Pois pode apostar! Eu vou! Não vejo a hora de convencer o senhor, a tia, todo mundo que depois dessa vida enrolada, não existe mais nada! Tá aí! Vamos acordar to‑ dos que estão sonhando! Precisam acordar para viver o aqui e o ago‑ ra porque não tem mais nada depois do buraco fundo do cemitério! Luiz ficou boquiaberto com a decisão do filho! Na realidade ele achava que Renato estava na verdade brincando e que não iria ao centro. Nem naquela noite e nem nunca. Luíza exultava! “Ah! Aí tem a mão da espiritualidade! Creio firmemente que hoje o mundo espiritual prepara uma ceia divina para a família de Luiz e, especialmente, para Renato!” – pensava com o coração aos saltos de emoção enquanto se despedia do pai e do filho. E naquela noite, Renato realmente acompanhou o pai ao Seareiros de Jesus. Evidentemente que não o movia nenhuma crença nos ensinamentos espíritas ou de qualquer outra religião. A mor‑


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te materna lançara-o numa descrença total sobre as possibilida‑ des espirituais da existência após essa vida física. Queria, isso sim, desmascarar a fé de espíritas ou qualquer outra religião que levasse até ele a hipótese da continuação da vida, seja lá onde isso pudesse acontecer. Nutria na realidade um sentimento de debo‑ che, mesclado com cinismo, por tudo o que observava naquele núcleo espírita. Mantinha no rosto um riso sarcástico acerca de tudo aquilo em que as pessoas presentes acreditavam. Luíza foi cumprimentá-los assim que chegaram dando ênfase à presença de Renato. – Que bom que veio, meu filho. Sua mãe, esta noite, estará exul‑ tante com a sua presença neste lugar. – É, tia? E ela também virá ao encontro de vocês? – perguntou com ironia. – Renato! Respeite a religião das pessoas, meu filho! – interviu o pai envergonhado. – Não tem problema nenhum, Luiz. É um direito dele duvidar. A fé religiosa não pode ser cega. Renato é um moço que raciocina e tem o direito de questionar. Aliás, a doutrina espírita recomen‑ da a existência de provas também. Seu codificador, Allan Kardec, também não acreditou sem analisar profundamente os fatos que lhe eram apresentados. Ficamos muito felizes com a presença de vocês. Sintam-se à vontade. Só preciso de um favor seu, Luiz. – Pois não, Luíza. E qual seria? – Posso voltar com vocês depois de terminar a última parte de nossos trabalhos da noite? Tive problemas com meu carro. Alfredo me trouxe. Daria para esperarem um pouco ou virem me pegar em horário que marcaremos? – Claro que sim. Voltaremos para buscá-la na hora em que deter‑ minar. Assim dou uma volta com o Renato e depois retornamos. Acertada essa gentileza entre ambos, embora não fosse do agrado de Renato que não via a hora de ir embora daquele local de pessoas


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ingênuas, em sua opinião, o encontro atingiu a última parte destina‑ da à comunicação mediúnica. Vários espíritos expuseram seus sofrimentos e receberam pala‑ vras de consolo e aplicação de passes através dos médiuns nos ca‑ sos indicados. Luíza, em silêncio, mantinha o pensamento fixo em sua amiga Célia. Tinha certeza de que algum acontecimento muito especial iria ocorrer, embora o trabalho mediúnico se encaminhasse para o final. Antes, porém, o dialogador solicitou mais alguns minutos de vi‑ bração, pois havia ainda um espírito que iria se manifestar pelo re‑ curso da psicografia. E o fenômeno teve início e várias linhas foram traçadas sobre o papel. Contudo, o responsável pela reunião aguardou o término do trabalho para ler o que tinha sido deixado escrito. Pegou as duas folhas preenchidas e deu início à leitura que dizia o seguinte: “Prezados irmãos e companheiros de caminhada evolutiva, que Jesus nos ampare sempre. “Aqui nessa Casa de oração recebi tanta ajuda que trago o co‑ ração repleto de agradecimentos a todos, pedindo a Deus que os recompense como merecem. “Permitam-me dirigir algumas palavras ao amor da minha vida, meu filho, que tive que deixar em tempo determinado, viti‑ mada pelo livre-arbítrio que a Providência Divina confere a todos os Seus filhos. “É a você, Renato, que me refiro. Sim! Estou plenamente viva! Nunca duvide disso! O amor continua a nos unir como fazia en‑ quanto estive ao seu lado no mundo. Enganei-me. Continuo ao seu lado apenas sem um corpo igual ao seu. “Lembra-se do dia que me mostrou a gaveta com o dinheiro que precisava ser entregue àquelas pessoas?


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“O perfume que sentiu no abraço da tia Luíza em dias anterio‑ res realmente não era o que ela usava. Aliás, não usava ela perfume nenhum. O perfume era o mesmo de que eu fazia uso enquanto no mundo. Como isso é possível estará a indagar. Só posso te dizer que o homem nem sonha do que o verdadeiro amor é capaz, meu filho. “Na noite de ontem, quando adormeceu com o seu pai ao lado e sonhou comigo, era eu mesma que estava ao seu lado. Não duvide do amor, Renato! “Cito esses fatos para que você possa refletir melhor sobre a con‑ tinuidade da vida, meu filho amado. “Vou te dar mais uma informação auxiliada pelos amigos espiri‑ tuais aqui presentes para que reflita na imortalidade da alma. Quan‑ do nos despedimos pela última vez sem saber que assim o seria, te chamei de ‘meu tesouro’, lembra-se? “Quem mais poderia saber desses detalhes a não ser eu mes‑ ma, plenamente viva, sua mãe que te abençoa e tudo fará para que seja feliz. “Muita paz a todos. “Célia” Luíza tinha os olhos marejados pela alegria daquela carta impreg‑ nada de fatos conhecidos apenas por Célia e pelo filho. Alfredo também foi tomado pela mesma onda de felicida‑ de. Ângela abraçou os dois companheiros de trabalho daquela casa espírita. Na hora combinada lá estava Luiz em companhia do filho para buscá-la. Luíza entrou no veículo com um sorriso indisfarçável de tanta alegria que lhe invadia a alma. Renato ironizou: – Como é, tia? Viu minha mãe por aí? Luiz fez menção de chamar a atenção do rapaz como sempre. Po‑ rém, Luíza o impediu respondendo depressa ao filho de sua amiga.


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– Ver não vi porque ela não tem mais um corpo igual ao nos‑ so, Renato. – Que pena! Talvez um dia se encontrem, não é mesmo? – Encontrar já nos encontramos, Renato. Apenas não vejo sua mãe pelo motivo que acabei de explicar. – O dia que a encontrar, mande meu abraço a ela – tornou a ironizar. – Mandarei, Renato. Hoje, porém, tenho um recado dela para você. O rapaz gargalhou. Luíza esperou que ele desabafasse sua ironia e depois estendeu‑ -lhe a mensagem psicografada. – Mas o que é isso, tia? – É para você. Foi Célia quem enviou através de uma médium que escreve o que os espíritos presentes ditam a ela. – Não quero, tia. A senhora sabe que eu não acredito nessas coi‑ sas! – como que empurrando o pedaço de papel com uma das mãos. – Pois aí está uma ótima chance de provar que você está certo, Renato. Acredito que não deve desprezar essa prova de que a imor‑ talidade é uma mentira, como você acredita que seja. Tome. Leia! Analise e apresente a todos como prova de que ninguém continua vivo após a morte do corpo. Negue, depois de ler, que sua mãe con‑ tinua plenamente viva e amando você como sempre amou. O rapaz pegou o papel muito a contragosto, enfiou displicente‑ mente em um dos bolsos da camisa, encolheu-se no banco e voltou o rosto para a janela do carro como se ficasse a contar as estrelas que brilhavam no firmamento daquela noite muito linda, bordada pelos astros do Universo.


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capítulo 28

O ENCONTRO

RENATO ESTAVA DEITADO em sua cama com um sorriso de deboche nos lábios, quando o pai bateu na porta do quarto. – Entre, pai. – E aí, meu filho, leu a mensagem de sua mãe que Luíza entregou a você? – Li esse papel que me entregaram, pai. O senhor que está dizen‑ do que é da minha mãe. – Mas não encontrou nenhum dado que somente você e Célia po‑ deriam saber? Alguma informação que comprove que se trata real‑ mente da sua mãe? – Pai! Esses espíritas são capazes de coisas que nem imaginamos para convencer a gente que espírito existe, que a morte não é o fim e tudo mais que eles querem nos fazer acreditar! Será que o senhor também está entrando nessa dessa gente? – Posso ler? – perguntou Luiz. – À vontade, pai. Talvez o senhor encontre a mamãe nesse pedaço


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de papel – tornou irônico e prosseguiu: – Se encontrar dê meu abra‑ ço a ela! – sorriu. Luiz Flávio pegou o papel estendido das mãos do filho e leu vagarosamente. Quando Renato percebeu que o pai terminara a leitura, perguntou: – E aí? Mamãe está nessa folha? – O que diz seu coração, meu filho? – respondeu calmo o pai. O rapaz sorriu e não respondeu. Luiz beijou Renato e se retirou. “Bem! Para uma coisa esse bilhete serviu! Estou com sono! Muito sono e vou dormir ao invés de ficar procurando minha mãe nesse negócio de centro espírita e esquentando minha cabeça!” – pensou virando-se para o lado na cama. Renato, obviamente, não via, mas Teodósio aplicava-lhe passes tranquilizantes. Visava evitar que o rapaz fizesse uso do cigarro de maconha. Sim. O mentor estava presente no lar do descrente Renato. Além dele próprio, Laurinda e Célia também. – Célia, minha irmã. Não desanimemos. A misericórdia de Deus é incansável. Continuemos trabalhando a resistência de Renato em acre‑ ditar na continuação da vida, em acreditar somente naquilo que possa ver e pegar. A função do socorro da energia aplicada nele é induzi-lo a um sono normal sem a contaminação com nenhum tipo de substância que possa prejudicar ainda mais a sua consciência precária da nossa dimensão. Com o sono natural ficará mais fácil de compreender um pouco do que vai acontecer, mesmo que uma mínima parte dos acon‑ tecimentos. Não devemos aguardar milagres, como tenho frisado sem‑ pre. Com paciência e fé, abalaremos sua convicção materialista da vida. Renato estranhava aquela vontade de dormir sem ao menos ter fumado nenhum cigarro de maconha. Não ficou tentando entender o que se passava por muito tempo e mergulhou gostosamente seu corpo na cama macia e limpa. Em alguns minutos estava exteriorizado parcialmente fora do seu veículo físico.


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Devido ao vício cultivado, espíritos inferiores ligados aos praze‑ res que as drogas proporcionavam através da vinculação com Re‑ nato, se fizeram presentes no ambiente aguardando o momento em que levariam o rapaz para os locais da dimensão espiritual onde existiam aqueles que cultivavam, além da morte, a mesma atitude de quando encarnados, exatamente como perigosamente o filho de Célia vinha fazendo. Teodósio comentou: – São irmãos infelizes temporariamente desviados do caminho correto. Tenhamos compaixão deles porque foi a lição de Jesus ao nos ensinar a vivência da misericórdia. Todos nós somos filhos do único Criador de tudo e de todos que nos acolhe ternamente em Seu seio de infinito amor. Na medida em que Teodósio assim se manifestava sobre os espí‑ ritos inferiores que tinham vindo buscar o companheiro encarnado, ligado ao uso da maconha, uma irradiação suave partia de seu cora‑ ção preenchendo todo o espaço do quarto de Renato. As entidades inferiores estavam espantadas com a sensação de paz que se fazia presente porque estavam acostumadas ao desequilí‑ brio e à consequente agitação e intranquilidade que esse sentimento gera em quem o cultiva. Olhavam espantadas por todo quarto de Renato procurando a origem daquela situação e sentimentos experimentados por eles. Teodósio e Laurinda impediam que os espíritos entregues à con‑ tinuação do vício, utilizando-se de Renato, vissem Célia, alterando a densidade vibratória em que se encontravam. Receosos, os espíritos resolveram ausentar-se o mais depressa possível daquele ambiente suspeito para as intenções deles. – O tempo na dimensão dos encarnados é fortemente dividido em dia e noite pela necessidade de atender ao corpo físico. Mas po‑ demos considerar que sob o ponto de vista moral, dia e noite não sofrem interrupção.


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– Desculpe, mas não entendi, irmão Teodósio – comentou Célia. – É simples. Moralmente não existe para o espírito essa divisão de dia e noite. O encarnado terá no período noturno a continuação do que cultivou durante o dia quando o corpo adormece e liberta o espírito. Ou seja, se nas horas diurnas o encarnado faz opção pelo desequilíbrio, durante as horas noturnas esses mesmos desequilí‑ brios aos quais deu preferência o buscarão através de companhias espirituais inferiores que com ele sintonizam. Por isso dissemos que o dia, para o espírito, não sofre interrupção quando anoitece. Ele prossegue dando continuidade aos valores que monopolizaram seus interesses enquanto desperto no corpo físico. Renato, ao fazer uso da substância rotulada como ilícita, chamou para si companhias infelizes de irmãos que se valem dele para conseguirem usufruir um pouco do prazer do mundo material. Como a morte não promove ninguém a santo, os desencarnados que no corpo físico cultivaram qualquer tipo de desequilíbrio, voltam em busca do mesmo através dos encarnados invigilantes. – Esse raciocínio se estende a tudo o que se refere àqueles que ainda estão no corpo, irmão Teodósio? – perguntou, assusta‑ da, Célia. – É da lei de sintonia, minha filha. Onde colocarmos nosso co‑ ração, aí estará nosso tesouro, conforme ensinou Jesus. Se o encar‑ nado é hipnotizado pelo dinheiro, pela bebida alcoólica, pelo sexo ou qualquer outro tipo de desequilíbrio, esse encarnado enquanto o corpo físico dorme, prossegue na dimensão espiritual da vida buscando os mesmos valores e prazeres que cultiva no corpo. O sono é uma amostra bem pequena do que ocorre na morte. E como a morte não produz nenhum milagre, voltamos a enfatizar, que santifique aquele que deixa o corpo físico, o sono muito menos é capaz de fazê-lo. O espírito continua buscando durante o sono do organismo material o que monopoliza sua atenção enquanto des‑ perto nesse mesmo corpo. Por isso esses irmãos infelizes vieram


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em busca de Renato. Na dimensão espiritual estimulam o encarna‑ do a prosseguirem em busca dos prazeres materiais que cultivam para que possam vampirizá-los e usufruir, mesmo que de uma for‑ ma indireta e incompleta, os prazeres a que se entregam aqueles que se encontram na carne. “Por isso eu disse que, sob o ponto de vista moral, a noite sucede ao dia expondo o encarnado às influências negativas que recebe das companhias espirituais com as quais estabelece sintonia. “Volto a insistir nesse ponto por ser uma realidade para todos nós: não existe milagre quando ocorre a desencarnação santificando o desencarnado, da mesma forma como não existe milagre enquanto estamos vinculados a um corpo material, matriculado na escola da Terra, se persistirmos em busca dos desequilíbrios. “De posse do livre-arbítrio podemos buscar o bem e as suas bên‑ çãos. Da mesma forma como podemos buscar o mal e as suas conse‑ quências dolorosas.” Renato aconchegou-se no leito lembrando-se com saudades e ca‑ rinho da figura materna. De alguma forma sentia-se culpado pela morte da mãe. “Era eu quem deveria ter entregado aquele maldito dinheiro e não ela! Morreu por minha causa!” – pensava antes de adormecer. A lembrança de Célia facilitava a intenção de Teodósio e Laurin‑ da ali presentes. Renato afastou-se do corpo físico mantendo-se, entretanto, pró‑ ximo ao leito. – Célia, eis aí a bênção da imortalidade que mantém juntos os que se amam! Aquele que ainda a tem no papel de mãe, necessita do seu amor mais uma vez! – colocou carinhosamente Teodósio. Ela se aproximou exultante do espírito cujo corpo havia mergu‑ lhado no sono. – Renato, meu filho! Estamos juntos, novamente, graças à bonda‑ de de Deus.


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O espírito sentiu o impacto da energia positiva daquelas pala‑ vras. Olhava buscando a origem daquela voz como alguém procura visualizar algo em ambiente de pouca luz. A figura materna, principalmente o rosto, se tornou mais defini‑ do à sua visão. Sorriu para ela, embora não entendesse o que esta‑ va acontecendo. Célia se aproximou e abraçou com todo seu amor o filho amado. O corpo físico de Renato sofreu pequeno frêmito no leito. – Agradeço a Jesus esse nosso reencontro, meu filho! A sepa‑ ração é apenas aparente e transitória. Quero que saiba que a morte só existe para o corpo. Continuamos vivos e nos amando como sempre. Renato, que ouvia essas palavras impregnadas de forte energia oriunda do amor, não compreendia a profundidade que aquele instante tinha para comprovar a imortalidade da mãe. Entregou‑ -se como criança carente ao colo materno, sentindo-se mergulhado numa onda de paz e alegria que não sentia desde a desencarnação de Célia. Ela prosseguiu: – Para que possamos continuar merecedores desses encontros, é necessário buscar a prática do bem que Jesus tão maravilhosa‑ mente nos ensinou através dos seus exemplos. Os desequilíbrios da alma criam obstáculos muito grandes para esses momentos. Por isso, meu filho, venho te pedir que abençoe a vida junto ao seu pai vivendo o mais corretamente possível. Seja uma pessoa que escolhe o bem como norma de vida. O vício é chaga da alma que sangra e nos deixa infelizes. O amor dulcifica o ser e permite que a paz e a alegria nos visitem cada vez mais. Fica com Deus e com Jesus, meu filho! E depositou em sua fronte um beijo impregnado com alta carga energética positiva.


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Renato, nessa noite, não se afastou do corpo em busca das más companhias espirituais que o seu vício atraía, conduzindo-o a re‑ giões inferiores da dimensão espiritual. Acordou de manhã bem cedo e procurou pelo pai que arrumava a mesa para o café da manhã como sempre ajudara a fazer. – Pai! Esses espíritas são “fogo”, mesmo. – Por quê, meu filho? É gente boa que só procura auxiliar dando de si mesmo sem receber nada em troca. – O senhor não está entendendo! Acredita que depois de ler aque‑ le pedaço de papel que tia Luíza me deu ontem à noite, eu sonhei com a mamãe como se ela estivesse viva? O senhor tá entendendo como eles meio que hipnotizam a gente para acreditar nessas coisas de que a morte não é o fim? – Que bom que tenha sonhado com a sua mãe! Sobre o seu co‑ mentário eu só farei uma pergunta: o que os espíritas ganhariam caso você acreditasse, Renato? Qual seria o lucro deles hipnotizando você para acreditar que sua mãe não terminou com a morte? – Sei lá! Talvez queiram que eu frequente aquele lugar lá... – E eu continuo com a mesma pergunta, meu filho: o que eles lucrariam caso você frequentasse o centro espírita no qual Luí‑ za trabalha? – Não sei. Como diz o ditado, cada louco com a sua mania, né? – Renato, pelo menos respeite a crença alheia! Dê uma chance a sua descrença! O que tem a perder? Pelo contrário, só tem a ganhar caso não provem a você que sua mãe continua viva. Será a confirma‑ ção do seu modo de pensar. Você será o vencedor! “Coitado do velho! Pirou também. Já fizeram a cabeça dele!” – pensou Renato diante das argumentações paternas.


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capítulo 29

SINTONIA ESPIRITUAL

NAQUELA NOITE, NO quarto de Renato não se encontravam presentes Teodósio, Laurinda e Célia. Nem sempre tudo são rosas. Os espíritos que trabalham no bem têm sob sua responsabilidade uma série de serviços a serem executados. Não podem, como gostaríamos, estar à nossa disposição durante todo o tempo. E nem seria de bom alvitre tal situação já que precisamos exercitar nosso livre-arbítrio para que possamos assumir as responsabilidades pelas nossas decisões. Além disso, Renato não era exceção à lei da sintonia moral. Empregava mal a sua liberdade de escolha. A lei de sintonia atraía cada vez mais companhias espirituais envolvidas em desequilíbrios e desejosas de usá-lo como intermediário para satisfazerem o prazer que a falta do corpo não lhes permitia usufruir. – Está na hora desse nosso companheiro se envolver com “coisas” mais emocionantes, companheiros! – assim se manifestava uma en‑ tidade voltada ao mal e que se posicionava como chefe dos demais espíritos acostumados a vampirizar Renato nos momentos em que se utilizava da maconha.


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– Ele pode nos dar muito mais! – continuou o chefe. – Vamos estimulá-lo a provar de drogas mais poderosas! E não somente isso. A buscar o prazer do sexo sem responsabilidade. Dessa maneira, teremos um banquete completo – tendo sido aplaudido pelos outros espíritos presentes no quarto do rapaz invigilante. – Mas chefe! – interrogou um dos comandados. – Ele tem dinhei‑ ro pra isso? Sabemos que drogas mais fortes e sexo custam dinheiro! – Não se preocupe com isso. Com a nossa ajuda ele dará um jeito. Se não tiver recurso financeiro trabalhando, que use de outros meios! – Não entendi, chefe. – Ora! Que pegue coisas da casa dele e venda! Dessa maneira o dinheiro virá ter às mãos dele e todos nós ficaremos bem servidos, companheiros! Nós comandamos os que estão na carne! Não se es‑ queçam disso. E com esse rapaz será mais fácil ainda porque não acredita que a vida continua e muito menos que nós existimos! O descrente é a vítima ideal! Hoje iremos levá-lo para os locais onde aprenderá a usar “coisas” mais interessantes! Observará também que o sexo é um dos instrumentos de intenso prazer. Como é jo‑ vem, tudo será mais fácil, facilitado pelos hormônios que banham seu corpo! Planejado dessa maneira, Renato foi conduzido pelas perigosís‑ simas companhias espirituais aos antros do mundo onde desencar‑ nados viviam em grande desequilíbrio, sugestionando as visitas dos encarnados que com eles estabeleciam sintonia. Nesses locais infeli‑ zes onde a dor se ocultava sob o manto ilusório e passageiro dos pra‑ zeres fugazes, encarnados e desencarnados reforçavam ainda mais a união de suas mentes fixadas nos mesmos objetivos. Tinha início para Renato um quadro de conduta de gravidade ainda maior do que vivenciara até então. Espíritos dedicados à bus‑ ca de satisfazer desequilíbrios cultivados enquanto encarnados, vin‑ culavam-se de maneira deliberada ao jovem invigilante e impruden‑ te. Naquele antro, ele recebeu sugestões poderosíssimas para buscar


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substâncias ilícitas que provocassem uma maior alienação do que a maconha que usava. Da mesma forma como recebeu incitamento aos prazeres do sexo sem responsabilidade. Obviamente que essa situação de agravamento das condições morais de Renato não se passava com o desconhecimento de Teo‑ dósio. Entretanto, ele explicava a Laurinda e a Célia que o direito ao livre-arbítrio não podia ser violado. – Que podemos fazer para impedir que nosso irmão se compro‑ meta ainda mais, irmão Teodósio? – perguntou Laurinda. – Isso mesmo, irmão Teodósio! Renato está mergulhando cada vez mais num abismo moral! Precisamos interceder por ele, por fa‑ vor! – era o coração de Célia que pedia angustiado. – Compreendo o sentimento que invade o ser de cada uma, minhas irmãs. Contudo, se nem a Providência Divina violenta o livre-arbítrio de cada criatura, não seríamos nós que tomaría‑ mos a inútil tentativa de fazê-lo. Deus nos deixa livre em nossas escolhas para que sejamos responsabilizados pelas consequên‑ cias. Continuaremos a buscá-lo e orientá-lo para o caminho reto. Entretanto, a palavra final será sempre a dele. Essa é a justi‑ ça perfeita. – E Renato vai acatar essas sugestões dessas criaturas infelizes? – perguntou Célia que cada vez mais revelava sua angústia pela si‑ tuação daquele que fora seu filho. – Não podemos prever qual vai ser sua decisão. O que não pode‑ mos e não faremos é desistir. Jesus nunca desistiu de nós até hoje! Com que direito abandonaríamos um irmão em desatinos? Prosse‑ guiremos no trabalho do bem, acreditando na promessa de Jesus que nenhuma ovelha do seu rebanho se perderia. Renato acordou naquela manhã após uma noite em companhias espirituais inferiores, irritado e de mau humor. As sugestões das entidades inferiores repercutiam em seu cérebro em forma de uma insatisfação para com a vida.


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“Preciso buscar mais emoções! Sair da rotina em que venho tri‑ lhando a minha existência. Não quero mais saber de bilhetinhos da tia Luíza falando de minha mãe que está morta. Não vou mais na‑ quele tal centro espírita onde se reúnem os ingênuos. Preciso acres‑ centar em minha vida mais novidades!” Luiz Flávio percebeu o mau humor do filho naquela manhã e ten‑ tou dialogar: – O que foi, Renato? Não dormiu bem? Parece que está cansado! – Estou é irritado com essa vida de rotinas! Preciso de coisas di‑ ferentes! – Não estou entendendo, filho. Você parecia bem mais tranquilo com as notícias sobre a sua mãe que Luíza nos deu. – Estou cansado dessa tapeação também! Que ela vá enganar ou‑ tros e não a mim! Minha mãe está viva? Então me traga ela aqui. Eu quero vê-la! Conversar com ela! Se não for dessa maneira, então me deixem em paz! Vão enganar outros trouxas! Luiz percebeu que alguma coisa não andava bem e resolveu não prosseguir com a conversa. Aquela não era uma hora propícia para isso. Buscaria trocar ideias com Luíza sobre essa mudança repentina do filho e da estranha agressividade que revelava. E assim que o filho saiu batendo a porta, Luiz ligou para a amiga. – Luíza, preciso de algumas orientações suas sobre Renato. Ele acordou muito estranho, agressivo, irritado, que nem consegui con‑ versar com ele. – Tem algum tempo antes de ir para o trabalho, Luiz? Hoje entro mais tarde na escola e poderei passar por aí. – Se puder me fazer esse favor, eu espero. Reponho à noite o tem‑ po que, por acaso, me atrasar no emprego. Em pouco tempo Luíza estava conversando com o marido de Cé‑ lia que relatou a ela as palavras do filho naquela manhã. – Estou assustado, Luíza. É como se diz na gíria popular: o rapaz parecia que estava com o “diabo no corpo”!


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– Como você bem sabe, Luiz, “diabo” é uma figura mitológica criada pela religião dos homens. Se ele existisse, seria criação de Deus e não pode o bem supremo ter criado um ser destinado ao mal como pretende, tristemente, algumas religiões. – Eu entendo. Mas Renato estava muito estranho hoje pela manhã. – Luiz, para fazer um diagnóstico dele, somente um psicólogo. O que eu posso levantar como hipótese baseada no que aprendi com a doutrina espírita, é que seu filho pode estar sob a influên‑ cia de espíritos inferiores com os quais deve ter se encontrado en‑ quanto o corpo dormia. O vício cultivado por Renato proporciona esses encontros enquanto ele dorme. Essas entidades infelizes se aproximam para empurrá-lo a se comprometer ainda mais diante das leis de Deus. Quanto mais nos envolvemos com os desequi‑ líbrios, mais fornecemos para os desencarnados oportunidades de usufruírem de nossa conduta para “saborearem” os prazeres proporcionados pelo mundo material vampirizando-nos. Pode ser isso que esteja acontecendo com ele para ter mudado de hu‑ mor assim de repente. Mas como eu disse, estou me baseando na minha religião. – Nossa, Luíza! Confesso que isso me assusta! E o que pode acon‑ tecer se isso for verdade? – Primeiro temos que orar ainda mais por ele. Segundo, vamos cercá-lo de mais carinho e atenção e observar o que ele vai fazer. Evi‑ te a discussão porque isso instala o desequilíbrio em seu lar e facilita a ação dos espíritos inferiores. Tenho também uma sugestão para fa‑ zer. Aliás, que eu deveria ter sugerido bem antes. Acabei envolvida com as preocupações de antes do ocorrido com Célia e depois com a tragédia que aconteceu com ela que acabei me esquecendo, mas sempre é tempo. – E o que é? Diga logo! Faço o que for preciso pelo meu filho. Já basta o que aconteceu com Célia! – Vamos realizar o culto do Evangelho em seu lar, Luiz.


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– Mas culto é coisa de espírita? Me parece mais atitude de ou‑ tra religião. Luíza sorriu e explicou: – “Culto” é só uma expressão que utilizamos para denominar uma pequena reunião da família em torno dos ensinamentos de Je‑ sus, uma vez por semana, e com horário predeterminado. Com isso atraímos a atenção dos espíritos amigos e aumentamos a proteção do lar. Criamos uma barreira vibratória com a prece e nossas vibra‑ ções em favor de todos os necessitados. Dessa forma os espíritos inferiores encontram maior dificuldade para agir. É um excelente recurso para ajudarmos Renato na atual fase em que ele se encontra. – Mas ele não vai participar, você sabe. – Claro que sei! O ideal seria que ele aceitasse. Fazemos o convite assim mesmo. O fato dele não participar não anula os benefícios que atrairemos para o seu lar, Luiz. Estudaremos um horário e o dia em que for melhor para você e eu virei junto com alguma companheira do centro para realizar esses minutos de reflexão junto aos ensina‑ mentos de Jesus. Mantenhamos a fé de que tudo irá melhorar. Não se esqueça de que temos aliados do outro lado da vida. – Faremos isso o quanto antes, Luíza! Pelo que vi hoje, meu filho precisa de socorro urgente! O dia transcorreu com grande preocupação para Luiz Flávio. Em seu trabalho, no período da manhã, a figura do filho absorvia seus pensamentos. “Por onde andaria, o que estaria fazendo e em que companhia Renato estaria naquela mesma hora? Deixara a escola num ato de revolta após a morte da mãe. Emprego fixo não tinha. Trabalhava um pouco em cada lugar, executando variados pequenos serviços apenas para ganhar algum dinheiro que alimentava seu vício. Tra‑ tamento de apoio com Otávio, meu amigo psicólogo, recusava sem‑ pre. A minha esperança eram as notícias sobre Célia através de Luí‑ za. Entretanto, a descrença impera no coração de Renato!” – eram


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as cogitações que ocupavam a mente do pai naquelas angustiosas horas da manhã. Terminado o turno de trabalho matutino, Luiz dirigiu-se angustiado para casa perguntando-se sobre a presença do filho na hora do almoço quando poderia dialogar com ele e tentar ajudá-lo de alguma maneira. Entrou rapidamente na casa e perguntou a Teresa sobre Renato. – Ele não apareceu ainda, “seu” Luiz. – foi a resposta da serviçal. – Nem telefonou, nada? – Não, senhor. Como Teresa continuasse em sua frente e olhando para ele, Luiz resolveu dispensá-la. – Obrigado, Teresa. Pode continuar seu serviço. Ela não se moveu do lugar, o que causou estranheza no patrão. – Algum problema, Teresa? Parece que está querendo me dizer alguma coisa. Pode falar sem constrangimento. Afinal, você trabalha há tantos anos conosco que já é da família. – Eu queria mesmo falar sobre um assunto, mas tenho até vergonha! – Ora essa, minha amiga! Pois fale! Considere-se da família! – O senhor guardou algumas coisas de dona Célia em outro lugar? – Como assim, Teresa? Deixei as coisas dela nos lugares de costu‑ me. Por quê? Não estou entendendo! – Ai, meu Deus! Como é difícil! Luiz levantou-se preocupado e segurou nos ombros de Teresa. – Por favor! Estou ficando preocupado! O que aconteceu? – Desculpe-me “seu” Luiz, mas ou eu estou ficando maluca ou algumas joias de dona Célia sumiram! Luiz Flávio empalideceu. – Como assim, Teresa? Sumiu como? – Isso eu não sei, não senhor! Hoje pela manhã fui limpar a cai‑ xa onde ela guardava as joias e reparei que o peso estava menor. Como o senhor sabe, eu sempre limpava a caixa por fora. Dona Célia me pedia.


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– Eu sei, Teresa. Você é de nossa total confiança! – Pois então. Como o peso estava menor, eu tive o atrevimento de abrir a caixa e acho que está faltando joias, “seu” Luiz! Eu sei que o senhor anda preocupado, mas eu não podia esconder isso do senhor! Luiz sentou-se devagar na cadeira de onde se levantara. Passou as mãos sobre os cabelos e depois apoiou o rosto com ambas as mãos. Teresa se prontificou em falar o mais depressa possível: – Pelo amor de Deus, “seu” Luiz! Eu não tenho nada com isso! – Fica tranquila, minha amiga! Não estou pensando nada sobre você. Pode ficar em paz. E era verdade que nenhuma desconfiança recaía sobre Teresa. A lembrança que vinha à sua mente era a do próprio filho. “Se tem alguém envolvido com isso, infelizmente só pode ser meu próprio filho, já que a casa não foi invadida por nenhum la‑ drão!” – pensou quase de imediato. “E o pior! O destino desse dinheiro só pode ser para outras dro‑ gas além da maconha!” – continuou a pensar. Sentou-se à mesa e pouco comeu. As preocupações e angústias roubavam-lhe a fome. Deitou-se em seu quarto na tentativa de re‑ pousar um pouco antes de retornar ao trabalho, mas o sono recusou‑ -se a atender sua intenção de descanso. No período da tarde o tumulto dos seus pensamentos continuava. Findo o dia de trabalho retornou apressado ao lar na esperança do retorno do filho. Entretanto, Renato não veio para o jantar. Apa‑ receu em hora não habitual e avançada da noite. Luiz observou que a alienação do filho em relação ao ambiente do lar e à figura paterna havia aumentado. Tentou conversar. – Renato, meu filho. Não veio almoçar e apenas chegou a essa hora? Passei o dia preocupado! O jovem com o olhar perdido em alguma coisa que somente ele via, fez um gesto que significava para ele uma expressão de


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“paz” com dois dedos abertos em posição que lembrava uma letra “vê”. – Tudo em paz, coroa! Até a tonalidade e o ritmo da voz de Renato estavam diferentes do habitual. Instantaneamente um pensamento assaltou a mente de Luiz. “Renato não está mais envolvido só com maconha! Tem coisa mais séria nisso tudo! Seu comportamento mudou bruscamente e com a descoberta de Teresa sobre as joias de Célia, creio que não estou errado! Infelizmente!” – pensou de imediato. Aproximou-se do filho a fim de abraçá-lo e percebeu cheiro de álcool em seu hálito. “Meu Deus! Renato nunca foi de beber! Mas seria só bebida al‑ coólica ou outras drogas mais sérias, já que o comportamento dele está muito estranho?” – eram as dúvidas que assaltavam a mente de Luiz. Renato subiu para seu quarto e atirou-se na cama sem tirar se‑ quer o calçado. Luiz acompanhou. – Não vai comer nada? Tomar um banho? Outros gestos com as mãos como o anterior e as palavras desco‑ nexas responderam ao pai angustiado. – Fica em paz, coroa! “Definitivamente alguma coisa grave, muito grave estava acon‑ tecendo. A alienação de Renato se modificara totalmente! Nos mo‑ mentos em que tragava um cigarro de maconha, o comportamento era menos alienado. Mas hoje as coisas pioraram muito!” – pensou aflito Luiz. “Ah! Célia. Como você faz falta na vida de Renato! Na nossa vida!”


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capítulo 30

NOVIDADES

O TEMPO PASSAVA no calendário dos homens e a preocupação de Luiz Flávio era crescente diante do comportamento cada vez mais com‑ prometedor do filho. Na dimensão espiritual da existência o mesmo se passava em relação à Célia que buscava forças no irmão Teodósio e na atenção amiga de Laurinda. – Irmão Teodósio! Como os acontecimentos do mundo dos en‑ carnados nos atingem! Quando estamos mergulhados em um cor‑ po físico temos a impressão de que a morte coloca uma barreira intransponível entre os chamados vivos e os denominados mortos. Mas não! A vida e os sentimentos prosseguem sem interrupção. An‑ gustia-me ver meu filho apresentando um comportamento cada vez mais desequilibrado diante das leis dos homens e de Deus! Parece cada vez mais dominado pelos prazeres do mundo material! Nossas tentativas de auxiliá-lo parecem que se desvanecem como nuvens sob rajadas fortes de vento. – Infelizmente os prazeres do mundo com suas recompensas ime‑ diatas realmente exercem um grande poder sobre os encarnados. Re‑


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nato não faz exceção a essa regra. Somente os espíritos de evolução suficiente conseguem, às duras penas, se esquivar dos atrativos do plano material permanecendo fiéis aos seus compromissos. Aquele que foi seu filho na última existência se envolve cada vez mais com o desequilíbrio, irmã Célia. Não podemos violentar o livre-arbítrio dele. Cabe-nos aconselhar através de sugestões voltadas para o bem, mas a palavra final é sempre do encarnado para que ele tenha res‑ ponsabilidade pela colheita que a vida trará. Entretanto, a miseri‑ córdia de Deus vigia sempre e ela é grandiosa. Não desanimemos! Há quantos milênios Jesus nos acompanha sem desistir de nenhuma ovelha do seu rebanho. – Entendo, mas gostaria de poder fazer alguma coisa que surtis‑ se um efeito mais imediato em Renato. Não sei como poderia ou o que deveria fazer para conseguir essa mudança nele, desviando-o do rumo sombrio que está tomando. – Continuemos trabalhando em favor dele, irmã Célia. Quando abrigamos em nossos corações o desejo de auxiliar os que estão na retaguarda evolutiva, sempre podemos ser aproveitados pelos pla‑ nos de Deus em favor de todos os Seus filhos. Na Terra Luiz Flávio abria sempre seu coração com Luíza que se constituía numa grande amiga a quem recorria nos momentos de maiores preocupações e vacilos. – É como estou te falando, Luíza. Cada vez mais o comportamen‑ to de Renato revela uma piora em seus desatinos. Ontem só voltou à noite para casa mais alienado, ainda, dando a impressão de que se envolveu com drogas mais pesadas. Isso sem contar o cheiro de álcool que exalava quando me aproximei dele. Para completar o dia infeliz, veio a revelação de Teresa! O que será que me espera de pior, minha amiga? – Luiz, continuamos no centro espírita pedindo por ele como fa‑ remos também por ocasião do Evangelho no lar em sua casa. Esses pedidos de socorro direcionados ao plano espiritual não ficam sem


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resposta. Sei que é difícil, mas o auxílio virá quando menos espe‑ rarmos e de forma que, na maioria das vezes, nem imaginamos! Não perca a fé no socorro de Deus, Luiz. Quanto mais sombria nossa noite, mais o Criador prepara um sol deslumbrante para um novo amanhecer. – Estou torcendo por isso, Luíza! Tenho medo de perder as forças de uma vez! – E essa manhã, Renato já saiu? – De manhã bem cedo. Malvestido, cabelos despenteados, roupas mal arrumadas. Meu Deus! Parecia mais um pedinte de rua! Mal be‑ bericou um gole de café e se foi. Cada vez mais seu comportamento e aparência roubam-me a paz! – Mas nós continuaremos a postos pedindo por ele, Luiz. Sere‑ mos atendidos pelos espíritos amigos que trabalham em nome de Deus e de Jesus. Você verá. Vou fazer o seguinte: como ainda está cedo, vou à minha casa buscar um exemplar de O Evangelho segundo o Espiritismo e faremos uma oração por seu filho como se estivésse‑ mos mediante uma situação de emergência. Me aguarde um pouco só. Deus não deixa de responder aos apelos dos Seus filhos! Retornando ao lar de Luiz, o Evangelho no lar foi realizado mais uma vez, de forma excepcional naquele dia, porque Luíza teve a sensibilidade de perceber o estado de profunda amargura que inva‑ dia o coração daquele pai que vinha lutando pela melhoria do filho, após a morte trágica da esposa. Luiz foi trabalhar apenas devido ao senso de responsabilidade que o envolvia perante o emprego, mas sentia-se profundamente fragilizado e impotente diante da progressão da piora evidente do comportamento do filho. Não via a hora do encerramento daquele dia de trabalho que se escoava lentamente. Retornou ao lar e verificou a ausência de Renato na hora do al‑ moço, o que se tornara uma rotina. Aguardou pelo anoitecer quan‑


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do ele costumava retornar ao lar, quando não pernoitava sabia lá Deus onde! Estava sentado em uma poltrona pensando na esposa quando ou‑ viu a porta da sala que se abria. Levantou rápido e esperançoso no retorno do filho. Realmente Renato havia voltado para casa em avançada hora da noite. Mas não estava só. Uma jovem acompanhava-o. A falta de cuidado com a aparência escondia os traços bonitos daquela moça. Cabelos ruivos e mal penteados. Olhos claros. Pele alva com alguma presença de sardas. Lábios bem contornados. Braços longos como os dedos das mãos. Estatura alta para o sexo feminino. Algumas tatua‑ gens espalhadas pelo corpo nas partes visíveis. A jovem parecia, na aparência desleixada, uma cópia do filho! “Meu Deus! Mas o que está acontecendo?” – murmurou para si mesmo. Indagou: – Filho, quem é a moça? – Somos namorados, pai. O senhor já se esqueceu de que foi jo‑ vem e teve namoradas? – Entendo. Mas você nunca comentou nada sobre ela! Qual o seu nome, minha filha? – Celina – respondeu a jovem com voz acetinada e pausada. – Namoram há muito tempo, Celina? – Ô, pai! Tem dó! Vai começar dar uma de policial sobre nós? – in‑ terrompeu brusco Renato a conversa de Luiz com a namorada. – Não estou querendo bisbilhotar a vida de vocês, Renato, mas preciso saber qual o tipo de relacionamento que existe entre os dois. – E pra quê? – tornou a ser rude o filho. – Bem. Então vamos conversar abertamente nós três – disse Luiz adquirindo uma postura decisiva e firme. – Os jovens de hoje são diferentes do meu tempo. E vou ser bem direto e sincero com vocês dois! Estão se cuidando


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no relacionamento sexual para evitar uma gravidez ou con‑ trair doenças? Renato e Celina sentiram o impacto da sinceridade da conversa que não esperavam. Na realidade nem Luiz tinha noção de ter co‑ ragem para tamanha franqueza. Mas precisava tocar nesse assunto mesmo que precocemente, para que os males que envolviam o filho não tomassem outras proporções maiores como uma gravidez ou doença de gravidade considerável. Diríamos que Luiz estava cansa‑ do da coleção de problemas que se avolumavam em seu lar, o que lhe deu forças para aquela abordagem que revelava um misto de revolta e medo com a constante escalada de desequilíbrios do filho. Não precisava de mais notícias graves! O peso que lhe caía sobre os ombros já estava de bom tamanho. Por isso, num instante de extra‑ vasamento de suas angústias, a conversa surgia de forma plena e franca entre ele e os dois jovens. Como ensina o ditado popular, uma gota de água é muito pouco, mas quando cai sobre um copo cheio é o fator que provoca o derramamento do líquido. A presença do filho com a jovem envolvidos em relacionamento foi a gota d´água que faltava. Renato interviu: – Ô, pai! O que é isso? Acha que somos crianças que não sabemos o que fazemos? – Não acho, Renato! Tenho certeza! Vocês dois precisam se respei‑ tar e cuidar para que um não comprometa a vida do outro! E para isso o relacionamento sexual tem que ser responsável! Uma criança não pode pagar o preço de uma aventura entre vocês dois! A saúde de vocês também não! As doenças sexualmente transmissíveis estão aí para comprovar isso! – O senhor tomou algum remédio e está fora de si? – perguntou o filho. – Não tomei nada! Estou tendo uma conversa bem direta com vo‑ cês dois para que não compliquem suas vidas! Está na hora de você


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virar homem, Renato! E você Celina, precisa se comportar para que seja respeitada como mulher de bem! Renato pegou em uma das mãos da jovem, murmurando: – É melhor darmos o fora daqui. Meu pai não está no normal dele. Nunca o vi desse jeito! – Esperem! Precisamos continuar nossa conversa pelo bem de vo‑ cês dois! O ruído da porta da sala batendo foi a resposta que obteve a sua observação. Luiz sentou na mesma poltrona onde estava e se pôs a meditar em todos os acontecimentos que se avolumavam dia a dia na sua vida e naquela casa. “Só me faltava essa agora! Envolver-se com uma moça que deve estar usando drogas como ele! O que deu nesse rapaz, meu Deus? Se a cruz já estava pesada, com esse envolvimento amoroso as coisas se complicaram ainda mais! Parece que Luíza estava enganada! Pedi‑ mos socorro a Deus e a resposta foi o surgimento dessa moça na vida do meu filho? Para onde as coisas estão caminhando? Vou é acabar num hospício porque já não consigo mais equacionar soluções para os problemas que se avolumam e agigantam cada vez mais!” – pen‑ sava Luiz esfregando a cabeça com as duas mãos, profundamente angustiado com a sucessão dos acontecimentos dia após dia. Enquanto isso, na dimensão espiritual da existência, Teodósio conversava com Célia e Laurinda. – Fui convidado para uma reunião com os espíritos que ocu‑ pam posição de nossos orientadores. Nada posso adiantar sobre o assunto, mas assim que receber as instruções devidas, colocarei vocês duas a par do que se trata na medida em que me for autori‑ zado. Estarei ausente por um breve tempo. Continuem confiando no auxílio do mais Alto como filhos que somos do Altíssimo. Orem por mim também para que possa corresponder à confiança de nos‑ sos superiores.


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– Se for possível, irmão Teodósio, peça socorro para Renato que cada vez mais comete desatinos na vida física. – Aguardemos confiando, irmã Célia. Tenhamos certeza de que ninguém se encontra ao desamparo perante a Providên‑ cia Divina. Com essas palavras de bom ânimo e fé em Deus, Teodósio partiu em direção ao destino que o aguardava. Em casa Luiz resolveu arriscar ligar para Luíza mesmo naquela hora da noite. Precisava desabafar com alguém de confiança após a novidade que encerrara aquela noite com a presença de Celina em sua casa com seu filho. – Luíza? Mil perdões pelo horário, minha amiga! Mas precisava desabafar para ver se consigo algumas horas de sono nessa noite. Estou exausto! – Fique tranquilo, Luiz. Estava providenciando algumas coisas lá para o centro e ainda não me deitei. Mas o que foi que aconteceu? Parece muito nervoso. – E estou mesmo, Luíza. Para culminar os desatinos de Renato, ele me aparece com uma jovem aqui em casa. Pela aparência, deve ter conduta semelhante à dele, senão não se aproximaria. E descreveu para a amiga com os detalhes do qual se lembrava a figura de Celina. – Aí perdi a cabeça e fui direto ao assunto. Não sei se fiz mal ou se estou certo, mas agi com toda a honestidade sobre o relaciona‑ mento dos dois, principalmente no aspecto sexual! Estou cansado de problemas, Luíza! Só falta esses dois descabeçados arrumarem uma gravidez ou contraírem alguma doença grave com sexo sem pro‑ teção. Responsabilidade nessa relação é o que não espero mesmo. Então resolvi partir direto para o assunto evitando mais confusão na vida deles e na minha também! – Entendo o seu cansaço, Luiz. Não tem sido fácil a “barra” que você tem enfrentado. E o fato de ter ido direto ao assunto sobre o


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relacionamento entre os dois, talvez os despertem para os cuidados necessários. Não somos perfeitos, Luiz. Temos nossos momentos de desequilíbrio devido ao acúmulo de problemas. Vamos juntar às verdades que você disse a eles as nossas orações para que tenham um mínimo de reflexão sobre o assunto. Procure dormir um pouco. Você tem lutado bravamente pelo seu filho. Acredito que Célia está orgulhosa e agradecida por você, Luiz. Aquelas palavras da amiga sincera tiveram o poder de levar al‑ guma tranquilidade ao mundo íntimo tremendamente agitado de Luiz, que procurou o leito para algum descanso na noite que já ia longe, antecedendo mais um dia de trabalho e de novos problemas que poderiam surgir em sua vida. “Ah! Célia, Célia! Você nem sabe o que seu filho tem aprontado nesse mundo!” – pensou ajeitando o travesseiro sob a cabeça. Adormeceu após algum tempo de espera pelo sono e o espírito ficou ao lado do corpo físico. Na dimensão espiritual, Célia e Laurinda se fa‑ ziam presentes. Luiz Flávio não percebia praticamente nada daquela dimensão. Mesmo assim Célia se aproximou dele com palavras de bom ânimo e consolo. – Luiz, tenho acompanhado sua luta com Renato e bem sei que não está sendo nada fácil! Peço a Deus que o recompense no esfor‑ ço hercúleo que tem feito para conduzi-lo ao caminho da retidão. Não está só, como entende. Os amigos espirituais têm procurado levar o auxílio possível, mas esbarram sempre no livre-arbítrio de todos nós. Mesmo assim, prosseguirei fazendo o que me for pos‑ sível apesar da consciência de que nada ou quase nada posso de mim mesma. Minhas preces por você e Renato nunca cessarão. E se um dia Deus me der forças, tudo farei para que nossa tarefa junto ao nosso filho consiga um final com vitória. Estamos e continuare‑ mos juntos, meu amigo!


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Dito essas palavras que Luiz Flávio não ouvia, mas sentia a energia positiva que elas carregavam até ele, Célia despediu-se com um grande abraço e um beijo na fronte do companheiro de lutas na Terra.


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capítulo 31

E ACONTECEU...

A ROTINA DE Renato e Celina, sua namorada, prosseguiu apesar dos alertas de Luiz Flávio. As advertências diárias dele em nada in‑ fluenciavam as atitudes dos jovens que davam prosseguimento às suas inconsequências. Porém, um dia, como sempre acontece em nossas vidas, Renato pediu para conversar com o pai. Obviamente que Luiz não se negou porque sempre procurou dia‑ logar com o filho, mas teve um mau presságio sobre o assunto da conversa. E não estava enganado. – Pai. É o seguinte: tô precisando de uma grana! – E posso saber para quê, meu filho? – É que... É que... – as palavras não saíam da boca de Renato. – Celina está grávida! – completou a frase Luiz, já que esperava por essa consequência. – É isso aí, pai! – Sei. E deixa-me adivinhar o resto. O dinheiro seria para provo‑


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car um aborto e matar uma inocente vítima da falta de responsabili‑ dade de vocês dois, não é isso? – É isso aí mesmo. Não tem outro jeito. Não podemos ter um filho! – Sobre isso vocês tinham que ter pensado antes e não agora com a gravidez consumada. – Bem, se você está me negando o dinheiro, vamos procurar outro jeito em algum lugar. – Se você fizer isso, falo com Roberto meu amigo da polícia e denuncio vocês dois e quem mais estiver envolvido no aborto! – co‑ locou Luiz categórico. Luiz Flávio jogou pesado para causar um impacto emocional no filho e prosseguiu: – Não ofereço o dinheiro para abortar esse ser inocente que não tem culpa da falta de juízo de vocês dois. Mas dinheiro para você e Celina virem morar aqui onde a criança nascerá não irá faltar! Pas‑ sou da hora de você virar homem! Celina atingiu o ponto máximo de uma mulher que é ser mãe. Vocês dois precisam criar juízo! Que‑ ro conhecer os pais dela para acertarmos a parte civil da vida de vocês. Enquanto não existia um ser inocente sendo vítima, tolerei a situação, mas agora basta! Tudo na vida tem um limite e você, Renato, ultrapassou esse limite! Por mim, pela sua mãe e por essa criança que vem se preparando para nascer, as coisas vão mudar! Ou vai ser assim ou sumirei da sua vida para sempre, meu filho! Tenho lutado desde antes da morte da sua mãe dando todo o apoio de que você necessitou, mas sou um ser humano. Me cansei! Ou honramos a vida, ou você terá total liberdade de continuar seus desatinos lon‑ ge de mim para sempre! Eu não mereço tudo o que você tem feito de errado! E o pior: a memória da sua mãe muito menos! Uma mulher que te amou a ponto de dar a própria vida para que você fosse pou‑ pado não merece a sua conduta de erros e mais erros. Basta! – O senhor tem raiva de mim devido à morte dela! Nunca me perdoou por isso!


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– Nunca tive e não tenho raiva de você, Renato, mas não suporto mais tantos desatinos seus que agora vem me pedir dinheiro para abortar uma criança que é seu filho! Honre a vida da sua mãe que se foi, concedendo a esse ser em desenvolvimento no ventre materno o direito de nascer! É uma espécie de troca, se você me entende. Per‑ mita que alguém nasça através de vocês dois como que devolvendo à vida a existência daquela que tanto te amou e preferiu se arriscar do que expor você, Renato. Reponha uma vida no mundo em troca da vida da sua mãe. Faça essa homenagem a ela! A não ser que, em seu julgamento, Célia não mereça. Luiz Flávio extravasava todos os sentimentos que lhe amar‑ guravam a vida durante os anos que se sucederam à morte da esposa. Renato, por sua vez, que nunca tinha visto o pai naquele estado, sofreu um impacto suficiente para repensar seu comportamento até então. De início quis retrucar, desafiar, enfrentar o pai em virtude daquelas palavras que o atingiam profundamente. Contudo, a me‑ mória da mãe suplicava-lhe em pensamento que refletisse com cal‑ ma e a devida dose de coragem nas verdades que Luiz lhe dizia para o seu próprio bem. Celina, por sua vez, estava assustada com o conteúdo daquela conversa entre pai e filho. De olhos arregalados presenciou em silên‑ cio tudo o que ouvira até então. Quando menos esperava, as palavras foram direcionadas a ela. – E você, minha filha, será também bem-vinda a essa casa desde que possamos realmente reconstruir a família que perdi com a morte da minha esposa. Como marido e mulher e o filho a caminho, terei muito amor para dar a esse neto que premiará nosso lar e nossas vidas. Amor para ele e para vocês dois. Tenho certeza de que estarei realizando a vontade de Célia, que abençoará nossa decisão. Você aceita construir conosco esse novo lar onde o amor dirigirá nossas decisões, Celina?


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A jovem não respondeu com palavras, mas lágrimas discretas desciam pela sua face enquanto seus olhos buscavam apoio nos olhos de Renato. – Voltaremos a ser felizes, Renato! Precisamos aproveitar essa oportunidade que a vida está nos oferecendo, meu filho! Fazer des‑ sa casa um lar novamente. A bênção dessa criança será o ponto de partida! Creio ser a resposta de Deus aos meus pedidos e aos pedi‑ dos dos amigos que tanto têm nos apoiado, principalmente Luíza. Pedirei a conhecidos uma oportunidade de trabalho para você, Re‑ nato. Celina, depois de dar à luz, retornará aos estudos caso tenha interrompido os mesmos porque ainda é muito jovem. A alegria será a regra maior desse novo lar. Célia exultará de onde estiver com nossa vitória sobre todos os problemas que enfrentamos até agora. E o principal: terá certeza de que a sua morte não foi em vão. Sentirá, onde estiver, que cumpriu seu papel de mãe! O silêncio se fez presente naquela sala onde a conversa franca e necessária tinha sido realizada. Os abraços entre os três balsa‑ mizavam os momentos tensos vivenciados. Lágrimas discretas deslizavam pelos rostos de Luiz, Renato e Celina. Uma brisa suave banhava o local como se trouxesse a mensagem de bom ânimo e fé no futuro. Um novo dia trazia a promessa de um amanhã feliz. Mas como a vida não prossegue somente na Terra, na dimensão dos espíritos ela seguia de forma dinâmica. Teodósio tinha retornado há algum tempo das regiões superiores atendendo a convite onde, por certo, recebera orientações no socorro que prestava aos encarnados e desencarnados sob a sua assistência. Assim que retornou, chamou Célia para uma conversa em parti‑ cular solicitando a Laurinda a gentileza para que assim acontecesse. Célia estava apreensiva! “Laurinda sempre participara dos acontecimentos da sua vida na dimensão espiritual! Por que uma conversa em particular com


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irmão Teodósio?” – eram os pensamentos que circulavam pelo seu cérebro enquanto se sentava à frente do mentor em uma cadeira da sala delicadamente montada. – Célia, minha irmã. Entre outros assuntos que foram tratados na minha ida à esfera superior à nossa, para receber instruções a serem desenvolvidas em nosso plano, está uma proposta dos mentores para você, caso aceite. – Estou confusa, irmão Teodósio! Laurinda tem sido tão boa co‑ migo! Fiquei constrangida ao ser chamada para essa conversa em particular. Alguma coisa errada que eu tenha feito? – Pode ficar tranquila, Célia! Laurinda está acima desses melin‑ dres que cultivamos. E creia que ela será recompensada pela grata notícia quando eu puder revelar o resultado da nossa conversa. Pedi em particular esse nosso diálogo para deixá-la bem à vontade em sua decisão. – Nossa! Estou cada vez mais preocupada com o assunto, ir‑ mão Teodósio! – Não há nenhum motivo para isso porque iremos falar e tratar sobre o amor. Nosso amor pelos semelhantes, como recomenda o primeiro dos mandamentos. E quando falamos de amor não existe motivo para preocupação, só para alegrias. – Então posso saber logo do que se trata para acalmar meu coração? – Como está seu amor pelo filho Renato que ficou na Terra, irmã Célia? – Cada vez maior, se isso fosse possível! – Lembra-se do dia em que falei que havia trabalho a sua espera caso você aceitasse? Lembra-se de que esse trabalho maior seria lu‑ tar pela recuperação do seu filho? – Sim! Embora não tenha recursos para tanto, estou e estarei sem‑ pre à disposição do mínimo que possa realizar para reconduzi-lo ao bom caminho, irmão Teodósio! – Seria capaz de tudo, dos maiores sacrifícios, Célia?


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– Claro que sim! E agradeceria muito a Deus e a Jesus por isso! – Que bom, minha filha! Voltaremos a nos falar. Que possa ser fortalecida cada vez mais no trabalho de amor ao próximo! – Mas... – Acalme seu coração e confie, Célia! O período de gestação de Celina transcorria dentro da norma‑ lidade. Renato, influenciado pelo filho que a cada dia mais se con‑ cretizava no ventre materno, encontrara forças para lutar pela sua reabilitação física e moral. Aceitara o tratamento com Otávio, o psi‑ cólogo amigo de seu pai. Celina amadurecera com as orientações da grande amiga de Célia, Luíza, que a orientava em sua primeira experiência como mãe. Luiz Flávio nem acreditava que a paz resolvera visitar no‑ vamente seu novo lar. Os primeiros fios de cabelo grisalho que surgiam na fronte eram testemunhas silenciosas dos sofrimen‑ tos vivenciados. Luíza continuava a amiga incondicional de sempre. O culto do Evangelho no lar havia ganho mais dois frequenta‑ dores: Renato e Celina. Para sermos justos, ganhara mais três com‑ ponentes, se incluirmos a criança em desenvolvimento no ven‑ tre materno. Numa dessas ocasiões para realização do estudo das lições de Jesus, Luiz Flávio comentou com os presentes, entre os quais Luíza a amiga dedicada: – Para que a nossa felicidade fosse completa, só falta a presença de Célia entre nós! – Então pode se considerar plenamente feliz, meu amigo. Te‑ nho certeza de que ela está entre nós em espírito, Luiz! – colo‑ cou Luíza. Teodósio e Laurinda presentes no lar sorriram. O mentor comentou feliz:


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– Em espírito, em carne e ossos também, irmã Luíza, porque o AMOR PROSSEGUE! O ultrassom para o acompanhamento da gravidez de Celina re‑ velara que o feto em desenvolvimento tratava-se de uma menina!...

Fim Outono de 2018.


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